Incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR

Share Embed


Descrição do Produto

Incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR. Autor: Alexandre de Paula Filho, monitor da disciplina Direito Processual Civil III na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e integrante do grupo “Processo com Quê?”.

1. Considerações iniciais.

O legislador do CPC/15, atento às demandas de massa – isto é, múltiplos processos que versam sobre a mesma questão de direito - cuidou de criar procedimentos que visam sistematizar o a resolução dessas questões, promovendo isonomia (pois todos, sem exceção, têm direito a um julgamento justo) e segurança jurídica (porque o sistema jurídico deve ser dotado de previsibilidade, e isso não pode estar restrito à lei, mas à forma como os tribunais resolvem questões idênticas) Nesse ínterim, temos o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, procedimento instaurado no curso de processo que tramita nos tribunais visando reprimir a divergência jurisprudencial sobre múltiplos casos idênticos. Está disciplinado nos artigos 977 a 987 do CPC. De acordo com Humberto Theodoro Jr., os objetivos do IRDR são: a) abreviar e simplificar a prestação jurisdicional, cumprindo os desígnios de duração razoável dos processos e de observância dos princípios de economia e efetividade da prestação jurisdicional, já que, uma vez resolvida pelo tribunal a questão de direito presente em todos os múltiplos processos individuais, a solução destes se simplifica, podendo rapidamente ser definida; b) uniformizar a jurisprudência, de modo a garantir a isonomia e proporcionar efetividade à segurança jurídica, tornando previsível a postura judicial diante da interpretação e aplicação da norma questionada.

Vamos então analisar os principais aspectos que permeiam o incidente.

2. Instauração: adoção da causa-piloto.

Para que seja instaurado o incidente, é necessária, pelo menos, uma causa pendente no Tribunal, conforme dicção do art. 978, parágrafo único, CPC. Essa causa pode ser tanto originária (ex: uma ação rescisória ou um mandado de segurança de competência do Tribunal), um recurso (o que é mais comum) ou uma remessa necessária. A causa, a partir da qual surge o IRDR, é chamada de causa-piloto. O órgão competente do tribunal, portanto, julgará o IRDR e a causa na qual ele foi suscitado. Diferentemente do ordenamento processual brasileiro, que adotou a causa-piloto, alguns países adotam a causa-modelo, no qual se instaura o incidente tãosomente com o escopo de fixar a tese a ser seguida, sem que isso seja feito no bojo de uma causa em tramitação no tribunal. Verifica-se, em nosso ordenamento, apenas uma situação em que estaríamos diante do procedimento-modelo, que seria o julgamento da tese do IRDR após a desistência do legitimado que suscitou o incidente. O Código dispõe que, em nome do interesse público, ainda que haja a desistência, o incidente será julgado e a tese fixada (art. 976, §1º), pois não se trata mais de litígio individual, mas de questão de uniformização de jurisprudência, que terá influência sobre vários processos pendentes e futuros. Nesses casos, o Ministério Público, se não for o requerente, assumirá a titularidade da causa (art. 976, §2º). Vejam que aqui teremos o procedimento-modelo, (frisamos: uma exceção à escolha do legislador do CPC) uma vez que o processo em que foi instaurado o IRDR será extinto sem resolução de mérito, só restando para ser julgado o objeto do mérito do incidente. Não haverá mais a causa na qual foi suscitado o incidente, isto é a causa-piloto. Assim, de acordo com o nosso CPC, o incidente vai ser instaurado no curso da causa e vai absorvê-la. As demais causas repetidas não serão absorvidas. Em outras palavras, a causa na qual se suscita o incidente deve estar no Tribunal (competente para julgar o IRDR) e o órgão que julgará o IRDR também julgará a causa. As demais serão apenas suspensas – o IRDR atinge essas causas reflexamente. É preciso, contudo, distinguir a resolução da questão de direito (a tese do IRDR) da causa em si, de onde surge o IRDR. Isso porque “terceiros” poderão intervir no processo do IRDR. Aqui, notadamente, temos o amicus curiae, mas qualquer terceiro que pode ser atingido, inclusive as partes de processos cuja tese é a mesma do

IRDR - pois serão reflexamente atingidos, tendo em vista a formação do precedente vinculante (ou a eficácia vinculante da decisão do IRDR), que será aplicado às suas causas. A participação desse terceiro assistente é restrita à tese, somente. Ele pode recorrer para questionar a tese. Não pode, todavia, se imiscuir na causa, pois o vínculo dele não é com a causa. É diferente das hipóteses de intervenção de terceiro (como o sublocatário na assistência ou o afiançado no chamamento). A tese passa a ser uma causa “coletivizada”.

