Incubação em Economia Solidária (2013) | Ação-Reflexão-Ação: Ressignificando a atuação da ITEPS/UFC-Cariri no Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação dos Catadores de Barbalha.

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Reflexões Sobre suas Práticas e Metodologias

incubação em economia solidária reflexões sobre suas práticas e metodologias

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Incubação em Economia Solidária:

Presidenta da República Federativa do Brasil Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Reitor da Universidade Federal do Ceará Jesualdo Pereira Farias Diretor do Campus da UFC no Cariri Ricardo Luiz Lange Ness Coordenador do Curso de Administração - Campus da UFC no Cariri Roberto Rodrigues Ramos Coordenador do Curso de Administração Pública e Gestão Social - Campus da UFC no Cariri Eduardo Vivian da Cunha Coordenador da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários Eduardo Vivian da Cunha

Reflexões Sobre suas Práticas e Metodologias

1a Edição Eduardo Vivian da Cunha Amanda Cristina Medeiros Augusto de Oliveira Tavares (Orgs.)

incubação em economia solidária reflexões sobre suas práticas e metodologias

Juazeiro do norte – Ceará 2013

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INCUBAÇÃO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA: Reflexões Sobre suas Práticas e Metodologias 2013 Eduardo Vivian da Cunha, Amanda Cristina Medeiros, Augusto de Oliveira Tavares Impresso no Brasil / Printed in Brazil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS ForMidia Gráfica e Editora Av. Sargento Herminio Sampaio, 1520 - Monte Castelo - CEP 60020-181 Brasil - Fortaleza - Ceará - Tel.: 55 (85) 3253.5156 Internet: www.formidiagrafica.com.br e-mail: [email protected] PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGENS Ítalo Higor Marques Fernandes Pontes IMAGENS DA CAPA Rafael Saldanha Demarco COLABORAÇÃO Maria Laís dos Santos Leite REVISÃO DE TEXTO Amanda Cristina Medeiros; Eduardo Vivian da Cunha. CAPA Antonia Camila Viana Batista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva - CRB:1051 C 972i



Cunha, Eduardo Vivian da (org) Incubação em Economia Solidária: reflexões sobre suas práticas e metodologias / Eduardo Vivian da Cunha; Amanda Cristina Medeiros; Augusto de Oliveira Tavares (orgs). – Fortaleza: Imprece, 2013. 204p. il: ISBN: 978-85--8126-035-8 1. Economia Social – Cariri (Ce). 2.Cooperativismo – Aspectos Sociais. 3.Cooperativas – Brasil – Administração. 4.Incubação em Economia Solidaria. 5. Medeiros, Amanda Cristina. 6. Tavares, Augusto de Oliveira. 7. Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri I. Título. Juazeiro do Nor CDD: 334.0981

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INCUBAÇÃO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - CAMPUS CARIRI Coordenação

Eduardo Vivian da Cunha

Docentes Colaboradores

Augusto de Oliveira Tavares Cleonisia Alves Rodrigues do Vale Geovani de Oliveira Tavares Jeová Torres Silva Jr Roberto Rodrigues Ramos Valéria Giannella Alves Waléria Maria M. Morais de Alencar

Técnicas

Amanda Cristina Medeiros Antônia Olga Correia de Moura

Discentes Bolsistas:

Abraão Lynconl Martins Torquato Ana Aline Nascimento Arnaldo Nogueira dos Santos Cicero Joaquim Pereira Macêdo Danilo Ivo Feitosa Eliete Pessoa de Araujo Gabriel Freitas Gonçalves Gisele de Lima Teixeira Kecya Nayane Lucena Brasil Maria MaÍra da Nóbrega Sousa Marcus Vinícius de Lima Oliveira Maria Daiane de Oliveira Lima Maria do Socorro dos Santos Maria Raissa Fernandes Gonçalves Maria Rayanne Martins Brandão Maria Roseneide Batista Ferreira Marluse Martins de Matos Rondon Madeira de Brito Suzana Bezerra Coelho Tatiane Evangelista Soares Webert Jannsen Pires de Santana

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Dedicamos este livro a todos aqueles que acreditam e se propõem a construir uma outra economia.

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SUMÁRIO Prefácil

Airton Cardoso Cançado.................................................................................................... 13

Apresentação

Eduardo Vivian da Cunha ................................................................................................. 15

PARTE I

Projetos e Experiências da UFC – Campus do Cariri ................................................. 29

Capítulo 1

Uma Proposta de Incubação para o Desenvolvimento Local via Constituição de uma Rede de Economia Solidária: O Caso do Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas

Maria Maíra da Nobrega Sousa, Amanda Cristina Medeiros, Ana Aline Nascimento, Eduardo Vivian da Cunha ................................................................................................. 31

Capítulo 2

A Experiência de Pré-Incubação com a Associação de Catadores Engenho do Lixo: Os Desafios em um Grupo em Fase Inicial Augusto de Oliveira Tavares, Kecya Nayane Lucena Brasil ................................................. 51

Capítulo 3

A Experiência do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri: Os Desafios da Formação de um Grupo de Economia Solidária

Cleonisia Alves Rodrigues do Vale, Marcus Vinícius de Lima Oliveira, Lúcia Maria de Araújo, Andrécia Márcia Ricardo de Carvalho, Eduardo Vivian da Cunha .................... 69

Capítulo 4

Incubação dos Empreendimentos Juvenis do Projeto Gestão Social nas Escolas: o Desafio da Formação de Grupos no Processo de Pré-incubação

Marluse Martins de Matos, Joseane de Queiroz Vieira, Raquel Farias Gregório Bezerra, Ítalo Anderson Taumaturgo dos Santos, Waléria Maria Menezes Morais de Alencar ...................85

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Capítulo 5

O Projeto Mulheres da Palha: o Efeito da Incubação e a Importância das Relações em Grupo

Valéria Giannella Alves, Juliana Loss Justo, Milanya Ribeiro da Silva , Maria do Socorro da Silva, Eva Regina do Nascimento Lopes, Rosane da Silva Nunes ...................... 103

Capítulo 6

Os Desafios da Incubação de uma Cooperativa de Crédito Solidário

Kecya Nayane Lucena Brasil, Antônia Olga Correia de Moura, Augusto de Oliveira Tavares, Eduardo Vivian da Cunha .................................................................... 119

Capítulo 7

O Fórum Caririense de Economia Solidária como Espaço de Articulação de uma Outra Economia Danilo Ivo Feitosa, Maria Laís dos Santos Leite, Eduardo Vivian da Cunha ..................... 133

Capítulo 8

Ação-Reflexão-Ação: Ressignificando a atuação da ITEPS/UFC-Cariri no Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação dos Catadores de Barbalha-CE Maria Laís dos Santos Leite, Valéria Giannella Alves ...................................................... 145

PARTE II

Diálogos com Outras Experiências ............................................................................ 159

Capítulo 9

Economia Solidária: Análise Crítica da Atuação da ITCP/NESol/UFT Airton Cardoso Cançado, Liliam Deisy Ghizoni .............................................................. 161

Capítulo 10

O Desafio da Autogestão: Reflexões a Partir da Experiência da Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão do Ceará/UFC Osmar de Sá Ponte Júnior ............................................................................................... 177

Capítulo 11

Incubação em Economia Solidária e Extensão Universitária: Reflexões a Partir da Experiência da ITES/UFBA

Ives Tavares Romero do Nascimento, Ariádne Scalfoni Rigo, Genauto Carvalho de França Filho .................................................................................................................................. 187

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PREFÁCIO A incubação de empreendimentos da economia solidária pode ser considerada como uma das mais importantes inovações em termos de extensão universitária no Brasil. Desde a primeira experiência, em 1994 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, diversas Instituições de Ensino Superior vêm realizando atividades desta natureza. Hoje, depois de quase vinte anos de estrada, pode-se dizer que esta atividade de extensão se consolidou em diversos campi espalhados pelo Brasil, nos mais diversos formatos e com as mais diversas nomenclaturas. O Fórum dos Pró-Reitores de Extensão também já reconhece esta importância. A incubação é uma atividade de extrema complexidade que traz resultados bastante interessantes em diversos sentidos. Talvez o maior deles seja a transformação das pessoas, todas elas. Professores, alunos, técnicos, membros dos empreendimentos e gestores públicos; todos os que participam de uma ação de incubação nunca mais são os mesmos. A incubação tem um poder transformador, pois aproxima, de maneira um tanto rápida e direta a academia (em alguns casos o poder público também) da realidade nua e crua. Porém, o principal avanço, arrisco-me a dizer, é a integração (sempre alardeada e dificilmente operada) entre a extensão, a pesquisa e o ensino. Pode-se dizer que o ensino (muitas vezes em cursos livres e em outros em disciplinas formais) quase sempre esteve presente nas ações das incubadoras. Porém, nos últimos anos nota-se que as incubadoras têm se preocupado com a sistematização das suas ações e resultados. Obviamente que este é um movimento lento de aproximação das incubadoras com a pesquisa e publicação de seus resultados, mas cabe ressaltar a riqueza que um processo desta natureza tem em termos de informação. Algumas incubadoras ficam perdidas diante de tanta informação e não sabem por onde começar, outras já trazem nas suas diretrizes esta preocupação. Este livro, organizado por Eduardo Vívian da Cunha, Amanda Cristina Medeiros e Augusto de Oliveira Tavares traz valiosos relatos dos problemas enfrentados neste processo de incubação em Juazeiro do Norte/CE e em outras realidades como poderá ser visto adiante no texto. A maneira como o livro foi planejado e organizado dá ao leitor uma ampla visão das dificuldades encontradas nos processos de incubação, as soluções encontradas, as decisões tomadas (algumas muito difíceis) e outros aspectos que permeiam esta intensa relação entre universidade/sociedade/poder público/mercado. Muitas vezes é difícil ter tempo de organizar um trabalho desta natureza em meio às ativi-

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dades de professor/aluno e as da própria incubadora. Porém, este trabalho consegue ter a profundidade necessária para avançar na discussão e, ao mesmo tempo, ser de fácil leitura para leigos. Leitura importante para quem já atua com incubação de empreendimentos da economia solidária e obrigatória para quem pretende começar a atuar. Gostaria de finalizar agradecendo ao convite de Eduardo, Amanda e Augusto para prefaciar este livro sobre um tema que tem uma importância muito grande não só para as universidades, mas para a sociedade como um todo. Já acompanho as atividades da ITES/UFC-Cariri a um bom tempo e conheço o esforço que foi realizado para criar e consolidar estas ações. Aqui está uma parte dos frutos deste trabalho, com as bênçãos do Padre Cícero! Boa leitura a todos! Airton Cardoso Cançado 14 de janeiro de 2013 Palmas/TO

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Apresentando as Discussões: a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS) e seus aprendizados em diálogo com outras experiências .................................................................... Eduardo Vivian da Cunha Este capítulo visa a apresentar, preliminarmente, algumas discussões que veremos no transcurso do livro que hora está em suas mãos. Ele foi construído com base em experiências da ITEPS, realizadas na Região do Cariri, bem como de outras, que aqui trazemos como elementos de outras realidades para as discussões em torno dos processos de incubação. O livro está dividido, assim, em duas partes: uma primeira com os relatos e debates em torno de projetos da UFC/Campus Cariri e uma segunda que denominamos de “diálogos com outras experiências”. Estas outras contribuições são tanto de outros projetos dentro da própria UFC quanto de aprendizado apresentado por experiências externas. Todas elas trazem elementos específicos que apresentaremos neste capítulo brevemente a título de síntese do aprendizado e de apresentação propriamente dita das discussões que serão vistas em cada um dos capítulos que segue. Iniciaremos, então, com a apresentação da ITEPS, seu contexto de surgimento, bem como suas escolhas metodológicas neste tempo em que vêm atuando (cerca de quatro anos). Faremos, a seguir, uma apresentação sintética de cada capítulo para então apresentar algumas reflexões gerais que podemos tirar a partir das experiências e discussões apresentadas. 1. Histórico da ITPES Os primeiros passos para a constituição da ITEPS no Campus do Cariri foram dados no segundo semestre de 2008, a partir da articulação para financiamento das suas atividades com o ETENE/Banco do Nordeste (BNB). Depois da aprovação de um projeto a este financiador, a ação extensionista foi criada como um projeto de extensão ligado à UFC1. Durante o primeiro ano das suas atividades, quando então estava sob a coordenação do prof. Jeová Torres Silva Júnior (do mesmo campus universitário), as ações da incubadora se voltaram especialmente para as articulações institucionais (junto às Prefeituras Municipais de Juazeiro do Norte e Barbalha e outras institui-

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ções, como a ICPA2) e identificação das primeiras parcerias com empreendimentos no sentido de se iniciar os processos de incubação. Estas articulações envolveram a busca, junto à prefeitura de Juazeiro do Norte, de um espaço mais apropriado para a instalação da incubadora (que nunca se concretizou efetivamente) e à prefeitura de Barbalha para a elaboração de um projeto e de ações conjuntas junto aos catadores de recicláveis do município (ação que chegou a ser iniciada, mas foi encerrada pelas dificuldades institucionais encontradas). Junto ao ICPA buscou-se cursos de capacitação para os técnicos e estudantes envolvidos inicialmente com as atividades da incubadora e viabilizados pelo projeto junto ao BNB. No final de 2009 a incubadora passou a ter outro coordenador, o prof. Eduardo Vivian da Cunha. Neste período, o projeto iniciou também efetivamente seu processo de apoio a determinados grupos. Inicialmente foram identificados três deles: a Associação de Catadores do Município de Barbalha, a Cooperativa de Crédito Solidário do Crato e a Associação de Micro e Pequenos Empreendedores do Bairro Salesianos (ASMIPESAL), que posteriormente passou a se designar como Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas (CDCT), abrigando também um projeto de um Banco comunitário. Este último é único dos três empreendimentos iniciais que ainda continua participando do processo de incubação. Mais ou menos neste mesmo período (em novembro de 2009), a incubadora solicitou sua filiação à Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede de ITCPs), em encontro realizado na cidade de Curitiba/PR. Para esta ocasião, contou com a indicação da ITES (Incubadora Tecnológica de Economia Solidária), da Universidade Federal da Bahia. Desde então, vêm participando ativamente dos encontros e atividades propostas por esta rede, participando da sua coordenação desde o final de 2010. No que toca a parcerias, a ITEPS contou desde seu início até meados de 2012 com o apoio do NESOL (Núcleo de Economia Solidária) da Universidade Federal do Tocantins, com a realização de um curso técnico em Juazeiro do Norte; com a já citada ITES/UFBA na realização de intercâmbios de estudantes e técnicos da ITEPS para conhecer alguns de seus projetos em duas ocasiões e pela participação conjunta de um projeto vinculado ao PRONINC3; com o SESC-Juazeiro do Norte na articulação conjunta com o grupo de artesãos; com o Centro de Formação (CFES) Nordeste na realização de cursos na região do Cariri em 2012; e com as parcerias internas, como o LIEGS (Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social), iniciador de algumas ações da incubadora, bem como do próprio projeto da ITEPS, o GPEA (Grupo de Pesquisa em Agroecologia), no apoio às ações junto à CREDSOL, o NUPEJA (Núcleo de Pesquisa e Extensão Jurídico-Administrativo), no apoio junto à ação com

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catadores do Engenho do Lixo e a Pró-reitoria de Extensão da universidade, na concessão anual de bolsas para estudantes de graduação. Seguindo no que se refere aos grupos incubados e projetos executados, o primeiro dos três empreendimentos selecionados, a Associação de Catadores de Barbalha, teve o processo descontinuado ainda em maio de 2010, pelas razões referidas acima4. Ainda no mesmo mês, começou a ser gestada a incubação de um quarto grupo, o Fórum Caririense de Economia Solidária, objeto de descrição do capítulo 7, apoio que acabou sendo catalizador de diversas ações transversais da incubadora junto a grupos de economia solidária e ao próprio movimento de economia solidária da Região do Cariri. Em junho de 2011 iniciou-se o processo de incubação da Associação Engenho do Lixo, em uma nova tentativa de trabalhar com um grupo de catadores, desta vez no município de Juazeiro do Norte, e sob outras condições, ou seja, com a dependência diminuída com relação a parceiros externos. Em 2012 ocorreram os últimos movimentos com relação à entrada e saída de grupos do processo de incubação: no começo do ano iniciou-se mais efetivamente o processo de incubação junto ao Projeto Gestão Social nas Escolas, em execução desde 2011 junto ao LIEGS (e acompanhado pela ITEPS); em meados deste ano foi feita a aproximação ao grupo de artesãos que surgiu também como fruto de um projeto executado pelo LIEGS desde 2011. Por fim, decidiu-se por deixar de apoiar o grupo da CREDSOL, pela dificuldade encontrada no avanço das ações previstas (como pode ser visto no Capítulo 6). 2. Metodologia desenvolvida pela incubadora Do ponto de vista da organização interna, desde o início a proposta foi trabalhar com uma noção que superasse ideia de simples “ações”, envolvendo uma estrutura que se estabelecesse por “subprojetos” relacionados com cada grupo incubado, na tentativa de convergir uma complexidade maior de ações, conforme a própria complexidade que o processo de incubação demanda. Tal visão norteou, por exemplo, as propostas de captação de recursos. Além do referido financiamento do Etene/BNB, a incubadora foi contemplada nos anos de 2011 e 2012 com recursos do edital PROEXT/MEC para o projeto do CDCT/Banco Comunitário; no ano de 2011 com recursos para trabalhar o projeto Gestão Social nas Escolas e com o grupo de artesãos no projeto fomento à Arte e ao Artesanato no Cariri (efetivamente o LIEGS foi o executor e a incubadora entrou como parceira); e no ano de 2012 para trabalhar o Comércio Justo e Solidário na Região do Cariri, em articulação com o Fórum Caririense de Economia Solidária.

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Ainda no que toca à estrutura organizacional interna, optou-se por adotar na incubadora uma estrutura matricial de trabalho. Assim, definiu-se que as equipes se dividiram no trabalho de apoio aos grupos incubados (trabalhos “de campo”), ao mesmo tempo em que as mesmas pessoas comporiam setores de apoio que prestariam serviços específicos a estes trabalhos de campo. Os grupos de apoio (ou intervenção, como se convencionou chamar), seriam assim divididos: Administração, Contabilidade e Economia; Aspecto Legal; Engenharia e Agronomia; Psicologia e Assistência Social. Todos estes grupos contariam com a participação/orientação de pelo menos um professor universitário, da UFC ou de instituições parceiras. Além destes, foram pensados dois outros grupos de apoio transversais, que seriam o “Gestão Administrativa” e o de “Formação”. É de se reconhecer, entretanto, que tal estrutura não funcionou na prática e que o principal foco de atenção passou a ser efetivamente os grupos incubados/subprojetos, com algumas ações transversais pontuais (temporárias) que ocorreram em função de demandas específicas (como organização de eventos, por exemplo). Já no que toca à metodologia, o trabalho da ITEPS conceitualmente se estrutura, (de maneira similar a outras experiências no Brasil), a partir de um processo de três fases – pré-incubação, incubação e desincubação – e quatro eixos de atuação – diagnóstico, planejamento, formação e acompanhamento. Estas três fases mais gerais poderão ser percebidas nas descrições de alguns dos capítulos do livro (especialmente dos casos ligados à ITEPS), onde serão situados os momentos e atividades em que se encontram os grupos incubados, além do que já foi feito em cada um deles. O diagnóstico é o momento de levantar as demandas e conhecer um pouco mais o grupo e/ou o território a ser incubado. Aqui os instrumentos utilizados envolvem, por exemplo, questionários, entrevistas, visitas e encontros com os envolvidos, em que coletivamente se apontam as dificuldades e as intenções do grupo. O propósito neste momento é o de conhecer o empreendimento mais profundamente, bem como o território em que ele está inserido, devendo-se ir além dos discursos, ou seja, dos problemas e desejos externalizados no sentido de se compreender alguns elementos da sua dinâmica social. O planejamento, que se supõe que deva ser essencialmente participativo, é o momento de construção estruturada das intenções coletivas do empreendimento. Neste caso, podem ser utilizados instrumentos como a matriz FOFA5, a definição de missão, visão, valores, objetivos estratégicos e a construção de um plano de ação. Um dos principais cuidados aqui é o de se definir métodos que façam com que o grupo como um todo participe, valendo se utilizar a criatividade para a sua aplicação. Além disto, a própria realização do planejamento é tida como um elemento de

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formação, já que ele também pode ser visto sob um outro aspecto, que é o de ser um instrumento de gestão do próprio grupo. Com isto, ele pode ser revisitado com uma certa periodicidade, definida em conjunto com o empreendimento, no sentido de se permitir uma internalização da ferramenta, além de realimentar as diretrizes e ações do processo de incubação. A formação é o momento de capacitação do grupo para os elementos políticos e técnicos que interessam ao processo. Neste caso, alguns conteúdos “obrigatórios” são economia solidária, cooperativismo, associativismo e alguns instrumentos de gestão, podendo haver outros específicos a partir da demanda do grupo e do que for apontado pelo planejamento participativo. Importante considerar aqui (como de fato em todos os momentos) os tempos e capacidades do grupo (em função da sua formação “formal”), e a adequação da linguagem e dos métodos de ensino-aprendizagem. Neste eixo também não se dispensa a utilização da participação dos integrantes do grupo na definição dos temas e métodos da sua própria formação. Uma última observação a ser feita é que a formação não precisa (ou não deve) se restringir aos espaços e tempos definidos por uma capacitação; ou seja, conforme o exemplo citado acima (do planejamento participativo), todos os momentos da incubação são, de certa forma, pedagógicos e devem ser cuidadosamente pensado como tais. Por fim, o acompanhamento é a assessoria no dia a dia do empreendimento, perfazendo um dos eixos que envolve maior tempo dentro do processo total de incubação, pelo menos no caso da ITEPS. É neste momento também que o grupo é apoiado no sentido de colocar em prática os elementos definidos no planejamento bem como os aprendizados obtidos na formação. Com relação às fases, a de pré-incubação é um momento inicial de aproximação entre a incubadora e o grupo a ser incubado. Nesta fase, normalmente são realizadas as atividades de diagnóstico e planejamento (embora outras atividades também podem estar presente, como a formação, por exemplo), e pode durar de três meses a até mais de um ano, conforme a dinâmica do grupo e a proposta do processo de incubação (quando ela envolve a formação de um grupo que não existia antes, por exemplo). Como será apresentado, tivemos até agora a oportunidade de trabalhar em alguns grupos que permitiram testar diversas possibilidades desta fase. Já a fase de incubação propriamente dita é o coração do processo de incubação, e onde geralmente ocorre a maior parte do aprendizado do grupo com relação ao seu próprio trabalho. Neste momento, ocorrem de forma mais intensa as ações de formação e acompanhamento, não sendo, entretanto, dispensados os momentos de diagnóstico e planejamento, sendo que especialmente o último, conforme já comentado, deve ser incorporado como um elemento da própria gestão do empreendimento.

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Por fim, a fase de desincubação é a que representa a preparação do grupo para deixar de receber a assessoria da incubadora. Neste momento, tende a prevalecer a ação de acompanhamento, que é mais orientada no sentido de reforçar a autonomia do grupo (que, de fato, deve ser trabalhada desde o início, considerando-se a perspectiva deste último momento). Da mesma forma que nas outras fases, ressalta-se que outros eixos também podem estar presentes, como a formação e as atividades de planejamento. Para além desta estrutura de ação, o trabalho da incubadora contempla alguns princípios que são levados em conta em todos os momentos de intervenção: •

o processo de acompanhamento é contínuo e se dá in loco com todos os grupos incubados (semanal, sempre que possível); • a construção das demandas e soluções para todas as questões levantadas deve ser feia em conjunto com os grupos incubados, na proposta pedagógica que se alinha com os métodos freirianos; • o protagonismo dos atores dos empreendimentos é um elemento central no processo; isto não significa que a equipe não se implique no processo de execução do projeto com todas as ações levantadas, entretanto o seu papel é mais de apoiadora e facilitadora. 3. Os casos apresentados A primeira parte do livro possui oito capítulos. O primeiro deles se refere à experiência de incubação do Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas (CDCT) e do Banco Comunitário de Desenvolvimento das Timbaúbas (BCDT). Este é um processo que incorpora uma proposta territorial, a partir da noção de redes locais de economia solidária, que é fomentada por meio da atuação de dois agentes de desenvolvimento local entrelaçados, que são os empreendimentos referidos. Aqui é apresentada a história do CDCT, como ele passou da antiga Asmipesal para uma nova configuração e como foi construída a proposta do banco comunitário junto aos associados e à comunidade. Destacam-se dois aspectos deste relato, aparentemente contraditórios: de um lado, a mobilização pré-existente do grupo incubado, que facilitou a incubação, além de imputar um certo nível de sustentabilidade à proposta, e de outro, os momentos de desmobilização pelo qual ela já passou, associados à algumas dificuldades de recursos, à sobrecarga de trabalho sobre alguns associados e à empecilhos para a inserção comunitária na proposta.

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O segundo capítulo apresenta a experiência de incubação junto à Associação Engenho do Lixo. Destacam-se aqui, para além de elementos de dificuldade que são inerentes aos grupos de catadores de recicláveis, um outro desafio dado pelo fato de que se evidenciou, em dado momento durante a pré-incubação, que a associação não funcionava efetivamente com elementos que caracterizam coletivos de economia solidária. O trabalho, neste caso, assumiu perspectivas diferentes das inicialmente planejadas, e que estão ligadas à organização dos catadores em toda a Região co Cariri, apresentando novos desafios à ação. Neste caso, partiu-se para quase a constituição de um grupo novo, a partir de associações pré-existentes e de catadores não associados. Já o capítulo três apresenta de forma específica alguns desafios na formação (constituição) de um grupo de economia solidária a partir de um projeto com esta intenção. O texto nos apresenta algumas questões para reflexão quando se tem por objetivo agrupar indivíduos sem uma história associativa comum, e que de fato, possuíam em comum, na maior parte dos casos, apenas o fato de compartilhar o mesmo ofício. Algumas limitações apontadas pelo relato, na sua maioria decorrentes deste fato, foram as relações incipientes entre os integrantes do empreendimento, a ausência de lideranças efetivas e estáveis, a falta de resultado econômico no curto prazo e a expectativa dos artesãos ser diferente do resultado que se pode obter com a proposta projeto. O capítulo quatro traz um projeto com desenho, em certa medida, similar ao apresentado no capítulo anterior, ou seja, com a proposta de se constituir grupos de economia solidária a partir do “zero”. A diferença, neste caso, é o contexto a proposta e o perfil dos participantes, já que o Projeto Gestão Social nas Escolas se dá entre estudantes de nível médio de três escolas estaduais de Juazeiro do Norte. Neste relato são apresentados o histórico de trabalho junto aos jovens para gerar a sensibilização e mobilização em torno do projeto, até se culminar na proposição da criação de três empreendimentos econômicos solidários, que estão em processo de implantação. Em relação ao projeto anterior, este carregaria a vantagem de trabalhar com sujeitos que já se conheciam e compartilhavam um espaço e alguns propósitos comuns (embora não ligados à economia solidária). Como desvantagem, poderia se apontar o menor nível de maturidade dos integrantes dos grupos com relação à atividades profissionais. O capítulo cinco relata um projeto que ocorre na UFC/Campus do Cariri, e, embora não esteja ligado à ITEPS, realiza-se em grande medida como um processo de incubação. O texto apresenta o processo de mobilização do grupo Mulheres da Palha, que é formado por artesãs da Colina do Horto, em Juazeiro do Norte até a consolidação de um empreendimento de economia solidária. Destaca-se, neste caso, as metodologias utilizadas para o fortalecimento do grupo, que envolveram dimen-

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sões técnicas, afetivas e políticas, e que receberam atenção especial durante todo o tempo de atuação, obtendo bons resultados no que diz respeito a este propósito (de fortalecimento do coletivo). O capítulo seis, por sua vez, destaca o processo de incubação realizado com a CREDSOL. Este foi um processo que se apresentou sempre como muito difícil, especialmente após os momentos de diagnóstico e planejamento. A falta de participação ativa e frequente dos associados, o seu desinteresse em assumir funções administrativas e de conhecer mais a fundo a própria estrutura da cooperativa, a escassez de recursos financeiros e a aparente ausência de espírito cooperativista colocou constantes empecilhos na execução das ações planejadas. A incubadora estava sendo levada a uma perigosa postura de fazer para ao invés de fazer com, o que a levou, depois de se avaliar a dificuldade em se perceber novas perspectivas, a desistir deste processo de incubação. O capítulo sete discute a experiência junto ao Fórum Caririense de Economia Solidária, da qual a incubadora vêm participando desde a sua constituição. Neste caso, há um processo de incubação um tanto sui generis, por evolver uma proposta em que a ITEPS participa do grupo ao mesmo tempo em que o incuba. Esta relação estabeleceu uma série de desafios desde o início, que envolveram a questão da autonomia do fórum e sua capacidade para a realização de articulações independentes. Além disto, outros elementos foram desafiadores durante o processo, como a oscilação na participação e a ausência de uma quantidade maior de lideranças que se dispusessem a assumir a coordenação do fórum. Finalizando a primeira parte, o capítulo oito apresenta o caso da incubação de uma associação de catadores na cidade de Barbalha (que foi propriamente mais uma tentativa de incubação, já que durou apenas alguns meses) problematizando o processo a partir da relação com o poder público local (municipal). Apresenta alguns elementos que surgiram pelo fato de a associação ter sido fomentada pela prefeitura local e a relação difícil de dependência que se estabeleceu entre o empreendimento e esta instituição, bem como o problema em que a incubadora se viu colocada em função deste contexto e de algumas limitações internas. Iniciando a segunda parte do livro, o capítulo nove apresenta as ações da ITCP/NESol (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do Núcleo de Economia Solidária), da Universidade Federal do Tocantins. O texto discorre sobre os projetos executados e os em execução, avaliando criticamente suas ações e resultados. Traz reflexões sobre a participação discente nos projetos (e sua importância); sobre as dificuldades de trabalhar com a mobilização de comunidades, especialmente devido a muitas já serem frequentes “públicos alvos” de outros projetos,

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nem sempre bem sucedidos; sobre o problema de lidar com a lógica de editais que impõe diversos tipos de restrições à ação das incubadoras; além de discutir sobre a dificuldade em favorecer impactos econômicos nos empreendimentos incubados (muito embora outros tipos, como os sociais e os políticos ocorram e são percebidos com uma certa facilidade), especialmente em função do contexto em que eles estão inseridos. O capítulo é concluído com a apresentação de alguns possíveis caminhos frente às limitações apontadas. No capítulo dez surge de uma reflexão sobre a autogestão a partir da prática do ICPA/UFC. Neste caso, é feita uma reflexão sobre o tipo de empreendedorismo que poderia caber às cooperativas populares, portadoras de um tipo de gestão diferente das empresas tradicionais (ou capitalistas). O texto ressalta também a necessidade de uma mudança cultural no sentido de os integrantes dos grupos poderem se tornar empresários do próprio trabalho. Apresenta ainda uma reflexão sobre conteúdos a serem trabalhados na incubação, ou seja, que eles devem envolver também a cidadania (não no sentido da simples busca por direito, mas enquanto ação emancipadora) e a noção de desenvolvimento local integrado e sustentável, além de uma ideia de competitividade revisitada. Por fim, no capítulo onze, há uma discussão sobre o papel das incubadoras frente ao propósito de integração do tripé universitário – ensino, pesquisa e extensão – tendo em vista a experiência da ITES/UFBA (Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal da Bahia). O texto apresenta uma discussão sobre a evolução do conceito de extensão e da sua prática, até se estabelecer obrigatoriamente (legalmente) no Brasil. São apresentadas, ainda, as particularidades da incubação em economia solidária neste cenário e o que as torna experiências singulares neste campo. 4. Alguns aprendizados e dilemas dos processos de incubação Por fim, apresentaremos aqui alguns “dilemas” do processo de incubação que surgem a partir de reflexões sobre os casos apresentados e da experiência vivenciada pela ITEPS: a) Entre a criação de um grupo e o trabalho com um já existente Logo que iniciamos nosso trabalho com a ITEPS, uma das primeiras premissas que havíamos assumido era a de se trabalhar com grupos já existentes, ou seja, em que houvesse ao menos algum espírito associativo e objetivos comuns entre os

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associados. Entretanto, algumas demandas específicas nos levaram a trabalhar com grupos novos, o que nos trouxe outros elementos para a discussão e nos levou a um amadurecimento com relação a esta intenção inicial. Pudemos perceber que as vantagens de um grupo mais ou menos “pronto” podem não ser assim tão evidentes, além de que o potencial de se trabalhar um grupo novo pode ser, por outro lado interessante. A principal vantagem de se trabalhar com um grupo pronto estaria ligada a ideia de redução de esforços por parte da incubadora, já que o trabalho de incubação poderia se concentrar especialmente nos fatores mais técnicos; evidentemente não se negligenciariam os elementos mais político-associativos, mas a carga sobre eles teria principalmente o efeito de potencializar o que o grupo já faz; neste caso, a possibilidade de resultados mais rápidos (especialmente os econômicos) seria mais alta. EntrNo capítulo nove surge de uma reflexão sobre a autogestão a partir da prática do ICPA/UFC. Neste caso, é feita uma reflexão sobre o tipo de empreendedorismo que poderia caber às cooperativas populares, portadoras de um tipo de gestão diferente das empresas tradicionais (ou capitalistas). O texto ressalta também a necessidade de uma mudança cultural no sentido de os integrantes dos grupos poderem se tornar empresários do próprio trabalho. Apresenta ainda uma reflexão sobre conteúdos a serem trabalhados na incubação, ou seja, que eles devem envolver também a cidadania (não no sentido da simples busca por direito, mas enquanto ação emancipadora) e a noção de desenvolvimento local integrado e sustentável, além de uma ideia de competitividade revisitada. Por fim, no capítulo dez, há uma discussão sobre o papel das incubadoras frente ao propósito de integração do tripé universitário – ensino, pesquisa e extensão – tendo em vista a experiência da ITES/UFBA (Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal da Bahia). O texto apresenta uma discussão sobre a evolução do conceito de extensão e da sua prática, até se estabelecer obrigatoriamente (legalmente) no Brasil. São apresentadas, ainda, as particularidades da incubação em economia solidária neste cenário e o que as torna experiências singulares neste campo.etanto, trabalhar com um grupo pré-existente significa ter que trabalhar, também, sobre uma cultura já estabelecida, que é muitas vezes permeada pelos vícios que a economia solidária pretende combater, como a centralização das decisões, falta de clareza sobre a proposta solidária, dentre outros. Além disto, muitos grupos possuem um problema adicional que é o de serem já alvos de outras intervenções, o que coloca o trabalho em outro nível de cobrança e descrédito em dadas circunstâncias. Alguns destes elementos podem ser evidenciados especialmente nos capítulos 2, 6 e 8.

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Por outro lado, o trabalho com grupos novos tem demonstrado alguns bons resultados, como pode ser observado nos casos relatados nos capítulos 3 e 4. Porém, deve-se destacar que alguns elementos parecem ser importantes para este sucesso, e de alguma forma tem que estar todos presentes para que este resultado positivo seja alcançado. O primeiro deles é o tempo para o amadurecimento do grupo. Nos dois capítulos citados, os processos correram por mais de um ano até que se pudesse começar a ter o formato de um grupo minimamente estável e comprometido consigo mesmo (ou seja, com os indivíduos envolvidos com os processos coletivos). O segundo destes elementos são os conteúdos das formações, que envolvem com bastante intensidade, questões como empoderamento, cidadania, economia solidária, associativismo, cooperativismo, além de vários momentos integrativos em que estes conteúdos possam ser aplicados de diversas formas (o projeto descrito no capítulo 4, em especial, é um exemplo em que isto foi intensamente utilizado). O terceiro ponto é a necessidade da construção de objetivos comuns (do grupo) que representem claramente as intenções dos indivíduos envolvidos; além disto, nos parece que os elementos econômicos tem que aparecer nestes objetivos; o caso do fórum (Capítulo 7) parece ser um exemplo em que a ausência mais clara destes últimos provoca uma dificuldade de comprometimento entre os atores, que se mobilizam mais intensamente quando há programações de feiras, por exemplo. b) Entre a abordagem territorial e a abordagem de empreendimentos individuais Este é um aspecto que, de certa forma, já vem sendo abordado em algumas discussões (FRANÇA FILHO e CUNHA, 2009; IDEM, 2009b). Ele aparece aqui nos capítulos 1 e 9 (neste último caso, nas considerações sobre os melhores caminhos para um processo de incubação). De certa forma, a impressão que temos, a partir dos encontros da Rede de ITCPs, especialmente nos debates que são propostos e nas “conversas de intervalo”, é de que o caminho da abordagem territorial vem ganhando cada vez mais força e tem se mostrado uma tendência entre as propostas mais recentes das incubadoras. A primeira das considerações a ser feita em defesa desta abordagem (territorial) são os próprios dados de sobrevivência dos empreendimentos, já que se observa, a partir do mapeamento da SENAES atualmente em curso (em 2012), um certo nível de mortalidade destas iniciativas6. Um segundo argumento é a próprio risco de degeneração da proposta solidária, conforme o empreendimento se torna bem sucedido dentro da lógica de mercado, o que também já foi apontado por alguns autores7, num fenômeno dentor do que seria uma espécie de isomorfismo institucional. Tendo este segundo argumento em vista, surge um terceiro, que é a necessidade de se criar “setores de economia solidária”, ou seja espaços, formados por redes, ca-

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deias e territórios, onde a proposta possa ser experimentada e desenvolvida dentro de seus próprios princípios. Para rebater uma crítica contra o que seria uma proposta purista, a ideia que está posta aqui é a da construção efetiva de propostas alternativas e de avaliações de seus limites e possibilidades, o que é muito difícil de se fazer no contexto puramente do mercado. Além disto, quando se fala em propostas da economia solidária automaticamente deve aparecer no discurso a questão do contexto em que os empreendimentos operam; neste caso, estas propostas parecem ter seus sentidos reduzidos quando representamos um cenário de longo prazo formado por uma sociedade muito similar à que vivemos hoje, apenas com mais cooperativas autogestionárias. Ou seja, seria mais apropriado assumir que a proposta da economia solidária implica também em um outro projeto de sociedade. Todos estes elementos não significam que a tendência é que não se veja mais incubação de empreendimentos, mas sim que há um contexto e um projeto político a ser considerado nestes casos. Assim, por exemplo, tais propostas de incubação não podem prescindir da dimensão do espaço em que os grupos operam, devendo-se levar em conta a articulação em redes e cadeias e sua inserção em territórios, bem como os diversos níveis de articulação política que o empreendimento estabelece. c) Entre os aspectos associativos e os técnicos do processo de incubação Não há muita dúvida de que os processos de incubação devem incluir os dois tipos de aspectos dentro dos seus elementos formativos. A grande questão é quais dos elementos deve ser privilegiado para o fortalecimento dos grupos? De novo, a primeira e mais imediata resposta é que ambos os elementos devem ser tratados com igual importância. Entretanto, dois capítulos aqui apresentados (4 e 5) trazem alguns elementos que podem ajudar a clarear esta discussão. Grosso modo, poderíamos dizer que não há como realizar um trabalho mais técnico-operacional enquanto o grupo ainda não está funcionando bem do ponto de vista sociopolítico. Ou pelo menos ele pode ser muito pouco efetivo sem este elemento. No projeto apresentado no Capítulo 5 (Mulheres da Palha), observa-se que o trabalho junto ao grupo envolveu também e de forma conscientemente trabalhadas, questões afetivas e emocionais, que se estendem também para a relação do grupo com a equipe técnica do projeto. Tal fato gerou uma coesão dentro do empreendimento que permitiu que o trabalho no que se refere aos aspectos técnicos se desenvolvesse melhor a posteriori. De forma similar, o projeto Gestão Social nas Escolas (Capítulo 4), cujos elementos já foram referidos acima, promoveu diversos momentos em que os grupos puderam se fortalecer a partir do trabalho de questões como liderança, comprometimento e empoderamento.

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d) Entre os “tempos” do financiamento e os “tempos” da incubação Este é um tema relativamente bem conhecido e também bem debatido entre as incubadoras da Rede de ITCPs, sendo alvo de demandas destas organizações junto aos governos. O Capítulo 8 aborda este tema com maior profundidade, e o que se tem a acrescentar é que os tempos de incubação não condizem, em geral com os tempos dos financiamentos. Se analisarmos aquelas situações de formação de grupo (referidas acima), em que é necessário ainda um tempo maior para o que chamaríamos de pré-incubação, tal descompasso se acentua ainda mais. Referências CUNHA, E. V. et al. Todos Juntos Podem Mais? Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE. In RIGO, A. S. CANÇADO, A. C. SILVA JR., J. T. Casos de Ensino sobre Cooperativismo e Associativismo. Petrolina, PE: Gráfica Franciscana, 2011. FRANÇA FILHO, G. C.; CUNHA, E. V. Incubação de redes de economia solidária. In HESPANHA, P. et al (coord). Dicionário Internacional da Outra Economia. Coimbra, Portugal: Almedina SA, 2009. ________; _________. Incubação de Redes Locais de Economia Solidária: Lições e Aprendizados a Apartir da Experiência e Aprendizados a Partir da Experiência do Projeto Eco-Luzia e da Metodologia da ITES/UFBA. pp. 725-747. In O&S. Vol. 16, N° 51 (2009)b. MEDEIROS, A. C.; CUNHA E. V. Economia Solidária e Desenvolvimento Local: A Prática dos Empreendimentos Econômicos e Solidários na Região do Cariri Cearense. In VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. Anais... 2012. SILVA, S. R. Et all. Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: A Experiência de Incubação do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE. In IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. Anais... 2010. SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1999. 1Sob o código de registro XJ00.2008.PJ.0250. Hoje a incubadora é um programa de extensão, sob o registro GA.2012.PG.0294.

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2Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares de Autogestão do Ceará, também da UFC. 3Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares 4Ver mais detalhes em Cunha et al (2011) e Silva et al (2010). 5Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças. 6Ver, por exemplo os resultados do mapeamento na região do Cariri (MEDEIROS & CUNHA, 2012). 7Por ex. Singer (1999).

