IN)CONSTITUCIONALIDADE DA BUSCA E APREENSÃO DE FILHOS CRIANÇAS OU ADOLESCENTES

June 4, 2017 | Autor: Luís Alfredo Soares | Categoria: Direito Processual Civil, Direito de família, ECA - ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE RESUMO
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(IN)CONSTITUCIONALIDADE DA CRIANÇAS OU ADOLESCENTES

BUSCA

E

APREENSÃO

DE

FILHOS

Luís Alfredo Macedo Soares1 RESUMO No presente artigo discutir-se-á a medida de busca e apreensão de filhos crianças ou adolescentes, refletindo se tal ação, por se tratar de uma intervenção estatal para a concessão de uma tutela jurisdicional, se adequa aos preceitos constitucionais. Antes, analisar-se-á as transformações passadas pelos ramos do Direito os quais a busca e apreensão se relaciona, quais sejam o Direito das Famílias, o Direito da Criança e do Adolescente e o Direito Processual Civil. Por conseguinte, demonstrar-se-á os conceitos, procedimentos e comentários que a doutrina e a legislação dispõem sobre a medida de busca e apreensão, em geral, e a busca e apreensão de filhos crianças ou adolescentes especificadamente, para então, com base nas análises feitas, analisar se tal medida ainda se amolda aos princípios defendidos por nosso Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Busca e Apreensão de Filhos Crianças ou Adolescentes. Direito Civil Constitucional das Famílias. Direito da Criança e do Adolescente Constitucional. Direito Processual Civil Constitucional.

1 EXPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS Conforme elucida GONÇALVES (2012, p. 18): “o direito de família [ou, em conformidade com o termo mais adequado, das famílias] é o mais humano de todos os ramos do direito”. Isso significa que o Direito das Famílias mostra ser aquele que mais se envolve com as relações do ser humano, visto que intervém na estrutura básica social, ou seja, o lugar “de onde se inicia a moldagem de suas potencialidades com o propósito da convivência em sociedade e da busca de sua realização pessoal” (FARIAS e ROSENVALD, 2013, p.38). Assim, falar em Direito das Famílias corresponde a falar sobre as relações sociais, sobre afetividade, sobre desenvolvimento pessoal e sobre busca pela felicidade. No entanto, pelos mesmos motivos elencados acima, é no Direito das Famílias que se encontram os conflitos mais complexos a serem julgados pelo Poder Judiciário. Principalmente quando as lides envolvem diretamente crianças ou adolescentes, os quais possuem, conforme disposto na Constituição Federal, prioridade absoluta na efetivação e abrigo de seus direitos. Sendo dever do Estado garantir tal proteção, lhe cabe também se 1

Estudante de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

utilizar dos meios menos onerosos para a concessão de tutelas jurisdicionais relativas ao Direito das Famílias. Assim, com base no exposto, discutir-se-á acerca da constitucionalidade da busca e apreensão de filhos crianças ou adolescentes, medida que se relaciona com os ramos de Direito das Famílias, Direito da Criança e do Adolescente e Direito Processual Civil. Para isso, far-se-á uma breve explanação acerca do processo de mudanças que os mencionados ramos do Direito sofreram com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no intuito de situar-nos com a linha de pensamento constitucional de cada uma; para então discutirmos propriamente a medida de busca e apreensão de filhos crianças e adolescentes em si.

2 RELEITURA DO SISTEMA JURÍDICO LEGAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 No período pós-ditadura militar, despontou no Brasil um movimento de redemocratização do país, o qual culminou com o advento da Constituição Federal de 1988. A Lex Mater, alcunhada de Constituição Cidadã pelo então presidente do Congresso Nacional, Ulysses Guimarães, representou um marco inigualável para o ordenamento jurídico brasileiro, promovendo uma releitura completa de todo o sistema jurídico legal, a fim de que se adequasse aos preceitos dispostos na novel Carta Magna. Como dispõe BARROSO (2009, p. 250): Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando do plano ético para o mundo jurídico, os valores morais compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução constante de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a democracia, a República e a separação de Poderes. Houve, ainda, princípios cujas potencialidades só foram desenvolvidas recentemente, como o da dignidade humana e o da razoabilidade. [...].