3. Legitimados.

Segundo o CPC, o IRDR pode ser suscitado pelas partes, Ministério Público, pela Defensoria Pública e pelo juízo, de ofício (relator da causa no Tribunal) – art. 977, I, II, III. Acerca da legitimidade da Defensoria Pública, esta não se restringe às causas em que ela assiste a uma parte – porque aí quem esta suscitando, na verdade, é a própria parte. A legitimidade da DP se assemelha à do MP, pois seu papel é muito maior que servir à representação processual das pessoas necessitadas. Da mesma forma que ela pode ajuizar uma Ação Civil Pública, hoje, pela nova lei da que regula este tipo de ação, ela também pode suscitar, de forma autônoma, o IRDR. Quando se fala na legitimidade das “partes”, não são apenas as partes que litigam na causa que está no tribunal, onde o IRDR será suscitado. Pode ser a parte de um processo que corre na 1ª instância cuja questão de direito é a mesma de um processo de competência do tribunal. Nesse caso, ela suscitará o incidente neste processo que está no tribunal (utilizando-o como processo-piloto). Tal legitimidade visa assegurar o interesse público, pois a uniformização da tese transcende a resolução da causa individual, bem como a isonomia, na medida em que não restringe a legitimidade apenas aos que têm processo tramitando em Tribunais. No que tange à legitimidade do juízo, a instauração se dá através de um ofício do juiz ou relator ao Presidente do Tribunal. Vale mencionar, ademais, que o incidente pode ser suscitado por qualquer dos juízos em que corre uma causa que versa sobre questão de direito. Ou seja, um juiz de 1º grau pode suscitar em uma causa que está sob seu juízo, fazendo referência a uma causa que está no Tribunal – assim como ocorre quando uma parte de

processo que tramita em vara suscita o IRDR. O relator da causa no Tribunal também pode fazê-lo. Além disso, o órgão colegiado, quando do julgamento da causa, caso entenda necessário, pode converter o julgamento em diligência, suscitando o IRDR. Importante observação: divide-se a doutrina na discussão acerca da natureza jurídica da instauração ex officio do IRDR (isto é, pelo órgão julgador): trata-se de um impulso oficial (posicionamento defendido pelo professor Roberto Campos) ou um ato postulatório? A relevância da discussão reside no entendimento de que, caso seja um ato postulatório, o julgador que pediu a instauração, caso participe do juízo de admissibilidade do IRDR, já está opinando pela admissão do incidente. Em sendo um impulso oficial, não necessariamente, razão por qual terá de proferir voto.

4. Pressupostos de admissibilidade (art. 976, CPC).

Antes do julgamento do incidente, que fixará a tese a ser observada para os casos repetitivos, é necessário que o pedido de instauração passe por uma espécie de filtro. Esse filtro analisará se o caso proposto cumpre as exigências legais para o processamento do IRDR. É um cuidado de extrema importância pois, fixada a tese, será criado um precedente vinculante (ou obrigatório), a ser seguido em processos pendentes e casos futuros. Portanto, é necessário se é caso autorizado à submissão a procedimento de formação desse tipo de precedente e se o IRDR é o procedimento correto a ser instaurado (ou seja, se não é caso de instauração de IAC, arguição de inconstitucionalidade ou julgamento de casos repetitivos). O primeiro pressuposto é a efetiva repetição da matéria de direito (que se prova, por exemplo, por certidão de distribuição de causas ou um extrato que se retira do site do Tribunal, caso dele seja possível visualizar que se trata da mesma causa). Outro pressuposto é a controvérsia entre julgados. Caso haja comprovação de efetiva repetição em múltiplos processos, porém todas as decisões proferidas tenham sido no mesmo sentido, não há divergência, pelo que não se autoriza instaurar o IRDR. Assim sendo, caso se entenda que há apenas o risco de controvérsia, tendo em vista a relevância da matéria de direito versada nos processos, pode-se instaurar o Incidente de Assunção de Competência (IAC), que tem justamente o condão de prevenir futura divergência jurisprudencial.