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PARTE I: Projetos e Experiências da UFC Campus do Cariri

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Capítulo 1: Uma Proposta de Incubação para o Desenvolvimento Local via Constituição de uma Rede de Economia Solidária: O Caso do Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas Maria Maíra da Nobrega Sousa, Amanda Cristina Medeiros, Ana Aline Nascimento, Eduardo Vivian da Cunha ............................................................ 1. Introdução O presente texto apresenta a experiência vivenciada no processo de incubação de dois empreendimentos econômicos e solidários: o Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas (CDCT) e o Banco Comunitário de Desenvolvimento das Timbaúbas (BCDT), ambos localizados na cidade de Juazeiro do Norte - Ceará, no Bairro das Timbaúbas. Conforme será observado neste capítulo, a incubação implementada no bairro das Timbaúbas se deu através da implantação de um projeto de desenvolvimento local impulsionado pela constituição de uma rede local de economia solidária, a qual tem o seu embrião a partir da implantação de uma experiência de finanças solidárias conhecida como banco comunitário de desenvolvimento. Outros sim, apresentaremos os conceitos de bancos comunitários, redes de economia solidária e traçaremos um ponto a ponto das ações realizadas na incubação deste grupo, estruturadas numa linha de tempo da atuação metodológica da ITEPS. Ao final lançaremos mão de algumas reflexões a cerca dos alcances e limitações vivenciadas nesta experiência, bem como relacionaremos os caminhos a serem percorridos até o final deste processo. 2. Contexto Local 2.1. O Bairro das Timbaúbas O Bairro Timbaúbas é um lugar que demonstra claramente a carência econômica, social e cultural da maioria da sua população. De acordo com o censo de 2010

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(IBGE, 2012) 42,8% dos chefes de família não tinha estudo ou tinha até um ano de estudo, e cerca de 60,5% dos chefes de família ganhavam até 1 salário mínimo. Nos dias de hoje, o que podemos observar é que o bairro Timbaúbas ainda mostra-se carente de mais atenção de sua própria população e principalmente do poder público. As ruas do bairro estão visivelmente deterioradas e precisando urgentemente de obras, que aliás têm começado a acontecer “coincidentemente” no período de eleição para prefeito do ano de 2012. Até recentemente os moradores sofriam com a falta de ônibus que teve sua rota modificada sem que a comunidade recebesse qualquer explicação por isto (embora o CDCT já tenha lutado por isto e resolvido esta questão judicialmente). A comunidade tem poucas instituições de ensino, que não compreendem o contingente de pessoas em idade estudantil, prova disto é que atualmente, no acompanhamento que realizamos com os jovens do CRAS do bairro supracitado, a grande maioria das crianças que frequentam esta instituição vão à escolas que ficam fora do bairro Timbaúbas. Estas e outras questões, que muitas vezes escapam aos olhos de quem não vivencia aquela realidade todos os dias, envolvem o bairro Timbaúbas de uma carência de ajuda, de participação popular, para cobrar ao poder público o que é de direito da população que paga os seus impostos. 2.2. O Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas O CDCT passou a ser assim conhecido e constituído legalmente como associação no ano de 2010, já depois do início do acompanhamento por parte da ITEPS. Entretanto, esta associação foi herdeira da Associação de Micro e Pequenos Empreendedores do Salesiano – ASMIPESAL, fundada em 1995, e era composta por moradores de diversos bairros da cidade de Juazeiro do Norte/CE e tua sua sede localizada no bairro Salesianos. Em 2004 a antiga ASMIPESAL recebeu da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte/CE o direito de usufruto de um terreno situado no bairro Timbaúbas. De posse deste direito, e tendo como contrapartida solicitada pela prefeitura a prestação de serviços à comunidade, o grupo de associados, que a esta altura já era composto por novos integrantes do bairro Timbaúbas, passou a se reunir em regime de mutirão em finais de semana e feriados com vistas a construir a sede da sua associação. Além do esforço físico, a construção contou também quase que exclusivamente com os recursos dos próprios associados, que se cotizavam para a compra materiais necessários.

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Figura 1: Associados trabalhando na construção da sede da associação

O projeto inicial compreendia a divisão dos espaços em áreas coletivas e individuais, em que nestas ultimas cada um dos 11 associados iriam desenvolver alguma atividade produtiva. Atualmente em um destes espaços individuais, que foi cedido por um dos associados, está abrigada a sede do Banco Comunitário das Timbaúbas, e tem-se a previsão da construção em 2013 do espaço para um telecentro e para uma escola profissionalizante. Através de um processo de construção dialógica junto à ITEPS, os integrantes da ASMIPESAL optaram por modificar o nome da associação para Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas. Tal modificação fazia sentido na medida em que o próprio grupo já vinha trabalhando com um escopo significativamente diferente da sua proposta original: o propósito de trabalho, expresso nas falas individuais e nos encontros, era o de promover melhorias nas condições de vida da comunidade, o que denota uma marca do perfil geral dos associados: uma simplicidade de origem aliada a uma vontade de realizar “algo de bom” pela sua comunidade. No grupo encontra-se uma diversidade de aptidões e profissões (entre pedreiros, costureiras, aposentado, gesseiro, tapioqueira e pequenos comerciantes), no que se poderia comumente classificar como “micros empreendedores”, que, dentro da lógica sob análise seriam mais bem designados como algo semelhante a “empreendedores solidários”. 3. Descrição do Processo de Incubação O processo de incubação teve início em 2010, na ocasião em que um dos associados, o Senhor Juraci Barbosa, procurou apoio da UFC/Campus cariri. Assim, sendo reconhecido no grupo potencial para a constituição de um empreendimento econômico e solidário a ITEPS passou-se a assessorá-la na realização das suas atividades.

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As ações empreendidas ao longo deste processo estiveram guiadas pelos quatro eixos de condução das ações da metodologia da ITEPS/UFC Cariri, conforme já apresentado no capítulo introdutório, a saber: i) diagnóstico; ii) formação; iii) planejamento e iv) acompanhamento, estando estruturados em três fases: 1. pré-incubação; 2. incubação, e 3. desincubação

Figura 2: Reuniões da equipe da ITEPS com os associados do CDCT

Os eixos diagnóstico e planejamento orientaram as ações desenvolvidas na fase de pré-incubação ao grupo. Assim, na etapa de pré-incubação foram definidas como estratégias de aproximação – com vistas a conhecer a realidade e suas potencialidades, bem como permitir traçar as estratégias de intervenção a serem adotadas no decorrer da incubação – a participação em reuniões do grupo, a realização de uma capacitação sobre associativismo, economia solidária e cidadania e a elaboração de um planejamento estratégico participativo. Este previa o levantamento das forças e fraquezas da associação, suas ameaças e oportunidades, além de eleger objetivos que seriam perseguidos pelo grupo e as ações que seriam empreendidas como meio de alcançar estes objetivos. Com um diagnóstico apontando as potencialidades do bairro e do empreendimento, constatou-se que a experiência era propícia para constituição de uma prática de finança solidária: a do banco comunitário. Assim, a semente desta ideia foi lançada ao grupo, o qual aceitou o desafio e o definiu como um dos seus objetivos. Os objetivos definidos neste planejamento serviram como norte de atuação tanto do CDCT como da ITEPS na condução do processo de incubação. Nesta ocasião, os objetivos definidos foram: i) Conclusão da obra de construção da sede da associação com a estruturação dos boxes para funcionamento individual das iniciativas produtivas dos associados; ii) Constituição de um Banco Comunitário no bairro; iii) Formação de uma Cooperativa de Trabalho. Neste sentido, a ITEPS delimitou

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o trajeto de seu trabalho com o grupo nas seguintes etapas: 1- estruturação, capacitação e mobilização da comunidade; 2- Implantação de um banco comunitário e 3- estruturação de uma rede de Economia Solidária. A segunda fase do processo, a incubação propriamente dita, teve como marco inicial a implementação das ações previstas no planejamento estratégico participativo, as quais foram divididas em três etapas: a) Formalização da associação; b) Realização de um programa de capacitação voltado para a gestão de empreendimentos e c) Formação do Banco Comunitário de Desenvolvimento (BCD). Por sua vez, os eixos que predominaram nas ações desenvolvidas pela ITEPS junto ao grupo nesta fase foram o de formação e acompanhamento. Estes três grupos de ações estavam por sua vez imbricadas, pois para constituição do Banco Comunitário era necessário concluir pelo menos uma parte da construção visando garantir o espaço para sede do banco, e a formalização da associação seria o primeiro passo para o desenvolvimento de uma série de ações no banco. Além disto, esta formalização se constituía em um dos requisitos para a consecução de apoio de muitas agências de fomento e da própria rede de bancos comunitários. Deste modo, o acompanhamento dado ao grupo na etapa de incubação esteve relacionado, sobretudo, ao apoio técnico e teórico para elaboração dos documentos obrigatórios exigidos por lei para a formalização da associação; na realização das formações em gestão de empreendimentos; bem como na realização de capacitações teóricas e técnicas para constituição do BCD. 3.1. A Fase de Pré-Incubação A fase de pré-incubação iniciou-se com a participação da ITEPS nas reuniões da associação, o que representava o embrião da criação dos primeiro laços entre incubadora e o grupo incubado. Estas passaram a acontecer aos sábados, e algumas vezes também aos domingos, abrindo espaço para definições dos segmentos de trabalho e divulgação do projeto na comunidade. Na perspectiva de aproximar a associação da comunidade local, passou-se a promover atividades e eventos no intuito de convidar os moradores a participar de futuras ações. Neste sentido, foi promovido na comunidade um primeiro seminário realizado pelo CDCT com o apoio da ITEPS. Este evento aconteceu no dia 08 de maio de 2010 e foi divulgado como “Seminário de inauguração da parte interna do CDCT”. O seu objetivo era apresentar a associação aos moradores do bairro, com vistas a divulgar as ações da de implantação de um projeto de desenvolvimento local

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pautado pelos princípios da economia solidária. Na ocasião falou-se sobre o foco do trabalho do CDCT e sobre a metodologia de intervenção que seria implementada no bairro, bem como sobre o papel da ITEPS na construção deste processo, além, de terem sido trabalhados os conceitos de Economia Solidária, Empreendimentos econômicos e solidários e bancos comunitários. Depois desse primeiro evento criou-se uma agenda para sua realização, os quais carregavam sempre o propósito de informar e capacitar à comunidade com relação à construção do processo desenvolvimento local iniciado.

Figura 3: Capacitação com os associados do CDCT

Não obstante, ainda nesta etapa do processo os associados passaram por uma capacitação dividida em três módulos, totalizando 16 horas cada, nos seguintes temas: a) Economia Solidária; b) Associativismo e Cooperativismo e c) Gestão de Empreendimentos Solidários. Durante o período em que fora ministrada a referida capacitação, a ITEPS junto à associação chegou ao consenso de buscar outro meio de criar vínculo com a comunidade, algo para além de eventos festivos e/ou seminários informativos. Optou-se por fazer caminhadas no bairro abordando os moradores que se encontravam nas calçadas como forma de disseminar o propósito do CDCT dentro da comunidade. Importa destacar que estas visitas não seguiram com uma agenda regular, motivada pela falta de receptividade pelos moradores, que muitas vezes se recusavam a participar destes momentos. Todavia, esta ação está prevista para ser retomada no ano de 2013, sendo repensada por meio de novas metodologias de aproximação.

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3.2. A Fase de Incubação A fase de incubação começou, então, com a implementação das ações previstas no planejamento estratégico participativo, dentre as quais a constituição do banco comunitário concentrou os primeiros esforços. Assim, em novembro de 2010, a Incubadora iniciou as capacitações sobre finanças solidárias e Bancos Comunitários de Desenvolvimento. O público alvo destas capacitações eram os associados e os moradores do bairro, no entanto estes últimos não se fizeram presentes. Durante estas capacitações foram realizadas algumas oficinas sobre os aspectos gerenciais dos bancos comunitários, e na oficina sobre moeda social1 os associados foram estimulados a escolherem o nome e os símbolos que estariam estampados na moeda social do BCD que constituiriam, e assim nasceu o Timba. A primeira tiragem do timba aconteceu em abril de 2011 que passara a circular na fase experimental de inauguração do banco comunitário.

Figura 4: Moeda social Timba

Em abril de 2011 foi inaugurado o Banco Comunitário de Desenvolvimento das Timbaúbas (BCDT), em uma fase experimental de três meses. Destaca-se que em virtude da ausência de apoios externos e da impossibilidade de arcar com recursos próprios a contratação de um agente de crédito, os associados se revezaram no trabalho voluntário de agentes de créditos, e o BCDT passou a funcionar às segundas e quartas-feiras. 1 A moeda social é uma moeda complementar ao real. Também chamada de circulante local, faz com que o dinheiro circule na própria comunidade, fortalecendo o comércio local, aumentando a riqueza que circula na comunidade e gerando trabalho e renda.

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O BCDT trabalha com uma carteira de crédito de duas linhas, uma para consumo e outra para produção. Os créditos concedidos, sejam a título de empréstimo para consumo ou financiamento para produção, são oferecidos em moeda social. No entanto, há uma exceção na linha do financiamento para produção em caso de não haver disponibilidade do material a ser comprado no próprio bairro. Passada a fase experimental, avaliou-se a mesma positivamente e foi decidido dar continuidade as atividades do BCDT que agora passaria a atuar em caráter permanente. Ressalta-se, nesse sentido, que tendo como pano de fundo as mesmas limitações financeiras da fase experimental o banco continuou a atuar sob as mesmas condições (através do trabalho voluntário dos associados como agentes de crédito e no mesmo horário e dias de funcionamento). Com relação à quantidade de empréstimos e trocas de reais por Timbas, temos observado que no primeiro semestre de 2012 houve um aumento considerável pela procura dos serviços do banco, como pode ser visto na Tabela 1. Tabela 1: Evolução mensal de alguns serviços prestado pelo banco

Atividade / Mês

Março/2012

Abril/2012

Maio/2012 Junho/2012

Empréstimos em Timbas (T$)2

110,00

150,00

150,00

35,00

Empréstimos em Reais (R$)

190,00

450,00

300,00

550,00

Trocas (T$ > R$)

180,00

440,00

100,00

380,00

Trocas (R$ > T$)

109,00

240,00

23,50

43,00

2

Tendo em vista a diminuição da procura pelo Timba dos últimos meses, realizou-se uma promoção onde quem trocasse o real pelo timba para fazer compras no bairro receberia um cupom e concorreria a prêmios. Esta promoção teve o seu sorteio realizado em 15/08/2012. O seu resultado, entretanto, foi considerado como não satisfatório, uma vez que apenas cinco cupons concorreram ao sorteio, e a pessoa que ganhou o prêmio é uma dos onze associados. Atualmente, o BCDT oferece com o apoio da ITEPS assessoria à gestão dos empreendimentos existentes no bairro e que já utilizaram o serviço do banco, e se propõe assessorar também os novos empreendimentos, formados a partir do crédito para produção. 2

T$ representa o símbolo da moeda Timba.

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Importa destacar que ainda nesta fase da incubação foi realizado um mapeamento da produção e consumo do bairro, com o levantamento sobre as iniciativas associativas e produtivas existentes e de potenciais empreendimentos. O intuito deste trabalho foi de identificar caminhos e possibilidades para o desenvolvimento local em termos das iniciativas que poderiam ser apoiadas pelo banco comunitário, constituindo-se o embrião da rede de economia solidária local. Sublinha-se que estes dados foram divulgados no resumo expandido publicado no Encontro Universitário da UFC (CUNHA et al, 2011) Campus Cariri assim também como no ENAPEGS3 em 2011 e que parte destes dados foram expostos acima quando falamos sobre as características do bairro Timbaúbas. Por fim, na segunda semana de setembro de 2012 a ITEPS juntamente com o CDCT promoveu o primeiro dia de formação em economia solidária com os jovens que frequentam o CRAS TIMBAÚBAS. Esta aproximação entre associação e CRAS visa a disseminação do trabalho atualmente desenvolvido pelo CDCT no bairro, bem como a identificação de pessoas que possam integrar-se e contribuir com as atividades até então desenvolvidas. De fato, preliminarmente é cedo para se apontar a fecundidade desta ação, porém sem dúvida alguma o seu principal intuito é apenas estimular a participação comunitária na construção deste processo. 3.3. Pensando o Futuro: A Fase de Desincubação Numa perspectiva de futuro, prevê-se que em 2013 a incubação ao CDCT entrará na fase de desincubação, e deverão ser implantadas ações com vistas ao fortalecimento deste e do Banco Comunitário das Timbaúbas. Esta fase caracterizar-se-á, sobretudo, por prever ações de formação e acompanhamento com a intenção de proporcionar aos membros do CDCT autonomia que os possibilitem a tocar as atividades do empreendimento na ausência da ITEPS. As ações a serem desenvolvidas nesta etapa estarão, ainda, voltadas à inserção dos jovens no movimento de fomento ao desenvolvimento local, e ampliação da mobilização e conscientização sociopolítica e comunitária, além do fortalecimento da rede de economia solidária. Além disto, o banco já está funcionando há mais de um ano, porém há problemas a serem resolvidos no que se refere à infraestrutura e à divulgação na comunidade. Tendo isto em vista, deve ser construída, nos primeiros meses de 2013 uma laje no banco, o que permitirá a instalação de um correspondente bancário, o que, por sua vez, trará mais pessoas para dentro deste espaço tornando-o ainda 3

Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social.

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mais conhecido e representará a entrada de recursos para financiamento das atividades do banco. Há ainda a previsão, ainda da constituição da Escola Comunitária em 2013, que deverá funcionar dentro das dependências do CDCT. Está previsto que esta escola volte para dois aspectos específicos: uma formação mais técnica, através de cursos profissionalizantes e outra mais política, por meio de uma formação cidadã, em que serão abordadas as perspectivas políticas, sociais e culturais. É esperado que esta escola possa através de parcerias com setores público e privado, realizar múltiplas ações de financiamento e captação de recursos, com elaboração de projetos, assumindo futuramente o papel de uma entidade de apoio e fomento na comunidade, oferecendo suporte e assessoria à gestão de novos empreendimentos, bem como coordenando e estimulando a realização de práticas econômicas sustentáveis e solidárias. Uma outra ação que se espera realizar é a constituição de um fórum econômico local. O objetivo seria realizar a articulação dos atores do bairro Timbaúbas tendo em vista possibilitar o surgimento de um processo de empoderamento e pertencimento de grupo de atores locais, levando-os a discutir sobre as principais demandas da comunidade e a elaborar estratégias para implementar ações que visem supri-las. Espera-se ainda que a existência do fórum venha a ser capaz de influenciar na construção da oferta e da demanda do bairro, de acordo com a perspectiva da consolidação da rede de economia solidária. Dentro das perspectivas das ações planejadas está também a realização mensal de oficinas, que devem capacitar os moradores no sentido da geração de trabalho e renda. Estão sendo planejadas também feiras de trocas, que deverão ser realizadas quinzenalmente. Estas feiras são um meio pelo qual devemos estimular a comunidade a relacionar-se com a lógica da ecosol, trocando coisas de que não mais precisam e levando para casa novos utensílio. Por fim, prevê-se a instalação de um telecentro comunitário, cujo funcionamento estará baseado no uso de tecnologias livres. O principal papel a ser cumprido pelo Telecentro será o da promoção de um processo de inclusão digital na comunidade, realizando ainda capacitações e formações com os moradores, também numa perspectiva crítica e consciente sobre a realidade local. 3.4. Projetos e Apoios que Viabilizaram a Incubação do CDCT/BCDT As ações aqui realizadas contaram com o apoio financeiro do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), através do financiamento a estrutura física e de pessoal da incubadora, e com o apoio da Universidade Federal do Ceará, através da concessão

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de bolsas de extensão e da infra-estrutura física da ITEPS. Além disso, o CDCT também fora contemplado com a aprovação do “Projeto Inclusão produtiva por meio da constituição de um Banco Comunitário de Desenvolvimento” no ano de 2010 pelo edital do PROEXT 2010, n° 05, do Ministério da Educação do Governo Federal. Este teve como objetivo geral a “promoção do desenvolvimento local do Bairro das Timbaúbas através da criação de um Banco Comunitário e do fomento à constituição de uma rede local de economia solidária”. As ações empreendidas tinham o intuito de promover uma mobilização comunitária no bairro, além de realizar um mapeamento da produção e consumo locais. Em 2012 foi aprovado o “Programa Promoção do Desenvolvimento Local via Implantação da Rede Local de Economia Solidária” no âmbito do edital do Proext 2011, também do Ministério da Educação. O qual teve como objetivo geral consolidar a rede local de economia solidária do Bairro Timbaúbas através do fortalecimento do BCD Timbaúbas e da criação de empreendimentos coletivos solidários voltados para a produção, consumo e gestão de serviços públicos locais. As ações previstas neste programa começaram a ser implementadas em fevereiro de 2012 e foram listadas no subitem acima. 4. Redes Locais de Economia Solidária e Bancos Comunitários como instrumentos para o Desenvolvimento Local França Filho e Silva Júnior (2009) associam as práticas dos bancos comunitários a uma outra forma de fazer economia, convidando-nos a desconstruir o conceito de economia vigente, passando a entendê-la como uma economia plural, na medida em que se reconhece que economia em si pode realizar-se segundo princípios distintos da forma capitalista de produção e distribuição de riquezas. Eles podem ainda ser portadores de uma nova forma de conceber o desenvolvimento local (CUNHA & SANTANA, 2010). Os autores apontam que esta nova forma de fazer economia tem como principais características a vocação associativa e cooperativista capaz de envolver os moradores de um determinado contexto territorial na busca pela resolução de problemas públicos concretos relacionados à sua condição de vida, através do fomento à criação de atividades socioeconômicas, tornando possível a constituição de redes de economia solidária através do envolvimento e articulação entre produtores- consumidores. Assim, a economia solidária tem a capacidade de construir a partir de um contexto real a oferta e a demanda, a criação das atividades sócio- produtivas, ou a oferta de serviços surgem em função de demandas reais, expressas pelos moradores em seu local.

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Em conformidade com esse processo, gera-se uma tendência de se desenvolver um circuito integrado de relações socioeconômicas envolvendo produtores e/ou prestadores de serviço em articulação com consumidores e/ou usuários de serviços, numa lógica de rede de economia solidária. Nesta lógica perde o sentido o processo de auto-regulação do mercado, bem como a competição que este impõe. O objetivo desta rede é justamente abrir mão dessa relação de divisão própria dos regimes de mercados, e instigar a livre associação entre produtores e consumidores, gerando o conceito de prossumidores, através de discussões publicas no espaço associativo, ou seja, em que todos os sócios podem participar, é feita a regulação desta economia. (FRANÇA FILHO & SILVA JÚNIOR, 2009). Em outras palavras, esta economia permite o exercício da democracia local, estimulando a participação dos moradores para uma avaliação e um planejamento dos valores da oferta de produtos e serviços com relação às demandas identificas, chegando assim a uma decisão coletiva. E é justamente nesta perspectiva de experimentação de outra forma de fazer economia que se constituem e desenvolvem-se as práticas dos bancos comunitários, as quais por sua originalidade – reconhecida, sobretudo, pela hibridação de diferentes fontes de financiamento e construção conjunta de oferta e demanda (FRANÇA FILHO, 2008) – representam o embrião para a constituição de redes de economia solidária. Assim, os bancos comunitários se enquadram na perspectiva de fomento às práticas econômicas e solidárias através da implantação de tecnologias sociais capazes de reorganizar a economia dos territórios, integrando “em um mesmo cenário, instrumentos de crédito, produção, comercialização e consumo na perspectiva de remontar as cadeias produtivas, oportunizando trabalho e renda para os moradores” (MELO NETO & MAGALHÃES, 2003, p. 18). 5. Apontamentos acerca do Processo de Incubação do CDCT/BCDT O processo de incubação ao CDCT pela ITEPS/UFC Cariri esteve orientado por um modelo de construção de uma relação dialógica entre professores, técnicos, estudantes e comunidade, numa perspectiva de aproximar a equipe técnica à comunidade e aos membros do empreendimento. Além disto, a ITEPS tem buscado direcionar as atividades do CDCT no sentido de proporcionar a criação de uma relação de parceria entre associados e moradores locais, para que todos trabalhem com o mesmo propósito, que é o desenvolvimento sustentável no espaço em que vivem e/ou trabalham. A perspectiva da incubação em si, de acordo com a visão da ITEPS é capacitar e empoderar os atores

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do processo para que estes se sobressaíam das situações mais adversas, criando mecanismos de sustentabilidade econômica por meio próprio e através das possibilidades que lhes são disponíveis dentro de sua própria realidade. Entretanto, algumas particularidades deste processo (e que provavelmente se repetem em muitos desta natureza) devem ser levadas em conta, e são apresentadas a seguir. a) Limitações da participação comunitária no projeto Uma das principais limitações encontradas no processo de incubação a este grupo relaciona-se a falta de participação e empoderamento do projeto pela comunidade local. No cenário observa-se que grande parcela da comunidade ainda desconhece as intervenções realizadas pelo CDCT, como a criação do BCDT, a realização de eventos e seminários e as lutas e reinvindicações por melhorias na infraestrutura local junto à prefeitura. As práticas desenvolvidas pelo grupo já ganharam destaque em jornais locais e de alcance nacional4, porém a comunidade em si, ainda, parece um pouco desatenta ao processo, aumentando a complexidade do desafio de construir uma rede local de economia solidária no bairro Timbaúbas. Certamente este é um dos maiores desafios enfrentado pelo grupo, e tem sido um forte obstáculo para o sucesso das ações implementadas na comunidade. Nesse sentido, reconhece-se que pouco pode ser feito no campo da economia solidária sem que haja cooperação, e no que diz respeito ao bairro Timbaúbas a participação comunitária ainda é um desafio a ser superado. Entretanto, têm sido pensadas e trabalhadas algumas estratégias de mobilização, que podem ser úteis no empoderamento dos moradores das Timbaúbas. Uma destas ações, por exemplo, é a realização de eventos festivos correspondentes a datas comemorativas de importância. Nestas ocasiões busca-se mostrar a participação da associação bem como do banco no dia a dia da comunidade, além de se fazer a divulgação das ações planejadas para o futuro. Ente estas podemos citar a comemoração do dia das mães, em que houve a realização de dinâmicas solidárias, distribuição de lanche e sorteio de brindes. Na ocasião compareceram muitas mães, e se constituiu em um dos eventos que mais teve a participação da comunidade. Através da vivência semanal a que os integrantes do processo se propõe – os associados, e os integrantes da ITEPS chegam a ir ao bairro até três vezes por semana – podemos observar que apesar de haver um crescimento nos empréstimos e na 4

Ver em: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2011/08/moeda-social-ganha-adeptos-em-bairro-de-juazeirodo-norte-no-ce.html

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circulação da moeda local (como pôde-se verificar na Tabela 1), ainda existe pouco interesse da maioria da população em buscar informações no banco sobre sua atuação e seus benefícios para a comunidade. De um modo geral empecilhos (que serão discutidos logo em seguida) como a falta de tempo de muitos associados para dedicar-se mais a este projeto, que fazem com que as ações andem de forma muito lenta, assim como a dificuldade de acesso aos recursos que beneficiariam as ações que se consideram como sendo de caráter mais urgente, como a conclusão da estrutura do banco comunitário, da escola profissionalizante e os meios de divulgação, entram como fatores que ajudam a limitar a participação comunitária no projeto. b) A desmobilização no grupo A partir do final de 2011 houve uma certa queda do empenho dos associados na construção do projeto em discussão. De modo geral, dentro da associação, criou-se um clima de cobrança e insatisfação. O grupo mostrava-se insatisfeito com o desempenho das atividades junto à comunidade e com o trabalho da própria incubadora. Contribuiu para isto o fato de a aprovação de projetos ter gerado forte expectativa nos associados, que acaba não sendo atendida pelas dificuldades impostas, contribuindo para a sua desmobilização. Estes fatos geraram uma pequena crise na relação entre os envolvidos no projeto, repercutindo na consecução das atividades, o que demandou uma intervenção mais específica por parte da ITEPS. Estão em curso, ainda (meados de 2012), ações que visam a recuperar a mobilização do grupo incubado, com aplicação de dinâmicas com foco na autoestima e união deste grupo. Tais ações, que contaram com os esforços da incubadora e dos integrantes do grupo, parecem ter repercutido positivamente, já que, de um modo geral a situação do grupo parece ter se regularizada. O desgaste do grupo é esperado na medida em que são frustradas a suas expectativas. De modo geral, é aceitável que haja um certo nível de desmobilização, e isto pode ser até benéfico para o empoderamento do grupo, na medida em que as dificuldades são superadas. c) Dificuldades no levantamento de recursos e consolidação da infraestrutura Desde o início do processo de incubação (e anterior mesmo a este), a associação tem se mantido com recursos próprios. O próprio fundo rotativo de crédito do BCDT foi criado com recursos dos associados.

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Formalmente, como referido anteriormente, foram aprovados um projeto e um programa de extensão, subsidiados pelo ministério da educação /Proext, nos anos de 2010 e 2011. Entretanto, estes recursos estão “presos”, na UFC, com o uso limitado pela sua burocracia e pelas condições dadas pelo edital de aprovação. É o caso, por exemplo, das ações de divulgação dentro da comunidade, da conclusão da estrutura física do CDCT (especialmente a parte que abriga o BCDT) e da articulação para formação do fórum local de economia solidária. d) Baixo número de membros no grupo incubado frente às demandas de trabalho Outra questão a ser observada refere-se à quantidade de pessoas vinculadas como membros da associação. De fato, em mais de dois anos de incubação o número de integrantes é o mesmo (onze), tendo porém havido duas trocas de sócios, através da venda dos boxes de integrantes antigos. Estas vendas, no entanto, geraram um conflito de perspectivas entre os novos sócios que “compraram” os boxes, e os antigos, que já estavam na associação, já que os primeiros pareciam não compreender plenamente a natureza do projeto ao qual estavam se vinculando. Além disto, a maioria dos sócios dedica apenas um tempo parcial ao projeto, conforme sua disponibilidade em função de suas ocupações principais, o que se dá normalmente nos finais de semana. Assim, a quantidade de ações previstas (ou desejadas) acaba sendo, frequentemente, superior à capacidade de trabalho dos associados. O foco do trabalho recai, então, sobre ações prioritárias ou selecionadas em conjunto pelos associados e técnicos da incubadora. Com isto, ficam para um segundo momento ações como as mobilizações para a constituição do fórum econômico local, bem como ficam prejudicadas algumas ações essenciais, que avançam no ritmo possível do grupo. e) A Circulação da Moeda Social Timba Um dos grandes desafios neste processo é o uso da moeda Timba. Durante um período de cerca de dois meses, no primeiro semestre do ano de 2012, a equipe de bolsistas ITEPS esteve andando porta a porta no bairro Timbaúbas, a fim de cadastrar os seus moradores no banco, como forma de incentivá-los a querer conhecer mais sobre o seu trabalho. Em média, a cada cinco casas em que íamos, três delas podiam escutar o que tínhamos a dizer, mas geralmente destas três que nos escutavam, só uma efetivava o seu cadastro com o BCDT, o que não quer dizer que estas pessoas buscaram acessar os serviços oferecidos pelo BCDT, mas apenas que não tinham desconfiança quanto ao nosso trabalho.

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Atualmente tem-se buscado estimular o uso do Timba através de promoções com moradores e comerciantes locais. Entretanto, apesar de contínuos e insistentes incentivos, o que avaliamos é que o uso do Timba no bairro ainda não acontece da maneira ideal. Porém, pouco a pouco, este circulante local ganha mais credibilidade junto à comunidade onde circula, tanto quanto a entidade que o rege. De modo geral avaliamos a existência de um aumento gradativo e lento da credibilidade do BCDT e dos seus instrumentos de atuação e promoção do desenvolvimento local e da sustentabilidade. 6. Considerações Finais: avaliações sobre os resultados do processo incubação Faremos, aqui, uma avaliação do que conseguimos alcançar e do que deixamos para trás nos processos de incubação, e os fatores que levaram a isto. Inicialmente, analisaremos os objetivos que a ITEPS assumiu ao incubar o CDCT, que foram: a) estruturação, capacitação e mobilização da comunidade; b) implantação de um banco comunitário e c) estruturação de uma rede local de Economia Solidária. No que se refere à estruturação, capacitação e mobilização da comunidade, temos um ponto que marca o início do processo de incubação da ITEPS ao CDCT. A proposta aqui referia-se à criação de uma estrutura adequada para formação e mobilização dos atores sociais, que teriam parte na construção do desenvolvimento na localidade. Este processo envolveu a promoção de eventos informativos, como seminários e reuniões. Foram realizadas capacitações, que trabalhavam os conceitos de economia solidária, associativismo, cooperativismo e finanças solidárias. Todas as atividades visavam a promoção do saber e do empoderamento no moradores e associados. Toda esta etapa foi realizada satisfatoriamente, embora nem sempre tenham havido condições adequadas para o oferecimento destas capacitações. Entretanto, os integrantes do CDCT parecem empoderados e conscientes acerca do processo do qual são agentes, o que pode ser considerado positivo, pois pertence a este grupo o papel de construir uma outra maneira de posicionar-se diante de sua realidade, propondo alternativas para intervenção no seu próprio meio. Já o segundo objetivo, Implantação de um Banco Comunitário, podemos dizer que o alcance da proposta da incubadora foi também satisfatório, já que o banco já ultrapassou sua fase experimental, estando em funcionamento definitivo. A ITEPS, após ter oferecido capacitação aos associados, dando-lhes meios para constituir um BCD, ajudou também a viabilizar sua implantação, através da mediação de alguns recursos fundamentais, como equipamentos e moeda social. Houve, ainda, o acom-

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panhamento regular das atividades por parte de estudantes e professores junto aos associados. O BCDT vem funcionando regularmente, abrindo duas vezes por semana (às segundas e quartas), pelo horário da manhã. Além disto, o Banco das Timbaúbas parece, aos poucos, estar cumprindo o seu papel, pois tem apoiado empreendedores e consumidores locais em algumas de suas necessidades. O BCDT ainda estimula o empoderamento dos moradores acerca da realidade em que vivem, disseminando as práticas da economia solidária, através da realização de seminários, encontros e capacitações que proporcionam à comunidade um maior contato com a proposta solidária. De modo geral podemos afirmar que a experiência ainda não funciona nas condições ideais, pelas diversas limitações já citadas na seção anterior (como infraestura, desmobilização do grupo, circulação da moeda social) além de ter passado por diversas provas, como a incredulidade da população. Entretanto o banco vem gozando hoje de certo crédito junto aos moradores, o que pode ser observado pelos seus relatórios financeiros, refletindo o certo crédito que já vinha obtendo em parte da mídia local e nacional. Por fim, o terceiro ponto, a estruturação de uma rede de economia solidária: todo o trabalho de incubação tem se desenrolado visando completar esta última etapa do processo, que é a estruturação de uma rede de Economia Solidária no bairro das Timbaúbas. De fato, devido às muitas dificuldades já citadas no decorrer deste texto, podemos compreender que a constituição da rede é algo ainda incipiente, devendo surgir a partir das ações de implantação dos novos empreendimentos no bairro, do fortalecimento dos existentes e do desenvolvimento de um cultura solidária no local. No que toca às metas instituídas no planejamento realizado junto com o CDCT, temos os seguintes pontos: a) conclusão da obra da sede da associação com a estruturação dos boxes para funcionamento individual das iniciativas produtivas dos associados; b) constituição de um Banco Comunitário no bairro; c) formação de uma Cooperativa de Trabalho. Teceremos comentários apenas sobre os itens “a” e “c”, já que o segundo já foi abordado acima. Sobre o primeiro ponto, a conclusão da obra de construção da sede, o processo ainda está em andamento, tendo os associados trabalhado nele de forma dedicada. Entretanto, e talvez pela ambição da proposta dos associados, este processo ainda está em andamento, não havendo previsão clara para a sua conclusão. A principal explicação para isto está no fato de a obra ser custeada principalmente pelos próprios associados, com recursos próprios e por conta própria (colocando a “mão na massa”, especialmente nos finais de semana e feriados).

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Por fim, a terceira meta identificada pelos associados, a “formação de uma cooperativa de trabalho” ainda não pôde ser tocada em frente. Isto pode ser explicado pelo já referido excesso de atividades para o número relativamente reduzido de associados e ainda por esta meta ter sido, aparentemente, colocada em segundo plano por depender da realização de outros pontos, como a finalização da construção da sede. De modo geral e de acordo com todos os apontamentos realizados, podemos observar que muito do que se planejou, tanto no que se refere à ITEPS, quanto no que toca à associação, foi alcançado. Entretanto, alguns pontos ainda merecem atenção, como a constituição da cooperativa de trabalho e da rede local de economia solidária. A própria atuação do banco deve ser trabalhada com ações de fortalecimento, a fim de tornar mais efetivo o papel desta organização dentro da comunidade. Por estas e outras razões, o processo de incubação só deverá ser considerado concluído quando houver uma maior segurança quanto ao empoderamento e participação da associação e dos moradores na construção deste processo. Registra-se, ao final, o empenho e a vontade que muitos dos associados têm demonstrado no processo, levando adiante seus sonhos, verbalizados em algumas ocasiões, de construir uma sociedade melhor. Estes elementos, em especial, têm servido de importante aprendizado para todos os envolvidos no processo, especialmente os que se colocam a partir da universidade. Referências CUNHA, E. V. et al. Caracterização da Produção e do Consumo do Bairro Timbaúbas. In: III Encontro Universitário da UFC no Cariri. Anais... Juazeiro do Norte-CE, 2011. _______. SANTANA, C. A. O Desenvolvimento Local e a Concepção dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento. IV Encontro Nacional de pesquisadores em Gestão Social. Anais... Petrolina, 2010. FRANÇA FILHO, G. C.; SILVA JÚNIOR, J. T. Bancos Comunitários de Desenvolvimento. In HESPANHA, P. et al (coord). Dicionário Internacional da Outra Economia. Coimbra, Portugal: Almedina SA, 2009. IBGE. Censo Demográfico 2010: Resultados Preliminares do Universo. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/cd/cd2010rpu.asp?o=6&i=P. Acessado em junho de 2012. MEDEIROS, A. C. A Incubação como Fomento ao Desenvolvimento Local: A expe-

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riência junto ao CDCT – Centro de Desenvolvimento Comunitário das Timbaúbas. In: Revista Nau Social. Vol 3, N.o 4., 2012. Disponível em http://www.periodicos. adm.ufba.br/index.php/rs/article/view/198. Acesso em junho de 2012. MELO NETO, J. M.; MAGALHÃES, S. (Org.). Bairros pobres: ricas soluções: Banco Palmas: ponto a ponto. Fortaleza: Lamparina, 2003. SOUSA, M. N. et al. Avaliação da Fase Experimental do Banco Comunitário de Desenvolvimento das Timbaúbas. Inb: III Encontro Universitário da UFC no Cariri. Anais... Juazeiro do Norte-CE, 2011.

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Capítulo 2: A Experiência de Pré-Incubação com a Associação de Catadores Engenho do Lixo: Os Desafios em um Grupo em Fase Inicial Augusto de Oliveira Tavares, Kecya Nayane Lucena Brasil ............................................................................... 1. Introdução Este relato procura articular uma reflexão crítica sobre a capacidade associativa de um grupo de catadores5 ligados à Associação de Catadores Engenho do Lixo, mediante o trabalho realizado pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS). Ao relatar a experiência de pré-incubação da ITEPS, buscamos dar visibilidade ao campo de discussão que procura congregar: reciclagem, geração de emprego e renda, a prática associativa e os desafios da incubação. A iniciativa de atuar junto aos catadores de Juazeiro do Norte, surgiu de trabalho de mesmo cunho realizado anteriormente com os catadores do lixão no município de Barbalha-Ce (CUNHA et all, 2011), além, é claro, da intenção de intervir em uma problemática que se agudiza na Região do Cariri e, sobretudo em Juazeiro do Norte, mediante o crescimento excludente e ambientalmente insustentável dos últimos anos. A cidade não dispõe de aterro sanitário6 e não há políticas públicas de promoção de uma coleta seletiva sistematizada7. Nas ruas e no lixão, catadores de 5 Algumas reflexões defendem a substituição do termo “catador” por “reciclador”, no entanto, o uso do termo “catador”, “catador de material reciclável” são os mais comuns na bibliografia sobre o assunto e serão utilizados neste trabalho 6 Segundo informações do Gerente de Resíduos Sólidos da Secretaria do Meio Ambiente e Serviços Públicos de Juazeiro do Norte – SEMASP, 240 toneladas de resíduos são depositados diariamente no lixão de Caririaçu (cidade vizinha de Juazeiro), das quais estima-se que aproximadamente 152 toneladas sejam de recicláveis. 7 Atualmente está em discussão a construção de um Aterro Sanitário Consorciado para a Região, que receberá o lixo de nove cidades caririenses: Juazeiro do Norte, Caririaçu, Crato, Barbalha, Milagres, Farias Brito, Santana do Cariri, Missão Velha e Jardim. A construção do aterro exige a implantação de políticas públicas de coleta seletiva, a elaboração de um programa de educação ambiental, construção de usinas de reciclagem e o fomento à organização dos catadores em cooperativas.