Deste modo, no intuito de melhor fundamentar a discussão que será posta acerca da constitucionalidade da medida cautelar de busca e apreensão de filhos crianças ou adolescentes, necessário se faz, antes, rememorar os preceitos essenciais dos microssistemas jurídicos envolvidos, especialmente o do Direito das Famílias, o da Criança e do Adolescente e o Processual Civil, agora vistos e interpretados hermeneuticamente à luz dos preceitos da Constituição Federal de 1988. 2.1 Famílias: uma concepção constitucional

O Direito Civil, desde o advento da Constituição Federal de 1988, passa por um período de transformação. Observa-se a tentativa dessa disciplina, outrora considerada tão conservadora e afastada dos direitos individuais e coletivos do ser humano por defender em primazia o patrimônio, de se adequar aos novos valores e princípios trazidos pela Carta Maior. Como bem elenca DIAS (2007, p. 36), “a intervenção do Estado nas relações de direito privado permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do novo texto constitucional, forço ao intérprete redesenhar o tecido do direito civil à luz da nova Constituição”. Assim, demonstrou-se principalmente no âmbito do Direito das Famílias2 que a Constituição Federal mostrou seu caráter transformador e inovador. Percebeu-se que, em contraposição aos princípios defendidos pela novel Lei Fundamental e dos próprios valores culturais da sociedade brasileira, o código civilista de 1916 não mais se coadunava com a realidade social. Por isso, uma transformação político-legislativa mostrou-se necessária, sendo a Constituição Federal a diretriz para tal mudança, conforme lecionam os professores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2013, p. 46-47): Ora, com a Lex Fundamentallis de 1988 determinando uma nova navegação aos juristas, observando que a bússola norteadora das viagens jurídicas tem de ser a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), a solidariedade social e a erradicação da pobreza (art. 3°) e a igualdade substancial (art. 3° e 5°), o Direito das Famílias ganhou novos ares, possibilitando viagens em mares menos revoltosos, agora em “céu de brigadeiro”. A família do novo milênio, ancorada na segurança constitucional, é igualitária, democrática e plural (não mais necessariamente casamentaria), protegido todo e qualquer modelo de vivência afetiva e compreendida como estrutura socioafetiva, forjada em laços de solidariedade.

Deste modo, o que se observou, no fundo, consistiu na própria mutação do conceito de família no ordenamento jurídico nacional. No Código Civil de 1916, a “família” protegida pela legislação caracterizava-se como: a) matrimonializada, isto é, decorrente do instituto do casamento; b) patriarcal, por não dizer machista, a qual tinha no pai a figura central; c) hierarquizada, com relações de superioridade e inferioridade entre seus membros; d) heteroparental, constituída somente por meio de relações heterossexuais; e) biológica, proveniente apenas de laços consanguíneos; f) unidade de produção e reprodução dos valores

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Expressão aqui utilizada no plural, diante da miríade de concepções que o termo família comporta. Segundo DIAS (2007, p. 26), “como a linguagem condiciona o pensamento, é mister subtrair qualquer adjetivação ao substantivo família e simplesmente falar em famílias. Como refere Jones Figueiredo Alves, apenas uma consoante a mais sintetiza a magnitude das famílias em suas multifacetadas formatações. Assim, a expressão direito das famílias melhor atende à necessidade de passar-se, cada vez mais, a enlaçar, no âmbito de proteção as famílias, todas as famílias sem discriminação, sem preconceitos”.

