Inclusão no Ensino em contexto Curricular

August 20, 2017 | Autor: Nuno Quaresma | Categoria: Educação, Inclusão Escolar
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OBJECTO EM ANÁLISE Inclusão no Ensino em contexto curricular. Recensão crítica sobre os benefícios e prejuízos para os alunos com necessidades educativas especiais nas práticas em vigência. INTRODUÇÃO Sendo um dos desígnios do XVII Governo Constitucional (que tomou posse a 12/03/2005) promover a igualdade de oportunidades, valorizar a educação e promover a melhoria da qualidade de ensino, é a promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens, um aspecto determinante dessa qualidade. Assim, e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição, o Governo emana o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro. Este Decreto-Lei contempla o planeamento de um sistema de educação flexível, pautado por uma política global integrada, que permita responder à diversidade de características e necessidades de todos os alunos, o que implica a inclusão das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais. A educação inclusiva visa a equidade educativa, sendo que por esta se entende a garantida de igualdade, quer no acesso quer nos resultados. No quadro da equidade educativa, o sistema e as práticas educativas devem assegurar a gestão da diversidade da qual decorrem diferentes tipos de estratégias que permitam responder às necessidades educativas dos alunos. Assim, a escola inclusiva pressupõe a individualização e a personalização das estratégias educativas, enquanto método de prossecução do objectivo de promover competências universais que permitam a autonomia e o acesso à condução plena da cidadania por parte de todos. Todos os alunos têm necessidades educativas, porém existem casos em que essas necessidades se revestem de contornos muito específicos, exigindo a activação de apoios especializados. Os apoios especializados visam responder às necessidades educativas especiais do alunos com limitações significativas ao nível da actividades e da participação, num ou em vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais ou estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social. Estes apoios especializados implicam a adaptação de estratégias, recursos, conteúdos, processos, procedimentos e instrumentos, assim como tecnologias de apoio. Não se tratam, apenas de medidas para os alunos, mas também de medidas de mudança no contexto escolar. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Numa apreciação crítica em relação à adequação do Quadro Legal vigente, e perante uma pequena análise, este Decreto-Lei não considera um conjunto de condições que caracterizam o que poderemos denominar por uma educação de qualidade, justa e apropriada às capacidades e necessidades dos alunos com NEE (necessidades educativas especiais). Segundo Miranda Correia (2008, in www.educare.pt), o decreto-lei em questão contém mesmo um misto de aspectos negativos, de cariz acentuadamente grave que o leva a questionar se o objectivo deste é o de promover aprendizagens efectivas e significativas nas escolas regulares para todos os alunos com NEE.