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material reciclável fazem o trabalho de coleta e separação dos resíduos que tenham algum valor comercial no mercado da reciclagem. O trabalho é exercido informalmente e o que conseguem coletar é vendido para os depósitos ou associações. Uma dessas associações é a Associação de Catadores Engenho do Lixo, que apesar de existir formalmente desde 2009 e ter certa notoriedade local, apresenta várias fragilidades no que diz respeito à organização interna e à relação entre os catadores. A partir de um diagnóstico inicial, assumimos o desafio de iniciar a pré-incubação em uma situação em que o grupo ainda não está efetivado. Os dados empíricos utilizados neste relato foram coletados pela equipe da ITEPS durante o trabalho de pré-incubação. Além dos relatórios dos encontros, aplicação de questionários e visitas programadas, lançamos mão da análise documental e bibliográfica. As visitas geraram os relatórios que funcionaram como diários de campo. A observação direta dos integrantes da equipe técnica no local, bem como as conversas informais com os catadores e outras pessoas envolvidas nesse processo, nos possibilitaram entender melhor a dinâmica das relações naquele contexto. Assim, esperamos dar conta, neste relato, de um universo de relações que envolveram o trabalho de pré-incubação realizado pela ITEPS junto a uma problemática que se apresentou eivada de sutilezas que só se permite compreender na dimensão de sua complexidade se forem levados em consideração os conflitos que lhe são pertinentes. 2. O Contexto Local e o Trabalho da Associação Engenho do Lixo

Figura 1: Fachada da sede da Associação

Observando a situação da região, não é difícil perceber que o acelerado crescimento urbano e o consequente aumento na produção de resíduos não tem sido acompanhado pela implementação de políticas públicas efetivas voltadas para a re-

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ciclagem e coleta seletiva, agravando a situação ambiental e a vulnerabilidade social do catador de material reciclável. O paradoxo é que, nesse contexto, o discurso da “reciclagem” e da “consciência ambiental” repercutem na fala dos gestores públicos locais, da imprensa escrita, televisiva e falada, de intelectuais ligados às universidades, mas, na prática, muito pouco tem sido feito. Juazeiro do Norte é uma cidade que atrai grande número de imigrantes em busca de emprego motivados pelo acelerado crescimento econômico, o que nem sempre se efetiva, formando uma massa de desempregados e subempregados com baixa ou nenhuma instrução formal e qualificação profissional. As pessoas que se dedicam a coleta de materiais recicláveis parecem fazer parte deste contingente e encontram nesta atividade uma alternativa de sobrevivência, na grande maioria das vezes exercida de maneira informal. São frequentes os relatos de discriminações, violência e preconceitos sofridos por eles. Geralmente trabalham em condições precárias, sem os equipamentos adequados. Os relatos dos catadores quanto a seus ganhos são muito variados e dependem do local, da época, do material coletado, da jornada de trabalho e da força física de cada um. Geralmente não fazem esse cálculo. A ausência de uma organização mais sistemática dos catadores e de políticas públicas direcionadas para a coleta seletiva permite a existência de atravessadores que compram o material e revendem para as usinas de reciclagem, diminuindo a possibilidade de um ganho mais elevado para o catador e maior controle em relação ao seu trabalho. Oficialmente a associação Engenho do Lixo foi fundada em 30 de agosto de 2009 por um grupo de 10 catadores sob a liderança de um catador que além de coletar material reciclável para sua sobrevivência e da família, fazia um trabalho de limpeza das margens do rio Salgado e plantava árvores em áreas degradadas, ganhando destaque social por essa atividade. Sendo o idealizador da Associação foi também o seu primeiro presidente e permanece no cargo até hoje. Atualmente a sede da associação situa-se em um galpão alugado na Rua Pedro Cruz Sampaio no bairro Juvêncio Santana, em Juazeiro Norte8. Segundo o seu presidente, apesar de só ter sido formalizada em 2009 o sonho de organizar uma associação já vinha desde 1999 com o trabalho realizado por ele e um grupo de 5 ou 6 catadores. Hoje, ele declara que já não cata e divide-se entre 8 Em 15 de outubro de 2010 a prefeitura de Juazeiro do Norte formalizou a doação de um terreno de 4.000 m2 localizado na Avenida do Agricultor s/n, à Associação Engenho do Lixo para a construção de um galpão a fim de abrigar a cooperativa de catadores da Região do Cariri que faria também o trabalho de coleta e reciclagem do óleo residual. O terreno ainda não foi tomado posse, segundo o presidente da Associação, por falta de recursos financeiros e questões burocráticas

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administrar a Associação e manter a produção de mudas, atividade que realiza junto a Secretaria de Meio Ambiente e Serviços Públicos – SEMASP, através de um cargo comissionado na Prefeitura de Juazeiro do Norte. Além disso, costuma ser constantemente solicitado para proferir palestras em escolas e faculdades locais o que lhe facilita a articular parcerias para a Associação. Sua projeção o levou a ser membro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente – COMDEMA do município de Juazeiro do Norte, Ceará, criado em outubro de 2009. A Associação é sempre lembrada nos meios de comunicação e alguns segmentos políticos locais pelo trabalho de coleta seletiva e de consciência ambiental. De fato, em sua sede podemos observar a presença de materiais que normalmente os depósitos de reciclagem não coletam9 por não haver viabilidade econômica, como lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias de celular, tubos de imagem, embalagens Tetra Pak, etc, além de promover a limpeza das margens do rio Salgado, que acontece uma vez por mês, e da troca de materiais recicláveis por mudas de árvores. Em torno dessas ações, divulga-se o trabalho de “consciência ambiental” desenvolvido pela Associação, o que tem conferido ao seu presidente alguns prêmios e viagem para participar de eventos em outros estados. Conforme declarado pelo seu presidente, a Associação atende atualmente 36 famílias que tiram o seu sustento da venda de material reciclável, não tendo outra ocupação. A veracidade deste número não pôde ser averiguada, tanto pela ausência de um cadastro organizado quanto pela própria dispersão, rotatividade e baixo número de catadores que se faziam presentes nas reuniões com a equipe da ITEPS.

Figura 2: Área interna da sede da Associação Engenho do Lixo

9 Vale ressaltar que a guarda desses materiais exige licença especial dos órgãos ambientais por conter componentes de alta periculosidade à saúde e ao meio ambiente. A Associação Engenho do Lixo não tem esse licenciamento e nem condições de promover a destinação correta.

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A sede da Associação funciona em um grande galpão alugado em uma loclização considerada estratégica, concentrada em um bairro próximo ao centro da cidade. O prédio está em mal estado de conservação. Logo nas primeiras visitas pode-se observar precárias instalações hidrossanitárias, muitas falhas na coberta, com telhas quebradas ameaçando cair, madeiramento velho e mal conservado. Dentro do galpão existem dois compartimentos grandes e dois menores. Nos salões ficam os materiais recicláveis, nos menores, uma sala funciona como escritório e na outra foi improvisada uma cozinha. No meio do salão, rodeado por materiais recicláveis, fica uma mesa com cadeiras na qual alguns catadores almoçam. Vale ressaltar que apesar da precariedade das instalações, elas são valoradas como conquistas pelo presidente da Associação e parece não ser alvo de queixa dos catadores. A Associação dispõe de uma prensa hidráulica, uma balança, alguns carrinhos doados por empresas locais, além de móveis e utensílios sempre fruto de reaproveitamento ou doações. Embora existam setores definidos nos quais são acumulados materiais específicos, não há uma mesa de triagem que permitiria maior agilidade aos catadores na hora de separar o material. O controle das contas é feito por um funcionário pago, que não é catador. Observou-se que não há prestação de contas com um grupo mais amplo. A fim de contribuir para aprimorar e dar maior transparência a esse aspecto da gestão, bem como dimensionar a importância na Associação em função da quantidade de resíduos que retira das ruas, a equipe da ITEPS solicitou os dados referentes à essa movimentação e se colocou à disposição para capacitar alguns catadores para exercer essa função. Apesar da aceitação inicial, houve uma resistência quanto a isso evidenciado através das respostas evasivas sempre que se mencionava a questão. 3. Os desafios da Incubação na Associação Engenho do Lixo O propósito inicial da aproximação com o Engenho do Lixo era a de realizar a incubação com o objetivo de transformá-la em uma cooperativa. Com um técnico e dois bolsistas, a pré-incubação foi iniciada em junho de 2011 com reuniões de planejamento da equipe com o presidente da Associação e visitas programadas à sua sede. Para uma melhor exposição das principais ações desenvolvidas pela ITEPS junto aos catadores, organizamos esta parte em três momentos: 1º) do início dos trabalhos em junho de 2011 à dezembro de 2011; fase de aproximação, diagnóstico, planejamento e acompanhamento; 2º) de janeiro de 2012 à março de 2012, período de um acompanhamento mais informal, esporádico e de replanejamento das ações e 3º) de abril de 2012 até o momento presente, uma tentativa de articulação entre três associações de catadores da Região para organização da cooperativa.

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No primeiro momento, entre junho e dezembro de 2011 foram realizadas efetivamente duas reuniões na sede da ITEPS com o presidente da Associação, duas visitas iniciais e informais à sede da Associação e dois encontros com o grupo de catadores ligados à Associação a fim de levantar as demandas e discutir as possibilidades de um acompanhamento ao empreendimento. Também durante este período foram realizadas quinzenalmente reuniões internas entre os membros da ITEPS para avaliarmos a situação da Associação, bem como o acompanhamento de algumas atividades realizadas pela mesma, como o Dia Mundial do Meio-Ambiente, promoveu-se uma mobilização na Praça Pe. Cícero, em Juazeiro do Norte, para trocar material reciclável por mudas de plantas e sensibilizar a população para a importância da reciclagem e da coleta seletiva. As primeiras reuniões agendadas não foram realizadas, devido ao número reduzido de catadores. Diante dessa dificuldade, foi realizada uma reunião entre os membros da Incubadora para avaliar a situação e discutir alguns objetivos a serem propostos em um encontro posterior para o qual se esperava um número maior de catadores. Na avaliação, reconhecemos que o maior desafio da incubação seria a própria mobilização e articulação entre os catadores. Como a Associação já existia formalmente, embora funcionasse de maneira precária, apostamos que o processo de formação, planejamento e organização de uma cooperativa, poderia ser um estímulo capaz de mobilizar o grupo para um objetivo em comum e gerar a motivação que estava faltando quando passassem a compreender as vantagens em relação à melhoria das relações de trabalho e da qualidade de vida. Ao final do encontro ficou definido que o nosso objetivo geral seria: “Promover o desenvolvimento da Associação Engenho do Lixo, por meio de um processo de incubação sob a lógica da economia solidária, tendo em vista a constituição de uma cooperativa que atenda às expectativas dos seus associados”. Alguns objetivos específicos foram listados: 1) mobilizar os associados para a sua identificação enquanto grupo; 2) realizar uma capacitação que atenda aos aspectos políticos, técnicos e administrativos da associação/cooperativa; 3) apoiar as ações de comercialização da associação via articulação de parcerias; 4) apoiar a captação de recursos para a aquisição de equipamentos e outros itens de interesse da associação; 5) fomentar os processos internos para a constituição de uma cooperativa; 6) promover oficinas de educação ambiental na perspectiva da formação de agentes ambientais dentro da associação; 7) trabalhar na constituição de um sistema com utilização de moeda social; 8) articular parcerias para efetivar pontos de coleta seletiva (escolas, condomínios, empresas). No dia 12/06/2011, na Associação Engenho do Lixo, ocorreu uma reunião, que teve como objetivo apresentar a proposta de parceria entre a incubadora e a

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Associação, assim como propor os objetivos a serem alcançados nessa parceria, e promover uma aproximação entre a ITEPS e os catadores. Estiveram presentes cerca de dez (10) catadores. A reunião iniciou-se com uma dinâmica de apresentação dos membros da Associação e da ITEPS, esse foi um momento de interação e aproximação entre todos, tendo como objetivo deixar todos mais à vontade. Logo em seguida houve uma apresentação sobre a Incubadora, destacando o que é, o que faz e quem a compõe. Também houve a apresentação de um vídeo sobre a importância do trabalho do catador para a sociedade. Nesse momento surgiram discussões sobre a conscientização das pessoas para facilitar a coleta; a importância desse trabalho para a sobrevivência das famílias; falta de esperança do catador que está desacreditado, decepcionado e frustrado. Foi relatado pelos catadores que muitos têm problemas relacionados ao álcool e ao uso de remédios controlados. Nesse mesmo encontro foi sugerido que os catadores relatassem sobre o que há de bom e o que há de ruim na atividade de coletar material reciclado. As respostas foram diversas. No geral, os aspectos considerados bons foram: benefício de ter dinheiro diariamente, sempre que o catador sai para trabalhar; o orgulho em ser catador que é uma atividade honrada. Entre os aspectos destacados como ruins, os mais gerais foram: o preconceito sofrido nas ruas, a vergonha dos familiares, e os poucos recursos financeiros que os obriga a comer do próprio lixo. Avaliamos que, embora ainda tenha sido reduzido o número de catadores e que nem todos estivessem conscientes do nosso papel ali, aquele foi um momento importante da pré-incubação na qual houve uma aproximação entre eles pelo compartilhar de seus problemas e deles conosco pela confiança ao relatarem seus sonhos e dramas pessoais. Em um segundo momento, iniciando uma reflexão sobre o cooperativismo, os catadores trouxeram as seguintes questões: como funciona uma cooperativa? Quais serão as consequências para o nosso trabalho? Depois de algumas explicações gerais pontuamos que o nosso objetivo é que todos conheçam muito bem a proposta do cooperativismo numa perspectiva da economia solidária e que, para isso, estávamos nos comprometendo a realizar cursos e oficina de formação, caso houvesse a adesão do grupo. Sobre o cotidiano de seus trabalhos, alguns catadores criticaram outros que vendem o material coletado também para outros depósitos, deixando a Associação desassistida. Nessa ocasião aproveitamos para enfatizar que em um trabalho realmente cooperado é necessário o comprometimento de todos. Ao término do encontro, foi agendada outra reunião com os catadores para a construção de um planejamento participativo. Encerramos reforçando a mística da cooperação através de um

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círculo onde todos com as mãos dadas, em frente à sede da Associação representaram um abraço coletivo e nos despedimos meio à conversas informais. Na data marcada para a reunião seguinte não houve o comparecimento dos catadores inviabilizando o encontro. Avaliamos que embora a data tivesse sido sugestão dos próprios catadores, não houve o trabalho de mobilização e divulgação entre os mesmos que havia sido acordado na reunião anterior. Em reuniões internas da ITEPS, concluímos que o nosso desafio seria bem maior do que imaginávamos e alguns membros da equipe levantaram o questionamento quanto a viabilidade e pertinência da incubação, uma vez que estávamos identificando que ainda não havia um grupo minimamente coeso e que aqueles catadores estavam mais vinculados com a Associação Engenho do Lixo por uma relação comercial (era onde vendiam o material coletado) e assistencial (obtinham alguns benefícios como lanche, alimentação, doação de EPI´s, festividades, etc). A problemática desse desafio foi discutida no livro que traz o sugestivo título: “Guia de Economia Solidária, ou porque não organizar cooperativas para populações carentes” (FRANÇA et all, 2008). Os autores são enfáticos ao afirmar, como estávamos percebendo na prática, que “não bastam boas intenções”. Em um quadro-resumo, apontam quando existem as condições necessárias para incubar e formalizar uma cooperativa com base nos princípios da economia solidária:

Incubar

Formalizar

1. Quando houver demanda de grupos; 2. Quando houver conhecimento sobre a realidade do local de instalação e do grupo beneficiários; 3. Quando houver equipes de assessores bem formados; 4. Após período de pré-incubação. 1. Quando o grupo construir seu “empoderamento”; 2. Quando escolhida a forma jurídica mais adequada.

Fonte: (FRANÇA, Bárbara Heliodora et. all, Guia de Economia Solidária, ou porque não organizar cooperativas para populações carentes. Niteroi (RJ): Editora EdUFF, 2008, p. 30).

Ao longo do capítulo 1 do livro supracitado, os autores desenvolvem cada um dos pontos listados no quadro-resumo com uma clareza e pertinência como se estivem falando da realidade que alí estávamos vivenciando. Em nosso caso, apesar de haver uma associação do ponto de vista formal, não havia um grupo efetivo e a administração da Associação estava à cargo exclusivamente do seu presidente. Em nossas cabeças e nos nossos olhares, a pergunta era a mesma: O que fazer? Como fazer? Por onde começar? Qual metodologia utilizar? Ou... Devemos

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abandonar a iniciativa até que eles se organizem melhor e nos procurem por conta própria? Esses impasses arrefeceram os ânimos dos membros da ITEPS responsáveis pela incubação do grupo de catadores. Passamos a ponderar ser mais adequado empreender os esforços de incubação para outros grupos e projetos, mas sem nos desligar totalmente dos catadores. A leitura de França (2008) nos conduzia para a opção, de aguardar que o grupo se organizasse melhor e, decidindo pela incubação, nos procurasse por conta própria. Os autores são enfáticos ao afirmar: “...a iniciativa de buscar a incubação deve ser do próprio grupo social beneficiário. Esta é uma das condições fundamentais para a sustentabilidade do futuro empreendimento.” (FRANÇA et. all, 2008, p. 34). No entanto também alerta que: A primeira coisa a se dizer sobre metodologia de incubação é que não existe uma fórmula perfeita para realizá-la, uma vez que métodos são caminhos e possibilidades. Os diferentes tipos de empreendimentos, em diferentes estágios de amadurecimento, exigirão adaptações criativas dos procedimentos metodológicos na interação entre incubados e incubadores, segundo os objetivos a serem alcançados. (idem, p. 31)

E mais a frente, acrescenta: ...metodologia de incubação de empreendimento em economia solidária significa, necessariamente, um conjunto de procedimentos bastante complexos, dadas as precárias condições existentes para a realização deste trabalho e por ter a intenção de atingir uma população que é carente em muitos aspectos: de escolarização; consciência política; capacidade de poupar; experiência de trabalho formal ou regular; ambição voltada a iniciativas que busquem romper o nível de pobreza ou miséria em que se encontram; autoconfiança para isso; entre outros. (idem, p. 31-32).

Assumimos a necessidade de rever nossos objetivos e planejar as ações a partir da realidade que se apresentava aos nossos olhos, assumindo-a como um desafio. Chegamos inclusive a usar a expressão: “Começar do zero”, ou seja, se não tínhamos um grupo preparados para incubação, precisaríamos contribuir para formá-lo. Esse passou a ser o nosso objetivo. Sem nenhuma ingenuidade, sabíamos que a formação de um grupo de indivíduos em torno de um objetivo comum tem variáveis que fogem ao nosso alcance, ainda mais quando se trata de pessoas em condição de

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vulnerabilidade social e já desesperançadas de tanto ouvir “promessas” que não se efetivam e trabalhos que não têm continuidade. Não podíamos esperar que as condições precárias de vida, por si só, fossem um fator espontâneo de mobilização e integração solidária de um grupo. Em condições como estas é mais comum encontrarmos a competição, rivalidade ou apatia. Muito menos que as boas intenções do presidente da Associação e as nossas fossem suficientes para atingirmos o objetivo. Um cuidado sempre presente na equipe da ITEPS foi o de evitar qualquer expressão ou prática que sugerisse aos catadores algum tipo de assistencialismo. Percebemos através de algumas falas e diálogos que alguns catadores esperavam de nós benefícios imediatos e pareciam não ter entendido qual o nosso propósito ali. Este comportamento deriva, talvez, da prática assistencialista que caracteriza algumas ações do próprio governo, de políticos em época de campanha ou de organizações da sociedade civil que fazem doações ou estabelecem convênios, mas não se preocupam com a auto-organização dos catadores. Compreendemos que tal realidade faz parte do universo cultural local e parece está arraigada nas suas relações de sociabilidade. Práticas assistencialistas divergem fundamentalmente do trabalho de incubação, que tem como princípio a autonomia e a autogestão do grupo incubado. Observando, portanto, a dificuldade de reunir os catadores em um mesmo local e horário para um diagnóstico participativo e levantamento sistemático das demandas do grupo, optamos por elaborar um questionário a fim de conhecer o perfil dos catadores, as características do seu trabalho e a dinâmica de funcionamento da Associação Engenho do Lixo. Quinze catadores responderam ao questionário com 52 perguntas, todas fechadas. Procuramos adequar a linguagem dos enunciados e até traduzi-los na hora de perguntar, de forma que ficasse mais coerente ao mundo vivido dos catadores que, na sua maioria, são analfabetos ou semi-alfabetizados. As questões foram organizadas em cinco blocos: I – Identidade Pessoal; II – Condições Sócio-econômicas; III – Aspectos educacionais e Culturais; III – Questões específicas sobre o trabalho de coleta; IV – Segurança no trabalho e Saúde; V – Associativismo e Cooperativismo. A aplicação dos questionários ocorreu em um período de duas semanas, sendo realizada na própria sede da Associação, uma vez que queríamos identificar e atingir os catadores mais ligados à mesma. Diante das incertezas da continuidade do processo de incubação, a tabulação das respostas não chegou a ser finalizada, de forma que não utilizamos dados estatísticos sobre o perfil dos catadores e a sua relação com a associação neste relato. Entretanto, a aplicação dos questionários exigiu do pesquisador a permanência na sede da Associação por algumas horas em diferentes

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dias da semana, o que proporcionou uma compreensão da dinâmica das relações ali estabelecidas que passaram a ser registradas nos relatórios. Percebeu-se que não havia um grupo que trabalhasse de forma participativa. A primeira impressão foi que a Associação era utilizada apenas para venda de materiais, como outro depósito qualquer. O processo de separação e triagem não era realizado pelos sócios em um sistema cooperado, mas por jovens pagos para isso. Essas observações preocuparam a equipe da ITEPS que em diálogo com o presidente da Associação, esclareceu que se não houvesse realmente um grupo interessado seria impossível dar continuidade ao trabalho de incubação. Dessa conversa surgiu a proposta de marcar um novo encontro para o qual o presidente se comprometeu em reunir todos os sócios e mais catadores interessados em participar. No dia 31 de setembro de 2011 ocorreu esse encontro que teve como objetivo oferecer uma devolutiva do que a ITEPS havia observado até o momento e decidir se associação iria ser um projeto incubado ou não. Desta vez estiveram presentes 32 catadores, além de um representante da prefeitura, convidado pelo presidente da associação, o que nos causou surpresa e aguçou a nossa curiosidade sobre o propósito daquela participação e do tipo de relação do presidente da Associação com a Prefeitura. Antes do início da reunião, alguns catadores pareciam impacientes com a demora e incomodados com o calor e abafamento. Não havia lugares para acomodar a todos de maneira confortável. Ao iniciar, alguns se dirigiam para a calçada ou áreas internas da sede. Muitos estavam acompanhados de seus companheiros e filhos pequenos, inclusive crianças de colo, o que deixou o espaço barulhento e desconfortável. O início da reunião foi marcado por uma apresentação sobre a ITEPS e o tipo de trabalho que realiza. Logo em seguida fizemos um relado sobre o que havíamos observado até o momento e as dificuldades que estávamos encontrando. Destacamos que o grupo estava desmobilizado, que a Associação não estava funcionando de forma participativa, já que os membros da diretoria não assumiam as suas funções e nem havia assembleias entre eles. Discutiu-se a importância de que cada um dos catadores dispostos a participar efetivamente da Associação, tivesse disponibilidade e interesse para trabalhar de forma cooperada. Foi esclarecido que a ITEPS prioriza o acompanhamento de empreendimentos organizados em grupo. Destacou-se a necessidade de aumentar o número de reuniões entre os sócios a fim de discutir as questões comuns, tais como prestação de contas, planejamentos e tomadas de decisões coletivas. Foi levantada a questão de que uma associação de catadores não deveria se confundir como um depósito como qualquer outro, funcionando como um simples intermediário. Seu propósito deve ser sempre o trabalho coletivo e participativo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida de todos,

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através de ações que favoreçam a cooperação e não a mera competição. Destacamos que o Engenho do Lixo, funcionando como uma associação autêntica e posteriormente como uma cooperativa, teria um potencial bem maior de geração de emprego e renda do que vem apresentando. Esclarecemos que estávamos ali com o propósito de ajudar nesse processo de mobilização e organização interna, mas que só seria possível com o comprometimento de todos e de cada um. Diante do questionamento de um dos catadores sobre a viabilidade da mudança de associação para cooperativa, foram levantadas algumas reflexões a esse respeito. Destacamos as características de uma cooperativa, as atribuições de cada sócio e os princípios do trabalho cooperado, bem como a necessidade de encontros mais frequentes para uma formação. Foi esclarecido que apenas depois de um grupo ter assumido isso como desafio é que poderíamos partir para questões mais técnicas e administrativas. Reforçamos, nesse sentido, que as decisões a esse respeito deveriam ser tomadas com a participação de todos. Como havíamos combinado anteriormente, ao final da reunião, a equipe da ITEPS deixou claro que estaria esperando que os próprios sócios se organizassem, decidissem se desejam mesmo o trabalho de incubação e entrassem em contato conosco para isso. A partir daqui, iniciamos o segundo momento da nossa intervenção. Entre Dezembro de 2011 e Fevereiro de 2012 foram realizadas algumas visitas informais à sede da Associação. Percebemos que o grupo continuava desarticulado e os catadores que por lá circulavam iam apenas para vender o material coletado. No entanto, o presidente da Associação sempre nos cobrava o retorno dos trabalhos a fim de viabilizar a criação da cooperativa. Voltamos a dialogar sobre o assunto e mantivemos um contado à distância, sempre esclarecendo que antes de qualquer formalização será necessário garantir as condições necessárias para tal, conforme orienta FRANÇA (2008) “Sem mágica e sem pressa”; “Construindo Grupos”; “Construindo relações de produção solidárias na prática”; buscando “engajamento efetivo do grupo” a fim de promover a autogestão...” (FRANÇA et all, 2008, p. 34-40) Embora as ações do poder público ainda sejam tímidas e pouco efetivas em relação à reciclagem e à organização do trabalho do catador, a LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010 que Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos tem produzido uma conjuntura favorável ao debate sobre coleta seletiva, extinção dos lixões, criação do aterro sanitário consorciado e a organização do trabalho dos catadores em cooperativas. A Lei orienta a elaboração dos “Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos” reforçando a necessidade de um gerenciamento consorciado dos resíduos sob responsabilidade dos estados e municípios como condição

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para obtenção de recursos do Governo Federal10 e estipula que até 2014 não deverá existir “lixões” e que os catadores devem estar organizados em cooperativas. Nesse contexto, o Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado – STDS, vem implementando o projeto de inclusão produtiva e social dos catadores que envolve recursos do Governo Federal, do Estado e aponta para uma parceria com os municípios. O objetivo é criar uma organização produtiva através de formação cooperativas de catadores, que faça a coleta seletiva e o reaproveitamento do óleo de gordura residual (OGR) e outros resíduos em cinco municípios do estado do Ceará, entre eles, Juazeiro do Norte. Este cenário ensejou o terceiro momento da nossa intevenção. Foram realizados encontros para discutir a criação de uma única cooperativa para a Região Metropolitana do Cariri do Cariri, agregando as associações já existentes, estando a ITEPS presente nas reuniões. A primeira ocorreu na SEMASP (Secretaria do Meio Ambiente e Serviço Público) localizada no parque ecológico Timbaúbas em Juazeiro do Norte e contou com a presença de catadores ligados à Associação Engenho do Lixo, ACCJ (Associação de Catadores e Catadores de Juazeiro) que têm uma atuação mais concentrada no bairro Aeroporto e da AARC (Associação dos Agentes Recicladores do Crato) além de representante da Secretaria de Ação Social do Município e da CARITAS, instituição ligada à Igreja Católica que desenvolve projeto de economia solidária com os catadores. Diante da proposta de formar uma única cooperativa envolvendo as três associações existentes, avaliamos que a incubação poderia ser reativada e ganhar uma nova dinâmica, trocando experiências com a Coordenação de Extensão da UFC-Fortaleza que está à frente desse trabalho nos outros municípios. Depois deste encontro passamos a promover a articulação entre as três associações de catadores existentes na Região Metropolitana, nem sempre com sucesso, uma vez que o número de representantes de cada grupo era desproporcional ou simplesmente não havia representantes de uma das associações. Nesses encontros, afloraram as divergências em relação à forma de organização interna dos grupos e posicionamentos das lideranças. Em algumas ocasiões presenciamos choros e de10

Art. 18. § 1o Serão priorizados no acesso aos recursos da União referidos no caput os Municípios que: I - optarem por soluções consorciadas intermunicipais para a gestão dos resíduos sólidos, incluída a elaboração e implementação de plano intermunicipal, ou que se inserirem de forma voluntária nos planos microrregionais de resíduos sólidos referidos no § 1o do art. 16; II - implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda. (BRASIL, LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010)

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sabafos, mas podíamos perceber que as lideranças, apesar das divergências, mantinham objetivos em comum: a organização dos catadores e melhoria das condições de vida e de trabalho. Nesta etapa destaca-se a participação do professor coordenador do LIEGS (Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social) ligado à UFC-Cariri, que tendo formação jurídica e experiência no trabalho com comunidade, coordenou as ações voltadas para a formalização da cooperativa. Foram realizados quatro encontros com representantes dos catadores das três associações que tiveram como objetivo preparar o grupo para organizar e assumir a cooperativa. Os encontros ocorreram entre Abril e Junho de 2012, três no auditório da SEPLAG (Secretaria de Planejamento e Gestão) e um na sede da Associação Engenho do Lixo. Durante esse processo foram realizadas dinâmicas de integração; elaboração de uma “linha do tempo” da Associação Engenho do Lixo; debate sobre vídeo-documentário sobre experiências bem sucedidas de cooperativa de catadores; discussões pontuais entre as lideranças; elaboração do estatuto; acompanhamento do projeto encaminhado ao Banco do Brasil para doação de recursos para construção de um galpão e o comprometimento, por parte do presidente da Associação Engenho do Lixo, de que o terreno doado pela prefeitura seria destinado à nova cooperativa. Como ato simbólico, foi confeccionada uma faixa, com recursos da ITEPS, a ser fixada no terreno, indicando as futuras instalações da cooperativa, destacando o nome das três associações, o apoio do Banco do Brasil, do Governo do Estado e da Prefeitura de Juazeiro. Foi realizada uma visita até o local para que todos conhecessem o terreno, mas a faixa não ficou pronta a tempo de ser fixada naquele momento.

Figura 3: Capacitação sobre cooperativismo com os catadores

No entanto, aquém dos esforços empreendidos pela ITEPS e da vontade declarada verbalmente pelos representantes de cada grupo, a integração não se efetivava satisfatoriamente. Entre os motivos, além das divergências pessoais entre as

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lideranças e na forma de organização de cada grupo, percebemos certo descrédito por parte de alguns catadores, evidenciado pela alta rotatividade dos membros nas reuniões. Muitos dos que estavam em um encontro, não compareciam a outro, dificultando o trabalho de formação e a construção de uma identidade grupal, talvez pelas condições materiais desfavoráveis, pois cada tarde de reunião representava, para os catadores, um dinheiro a menos que se coloca no bolso. Essas dificuldades, no entanto, passaram a ser entendidas pela equipe da ITEPS mais como características típicas da organização de grupos com elevado grau de vulnerabilidade social do que obstáculos intransponíveis, de forma que o processo de incubação continua. Mais recentemente temos percebido que o grupo passou a ser articular melhor, diminuiu a rivalidade entre as lideranças e começa a apresentar uma presença mais regular dos membros. Consideramos que a esse respeito ainda temos muito a progredir, mas não há porque desconsiderar que foi um avanço em relação a situação que encontramos inicialmente. Percebemos que a nossa insistência e o trabalho que foi realizado no primeiro e segundo momento, repercutiram positivamente para o momento de maior integração que estamos vivenciando agora. 4. Considerações Finais A equipe da ITEPS sempre foi recebida com entusiasmo pelo presidente da Associação e simpatia pelos catadores. No entanto, percebíamos que, de inicio, pareciam não ter compreendido a lógica do trabalho que estávamos propondo realizar, embora tenhamos expressado da maneira mais clara que nos foi possível, em diferentes ocasiões. Evidência disso eram as constantes solicitações sobre o quê “nós iríamos fazer por eles” em curto prazo, chegando haver uma certa cobrança quanto aos “resultados efetivos” do nosso trabalho. O presidente da Associação desejava que conseguíssemos convênios com órgãos públicos e privados que gerasse algum tipo de benefício material como doações de equipamentos ou recursos para a sua aquisição. Acreditamos que após alguns encontros específicos para esclarecer a lógica e sistemática do nosso trabalho e de conversa direta e franca com o presidente da Associação, foi ficando mais claro que o nosso objetivo era muito mais a construção e fortalecimento do grupo como condição fundamental para que, eles mesmos, buscassem coletivamente, e com autonomia, a saída para os seus problemas. Em linhas gerais, podemos concluir que a Associação Engenho do Lixo, para muitos catadores, ainda funciona como qualquer outro depósito, que compra o material e o revende. A diferença é que o seu presidente consegue articular parcerias que favorecem alimentação, festividades em dadas comemorativas como Dia das Mães,

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São João, Natal, etc; algumas ações de “consciência ambiental” no dia do Meio-Ambiente e ajuda assistencial em situações específicas, além de repassar aos catadores mais ligados à Associação as doações que recebe de EPI´s e carrinhos para coleta. Outro fator que diagnosticamos durante esse processo como um entrave à organização autônoma dos catadores, além do aspecto sociocultural, foi o tipo de relação com o poder político local. A exemplo disso podemos citar a presença ambígua de funcionário da prefeitura nos encontros com os catadores. Ambígua no sentido de que não estava claro qual o seu papel naquele contexto, uma vez não se manifestavam claramente a esse respeito. Vale ressaltar que, no contexto da articulação das três associações para a formação da cooperativa, no dia seguinte a que foi apresentada uma proposta de estatuto para ainda ser debatida pelos catadores em assembleia, foi publicado no site da Prefeitura notícia com a manchete “Associação engenho do lixo é transformada em cooperativa” (PREFEITURA..., 2012), declarando que tal intento foi conquistado com “total acompanhamento das Secretarias de Planejamento e Desenvolvimento Econômico, Assistência Social e Meio Ambiente” No entanto, de fato, a cooperativa sequer havia sido formalizada, tanto pela ausência de um número suficiente de catadores quanto pela falta de articulação autônoma do grupo, precondição para a existência de qualquer cooperativa legítima. Ademais, não se tratava da transformação da Associação Engenho do Lixo em Cooperativa, mas sim da formação de uma única cooperativa de catadores para a região11, o que demonstra desconhecimento por parte de quem publicou a notícia do que efetivamente se passava ali. Ao longo do período de pré-incubação e em relação aos trabalhos voltados para a organização da cooperativa, podemos constatar que a atuação da Prefeitura, através de suas secretarias, foi apenas parcial, somente cedendo o espaço para alguns encontros ou favorecendo o lanche em situações específicas. Fica claro, portanto, que a veiculação da matéria distorce os fatos e omite a intervenção da UFC-Cariri através do LIEGS e da ITEPS, o que serviu para nos deixar atentos e cautelosos quanto a interferência da política partidária neste contexto. Entendemos, no entanto, que a participação do poder público desde que sem ações oportunistas, é de fundamental importância nesse processo. O fomento à criação de cooperativas de trabalho entre os catadores não é uma tarefa simples nem isolada. Demanda tempo e elevados recursos financeiros a fim 11 Inicialmente pensou-se em manter referência ao nome Engenho do Lixo, formando a COCACEL – Cooperativa de Catadores do Cariri Engenho do Lixo, o que passou a ser questionado pelas lideranças das outras associações, chegando-se ao consenso de que nome deveria ser revisto.

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de garantir cestas básicas para os catadores durante o período de formação, subsídio financeiro para a cooperativa durante os primeiros meses de funcionamento, um trabalho amplo de consciência ambiental na comunidade, implementação da coleta seletiva e a construção de um centro de triagem com equipamentos adequados. O trabalho de incubação, dentro dessas condições, tem a importante tarefa de oferecer formação técnica e acompanhamento sistemático para o grupo a fim de fomentar relações de trabalho fundadas no cooperativismo e na economia solidária, primando pela autonomia e autogestão do grupo a fim de que, posteriormente, a incubação passasse para uma nova fase ou não fosse mais necessária. No caso em questão, o nosso desafio foi ampliado pela necessidade de articular, mobilizar e motivar o grupo para o trabalho cooperativo. Consideramos, portanto, o processo de incubação continua em andamento. As lideranças das três associações, depois de manifestarem conflitos que indicavam que seria impossível trabalhar conjuntamente, passaram a sinalizar um novo ânimo em relação a criação da cooperativa conjunta, sobretudo depois da visita de representante da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS, do Governo do Estado e do Coordenador da Extensão da UFC-Fortaleza que vieram comunicar o esgotamento do prazo para a articulação da cooperativa correndo o risco de perder os recursos do Governo Federal. Referências PREFEITURA DE JUAZEIRO DO NORTE, Site oficial. Associação Engenho do Lixo é Transformada em Cooperativa http://www.juazeiro.ce.gov.br/noticia/lista/05359.ociacao%2cengenho%2cdo%2clixo%2ce%2ctransformada%2cem%2ccoo perativa/. Acesso em 02/03/2012. BRASIL, LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. CUNHA, E. V. da (et all). Todos Juntos Podem Mais? Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE. In: RIGO, Ariádne Scalfoni (org). Casos de ensino sobre cooperativismo e associativismo. Petrolina, PE: Gráfica Franciscana, 2011. FRANÇA, B. H. et. all, Guia de Economia Solidária, ou porque não organizar cooperativas para populações carentes. Niterói (RJ): Editora EdUFF, 2008.

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Capítulo 3: A Experiência do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri: os Desafios da Formação de um Grupo de Economia Solidária Cleonisia Alves Rodrigues do Vale, Marcus Vinícius de Lima Oliveira, Lúcia Maria de Araújo, Andrécia Márcia Ricardo de Carvalho, Eduardo Vivian da Cunha ...................................................................................................... 1. Introdução Este capítulo tem o propósito de apresentar e analisar o projeto “Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri”, iniciado em 2009 na UFC, tendo sido coordenado pelo LIEGS – Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social. A análise aqui empreendida, seguindo o fio condutor desta seção do livro, será feita sobre o processo de incubação realizado, que aqui se enquadra mais apropriadamente na fase de pré-incubação (principalmente) e incubação propriamente dita. Além disto, ele tem um segundo propósito, assumido também pelos outros capítulos: o de pontuar o tema sobre um referencial teórico específico. Neste caso, pela natureza da atividade produtiva do grupo incubado, a interação será feita com o tema da economia criativa. Para isto, o capítulo se organiza em cinco partes, além desta introdução: primeiro, há uma breve apresentação da história do artesanato em Juazeiro do Norte e região; em seguida, na seção mais longa, são apresentadas as ações, os propósitos do projeto em discussão, além de uma breve descrição dos artesãos identificados; na sua quarta parte, são feitas as reflexões sobre economia criativa aplicadas ao tema em estudo e, por fim, são apresentadas reflexões e aprendizados acerca do processo de incubação adotado no projeto. 2. O Artesanato em Juazeiro do Norte: do passado até o presente O artesanato no Ceará tem sua origem no período pré-colombiano, a partir dos indígenas, e, posteriormente, adquiriu características da produção e incorporação de novas matérias-primas dos trabalhos manuais dos negros e dos brancos

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(SANTOS, 2007). Já a história do artesanato em Juazeiro do Norte, de acordo com Do Vale et al (2011), está profundamente ligada ao crescimento econômico vivido pela cidade no fim do século XIX, a partir da consolidação da figura de Padre Cícero12 na região, que percebeu o potencial econômico do trabalho manual e estimulou a população a adotar a atividade artesanal como fonte de renda. Os artefatos artesanais que até então se destinavam ao uso pessoal do produtor passaram, de acordo com Facó (1972), a ser o principal setor da economia de Juazeiro do Norte. A produção tornou-se tão intensa que certos tipos de artesanatos estendiam-se por toda uma rua. A acentuada produção artesanal tornou a cidade conhecida como Cidade Oficina. O cenário atual mudou bastante, o modo de produção artesanal e os produtos artesanais competem com a intensa industrialização da região e com os produtos chineses. Os artesãos, que ainda resistem à dura realidade, são explorados pela figura do “atravessador” e sofrem com a ausência de políticas públicas que fomentem efetivamente o desenvolvimento do artesanato. Leitão et al (2009, p. 131) lembram que a região nordeste é reconhecida nacionalmente enquanto celeiro da criatividade brasileira e defendem que a vocação da região nordeste para a produção de bens e serviços criativos deveria ser reconhecida pelo Estado, concretizando-se em políticas e programas de fomento a essa nova economia. A Região do Cariri é considerada, pela Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, uma bacia criativa13 e o artesanato, além de bastante representativo da cultura local é um setor de importância histórica, cultural e econômica em Juazeiro do Norte. 3. O Projeto “Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri 3.1. Histórico do projeto O projeto “Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri” surgiu então, com o objetivo de apoiar os artesãos e retomar o valor cultural do artesanato para a cidade de Juazeiro do Norte e da Região do Cariri, na tentativa de se estabelecer, ainda, como alternativa de enfrentamento a essa realidade desfavorável aos artesãos. 12 Líder religioso e político que conquistou notoriedade e reconhecimento nacionalmente. Foi também fundador da cidade de Juazeiro do Norte, antes Tabuleiro Grande. 13 Leitão et al (2009, p. 177) conceituam “bacia criativa” como a unidade territorial na qual criatividade, éticas e estéticas se entrelaçam para produzir vivências e sobrevivências humanas [...] constituiria um espaço privilegiado, o locus fundamental do encontro entre o saber e o fazer cultural, tecnológico e ambiental para o desenvolvimento local/regional, com características, identificações e sinergias próprias.

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O projeto tomou corpo a partir da experiência das Feiras de Socioeconomia Solidária da Associação Projeto Paz e União, localizada em Limoeiro do Norte/CE. A primeira intervenção, encabeçada pelo LIEGS (Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social), foi elaborada e aprovada em 2008 e suas primeiras ações foram iniciadas no primeiro semestre de 2009 com na realização de um mapeamento socioeconômico dos artesãos de Juazeiro do Norte/CE (em parceria com o CEART14 e a Fundação Mussambê15) entre abril e outubro. A pesquisa permitiu conhecer as condições sociais, as características do processo de criação dos produtos e a organização da produção dos artesãos. Neste período foi realizada a pré-coleta dos dados, elaboração e aplicação dos questionários, tabulação e análises destes dados. Estas atividades forneceram informações para identificação do perfil do artesão, para pré-seleção dos que formariam adiante a rede artesãos do cariri, orientar o seminário de sensibilização e os módulos de capacitação. Após o mapeamento houve uma pausa nos trabalhos, e os recursos foram captados em 2010 com o Banco do Nordeste (BNB) e com o Ministério da Educação (MEC), por meio do edital de apoio a Programas de Extensão Universitária (PROEXT 2010) e foram retomados em meados de dezembro/2010 com a participação (como ouvinte) de parte da equipe do projeto na I Conferência Internacional sobre a Economia Criativa do Nordeste e em seguida com o planejamento e organização do Seminário de Apoio ao Artesanato, que foi realizado no dia 9 de Abril de 2011. Além destas, em 2011, foram firmadas parcerias com o Serviço Social do Comércio do Estado do Ceará (SESC Ceará/Unidade de Juazeiro do Norte) e o PET Cambada do Curso de Design de Produto do Campus da UFC no Cariri, apoiando o projeto em várias de suas ações estratégicas. O Seminário de Apoio ao Artesanato em Juazeiro do Norte, marcou, então, a retomada do projeto junto aos artesãos, tendo contado com uma palestra de abertura com a Profa. Cláudia Leitão, da Secretaria Nacional de Economia Criativa do Ministério da Cultura. O evento contou com a presença de 60 artesãos no SESC-Juazeiro do Norte/CE. O número de participantes foi considerado baixo visto que o número de artesãos mapeados passava de 200. Mesmo depois de várias tentativas de mobilização dos artesãos a quantidade não se alterou significativamente. Por este motivo, abriu-se para a participação de artesãos de municípios limítrofes com 14 O Centro de Artesanato do Ceará é um programa pertencente ao Governo do Estado do Ceará e faz parte da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social. 15

Instituição de direito privado, sem fins lucrativos, cuja missão é sedimentar práticas de desenvolvimento ambientalmente sustentáveis.

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Juazeiro do Norte (Crato, Barbalha e Caririaçu), assim obteve-se um considerável aumento no número de participantes. Com o objetivo de promover uma maior aproximação entre a equipe do projeto e os artesãos, percebeu-se a necessidade de se realizar reuniões com os mesmos para que expusessem suas expectativas e principais necessidades. Estas reuniões aconteceram durante o mês de julho/2011 em locais estrategicamente escolhidos para facilitar o acesso dos artesãos, contou-se com a participação média de 19 artesãos, com exceção da reunião realizada no bairro Horto onde compareceram apenas 02 artesãos, que permanecem no projeto até hoje. Como resultado destes encontros viu-se a necessidade de adequação do planejamento dos módulos de capacitação à realidade identificada, e da necessidade de torná-los parte construtora do projeto. A partir daí alterou-se os temas previstos, visando suprir as demandas identificadas no grupo.