culturais, éticos, religiosos e econômicos; e g) de caráter institucional, vista como um instituto do direito, um fim em si mesmo (CHAVES e ROSENVALD, 2013, p. 49). A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002, por sua vez, se valeram de uma compreensão inclusiva e abrangente, não mais taxativa (DIAS, [200-?], p. da internet), para garantir ao máximo a proteção às várias entidades familiares existentes. Dessa forma, o conceito constitucional de família distingue-se como: a) pluralizada, abarcando o maior número de tipos de entidades familiares, proporcionando igual proteção a todas elas; b) democrática, pautada, sobretudo, na igualdade entre o homem e a mulher no ambiente familiar; c) igualitária substancialmente, cabendo a cada membro direitos e deveres condizentes com sua função; d) hetero, homo ou até monoparental, além de, em certos casos, atribuir a pessoas sozinhas efeitos oriundos de uma relação familiar 3; e) biológica ou socioafetiva, decorrência da migração, segundo Maria Berenice Dias ([200-?], p. da internet), da concepção de família da genitalidade (relação biológica) para a afetividade (relação socioafetiva), o que permite dizer que a Constituição Federal viu e emprestou efeitos jurídicos ao afeto (DIAS, [200-?], p. da internet).; f) unidade sociafetiva, em que o ser humano desenvolve a sua personalidade; e g) de caráter instrumental, a qual serve de instrumento para mulher ou homem buscar sua felicidade e realização pessoal (CHAVES e ROSENVALD, 2013, p. 49). Portanto, cabe destacar, valendo-se das brilhantes palavras dos professores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2013, p. 49), que o entendimento constitucional hodierno coloca a família como “o lugar adequado em que o ser humano nasce inserido e, merecendo uma especial proteção do Estado, desenvolve a sua personalidade em busca da felicidade e da realização pessoal”. 2.2 A proteção integral da criança e do adolescente A Constituição Federal de 1988 também foi o ponto de reviravolta para a proteção oferecida pelo ordenamento jurídico à criança e ao adolescente no Brasil. Antes vistos apenas como objeto de proteção assistencial (AMIN, 2010, p. 09), a criança e o adolescente brasileiros, desde o início do séc. XX até a promulgação da nova Carta Magna, viviam em situação marginalizada, vítimas das desigualdades socioeconômicas que assolavam o país e

Exemplo do Enunciado n° 364 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, o qual dispõe, in verbis: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. 3

recebendo como única resposta efetiva do Estado a repressão, ao invés da proteção4. Conforme dispõe AMIN (2010, p. 06): A influência externa [de regulamentação de um Direito da Criança] e as discussões internas [acerca do cada vez maior número de crianças e adolescentes que cometiam crimes à época] levaram à construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinquência. Era a fase da criminalização da infância pobre. Havia uma consciência geral de que o Estado teria o dever de proteger os menores, mesmo que suprimindo suas garantias. Delineava-se assim, a Doutrina da Situação Irregular.

A Constituição Federal, por sua vez, rompeu com essa corrente de pensamento, atribuindo à criança e ao adolescente o status de titulares de direitos subjetivos e, mais, proporcionando-lhes uma proteção especial, com absoluta prioridade, cabendo à família, ao Estado e a toda a sociedade zelar pela efetivação desse dever. Nesse sentido, a Lex Mater instituiu a Doutrina da Proteção Integral, como dispõe o seu art. 227, caput: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Além disso, o legislador infraconstitucional, visando a instrumentalizar a concretização da Doutrina de Proteção Integral no ordenamento jurídico pátrio, promoveu a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nas palavras de Andrea Rodrigues Amin (2010, p.09): O termo “estatuto” foi de todo próprio, porque traduz o conjunto de direitos fundamentais indispensáveis à formação integral de crianças e adolescentes, mas longe está de ser apenas uma lei que se limita a enunciar regras de direito material. Trata-se de um verdadeiro microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para se efetivar o ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. É norma especial com extenso campo de abrangência, enumerando regras processuais, instituindo tipos penais, estabelecendo normas de direito administrativo, princípios de interpretação, política legislativa, em suma, todo o instrumental necessário e indispensável para efetivar a norma constitucional.

Assim, conclui-se que a criança e o adolescente encontram-se em posição destacada no ordenamento jurídico pátrio, devendo ser protegidos com prioridade absoluta por todos os entes que participam de seu desenvolvimento pessoal, sobretudo pelo Estado, por sua família e pela sociedade em geral. Dessa forma, principalmente nas ações jurisdicionais que os envolvem, o direito subjetivo das crianças e adolescentes deve ser respeitado e garantido,

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Como pode ser observado no livro Capitães de Areia, de Jorge Amado.