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Uma questão pertinente parece a quase exclusão da maioria dos alunos com NEE permanentes, como é o caso de alunos com dificuldades de aprendizagem específicas resultantes de dislexia, disgrafia, discalculias, dispraxia e as dificuldades resultantes de aprendizagens não-verbais. Ficam ainda excluídos os alunos com deficiência mental, com perturbações emocionais e de comportamento graves (com problemas específicos de linguagem e por défice de atenção – hiperactividade). Vejamos, algumas destas dificuldades mais pormenorizadamente: Para Marcelli, D. (2005), as perturbações da linguagem são uma área no desenvolvimento infantil importante não só pelo seu significado, mas também pelo facto de ser um dos motivos mais recorrente para apoio especializado. É entre os 4 e os 8 anos de idade que a família se apercebe da problemática, assinalando esta o período da aquisição da linguagem falada e depois o período da aquisição da leitura e da escrita. Se as perturbações forem acentuadas e conduzirem a dificuldades psicoafectivas diversificadas pode haver uma repercussão sobre a totalidade das interacções entre a criança e o seu ambiente (família, escola, colegas e comunidade). As crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem não-verbal têm os seus “pontos fortes” predominantemente nas áreas verbais. Estas dificuldades são consideradas um síndroma, significando isso que a desordem compreende um conjunto de défices a nível das competências. Estes défices poderão ter impacto em todos os aspectos da vida do individuo. As dificuldades de aprendizagem não-verbal não constituem uma dificuldade de aprendizagem no sentido tradicional, são antes uma desordem que afecta a aprendizagem para toda a vida. Isto pressupõe uma incapacidade severa, crónica, presente antes de o individuo atingir os 21 anos de idade. Pressupõe ainda uma limitação funcional importante em áreas como a dos autocuidados, a do uso e compreensão da linguagem e a da mobilidade, assim como limitações na capacidade para viver de uma forma independente e para ser economicamente autosuficiente. As crianças afectadas por dificuldades de aprendizagem mais “tradicionais” não enfrentam os problemas de carácter social e físico que atingem as que apresentam este tipo de dificuldades. Estas enfrentam desafios a nível das competências académicas, motoras, sociais, emocionais e de auto-ajuda. Pouco existe no ambiente escolar que permita a estas crianças uma compreensão rápida ou em tempo útil, à excepção daquelas actividades que se baseiam puramente no domínio verbal. Apesar de esta síndroma receber o nome de dificuldade de aprendizagem, trata-se de uma desordem profunda e potencialmente debilitante em termos globais, sujeitando estas crianças a um apoio multidisciplinar, uma vez que as suas necessidades irão alterar-se ao longo dos seus ciclos de desenvolvimento. Relativamente às crianças com deficiência mental, estas apresentam determinadas características e, na maioria das vezes, dificuldades cognitivas que influenciam e, ao mesmo tempo, podem prejudicar a sua aprendizagem. Para além destas dificuldades, estes alunos poderão apresentar problemas ao nível da autonomia pessoal e social, comunicação, relações sócio-afectivas, entre outros. Segundo a American Association of Mental Retardition (A.A.M.R., 1992) a deficiência mental define-se como funcionamento intelectual geral significativamente inferior à média, que interfere nas actividades adaptativas e cognitivas. A mesma fonte refere ainda que o estado de redução notável do funcionamento intelectual,

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significativamente inferior à média, se associa em dois ou mais aspectos do funcionamento adaptativo, tais como: comunicação, cuidado pessoal, competência doméstica, habilidades sociais, utilização de recursos comunitários, autonomia, saúde e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho (Bautista, R. 1993). Outra questão relevante no decreto-lei diz respeito ao uso da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Organização Mundial de Saúde, para a elaboração do relatório técnico pedagógico que servirá de base à elaboração do programa educativo individual (n.º 3 do artº 6). Visão Geral da CIF A CIF (in http://arquivo.ese.ips.pt) engloba todos os aspectos da saúde humana e alguns componentes relevantes para a saúde relacionados com o bem-estar e descreve-os em termos de domínios de saúde e domínios relacionados com a saúde. A classificação é circunscrita ao amplo contexto da saúde e não cobre circunstâncias que não estão relacionadas com a saúde, tais como, as que resultam de factores sócio-económicos. Muitas pessoas consideram, erradamente, que a CIF se refere unicamente a pessoas com incapacidades; na verdade, ela aplica-se a todas as pessoas. A saúde e os estados relacionados com a saúde associados a qualquer condição de saúde podem ser descritos através da CIF. Por outras palavras, a CIF tem uma aplicação universal. A CIF é constituída por duas partes, cada uma com dois componentes: Parte 1. Funcionalidade e Incapacidade (a) Funções do Corpo e Estruturas do Corpo (b) Actividades e Participação Parte 2. Factores Contextuais (c) Factores Ambientais (d) Factores Pessoais Algumas definições utilizadas na CIF As funções do corpo são as funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas) As estruturas do corpo são as partes anatómicas do corpo, tais como, órgãos, membros e seus componentes. Deficiências são problemas nas funções ou na estrutura do corpo, tais como, um desvio importante ou uma perda. Actividade é a execução de uma tarefa ou acção por um indivíduo. Participação é o envolvimento numa situação da vida. Limitações de actividade são dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de actividades.