Figura 1: Reunião com os artesãos. Fonte: Arquivo próprio.

Depois disso, deu-se início à organização da rede de 50 artesãos a serem apoiados e iniciou-se o processo de sensibilização e capacitação dos mesmos. Entre os meses de julho e outubro/2011 foram realizados, no SESC – Juazeiro do Norte/ CE, nove módulos de capacitação ministrados por técnicas do próprio projeto, alunos bolsistas e professores do Curso de Administração UFC – Campus Cariri e contamos ainda com a participação de um professor convidado da Universidade Federal de Tocantins. As temáticas dos módulos foram: Incubação e Moeda Social; Articulação e Autogestão; Formação de Preços; Registro de Marcas e Patetes; O Sentido do Trabalho Artesanal; Design e Artesanato; Cooperativismo; Atendimento ao Cliente

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e; Clube de Trocas. Este último módulo foi ministrado por alunos da UFC – Campus Cariri participantes da SIFE16.

Figura 2: Capacitação para os artesãos. Fonte: Arquivo próprio.

Após a realização dos módulos de capacitação foi iniciada em novembro/2011 a Feira de Artesanato, em parceria com o SESC - Juazeiro do Norte/CE, dentro da programação da Mostra SESC de Arte e Cultura em um espaço privilegiado próximo a Igreja Matriz de Juazeiro do Norte. O lançamento da Feira junto à Mostra, garantiu um público que mobilizou valores consideráveis ao final dos cinco dias de evento, deixando os artesãos bastante motivados. A partir daí as feiras passaram a acontecer semanalmente, aos fins de semana (tarde e noite) e durante o dia em períodos de romaria e de maior movimentação na cidade.

16 Studentsin Free Enterprise é uma organização internacional, sem fins lucrativos, composta por mais de 40.000 estudantes de 1.600 universidades em mais de 40 países que busca promover profundos impactos socioeconômicos em suas comunidades, a fim de desenvolverem habilidades para se tornarem líderes de negócios socialmente responsáveis.

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Figura 3: Artesã Mônica Estevão na Feira de Artesa- Figura 4: Artesã Célia Freitas na Feira de Artesananato durante a Mostra SESC de Arte e Cultura. to durante a Mostra SESC de Arte e Cultura. Fonte: Arquivo próprio. Fonte: Arquivo próprio.

De forma impressionante, em apenas três meses (Novembro/2011, Dezembro/2011 e Janeiro/2012) e funcionando somente nas tarde e noites de sexta e sábado (o que representou 21 dias úteis de funcionamento) este projeto conseguiu apresentar resultados significativos para os artesãos. Neste curto período, a feira faturou R$ 28.559,65 permitindo uma média de R$ 1.360,00/dia e R$ 571,20/barraca. Isto destaca a relevância deste projeto, pois aponta para um acréscimo importante na renda destes artesãos. Em fevereiro de 2012, o projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária apoiava cerca de 70 artesãos de Juazeiro do Norte, Barbalha, Crato e Caririaçu articulando 10 grupos artesanais (FEART, SOAFANC, Associação de Artesãos do Padre Cícero, Lira Nordestina, Mulheres da Palha, Bonequeiras no Pé de Manga, ALAMORCA, Genipoarte, Caririarte, Artçu) e artesãos autônomos ocupando as 50 barracas da feira. Em março de abril de 2012 foram realizadas formações com o intuito de iniciar o processo de incubação do grupo. Foi neste período (março de 2012) que foi lançada a terceira fase deste projeto para 2012/2013 que tem como foco ações de incubação da Rede de Artesãos, em uma solenidade que contou com a presença do Magnífico Reitor da UFC, do Superintendente do ETENE/BNB, Representante do PROEXT/MEC e Representante da FECOMÉRCIO/SESC-CE.

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Figura 5: Solenidade que marcou a terceira fase do projeto. Fonte: Arquivo próprio.

Ainda a partir de março de 2012 começaram a ser realizadas, ainda, feiras itinerantes com os artesãos do projeto, a primeira delas foi realizada na UFC-Cariri nos dias 15 e 16 de março durante o evento de lançamento da terceira etapa do projeto, depois passaram a ser realizadas nas 2ª quartas-feiras de todo mês, houve ainda feiras na Faculdade Paraíso-FAP e no Parque de Exposições do Crato durante a Exproaf e a ExpoCrato em junho e julho, respectivamente. Em maio de 2012, registrava-se a participação de cerca de 25 artesãos no projeto. Neste mês, ocorreram dois fatos importantes: a informação de que o local da feira não mais poderia ser utilizado (havia sido solicitado pelo proprietário, já que era locado pelo SESC) e a queda no faturamento dos artesãos. O segundo fato pode ser explicado pelo fato de que após o mês de fevereiro há uma queda em geral nas vendas em Juazeiro do Norte pelo fim do período das romarias. Por fim, a terceira fase do Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri tem como norte três perspectivas: a busca formalização do grupo em um empreendimento cooperativo ou associativo; uma capacitação concentrada na formação de preço e comercialização, na requalificação dos processos de produção e no design dos produtos artesanais do grupo e, por fim, a remobilização dos artesãos em torno dos propósitos do projeto. Registra-se ainda que a equipe técnica do projeto realiza quinzenalmente reuniões com os artesãos do projeto para discutir assuntos referentes ao andamento da feira e a construção coletiva do grupo, nessas reuniões também é decidida a inclusão ou exclusão de novos membros ao grupo. Há também uma fan page do projeto

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no facebook, que se encontra em processo de construção, que irá conter fotos dos produtos de todos os artesão apoiados pelo projeto e também contato para possíveis encomendas, essa página também servirá de apoio na criação do site para comercialização virtual dos produtos dos artesãos do projeto. 3.2. O Perfil dos Artesãos Mapeados pelo Projeto O mapeamento citado na seção anterior permitiu identificar o perfil dos artesãos em Juazeiro do Norte. Esta pesquisa foi realizada com 225 artesãos em Juazeiro do Norte, apontaram que 69% são do sexo feminino, representando o domínio das mulheres nessa atividade. As principais tipologias identificadas são alimentos e bebidas, bordado a mão, crochê, pintura e palha. A média de idade dos artesãos entrevistados foi de 40,3 anos e 7,4% deles têm idade maior ou igual a 60 anos, o que aponta para uma concentração nas maiores faixas etárias. Ainda segundo o mapeamento, 68% dos entrevistados têm no artesanato a sua principal fonte de renda, e dentre estes, 45,6% vivem com até R$ 465,00 mensais. Com respeito a escolaridade, a maioria dos artesãos têm o ensino médio completo (26,9%) e 9,3% se declararam analfabetos. 3.3. Objetivos do Projeto O objetivo geral do projeto, definido em 2008 é “promover o desenvolvimento socioeconômico dos produtores da Região do Cariri, através da articulação destes setores em torno dos princípios da Economia Solidária, em especial a autogestão, a cooperação e a auto-sustentabilidade, fomentando as trocas justas e solidárias fortalecendo as relações sociais na Região” (LIEGS/UFC, 2009). A ideia era apoiar a articulação dos artesãos da região, no intuito de superar as dificuldades enfrentadas típicas do setor e garantir a sua sobrevivência. Espera-se, que a partir desta ação, os artesãos constituam um grupo autônomo e autosustentado. De forma detalhada, esta intenção geral do projeto foi desmembrada em quatro objetivos específicos: a) Realizar um Seminário de Apoio ao Artesanato: este tinha por propósito a mobilização e sensibilização dos artesãos do município, culminava com um evento em que seria apresentado o projeto a estes artesãos, dando início à rede local. b) Capacitar a Rede de Artesãos do Cariri: depois de mobilizados e sensibilizados, a etapa seguinte envolvia a formação deste público, de acordo com as demandas identificadas. Neste momento, também, a intenção era trabalhar a

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questão do sentimento de pertencimento dos indivíduos ao grupo. c) Realizar a Feira de Artesanato: o intuito aqui era instituir um canal de comercialização dos produtos, permitindo ainda o desenvolvimento e produção de artefatos de design e a divulgação do próprio projeto. 3.4. Alguns Resultados Acadêmicos Por sua vez, na perspectiva acadêmica já foram elaborados, aprovados e apresentados 02 pôster (LXII Encontro da SBPC – 2010 e VI ENAPEGS 2012); 03 artigos em congressos científicos nacionais (V ENAPEGS – 2011) e internacionais (XI CONLAB – 2011); 01 artigo em periódico científico qualificado pela CAPES (Cadernos Gestão Social); e 03 resumos ampliados nos encontros universitários da UFC (I EU do Campus Cariri – 2009, II EU do Campus Cariri – 2010 e III EU do Campus Cariri – 2011). Ademais, já estamos com dois livros sobre este projeto sendo finalizados para a publicação (O Perfil dos Artesãos de Juazeiro de Norte/CE e O Catálogo do Artesanato Caririense v.1 – Juazeiro do Norte/Crato/Barbalha/Caririaçu). 4. Reflexões Conceituais: Um diálogo entre as Perspectivas da Economia Solidária e da Economia Criativa Não há consenso acerca de uma definição única para economia criativa, é um conceito vasto e em evolução que está ganhando espaço no pensamento econômico. Reis (2008a, p. 16) explica que o conceito de Economia Criativa vem do termo Indústrias Criativas, por sua vez inspirado no projeto australiano “Nação Criativa”, de 1994. A autora esclarece que o termo é utilizado para descrever a atividade empresarial na qual o valor econômico está ligado ao conteúdo cultural. E entre outros elementos, destaca a importância do trabalho criativo e sua contribuição para a economia do país. Duisenberg (2008) diz que a economia criativa se baseia nos ativos criativos, potencialmente geradores de crescimento socioeconômico e apresenta seu conceito como: uma abordagem holística e multidisciplinar, lidando com a interface entre economia, cultura e tecnologia, centrada na predominância de produtos e serviços com conteúdo criativo, valor cultural e objetivos de mercado. (Idem, p. 58)

Entre as características da economia criativa destacadas por Reis (2008a) estão a criação de novos modelos de consumo e a abrangência de um amplo espectro - da

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economia solidária ligada ao artesanato às novas mídias e tecnologias - cuja seleção segue as especificidades, talentos e vantagens competitivas de cada região. Na busca de um significado mais estrito para a economia criativa, Deheinzelin (2006a, p. 5 e 6) ressalta que ela propõe formas inovadoras de financiamento e produção, de caráter alternativo e solidário, se opondo aos modelos de mercado do século XX. Acrescenta ainda que para atuar num mundo em constante transformação e com graus crescentes de complexidade são necessários alguns dos ingredientes que estão na essência do empreender cultural como cooperação, criatividade, adaptabilidade, ampliação do conceito de recursos para além do financeiro, novas modelos de gestão e organização de trabalho. Desta forma, Deheinzelin (2006b, p. 3 e 4) enumera algumas características que fazem com que a economia criativa seja uma potente estratégia de desenvolvimento sustentável e humano e não um mero instrumento para o crescimento econômico, uma vez que ela: 1. Promove maiores oportunidades de geração de trabalho e renda; 2. Favorece a diversidade cultural ao incluir o uso de conhecimentos e técnicas

tradicionais numa perspectiva contemporânea. Esse é um aspecto fundamental para países em desenvolvimento, já que nós temos geralmente enormes recursos culturais ainda pouco aproveitados. São saberes e fazeres originários das várias etnias que nos compõem, de nossas práticas tradicionais e (algo novo e muito rico) de todas as populações periféricas e marginalizadas que,  nas adaptações exigidas por seu cotidiano, desenvolvem práticas criativas e organizacionais inovadoras; 3. Tem um largo espectro de formas de organização e como conduz a novos modelos organizacionais mais adequados à sociedade e economia do futuro, tais como economia solidária, cooperativismo e gestão compartilhada; 4. É um fator de integração de setores e dimensões da sociedade, por sua multidimensionalidade; 5. Não está necessariamente ligada à geração de Propriedade Intelectual, como por exemplo, em áreas fortes da economia criativa (como o artesanato), que tem duplo papel (econômico e social). Já que a economia criativa comporta um amplo espectro de práticas, a adoção de princípios da economia solidária (que são, conforme França Filho e Laville, 2004, democracia interna – ou autogestão, autonomia institucional, pluralidade econômica,

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multidimensionalidade de fins e ação comunitária) por parte destas práticas conformaria um sub campo que poderíamos denominar como sendo “economia criativa e solidária”. Algumas destas práticas da “interface” podem ser visualizadas na Figura 6.

Figura 6: Interface entre as práticas de economia solidária e economia criativa. Fonte: Elaboração própria.

Logo, por vários motivos a economia criativa pode ser considerada uma estratégia para o desenvolvimento sustentável de significativa importância. A convergência entre as economias criativa e solidária é visível e pode render bons frutos. Neste caso, a economia solidária poderia definir o formato socioeconômico de determinados empreendimentos criativos, que seriam mais aderentes ao seu modelo do que aos dados pela lógica empresarial de mercado. Neste sentido, Ana Carla Reis e Lala Deheinzelin propõem a sistematização dos processos de atuação para a construção de uma cadeia que inclua tanto os aspectos tangíveis (relacionados ao econômico), quanto os aspectos intangíveis (relacionados ao social) em busca de um modelo socialmente includente. No tocante à política pública de fomento ao setor, em 2011, visando explorar o potencial da cultura para o desenvolvimento socioeconômico do país, o Ministério da Cultura criou a Secretaria  da Economia Criativa, que até o momento lançou dois editais - de fomento a iniciativas empreendedoras e inovadoras e de apoio à pesquisa em economia criativa - voltados para o fortalecimento da economia criativa brasileira que tem como princípios norteadores a diversidade cultural, a sustentabilidade, a inclusão social e a inovação. Segundo Fernandes apud Leitão (2011), essa nova economia denota uma generosidade, uma volta ao escambo simbólico, e que há uma ligação com a economia solidária. Os exemplos bem sucedidos que cabem em ambas as economias abundam. A Unctad enfatiza

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os bancos comunitários, um empreendimento típico da economia solidária, como exemplo de economia criativa no Brasil. Outros exemplos seriam os clubes de troca, associações, cooperativas etc. No I Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável (EMDS), realizado em Brasília em março de 2012, Paul Singer17 diz que há uma afinidade entre as economias criativa e solidária, e coloca o programa Pontos de Cultura, do MinC, como um bom exemplo de economia solidária. De acordo com Baldi apud Oliveira18 (2012), também observa pontos de convergência entre as duas economias e apresenta quatro grandes princípios que norteiam a SEC/MinC: a diversidade cultural, a sustentabilidade, a inclusão social e a inovação. Discorrendo sobre o incremento da economia criativa no Nordeste, particularmente no Ceará, Edna dos Santos-Duisenberg19, na I Conferencia Internacional sobre Economia Criativa do Nordeste em 2010, defende a priorização dos segmentos criativos com melhores vantagens competitivas visando mercado doméstico e internacional, onde coloca entre eles o artesanato como forte potencial e aponta as seguintes indicações: modernizar oficinas, capacitar artesãos e criativos; promover participação em feiras internacionais e rodadas de negócios; criar marcas que ressaltem a identidade cultural brasileira; criar mecanismos de financiamento para grupos organizados e microempresas e facilitar arranjos produtivos e incubadoras. Costa (2006, s.p.) diz que para alcançar a adequação das políticas públicas ao território é necessário a realização de estudos e pesquisas para formar uma base de dados consistente sobre as especificidades de cada cultura em nível local, com o intento de: a) Reunir aspectos do imaginário, traços que possam ressaltar a auto-identificação social e cultural do grupo; b) Identificar os artesãos existentes no local, suas produções independentes e/ou associadas e ainda os materiais típicos de cada região que possam ser utilizados como matéria-prima; c) Apropriação desses traços culturais como temática, considerando a necessidade de exercícios de capacitação, onde as lideranças locais, artesãos mestres da comunidade, em parceria com equipes técnicas em design e planejamento, transmitam aos demais membros técnicas e saberes, enfatizando o planejamento do produto e o aprimoramento de padrões de 17

Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego e teórico da economia solidária.

18

Diretor de Desenvolvimento e Monitoramento da Secretaria da Economia Criativa do MinC, no I Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável (EMDS), realizado em Brasília em 29 de março de 2012. 19 Economista sênior da Unctad, em Genebra. É Chefe do Programa de Economia e Indústrias Criativas, onde promove ações internacionais para sensibilizar governos sobre o potencial da economia criativa como estratégia de desenvolvimento.

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qualidade, estimulando o convívio social e a troca de experiências entre as gerações e d) Incentivo à produção. Nesse aspecto, Canclini (2003) acredita que devem ser consideradas políticas de crédito e investimentos; parcerias público-privadas; qualificação de agentes criativos para solicitar e gerenciar recursos resultantes de tais articulações. 5. Discussões As práticas aqui analisadas podem ser entendidas a partir de certas concepções da economia criativa. Podemos perceber que existe uma convergência de princípios entre esta e as discussões sobre economia solidária. Se tomarmos, em especial, o entendimento de Reis (2008a, 2008b) e de Deheinzelin (2006a, p. 5 e 6), vemos que aparecem, questões como novas formas de consumo e produção, de financiamento, além da adoção da cooperação e do rompimento da lógica estrita de mercado, conceitos que são caros à economia solidária. No que toca ao processo de incubação em estudo, podemos apontar alguns elementos de aprendizado, dada pela sua natureza particular. A particularidade deste processo surge, em especial, por se tratar de uma incubação que começa com a própria formação do grupo: ele passa a existir a partir dos encontros promovidos pela universidade junto aos artesãos, fato que parece ser causador de uma dificuldade de mobilização e articulação de ações coletivas, especialmente no enfrentamento dos problemas. Oscilações na participação ocorreram desde o início do processo. Refletiremos, aqui sobre quatro limitações específicas que podem ter causado este problema: a) relações incipientes entre os integrantes do empreendimento; b) ausência de lideranças efetivas e estáveis; c) falta de resultado econômico no curto prazo e d) expectativa dos artesãos versus realidade do projeto. a) Relações incipientes entre os integrantes do empreendimento: como informado acima, a maioria dos artesãos não se conhecia antes do projeto. Apesar de alguns deles já se conhecerem, a maioria não tinha, ainda, estabelecido nenhum tipo de ação econômica cooperada. Um outro elemento conectado a este e que pode ser tido também como uma das origens desta baixa participação é a falta de identidade do grupo, que apresenta dificuldades em definir e manter propósitos e ações comuns. Por fim, um terceiro ponto a ser destacado aqui é a fragilidade do grupo frente aos problemas: cada dificuldade enfrentada se torna elemento de maior desmobilização dos seus integrantes.

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b) Ausência de lideranças efetivas e estáveis: este ponto está, de certa forma, conectado com o elemento anterior. Alguns sujeitos, eventualmente, assumiram este papel, entretanto o sustentaram por pouco tempo durante o processo, abandonando-o especialmente nos momentos de maiores dificuldades ou conflitos internos. c) Falta de resultado econômico no curto prazo: esta é tida pelos próprios artesãos como uma das principais causas do abandono de alguns artesãos do projeto a partir do mês de maio/2012. Tomando-se como ponto de partida a ideia de que o artesanato é a principal fonte de renda dos artesãos, e que sua participação implica em custos, muitos não sustentam a presença com faturamento muito baixo, especialmente nas feiras. Observa-se que os que permanecem no projeto são os que estão sensibilizados pela sua proposta, e que percebem nele um resultado de longo prazo ou que superem as questões econômicas. d) Expectativa dos artesãos x realidade do projeto: transparece em diversas falas uma cobrança de ações por parte da equipe técnica e que, em tese seria responsabilidade de um grupo formado. Isto pode ser reflexo mesmo da forma como o projeto se iniciou, já que os artesãos foram chamados a participar de um processo em que os equipamentos e a estrutura já estavam prontos. A posição da equipe técnica de sempre, solicitamente, buscar resolver os problemas do grupo pode ter estimulado a posição de expectante deste último. Os momentos de “endurecimento” da equipe técnica e da divisão de papéis foram sempre mal recebidos, o que demandou um processo de problematização sobre o significado do projeto. 6. Considerações finais Entende-se, a partir do analisado, que um processo de incubação que pretende se apoiar sobre um grupo em fase inicial apresenta certas dificuldades específicas. Elas se concentram em torno das limitações de mobilização, dadas, em especial, pelo curto tempo de formação do grupo. É como se, pela ainda fragilidade das relações estabelecidas, elas pudessem ser rompidas mesmo por fracas perturbações externas ou internas ao grupo. Soma-se a isto a falta de lideranças ativas, a falta de resultado econômico imediato e a dificuldade dos artesãos em compreender perfeitamente o processo e da equipe técnica em lidar com o fato. Além disto, os artesãos se filiaram a um propósito dado por um ator externo, embora este tenha sido definido a partir de um diagnóstico que buscou levantar suas necessidades. O projeto, entretanto, apresenta ainda bons prognósticos e perspectivas para o futuro. Identifica-se que os artesãos que ainda permanecem nele compreendem

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melhor os objetivos do projeto, apresentando identidade com ele e intenção de desenvolver um empreendimento de economia solidária. Tal situação aponta que este processo de incubação tende a ser um pouco mais longo que os demais, já que parte de um ponto cronologicamente anterior na histórica de um grupo de economia solidária: justamente a sua formação. Entretanto, sabe-se também que este não é um fator determinante do processo, mas apenas mais uma variável a se somar a outras, como a formação dos integrantes, o nível de adesão à proposta, e a coesão social criada entre eles, dentre outras. Referências BALDI, L. Economia criativa e solidária em discussão. Disponível em: http://www. cultura.gov.br/site/2012/03/29/economia-criativa-e-solidaria-em-discussao/. Acesso em: 12 de junho de 2012. CANCLINI, N. G. Reconstruir políticas de inclusão na América Latina. In: Políticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO: Brasil, 2003. COSTA, A. de C. ARTESANATO, TURISMO E DESENVOLVIMENTO: uma abordagem à luz da Economia Criativa. In: Revista Partes. São Paulo: Gilberto da Silva, 2006. Disponível em http://www.partes.com.br/artesanato/artesanatoturismo.asp. Acesso em março de 2011. DEHEINZELIN, L. Economia Criativa e Empreendedorismo Cultural. In: II Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. UFBa, 2006a. ________. Por que a Economia Criativa é uma potente estratégia de desenvolvimento. 2006b. Disponível em: http://www.culturaemercado.com.br/pontos-de-vista/economia-criativa-uma-timida-tentativa-de-definicao-parte-2/. Acesso em 12 de junho de 2012. DO VALE, C. A. R. et alli.. In: Indicadores de Design Sustentável no Artesanato de Juazeiro do Norte. V ENAPEGS – V Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. Anais...Florianópolis: ENAPEGS, 2011. DUISENBERG. E. dos S. Economia criativa: uma opção de desenvolvimento viável? In: Economia criativa: como estratégia de desenvolvimento: uma visão dos países em desenvolvi-

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Capítulo 4: Incubação dos Empreendimentos Juvenis do Projeto Gestão Social nas Escolas: o Desafio da Formação de Grupos no Processo de Pré-incubação Marluse Martins de Matos, Joseane de Queiroz Vieira, Raquel Farias Gregório Bezerra, Ítalo Anderson Taumaturgo dos Santos, Waléria Maria Menezes Morais de Alencar ............................................................................. 1. O Projeto Gestão Social Nas Escolas Pensar a respeito da problemática social tem se mostrado uma atividade comum nos dias atuais. Pode-se dizer que há uma maior consciência sobre a participação cidadã, onde a defesa dos interesses coletivos são deveres sociais. Nesse âmbito, o governo, as empresas privadas e a população são convidados a promoverem atitudes que vão ao encontro do sentido democrático da gestão. Com essa ideia na Figura 1: Logomarca do Projeto cabeça, a equipe interdisciplinar dos núcleos LIEGS -Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social e SIFE- Associação de Estudantes em Livre Iniciativa - Students In Free Enterprise, vinculados à Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri, composta por professores e universitários dos cursos de administração e psicologia, criaram o projeto “Gestão Social nas Escolas: promovendo o protagonismo juvenil nas escolas estaduais de Juazeiro do Norte-CE - (PGSE)”, com o objetivo de oferecer alternativas de sustentabilidade econômica e ambiental a partir de projetos socioambientais. O projeto ganhou ainda mais força já na fase de planejamento, no segundo semestre de 2010, quando parcerias essenciais apoiaram a proposta. Entre elas, destacam-se a 19ª Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (CREDE 19-Juazeiro do Norte) da Secretaria da Educação do Governo do Estado do Ceará

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(SEDUC), a ITEPS - Incubadora de Empreendimentos Populares e Solidários da UFC Cariri e a Ashoka Empreendedores Sociais. Outrossim, o projeto obteve financiamento do Banco do Nordeste e do Programa de Apoio à Extensão Universitária do Ministério da Educação (PROEXT/MEC). O Projeto Gestão Social nas Escolas realizou-se nas escolas José Bezerra de Menezes, Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente – CAIC e Prefeito Antônio Conserva Feitosa, escolas públicas estaduais de ensino médio do município de Juazeiro do Norte, estado do Ceará. Embora estejam localizados em bairros diferentes, os alunos das escolas lidam cotidianamente com problemas comuns às suas comunidades, tais como a baixa renda, o alto índice de evasão escolar devido à entrada precoce no mercado de trabalho, a violência, alcoolismo e questões básicas de acesso à saúde, além de problemas ambientais como a presença de lixo. Dessa forma, o projeto propõe uma nova visão da realidade na qual convivem, procurando torná-los protagonistas frente aos problemas vivenciados. A primeira etapa do projeto consistiu na sensibilização de 500 alunos acerca de temas que rodeiam a temática da gestão social. Para tanto, foram realizadas oficinas e dinâmicas grupais construídas dentro de uma nova perspectiva de educação, que levavam os alunos a pensarem sobre gestão social através de atividades que convencionalmente não estavam habituados a exercer em sala de aula. Procurando democratizar e aumentar o grau de participação no projeto, a segunda fase continuou com cerca de 240 alunos envolvidos, que se identificaram com a proposta de atuar em suas comunidades baseados nos princípios da gestão social. As dinâmicas foram destinadas à elaboração de planos de ação que tivessem como base a solução de problemáticas identificadas na primeira fase, sejam elas presentes nas escolas ou nas comunidades dos alunos. Por meio de oficinas e dinâmicas participativas foram estruturados treze (13) Planos de Ação, sendo eles dez (10) planos de conscientização ambiental e social e três (3) projetos com objetivo de geração de renda e preservação ambiental. Os planos foram expostos em um painel de apresentação onde a viabilidade de implantação dos projetos foi avaliada por profissionais de diversas áreas do conhecimento que se relacionavam com as temáticas apresentadas. Todos os projetos foram aprovados, sendo que alguns com sugestões de melhoria. As ações foram posteriormente implementadas em um Encontro de Integração organizada ela equipe executora do projeto. Na terceira etapa, 35 alunos permaneceram no PGSE e esta representou a incubação dos projetos de geração de renda. Os projetos incluem a fabricação de materiais de limpeza, fabricação de produtos com base em ervas medicinais e fabricação de acessórios de moda reciclados. As formações abordaram temas como eco-

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nomia solidária, gestão social, cooperativismo e associativismo, gestão financeira, plano operacional, comercialização, planejamento estratégico entre outros. Foram realizadas também duas visitas técnicas para que os alunos conhecessem práticas de gestão semelhantes aos futuros empreendimentos. Os alunos elaboraram o Plano de Negócio dos empreendimentos e o apresentaram em um novo Painel, obtendo as orientações e aprovação de professores e profissionais das áreas de Administração, Gestão Social e Psicologia. Na maioria dos casos de incubação de empreendimentos populares e solidários acontece uma aproximação das incubadoras com grupos já formados, que carecem de capacitação para a continuidade mais exitosa de suas atividades, sejam elas de caráter econômico, social, ambiental, político ou cultural. Sendo assim, o projeto Gestão Social nas Escolas traz uma perspectiva inovadora, no momento que propõe a formação de grupos a partir de um processo de construção coletiva, com os diversos atores envolvidos no desenvolvimento do projeto. A seguir serão analisadas mais detalhadamente cada uma das etapas acima expostas, assim como apresentado o processo de incubação dos empreendimentos juvenis adotado pelo Projeto Gestão Social nas Escolas, destacando sua peculiaridade, desafios e conquistas. 2. Pré-Incubação: Preparando o Campo e Identificando Demandas Como se sabe, os empreendimentos solidários são cuidados tecnicamente pelas incubadoras, distribuídas pelas universidades do Brasil. No processo de incubação está presente um ciclo dividido em três etapas: 1) Pré-incubação: quando são feitos os primeiros contatos e aproximação das dimensões da universidade e sociedade; 2) A incubação propriamente dita: Quando os empreendimentos serão submetidos a treinamentos de gerenciamento, para compreender a sua estruturação e aprimorem suas práticas. Em geral, essa é uma etapa cumprida por administradores e gestores sociais; e por fim; 3) A desincubação: período em que se deve estimular a saída do grupo dos cuidados da universidade para que desenvolvam suas atividades e cumpram seus objetivos de forma independente e articulada (NUNES, 2006). Esse é um momento em que deve ser percebida no grupo a existência das habilidades necessárias para a sustentabilidade do empreendimento, como conhecimento técnico sobre gestão, além de autonomia e amadurecimento nas relações com o grupo. Portanto, essas características devem ser encorajadas desde o período da pré-incubação. O ciclo de incubação do PGSE tem um fator que o diferencia de muitos outros processos com esta finalidade, tendo em vista que não se tinha o grupo formado para

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ser incubado. Para essa formação foi investido o tempo do primeiro e segundo eixo do projeto. Esse início, que consideramos como trabalho de pré-incubação, teve como objetivo sensibilizar e estimular nos jovens habilidades básicas da gestão social, como participação e autonomia para que fossem mobilizados em etapas posteriores. O Projeto Gestão Social nas Escolas começou a ser pensado e elaborado no mês de novembro de 2010, período em que foi planejado, estabeleceu parcerias, angariou financiadores e contextualizou seu espaço de atuação, visto que a “elaboração de um projeto implica em diagnosticar uma realidade social, identificar contextos sócio-históricos, compreender relações institucionais, grupais e comunitárias e, finalmente, planejar uma intervenção, considerando os limites e as oportunidades para a transformação social.”. (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 44). No mês de março do ano de 2011 o Projeto Gestão Social nas Escolas iniciava suas atividades no ambiente escolar, as quais eram realizadas semanalmente, durante o período das aulas. Tinha-se por público-alvo jovens estudantes do 1º ano do Ensino Médio, com idade entre 14 e 19 anos, das escolas estaduais José Bezerra de Menezes, Antônio Conserva Feitosa e do Centro de Atenção Integral à Criança - CAIC, todos situados no município de Juazeiro do Norte-CE. Ter os jovens como público-alvo do PGSE é importante na medida em que “a juventude pode ser entendida como o momento em que as noções formativas iniciadas na adolescência ganham características estruturais. [...]. Este é o momento ideal para propiciar ao jovem oportunidades de participação e associativismo.” (ESPÓSITO, 2010, p. 95). Com o objetivo de fomentar a criação de uma cooperativa pensada e gerenciada por jovens, o Projeto Gestão Social nas Escolas poderia simplesmente ter realizado um processo clássico de recrutamento e seleção dos jovens que se adequassem ao perfil almejado para o projeto. Entretanto, se assim tivesse ocorrido, estaria suprimida uma fase essencial do processo de formação de uma cooperativa, qual seja, a sensibilização e empoderamento dos sujeitos que a compõem, pois, conforme adverte Paul Singer (2002, p. 21) “As pessoas não são naturalmente inclinadas à autogestão, assim como não o são à heterogestão”, logo, “(...) o poder local de uma comunidade não existe a priori, tem que ser organizado, adensado em função de objetivos que respeitem as culturas e diversidades locais, que criem laços de pertencimento e identidade sócio-cultural e política”. (GOHN, 2004, p. 24). Neste sentido, a primeira etapa do Projeto foi dedicada à fomentar nos jovens discussões referentes ao autoconhecimento, ao conhecimento do grupo e da comunidade, levando-os a enxergar-se como sujeitos capazes de modificar sua realidade. No PGSE as ações da primeira etapa foram primordiais para favorecer aos jovens um espaço de identificação coletiva, pois a partir das atividades propostas

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pela equipe do PGSE, eles tiveram a oportunidade de sair da condição de agrupamento, ou seja, pessoas reunidas num mesmo lugar, como a sala de aula, no caso, para tornarem-se um grupo, o que implica em pessoas identificadas por um objetivo coletivo. Isso se evidencia com a análise dos relatos dos alunos, que declaram que apesar de estudarem na mesma sala, alguns jovens pouco sabiam mais do que o nome dos colegas. Sendo assim, a partir das ações do PGSE iniciou-se um processo de identificação de habilidades, afinidades entre os jovens.

Figura 2: Dinâmica Tocou – Colou no Colégio José Bezerra

Nesta fase introdutória que foi executada durante todo o ano de 2011 e no primeiro quadrimestre de 2012, iniciou-se instigando os jovens a conhecer o grupo em que estavam inseridos, a si próprios e a suas comunidades. Algumas atividades podem ser destacadas com essas finalidades: As duplas rotatórias, onde respondiam a seguinte pergunta – em que me pareço com você? Além da identificação de afinidades a partir do olhar para o outro, eles foram incentivados a olhar para dentro deles e descobrirem o que sabem e gostam de fazer. Essa proposição mobilizou os jovens a conversarem novamente sobre seus talentos pessoais e reafirmarem as afinidades descobertas no momento anterior. O objetivo dessas atividades iniciais foi, também, estimular o espaço dialógico e o fortalecimento de vínculos, fundamental para o trabalho cooperado e solidário que contraria a lógica econômica vigente, sob a qual os sujeitos foram educados e aprenderam a pensar sua realidade. Logo, o compartilhamento do espaço cooperativado “[...] não é um processo comum: envolve, para o trabalhador historicamente submetido à autoridade e ao controle externos, uma pequena revolução pessoal” (CORTEGOSO; LUCAS, 2008, p.20).

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Quebrar estes paradigmas é fundamental para o êxito de cooperativas sociais, onde as decisões são tomadas em assembleias coletivas, onde todos têm direito a voz, onde há o compartilhamento dos resultados obtidos, a propriedade coletiva dos bens e a responsabilidade solidária entre os membros. Percebe-se, assim, que ações educativas precisam ser constantemente realizadas no sentido de estimular nos grupos envolvidos um senso coletivo de participação e pertencimento, desenvolvendo uma postura política e democrática. Os instrumentos utilizados durante esse período de pré-incubação foram dinâmicas de grupo, própria da psicologia social, afinal, estar vinculados por um objetivo coletivo favorece o sentimento de pertencimento por muitas vezes perdido ao longo de uma cultura individualizante que nos ensina que somos os únicos responsáveis pelo nosso sucesso ou fracasso. O ambiente competitivo presente nas escolas, estimulado por pedagogias, tais como, premiações para as melhores notas, eventos esportivos, gincanas, desfiles, etc., repercute na atitude dos alunos, que naturalmente acabam por ter uma dificuldade em assimilar e viver novos conceitos, como o da cooperação e do bem coletivo. Enfrentou-se esse desafio durante a formação dos grupos, quando a vaidade e a competição que predominaram em algumas lideranças, pôs em risco o desenvolvimento de um dos grupos, afinal um dos jovens apresentava uma liderança autoritária, mas tinha a legitimação dos membros. Esse fato pode estar relacionado com o processo cultural que nos traz familiaridade com as relações heterogestionárias que paradoxalmente geram opressão e comodidade nas decisões. Entretanto, as ações realizadas tinham por base os princípios da gestão social, a qual “[...] é um processo de gestão que deve primar pela concordância, onde o outro deve ser incluído e a solidariedade o seu motivo. Enquanto na gestão estratégica prevalece o monólogo – o indivíduo – na gestão social deve sobressair o diálogo – o coletivo. (TENÓRIO, 2008, p. 40). A equipe do PGSE construiu estratégias de intervenção de acordo com a história de cada caso, em geral os instrumentos eram lúdicos, mas sempre com o objetivo de conduzir o grupo a uma reflexão sobre os ganhos das atividades coletivas. O resultado das intervenções em alguns grupos foi alcançado, de modo a reorganizar o posicionamento dos mesmos para uma liderança circular, favorecendo então a participação dos demais. Já em outro grupo, apesar dos esforços da equipe em fazer os jovens vivenciarem a importância da liderança circular através de jogos cooperativos, dinâmicas de grupo, houve um movimento próprio do grupo que tendia a voltar a “zona de conforto” se mantendo numa relação de dependência com a liderança. O manejo do grupo resistente consistiu em convidá-los à reflexão sobre os princípios da gestão social, deixando claro que posicionamentos contrários não seriam acei-

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tos por um fator de coerência com os princípios do projeto, e que, consequentemente, a permanência do grupo no PGSE dependia do cumprimento dos princípios cooperativos. Tendo em vista que “as diversas experiências comunitárias vêm apontando para a importância do grupo como condição, por um lado, para o conhecimento da realidade comum, para a auto-reflexão e, por outro, para a ação conjunta organizada [...]” (LANE, 2007, p.31), realizou-se uma atividade visando que os jovens refletissem sobre os problemas existentes em suas comunidades e em alternativas para solucioná-los. Para tanto, foi aplicada uma dinâmica onde por meio de discussões e compartilhamentos grupais, os jovens enumeravam e criavam soluções para os problemas comunitários identificados. Como resultados desta ação foram apontados como queixas principais a poluição/lixo, a violência/drogas e as estradas/estrutura das ruas. O próximo passo foi mapear os talentos existentes nas turmas trabalhadas. Utilizando-se de dinâmicas grupais, os jovens foram convidados a apresentar seus talentos, fosse ele musical, artístico, lingüístico, dançante, entre outros. Mapeados os talentos, desenvolveu-se uma ação para mobilizá-los no sentido de propiciar que os jovens percebessem que seus talentos e habilidades podem ser utilizados na resolução de seus problemas cotidianos. Concluída a fase introdutória do projeto, que durou cerca de 5 meses, deu-se continuidade às atividades, explicando que a partir deste momento somente aqueles que se identificaram com as ações já realizadas é que continuariam no projeto, ou seja, enfatizou-se que seria um processo de adesão voluntária, pois “uma ação que é imposta não gera protagonismo. Na raiz do protagonismo deve existir a livre opção do jovem, ele tem que participar na decisão de fazer ou não a ação”. (ESPÓSITO, 2010, p.97). Desse modo, o público inicial que era de 500 jovens passou a ser em torno de 240.

Figura 3: Dinâmica da Teia, Colégio Conserva Feitosa

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Este novo grupo teve por objetivo a construção de um plano de ação com impacto socialmente positivo. Este plano foi pensado por eles a partir de suas demandas comunitárias e era composto de todos os requisitos de qualquer projeto social, tais como objetivos, justificativa, cronograma, orçamento, problematização, entre outros tópicos. Todo esse projeto foi elaborado por meio da metodologia dos grupos operativos, aliando a dinâmica de grupo com a reflexão e realização da tarefa. Os jovens também foram instigados a criarem de modo coletivo o contrato grupal da turma, estabelecendo suas normas de funcionamento e de resolução de problemas, as quais, por serem criadas pelo próprio grupo, são dotadas de maior legitimidade perante este. A proposta do contrato grupal relaciona-se também com o que Tenório (2007, p. 117) acredita, ou seja, que “[...] a participação voluntária ocorre mediante um grupo que cria suas próprias normas, maneiras de atuação e objetivos”. Os planos de ação elaborados pelos jovens foram apresentados em um Painel organizado pelo PGSE. Nesta oportunidade, os jovens puderam apresentar suas iniciativas para avaliadores experientes na análise de projetos sociais, os quais deram sugestões e incentivos que contribuíram para o amadurecimento das ideias postas nos planos de ação. Entre as iniciativas criadas pelos jovens podemos citar: oficinas ecológicas, produção de materiais de limpeza a partir da reutilização do óleo de cozinha e de garrafas PET, produção de brinquedos e bijuterias apor meio da reciclagem de materiais, criação de uma farmácia popular baseada em plantas medicinais, palestras sobre drogas, implantação de coleta seletiva na escola, entre outras.

Figura 4: Oficina de Artesanato com Jornal no 2º Encontro de Integração dos Jovens.

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É pertinente destacar que o Projeto Gestão Social nas Escolas tem como meta a criação de empreendimentos juvenis com fins de geração de renda e sustentabilidade socioambiental. Acontece que, no processo autônomo de construção das propostas de intervenção, nem todos os planos de ação dos jovens contemplavam ideias que envolvessem a geração de renda, a maioria das propostas continham ações pontuais, como palestras, oficinas, campanha educativa na escola, entre outras. Diante de tal situação, não se podia simplesmente encerrar o projeto com esses grupos e continuar com os outros jovens que criaram propostas de geração de renda, pois todos foram estimulados a sonhar, refletir e planejar, e não seria justo executar as ações de uns e de outros não. Neste sentido, foi realizado um momento para que esses jovens pudessem executar seus planos de ação, já que se tratava de ações pontuais, sendo que este mesmo momento também representaria o encerramento do projeto com relação a essas equipes. Desse modo, no mês de março de 2012 foi realizado o 2º Encontro de Integração do PGSE, o qual consistiu em um dia de oficinas, apresentações artísticas, palestras, entre outras atividades, todas organizadas e executadas pelos jovens e relacionadas aos planos de ação que eles criaram. A proposta foi aceita com entusiasmo pelos alunos, mas também com uma certa tristeza por aquelas turmas que sabiam que o encontro representaria o encerramento das ações do projeto na escola deles. Dentre os doze projetos de intervenção na realidade local criados pelos jovens, três possuíam perspectiva de geração de renda e estão sendo incubados pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários - ITEPS da Universidade Federal do Ceará-UFC a partir dos princípios da gestão social. Os empreendimentos que continuaram no projeto, intitulados Reciclart, Farma Life e PEAC (Projeto Ecológico dos Alunos do CAIC), são voltados para questões sócio-ambientais e de geração de renda, tais como, respectivamente, atividades artesanais de elaboração de acessórios de beleza e utensílios domésticos a partir da reutilização de materiais; o cultivo, produção e comercialização de plantas medicinais e a fabricação de produtos de limpeza com menor impacto ambiental. Nesta fase do projeto, é visível o amadurecimento e crescimento dos jovens tanto a nível individual quanto grupal, especialmente no que se refere à autonomia e empoderamento. Este amadurecimento foi fundamental para a implementação da terceira etapa do projeto, a qual consiste na incubação dos empreendimentos juvenis e que será objeto de análise do tópico seguinte.