devendo as medidas a serem tomadas pelo Juízo se adequarem aos preceitos dessa proteção integral, como o caso da busca e apreensão de filhos crianças e adolescentes. 2.3 A mudança de valores no Processo Civil Por fim, como se discutirá acerca de uma medida cautelar no âmbito de uma ação judicial cível, mostra-se importante esmiuçar os efeitos do fenômeno da constitucionalização no Direito Processual Civil. No período pré-constitucional, o Direito Processual Civil moldava-se segundo os ditames do Estado Liberal, o qual primava, essencialmente, pela não interferência do Estado na esfera jurídica privada. Assim, tomando com base os preceitos do positivismo jurídico, os principais valores desse Estado liberal eram liberdade e segurança jurídica, impondo assim um maior controle aos meios de resposta jurisdicional do Estado e um tratamento formalmente igualitário aos cidadãos, através do estrito cumprimento do ordenamento legal. Conforme discorre MARINONI ([200-?], p. 1-2): Como se sabe, o Estado liberal clássico, diante de sua finalidade principal de garantir a liberdade dos cidadãos, foi marcado por uma rígida delimitação dos seus poderes de intervenção na esfera jurídica privada. A lei não deveria tomar em consideração as diferentes posições sociais, pois o fim era dar tratamento igual às pessoas apenas no sentido formal. A lei deveria ser, ao mesmo tempo, “clarividente e cega”. Esse tratamento igualitário é que garantiria a liberdade dos indivíduos.

A Constituição Federal, no entanto, quebrou tal paradigma, constituindo em um verdadeiro motor das mudanças no processo civil. Com uma Carta Magna pródiga na proteção de direitos, o período neoconstitucional caracteriza-se por uma ampla proteção de direitos, oferecendo garantias processuais - tais como o devido processo legal, do juiz natural, da publicidade de audiências, da posição do juiz no processo, entre outros (GRINOVER, 2012, p. 87) - que deram origem às bases processuais do denominado sistema constitucional de processo. Além disso, modificou-se também a compreensão acerca do acesso à justiça. A visão tradicional, a qual pregava o acesso à justiça como o acesso ao Poder Judiciário, não se coadunava com os novos preceitos constitucionais, que atribuíram os valores socioculturais ao processo, instrumento necessário para a concretização da tutela jurisdicional ao cidadão. Portanto, a compreensão constitucional de acesso à justiça exige, além do poder de demandar ao Judiciário: a) um processo adequado para que se demande; b) uma teoria das decisões judiciais; e c) meios executivos de efetivação da decisão, mas devendo observância a todas as outras garantias oferecidas pela Lex Mater. Nessa linha, na perspectiva constitucional, haverá

acesso à justiça com a tutela (jurisdicional) adequada, tempestiva e efetiva de todos os direitos5. Desta maneira, denota-se que o Processo Civil Constitucional visa a garantir a concessão de uma tutela jurisdicional mais efetiva para a resolução dos litígios dos indivíduos. No entanto, tal ação estatal deve se pautar em conformidade com os preceitos constitucionais, exercendo, portanto, a Constituição uma dupla função: de impor limites à resposta do Estado e de zelar pela concretização dos direitos nela dispostos.

3 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA BUSCA E APREENSÃO DE FILHOS CRIANÇAS OU ADOLESCENTES Feita a importante digressão sobre a constitucionalização dos ramos do direito que mais se relacionam com a busca e apreensão de filhos crianças e adolescentes, chega a hora de tratar especificadamente o assunto proposto. Desse modo, analisar-se-ão primeiro as especificidades técnicas da medida cautelar de busca e apreensão, observando-se seus conceitos doutrinários, o entendimento jurisprudencial prevalecente e fundamentos legais, para então se analisar o uso desta ação cautelar no supramencionado caso, referente ao Direito de Família. Antes, faz-se mister tecer comentários acerca da denominação utilizada para o tema alvitrado: busca e apreensão de filhos crianças e adolescentes. O leitor atento deve ter percebido que tal expressão difere daquela usada majoritariamente pela doutrina e jurisprudência atuais, as quais preferem o termo busca e apreensão de (filhos) menores. Destarte, explicar-se-á o equívoco contido nesta expressão. Como bem elencado por DIAS (2007, p. 26), “[...] a linguagem condiciona pensamento”. No entanto, para se entender de fato como “de uma condição inicial de adjetivo (situação de menoridade jurídica), menor passou a substantivo largamente adjetivado, que ultrapassa o significado jurídico e assume, também, conotações relacionadas a fatores sociais” (PINHEIRO, 2006, p. 74), necessário se faz realizar resgate histórico do uso do termo menor. Inicialmente, o conceito de menoridade surgiu na legislação civil, no âmbito do Direito das Famílias, referindo-se à filiação e à tutela. Contudo, logo o termo foi apropriado pela esfera penal, conforme explica NEDER (2008, p. 164): “diante das exigências históricas da modernidade iluminista, passou-se a considerar o problema da punição para os filhos que 5