Ainda temos o pressuposto do risco à isonomia e à segurança jurídica. Trata-se de um pressuposto retórico, uma vez que segurança e jurídica e isonomia são conceitos jurídicos amplos, bem como que a repetição de causas em juízos distintos com julgados díspares, de per si, já põem em risco a segurança jurídica e isonomia. Por fim, temos um pressuposto negativo, que é o da inexistência de recurso repetitivo em sede de Resp ou RE que verse sobre a tese no STJ ou STF (art. 976, § 4º). Havendo o referido recurso em tramitação, o IRDR será inadmitido no Tribunal em que foi proposto. A razão disso é porque a decisão do recurso repetitivo no STJ ou STF vinculará todos os tribunais inferiores do país, tornando-se desnecessário que se discuta a questão em um desses tribunais (a eles, caberá aplicar o julgado do recurso repetitivo).

5. Algumas nuances acerca do cabimento:

Embora o IRDR esteja voltado com mais força para os Tribunais inferiores, ele pode ser instaurado nos Tribunais Superiores. Só não tem sentido sua instauração em sede de Recurso Extraordinário (competência: STF) e Recurso especial (competência: STJ), pois para esses casos já existe um mecanismo próprio, qual seja, o julgamento de recursos repetitivos. Assim, numa causa originária que surja em Tribunais Superiores (imaginemos um Mandado de Segurança contra ato do Presidente da República – competência: STF), pode haver instauração do incidente. Para o cabimento do IRDR, requer-se que a controvérsia se dê sobre questão unicamente de direito. Contudo, é irrelevante a natureza do direito discutido em relação ao ente que emanou a norma (pode se tratar de direito federal ou local – estadual, municipal). Desta forma, nada impede um IRDR que discuta norma de lei estadual ou municipal – apesar de a maioria dos casos versarem, na prática, sobre direito federal, seja em nível constitucional ou infraconstitucional. Por essa razão, o IRDR torna-se um “filtro antecipado” ao problema da repetição de causas nos Tribunais Superiores. Isso porque, versando sobre direito federal, a matéria pode chegar aos Tribunais Superiores. A análise da questão do direito referente a essas causas repetitivas ficará concentrada num único julgamento no âmbito do Tribunal INFERIOR! Isso acontecia apenas no Tribunal Superior, quando chegava ao STF, por exemplo, um Recurso Extraordinário sobre matéria já muito repetida nos tribunais inferiores. Isso porque do julgamento do IRDR que versa sobre questão federal

caberá RESP ou RE ao STJ ou STF. Por isso, se antes subiam 10 mil apelações sobre a mesma matéria ao STF a título de RE, agora, é possível que suba apenas 1 recurso sobre 1 decisão em sede de IRDR. Quando o IRDR lida com direito local (estadual ou municipal), não se pode recorrer ao STJ (Resp) ou STF (RE). Todavia, é incorreto falar que o STJ e STF não julgam lei local, porque quando a discussão chega pela via do Recurso Ordinário (RO) ou de ação de competência originária desses tribunais, há essa possibilidade. Também é irrelevante se a norma versada é de direito material ou processual (ex: discussão acerca do juízo competente para julgar determinada causa).