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3. Incubação: Plano de Negócios e Capacitação Técnica O processo de construção da fase de incubação dos três empreendimentos planejados durante a primeira e segunda etapa do Projeto Gestão Social nas Escolas ocorreu de forma democrática, interdisciplinar e participativa. Considerar as especificidade dos novos empreendimentos e também as demandas do grupo de jovens/adolescentes representou um desafio para os atores envolvidos, em virtude de se tratar de uma ideia e uma prática inovadora. Os resultados obtidos a cada passo serviram de base para o planejamento e execução das atividades seguintes, as quais foram fruto de um processo em constante construção. Nessa etapa o apoio da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS) e de professores dos cursos de Administração e Administração Pública da Universidade Federal do Ceará (UFC Campus Cariri), tal qual a dedicação da equipe interdisciplinar do PGSE foram essenciais tendo em vista os saberes específicos dessas áreas.

Figura 5: Ação Semanal no Colégio CAIC

Dois objetivos principais nortearam a decisão quanto à metodologia da incubação dos empreendimentos Farmalife, PEAC e Reciclart. O primeiro foi o caráter formativo, onde os conteúdos foram tratados numa linguagem acessível. E o segundo está ligado à metodologia interativa que teve como intuito favorecer aproximação com a prática. O planejamento para elaboração desta metodologia e do cronograma de execução das atividades se deu a partir de uma série de discussões, pesquisas e trocas de experiências e informações. A formação e capacitação dos jovens se subdividiram em três fases: I. Discussão de temas em economia solidária e gestão social; II. Elaboração de um plano de negócio

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solidário e visita técnica; e III. Formação técnica especifica por empreendimento. I. Capacitação em Gestão Social e Economia Solidária Essa fase foi constituída pelos módulos “Gestão Social”, “Autogestão”, “Economia Solidária” e “Cooperativismo e Associativismo”. Priorizou-se a linguagem compatível com a idade e realidade dos jovens, bem como a utilização de dinâmicas interativas e participativas no intuito de buscar maior assimilação e envolvimento. Em todos os encontros se buscou oportunizar a vivência dos conteúdos através de atividades lúdicas, tais como, desenhos, jogos (tabuleiro humano, caça ao tesouro), vídeos, clube de trocas, debates, teatro, entre outros. O uso dessas metodologias alternativas, ora se deram ao inicio, ora ao final dos encontros, ademais em algumas vezes aconteceram em ambos os momentos. Nota-se que em todos os casos, o seu uso surtiu efeitos positivos, pois além de influenciar na melhor compreensão dos conteúdos teóricos, tornou os momentos mais descontraídos e ainda possibilitou uma experimentação da prática que os jovens estão prestes a vivenciar na rotina de seus empreendimentos. Nesse ínterim, houve também a explanação dos conteúdos teóricos por meio de apresentação de slides e de rodas de conversas. Em meio a essas explanações os alunos conheceram outras experiências de empreendimentos populares e solidários vivenciadas nos diversos estados brasileiros. Inegavelmente a utilização de exemplos práticos para elucidar os conteúdos, que para a maioria eram inéditos, foi de suma importância. É sabido que os conteúdos envolvendo a prática da gestão social e da economia solidária vão de encontro com a cultura capitalista vigente. Por conseguinte, na busca de um melhor entendimento, utilizou-se do recurso da comparação entre o modelo de produção capitalista e o modelo de produção solidário em todas as formações desta etapa, considerando o foco de cada uma delas. Para tanto, se fez a explanação das características de ambos os modelos, contrapondo suas principais diferenças metodológicas e práticas. A partir disso, foram promovidas reflexões sobre quais deles eram mais adequados para serem adotadas, tanto na gestão dos futuros empreendimentos, como também no relacionamento dos grupos e entre os atores envolvidos. II. Elaboração de um plano de negócio solidário e visita técnica Durante as primeiras etapas do projeto PGSE os alunos construíram passo a passo a ideia de empreendimentos solidários que levassem em conta a necessidade de suas comunidades e as suas habilidades individuais e coletivas. Como já mencionado anteriormente, são eles o Reciclar, o Farmalife e o PEAC.

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O ReciclArt, composto atualmente pelos alunos Patrícia, Eliana, Henrique, Ariane e Danilo, oferecerá como produto principal Oficinas para confecção de acessórios de moda, cuja matéria prima principal é material reciclado. O publico alvo são estudantes do ensino médio de escolas privadas e municipais da região, para quem esse grupo almeja levar a arte do fazer e do transformar, e também discutir temas como o consumo e a produção de lixo. Jéssica, Sara, Jeferson, Felipe Lima, Graziela, Lucas, Josué e Danilo, compõem o grupo do empreendimento Projeto Ecológico dos Alunos do CAIC - PEAC e se dedicam no planejamento e na capacitação para futura produção e comercialização de materiais de limpeza com menor impacto ambiental. Dentre as preocupações do grupo, está a reutilização de embalagens e a oferta de uma alternativa econômica e não agressiva ao meio ambiente e para a sua comunidade. O empreendimento FarmaLife surgiu embasado no conhecimento popular local sobre a utilização de ervas medicinais no tratamento e na prevenção de doenças. Inspirados nessa cultura criaram uma linha de produtos que incluem velas aromáticas com agentes repelentes, travesseiros de ervas terapêuticos, chás e temperos, compostos de ervas, livros de receita e arranjos aromáticos. Pretendem expandir a cultura popular e consequentemente o acesso da sua comunidade à prevenção e promoção da saúde com baixo custo e fácil acesso. Fazem parte desse grupo os alunos Allison, Bruna, Edson, Suzana, José Emerson, Lucas Freitas e Maria Sâmara. A decisão pela construção junto aos jovens de um Plano de Negócios se deve ao fato deste instrumento servir para uma aproximação mais concreta das possibilidades e limitações, não apenas da construção, mas também do funcionamento desses empreendimentos solidários. Por outro lado, a aplicação dos diversos conhecimentos abordados durante a construção do plano é amplamente necessária para a prática de gestão dos empreendimentos. Para auxiliar diretamente neste processo, os professores do Curso de Administração da Universidade Federal do Ceará – UFC Cariri, o professor Ms. Diego Guerra e a professora Ms. Halana Brandão, ambos com experiência na área de criação e avaliação de Planos de Negócios, contribuíram no planejamento e ministraram as capacitações. Para tanto, foram realizadas reuniões prévias para um maior conhecimento sobre as especificidades do projeto. A formação contou com o total de cinco módulos e duas visitas técnicas e culminou com a realização de um painel onde os jovens apresentaram o plano de negócios por eles elaborado para uma avaliação de profissionais da administração e da gestão social. As capacitações aconteceram semanalmente no espaço da UFC - Cariri nos dias de sábado e durante a semana no período do contraturno escolar. A mudança

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nos horários de execução do projeto trouxe dificuldades de adaptação já que muitos alunos desempenhavam outras atividades no mesmo horário, de modo que isso representou um processo de escolhas, onde alguns jovens não permaneceram, enquanto outros optaram por continuar no projeto especialmente pela identificação com o trabalho até agora realizado. A apresentação dos alunos sobre seus empreendimentos e produtos deu início ao processo de formação para elaboração do plano de negócios. Os módulos que foram realizados durante dois meses referiram os seguintes temas, abordados de forma teórico-prática: a. Introdução e explicação sobre o que é um plano de negócios; b. Plano de Comercialização; c. Plano Operacional; d. Plano Financeiro; e, e. Avaliação Estratégica. Foi também propiciada a troca de informações entre os empreendimentos a partir de um espaço de apresentação do plano de negócios construído pelos jovens, o qual também permitiu a avaliação do referido plano por profissionais experientes na área de administração de projetos sociais. No painel, após um breve período de acolhimento, foi dado início às apresentações dos planos de negócios. Ao total foram três apresentações (PEAC, Farma Life e Reciclart) assistidas por quatro painelistas e pelo público do auditório. Após cada apresentação foi aberto espaço para tirar dúvidas e fazer comentários. Os jovens foram bem criativos trazendo apresentação cultural e amostra de produtos feitos por eles. Apesar da ansiedade própria do momento de avaliação, todos conseguiram apresentar conforme havia sido planejado. Mais uma vez a realização do painel se mostrou de grande valia para o desenvolvimento dos jovens e do projeto. Este momento sempre representa um desafio para os estudantes, os quais têm que apresentar um trabalho feito por eles para diversas pessoas, mas, ao realizar a tarefa, eles ficam felizes, pois se sentem capazes de realizar algo e enfrentar desafios. No mesmo sentido, a contribuição trazida pelos painelistas ao avaliar o plano de negócios, auxilia no amadurecimento do projeto e indica alternativas de otimização no processo de criação dos empreendimentos juvenis. Uma preocupação constante dos executores do PGSE é com a avaliação do desenvolvimento das atividades, posto que se faz necessário verificar a aceitação e efetividade das ações com vistas ao aperfeiçoamento do Projeto, já que “a validade da ação de um projeto comunitário depende do processo ou da maneira como é elaborado. Antes de ser entendido como um instrumento para atingir seus objetivos, é preciso planejar as atividades segundo as necessidades da comunidade.”. (TENÓRIO et al., 2003, p.14). Nesta terceira etapa do projeto, foi aplicado um questionário no sentido de verificar junto aos jovens a efetividade das ações que estavam sendo realizadas, as-

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sim como a apreensão dos conteúdos que foram trabalhos durante os módulos de formação para a incubação. Os alunos avaliaram de forma positiva e satisfatória os assuntos abordados, as dinâmicas, a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos e o trabalho em equipe. Da mesma forma julgaram como positivo o a participação e o envolvimento no projeto. No entanto, especialmente na construção do Plano de Negócio, por vezes, os alunos sentiram-se assustados com os conteúdos abordados, por estes apresentarem um nível de profundidade não habitual no cotidiano da maioria. As aplicações práticas, tais como, pesquisas, desenhos, planejamentos contribuíram para uma melhor assimilação e as dinâmicas foram fundamentais para despertar e manter o interesse dos alunos. Na tentativa de uma aproximação eficaz com os novos conteúdos e do cumprimento das tarefas para elaboração do plano, também houve colaboração da equipe PGSE, que atuou de forma direta e individualizada junto a cada grupo que compõe o projeto.

Figura 6: Visita Técnica ao Grupo GAF, fábrica de Sabonete Medicinal e Xarope.

Para completar este processo de formação com relação ao Plano de Negócios, os jovens tiveram a oportunidade de conhecer realidades assemelhadas com suas propostas de empreendimentos. Desta forma, foi realizada visita técnica à Fundação Casa Grande da cidade de Nova Olinda-CE, e a uma empresa de fabricação de sabonetes e xaropes produzidos a partir da utilização de ervas e extratos medicinais, na cidade de Juazeiro do Norte-CE. Esta atividade mostrou-se de grande ajuda para consolidação dos conteúdos vistos durante os módulos de capacitação, contribuindo assim para aprimorar a capacidade crítica e criativa dos jovens.

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III. Formação técnica específica por empreendimento A incubação dos empreendimentos encontra-se na fase da formação técnica específica. Estão sendo planejadas e ofertadas oficinas de artesanato, plantação de mudas, utilização de ervas medicinais e de fabricação de produtos de limpeza. Está sendo estabelecido contato com profissionais das áreas em questão para que se possa obter esclarecimento com propriedade técnica a respeito dos produtos que serão comercializados pelos jovens. Alguns limites específicos a essas áreas do conhecimento são expostos aos jovens, como por exemplo, a exigência legal da presença de um farmacêutico para a produção de produtos de cunho medicinal, da mesma forma, a necessidade de químico para elaboração de determinados produtos de limpeza. Esses são desafios que os jovens e a própria equipe de execução do PGSE precisam superar, fazendo adaptações aos projetos iniciais e pensando em alternativas criativas para manter os objetivos de cada empreendimento. Ao final deste processo de formação técnica, espera-se aprimorar a qualidade dos produtos feitos pelos jovens, assim como estimular o amadurecimento do grupo com relação à responsabilidade em se implantar um empreendimento coletivo. É relevante destacar que durante todo esse processo de incubação, é preocupação da equipe estimular e fortalecer as habilidades como autonomia, participação e resolução de conflitos, pois, também nesta fase, deve-se preparar o grupo para o processo de desincubação. 4. Consideraçôes Finais: Perspectivas para Desincubação

Figura 7: Equipe do Projeto Gestão Social nas Escolas

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A terceira etapa do ciclo de incubação é o processo de desincubação, nesse momento é esperado que o grupo demonstre maturidade e habilidades específicas como conhecimento técnico, além de autonomia e capacidade de resolução de conflitos. Reconhece-se que esses últimos muitas vezes são gargalos nos empreendimentos populares, portanto devem ser fomentados desde o período de pré-incubação, fortalecidos durante a incubação e identificados na desincubação. Desse modo, investir maior tempo na pré-incubação pode ampliar as condições de autonomia e amadurecimento dos grupos, fortalecendo os empreendimentos e favorecendo maior sustentabilidade. Assim pode-se inferir que a desincubação pode ser trabalhada desde a pré-incubação, afinal “a intervenção comunitária deve viabilizar que os próprios membros da comunidade desenvolvam mecanismos de ajuda, não permanecendo dependentes da intervenção efetuada.” (MURTA; MARINHO, 2009, p.38). O PGSE encontra-se no processo de incubação dos três empreendimentos (PEAC, Farmalife e Reciclart) onde está sendo desenvolvida a capacitação técnica, específica para cada empreendimento. É perceptível que as atividades da incubação já preparam os jovens para a desincubação. Como exemplo disso, vê-se o acompanhamento nos processos decisórios, onde estão implicadas habilidades de comunicação e autonomia para definir questões como, inserção de novos membros, atribuição de responsabilidades para cuidados com material de produção, administração do tempo, resolução de conflito. Esse processo representa um momento de aprendizagem, onde o grupo vivencia na prática a complexidade da tomada de decisões. Desse modo, os jovens experimentam, desde então, a responsabilidade na deliberação e suas implicações no andamento dos trabalhos do grupo. O próximo passo é a implantação dos empreendimentos e para isso a mobilização dos recursos é indispensável. Nessa perspectiva, contaremos com o financiamento do Ministério da Educação - MEC através do PROEXT 2013, onde o PGSE foi classificado em primeiro lugar na categoria de Redução das desigualdades sociais e combate à extrema pobreza. Também há a tentativa de viabilizar recursos junto ao Banco do Nordeste do Brasil – BNB por meio da submissão de um novo projeto para investimento nos empreendimentos. As parcerias têm fortalecido os empreendimentos por intermédio de recursos materiais e espaço físico. Este último está sendo planejado em conjunto com a CREDE, especialmente com relação ao local para abrigar os empreendimentos. Outras parcerias em vista são as empresas privadas da região, as quais representam alternativa no fornecimento de recursos e equipamentos para fortalecimento dos empreendimentos. Os jovens do PGSE sabem que encontrarão dificuldades com os paradigmas da sociedade capitalista, mas também sabem da importância de buscar parcerias,

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articular escola / grupo / família, trabalhar em rede, para fortalecer os empreendimentos. Essas e outras questões farão parte do cotidiano, mas espera-se que as habilidades como autonomia, participação e resolução de conflitos sejam aplicadas em favor do bem comum.

Figura 8: Alunos e equipe do projeto no Painel de Apresentação dos Planos de Negócios

O PGSE tem buscado, ainda, articular sua reaplicação em novas escolas, pois acredita que deste modo pode favorecer o desenvolvimento participativo, crítico e protagonista de novos jovens, com foco no desenvolvimento do grupo e no trabalho cooperativo. Referências CORTEGOSO, A. L.; LUCAS, M. G. (Orgs). Psicologia e Economia Solidária: interfaces e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008. ESPÓSITO, M. V. O Educador Social e a Busca Ativa a Crianças e Adolescentes Exploradas Sexualmente. 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 mai 2011. FAVERO, E., EIDELWEIN, K. Psicologia e Cooperativismo Solidário: possíveis (des) encontros. In: Revista Psicologia Social, Porto Alegre, v. 16, n. 3, Dec. 2004. GOHN, M. da G. Empoderamento e Participação da Comunidade em Políticas Sociais. In: Revista Saúde e Sociedade, v.13, n.2, p.20-31, 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 fev 2011. LANE, S. T. M.. Histórico e fundamentos da Psicologia comunitária no Brasil. In: CAMPOS, R.H.F. (Org.) Psicologia Social Comunitária. Rio de Janeiro: Vozes, 2007, p. 17-34. MURTA, S. G.; MARINHO, T. P. C. A Clínica Ampliada e as Políticas de Assistência Social: uma Experiência com Adolescentes no Programa de Atenção Integral à Família. In: Revista Eletrônica de Psicologia e Políticas Públicas. Vol.1 N°1, 2009. Disponível em: .  Acesso em: 25 ago 2011. ROSA, C. A. Como elaborar um plano de negócio. Brasília: SEBRAE, 2009. SILVA JR, J. T. (Org.) Formação Básica em Gestão Social: Módulo II- Planejamento e Projetos. Juazeiro do Norte: Banco do Nordeste, 2008. SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. TENÓRIO, F. G. (Re)visitando o Conceito de Gestão Social. In: SILVA JÚNIOR, J. T.; MÂSIH, R. T.; CANÇADO, A. C.; SCHOMMER, P. C. (Orgs.). Gestão Social: práticas em debate, teorias em construção. v.1. Juazeiro do Norte, 2008. p. 26-36. Disponível em: . Acesso em: 11 mar 2011. __________. Cidadania e Desenvolvimento Local. Rio de Janeiro: FGV, 2007. __________. (Coord.), et al. Avaliação de Projetos Comunitários: abordagem prática. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

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Capítulo 5: O Projeto Mulheres da Palha: o Efeito de Incubação e a Importância das Relações em Grupo Valéria Giannella Alves, Juliana Loss Justo, Milanya Ribeiro da Silva, Maria do Socorro da Silva, Eva Regina do Nascimento Lopes, Rosane da Silva Nunes .............................................................................................. 1. Introdução20 Quando fui introduzida pela primeira vez ao projeto das Mulheres da Palha pela então coordenadora e co-idealizadora, profª Jeanine Geammal, designer e apaixonada pelo artesanato nordestino, lembro que a primeira coisa que pensei foi que ele poderia ser um projeto de incubação realizado pela nossa ITEPS21 e que era bem interessante o fato que tenha surgido em outro âmbito disciplinar. As disciplinas do design e da comunicação estavam de mãos dadas na concepção e, a partir delas, tem se percebido a necessidade de se auxiliar pela presença da administração. No entanto, o que desde logo chamava atenção era que, apesar da marca interdisciplinar do projeto, afirmada desde sua concepção, as dificuldades maiores só apareciam no momento da interação entre a universidade (nos seus diversos componentes) e as mulheres artesãs, quando eles começassem a interagir uns com as outras. Dificuldades que apontavam para mais um campo disciplinar, o da gestão e psicologia social. Nos primeiros encontros se torna aparente a dificuldade de comunicação entre os grupos das artesãs e dos universitários, e da dificuldade que essas tinham em entenderem o papel da universidade junto delas, posto que a afirmação insistente era que o projeto não iria ministrar um curso para elas. Ora, o que mais poderia estar fazendo um grupo de universitários a não ser dar um curso? As artesãs não entendiam, assim como – literalmente – não entendiam a própria fala dos estudantes quando eles chegavam afirmando que “o cronograma pedia para realizar o diagnóstico” ou “traçar o perfil delas”. Um choque entre mundos estava acontecendo diante dos olhos perplexos de todos e lembro a imagem do desânimo e de não 20 Narrativa da introdução de Valéria Giannella sobre seu encontro com a então coordenadora do projeto, Jeanine Geammal. 21

Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários

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saber para onde correr bem estampada na cara dos estudantes bolsistas ao sair das primeiras reuniões. Foi assim que começou a minha participação no projeto das Mulheres da Palha, atendendo ao pedido de ajudar na integração do grupo (a aproximação entre mulheres, professores e bolsistas universitários) e na capacitação dos bolsistas para o desafio de se relacionar com um público comunitário, com respeito e competência. Hoje em dia a presença do Laboratório Paidéia22 no projeto já é estruturada e responde a outras necessidades. A integração do grupo, nos seus diversos componentes, após quase dois anos de convivência, já é um fato, e nesse ponto todo mundo (artesãs, professores e estudantes) cresceu imensamente, apreendendo a dialogar mais e melhor, a se respeitar e a criar confiança uns nos outros. As metas objetivas do projeto estão todas bem encaminhadas com vistas à sua conclusão, em março de 2013. O grupo das Mulheres dispõe hoje de um leque de produtos muito mais amplo e de qualidade perceptivelmente maior de quando o projeto iniciou; elas apreenderam novas competências em termos de design de produto, adequação deste aos possíveis públicos de compradores, assim como se familiarizaram com a técnica de formação do preço e com fundamentos de gestão do seu negócio. No que diz respeito à comunicação, houve uma grande aproximação com redes de televisão e jornais locais que proporcionou a visibilidade do grupo. Produtos comunicacionais foram elaborados em formatos e linguagens diversas – literatura de cordel, vídeo documentário e livro portfólio. Oficinas de comunicação comunitária e momentos de familiarização com os veículos de comunicação foram promovidos. As redes sociais também estão sendo amplamente utilizadas como canais de divulgação tanto das ações do projeto quanto das atividades das próprias artesãs. No entanto, o que dizer com relação aos componentes relacionais e subjetivos do projeto? Qual é o “estado de saúde” do grupo? Ele consegue harmonizar dentro dele as tendências à competição individualista e consolidar o senso de pertencimento e solidariedade? Existe uma liderança de tipo centralizador/autoritário ou uma capacidade de exercer uma liderança mais madura e horizontal? E as integrantes, conseguiram amadurecer formas de relação/comunicação que permitam gerenciar o conflito quando ele aparecer, ou esta eventualidade desencadeia inevitavelmente a fragmentação do grupo através da expulsão de seus componentes? Afinal de contas, a pergunta chave que sempre paira uma vez que nos aproximamos do encerramento 22 Laboratório de pesquisa transdisciplinar sobre metodologias integrativas para educação e gestão social. Busca a re-ligação entre ação e emoção, ciência e arte, o resgate de histórias e tradições, a relação do saber local com o saber científico, fomentando a promoção da cidadania. O Paidéia é coordenado por Valéria Giannella. www.paideia.tk

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desses projetos é: o grupo apoiado, ou incubado (usando uma terminologia que não é própria do projeto aqui descrito), terá a capacidade de sobreviver e prosperar uma vez que os holofotes do projeto sejam apagados? O intuito deste capítulo vai ser o de apresentar o projeto Mulheres da Palha através de uma descrição polifônica (que aproveita dos múltiplos olhares que construíram o projeto desde seu inicio). Pretendemos mostrar que, apesar do projeto não ter sido concebido pela perspectiva de incubação de empreendimentos populares, nós chegamos a tocar alguns pontos cruciais, próprios também de ações mais clássicas de incubação, e talvez, de forma mais ampla, de muitos projetos de extensão universitária. 2. O Artesanato da Palha de Carnaúba na Terra do Padim Ciço Integrante da Região Metropolitana do Cariri, a qual é composta por nove municípios, Juazeiro do Norte, reconhecido mundialmente como a terra do Padim Ciço23, está inserido em um contexto de inúmeras peculiaridades, que abarcam desde questões climáticas e culturais às econômicas. A dimensão religiosa assume aqui papel cultural de destaque, e vai muito além das tradicionais romarias católicas, pois a cidade da tradicional estátua de Padre Cícero, possui ainda em seu território mais de trezentos terreiros de umbanda e candomblé, além da forte presença de igrejas protestantes e um templo do movimento doutrinário Vale do Amanhecer. A paisagem da região, que tem seu contorno definido pela Chapada do Araripe24, é colorida ainda por diversas manifestações populares como os grupos de penitentes, reizados e rezadeiras. Outro aspecto da região que atrai pesquisadores nacionais e internacionais é a presença do Geopark Araripe que se dedica à preservação dos sítios de relevância geológica e paleontológica, dentre eles, o próprio Geossítio Colina do Horto que abriga a estátua do Padre Cícero, O museu Vivo do Padre Cícero, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Horto e a trilha de acesso ao Santo Sepulcro onde estão presentes as rochas mais antigas do Cariri Cearense. Entre as vocações da região ressai também o artesanato, com destaque para o trabalho em palha de carnaúba que constitui uma tradição centenária na região do Cariri. Até a década de 1990, a Rua o Horto, local onde vivem e trabalham as “Mulheres da Palha”, reunia cerca de mil pessoas envolvidas direta e indiretamente 23 24

Padre Cícero Romão Batista

Planalto localizado na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí que abriga a Floresta Nacional do Araripe, e diversos sítios arqueológicos.

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com a produção e venda de chapéus de palha, artefato considerado símbolo dos romeiros devotos de Padre Cícero. Era possível acompanhar o trabalho dos artesãos nas calçadas das casas, costume antigo da região, assim como faziam as rendeiras no litoral cearense. Atualmente, além dos chapéus, são confeccionadas bolsas, leques, caixas e embalagens de garrafas de aguardente. A despeito da diversificação de produtos, o artesanato caiu em oferta e demanda, sendo um dos elos mais fracos na cadeia produtiva da Carnaúba. Para o Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba no Estado do Ceará – SINDICARNAUBA (2012), entre os principais problemas do setor para o artesanato estão: a falta de profissionalismo dos artesãos; a falta de apoio aos produtores de artesanato, que utilizam a palha de carnaúba como matéria prima; a baixa variedade e qualidade de produtos; a precária organização entre os produtores de artesanato; o desconhecimento dos mercados; a ausência de linhas de crédito específicas, o desconhecimento de tecnologias adequadas ao padrão de exigência do importador, a pouca divulgação dos artesanatos; a falta de mão-de-obra capacitada para produção de artesanato de palha de carnaúba. Para o SINDICARNAUBA (2012, texto digital), os jovens do Cariri não se interessam mais em manter a tradição em produzir artesanato a partir da palha, o que seria um obstáculo para a manutenção desse ofício. Porém, nos encontros entre as artesãs do horto e docentes da UFC, as Mulheres da Palha apontaram que o preço da matéria-prima e a falta de canais de distribuição dos produtos são outros gargalos do negócio. Além dessa dificuldade, as próprias artesãs apontaram a dificuldade na divulgação e falta de apoio especializado para criar novos produtos. Representantes do artesanato secular da palha da carnaúba, as integrantes do grupo de Mulheres da Palha, atualmente composto por cinco mulheres, aprenderam a trançar a palha desde criança, com o auxílio da mãe, sendo uma profissão passada através das gerações. Outras opções de trabalho para estas mulheres é a roça ou o serviço de doméstica em casas de família. Porém, o trançado de palha é a principal opção, pois pode ser realizado em casa permitindo que elas continuem com os afazeres domésticos. Por conta desta dedicação quase que exclusiva à família e ao artesanato, o nível de escolaridade do grupo é baixo, com alta incidência de analfabetismo. As artesãs do grupo Mulheres da Palha são de diferentes origens, algumas são naturais da cidade de Juazeiro do Norte, outras do Crato, ou de cidades de Pernambuco; devotas do padre Cícero, o grupo produz artefatos de palha de carnaúba desde a área de decoração até artigos de uso pessoal. Elas trabalham sozinhas ou acompanhadas por familiares, isto é, absorvem trabalhadores da própria família, sob relações informais de produção.

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A maioria das mulheres é casada, mães de família e/ou donas de casa. Isoladamente este fator poderia ser considerado supérfluo, mas ganha outra dimensão quando inserido neste contexto. Isto indica que as mulheres só podem trabalhar no artesanato após a realização de suas atividades domésticas. Por conseguinte, a implicação da redução do tempo de trabalho gasto nas atividades artesanais é a diminuição da renda gerada pela atividade, que pode até gerar a evasão de algumas artesãs. Isto é mais um reflexo do que acontece em uma região interiorana, onde o preconceito masculino sobre o trabalho da mulher ainda tem forte predominância. A vocação artesanal do Cariri, que atualmente enfrenta momento de relativa estagnação, contrasta com o crescimento econômico e industrial que vem sendo observado nos últimos anos. O polo de desenvolvimento fica na microrregião Crajubar, composta por Juazeiro, Crato e Barbalha, que tem as principais indústrias da região e o comércio de atacado e varejo bem desenvolvido. O Cariri possui um bom nível de crescimento econômico, principalmente na cidade de Juazeiro do Norte, onde são realizados eventos de grande porte, como a Feira de Tecnologia e Calçados do Cariri e a Feira de Negócios do Cariri. No entanto, mais uma vez, é evidente aqui como o crescimento é longe de ser sinônimo de desenvolvimento em termos sociais e ambientais. 3. O Projeto Mulheres da Palha O projeto “Mulheres da Palha: empreendedorismo social no grupo de artesãs da palha da carnaúba em Juazeiro do Norte” teve inicio em dezembro de 2010. Foi selecionado pelo Prêmio Santander Universidade Solidária, 2011, na sua 13ª edição. As atividades continuaram no ano de 2012 com a renovação da parceria. Como acenado acima, a ideia do projeto brota dos campos do design e comunicação social, mas logo fica perceptível que precisará incluir competências próprias da administração para dar conta do desafio. Portando, já em sua origem a equipe era formada, por professores e estudantes de Design de Produto e Comunicação Social. Logo em seguida, mais alunos de administração vinculados ao LEADERS25 iniciaram sua participação no projeto que, em 2011, ainda contou com o apoio pontual do grupo Paidéia. Este último estruturou sua participação em 2012, quando da renovação do projeto para um segundo ano. Sumarizando, o projeto Mulheres da Palha pôde contar com um grupo de 10 bolsistas em 2011 e 11 em 2012 sendo 4 da área do design, 3 da comunicação, 2 da administração e 2 da psicologia. 25

Laboratório de Estudos Avançados em Desenvolvimento Regional do Semiárido.

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Logo no começo das atividades se tornou claro que o desafio principal desse grupo tão compósito era, mais ainda de que a barreira entre as disciplinas, o de preencher a grande distância que parecia existir entre as mulheres e “os universitários”, e que se concretizava na dificuldade de compreensão recíproca, de adesão ao projeto (por parte das mulheres) e de atuação dentro dele (por parte dos bolsistas). Logo, a dimensão metodológica do projeto apareceu fator chave de sua consolidação e êxito. 3.1. Objetivos do Projeto O fomento ao empoderamento econômico e social no grupo de mulheres artesãs da palha, e o papel social dos estudantes universitários no compartilhar de saberes sempre foram os principais objetivos deste projeto. Para tanto, outros objetivos específicos devem ser alcançados, como a consolidação do grupo das artesãs, melhoria da sua autoestima e de seu poder de articulação e comunicação, tanto internamente, como para o público em geral. 3.2. Atividades Realizadas no Projeto a) Integração do grupo Como acenado acima, um desafio apresentado no início do projeto foi mobilizar e agregar as artesãs para sua participação nas atividades. Para tanto, foi realizada uma oficina de integração26 no sentido de aproximar estudantes, professores e artesãs para o entendimento dos objetivos do projeto e estreitamento do vínculo deste grupo tão heterogêneo. A proposta foi de instigar uma aproximação ultrapassando por um momento o nível (problemático) da fala, para realizar simplesmente o encontro entre pessoas mobilizadas por um objetivo comum. Num primeiro momento se propôs uma atividade de concentração no corpo acompanhada por uma musica e, a partir daí, se formaram duplas, unindo alguém das artesãs com alguém da universidade. Estas duplas foram experimentando possíveis aproximações, através do olhar e através do toque das mãos. Em seguida, a realização coletiva de uma mandala rendeu perceptível a possibilidade de que esse grupo pudesse realizar junto algo bonito.

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Esta foi a primeira atividade desempenhada pelo laboratório Paidéia.

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Figura 01: Atividades de integração entre artesãs e alunos. Fonte: Arquivo próprio.

Por fim, criaram-se pequenas rodas com o objetivo de falar das primeiras tarefas previstas pelo cronograma do projeto, procurando esclarecer ao máximo estas tarefas para as artesãs e envolvê-las na realização delas. O diagnostico previsto foi realizado a partir destas rodas e, no final da oficina todo mundo avaliou a experiência como extremamente importante para o sucesso do projeto. O aprendizado desta primeira fase foi importante: a realização do diagnóstico via questionário era pouco eficaz e difícil de realizar com este público. Precisava servir-se de outras metodologias para se avançar. Outra atividade propedêutica à implementação do projeto foi a de capacitação dos bolsistas. Sendo todos estudantes dos primeiros semestres, buscando se profissionalizar, o contexto do projeto estava trazendo para eles um pedido contraditório: eles precisavam se despojar dos ares técnicos para se comunicar com um público leigo e encontrar as formas para que o saber técnico fosse útil, sem desvalorizar o saber tradicional que as mulheres, literalmente, incorporavam. Precisava oferecer-lhes umas ferramentas a mais, de natureza conceptual e metodológica para que tivessem chances de encarar a complexidade da tarefa a que estavam sendo chamados. O percurso que foi proposto, de 12 horas aula, abordou questões quais: levantamento das dificuldades encontradas na vivência com as mulheres; os limites da comunicação verbal; outras formas de comunicação, construção de confiança e consolidação do grupo; noções sobre conflito, apreender a escutar e a gerenciar conflitos de forma criativa; vivência da técnica roda de escuta (GIANNELLA, MOURA, 2009). b) As atividades de design Após a oficina de integração e a realização do diagnóstico, as atividades de design e comunicação foram iniciadas. A primeira ação de design, junto às mulheres foram, de fato, as oficinas de imersão na palha e readequação de produtos.

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A imersão é um ponto crucial do projeto, pois nela se estabelece uma inversão dos papeis clássicos socialmente estabelecidos; durante 5 dias cada integrante da equipe, pelo lado da universidade, esteve no lado de uma artesã, acompanhando passo a passo sua atividade. As artesãs se colocaram no lugar de professoras e ensinaram aos designers a técnica de trançados em palha de carnaúba. Naturalmente, ao se passar horas sentadas, uma ao lado das outras, as mulheres trocaram, além das técnicas do trançado, historias, informações sobre o contexto e suas vidas. Foi uma atividade que superou nossas expectativas, indo muito além da troca de conhecimentos. Esses fluíram não somente das artesãs para os universitários, mas também entre elas. Mas o efeito surpresa foi o da integração e criação de um novo clima, de maior confiança e relaxamento dentro da equipe. Um passo fundamental para ir para frente. Quanto à oficina de readequação dos produtos, esta versou em um estudo mais direcionado para o redesenho e qualificação dos artigos para a venda em novos mercados de artigos já produzidos pelo grupo. Todavia, começar pelos produtos que fazem parte do universo das artesãs facilitou a compreensão do que realmente precisava ser modificado. Existem novas propostas de utilização da palha tingida, seguindo, assim, uma tendência monocromática. Por outro lado, existe uma atenção especial em não descaracterizar o artesanato desenvolvido pelo grupo, e não tornar as artesãs dependentes de uma visão estética alheia. A intenção não é deixar a tradição de lado e sim readequar o produto confeccionado, tornando-o mais contemporâneo, sem fugir das raízes. Tudo isso para que ele fique mais atrativo e ideal para se comercializar. Após o processo de adequação dos produtos, algumas oficinas de aperfeiçoamento das técnicas aconteceram, como a de tingimento para estudo de novas cores e combinações e a de ficha técnica e construção de moldes que facilitem a produção. Além da busca por melhorias no produto em si, também foi desenvolvida uma marca para o grupo com aplicações em etiquetas, cartões de visitas, criação de portfólio e outros materiais gráficos que auxiliam na apresentação do grupo e dos produtos.

Figura 02: Oficina de tingimento e marca das Mulheres da Palha. Fonte: Arquivo próprio.

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Por fim, foram ministradas oficinas ao público-alvo para que houvesse uma reflexão de como aproveitar os canais de comercialização aos quais as artesãs já têm acesso e, portanto, mais autonomia de negociação. Esta oficina contou com discussões em grupo e atividades práticas, como a construção e caracterização de pequenos objetos (no caso, pipas) procurando desenhá-los para atender os gostos e peculiaridades das diferentes integrantes da equipe, que ocuparam a posição de clientes. c) As atividades de comunicação No que diz respeito às atividades de comunicação, houve oficinas de comunicação comunitária, teóricas e práticas, ministradas pelos alunos de Jornalismo ao grupo de artesãs, com vistas a desenvolver o potencial comunicativo do grupo com o seu entorno. Entre outras ações, desenvolveu-se um trabalho de comunicação para o desenvolvimento humano. A problemática da comunicação ou da ausência dela foi então discutida em oficinas, grupos focais, rodas de conversa e mesmo em várias entrevistas, realizadas ao longo do projeto. As metodologias variavam: realização de imagens fotográficas da Rua do Horto, criação de histórias com as suas vivências, e rodas para repensar o poder da fala e a importância de se ter espaço para expor opiniões. Foi elaborado, ainda, um cordel27 que relata um pouco da história do artesanato em palha de carnaúba na cidade de Juazeiro do Norte, como também das artesãs que usam a palha como insumo fundamental na confecção dos seus produtos. A elaboração do folheto de cordel contou com a participação das artesãs na escolha dos temas e no fornecimento de informações que consideravam relevantes estar contidas na história. A literatura de cordel foi escolhida com a aprovação das artesãs. Acreditamos que tal aceitação se deve à forte oralidade desse gênero literário, podendo ser criada sem a necessidade de saber ler, posto que é possível narrar os versos, declamando-os. Apesar de muitas artesãs serem analfabetas, o processo de participação destas na construção da história foi considerado satisfatório pela equipe de comunicação. Outra ação da comunicação no projeto foi a realização de um vídeo documentário que reuniu entrevistas de nove artesãs. O documentário “Mulheres da Palha” foi elaborado com o objetivo de dar voz às artesãs da palha de carnaúba que tornam viva uma atividade centenária na Rua do Horto (localizada na periferia de Juazeiro do Norte, estado do Ceará). A ideia principal foi mostrar o que há por detrás dos produtos em palha comprados em feiras livres ou lojas de artesanato: a 27

Gênero literário popular narra histórias em verso, fortemente relacionado à oralidade sertaneja nordestina, geralmente impresso em folheto.

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materialidade de vida, história e subjetividade dessas mulheres, O vídeo seguiu um roteiro estruturado em subtemas (infância, religião, trabalho, valorização do artesanato, meio ambiente, relações de gênero, relação com o projeto e expectativas com o futuro). O documentário será encartado a um livro impresso, que está sendo elaborado a partir de ação conjunta entre os alunos extensionistas de Comunicação Social - Jornalismo e de Design de Produtos. Além das ferramentas impressas e em vídeo, o projeto desenvolve ações na Internet (blog e redes sociais), com o objetivo de dar visibilidade ao trabalho desenvolvido. Em uma próxima etapa, será criado um site que deverá ser alimentado por jovens da comunidade do Horto, numa tentativa de aproximar o grupo das artesãs ao seu entorno. d) As atividades de administração O trabalho realizado pelas estudantes do curso de Administração consiste na melhor estruturação do grupo, bem como no fomento à gestão cooperativa. Esse auxílio técnico, já previsto pelo projeto, respondeu a uma necessidade fortemente percebida a partir do momento em que as mulheres foram recebendo pequenas encomendas e não possuíam conhecimento de trabalhar em associação e gerir um negócio colaborativo, nem noções básicas de como chegar a calcular o valor de seus produtos. Ao atender uma dificuldade percebida pelas mulheres, as técnicas da administração se tornaram evidentemente valiosas para quem nunca pensou que elas pudessem ser úteis para si. Ao abordar temas como trabalho em grupo, sistematização de processos de gestão, formação de preço e divisão de tarefas, por exemplo, foi se percebendo a melhora na organização da produção e na gestão do grupo. Com a divisão de tarefas as atribuições foram distribuídas entre as integrantes do grupo, ampliando o envolvimento, comprometimento e participação de cada uma.

Figura 03: Atividade de construção de pipas na oficina de público-alvo. Fonte: Arquivo próprio.

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O desafio atual é a comercialização dos produtos e, para tanto, estão se explorando os caminhos da economia solidária e do comércio justo, tendo em vista que a inserção deste grupo produtivo no mercado global só aumentaria o grau de exploração dele, enquanto o objetivo sempre foi a busca de opções mais justas de valorização do trabalho das mulheres. No entanto, também está claro que, o desafio deste trabalho está em promover o empoderamento das artesãs com relação à gestão do seu negócio, sem pretender impor para elas modelos pré-definidos de gestão. Nesse sentido a criação de uma cooperativa – etapa fundamental dos processos de incubação mais conhecidos - aqui nunca foi posto como pauta do projeto, sendo esta modalidade completamente alheia à visão e vivência das mulheres. Tendo destacado as diversas atividades, relativas aos vários campos disciplinares envolvidos no projeto, nos parece interessante ressaltar que, pelo menos a partir da relatada “imersão na palha”, o projeto começa a funcionar como uma vivência coletiva onde os diversos momentos, do design, da comunicação ou da administração já transpassam um no outro. Apesar de existir um programa pré-definido, as diversas contribuições parecem atender necessidades percebidas e conscientizadas ao longo do processo. É exatamente desta forma que, no segundo ano de funcionamento, mais uma vez atendendo uma necessidade explicitada pelas próprias mulheres, foi estruturada uma atividade de consolidação do grupo já iniciada no ano anterior, sem que pudesse ser aprofundada pela intensidade do cronograma já estabelecido. 3.3.Tratando da dificuldade de se trabalhar em grupo a) As atividades de fortalecimento do grupo O projeto das Mulheres da Palha começa em 2011 mobilizando 23 mulheres. De fato, elas não são um grupo, pois apenas se unem, em ocasião de algumas grandes encomendas, para a divisão da carga de trabalho. São sim, vizinhas (pois todas moram na famosa colina do horto do Padre Cícero), muitas vezes são comadres, ou parentes, e, de norma, se conhecem desde crianças. A alavanca para elas entrarem no projeto é a chamada de uma entre elas que desempenha funções de liderança, além da expectativa gerada pelo fato que, sendo a universidade a realizadora da iniciativa, muitas são levadas a pensar que, de alguma forma, ela vai resolver as dificuldades que elas encaram no dia a dia. O que pode se observar, à luz do que aconteceu em seguida, é que a entrada no projeto não corresponde a um compromisso assumido, mas apenas a uma abertura de crédito de mui curto prazo. Se o projeto não gerar, em breve, os ganhos esperados, ou apresentar uma necessidade de compromisso ou de

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esforço inusual, a decisão de saída é imediata. Acontece assim que, durante o primeiro ano de funcionamento, o numero das mulheres envolvidas começa a cair, de 23 para 13 e depois para 8. A queixa mais frequente é que o projeto não traz dinheiro, por isso não vale a pena. Outro problema relatado de forma recorrente é o desgaste relacional dentro do grupo, isto é, a incapacidade dele enfrentar as situações de conflito geradas ao longo do trabalho e atuação em comum. Perto do fim do primeiro ano, o grupo remanescente de 8 mulheres começa a dar voz à necessidade de ter um suporte especificamente dedicado ao fortalecimento da dimensão grupal. Novamente, esta dimensão ficou na responsabilidade do laboratório Paidéia, e foi combinado que este componente precisava estar de forma estruturada, no cronograma do segundo ano de trabalho. No começo das atividades, em abril de 2012, o grupo tinha diminuído ainda, sendo naquele momento de 5 mulheres. O roteiro repetido que levava à saída de mais e mais integrantes era o surgir de alguma discussão, muitas vezes devidas à divisão de dinheiro ou a visões divergentes sobre o respeito de regras de convivência. Tais discussões inevitavelmente levavam a brigas acirradas, à criação de facções e à saída das que não queriam se submeter a decisões anteriores, sedimentadas em regras. Uma vez chegadas no numero de 5, era para lá de evidente que se precisava tomar providências e que a modalidade costumeira de enfrentar as divergências não era compatível com a sobrevivência das Mulheres da Palha. Isto sem nada tirar dos avanços inegáveis que todas têm experienciado em termos de aumento das competências técnicas relativas à produção e à sua possibilidade de comercialização. Neste caso o problema era de tornar visível algo invisível, porque considerado natural. Precisávamos chamar a atenção das mulheres sobre a falta de confiança, que sutilmente aparecia nas dinâmicas e brincadeiras propostas, a permanência de uma visão individualista e competitiva, e a incapacidade de comunicar de forma direta e transparente. Foi esse conjunto de questões que se assumiu tratar valendo-se de metodologias integrativas (GIANNELLA, MACHADO, TAVARES, 2011). Isto é, foram propostas experiências que envolvem o corpomente e induzem novas formas de vivenciar as relações, além de despertar a reflexão com base na encenação performática de dinâmicas relacionais típicas do dia a dia das mulheres. Listando algumas das atividades realizadas: relaxamentos e aconchego dos corpos individual e coletivamente; brincadeiras (João bobo, do guia e do guiado, dinâmica do balão, do enlinhado, dinâmica dos espelhos; caixinha surpresa); estátua coletiva; construção da linha do tempo do grupo; encenação performática de fofocas e brigas entre comadres, trabalho de escuta e roda de escuta; pintura coletiva; contação de história.