Termo este que abrange as soluções de conflito extrajudiciais, mas não abrange ainda o conhecimento da população sobre seus direitos, pois o acesso à justiça não se resume à tutela do direito, seja ela jurisdicional ou não.

cometiam crimes públicos, como roubo ou homicídio. Assim, a questão da menoridade civil atingiu a esfera da legislação penal.”. Diante disso, a expressão menor começou a adquirir uma conotação negativa, principalmente com a instituição do Juizado de Menores em 1923 e do Código de Menores, de 1927, a qual perdura até os dias atuais. Como afirma NEDER (2008, p. 167): “observando a repetição do termo estigmatizante menor nas reportagens de jornal, é possível delinear algumas regras de sua utilização. Está claro, nas páginas de jornal, que nem todos são menores, embora tenham menos de 18 anos de idade”. Assim, observa-se que o termo menor possui uma conotação estigmatizadora, que remete ao tempo quando as crianças e adolescentes eram tidos como objeto de assistência social, e não sujeitos de direitos com prioridade absoluta. Portanto, sendo a reprodução do termo menor a perpetuação de uma ideologia antidemocrática e contrária aos preceitos dispostos na Constituição Federal, deve ser abolido seu uso, preferindo as expressões criança e adolescente. 3.1 Busca e apreensão: conceito, cabimento e fundamentos legais A ação de busca e apreensão demonstra-se medida, nem sempre cautelar, que visa a, como o próprio nome indica, buscar coisa, pessoa ou direito6 que se encontra na posse de pessoa ilegítima para então apreendê-la e entrega-la a quem de direito. Como doutrina FILHO (2010, p. 115): A expressão busca e apreensão demonstra que a medida cautelar abrange duas providências diferenciadas, a primeira referindo-se à procura pela coisa ou pela pessoa objeto da medida, e a segunda à sua apreensão, embora a busca nem sempre seja acompanhada da apreensão (nas hipóteses de a coisa ou da pessoa não ser localizada), e a da apreensão nem sempre ser antecedida da busca (na situação que envolve a entrega voluntária da pessoa ou da coisa por parte do requerido).

Além disso, mostra-se ação que pode ser utilizada para vários fins, tanto de forma cautelar quanto de forma satisfativa, como explicam WAMBIER e TALAMINI (2010, p. 107108): Trata-se de ação que tem finalidades múltiplas, nem todas cautelares. Pode-se, por meio da busca e apreensão, querer assegurar a exequibilidade do provimento jurisdicional principal ou preservar os efeitos de outra medida cautelar (pense-se, por exemplo, no desvio malicioso do bem arrestado ou na busca e apreensão de um menor que esteja na posse do pai, que não tem a guarda da criança, por seis dias além daqueles nos quais deveria ficar com o menor). Mas a busca e apreensão pode 6

O exemplo neste caso é o direito autoral, conforme o art. 102 da Lei 9.610/98, o qual dispõe sobre a proteção de direitos autorais, transcrita in verbis: “O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível.”.

ainda, bastar a si mesma, sendo, pois, satisfativa [...]. Nesse caso, a busca e apreensão dispensa a propositura de outra ação, perdendo seu caráter de acessoriedade. [...]