6. Procedimento:

Ao se suscitar o IRDR, deve-se endereçar ao Presidente do Tribunal, que, ao receber o pedido, remeterá o incidente para o órgão competente, definido no Regimento Interno de cada Tribunal (art. 978). Lá será deliberada a admissibilidade do IRDR – verificação do atendimento aos pressupostos (itens 4 e 5). Caso seja negado, o incidente será extinto. Admitido, o incidente será processado. Para isso, o relator designado para o caso seguirá o procedimento previsto no art. 982, isto é: I - suspenderá os processos pendentes que versam sobre a matéria do incidente; II - sendo necessário, requisitará informações aos órgãos onde tramitam esses processos no prazo de 15 dias; III - intimará o MP para manifestação em 15 dias como fiscal da ordem jurídica (exceto se foi o próprio MP quem requereu a instauração do IRDR). O art. 983 também traz incumbências importantes ao relator: as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia e instruir o incidente com o máximo de subsídios ao órgão que vai julgar, cabendo, se necessário, a realização de audiências públicas. Passa-se em seguida ao julgamento. A suspensão de que trata o art. 982, I, é do JULGAMENTO, não dos atos preparatórios, com ressalva às matérias urgentes (tutela provisória de urgência). Também é importante lembrar que só haverá suspensão dos casos que tramitam em juízos vinculados ao Tribunal onde tramita o IRDR. Contudo, conforme o art. 982, §§ 3º e 4º, qualquer pessoa em território nacional que tenha processo que versa sobre matéria de IRDR que está sendo

processado em determinado tribunal inferior pode recorrer em sede de RE ou Resp para que, no processamento do recurso, sejam suspensos todos os processos sobre a matéria em todo o país. No julgamento, após o relatório e as sustentações orais das partes, Ministério Público e demais interessados, o órgão competente fixará a tese a ser observada aos órgãos vinculados ao tribunal. Conforme o art. 985, a aplicação da tese se dará tanto no âmbito dos processos individuais ou coletivos pendentes, ou seja, que versem sobre idêntica questão de direito, inclusive aqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região, quanto aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal. Trata-se de julgado com eficácia erga omnes em razão da formação do precedente vinculativo/obrigatório. Vejam os fluxogramas relativos ao procedimento do incidente no tribunal: um diz respeito à sua tramitação até o julgamento e o outro ao julgamento propriamente dito e a decisão proferida.

7. Recursos no incidente.

Para impugnar a decisão que fixa tese no IRDR, cabem embargos de declaração, recurso extraordinário e recurso especial. O primeiro visa sanar omissão, contradição, obscuridade ou erro material (art. 1.022). Os outros visam impugnar, alterando o próprio mérito da decisão (art. 987). Em se tratando de questão constitucional, caberá o recurso extraordinário ao STF; sendo questão infraconstitucional, caberá recurso especial ao STJ. Quando interpostos o RE ou o Resp, a suspensão será determinada a todo território nacional. Do mesmo modo, ao apreciar o mérito desses recursos, a tese fixada será aplicada em todos os tribunais do país – art. 987, § 2º. Aqui, vale relembrar o que comentamos acerca dos §§ 3º e 4º do art. 982: qualquer pessoa em território nacional que tenha processo que versa sobre matéria de IRDR que está sendo processado em determinado tribunal inferior pode recorrer em sede de RE ou Resp para que, no

processamento do recurso, sejam suspensos todos os processos sobre a matéria em todo o país. Além disso, caso a tese fixada não seja observada por órgão vinculado ao tribunal que julgou o IRDR, caberá reclamação (art. 985, §1º). Esse é o meio idôneo para assegurar a aplicação de precedentes obrigatórios, como funciona em caso de inobservância das súmulas vinculantes. Após o julgamento do IRDR, a aplicação da tese em processos futuros será obrigatória, porém não será eterna. Qualquer legitimado para instaurar o IRDR pode requerer a revisão da tese (com o fito de alterá-la) – art. 986. Vale repisar: trata-se de um novo processo ajuizado após a fixação da tese e não de um processo pendente ao tempo do julgamento do incidente.

8. Fontes:

1. Aulas ministradas pelo professor Roberto Campos Gouveia Filho na disciplina Direito Processual Civil III, na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), nos dias 23 de fevereiro, 02 e 07 de março de 2017.

2. DIDIER JR., Fredie, CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. v. 3. 13. ed. reformada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. 3. THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. v. 3. 47. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.