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Uma reflexão pontual sobre o conjunto dessas atividades e os efeitos observados nas mulheres excede de muito os limites destas notas. O que podemos afirmar é que, em diversos momentos, as vivências realizadas trouxeram para elas visões lúcidas dos pontos de engasgo que atrapalham suas atividades, assim como que diversas delas já evoluíram significativamente quanto às posturas mantidas com o grupo. No entanto, observamos aqui talvez um ponto limite intrínseco deste tipo de projeto que, em tempos extremamente limitados, pretende determinar mudanças que dependem não apenas da aquisição de competências técnicas e sim da adoção de novas formas de se relacionar com o outro e com o mundo. 3.4. Resultados Quando voltamos o olhar para os vinte e dois meses de convivência e trabalho com as artesãs do grupo Mulheres da Palha, bolsistas e docentes envolvidos, observa-se um trajeto de superação que levou o projeto a resultados nos diversos âmbitos de sua atuação. Estes resultados podem ser inicialmente descritos através de um simples olhar para a casa azul, sede do grupo e onde acontecem os encontros, reuniões e oficinas. O fato de estas atividades estarem efetivamente acontecendo neste lugar demonstra melhorias da estrutura com a qual nos deparamos ao final de 2010. As intervenções nas instalações sanitárias, a revitalização da pintura da casa e do quintal, permitiram a plena utilização da sede do grupo que anteriormente era utilizada apenas como depósitos para as palhas em épocas de encomendas. Além disso, o acesso à matéria prima, novos equipamentos e mobiliários mais adequados ampliaram as capacidades técnico-produtivas do grupo. Além da casa em si, os produtos encontrados confeccionados pelas artesãs demonstram um grande salto no que diz respeito à inovação e qualidade. Basicamente duas coleções foram desenvolvidas: uma no ano de 2011 e outra no ano de 2012. Os produtos da primeira coleção são resultados das oficinas que buscaram principalmente compreender, juntamente com as artesãs, os processos produtivos e superar os problemas observados, fossem eles na qualidade dos acabamentos e matérias prima utilizados, ou no processo de confecção coletiva nas peças. Falando do desenvolvimento da coleção de produtos em 2012, além de observar uma maior resposta das artesãs nas próprias oficinas, percebe-se também a maior utilização de habilidades que foram aperfeiçoadas no projeto, como a combinação de cores e as técnicas da costura e tingimento. Esta coleção, denominada Origens, procurou desenvolver produtos para públicos específicos e que tivessem

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uma resposta mais rápida do mercado local, já que na primeira coleção não havia ainda canais de comercialização. Estas mudanças, observadas diretamente nos produtos, são resultado de novos posicionamentos das próprias artesãs diante de sua produção. A maior delas é a percepção do grupo da sua capacidade produtiva e do valor existente não só em seus produtos, mas em sua história de vida. Este fato é verificado, por exemplo, durante a composição dos preços das peças de forma mais segura, já que nos primeiros momentos de precificação dos novos produtos havia uma forte desconfiança por parte das artesãs de que o público estaria disposto a pagar valores que representavam muitas vezes o quádruplo daquilo que elas estavam acostumadas a cobrar. Se apossando gradativamente das novidades por elas mesmas co-geradas, em termos de novos modelos de produtos, e de consciência do valor estipulado para eles, as artesãs passaram a participar de forma mais ativa das oficinas (fossem elas focadas mais em design, comunicação ou gestão), potencializando assim as construções coletivas. Outra meta objetivada desde o início do projeto era o aumento da visibilidade do grupo. Principalmente durante o primeiro ano do projeto, as Mulheres da Palha foram pauta em praticamente todos os veículos de comunicação da região. A criação de um blog e perfis em redes sociais também ampliou a divulgação do grupo e permite que o público acompanhe as atividades que acontecem semanalmente na casa azul. Um ponto que vale ressaltar foi a repercussão que houve na mídia local do lançamento do cordel que aconteceu no segundo semestre de 2011, pois além da presença de parceiros do projeto e comunidade, compareceram também todos os canais de tevê locais. Este evento aconteceu em um momento importante na trajetória do projeto, pois, se durante a organização, as artesãs não se envolveram de forma muito efetiva, com a repercussão que o lançamento alcançou, as mulheres começaram a compreender a dimensão das ações que estavam sendo realizadas ali e seu poder transformador. Mais que isso, a exposição da sua própria imagem trouxe também a percepção da responsabilidade que elas tinham para que o projeto tivesse êxito. Aliado aos resultados de divulgação do grupo, podemos também elencar o início da inserção dos produtos no mercado. Os produtos foram expostos para venda em eventos na universidade e feiras da região. Um fato importante a ser observado é a reaproximação com a Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte, reconhecido também pelo nome de Mestre Noza. A esta entidade estão associados artesãos que trabalham em diversas tipologias, com destaque para as esculturas em madeira, e o artesanato da palha da carnaúba. Devido à desarticulação das mulheres do horto, os canais de comercialização mediados pelo Mestre Noza, não estavam sendo aproveitados pelas artesãs. A mobilização devida ao projeto levou ao estreitamento das relações com o Mestre Noza, oportu-

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nizando a participação em feiras nacionais como a XIII FENEARTE28 e à requisição por parte das próprias artesãs de um espaço dentro da Associação destinado aos produtos em palha. Além disso, após um curso de Design promovido pela Ceart – um dos canais mais vislumbrados pelas artesãs desde o início do projeto - alguns produtos foram encomendados e outros estão em processo de avaliação para posteriores negociações. Também no âmbito acadêmico, podemos elencar inúmeros ganhos. Os bolsistas envolvidos no projeto conseguiram de sobremaneira superar obstáculos de limitações técnicas devido à falta de experiência, desenvolveram sua capacidade de comunicação e trabalho em equipe. A reflexão das atividades práticas, dos desafios enfrentados e dos aprendizados adquiridos foi realizada de diversas formas através da leitura e produção de textos para apresentação em eventos, articulação da prática em disciplinas e até no desenvolvimento de projeto de conclusão de curso, cujo tema central foram as experiências vivenciadas junto às artesãs da Rua do Horto. Consideradas as dificuldades de comunicação e os problemas de convivência que caracterizaram o começo do projeto, algumas posturas adotadas foram de fundamental importância para a conquista destes resultados. A separação e percepção de hierarquia inicialmente existentes entre as artesãs e o grupo da universidade foram quebradas em diversos momentos, mas principalmente pela atividade de imersão na palha que ocorreu logo nos primeiros meses do projeto. O fato das artesãs terem, naquele momento, o papel de ensinar ao grupo da universidade o trançado da palha, pôs em cheque a premissa implícita de que os conteúdos das oficinas deveriam ser “passados” da universidade para a comunidade, e deixou claro o convite à construção conjunta de novos conhecimentos. Além disso, o fato de que, nos primeiros encontros, o tema principal fosse o trançado da palha, enquanto conhecimento das próprias artesãs, evidenciou que a principal preocupação era valorizar a expertise delas. 4. Considerações finais Encaminhando a finalização destas notas, propomos considerar os resultados alcançados pelo projeto até este momento e as perspectivas do grupo apoiado, a partir de duas dimensões principais. Chamaremos elas de “objetiva” e “subjetiva”. Com a primeira, queremos apontar para os avanços observáveis no nível das competências técnicas, nos diversos âmbitos envolvidos pelo ofício artesanal. Como destacamos ao longo do texto, e não vamos repetir aqui, não há dúvida de que as Mulheres da Palha ganharam fortes elementos de capacitação relativos ao seu negócio. Os avanços são 28

Feira Nacional de Negócios do Artesanato que acontece anualmente no Centro de Convenções de Olinda-PE.

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perceptíveis, apesar dos muitos desafios no que diz respeito à valorização do trabalho artesanal pelas próprias artesãs e pela comunidade em que estas estão inseridas, passando pelo estímulo ao aumento da autoestima e da inserção social do grupo. Quanto à que chamamos de dimensão subjetiva, colocamos aqui a pergunta sobre a capacidade do nosso projeto ter conseguido mudar elementos mais sutis, dos que remetem às competências técnicas e gerenciais. Seguimos refletindo: especialmente quando o foco principal for o da geração de renda para se sair de condições de marginalidade extremas, é recorrente uma visão reducionista, que imagina tal condição superável apenas proporcionando o acesso a novas competências técnicas para estes excluídos. No entanto, novas competências, de qualquer tipo elas sejam, não são suficientes para mudar a situação, pois estes sujeitos são moldados, corpos, corações e mentes, pelas dificuldades que enfrentaram ao longo da vida. Apreender novas técnicas é só o primeiro passo, mas o mais difícil é ter a confiança suficiente para explorar formas inovadoras de estar em grupo e em sociedade e apreender novas formas de relacionar o mundo. A dificuldade dessas mulheres em lidar com os conflitos emergentes no dia a dia da convivência grupal, a resistência em poder reconhecer terem errado, ou pedir desculpas, ou reverter a posição tradicional que antepõe o individual ao coletivo, são todos elementos que deixam aberta a questão da sobrevivência do grupo no médio e longo prazo, após do encerramento do projeto financiado pelo Banco Santander. Acreditamos que este questionamento tem validade geral, muito além dos limites do nosso projeto e que, a partir dele podemos lançar um olhar mais profundo em muitos projetos de incubação e de extensão no geral. É para isso que servem as duvidas, para nos levar mais a frente na busca de soluções. Rereferências GIANNELLA, V.; MACHADO, V.; TAVARES, E. As metodologias integrativas como ampliação da esfera pública. In, Gestão Social como Caminho para redefinição da esfera pública. Schommer, Paula, C., Boullosa, R. F. (orgs), UDESC Editora, Florianópolis, 2011. __________.; MOURA, M. S. Gestão em redes e metodologias não convencionais. roteiros de Gestão social. CIAGS, UFBA, Salvador, 2009. SINDICARNAÚBA. Relativo à produção de artesanato. Disponível em: . Acesso em: 20 de setembro de 2012.

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Capítulo 6: Os Desafios da Incubação de uma Cooperativa de Crédito Solidário Kecya Nayane Lucena Brasil, Antônia Olga Correia de Moura, Augusto de Oliveira Tavares, Eduardo Vivian da Cunha ...................................................................... Introdução Este relato é o resultado da experiência de incubação realizado pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS) junto à Cooperativa de Crédito e Economia Solidária do Cariri (CREDSOL). O processo teve início no começo do ano de 2010 com o objetivo de contribuir com seu desenvolvimento socioeconômico através de articulação das parcerias e organização de feiras de economia solidária na Região. Para tal, logo percebemos que seria necessário, ao mesmo tempo, atuar no sentido de fortalecer as relações de sociabilidade do grupo, fomentando a participação entre os seus membros na perspectiva de que se tornassem um grupo autônomo e autogestionário. A incubação foi encerrada em junho de 2012 com alguns avanços e ainda muitos desafios. Os dados empíricos utilizados neste relato foram coletados a partir dos relatórios produzidos depois das reuniões, encontros e demais atividades realizadas com o grupo, como planejamentos participativos, feiras, visitas às comunidades associadas, etc. além da observação direta que nos proporcionou compreender melhor a dinâmica das relações entre os associados e das lideranças com estes e a comunidade. Para auferir informações mais específicas sobre o trabalho da Cooperativa e traçar o perfil dos cooperados, foram aplicados questionários com quarenta agricultores. Para elaboração deste relato, lançamos mão ainda de uma pesquisa bibliográfica, através da qual fundamentamos as nossas reflexões. Dessa forma, além de compartilhar uma experiência de incubação com outros pesquisadores da área, a fim de discutir metodologias de incubação, esperamos contribuir para dar visibilidade à sociedade da existência de outras formas de organização econômica, política, social e cultural que se apresentam como uma alternativa viável à economia competitiva instalada na nossa sociedade.

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2. Um Diálogo Entre Economia Solidária e Cooperativismo A ITEPS tem atuado no Cariri junto aos empreendimentos de economia solidária, associações, cooperativas e grupos informais. Os conceitos e princípios desta economia apontam um novo paradigma dentro da economia de mercado tradicional típicas do capitalismo. Segundo Singer (2002) a economia solidária é um modo de produção diferente do capitalismo, que tem como características a cooperação, a autogestão e a liberdade individual. Segundo o autor supracitado, a cada dia cresce no Brasil o número de excluídos sociais que buscam se reinserir produtiva e socialmente a partir da organização em empreendimentos solidários. A economia solidária assume assim o desafio de contemplar todas as pessoas interessadas em uma alternativa econômica mais justa e solidária. Segundo Laville e Gaiger (2009) a economia solidária traz a idéia de solidariedade, contrastando com o individualismo, que é um comportamento econômico presente na sociedade capitalista. Para esses autores, o termo de Economia Solidária: [...] foi cunhado na década de 1990, quando, por iniciativa de cidadãos, produtores e consumidores, despontaram inúmeras atividades econômicas organizadas segundo princípios de cooperação, autonomia e gestão democrática, tais como: cooperativas de produção e comercialização, empresas de trabalhadores, redes e clubes de troca, sistemas de comércio justo e de finanças, grupos de produção ecológica, etc. Essas atividades apresentam em comum a primazia da solidariedade sobre o interesse individual e o ganho material, o que se expressa mediante a socialização dos recursos produtivos e a adoção de critérios igualitários. (LAVILLE; GAIGER, 2009, p. 162)

De acordo com a citação acima, tal termo surgiu a partir de iniciativas de produtores e consumidores que se organizaram ao redor da solidariedade e da cooperação. A partir de então “[...] essa vertente tem cumprido um papel de alargamento da experiência humana, ao manter vigentes outros princípios de produção de bens, de organização do trabalho e de circulação da riqueza, distintos da racionalidade estrita do capital” (LAVILLE; GAIGER, 2009, p.163). Esse tipo de economia favorece espaços de organização bem mais amplos, seu foco não é apenas o capital financeiro, mas também as relações humanas, onde há a possibilidade de troca de experiências, e de relacionamentos interpessoais solidários e cooperativos. Assim:

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A economia solidária é mais rica do que a sua face conhecida, o que torna fundamental ampliar e aprofundar a sua apreensão, para melhor conceituá-la e avaliar suas potencialidades. Inserindo-a no debate pulsante em torno das possibilidades de construção de alternativas. Talvez mais que dantes, precisamos de uma economia na qual o desenvolvimento social não seja uma preocupação subsidiária, relegada a mecanismos compensatórios, uma economia cuja lógica intrínseca implique e estimule a cooperação e a reciprocidade, em benefício da equidade e da justiça social. (LAVILLE; GAIGER, 2009, p. 167).

Ainda segundo os mesmos autores, a organização em cooperativas de consumo, produção e de crédito foi um marco que antecedeu a Economia Solidária. As cooperativas atuais trabalham com princípios que também perpassam a economia solidária, como os de participação, cooperação e autogestão. Segundo Maia (1985), a cooperação supõe necessariamente a liberdade de trabalhar em comunidade. Assim ela possui duas condições importantes e imprescindíveis: liberdade e comunidade; trabalho livre e grupal. Nesse sentido se opõe fundamentalmente à competição e concorrência. Sobre a questão do surgimento das cooperativas, Melo (2006) aponta que a primeira delas, em bases associativas formais, surgiu no período da Revolução Industrial, na cidade de Rochdale – Inglaterra (1844), onde 28 artesãos que haviam perdido suas funções na manufatura têxtil, organizaram-se com o objetivo de juntos manterem seu trabalho. O ponto básico do agrupamento era a participação de todos para o crescimento comum. No Brasil, o marco inicial foi em 1847, quando o médico francês Jean Maurice Faivre fundou no interior do Paraná uma colônia em bases cooperativas – A Colônia Tereza Cristina A primeira cooperativa de crédito surgiu em 1902, em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. Segundo Maia (1985) a cooperativa é uma sociedade cujos donos são os próprios produtores, autogerida por um grupo de seus representantes, que elimina a relação empregado/empregador e outros mecanismos de dominação. As cooperativas não possuem independência absoluta, sua autonomia funciona obedecendo às leis já estabelecidas e aceitas. Conforme Melo (2006), os princípios do cooperativismo atualmente são os seguintes: adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos membros; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação e interesse pela comunidade. Atualmente, muitas cooperativas trabalham utilizando os princípios da Economia Solidária, tais como cooperação, autogestão e a participação, e isso procurando afastar-se da competição instigada pelo Capitalismo. Tais princípios têm papel de

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destaque na atuação das incubadoras tecnológicas, pois são indispensáveis para os processos de desenvolvimento da totalidade (econômico, político, social e cultural) desses empreendimentos. Considerando esses fundamentos básicos passamos agora a descrever o processo de incubação da ITEPS junto à CREDSOL, avaliar os percalços encontrados e discutir criticamente os resultados alcançados. 3. Contexto e História da CREDSOL A CREDSOL está localizada na cidade do Crato, extremo sul do estado do Ceará, mais propriamente no sopé da Chapada do Araripe, fazendo parte da Região Metropolitana do Cariri. Segundo dados do IBGE (2009), a cidade do Crato, distante 588 km de Fortaleza, possui área total de 1.009,202 km2, sua população é de 136.259 habitantes, com densidade de 114,0 hab./km2. Sua altitude é de 425m e o seu clima é tropical. A economia local é baseada na agricultura de feijão, milho, mandioca, arroz, monocultura de algodão, cana-de-açúcar, castanha de caju, hortaliças, banana, abacate e diversas frutas. Na pecuária extensiva destaca-se criação de bovinos, ovinos, caprinos, suínos e de ave. De acordo com as informações do IPECE (2009) a Renda Per Capita do município atinge R$ 4.849,00 com PIB a preços de mercado de 500.444,00 mil reais. O setor de serviços é o principal responsável pelo PIB interno com aproximadamente 79,21%. O setor industrial responde por aproximadamente 17%, enquanto que o agropecuário responde por apenas cerca de 3,80%. Diante destes dados, percebe-se a importância e o potencial ainda pouco desenvolvido da produção agrícola do município, sendo que dispõe de uma extensa área rural e de terras férteis, estando em uma localização estratégica que facilita o escoamento da produção para os mercados consumidores. Foi neste cenário que alguns agricultores se reuniram, com o intuito de viabilizar um empreendimento capaz de favorecer os pequenos produtores, principalmente aqueles que produzem apenas para subsistência, proporcionando o crescimento da produção agrícola, através de uma cooperativa de crédito, a CREDSOL. A CREDSOL foi fundada no dia 30 de abril de 2002, por 30 sócios, na sua grande maioria trabalhadores rurais, tendo como objetivos: desenvolver programas de poupança, de uso adequado do crédito e de prestação de serviços, praticando todas as operações próprias de cooperativas de crédito; proporcionar assistência financeira aos seus associados para o desenvolvimento de suas atividades específicas, buscando apoiar e aprimorar a produção, a produtividade e a qualidade de vida; fomentar o cooperativismo através da formação educacional de seus sócios. Vale sa-

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lientar que inicialmente chamava-se Cooperativa de Crédito Rural dos Agricultores Familiares da Micro-Região do Crato – COOPERCRATO, no entanto, como a sua atuação se daria em alguns municípios da Região do Cariri, tais como Farias Brito, Caririaçu, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha e Jardim, com pretensões futuras de inclusão de mais municípios, ficou decidido em Assembléia que passaria a se chamar Cooperativa de Crédito e Economia Solidária do Cariri – CREDSOL, como ficou conhecida na Região- por este motivo o presente artigo sempre se refere à CREDSOL - mas, é importante ressaltar que até o presente momento, legalmente ainda é denominada COOPERCRATO. A administração da CREDSOL se dá através de uma Diretoria composta por 5 (cinco) membros, todos associados, eleitos pela Assembléia Geral com mandato de 3 (três) anos, podendo ser reeleitos, sendo 1 (um) Diretor Presidente, 1 (um) Diretor Administrativo, l (um) Diretor Operacional, 1 (um) Diretor de Formação Política e Capacitação Profissional, 1(um) Diretor de Filiação e Organização. A sede da cooperativa é um imóvel alugado, bem localizado e amplo, é na sede que acontece todas as reuniões ordinárias e extraordinárias. As reuniões ordinárias acontecem mensalmente, sempre nas últimas segundas-feiras de cada mês, no período da manhã. Atualmente conta com 109 (cento e nove) associados, atendendo um número de aproximadamente 80 (oitenta) famílias, que estão distribuídas em sua maioria na zona rural dos municípios acima citados, existindo também sócios na zona urbana. 4. Relato da Experiência 4.1. Primeiros contatos: processo de aproximação A procura pela incubação partiu da própria CREDSOL através de um dos seus sócios, que assume uma posição de liderança no grupo, depois de tomar conhecimento da existência de um projeto que trabalhava com o acompanhamento a empreendimentos populares e solidários, ligado à Universidade. Após alguns diálogos, a proposta de incubação foi acolhida pela equipe da ITEPS que logo em seguida iniciou um processo de pré-incubação. No dia 11 de Janeiro de 2010 realizamos uma visita à sede da Cooperativa onde ocorreu a primeira reunião, que contou com a participação de dezessete associados e teve como principal ponto de discussão o início da parceria. A partir de uma dinâmica para levantamento das demandas, algumas questões foram sendo articuladas pelos próprios associados como: a importância de trabalhar a conscientização, a luta pelos direitos e a capacidade de desenvolver a independência dos trabalhadores rurais e a necessida-

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de da busca por apoio financeiro, pois a cooperativa encontrava-se sem crédito para funcionar. No geral, fomos recebidos com entusiasmo pelos sócios da Cooperativa que demonstraram confiança e expectativa em relação ao trabalho a ser realizado. Já nos primeiros contatos percebemos a necessidade de conhecer de maneira mais sistemática o perfil do empreendimento, ou seja, sua forma de organização interna, tipo de relação entre os cooperados bem como a situação do controle financeiro e contábil. Essa foi uma das primeiras preocupações da ITEPS. Inicialmente, a partir da observação direta durante as reuniões, visitas informais e eventos, fomos produzindo relatórios descritivos sobre a situação em que se encontrava a Cooperativa a partir do relato dos participantes. A fim de aprofundar o conhecimento sobre as peculiaridades da cooperativa e identificar as demandas, foi realizado um diagnóstico participativo e a aplicação de questionários. Para isso visitamos diferentes localidades, visitando as casas onde quer que houvesse sócios cooperados. Tendo sido realizado em quase todas as propriedades rurais um georreferenciamento (GPS), necessário na descrição dos limites e características das propriedades rurais, definimos o roteiro de localidades a serem visitadas: Sítio Pai Mané, Minguiriba, Sítio Engenho da Serra, Batateira, Muriti, Mirandão, Malhada e Caboclo em Crato e o Sítio Coité em Barbalha. Ao todo foram respondidos 40 questionários, distribuídos entre as cidades citadas. Com esse instrumento, foi-nos possível identificar as condições socioeconômica, educacional e cultural dos associados, além de situações específicas relacionadas ao trabalho no campo, ou seja, ao manejo agrícola. Além disso, os questionários formaram uma base de dados que proporcionam a elaboração de artigos acadêmicos29 apresentados e publicados em encontros científicos. Com a tabulação dos dados, podemos constatar que os agricultores ligados à CREDSOL têm idade média de 56 anos; nível baixo de escolaridade; a maioria não possui esgoto sanitário; queimam o lixo ou o depositam em terreno baldio; todos acham importante a participação na agricultura; a maioria pratica a agricultura para a subsistência familiar. O item mais cultivado é o feijão, seguido do milho e depois outras culturas como a fava, arroz e mandioca. Na criação de animais destaca-se a avicultura, seguida da caprinocultura e bovinocultura. 70% dos produtores rurais praticam a queimada30 seguida do destocamento e desmatamento. 29

BRASIL, K. N. L.; CORREIA de MOURA, A. O.; CUNHA, E. V.da – Práticas de Economia Solidária: incubando uma Cooperativa de Crédito Solidário – IV ENAPEGS 2012 – São Paulo – SP. 30 A queimada é uma prática de limpeza do terreno para o cultivo, muito utilizada no Nordeste, fazendo parte de um hábito cultural, sendo por isso, difícil de ser combatida e prevenida. Provoca um impacto ambiental degradante para o meio ambiente, tanto na química como na fertilidade e biologia dos solos.

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Consideramos esse primeiro momento da aproximação inicial e diagnóstico como de “pré-incubação”. Posteriormente estabelecemos a incubação propriamente dita, que “[...] articula assessoria e formação com diferentes ritmos, conteúdos e métodos pedagógicos” (CRUZ, 2004, p.50), A partir daqui o acompanhamento se deu através de reuniões semanais, planejamento de atividades diversas, organização das feiras, capacitações e palestras, estabelecimento de parcerias e sistematização dos documentos para o funcionamento da Cooperativa. Para Cançado (2007) a incubação envolve algumas premissas que devem ser cuidadosamente respeitadas, não diminuir a autonomia do grupo, trabalhando as ações em conjunto com os cooperados; cada grupo tem um ritmo próprio de funcionamento que deve ser respeitado; deve haver veracidade nas informações do diagnóstico realizado; e devem ser apresentados ao grupo incubado os resultados da incubação, ou seja, o feedback. Estes cuidados sempre estiveram presentes em cada uma de nossas ações, embora as contingências e circunstâncias do processo dificultassem a adesão a esses princípios, ou, pela necessidade de celeridade e objetividade das ações, alguns fundamentos acabassem sendo negligenciados. 4.2. Relato das ações desenvolvidas O diagnóstico seguido de um planejamento participativo nos permitiu definir com maior clareza, diante às características do grupo, quais seriam as nossas prioridades. A primeira delas foi tentar fomentar o fortalecimento do grupo. Para tal, adotamos duas estratégias: provocar, entre eles, uma reflexão crítica sobre a realidade social local na qual estavam inseridos e promover ações de fortalecimento de uma identidade coletiva. Todo o nosso trabalho assumiu como princípio o imperativo de promover uma participação democrática, acreditando, conforme Pereira que “para que a participação consciente dos associados ocorra é necessária a utilização de metodologias de intervenção que os conduza a uma reflexão crítica sobre seu papel na organização e o papel da organização na sociedade local, regional e global”. (PEREIRA, 2009, p. 123). Uma dessas metodologias é o planejamento participativo. No nosso caso contamos com a presença de 50 sócios da CREDSOL e foi realizado no auditório do SEBRAE - Crato, no dia 08 de fevereiro de 2010, durante um dia inteiro (manhã e tarde). No primeiro dia do planejamento, período da manhã, houve uma dinâmica de apresentação sugerida pela equipe da ITEPS. Cada associado fez sua apresentação pessoal de forma descontraída, informando seu nome e uma de suas qualidades

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pessoais. Essa dinâmica, além de “quebrar o gelo” teve o propósito de valorizar cada um dentro do grupo e criar laços de afinidade. Em seguida, fizemos uma pequena introdução acerca do trabalho desenvolvido pela ITEPS, e sobre as necessidades e especificidades dos empreendimentos solidários. Como estratégia para o diagnóstico participativo, adotamos a metodologia da “matriz FOFA” que se apresenta como um instrumento capaz de captar informações sobre o ambiente externo e interno de uma organização, a partir da leitura das forças, oportunidades, fraquezas e ameaças enfrentadas. No nosso caso foram quatro grupos (ver Figura 1) que assumiram a missão de, refletindo sobre a Cooperativa, identificar esses elementos. Após o processo de partilha nos pequenos grupos, reunidos em assembleia, foram propostos os seguintes encaminhamentos: a) necessidade de buscar estabelecer parcerias com outros empreendimentos do gênero bem como com os órgãos públicos e privados; b) facilitar os processos de capacitação, oficinas e seminários; c) buscar recursos financeiros para o desenvolvimento econômico da cooperativa; e d) fomentar a motivação, o cooperativismo e a participação ativa entre os membros.

Figura1: associados em trabalho em grupo no diagnóstico participativo

No mesmo encontro, foram apontados os objetivos estratégicos que a Cooperativa queria alcançar: crescimento da Cooperativa para o auto-sustento, garantindo crédito para os cooperados; e construção da sede própria. No dia 24 de abril de 2010 foi realizada a conclusão do planejamento de ações, com definição de prazos e pessoas responsáveis pela execução das atividades. As ações prioritárias a serem realizadas foram às seguintes: a) buscar parcerias; b) realizar palestras com estudantes nas universidades; c) organizar eventos para arrecadar recursos; d) resgatar os cooperados que estão desmotivados; e) aumentar o número de sócios; f) facilitar o acesso ao primeiro crédito; g) elaborar projetos; h) pensar na organização de bancos comunitários; i) trabalhar a cadeia produtiva e a comerciali-

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zação, bem como a produção e a comercialização de produtos orgânicos. Durante todo o planejamento, os sócios contribuíram com o processo de construção das informações, o que produziu um sentimento de satisfação na equipe da ITEPS e entre os agricultores que, ao final do encontro, reconheceram o diagnóstico como uma produção deles. Embora pontual, essa foi a nossa primeira conquista, tendo em vista desmobilização inicial no qual o grupo se encontrava. Na continuidade da incubação, outras ações da Cooperativa foram acompanhadas de perto pela ITEPS, com a organização e mobilização para o Grito da Terra Brasil31, na qual foram elaborados cartazes e cartas a serem entregues para as autoridades municipais, sindicais, ONGs e cooperativas, explicando a importância do movimento, seus objetivos, propostas e reivindicações, além de convidá-los a participar do evento. Como resultados desta mobilização, foram realizadas algumas reuniões com representantes do poder público, entre secretários e prefeitos da região (especialmente Juazeiro do Norte e Barbalha) assim como com instituições e órgãos de apoio ligados à luta pelas melhorias nas condições de vida do pequeno agricultor. O objetivo desses encontros foi discutir as pautas contidas no documento elaborado pelo movimento e dalí, propor encaminhamentos. O trabalho de incubação da ITEPS junto a CREDSOL destacou-se também pela elaboração e acompanhamento de projetos, tais como: a) projeto para construção da sede própria da CREDSOL; b) projetos produtivos comunitários (de aproveitamento da banana no Sítio Pai Mané e de aproveitamento do Pequi na comunidade da Minguiriba); c) apoio a construção de uma feira regional de Economia Solidária. A feira teve o propósito de abarcar transversalmente todos os projetos da incubadora, tornando-se um elemento aglutinador das iniciativas de economia solitária acompanhadas pelas ITEPS. Vale ressaltar que, além destas iniciativas, o processo de incubação implicou em um acompanhamento sempre presente no cotidiano da Cooperativa, fomentando algumas ações, ajudando a planejar e organizar outras, mas sempre respeitando a autonomia do grupo. Nesse sentido foram realizadas: palestras sobre Economia Solidária e Cooperativismo; acompanhamento na mobilização para o Grito dos Excluídos; apoio para o abaixo assinado sobre o Limite da Terra; a realização de três feiras anuais (ver Figura 2). A “Cariri Frutas” em fevereiro; a “Feira das Culturas” em maio, e a EXPOFAM (Feira de Economia Solidária) em outubro. Além disso, 31 O Grito da Terra Brasil é um movimento existente desde 1995, e que tem como objetivo apresentar aos governos federal, estaduais e municipais uma série de reflexões, reivindicações e desejos gerados com base nas necessidades da agricultura familiar brasileira. Esse manifesto é organizado por movimentos sindicais e federações ligadas aos trabalhadores rurais.

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acompanhamos o processo de organização de rifas para arrecadar fundos a fim de contribuir com as despesas da manutenção da sede; articulação e ampliação de parcerias; elaboração de cartas e convites para os eventos e reuniões da Cooperativa; construção do Fórum de Economia Solidária do Cariri; orientação jurídica para resolver problemas internos da Cooperativa; processo eleitoral e mudanças no estatuto; leitura e esclarecimentos para os sócios sobre o estatuto; auxilio com a sistematização das informações, e resgate de informações perdidas;

Figura 2: associados expondo e comercializando na EXPOFAM

Estas e as outras atividades desenvolvidas em conjunto foram decorrentes do diagnóstico e planejamento participativos. Por esses mecanismos pudemos ter maior clareza do caminho a ser percorrido, rediscutindo e replanejando os objetivos e meios para alcançá-lo a cada etapa. No entanto, apesar da incubação ter nos levado a essas realizações, fomos percebendo que o grupo tinha dificuldade em desenvolver um espírito de autonomia e aprimorar o engajamento necessário para avaliar, por conta própria, suas ações e tomar as decisões necessárias ao enfrentamento dos graves problemas estruturais que a impediam de crescer como cooperativa e empreendimento solidário. Entre esses problemas que iam além do nosso alcance podemos citar: desatualização de dados cadastrais junto ao Banco Central, já que não possuía os balancetes anuais dos anos 2009, 2010, 2011, 2012, não existiam as atas das assembleias desses períodos e não tinham acesso ao sistema online exigido pelo banco. O controle fiscal e contábil da Cooperativa era de responsabilidade da ASCOOB, Associação das cooperativas da Bahia, que prestava assessoria a CREDSOL, elaborando o plano de viabilidade e fazendo o controle financeiro, tais como cálculos de custos e despesas, e relatórios. No entanto, por motivo até hoje ignorado pela diretoria da CREDSOL, a ASCOOB afastou-se levando consigo os documentos mencionados acima.

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Além disso, a CREDSOL responde a um processo na justiça por direitos trabalhistas, promovido por uma agente de crédito que trabalhava na Cooperativa, mas era paga por outra instituição. Quando deixou de receber o salário, processou a Cooperativa que era onde exercia a profissão. Estas questões aqui levantadas foram motivo de muitas reuniões e debates entre a equipe da ITEPS e a CREDSOL em busca de caminhos que conduzisse a alguma solução. No entanto, a ausência de sócios interessados em atuar mais ativamente na Cooperativa, assumindo a diretoria e se comprometendo com o enfrentamento dessas questões e com os treinamentos e formações para exercer a gestão do empreendimento de forma autogestionária, foi o que redundou no afastamento temporário da ITEPS para que o grupo buscasse se organizar por contra própria e a ITEPS fizesse um balanço da sua atuação até o momento. 5. Considerações Finais O trabalho de incubação contribuiu com a realização de diagnósticos e planejamentos da cooperativa, dessa forma seus sócios foram tomando consciência de quem são, do que querem e como querem alcançar seus objetivos. Apesar do processo ter revelado alguns impasses, não podemos deixar de considerar que algumas metas foram alcanças. Os trabalhos de planejamento e diagnóstico foram bem sucedidos e transcorreram de forma participativa, com a colaboração dos agricultores. Foi possível construir, a partir do olhar e da percepção do próprio grupo, um perfil peculiar. Os resultados do diagnóstico confirmaram a importância da cooperação e da participação dos membros no enfrentamento das dificuldades e por isso insistimos em ações que visaram fortalecer a participação e construir uma identidade coletiva. A realização das feiras de economia solidária durante os anos de 2010, 2011 e início de 2012, demonstrou um potencial de agregar os agricultores em torno de um objetivo comum e estabelecer parcerias. Com o auxílio da ITEPS as feiras tiveram continuidade foram ganhando visibilidade e reconhecimento na Região do Cariri. As palestras e oficinas sobre agroecologia, sustentabilidade, comercialização solidária, consumo consciente, realizadas durante as feiras foram uma forma articulada de associar a comercialização com a educação ambiental e a formação. Outro destaque foi o esforço coletivo da CREDSOL e da ITEPS em busca de recursos do Fundo Estadual de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (FEDAF) que infelizmente não pode ser concedido por a Cooperativa não ter como cumprir itens obrigatórios, tais como: Estrutura física e funcional adequada; sistematização das informações; funcionamento regular e contabilidade regularizada.

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Na tentativa de reestruturar a Cooperativa e conquistar legitimidade diante dos órgãos oficiais, foi enviado para o Banco Central uma Ata da Assembléia Geral Ordinária e Extraordinária sobre as Eleições do Conselho Administrativo e Fiscal para o mandato de 2011 a 2014 e reforma do Estatuto Social, para a devida aprovação. Até o encerramento do processo de incubação, o Banco Central ainda não havia emitido o parecer. Percebemos que, talvez, a principal fragilidade da CREDSOL esteja no fato de a maioria de seus sócios não se interessarem por assumir suas funções administrativas e de gestão. Em palestras e cursos de formação, enfatizamos reiteradas vezes que a Cooperativa deve ser administrada a partir da autogestão, de forma democrática e autônoma. Assim, todos os sócios devem participar da gestão, cada um a sua maneira e em sua função, sabendo que devem conhecer todo o funcionamento da cooperativa conforme lembra Singer, 2002, p. 19. [...] além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais da empresa”, além disso, todos devem buscar ter conhecimento de tudo o que ocorre na Cooperativa, pois “Para que a autogestão se realize, é preciso que todos os sócios se informem do que ocorre na empresa e das alternativas disponíveis para a resolução de cada problema”. No caso da CREDSOL, a falta de uma participação mais ativa e duradoura; a desmotivação; a ausência do espírito de cooperativismo, a falta de recursos financeiros para fornecimento de crédito aos sócios e para arcar com as despesas constantes de aluguel, água e luz, e o despreparo técnico para lidar com a burocracia exigida pelo Banco Central, representam as principais dificuldades, verdadeiros nós górdios da questão. Observamos que a presença de um número expressivo de agricultores ocorre apenas em momentos nos quais se promove eventos específicos ou no qual há um interesse particular dos sócios. O espírito associativista ainda não está arraigado à identidade do grupo. Nesse sentido, a participação dos associados é precária e concentrada em um pequeno número de pessoas. Expressão disso é a falta de conhecimento do Estatuto Social da Cooperativa, mesmo este tendo sido construído coletivamente. Este fato nos leva a questionar a efetividade e a qualidade da participação interna dos cooperados no cotidiano da CREDSOL. Neste contexto, destacam-se algumas lideranças que concentram as decisões, ditam os rumos da Cooperativa e assumem um estilo de gestão marcado por um alto grau de personalismo. Percebemos que a realização da capacitação para o autocontrole administrativo e financeiro e o trabalho para o desenvolvimento de relações de sociabilidade voltado para o cooperativismo foram iniciativas acertadas dessa experiência de incubação, embora os agricultores não tenham se apropriado desse conhecimento para

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favorecer a sua organização interna. Para superar esse desafio, um novo Conselho Administrativo foi eleito e novas prioridades foram estabelecidas, principalmente a busca por arrecadar recursos financeiros para compor os fundos da cooperativa. Consideramos que em todo trabalho de incubação encontram-se possibilidades e limites. O acompanhamento feito pela ITEPS junto a CREDSOL não foi diferente. Como apontamos anteriormente, um dos principais limites foi à falta de recursos humanos com interesse em desenvolver atividades administrativas. Seus membros não assumiram os trabalhos burocráticos, não se apropriaram dessas funções. Assim, o trabalho que deveria ser desenvolvido com eles passou a ser desempenhado para eles, o que, em algumas situações acabou desvirtuando a proposta da incubação. Além disso, faltou o conhecimento da real situação financeira e administrativa em que a Cooperativa se encontrava devido à ausência de documentos básicos como balancetes e cadastros de sócios, o que dificultou uma intervenção mais precisa neste aspecto. No entanto, observamos também várias potencialidades em relação a este grupo. Como por exemplo, a disponibilidade e o desejo para entrada de novos sócios e para o aumento das parcerias. Percebemos uma facilidade de receber cursos, capacitações e oficinas de parceiros como universidades e outras instituições. A efetivação de algumas parcerias governamentais e a adesão às políticas públicas para o setor, dão uma certa vitalidade à Cooperativa. Além disso, o trabalho desenvolvido pelos agricultores, sócios da cooperativa, tem importância econômica no mercado local, pois trabalham com agricultura familiar e orgânica, e se estes forem bem geridos e comercializados podem propiciar um desenvolvimento sustentável para as famílias envolvidas na atividade. Avaliamos, no entanto, que alguns princípios da incubação foram negligenciados pela equipe da ITEPS que, objetivando resultados mais céleres, realizou atividades pelos cooperados, assumindo assim a função que seria deles. No entanto, conscientes dessa falha, levamos conosco esse aprendizado para que não se repita nas novas práticas. Diante da experiência relatada pudemos compreender que o trabalho de incubação vai além de obter resultados objetivos de satisfação econômica imediata, já que deve atentar para o cuidado com os sujeitos, compreendendo suas histórias de vida, suas experiências sociais, educacionais, culturais e psicológicas, para que a partir daí o desenvolvimento almejado ocorra em todos os âmbitos de sua vida e no seu tempo.