Ademais, dispõe o Código de Processo Civil, em seus arts. 839 a 843, sobre o procedimento utilizado para o cumprimento da medida. Inicialmente, MARINONI e MITIDIERO (2013, p. 803) discorrem sobre os requisitos para a impetração da ação: As razões que justificam a medida de busca e apreensão constituem a sua causa de pedir. A exposição pode ser sumária ou exauriente, dependendo da natureza da tutela jurisdicional postulada com a busca e apreensão: se satisfativa, a exposição deve ser a mais completa possível; se cautelar, basta breve, desde que suficiente, caracterização da situação cautelanda. Não é imprescindível que o demandante comprove inequivocamente na petição inicial o lugar em que se encontra a pessoa ou a coisa que se pretende buscar e apreender. Basta a declinação do lugar e a indicação de indícios suficientes.

Por fim, o Código estabelece parâmetros para o cumprimento do mandado de busca e apreensão, segundo explicam os supracitados doutrinadores: Os oficiais de justiça podem ser auxiliados, em sendo o caso, pela força policial (art.461, § 5°, CPC). Tem o juiz de requisitá-la. A presença de duas testemunhas só é necessária se houver resistência do demandado (art. 842, § 2°, CPC). Se imprescindível e preterida, é nula a busca e apreensão. O grau de gravidade da medida conjugada com a resistência do demandado impõe cautela dessa natureza. (MARINONI e MITIDIERO, 2013, p. 804)

3.2 Busca e apreensão de filhos crianças e adolescentes e a sua (in)constitucionalidade Em relação a crianças ou adolescentes, JÚNIOR (2009, p. 579) afirma ser possível sua busca e apreensão, juntamente com os interditos, “porque só estes se sujeitam à guarda e poder dos outros”. Assim, podem ser objeto de busca e apreensão as crianças e adolescentes sujeitas à guarda de pessoas que não têm a legitimidade para exercê-la, por exemplo, situações “quando as visitas ocorrem na residência do genitor guardião, [...] ele deixa de trazer de volta o filho no dia e horário designados” (DIAS, 2007, p. 406). Entretanto, questiona-se a constitucionalidade das formas de cumprimento da busca e apreensão. Como explica Maria Berenice Dias: “o adimplemento coacto de tal medida sempre é um episódio traumático, havendo muitas vezes a necessidade de intervenção da força policial” (2007, p. 406). Portanto, sobressaem-se violações aos preceitos constitucionais e legais, que serão esmiuçadas a seguir. De início, ressalta-se o descumprimento aos princípios contidos na Lex Mater e que constituem a própria Doutrina da Proteção Integral, disposta no supratranscrito art. 227 da Constituição. Sendo dever do Estado a proteção com prioridade absoluta da criança e do adolescente, principalmente a fim de colocá-los a salvo de toda forma de exploração e de

violência7 e de assegurar sua dignidade, mostra-se deveras duvidoso que seja constitucional uma medida que impõe experiências traumáticas, como ser retirado a força por autoridade policial do contato com seu familiar, a uma criança ou adolescente que já vivem em meio a um conflito por sua guarda. Ainda que exista a possibilidade de se fazerem presentes, como relata MARINONI e MITIDIERO (2013, p. 804), assistentes sociais, psicólogos ou médicos acompanhando o oficial de justiça, não se anulam os danos causados à psique da criança ou adolescente, uma vez que a sua retirada forçada ainda ocorrerá. No máximo, pode-se esperar que a presença de profissionais especializados amenizem os prejuízos causados pela medida repressiva. Além disso, contesta-se a equiparação que a medida de busca e apreensão estabelece entre a criança ou o adolescente e uma coisa. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente elevaram a criança e adolescente à condição de sujeito de direitos subjetivos, pessoais e fundamentais para o exercício completo de sua dignidade. Portanto, tratar uma criança ou adolescente como uma coisa a ser buscada e apreendida significa negarlhes os direitos garantidos constitucionalmente à dignidade e à liberdade. Para a efetiva concretização desses direitos, correto seria oportunizar a audição da criança ou adolescente em juízo levando em consideração a sua idade e maturidade, conforme dispõe o art. 12, ponto 1, da Convenção dos Direitos da Criança8, bem como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, para os casos de colocação da criança ou adolescente em família substituta (art. 28) e na implementação de medidas específicas de proteção (art.100, parágrafo único, inciso XII). Por fim, duvida-se da constitucionalidade da medida de busca e apreensão pela existência de meios menos onerosos, mais igualmente efetivos, para a retomada da guarda da criança ou adolescente pela pessoa que a exerce legitimamente. Segundo doutrina Maria Berenice Dias (2007, p. 406): Em face das nefastas consequências que podem advir à criança, subtraída a forcéps por uma ordem judicia do convívio afetivo do genitor não guardião, melhor atende a seus interesses que, em vez da expedição de mandado de busca e apreensão, seja aplicada multa por cada dia em que não ocorrer a entrega do filho. Porém, é necessário que o valor da astreinte seja significativo, para que a entrega se efetive de pronto. É o que sustenta Nelson Nery Jr.: deve ser imposta a multa, de ofício, ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque 7