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Restrições de participação são problemas que um indivíduo pode experimentar no envolvimento em situações reais da vida. As várias aplicações da CIF Como a CIF é uma classificação da saúde e dos estados relacionados com a saúde, também é utilizada por sectores, tais como, seguros, segurança social, trabalho, educação, economia, política social, desenvolvimento de políticas e de legislação em geral e alterações ambientais. Por estes motivos foi aceite como uma das classificações sociais das Nações Unidas, sendo mencionada e estando incorporada nas Normas Padronizadas para a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades. Assim, a CIF constitui um instrumento apropriado para o desenvolvimento de legislação internacional sobre os direitos humanos bem como de legislação a nível nacional. A CIF é útil num âmbito muito largo de aplicações diferentes, por exemplo, em segurança social, na avaliação da gestão dos cuidados de saúde, em inquéritos à população a nível local, nacional e internacional. Oferece uma estrutura conceptual para a informação aplicável aos cuidados de saúde pessoais, incluindo a prevenção, a promoção da saúde e a melhoria da participação, removendo ou atenuando as barreiras sociais e estimulando a atribuição de apoios e de facilitadores sociais. É também útil no estudo dos sistemas de cuidados de saúde, tanto em termos de avaliação como de formulação de políticas. Em Outubro de 2007, a Organização Mundial de Saúde lançou a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - versão para crianças e jovens (ICF-CY). Contudo, o Decreto-Lei n.º 3/2008 faz uso da classificação para adultos! Referenciando mais uma vez Miranda Correia (2008, in www.educare.pt), mesmo esta classificação não poderá sobrepôr-se a instrumentos e abordagens já utilizadas por técnicos e professores especializados, para além de que ainda carece de muita investigação para se poder avaliar de facto a sua utilidade na elegibilidade e consequente elaboração do Programa Educativo Individual (PEI) das crianças com Necessidades Educativas Especiais. Este autor refere mesmo nomes internacionais de referência envolvidos no estudo da CIF (como Don Lollar) que terão confirmado a sua interpretação concordando que a CIF-CJ, no caso de alunos com NEE, deverá ser “alimentada” com as várias avaliações realizadas por uma equipa multi-disciplinar. Em matéria de educação, esta classificação é considerada desnecessária, pois o objectivo não é comparar as capacidades e as necessidades dos alunos com NEE permanentes, mas dar uma resposta individual às necessidades de cada um através da elaboração de um programa educativo individualizado. Por último, podemos ainda considerar que o decreto-lei já referenciado não operacionaliza determinados conceitos, como é o caso do conceito de inclusão, de educação especial, de necessidades educativas especiais, entre outros, deixando-os à mercê das mais variadas interpretações. Para além destas questões de base, o decreto-lei contém ainda um conjunto de questões contraproducentes secundárias, nomeadamente: a) incongruências Por exemplo, no n.º 5 do artigo 6.º "a aprovação do programa educativo individual" é da responsabilidade do "presidente do conselho executivo", ao passo que nos n.ºs 1 2 do artigo 10.º