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Capítulo 7: O Fórum Caririense de Economia Solidária como Espaço de Articulação de uma Outra Economia Danilo Ivo Feitosa, Maria Laís dos Santos Leite, Eduardo Vivian da Cunha ....................................................................................... 1. Introdução Os fóruns de economia solidária se caracterizam como modos de auto-organização política do movimento de economia solidária, e geralmente funcionam como um espaço para o debate político sobre o lugar de cada um destes modos, sobre as relações que eles mantêm entre si e com os poderes públicos, um espaço para a reivindicação de direitos, de discussão de políticas públicas existentes e de debates de ideias (FRANÇA FILHO, 2007). O Fórum Caririense de Economia Solidária vem então com a proposta de integração e diálogo entre uma variedade de atores sociais do Cariri Cearense, buscando congregar os empreendimentos econômicos solidários (atividades de artesanato, produção de agricultura familiar, costura, eventos culturais, cooperativas e outros), as entidades de apoio e fomento (universidade, faculdades, empresas privadas e estatais) e o poder público local. Este trabalho tem por objetivo analisar e relatar a experiência da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS) junto ao Fórum Caririense de Economia Solidária (FOCAES). Para construção deste trabalho coletou-se dados por meio de entrevistas abertas com os participantes, durante as reuniões e plenárias com os membros, relatórios técnicos da atividade de incubação, documentos e a participação nos processos de incubação do Fórum Caririense de Economia Solidária e ainda por meio do embasamento teórico acerca da Economia Solidária e das experiências relatadas sobre os Fóruns. 2. Algumas considerações sobre Economia Solidária As transformações nos processos de trabalho e nos modos de produção acabam por criar uma parcela da sociedade que não se enquadra no mercado de traba-

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lho tradicional, para tanto se torna necessário que se criem mecanismos que viabilizem a inserção desta parcela no mercado de trabalho, surgindo à economia solidária como alternativa de geração de trabalho e renda, neste contexto (GAIGER, (200x). Como nos traz Bocayuva (200x) a economia solidária é a forma radical e crítica ao capitalismo na atualidade, que nasce das inúmeras iniciativas de valorização de práticas organizativas, de resistência material e social, voltada para dinâmicas produtivas e reprodutivas no quadro de crise social e das relações de trabalho. A economia solidária, parte da autonomia e centralidade do trabalho vivo, como potencial constituinte de novas dinâmicas de disputa da hegemonia na transição sócio-produtiva, que marca atual etapa do capitalismo internacional em rede global. (BOCAYUVA, 200x). Esta economia pode ser definida como um conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizados sob a forma de autogestão, sendo os resultados econômicos, políticos e culturais partilhados pelos participantes, sem distinção de gênero, idade e raça. Assim, o ser humano é considerado na sua integralidade como sujeito e finalidade da atividade econômica. Neste sentido, há a concepção do Termo de Referência do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), que diz que: A economia solidária compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, empresas autogestionárias, redes de cooperação, complexos cooperativos, entre outros, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. (SIES, 200x, p.01).

Vale salientar que as experiências coletivas ligadas a esta economia estão sendo em parte viabilizadas no Brasil por meio de uma parceria estabelecida entre o Estado, por intermédio do Programa de Economia Solidária – vinculado a SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidária) -, e outros setores governamentais, juntamente com instituições da sociedade civil – incluindo o Fórum de Economia Popular Solidária -, e pelas incubadoras universitárias – direcionadas para a geração de renda. Essas experiências acabam por atenuar os conflitos de classe, uma vez que possibilitam a geração de emprego e renda aos sujeitos, sendo também funcionais ao sistema, na medida em que, apoiadas pelo Estado, objetivam viabilizar economicamente estes empreendimentos (GOERCK; BULLA; DAMASCENO, 2010). O conceito da economia solidária abrange uma realidade muito diversificada, formada por associações, cooperativas e também grupos informais, originados

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por motivações e iniciativas distintas, peculiares a cada região e circunstância. É constituída por empreendimentos em que a solidariedade, a cooperação, a partilha dos rendimentos, de conhecimentos e de informações entre seus integrantes e a autoajuda constituem-se em elementos norteadores dessas experiências (GOERCK; BULLA; DAMASCENO, 2010). Pode-se afirmar que a Economia Solidária no Brasil está relacionada com três aspectos que se complementam entre si: a) Um projeto socioeconômico, político e cultural que visa ao desenvolvimento humano dentro dos princípios democráticos e de respeito ao meio ambiente a partir de relações sociais de produção autogestionárias antagônicas às do sistema capitalista; b) Um conjunto de empreendimentos econômicos solidários – associações cooperativas de produção, de serviços, de consumo e de crédito – que tenta se organizar em redes e fóruns com o apoio de movimentos sociais, ONG’s, Igrejas, sindicatos – instituições da sociedade civil –; c) Um segmento social que reivindica políticas sociais de apoio ao cooperativismo e associativismo, bem como solicita também, um Novo Marco Legal para o trabalhador associado e para os empreendimentos coletivos de geração de trabalho e renda (LECHAT, 2006 apud GOERCK; FRAGA, 200x).

Salienta-se que a solidariedade é o elemento central que norteia o processo de trabalho entre os sujeitos nos empreendimentos de economia solidária, constituindo, portanto, uma forma dos sujeitos contestarem o sistema, seja por meio dos princípios desses empreendimentos ou pela compreensão dos mesmos em relação ao modo de produção e comercialização existente, em que predomina a individualidade, a competitividade e a consequente exclusão social (GOERCK; FRAGA, 200x). Os integrantes destas experiências se contrapõem a lógica do capitalismo, tentando encontrar outras formas de comercialização de seus produtos e serviços – para além do processo de produção. Entre estas estão à criação da moeda social, de redes de trocas, de bancos comunitários, e de inúmeros eventos, como encontros e feiras, normalmente promovidas em conjunto com as instituições de apoio a sociedade civil organizada – como os fóruns de economia solidária. (GOERCK; FRAGA, 200x). Os fóruns constituem-se em espaços que podem ser institucionalizados ou não, dependendo da sua complexidade e de seu aspecto de formalização, já que eles têm entre seus objetivos a facilitação da participação popular. Tais espaços reagrupam o conjunto das diversas partes que participam de um movimento de economia solidária: pesquisadores, entidades de apoio e fomento, gestores públicos e os

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próprios integrantes dos empreendimentos, cujo engajamento nos fóruns ocorre de maneira fundamentalmente voluntária. (FRANÇA FILHO, 2006). 2.1. Os Fóruns de Economia Solidária Caracterizados como um dos modos de auto-organização política do movimento de economia solidária, os fóruns surgem a partir da necessidade de superar o desafio da sustentabilidade, que necessita não só de incentivos nas iniciativas econômicas, mas da atuação em “outras frentes”, como a união de atores em busca de reconhecimento institucional (FRANÇA FILHO, 2007). Os fóruns geralmente funcionam como um espaço para o debate político sobre o lugar de cada modo de auto-organização, sobre as relações que mantêm entre si e com os poderes públicos, um espaço para a reivindicação de direitos, de discussão de políticas públicas existentes e de ideias/elaboração de outras. (FRANÇA FILHO, 2007). Conforme nos esclarece França Filho (2007), os fóruns são espaços de reunião de atores, numa dimensão ampla, pois além dos participantes de empreendimentos, supõem a participação de representantes de instituições públicas e entidades de apoio e fomento, se impondo como interlocutores privilegiados do movimento de economia solidária junto ao Estado, especialmente junto à Secretaria Nacional para Economia Solidária (SENAES). Como trazido por este mesmo autor, tem-se que as funções de um Fórum de Economia Solidária, vão desde ações pontuais, relativas à organização do movimento de atores com origens bastante diversificadas, constituindo-se como tarefa principal intervir na definição de políticas públicas, através do encaminhamento de proposições. Sendo assim, os fóruns desempenham um papel decisivo na mudança institucional necessária para a consolidação deste campo: a instituição de um quadro de regulação jurídico-político, de um marco legal que permita legitimar e fortalecer a especificidade das práticas de economia solidária. As tentativas de fortalecer o seu desenvolvimento têm como objetivo tornar mais legítimo o campo da economia solidária, por isto a relação com os poderes públicos torna-se importante. Ao mesmo tempo em que reivindicam sua autonomia enquanto espaço de atores da sociedade civil, os fóruns se abrem para uma relação de interdependência em relação ao estes poderes. (FRANÇA FILHO, 2007). Pela possibilidade de promover um processo de interlocução política, os fóruns apresentam maior grau de institucionalização no campo da economia solidária. Porém, destaca-se a difícil pretensão dos fóruns, reunindo e tentando unificar atores com características e origens distintas e práticas também diferentes. Trata-se de um

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processo muito difícil, doloroso às vezes. A história ainda muito recente dos fóruns estaduais revela níveis de conflito e de desgastes importantes, porém tal dinâmica é parte constitutiva do processo de organização social e política do movimento, acabando por funcionar como um processo de aprendizado da democracia para os diversos atores. (FRANÇA FILHO, 2007). O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) é um instrumento do movimento da Economia Solidária, um espaço de articulação e diálogo entre diversos atores e movimentos sociais pela construção da economia solidária como base fundamental de outro desenvolvimento sócio econômico do país que queremos (FBES, 2010). O FBES tem duas finalidades principais: 1. Representação, articulação e incidência na elaboração e acompanhamento de políticas públicas de Economia Solidária e no diálogo com diversos atores e outros movimentos sociais ampliando o diálogo e se inserindo nas lutas e reivindicações sociais; 2. Apoio ao fortalecimento do movimento de Economia Solidária, a partir das bases (FBES, 2010). Após essa contextualização acerca da Economia Solidária e dos Fóruns de Economia Solidária, passaremos para análise e descrição da experiência do Fórum Caririense de Economia Solidária (FOCAES). 3. O Fórum Caririense de Economia Solidária: Histórico e Ações O Fórum Caririense de Economia Solidária surgiu como um dos encaminhamentos do Seminário de Integração Teoria e Prática em Desenvolvimento Local/ Territorial e Economia Solidária, realizado em 13 de Marco de 2010, e promovido pela Universidade Federal do Ceará. Este seminário contou com a participação de mais de 130 pessoas, de onze municípios cearenses (Altaneira, Araripe, Barbalha, Caririaçu, Crato, Fortaleza, Icó, Juazeiro do Norte, Milagres, Missão Velha e Tarrafas) que representaram mais de 60 entidades entre associações, cooperativas, instituições do poder público, ONG’s, sindicatos e instituições de ensino superior, que validam o tripé empreendimentos de economia solidária, entidades de apoio e fomento e poder público local, tal como é a estrutura sugerida para a composição de fóruns de economia solidária e como se estrutura o Fórum Brasileiro e os estaduais. Como sequencia deste encontro, no dia 26 de junho de 2010, na Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri realizou-se o I Encontro do Comitê Pró-Fórum Caririense de Economia Solidária. Depois deste encontro, o qual se sucederam mais sete reuniões, em locais diferentes dentro de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha/ CE, o Fórum Caririense de Economia Solidária foi inaugurado em dezembro/2010, na Exposição de Produtos da Economia Solidária de Base Familiar (Expofam), rea-

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lizada no Parque de Exposição do Crato, pela coordenação provisória que havia sido instituída no Comitê Pró-Fórum. Neste encontro inaugural, que contou com cerca de 50 participantes de diversos municípios da Região do Cariri, forma realizados debates que envolveram o mapeamento da economia solidária da SENAES (no sentido de se compreender a realidade da região) e o próprio histórico de constituição do fórum. Neste momento foram, também, definidas as primeiras diretrizes que deveriam pautar o funcionamento do Fórum Caririense: por meio de discussões em grupos e em plenária, definiram-se os pontos que deveriam estar presentes no estatuto da organização então inaugurada. Estes envolveram questões como os objetivos deste fórum; o perfil dos seus participantes; a composição da coordenação da sua coordenação (que deveria, majoritariamente, conter empreendimentos econômicos solidários) e o seu mandato; a frequência, o formato e as atribuições das reuniões plenárias. Três encaminhamentos mais centrais foram tomados neste momento: elegeu-se uma coordenação provisória do fórum (que deveria permanecer seis meses, quando seria substituída pela permanente após a realização de eleições para tal); estabeleceu-se que o estatuto deveria ser redigido em um tempo breve; e definiu-se que o fórum se reuniria ordinariamente toda a terceira quarta-feira de cada mês, iniciando-se pelo mês de fevereiro de 2011, quando seria feita uma avaliação sobre a realização da feira que estava em realização (Expofam). Após este encontro o fórum deveria, então, se reunir de forma rotativa entre as cidades de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, todas pertencentes à região do Cariri Cearense. A disciplina da realização das reuniões foi mantida, sendo que ela ocorreu em praticamente todos os meses desde então até o mês de agosto de 2012, especialmente por insistência da sua coordenação provisória. Algumas exceções (de não realização da reunião) ocorreram em períodos de férias (janeiro e fevereiro) e em algumas eventualidades pontuais, o que permitiu a realização de cerca de 30 encontros neste período. Entretanto, após quase dois anos de reuniões, o estatuto ainda não teve sua redação finalizada, e a sua coordenação definitiva ainda não foi empossada. Dentre estes vários encontros, a participação chegou a até um mínimo de cinco pessoas. A base de participantes frequentes se apresentou, assim, relativamente pequena (menos de 10 pessoas desde o início das suas atividades), o que dificultou o avanço destas discussões. Em dezembro de 2011 realizou-se a quinta edição da Expofam (de fato, neste momento a feira passou a se chamar “Feira Caririense de Economia Solidária”) sob a organização do fórum, na cidade de Barbalha. Assim como o próprio fórum deveria

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realizar reuniões de forma rotativa entre os três municípios da região citados, a feira seguiria esta mesma programação, porém de forma anual. As articulações dentro do fórum para a efetivação deste evento começaram cerca de dois meses antes da sua realização, e contou com a participação intensa de diversos atores do município onde ele se daria, com destaque ao poder público local, presente em poucos momentos de construção deste espaço até então. No final do mês de Julho de 2012 foi realizada a Feira das Frutas Cariri, evento que teve a pretensão de estimular o cultivo familiar e agroecológico das frutas (em quintais produtivos ou até mesmo nas casas dos agricultores familiares) fazendo um resgate da tradição frutífera da região. No dia 30 de julho de 2012 o fórum realizou a II Plenária Local de Economia Solidária no intuito de aquecer o debate e escolher os representantes do Cariri para a V Plenária Nacional de Economia Solidária. Depois da plenária local, os delegados escolhidos foram para a plenária estadual (que ocorreu em setembro de 2012), no sentido de levar os debates locais para o nível estadual e de escolher os representantes para a participação nacional. Do fórum local foram escolhidas 5 pessoas para representar o estado neste momento nacional. Entre os dias 27 e 31 de Agosto de 2012 o fórum realizou o Curso Estadual de Comercialização e Finanças Solidárias no município do Crato, atingindo cerca de 40 participantes. O momento também foi propicio para intensificar os preparativos para a II Feira Caririense de Economia Solidária / VI EXPOFAM, à se realizarem no Juazeiro do Norte/CE. Este curso foi realizado por meio de uma articulação da ITEPS com o Centro de Formação em Economia Solidária da Região Nordeste. Observou-se, após este período de intensas atividades, que nos últimos meses (entre junho e setembro de 2010), houve um aumento do número de participantes e da estabilidade desta participação, nas reuniões do fórum, o que tem permitiu algum avanço na sua agenda de trabalho, dando ensejo a que o estatuto esteja prestes a ser finalizado. Uma outra ressalva a ser feita aqui, e que traz um elemento para a justificativa da demora nesta finalização é sobre a metodologia escolhida para a validação do estatuto: esta deve se dar sempre quando está presente um número significativo de participantes, e todos devem estar cientes do que está sendo decidido. Como os participantes tendem a variar de uma reunião para outra, as dúvidas acabam sendo retomadas e o debate reiniciado. Atualmente, uma diversidade de atores compõem o Fórum Caririense. Ao todo 53 instituições participaram de suas reuniões até o mês de agosto/2012. Entre elas estão os empreendimentos de economia solidária – como a Associação Engenho do Lixo e a COOPERCRATO, entidades de Apoio e Fomento – como a ITEPS/UFC,

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e o Poder Público – Secretários de Desenvolvimento e Agricultura de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte. Estes atores consolidaram as primeiras reuniões do Fórum e também a coordenação provisória. 4. Limites e Avanços a) Oscilação na participação: Um fator limitante do processo é a oscilação marcante na participação dos grupos nas plenárias, pois em alguns momentos conta-se com mais de 60 atores e em outros momentos estas plenárias não atingem 10 participantes. Nota-se maior participação nos meses que são marcados por eventos, como as feiras, e menor participação nas discussões políticas e na militância pelo movimento da economia solidária. Esta oscilação afeta a fluidez dos trabalhos do fórum quando se leva em consideração que o fórum se movimenta a partir da construção coletiva, logo, se o coletivo não está firmemente delimitado, ou se se formam novos grupos frequentemente os novos participantes precisam passar por um momento de “nivelamento” para que se possa assumir algumas atividades ou tomar partido em algumas discussões atrasando o fluxo das discussões e o desenvolvimento das ações planejadas. b) Ausência de lideranças que assumam a coordenação: Acerca da organização do fórum, sua coordenação atua em caráter provisório, distribuída entre a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS), a Cooperativa de Crédito do Crato (CRESOL) e o projeto Brasil Local desde sua fundação por não conseguir pessoas engajadas o suficiente para assumir as obrigações da coordenação exigindo que as atividades desenvolvidas até o mês de agosto/2012 envolvam também a discussão do estatuto do fórum, que fechará esta e outras questões referentes ao seu funcionamento. c) Processo de Empoderamento dos participantes: Pelo visto, a autogestão exige um esforço adicional dos trabalhadores na empresa solidária: além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais do empreendimento (SINGER, 2002). Os membros conheciam não só suas tarefas, mas também as atividades realizadas pelos outros companheiros do Fórum, ajudando-se mutuamente.

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O FOCAES trabalha de modo a montar grupos de trabalho (GT’s) compostos pelas organizações que integram as reuniões do fórum para tratar demandas específicas, o funcionamento destes GT’s é acompanhado pela coordenação provisória do fórum, que leva seus componentes à integrar como supervisor cada um dos GT’s e os outros atores que compõem o fórum assumem espaço em cada grupo de trabalho de acordo com a sua conveniência e alinhamento. O apoio do Fórum na organização das feiras de Economia Solidária consolida o desenvolvimento da autogestão no grupo. A gestão participativa abriu espaço para que todos os seus membros exercessem tarefas nos diferentes grupos de trabalho. Na feira organizada em dezembro de 2011, por exemplo, havia o grupo de comunicação, o de captações de recursos, infra-estrutura, articulação, cultura e divulgação, mas mesmo em atividades diferenciadas, em grupos diferentes, os membros do Fórum continuaram participando de todo o processo de construção das feiras, pois permaneceram tendo conhecimento sobre as tarefas executadas nos demais grupos. d) Natureza do processo de incubação realizado: No caso do acompanhamento por parte da ITEPS ao fórum caririense, é delicado referir-se à realização de um processo de incubação. No início das atividades do fórum, desde o encaminhamento do seminário de 2010, entretanto, a incubadora assumiu o compromisso de fomentar este espaço, estimulando-o a cumprir o seu papel dentro do movimento da economia solidária. Se estabeleceu, desde então, um processo um tanto sui generis, se considerarmos os debates sobre a incubação, já que ao assumir a postura de instituição a fomentar o espaço (ou seja, próxima da atuação de uma incubadora), a ITEPS é, ao mesmo tempo, um ator integrante desta organização. Ou seja, ela não se coloca por fora, como um apoiador de um processo ou empreendimento que pode se afastar dele em algum momento, mas sim faz parte organicamente deste mesmo empreendimento. Com isto, se estabeleceu um risco, desde o início, que é o de assumir um papel excessivamente central no processo de constituição do Fórum Caririense. De fato, a atuação da ITEPS foi decisiva para ajudar o fórum a se manter funcionando regularmente, por meio do estímulo constante à participação dos demais atores. Tal fato gerou, como era de se esperar um certa dependência da incubadora para a realização das ações do fórum. A grande questão que se estabeleceu desde o início era como lidar com este fato e tornar os atores do fórum e o próprio fórum como ente coletivo empoderados nas ações a serem realizadas. A principal estratégia adotada foi a de levar os demais a protagonizar falar e ações dentro do espaço, evitando, em adição, a participação isolada em quaisquer ações encami-

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nhadas pelo fórum. Hoje, observa-se que tal estratégia vem surtindo efeito, especialmente nos momentos em que outros atores provocam a realização das reuniões ordinárias ou extraordinárias ou pautam discussões e encaminhamentos importantes no espaço. 5. Considerações Finais Com este projeto, a ITEPS, caminha no sentido de atender a um dos seus objetivos que é identificar potencialidades de segmentos sociais ou profissionais que desejam constituir-se em empreendimento associativo ou cooperativo, e revitalizar os empreendimentos de grupos solidários ou individuais que necessitam de uma nova reestruturação para sua reinserção no mercado. Dentre os fatores limitantes, ressalta-se a oscilação na participação dos grupos nas plenárias e a ausência de lideranças que assumam e deem continuidade à coordenação, fatores que, de fato, estão intimamente conectados. O Fórum Caririense surge da articulação dos próprios atores, de forma um tanto tímida, entretanto, percebe-se um crescimento das atividades, pois a adesão de interessados é cada vez maior, especialmente nos últimos encontros relatados, sugerindo boas perspectivas para o futuro. O fórum apresenta características de autogestão, onde a participação, comunicação e atividades são realizadas por membros representantes de cooperativas, sindicatos, associações, poder público e de entidades de apoio e fomento. É importante salientar, que os membros se sentem parte importante da construção e progresso do Fórum, assumindo responsabilidades, visando dinamizar ações que repercutam positivamente no processo de logística e exequibilidade do fórum. Como já exposto, a metodologia das reuniões é participativa, sendo que, os próprios membros conduzem o andamento das discussões das pautas, todos têm liberdade para fazer colocações, sugestões, avisos e solicitações de apoio a seus empreendimentos. Deste modo, constata-se que o Fórum Caririense de Economia Solidária, apesar de suas limitações, possui relevância, pois contribui para a formação social de seus participantes, os quais se tornam mais estruturados e aptos para as atividades de produção e geração de renda denotando uma consequente melhoria de vida de trabalhadores inclusos nas experiências coletivas, uma vez que também, estabelece parcerias, sendo estas essenciais para o desenvolvimento dos empreendimentos, facilitando e ampliando as possibilidades de atuação. Outro aspecto relevante está relacionado com a experiência vivenciada, na qual se procurou analisar a organização do processo de trabalho em experiências de economia solidária, localizada na região do Cariri, tendo como perspectiva também a elevação da politização e participação dos sujeitos inclusos nestes empreendimentos.

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Capítulo 8: Ação-Reflexão-Ação: Ressignificando a atuação da ITEPS/ UFC-Cariri no Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação dos Catadores de Barbalha-CE Maria Laís dos Santos Leite, Valéria Giannella Alves ............................................................................... 1. Introdução A incubação de economia solidária é frequentemente exercida por incubadoras universitárias, caracterizadas como entidades de apoio e fomento que assumem, muitas vezes, funções de captação de recursos, busca de parcerias (e mediação destas relações), de desenvolvimento dos grupos, participação na organização dos mesmos, entre outros. Este trabalho objetiva refletir sobre o processo de incubação realizado pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários-ITEPS/UFC-Cariri no Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação dos Catadores de Barbalha-CE, trazendo à tona elementos problemáticos desse processo: a função de mediação entre empreendimentos e poder público e as metodologias utilizadas no trabalho com os grupos, ressaltando o uso das metodologias integrativas e não convencionais como uma alternativa potencial para a atuação no campo da gestão social. Utilizamos como marco teórico os conceitos de incubação de França Filho e Cunha (2007) e França Filho (2007), as discussões sobre a utilização das metodologias integrativas e não-convencionais na gestão social trazidas por Giannella (2008, 2009), tendo como base, ainda, os documentos (relatórios, atas, projeto, livros de atas das reuniões e da pesquisa com os catadores realizada em março 2010). 2. A Incubação em Economia Solidária: Singularidades e Desafios A incubação de empreendimentos econômicos solidários, em grande parte realizada por incubadoras universitárias, tem algumas particularidades em relação à incubação voltada para o mercado, e assume, muitas vezes, funções de captação de recursos, busca de parcerias (e mediação destas relações), de desenvolvimento dos grupos, participação na organização dos mesmos, entre outros. No Brasil, a incu-

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bação de microempresas (ou seja, não específica de empreendimentos econômicos solidários), teve início em 1982, com a criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) que objetivavam uma aproximação entre universidade e empresas privadas e a descentralização do desenvolvimento tecnológico, conforme nos apontam França Filho e Cunha (2007). Desde lá já se conta com mais de trezentas experiências deste tipo espalhadas pelos estados brasileiros, que demonstram a inversão da lógica tradicional do direcionamento do investimento da pesquisa antes voltada quase que exclusivamente ao mercado e agora para o trabalho ou a sociedade. (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2007). Quanto às diferenças que podem ser percebidas entre a incubação voltada para o mercado e a incubação em economia solidária, França Filho e Cunha (2007) destacam que a segunda está voltada para um público de baixa renda que se organiza, na maior parte dos casos, em pequenas cooperativas e que neste processo normalmente não incidem taxas como um componente importante dos subsídios sobre os empreendimentos incubados. Outra diferença é que as iniciativas incubadas também não são abrigadas pelas instalações das Incubadoras, a exceção de alguns casos de Incubadoras públicas. Uma diferença de fundamental importância é, justamente, o recorte que faz com que a incubação em economia solidária lide principalmente com empreendimentos solidários, preferencialmente no formato de cooperativas, incitando a constituição de processos de autogestão nos empreendimentos criados. (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2007). França Filho e Cunha (2007) acreditam ainda que a incubação de cooperativas, especialmente as realizadas pelas ITCPs, realizam papéis significantes no desenvolvimento da economia solidária, tanto no que diz respeito aos empreendimentos (contribuindo com a capacitação e a legalização, com o objetivo de diminuir a situação de precariedade e criando condições para uma renda digna aos participantes deste), como na participação na articulação de políticas públicas para geração de trabalho e renda. Além disso, destaca-se a organização das próprias ITCPs, através de congregamentos de redes nacionais, no Brasil, a Unitrabalho e a rede de ITCPs, onde estão inseridas as mais de 130 Incubadoras tecnológicas de cooperativas populares espalhadas pelo Brasil. As Incubadoras tecnológicas, caracterizadas no campo de economia solidária, como entidades de apoio e fomento, são estruturas organizativas dedicadas à assessoria dos empreendimentos econômicos solidários. Tais entidades podem ser organizações não governamentais com tradição no trabalho de organização popular ou de assessoria aos movimentos sociais. Podem, também, ser ONGs sem tal tradi-

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ção, mas que detém expertise no trabalho e na organização de base social, ou num segmento específico das práticas de economia solidária. Podem ser, ainda, estruturas organizativas criadas no seio de Universidades, ligadas à centros de pesquisa ou programas de extensão, ou, finalmente, podem ser estruturas de coordenação de redes. (FRANÇA FILHO, 2007). Em geral, as entidades de apoio e fomento contam com uma base profissional altamente qualificada. Elas representam, de certo modo, a porção da sociedade civil mais organizada e institucionalizada atuando no campo da economia solidária. Seu papel é fortemente marcado pelo caráter de mediação social entre o mundo dos empreendimentos solidários (EES), com suas lógicas próprias, e as injunções relativas ao universo institucional no qual se inscrevem esses empreendimentos. O fomento e o apoio fornecidos pelas entidades de apoio e fomento (EAFs) costumam colocá-las como corresponsáveis, ao menos temporariamente, do processo de gestão dos empreendimentos, com vistas à consolidação do seu processo de sustentabilidade. (FRANÇA FILHO, 2007). 3. Um Desafio no Processo de Incubação: o papel de mediador na relação empreendimentos e poder público A atuação no processo de incubação de empreendimentos de economia solidária muitas vezes exige dos coordenadores, técnicos e bolsistas envolvidos um papel de mediação e construção dialógica entre os diferentes atores envolvidos, seus interesses e sua visão frente ao projeto, em especial com os possíveis parceiros, muitas vezes, o poder público. Parece corriqueiro falar da necessidade de um trabalho conjunto e harmonioso entre os componentes para o desenvolvimento do trabalho e na transposição das dificuldades. Mas, na relação com os parceiros, se percebe a diversidade de visões, tempos, interesses e o que num primeiro momento nos parece como positivo, passa a se apresentar como um grande desafio. O que geralmente nos “toma” são as dificuldades de auto-organização dos atores do movimento de economia solidária diante da necessidade de superar o desafio da sustentabilidade, já que se necessita não só de incentivos nas iniciativas econômicas, mas da atuação em “outras frentes”, como a união de atores em busca de reconhecimento institucional (FRANÇA FILHO, 2007). As discussões sobre o lugar de cada parceiro no projeto, as relações que mantêm entre si e com os demais, a discussão das ações e a forma de construção do projeto; tudo isso pressupõe escolhas teóricas e metodológicas, concretizadas em ca-

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pacidade e sensibilidade comunicativa que resulta praticamente num olhar diferente lançado aos empreendimentos e seus participantes. Enquanto os incubados buscam e precisam da melhoria imediata da qualidade de vida e das condições de trabalho, que pode ser manifestada por um aumento de sua renda, a incubadora precisa, além do mais, contribuir com a formação dos estudantes, com a produção acadêmica, em satisfazer o papel extensionista da universidade e, porque não, garantir renda para os envolvidos. Diga-se de passagem, que, em alguns casos, inexiste uma reflexão apropriada sobre as dificuldades de um papel assistencialista, e sobre as diferenças de poder, falta de autonomia dos incubados, etc. Diante de pontos de vista tão diferentes se impõem desafios na intervenção e promoção do desenvolvimento para a sustentabilidade das iniciativas do movimento de economia solidária; intervenção que tem por finalidade superar a precariedade e conseguir impactar o contexto mais geral da realidade onde esse movimento se instaura, para além dos benefícios concedidos àqueles mais diretamente envolvidos nas iniciativas ou empreendimentos solidários. A necessidade de atuar como mediador e estabelecer o diálogo como prática fundamental em projetos que reúnem e tentam congregar atores com características e origens distintas e práticas também diferentes, se mostra assim, um processo desafiador, muito difícil e, às vezes, doloroso. Até mesmo iniciativas consistentes de interlocução entre empreendimentos de economia solidária, poder público e entidades de apoio e fomento (incluindo as incubadoras tecnológicas), como a dos fóruns estaduais revelam altos níveis de conflito e de desgastes; ao mesmo tempo, tal dinâmica é parte constitutiva do processo de organização social e política do movimento, acabando por funcionar como um processo de aprendizado da democracia para os diversos atores (FRANÇA FILHO, 2007). O que se percebe é a necessidade de refletir sobre estes conflitos, tanto individualmente, como nos espaços de fórum, projetos, e de forma geral os grupos em que se insere. E pensar alternativas para realizar o trabalho, que possam mobilizar, congregar e motivar os atores envolvidos no processo. 4. A Atuação da ITEPS/UFC-Cariri no Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação na Associação de Catadores de Barbalha-CE A Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários - ITEPS/ UFC-Cariri foi chamada pela Prefeitura Municipal do Município de Barbalha-CE a participar, em maio/2009, da elaboração do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE num edital da Funasa.

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O Projeto buscava contribuir para a conscientização da população do município de Barbalha/CE acerca da problemática ambiental, instigando-a ao uso consciente e reutilização dos recursos, além de fomentar a reestruturação da Associação de Catadores do Município de forma sustentável, cooperada e solidária. Objetivava ainda compreender a atual conjuntura ambiental, o destino e a reciclagem dos resíduos sólidos do Município de Barbalha/CE; investigar a situação socioeconômica dos catadores e da associação do município; promover cursos de formação relacionados à política, cidadania, associativismo e cooperativismo para os catadores da associação; orientar a comunidade através de palestras e cursos sobre a degradação ambiental, manejo sustentável dos recursos e reaproveitamento dos resíduos sólidos; educar, através da elaboração de material educativo e informativo, os membros da sociedade barbalhense sobre a importância e os benefícios da instalação da coleta seletiva no município; capacitar e assessorar tecnicamente a associação de catadores de Barbalha/CE; implantar uma usina de triagem de resíduos sólidos no município através da associação de catadores. A influência da prefeitura na existência/manutenção do grupo nos aparece marcante: ela se manifesta em inúmeras modalidades: desde a atração do grupo para a reunião de fundação da Associação dos Catadores de Recicláveis do Município, a busca de apoio através de representantes do Conselho Tutelar, da Vigilância Sanitária, do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), da Secretaria de Obras, Ação Social, da União das Associações de Barbalha (UNAB), da Associação do Bairro; até a procura de contatos com outros grupos com mais experiência, a promoção de oficinas de capacitação e transporte, a assistência alimentícia para as famílias dos associados quando necessário, a compra de equipamentos de proteção individual (EPIs), as informações e contatos que pudessem viabilizar a elaboração e aprovação do Projeto. Por fim, a prefeitura concede aos catadores um galpão, um caminhão e “um dever a cumprir”: eles deverão ajudar a administrar, em conjunto com a Prefeitura, o processo de coleta seletiva do município de Barbalha. (CUNHA et al., 2010). No entanto, o envolvimento e a participação dos “protagonistas”, os catadores, ocorreu de forma pontual, e talvez insuficiente, no momento de elaboração. Quando feito, foi a pedido da equipe da Universidade, em um encontro de cerca de uma hora com dois representantes da associação. Foram apresentados e entrevistados sobre seu trabalho, as condições no lixão, o que eles precisavam, as expectativas em relação ao Projeto. Acontece assim que o grupo em sua maioria, que até então nada sabia deste projeto, e não havia participado de sua elaboração, recebe a notícia de sua aprovação, consequente ao devido procedimento (encaminhamento à Funasa), o que possibili-

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taria a compra de todos os equipamentos do galpão, além de um caminhão próprio. Tratava-se, evidentemente, de uma perspectiva de reestruturação radical e melhora substancial das suas atividades, porém de uma forma não muito clara, nem buscada efetivamente por estes. A partir daquele momento os catadores abandonariam o lugar tradicional de sua atividade, o lixão, para receber o material reciclável dentro do galpão, onde fariam a sua separação para, em seguida, o produto ser vendido para os interessados. Para implementar essa mudança a Prefeitura e a incipiente associação chamaram todos os “associados” para o trabalho dentro do galpão e foi aí que, de forma talvez inesperada, começaram a aparecer às dificuldades de organização coletiva. O que aconteceu foi que nem todos os catadores demostraram interesse em abandonar o lixão para o galpão já que o ganho deles se reduzia cerca de três vezes no segundo com relação ao primeiro (CUNHA et al., 2010). Desta forma iniciaram-se os conflitos que deixaram claro, em breve o empasse que afetava a intervenção da prefeitura: a união do grupo de catadores e a adesão deles aos cursos, a separação dos resíduos nas casas eram, entre outros, os problemas insurgentes, que parecia a prefeitura não estivesse conseguindo resolver pelas modalidades ao seu alcance. Ao mesmo tempo os catadores tinham as suas reclamações: faltava um caminhão que ficasse só à disposição da associação, pois o caminhão cedido pela prefeitura ficava na Secretaria de Infraestrutura, e só podia ser utilizado quando autorizado pelo órgão. Além disto, as pessoas nas casas não estavam colocando o lixo para coleta seletiva, e o material que vinha era quase que totalmente advindo das empresas da região, e que o caminhão buscava sempre que solicitado. (CUNHA et al., 2010). No final, a prefeitura, através de sua Secretaria de Meio Ambiente, se comprometeu a acelerar o processo de divulgação da coleta, mas queria poder contar com a participação dos catadores na atividade; além disto, ela iria organizar a coleta seletiva dentro dos órgãos municipais. Neste momento a universidade (representada pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários, da Universidade Federal do Ceará – ITEPS/UFC- Campus Cariri), foi convidada para acompanhar o processo, e se dispôs a apoiar esta proposta de divulgação e os demais desdobramentos do projeto. Embora com essa nova presença, já começava a se espalhar uma certa desconfiança entre os catadores e a motivação com relação ao projeto, que inicialmente era grande, parecia estar diminuindo; o dinheiro do projeto não saía, “a prefeitura não os compreendia”, o material no galpão era pouco, as pessoas voltando para o lixão eram dia após dia um grupo maior do que o ficava no galpão, as reuniões foram se esvaziando.

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É neste contexto que entra em cena a Incubadora a qual, embora já tivesse participado da elaboração do projeto para instalação da usina de triagem, tinha apenas feito alguns contatos rápidos com a associação de catadores. No entanto, para eles, parecia ser um bom sinal sobre a liberação dos recursos do projeto. (CUNHA et al., 2010), já que era vista como “equipe executora”, e sua inserção vinculada à prefeitura, como ajuda técnica para a implementação da Usina e organização do grupo. Assim, a universidade inicia sua atuação marcando a própria função de apoio ao processo, evidenciando a lealdade com a prefeitura e o compromisso forte com os catadores. Já depois um tempo as reuniões começam a serem marcadas diretamente com os catadores, manifestando a dificuldade de se equacionar a relação com o poder público. Em termos práticos, os recursos do projeto aprovado ainda não tinham sido liberados, mas a Incubadora manifestava confiança de que isso seria logo superado e se dispunha para ajudar os catadores. Os estudantes e professores envolvidos diziam que, mesmo sem o projeto, poderia se iniciar um trabalho de preparação do grupo para receber os recursos, através da sua organização, da capacitação e do aproveitamento do que já existia. A universidade começou a intensificar os encontros dos catadores de forma independente, mas, de fato, isso a colocava em uma situação paradoxal, pois o apoio financeiro ao grupo estava sendo realizado pela prefeitura e a confiança que a Incubadora ia ganhando dependia da “autorização” que essa garantia à iniciativa. As relações de confiança entre o poder público, que era proponente do projeto, e os técnicos, eram abaladas, como manifesto nas tentativas influenciar nas decisões e modalidade de trabalho, nos pedidos e avisos relacionados aos catadores, representados como não dignos de escuta nem de credibilidade. Foi observado que sempre tinha um representante institucional durante as ações da Incubadora; mas, o que antes parecia ser de apoio, depois de um tempo, se aparentou como vigilância, concretizando a insegurança sobre o que se falaria e faria junto dos catadores. Logo nos primeiros contatos, a Incubadora realizou uma pesquisa para conhecer os catadores e conhecer a associação, além do perfil e o destino do lixo do município. Foram aplicados questionários em todos os catadores e visitada a empresa responsável pelo processo de recolhimento do lixo municipal. Os associados começaram a se organizar e a se reunir também com mais frequência na sede da associação. (CUNHA et al., 2010). Com o passar dos dias, alguns problemas se agravavam: em termos práticos, os resíduos não estavam chegando ao lixão, não havia “material” para trabalhar, os moradores da cidade pareciam não se mobilizarem para a separação do lixo. A Secretaria de Meio Ambiente convida alguns catadores para realizar o trabalho con-

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junto de conscientização da população e a recolher o material em alguns bairros, utilizando da “melhor maneira possível” o caminhão disponível. Mesmo com este trabalho sendo realizado, alguns ainda permaneciam no lixão para assegurar a renda dos demais associados, já que lá eles ainda ganhavam mais. No entanto, essa seria só uma situação provisória, até que o recurso prometido saísse, já que a proposta dada pela Secretaria de Ação Social era que todos ganhariam um subsídio quando estivessem fora do lixão e o projeto aprovado pela Funasa entrasse em ação. (CUNHA et al, 2010). Contudo, apesar de toda divulgação realizada, o volume de materiais recicláveis do galpão não aumentava. Razão disso podiam se encontrar no fato que o caminhão nunca estava realmente disponível e, de outro lado, que as pessoas não separavam o seu lixo doméstico. Os catadores eram frequentemente hostilizados pela população, especialmente quando eles se colocavam em campanha visitando suas residências. Com isto, os catadores começavam a ter a impressão de que estavam sozinhos na campanha ambiental, pois além de fazer a maior parte do trabalho de divulgação, não conseguiam o apoio efetivo para implantação do processo de coleta. Suas sugestões eram frequentemente ignoradas pela Prefeitura, mesmo quando eles se dispunham à ação. (CUNHA et al., 2010). Ainda, existiam dúvidas razoáveis com relação ao projeto, visto que, embora o seu lançamento oficial, feito em cerimônia pública por duas vezes, o recurso efetivamente não saía. Era difícil entender o destino dos recursos, e se estes seriam gerenciados pela associação de catadores. Para descontentamento desta, o dinheiro, ao invés de vir direto para a associação viria para a prefeitura, e não constaria nenhuma parcela a ser embolsada diretamente pelos catadores. Assim os meses foram passando e a situação começou a se tornar insustentável. Como o recurso não saía e o volume de materiais recicláveis não crescia, a divisão dos trabalhadores entre o lixão e o galpão provocou uma diminuição na renda de todos, o que resultou em um descontentamento geral. Os que permaneciam no galpão estavam se sentindo frustrados por não conseguir viabilizar a associação, e afirmavam que seus esforços não tinham resultados. Por sua vez, os que continuavam no lixão assistiam a sua renda diminuir sem nenhum tipo de melhoria na sua condição. Estávamos, evidentemente, no meio de um círculo vicioso. A urgência da situação levou à tomada de algumas medidas. O caminhão de coleta de resíduos sólidos foi disponibilizado, uma vez por semana, para que os catadores realizassem sua coleta. Entretanto, eram eles que deveriam organizar seu funcionamento. Além disto, uma cesta básica foi prometida e dada pela prefeitura para

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cada catador que permanecesse na associação e realizasse o trabalho da campanha ambiental. (CUNHA et al., 2010). Mas, nada do que foi feito, parecia suficiente para resolver: a disponibilidade do caminhão não aumentava a quantidade de resíduos, pois as pessoas não separavam, e nem a coleta estava organizada; os catadores que permaneciam no galpão, já se sentiam sem forças para mudar esta situação, pois começaram a sofrer os impactos em sua renda que já se tornava insuficiente para manter sua família; foi acordado que a prefeitura doaria a eles cesta básica, mas algumas semanas depois essa cesta já não era suficiente para motivar os catadores “sobreviventes no galpão”, pois representava apenas uma pequena parte do que eles poderiam ganhar em comparação com seu trabalho no lixão. A partir desse momento quase todos retornam para o lixão e as reuniões entre os catadores e destes com seus apoiadores praticamente não acontecem mais. Eles ainda pediram um último socorro à universidade e à prefeitura, em busca de apoio e soluções. Os dois unidos resolvem, então, procurar os catadores dentro do próprio lixão. Nesta ocasião a fala dos catadores é clara: eles dizem que não é mais possível voltar para a associação, pois precisam sobreviver. Comentam que, no fundo, ninguém quer viver naquelas condições, trabalhando no lixão, mas afirmam que na associação não dava mais para ficar, já que a única garantia que estava lhes sendo dada era uma cesta básica, insuficiente para uma família. Nem mesmo a ameaça de fechamento do lixão, ou a perspectiva do projeto no médio prazo motivava-os mais a tentar novamente organizar a associação. Olhando a situação toda do ponto de vista da Incubadora, assistimos à inversão das expectativas existentes com relação ao projeto: o que antes se configurava tão produtivo e apaixonante no relato dos bolsistas e demais envolvidos, se torna, de repente, um fracasso. A equipe envolvida, desmotivada, discordava da forma de lidar da Prefeitura com os catadores, mas, ao mesmo tempo, muitas vezes, acabou se comportando como ela, deixando os catadores a margem das decisões. A incubadora se apresentou, desde o início da história, como especialista em resolver problemas em Projetos com grupos populares e assim foi considerada pela a associação e mais ainda pelo o poder público. No entanto, ela encontrou um ponto de impasse, sem conseguir atingir seu objetivo de contribuir com a capacitação e a legalização do empreendimento, nem com a diminuição da situação de precariedade e na criação de condições de renda digna aos participantes deste. E para não ficar travada numa situação estagnada, sem enxergar outra saída, a universidade se retira do processo, devido à situação geral, mas principalmente

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devido ao fato de não poder manter uma equipe trabalhando no projeto (estudantes, técnicos, etc.), já que o recurso do projeto elaborado, sobre o qual eles também contavam, ainda não estava disponível. A prefeitura também ficou paralisada diante da situação, sem ideias nem instrumentos para agir diante dela. O papel da ITEPS neste processo de incubação, nós dá oportunidade para muita reflexão. Em primeiro lugar nos pede buscar, enquanto grupo, uma maior formação da equipe, trabalhando a “humanização” das relações, e a busca de metodologias adequadas para trabalhar com os grupos e para nos relacionar internamente. Em particular, repensar o acontecido, ressignificá-lo, a partir de instrumentos teóricos que não nos ocorreram naquele momento, abre hoje umas pistas a se explorar. 5. As Metodologias Integrativas e Não-Convencionais32 como Possibilidade do Trabalho com Grupos no Campo da Gestão Socia Podemos nos perguntar: como seria uma intervenção que, por ser participativa, se preocupasse com a inclusão dos sujeitos pelo que eles realmente são, ou, dito de outra forma, com a inclusão, em nossas práticas, de seres humanos integrais? Observamos, por exemplo, que trabalhamos com os catadores baseados em modelos teóricos que, ainda, privilegiam a racionalidade analítica e os códigos lógico-verbais: entrevistamos, aplicamos questionários, nos pautamos em leis e procedimentos administrativos e burocráticos. Tudo isso é natural, certo, conforme os padrões científicos pelos quais fomos criados; mas, quanto disso faz sentido para os sujeitos que pretendemos envolver? Quais são, de fato, as forma própria desses sujeitos interpretarem o mundo? As suas preocupações imediatas, de sobrevivência, têm chances de serem interceptadas pelos nossos métodos? A nossa tentativa de usar de métodos participativos, chegou a acolhê-los em suas especificidade? Isto é, os reconhecemos enquanto seres operantes com base em razão e emoção, ambas as quais, muitas vezes, não procedem pelos mesmos caminhos supostos pela racionalidade científica? (GIANNELLA, 2008). O campo que propomos explorar é o das chamadas Metodologias Integrativas e não Convencionais do qual Giannella (2009) afirma: 32 O referencial que aqui chamamos das Metodologias Integrativas e não convencionais surgiu em 2007 a partir da consideração de práticas participativas e assumia, então, apenas a definição negativa de MnC. Justificávamos esta posição com o argumento de que era muito mais claro o que não queríamos do velho paradigma do que já o que sabíamos como seria o novo. A partir de então alguns passos forma dados. Um grupo heterogêneo de pesquisador@s se envolveu nesta viagem e hoje nos sentimos mais seguros para afirmar as Metodologias Integrativas em sua dimensão propositiva. A dimensão da integração entre dicotomias classicamente postas nos parece o ponto chave da prática que precisamos desenvolver. Para mais informações veja o site do Paidéia: www.paideia.tk .