Aqui também se incluí a violência psíquica. Promulgada pela Lei n°. 99.710, de 21 de novembro de 1990, a Convenção sobre Direitos da Criança estabelece, em seu art. 12, ponto 1, que: “Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança”. 8

tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é o de obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obriga-lo a cumprir a obrigação na forma específica.

Deste modo, resta por se concluir que a medida de busca e apreensão também fere os princípios basilares do Processo Civil Constitucional, o qual objetiva, sobretudo, a concessão de uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva à lesão ou ameaça de lesão a direito sofrida, isto é, que implique no menor número possível de violações a direitos das partes envolvidas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Deste modo, entende-se pela inconstitucionalidade da medida de busca e apreensão de filhos crianças e adolescentes. Como visto, a Constituição Federal de 1988 inseriu de forma profunda valores socioculturais ao ordenamento jurídico pátrio, os quais constituíram a base essencial dos preceitos presentes na Lex Mater, bem como possibilitou o surgimento de novos direitos e garantias fundamentais ao cidadão, tornando a Constituição de 1988 pródiga na proteção de direitos. Além disso, observou-se também que o ordenamento jurídico legal modificou-se para se adequar aos novos preceitos constitucionais. O Direito das Famílias, o Direito da Criança e do Adolescente e o Direito Processual Civil, especialmente, passaram por mudanças significativas, que envolveram seus princípios mais basilares. Mutações tais que não mais tornam apropriadas medidas que violam direitos fundamentais, principalmente de crianças e de adolescentes, como a busca e apreensão de filhos. Portanto, roga-se para que a sociedade e o Poder Judiciário, como também detentoras do dever de proteger com prioridade absoluta as crianças e adolescentes, atente-se aos danos causados por uma medida processual invasiva, repressora e, conforme demonstrado, inconstitucional, a qual traumatiza ainda mais crianças e adolescentes em situações de conflito familiar.

REFERÊNCIAS

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

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______. Novos Rumos do Direito das Famílias. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2014.

FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Direito das Famílias. v. 6. 5ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2013.

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FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil: Medidas e urgência, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. v. 3. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. v. 2. 44ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme. Do Processo Civil Clássico à Noção de Direito a Tutela Adequada ao Direito Material e à Realidade Social. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2014. NEDER, Vinícius. O estigma “de menor” na imprensa escrita. Cenários da Comunicação, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 161-167, 2008.

PINHEIRO, Ângela de Alencar Araripe. Criança e Adolescente no Brasil: Porque o Abismo entre a Lei e a Realidade. Fortaleza: UFC, 2006

TALAMINI, Eduardo. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil: Processo Cautelar e Procedimentos Especiais. v. 3 10ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

(IN)CONSTITUCIONALTY OF SEARCH AND SEIZURE OF CHILDREN OR ADOLESCENTS ABSTRACT This article will discuss the measure of search and seizure of children or adolescents, reflecting whether such action, once it is a State intervention for the grant of judicial protection, fits in the constitutional precepts. Before, it will analyze the changes passed by the judiciary branches which the search and seizure relates, namely the Law of Families, Children and Adolescents' Rights and the Civil Procedure Law. Therefore, it will demonstrate the concepts, procedures and reviews the doctrine and the law provide for the measure of search and seizure, in general, and the search and seizure of children or adolescents specifically, then, based on analyzes to examine whether the measure still conforms to the principles defended by our democratic state. Keywords: Search and Seizure of Children or Adolescents. Constitutional Civil Law of Families. Right of Children and Adolescents Constitutional. Constitutional Law Civil Procedure.

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