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é referido essa competência é da responsabilidade do "conselho pedagógico". No n.º 2 do artigo 1.º é referido que "A educação especial tem por objectivos (…) a transição da escola para o emprego das crianças (...) com necessidades educativas especiais (…).; b) Remete a responsabilidade da coordenação do PEI para os docentes do ensino regular ou directores de turma. Para além da falta de preparação, muitos deles sentem-se apanhados na dicotomia qualidade/igualdade, sentindo a "pressão" do sistema quanto à melhoria dos resultados dos seus alunos ditos sem NEE, mas simultaneamente tendo que responder às necessidades dos alunos com NEE, cujas aprendizagens atípicas lhes exigem competências que não têm e que, caso não lhes seja proporcionado o acesso a serviços especializados adequados, fará diminuir o sucesso escolar dos dois grupos de alunos. Assim sendo, e a exemplo do que a literatura nos transmite, a coordenação de PEI (mais logística do que pedagógica ou científica) deve ser do docente de educação especial; c) o uso frequente da expressão "deficiência", deixando entender o seu cariz clínico, quando desde, pelo menos 1978, ele se tornou obsoleto em educação, passando a usar-se o termo "necessidades educativas especiais". No entanto, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, contém também aspectos positivos, sendo de destacar: a) A obrigatoriedade da elaboração de um programa educativo individual para os alunos com NEE permanentes, aliás já consignado no Decreto-Lei n.º 319/1991, de 23 de Agosto; b) A promoção da transição dos alunos com NEE permanentes para a vida pós-escolar; c) A confidencialidade de todo o processo de atendimento a alunos com NEE permanentes; d) A criação de departamentos de educação especial nos agrupamentos. CONCLUSÃO No geral, e dada a gravidade dos aspectos negativos que são referidos e que, só por si, são mais do que suficientes para se pedir que sejam efectuadas alterações significativas ao DecretoLei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, torna-se crucial que professores, técnicos e famílias, enfim, a sociedade civil em geral, se pronuncie em favor dos direitos dos alunos com NEE permanentes. Como professor e cidadão com forte interesse neste tema e tratando-se este documento de uma recensão crítica sem a pretensão de um estudo amplamente documentado e fundamentado (seguindo a referência de uma pesquisa sistemática, sujeita à metodologia científica) como nota de encerramento, com um cunho assumidamente pessoal, aproveito para somar às dúvidas o contraponto das respostas. RESPOSTAS ESPECIAIS PARA ALUNOS ESPECIAIS Por ser reconhecida a insuficiência da resposta da sociedade em geral junto, não só de alunos com NEE, mas de Cidadãos com Necessidades Especiais, existe hoje um diversificado conjunto de Instituições, muitas delas nascidas da iniciativa ao nível da cidadania, em parceria com pais, professores, técnicos especializados e e outros agentes sociais, que decidiram empreender uma série de iniciativas onde fosse possível realizar um trabalho mais profícuo ao nível da educação, sobretudo com abordagens criativas e adaptativas ao ensino empreendendo, em simultâneo, um contributo mais profissional, especializado, responsável e solidário a favor de alunos com necessidades especiais. Esta praxis institucional hoje amplamente corrente e fundada num conjunto de exemplos de sucesso, para além da realização do trabalho ao nível da educação e reabilitação (ou melhor, habilitação), dinamiza, em muitos casos e num formato de empreendedorismo sócio-cultural,

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jovem e inclusivo, oficinas educativas orientadas, na maior parte dos casos, para o ensino das artes e ofícios, com bons resultados ao nível da integração por exemplo na cultura. Um dos símbolos do impacto destas práticas é a ANACED, Associação Nacional de Arte e Criatividade de e para Pessoas com Deficiência, associação fundada em 1988, cujo objectivo é a promoção e divulgação das capacidades artísticas das pessoas com deficiência e todas as expressões de arte e criatividade que directa ou indirectamente contribuam para o seu desenvolvimento global. Não sendo ela própria uma Associação vinculada a um público-alvo fechado, utentes, clientes ou alunos em regime de responsabilidade tutelar e não sendo prestadora de cuidados ou serviços, é, pela sua representatividade nacional e internacional, um excelente ícone e paradigma de algumas das melhores práticas empreendidas pelas Associações e Instituições que compõem o tecido de intervenção social no país. Por ser congregadora, pelo seu trabalho, esforço e crença nas possibilidades de melhoria e ajustamento na área da educação, sobretudo para as artes, e da inclusão sustentável e digna de pessoas com necessidades especiais, ao invés de encerrar esta recensão com uma conclusão fechada, deixo antes uma janela aberta… para a diferença: http://www.anaced.org.pt/index.html

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ANEXOS

documentos codificados não importáveis para versão editável, seguem como anexos diferenciados no email

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Mestrado em Ensino das Artes Visuais 2010/M.EAV - Psicologia da Educação

Processo - 20100180 Nome Completo - Nuno Miguel Gonçalves Quaresma Número BI - 10524632 Email - [email protected]

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