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Começamos a vislumbrar partes de um novo marco teórico, começamos a nos dar conta das inconsistências entre as nossas ambições e o que fazemos para concretizá-las (metodologias e técnicas que usamos); entre nosso discurso (nossas retóricas) e nossas ações. Falamos, há quase duas décadas, de inclusão e participação, mas nossos métodos e técnicas ainda privilegiam, evidentemente, os que sabem, os que dominam os códigos da racionalidade linear e instrumental, os que têm poder (de informação, de fala e de oposição). Chegamos a ignorar que essas formas de expressão são, apenas, uma parte limitada de nossas possibilidades expressivas enquanto humanos, e que é preciso se re-apropriar de outras formas que o paradigma convencional nos levou a esquecer. (GIANNELLA, 2009, p. 14).

Estão incluídas, entre estas metodologias, as muitas técnicas voltadas à mobilização da inteligência coletiva, à gestão de trabalho de grupo, a análise, interpretação e solução participativa de situações problema. Que objetivam: O acesso a uma percepção mais rica e integrada do real, tais técnicas incluem o recurso às artes e ao lúdico como instrumentos potencialmente poderosos, porque tocam teclas, despertam e legitimam sensibilidades outras com respeito àquelas puramente racionais; meios que nos levam a integrar as nossas múltiplas inteligências – a analítico-racional com a estética, a intuitiva, a sensível – dando um fim ao longo domínio de uma visão unívoca e mono-dimensional do real. Isso nos interessa na perspectiva de abrir espaço para uma expressão muito mais rica e completa do humano, refletindo diretamente nas formas com as quais ele poderá e saberá interferir na esfera pública. Dito de outra forma, todos os esforços para abrir a esfera pública à participação efetiva dos cidadãos serão pautados na consciência de que precisamos “destronizar” o código analítico-racional e multiplicar as formas de leitura, interpretação e simbolização da realidade de acordo com a riqueza das capacidades humanas. (GIANNELLA, 2009, p. 16).

E pelo objetivo, de pensar os elos possíveis entre as práticas em construção da Gestão Social e os múltiplos processos criativos que o ser humano é capaz de alimentar para ler e interpretar a realidade que ele transforma e da qual é transformado (GIANNELLA, 2009), as Metodologias não Convencionais surgem como uma “ferramenta” de grande potencial, de forma específica para o trabalho com grupos que sofrem exclusão radical e marcada marginalização social e econômica. Nesses contextos a busca de se envolver os atores de forma realmente ativa e protagonista, pede inovações teóricas e metodológicas que, talvez, apenas começamos a vislumbrar.

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6. Considerações Finais Repercorrendo este episódio podemos considerar que o projeto fracassou e buscar os múltiplos fatores que contribuíram para tanto. Por um lado, a Prefeitura pode ter errado na tentativa de “fundar” uma associação sem se preocupar com a real atrativa que essa estratégia teria para os futuros associados. Pelo outro, os catadores nunca pareceram capazes de se apossar realmente do projeto, assim que resta a dúvida se realmente lhes foi dada a oportunidade para se integrarem de maneira diferente. Por fim, também precisamos refletir sobre a atuação da incubadora, a qual fracassou, talvez pela sua inexperiência, por ter usado metodologias que não permitiam gerar a autonomia dos envolvidos, ou porque, por vezes, nem ela era autônoma com relação à prefeitura (o que estava cada vez mais claro para os catadores). Esta experiência, após reflexões e ressignificações, nos mostra uma entidade (a incubadora) capaz de apreender com seus erros: mastigá-los, digeri-los, e tirar deles o sumo de sentido que nos levará para frente. É nessa ressignificação, e na busca de superar formas consolidadas de atuar e encontrar formas mais eficazes no trabalho com grupos, que as metodologias integrativas e não convencionais se configuram como possibilidade de atuação e visão no processo de Incubação. Essas metodologias, então, apresentam uma possibilidade de ultrapassar uma visão simplista, da realidade, dos contextos, das políticas, das técnicas normalmente usadas e, sobretudo, do sujeito, para assim, amparados nessas novas visões e posturas, nos abrirmos à possibilidade de uma visão integrada a partir do entendimento da complexidade e multidimensionalidade do mundo ao nosso redor. No específico, esta história nos faz compreender e ter uma visão muito mais complexa e crítica sobre o processo de incubação: sobre a relação a se estabelecer e a postura a adotar, sobre nossa preparação para atuar, e sobretudo, acerca da necessidade de usar outras formas, democráticas de fato e realmente inclusivas, que permitam desenvolver a autogestão dos participantes, e desta forma dos empreendimentos; formas que os façam protagonistas de fato, e não manipulados por quem sabe mais. Em síntese, a partir daí, podemos buscar novas formas de olhar, ouvir e pensar nos sujeitos com os quais trabalhamos. Por último, fomos levados a refletir sobre nossa participação na elaboração e implementação de políticas públicas e suas implicações sobre o seu “público-alvo”, especialmente no contexto da coleta seletiva e das associações de catadores; sobre as metodologias e processos de incubação em economia solidária e ainda, sobre a questão da solução de conflitos e problemas no campo da gestão pública e social. Assim, pois acreditamos firmemente que é realmente erro só aquele do qual

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não conseguimos apreender, oferecemos esse relato e nossas considerações à comunidade dos praticantes, técnicos e não, na certeza do muito trabalho que temos pela frente e de que a inteligência coletiva pode chegar onde sozinhos não chegamos. Referências CUNHA et al. Associação de catadores do Município de Barbalha/CE: todos juntos podem mais? In: RIGO, Ariádne Scalfoni, CANÇADO, Airton Cardoso, SILVA JÚNIOR, Jeová Torres (Orgs.). Casos de ensino: cooperativismo e associativismo. Petrolina: Gráfica Franciscana, 2011. FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de e outros. Ação pública e economia solidária: uma perspectiva internacional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. In: Civitas- Revista de Ciências Sociais, v.7 , n. 1 , jan-jun. 2007. p. 155-174. FRANÇA-FILHO, Genauto; CUNHA, Eduardo V. Incubação de Redes de Economia Solidária: reflexões sobre a metodologia e a prática. In: Anais do XXXIII ENANPAD, 2009. GIANNELLA, Valéria. Espaço aberto para trocas: uma oficina sobre os paradoxos da mobilização social em contextos de exclusão extrema. Salvador: CIAGS/UFBA, 2009. GIANNELLA, Valéria. Base teórica e papel das metodologias não convencionais para a formação em gestão social. In: CANÇADO, Airton, Cardoso et al. (org.). Os desafios da formação em gestão social. Anais do II ENAPEGS, Provisão: Palmas/TO 2008. SILVA, S. R. et al. Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: A Experiência de Incubação do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE. IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. Anais... 2010.

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PARTE II: Diálogos com outras experiências

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Capítulo 9: Economia Solidária: Análise Crítica da Atuação da ITCP/NESol/UFT Airton Cardoso Cançado, Liliam Deisy Ghizoni .......................................................................... 1. Introdução O objetivo deste texto é apresentar criticamente as ações da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares do Núcleo de Economia Solidária da Universidade Federal do Tocantins (ITCP/NESol/UFT), que envolvem economia solidária, autogestão e inclusão social. O referencial teórico metodológico que norteia a práxis do Núcleo parte de três premissas: i) indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; ii) perspectiva da educação dialógica de Paulo Freire (FREIRE, 1987, 2001); e iii) sistematização e compartilhamento do conhecimento construído. O NESol foi criado oficialmente em 11 de agosto de 2006, em Palmas, capital do Tocantins, porém suas ações se iniciaram em 2005, com a participação de alguns membros no Fórum Estadual de Economia Solidária. Em novembro de 2007, o NESol passa a ser também uma Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP, integrando-se à Rede Nacional de ITCPs neste mesmo ano. O NESol/ITCP/ UFT preza por projetos que envolvam economia solidária, desenvolvendo ações que se proponham a melhorar a qualidade de vida e as condições socioeconômicas, culturais e ambientais do empreendimento incubado bem como da comunidade (CANÇADO e CANÇADO, 2009a; GHIZONI e CANÇADO, 2011 ). A equipe do NESol é interdisciplinar; porém, é composta majoritariamente por professores vinculados ao Curso de Administração da UFT. Atualmente, o quadro está disposto da seguinte forma: Docente

Formação

Integrante desde

Situação atual

Airton Cardoso Cançado (Fundador)

Administração

2006

Coordenador do Polo Palmas da Especialização em Gestão Pública e Sociedade (SENAES)

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André Oliveira

Filosofia

2011

Coordenador Adjunto do Polo Palmas da Especialização em Gestão Pública e Sociedade (SENAES)

Anne Caroline Moura Guimarães Cançado

Turismo

2006

Solicitou afastamento das atividades do NESol por motivos particulares

Edi Augusto Benini

Administração

2011

Coordenador Geral da Especialização em Gestão Pública e Sociedade (SENAES)

Fernanda Dias Bartolomeu Abadio Finco (Fundadora)

Nutrição

2006

Afastada para Doutoramento na Universidade de Hohenheim, Alemanha

Helga Midori Iwamoto

Matemática

2006

Não vinculada a nenhuma atividade devido estudos de Doutorado em Administração – Mackenzie

Liliam Deisy Ghizoni

Psicologia

2008

Desenvolvendo atividades com os Catadores de Material Reciclável

Marcus Vinícius Alves Finco (Fundador)

Economia

2006

Afastado temporariamente por envolvimento em projetos do Mestrado em Desenvolvimento Regional da UFT

Maria de Fátima Arruda Souza

Administração

2011

Coordenando Ações de ECOSOL em Projeto FINEP – RedePeixe

Miguel Pacífico

História

2011

Articulador da ECOSOL na região norte do Tocantins

2006

Não vinculada a nenhuma atividade devido estudos de Doutorado em Administração – Mackenzie

Sandra Alberta Ferreira

Administração

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Considerando que a grande maioria dos professores encontra-se em processo de formação doutoral desde 2009, a participação em editais foi reduzida nos últimos dois anos. A participação dos alunos no NESol/ITCP/UFT é sazonal e acontece conforme a abertura de editais com bolsas específicas para este público. Há também participações voluntárias de alunos da UFT; porém, não há distinção entre voluntariado e remunerado no que se refere à execução das atividades. Os projetos desenvolvidos pelo NESol/ITCP/UFT desde 2006 são descritos a seguir, para que possam ser discutidos seus limites e avanços. Este texto está composto de três partes além desta introdução. Na Parte I, são apresentados os projetos finalizados; na Parte II, os projetos em andamento e na Parte III, uma análise críticas destas ações. Parte I – Projetos finalizados Projeto I: Programa de Fomento ao Cooperativismo Popular em Palmas, TO – 2006 a 2007 (CANÇADO, 2007). Desenvolvido com recursos do MEC/PROEXT. A primeira meta deste Projeto foi capacitar cinquenta estudantes de graduação para aplicação de oficinas com grupos populares, visando fomentar o cooperativismo popular em Palmas, TO. Trinta e sete estudantes concluíram a formação de 60h/aula, com os conteúdos: Políticas Públicas (4h), Economia Solidária e Cooperativismo Popular (24h), Dinâmica de Grupo (4h), Formação de Facilitadores (20h), Segurança Alimentar (4h), Educação Ambiental e Ética (4h). Ressalta-se que os estudantes inscritos no programa eram oriundos da UFT, da Faculdade Católica do Tocantins e da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). A segunda meta foi capacitar 750 famílias em economia solidária e autogestão. O grupo baseou-se no mapeamento da Economia Solidária realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária em 2005; porém, verificou que muitos empreendimentos já não existiam – o que gerou a necessidade de adaptar a metodologia inicial a fim de possibilitar a identificação de grupos minimamente organizados. As terceira e quarta metas referiam-se às publicações: uma cartilha sobre economia solidária e autogestão e um livro com os resultados do programa. Ambas concluídas com êxito. A quinta meta foi apresentar os resultados do Programa para a comunidade. Uma apresentação foi realizada na UFT e contou com a presença da comunidade acadêmica, dos membros dos empreendimentos e dos representantes do poder público. Outra foi a apresentação de resultados parciais no I Encontro Tocantinense de Cooperativismo. Apresentou-se esses resultados também na III Feira de Economia Solidária

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do Estado do Tocantins. Fora do Estado, o trabalho foi apresentado na III Semana Sebastianense de Cooperativismo, em São Sebastião do Passé, BA, e na Feira Jovem Empreendedor, na Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina, PE. Observa-se que este início foi fundamental para o NESol/ITCP/UFT, para as novas parcerias e para a consolidação do Núcleo. Projeto II: PAESBICO – Programa de Apoio a Empreendimentos Solidários no Bico do Papagaio – 2007 a 2008 (CANÇADO, FINCO, FINCO e CANÇADO, 2009). Desenvolvido com recursos do MDS/FINEP. Este Programa buscou a promoção da Segurança Alimentar e da Economia Solidária nas comunidades que vivem na região conhecida como Bico do Papagaio – no extremo norte do Tocantins, a qual foi recentemente denominada território pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA, 2005) –, considerada carente e apresentando um quadro de acentuada insegurança alimentar no Estado do Tocantins (MDA, 2005). As ações foram desenvolvidas através, principalmente, de diagnósticos, mobilizações e incubação de empreendimentos solidários agroalimentares. Os objetivos gerais deste Projeto foram: i) A incubação de três empreendimentos agroalimentares no Território do Bico do Papagaio no Tocantins, organizados em bases solidárias: CPRAR – Cooperativa dos Produtores Rurais de Araguatins, TO; ACOCARA – Associação dos Criadores de Ovinos e Caprinos de Araguatins, TO, e COOAF – Cooperativa de Produção e Comercialização dos Agricultores Familiares, Agroextrativistas e Pescadores Artesanais de Esperantina, TO; e ii) O empoderamento de lideranças locais com especial atenção para o Consórcio de Segurança Alimentar do Bico do Papagaio. Permeando estes objetivos centrais está a questão da sustentabilidade e do respeito ao meio-ambiente, inerentes ao próprio conceito de desenvolvimento sustentável. Neste Programa foi utilizada e aperfeiçoada a metodologia de incubação de Cooperativas Populares (CANÇADO e CANÇADO, 2009b), a qual se fundamenta em quatro premissas: a não redução da autonomia do grupo; a velocidade do processo de incubação decidida pelo grupo; a veracidade das medições e o feedback fornecido ao grupo. Partindo-se da premissa que uma cooperativa deve acontecer pelos e para os cooperados e que, assim, deve surgir da vontade e da necessidade dos cooperados e deve ser por eles construída, os resultados da incubação realizada através deste Programa não foram plenamente atingidos. O governo, por sua vez, pode e deve apoiar, mas pelo que se pode observar, as políticas baseadas em recursos não reembolsáveis para ativos permanentes (edifícios, máquinas, veículos etc) têm mostrado, cada

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vez mais, que nem sempre são a melhor alternativa. Por outro lado, a concessão de crédito produtivo orientado (mesmo subsidiado) ou a própria organização de um sistema de finanças solidárias (como os bancos comunitários, por exemplo) podem ser alternativas interessantes para o desenvolvimento local. Projeto III: Coleta Seletiva – Conexões para uma Vida Sustentável – 20092011 (GHIZONI e CANÇADO, 2011). Desenvolvido com recursos do Ministério da Educação e Cultura MEC/SECAD. O Projeto foi idealizado para o trabalho com uma Associação de Catadores – população anteriormente atendida pelo NESol. Dessa forma, o objetivo geral foi consolidar a existência da ASCAMPA – Associação dos Catadores de Material Reciclável do Centro Norte de Palmas. Os objetivos específicos foram: i) Realizar um diagnóstico socioeconômico-ambiental dos membros da ASCAMPA; ii) Viabilizar ações nos eixos da educação, saúde, meio ambiente e cultura a partir do diagnóstico; iii) Capacitar estudantes de graduação em Economia Solidária e Educação Ambiental; iv) Promover a inclusão social por meio de uma experiência piloto de coleta seletiva com a participação de docentes e discentes da UFT. As atividades realizadas foram classificadas como Atividades de Formação dos Estudantes, Atividades de Extensão Universitária e Atividades de Estudos e Pesquisas. Para a incubação do empreendimento, contratou-se uma equipe de três técnicos – duas psicólogas e um economista. As medições foram realizadas em abril e junho de 2011. A metodologia utilizada no acompanhamento e diagnóstico da Associação é a proposta de Indicadores de Desempenho para Incubação de Cooperativas Populares, apresentada por Cançado e Cançado (2009). Cunha, Silva e Borges (2011) destacam que algumas ações e intervenções foram realizadas pelos técnicos em conjunto com a medição dos indicadores de desempenho, dentre elas: visitas domiciliares e a atualização de cadastros dos integrantes da ASCAMPA. Essa atualização cadastral teve por objetivo confirmar quantos e quem são os catadores que hoje realmente fazem parte da Associação bem como identificar quem têm a coleta como meio de vida ou como complemento de renda. A integração na equipe de um profissional especialista na área de Gestão de Cooperativas também foi de grande relevância para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que este veio acrescentar informações e relatar formas de como atuar em redes de cooperativas para vencer os atravessadores. Um impasse foi observado pelos técnicos no que se refere aos resultados obtidos por meio das entrevistas informais com os dirigentes da ASCAMPA. Nestas, foi revelado que a Associação possui potencial de crescimento, em grande parte devido

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ao apoio que tem recebido dos parceiros, mas que ainda carece de mais empenho não apenas do poder público, mas também dos próprios catadores – falta-lhes a vontade e o desejo de assumir as responsabilidades para criar uma cooperativa. Falta também o acompanhamento de técnicos que sejam formados na área de Gestão de Cooperativas (ou áreas afins), que podem contribuir direta e significativamente para o desenvolvimento e crescimento dos catadores. Foram igualmente identificadas dificuldades relativas ao senso de coletivo e comunhão entre os próprios catadores, que ainda trabalham de forma muito individualizada, bem como a necessidade de complementação da renda familiar a partir de outras formas de trabalho (vendas de alimentos em geral: milho, pastel, salgados), o que dispersa o esforço coletivo comunitário. Como sugestões, os técnicos apontam: a participação em editais visando à construção das instalações físicas da ASCAMPA ou futura Cooperativa; a participação em editais visando à aquisição de equipamentos e veículos; capacitação para administração de finanças em Cooperativas bem como para a organização de documentos inerentes a uma Associação/Cooperativa (CUNHA, SILVA e BORGES, 2011). Parte II – Projetos em andamento (2011/2012) Projeto I: Parceria para a realização do “Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão Pública e Sociedade – 3º edição” – 2011 a 2012 (SENAES/MTE) Trata-se de um projeto de apoio a especialização para gestores de políticas públicas de economia solidária no que tange à Formação de Formadores(as), Educadores(as) e Gestores(as) Públicos(as) de Economia Solidária, financiado com recursos da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego. O Projeto é fruto de uma parceria entre a Universidade Federal do Tocantins (UFT) – através do Núcleo de Economia Solidária (NESol) e do Núcleo de Estudos Estratégicos em Gestão Contemporânea (NEEG) – e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – através do Grupo de Análise de Política de Inovação (GAPI) e, consequentemente, conta com a experiência de ambas as instituições na realização de cursos de Especialização e Pesquisa em Economia Solidária. Foram formadas dez turmas, sendo duas em cada região do País, conforme segue: Região Norte – Palmas/TO e Belém/PA; Região Nordeste – Salvador/BA e Recife/PE; Região Centro-Oeste – Campo Grande/MS e Brasília/DF; Região Sudeste – Campinas/SP e Belo Horizonte/MG; Região Sul – Porto Alegre/RS e Curitiba/ PR. As atividades foram iniciadas em agosto de 2011, com previsão de término para agosto de 2012. Além da formação das turmas, estão previstos: lançamento de dois livros e realização de um Seminário Nacional de Avaliação do Projeto.

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Projeto II: Tecnologias para Desenvolvimento Social – Subprojeto Rede Peixe – 2011 a 2013 (MCT/FINEP) Este Projeto – elaborado em 2009 e liberado para realização em julho de 2011 – conta com recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia, tendo como proponente a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Tocantins e como interveniente executor a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e congrega diversas instituições parceiras, dentre as quais a Universidade do Estado do Tocantins (UNITINS), o Instituo Federal de Educação (IFTO) e a Fundação Centro Universitário (UNIRG). O objetivo geral deste Projeto é realizar ações de fortalecimento das cadeias produtivas solidárias em Territórios da Cidadania no Tocantins, por meio de processos formativos relativos à economia solidária, autogestão, educação associada, práticas produtivas e inclusão digital comunitária. O subprojeto com pescadores e piscicultores da região norte do Estado, intitulado “Rede Peixe”, tem por objetivo fortalecer a cadeia produtiva da pesca por meio da formação de uma rede de pescadores e piscicultores na região, fomentando a produção, o processamento, a comercialização e o consumo embasados nos princípios da economia solidária, promovendo o empoderamento dos atores envolvidos (pescadores e piscicultores) residentes no território da cidadania do Bico do Papagaio, no estado do Tocantins. Projeto III: Fortalecimento da piscicultura como alternativa de renda e diversificação da agricultura familiar no estado do Tocantins – 2011 a 2014 (EMBRAPA) Trata-se de um projeto de apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar e à sustentabilidade do meio rural proposto pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), atendendo a edital próprio. O Projeto terá duração de 36 meses e será realizado com piscicultores dos municípios tocantineses de Divinópolis e Abreulândia – banhados pelos principais rios do Estado, Araguaia e Tocantins. Porém, ressalta-se que em visitas realizadas pelo Estado, os pesquisadores da Embrapa Pesca e Aquicultura verificaram a experiência de um grupo de agricultores familiares que, por vontade própria e com apoio local, fizeram da piscicultura uma mola propulsora na geração de alimento e renda. A coordenação deste Projeto está a cargo da Embrapa Pesca e Aquicultura, tendo o NESol/ITCP/UFT como integrante da equipe de parceiros para sua realização, juntamente com Agroter; MPA; Ruraltins; Seagro; IFTO e Faculdade Católica do Tocantins. O NESol contribuirá no fomento ao associativismo e cooperativismo entre os pescadores e piscicultores. Parte III – Análise Crítica da Atuação do NESol/ ITCP/UFT Apesar de não ser uma ação nova, a realização de trabalhos de extensão por instituições de ensino superior no País pode ser considerada uma tendência atu-

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al dentro das universidades. Por muito tempo, a extensão foi considerada a “prima pobre” do tripé ensino-pesquisa-extensão; porém, as incubadoras tecnológicas de cooperativas populares são evidências de uma nova forma de intervenção da universidade na realidade por meio de ações de extensão realizadas em todo o País. No caso do NESol/UFT, a grande maioria de suas ações aconteceu por meio de sua Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, a ITCP/NESol/UFT. Por outro lado, o NESol está aberto a outras ações não se restringindo em absoluto à sua incubadora. Dessa forma, a proposta do NESol/UFT não se restringe à extensão. Apesar deste estar ligado à Pró-Reitoria de Extensão, o Núcleo se propõe a trabalhar na perspectiva completa do tripé ensino-pesquisa-extensão. A capacitação continuada da equipe é parte integrante de todos os projetos (ensino) bem como a sistematização e publicação dos resultados do trabalho (pesquisa), além da própria ação de incubação (extensão). Entendemos o nosso Núcleo como um local de produção de conhecimento e atuação na sociedade. Dentro desta proposta, as dificuldades percebidas pela equipe até o momento se concentram em quatro vertentes: Participação Discente, Mobilização, Lógica de Projetos/Editais e Impacto nos Empreendimentos. A seguir, essas vertentes são apresentadas uma a uma dentro das situações apontadas, com a perspectiva de atuação do Núcleo para os próximos anos. Participação Discente É nosso entendimento que a formação do aluno de graduação não se restringe às disciplinas que ele cursa. Ao entrar na universidade, o aluno tem diante de si um sem número de oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional. É importante discutir isto dentro da universidade – que não pode ser vista como um grande “colégio de 3º grau”. Por outro lado, estamos cientes de que parte dos alunos, além de estudar, trabalha, o que reduz seu tempo disponível para a universidade. Na realidade do Tocantins, na maioria das vezes, um estágio extracurricular tem remuneração muito superior a uma bolsa de extensão ou iniciação científica. Assim, inicialmente, partimos de uma limitação quantitativa em relação aos alunos que podem participar dos projetos no nosso Núcleo. A partir daí, outras variáveis estão envolvidas, como a vontade do aluno de participar de projetos de cunho social, além da própria dedicação do aluno a estes projetos e ainda a volatilidade deste interesse. Temos notado que, na maioria das vezes, os alunos focam seu interesse imediato na amplitude da remuneração; em outras palavras, o aluno escolhe quem lhe

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paga mais. Naturalmente, as exceções confirmam a regra e nosso Núcleo já contou com excelentes discentes voluntários. O que estamos querendo dizer é que, à primeira vista, o Núcleo é pouco atrativo e muitas vezes é escolhido em caráter temporário até que o aluno consiga “coisa melhor”, dentro da sua percepção. Como a atuação no Núcleo depende de capacitação relativamente demorada (de 20 a 60 horas inicialmente) e posterior educação continuada (reuniões de aprofundamento semanais ou quinzenais) a saída de um membro da equipe implica diversos problemas quanto a sua reposição. Esta situação aconteceu em praticamente todos os projetos; porém, naquele que envolveu a parceria com o Programa Conexões dos Saberes (2009-2011), que exigia um perfil de aluno carente financeiramente, esta problemática se intensificou, sobretudo devido ao fator remuneração. Um reflexo dessa situação é a preferência pela contratação de agentes externos (quando o edital permite) para apoiar as ações do Núcleo, o que, a nosso ver, prejudica as próprias ações do NESol/ITCP/UFT e, obviamente, a possibilidade de formação dos alunos da própria universidade. Por outro lado, há que se considerar a perspectiva dos docentes também. Os professores que atuam no Núcleo têm uma atividade a mais uma vez que este trabalho não implica redução da carga horária pertinente a atividades de ensino. Desta forma, os professores veem esta situação com desconfiança, pois a saída de alunos gera retrabalho imediato. É claro que a capacitação realizada não é perdida e o aluno que participou do Núcleo, em algum momento, leva esta capacitação para a vida; porém, objetivamente, os professores têm de se desdobrar para formar novos membros e realizar e/ou dar continuidade aos projetos do Núcleo. Em seguida, apresentaremos nossa percepção quanto à mobilização da sociedade para efetivação dos projetos do Núcleo. Mobilização da Comunidade/Sociedade Em relação à mobilização, temos sentido uma grande dificuldade em realizar cursos, oficinas e capacitações com a comunidade – situação evidenciada em todos os projetos do Núcleo. Temos buscado compreender esta dificuldade por meio da interlocução com a própria sociedade com a qual trabalhamos. A primeira constatação é que, quase sempre, estamos fazendo um retrabalho, pois aquela comunidade já foi “alvo” de ações anteriores, frequentemente mal sucedidas. Assim, encontramos a comunidade se posicionando de forma defensiva ou mesmo indiferente às “promessas” que chegam de fora. A maior prova disso é o imediatismo em relação aos resultados: não acreditando no “projeto”, a comunidade busca as possibilidades de ganhos ime-

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diatos, independentemente das ações previstas, pois “já que o projeto em si não vai dar resultados, vejamos o que posso ganhar com ele agora”. Seria muito simples atribuir à comunidade a culpa pelo insucesso do projeto alegando este argumento como motivo. No entanto, temos de perceber que é preciso estar mais atentos a outros fatores, como o fato de que muitas vezes o projeto é da Universidade e não da comunidade, esta não foi sequer consultada se queria fazer parte do Projeto. Dessa forma, é importante incluir a comunidade na própria construção do projeto, o que significa um desafio dadas as dificuldades de mobilização já descritas. Por outro lado, não podemos também atribuir toda a culpa à Universidade – a Lógica de Projetos/Editais torna mais complicada (mas não impede) a relação universidade-comunidade na construção de projetos, pois os prazos são sempre curtos e os editais muitas vezes não atendem aos anseios da comunidade e/ou às necessidades da universidade em função de restrições técnico-jurídicas ou mesmo devido ao prazo. Trataremos deste assunto no próximo subtópico. Lógica de Projetos/Editais Além das dificuldades já elencadas, o que estamos chamando de Lógica de Projetos/Editais é o que entendemos como um problema estrutural, provavelmente uma das principais causas dos demais. Nossa atuação depende em grande parte dos recursos que captamos para a realização de projetos. Algumas ações podem ser realizadas sem a captação direta de recursos; porém, seriam ações limitadas à formação dos alunos e ao aperfeiçoamento dos docentes em atividades necessariamente internas à instituição e ao Núcleo. A captação de recursos em si não apresenta um problema, pois as regras são claras e os resultados publicados; no entanto, é a chegada dos recursos que representa problemas objetivos. Existe uma distância entre a escrita do projeto, sua aprovação e a chegada dos recursos, note-se que não estamos falando da liberação, mas da “chegada dos recursos”. O primeiro problema é o caminho por onde passam esses recursos – muitas vezes dois departamentos jurídicos precisam “conversar” e se “acertar” por meio de uma linguagem no mínimo estranha aos proponentes do Projeto. Este “acerto” pode levar tempo, o que faz com que o Projeto (e a comunidade) fique “esperando” pelos recursos. Já existe entre os docentes um acordo tácito que considera que “o projeto começa quando os recursos chegam”, pois pode haver problemas das mais diversas naturezas entre a publicação do Edital e a “chegada” efetiva dos recursos. Contudo, esta problemática é bastante clara e facilmente justificada, mas exis-

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tem problemas anteriores a esta fase. O mais grave, na nossa percepção, é a própria Lógica de Projetos/Editais. Há algum tempo definiu-se que todas as ações precisam ser organizadas de forma a compor um Projeto que deve integrar um Programa, que é parte de um Plano, que tem por objetivo mudar determinada realidade. Esta lógica é incompatível com a realidade, que, conforme já discutido e argumentado, é intrinsecamente inter-relacional; ou seja, pretende-se “dividir” a realidade em diversas partes a serem transformadas por ações isoladas, em princípio, dissociadamente. O que estamos pretendendo ilustrar é que ao adotarmos esta lógica fazemos um recorte da realidade, correndo o risco de deixar de fora questões importantes que a influenciam e, assim, o Plano/Programa/Projeto já começa com erros estruturais sérios, os quais, certamente, vão impactar seus resultados. Por outro lado, não acreditamos que seja possível realizar um meta-plano que englobe toda a realidade e leve em consideração todas as variáveis; portanto, nossa crítica recai no Edital, mais especificamente em sua elaboração. Para financiar a execução dos Planos/Programas/Projetos, são elaborados Editais que devem ser “respondidos” pelas instituições que se habilitam a realizar as ações. O primeiro problema decorre da equipe que elabora o Edital, muitas vezes, distante da realidade que este Edital procura transformar. As pessoas encarregadas de elaborar o Edital frequentemente têm bastante experiência na área adquirida através de outras ações realizadas anteriormente e usam esta expertise a fim de direcionar o Edital para os melhores resultados possíveis, o que faz muito sentido em termos teóricos. No entanto, sabe-se que um país do tamanho que é o Brasil tem grandes diferenças regionais, o que pode constituir-se em um problema. Além disso, há as limitações jurídicas do órgão que elabora o Edital, no sentido de que algumas coisas podem ser financiadas e outras não. Por fim há os objetivos da organização (pública ou privada) que “lança” o Edital; isto é, pode-se dizer que, em alguns casos, estas organizações “subcontratam” os respondentes do Edital para realizar seus objetivos. Ainda nesta linha, certamente há, em maior ou menor grau, traços de ideologia e/ou visão de mundo permeando esses Editais, uma vez que são pensados por pessoas e a história de vida de cada um inerentemente define seus valores e experiências. Dessa forma, o Edital já sai do “forno” com um direcionamento, balizado pelas colocações anteriores, que pode não ser compatível com a comunidade e/ou universidade que vai “respondê-lo”. Em síntese, o processo de elaboração do Edital é descolado da realidade da comunidade por diversos motivos, tais como teóricos, pessoais, legais, ideológicos, etc, o que dificulta a realização dos objetivos da comunidade, pois o foco são, naturalmente, os objetivos do Edital. E por fim, há a questão do prazo – todos os Editais definem prazo para a realização –, prazos esses que, na grande maioria das vezes, não respondem à real

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demanda da comunidade, principalmente aqueles que se referem à incubação de empreendimentos da economia solidária. Anteriormente, este prazo era de 12 meses, tendo passado a 24 meses, em geral. Esta situação leva as equipes de incubação a estar “sempre” a procura de um novo Edital para continuarem atendendo os empreendimentos e é a isso que se somam os atrasos geradores da descontinuidade dos projetos em andamento, que refletem diretamente nas questões já argumentadas: a Mobilização e Participação dos Discentes. Quando as ações de um projeto em curso têm que ser descontinuadas, a comunidade, à espera do novo projeto ou da liberação de mais uma parcela do corrente financiamento, pode se desmobilizar. Neste caso, para os alunos, há a necessidade/interesse em buscar novas possibilidades; para os docentes, começa um novo trabalho, ou um retrabalho, pode-se dizer. Nossa intenção não é criticar a elaboração de Editais de forma geral, mas de evidenciar que os Editais, muitas vezes, definem objetivos e fazem restrições incongruentes com a ação que se quer realizar na comunidade. Tampouco temos a ilusão de que simplesmente “distribuir” recursos sem controle ou critério seria a melhor solução. O que estamos fazendo aqui é uma análise da nossa realidade enquanto captadores de recursos. Em síntese, o atual modelo de financiamento das ações de incubação não tem atendido à realidade das comunidades e das universidades, aproximando essas últimas a “prestadoras de serviço” para órgãos públicos e fundações privadas. Todos esses problemas argumentados, na verdade, desembocam em um último, que pode ser entendido como o resultado dos anteriores: o impacto das ações realizadas sobre a comunidade e/ou empreendimentos. Impacto das ações Temos notado com frequência que as ações de incubação de empreendimentos da economia solidária enfrentam dificuldades das mais diversas naturezas, além dessas aqui elencadas. De certa forma, incubar uma “ilha solidária” em um “mar não solidário” nos tem mostrado que, muitas vezes, a incubação enfrenta “tormentas” e “correntes” à primeira vista destruidoras. Ou seja, os empreendimentos que optam pela autogestão e pelo trabalho em bases solidárias estão “remando contra a maré” do mercado atual. Cabe ressaltar que a economia solidária não busca apenas resultados econômicos, embora haja casos em que o resultado foi que impulsionou o surgimento do empreendimento. De forma geral, um empreendimento de economia solidária não gera resultados econômicos em curto prazo e seus membros precisam destes resultados em curtíssimo prazo.

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As ações de incubação visam melhorar os resultados econômicos também; porém, estes são os mais difíceis de conseguir. A formação política e técnica, de certa forma, acontece com êxito nestes empreendimentos, o estímulo à cultura e à preservação ambiental também podem ser evidenciados em muitos empreendimentos, já o crescimento econômico não é tão frequentemente alcançado. Justamente por serem “ilhas autogestionárias”, os empreendimentos da economia solidária encontram uma primeira barreira já em seu ingresso no mercado: a escala e o preço da produção bem como o prazo de pagamento são frequentemente pouco competitivos. Geralmente, a escala é pequena, o preço não é suficientemente competitivo e o empreendimento não tem condições de vender a prazo. Esta situação nos mostra, de forma cada vez mais clara, que a incubação isolada não traz resultados efetivos no que tange ao desenvolvimento do empreendimento na sua dimensão econômica. Pode-se argumentar que os empreendimentos buscam mais que resultados econômicos e sua simples existência já é um sinal de mudança nas relações de mercado. Geralmente, quem se vale desses argumentos não tem muita urgência em relação aos resultados econômicos, pois os recebe de outra forma (bolsa, salário, mesada etc). No caso de muitos empreendimentos, no entanto, esta dimensão pode ser considerada prioridade, dadas as suas condições materiais de subsistência. Neste contexto, temos percebido que nossos trabalhos avançam pouco neste sentido e temos repensado nossa atuação para ações num futuro próximo. Parte IV – Pensando no futuro Apresentamos, nesta última parte de nosso texto, algumas ações surgidas de discussões/reflexões por parte da atual equipe do Núcleo. Como não foram ainda implementadas e, portanto, não têm resultados avaliáveis, devem ser vistas como propostas e não como prescrições. Em relação aos discentes, pensamos que devemos melhorar nossas técnicas de seleção, buscando os alunos-candidatos que tenham pretensões acadêmicas – o Núcleo pode ajudá-los neste caminho, seja pela experiência em pesquisa seja pelas próprias publicações, muito valorizadas nas seleções para estudos de pós-graduação. Em suma, precisamos de discentes com objetivos de longo prazo compatíveis com os do Núcleo. Quanto à mobilização, o Núcleo deve se aproximar mais da comunidade para além dos projetos. A intenção é escolher uma comunidade e focar nela todas as nossas ações no sentido de preparar sua incubação, ou seja, incubar uma comunidade e

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não um empreendimento. Esta relação pode se estreitar de diversas formas, entre as quais: buscando alunos que residem na região, os líderes comunitários e as organizações de representação que já existam no local. Não será um trabalho fácil, mas pode ser um caminho promissor. No que tange à Lógica de Projetos/Editais pensamos que podemos trilhar o caminho inverso (viabilidade a ser avaliada). A ideia é desenvolver um projeto em conjunto com a comunidade, empregando ferramentas de planejamento participativo, e, só então buscar financiadores dispostos a realizar o projeto dentro da perspectiva em que foi construído. Nosso objetivo é procurar minimizar alguns dos problemas elencados anteriormente, já que não temos a ilusão de resolvê-los por completo. A partir dessas ações balizadoras, pensamos em algumas alternativas, a principal sendo o escopo de atuação do Núcleo. Atualmente, nossa discussão gira em torno da incubação não de um empreendimento, mas de um território (comunidade) no sentido de possibilitar o seu desenvolvimento como um todo, baseando este desenvolvimento na integração e interdependência entre os atores no território. Nesta perspectiva, os Bancos Comunitários se apresentam hoje como uma importante ferramenta de auto-organização da comunidade e da construção do seu desenvolvimento. A implantação de uma organização desta natureza será uma experiência nova, mas outras incubadoras, a da UFBA, por exemplo, já realizam este trabalho com resultados interessantes. Cabe ressaltar que não estamos depositando todas as “fichas” em uma “aposta mágica”, que solucionaria todos os nossos problemas. O que nos levou nesta direção foi a observação de nosso trabalho, aqui apresentadas e argumentadas; as dificuldades encontradas no percurso, que apontam para a necessidade de mudança de abordagem do nosso trabalho e os resultados positivos alcançados por outras instituições. Finalizando a análise da atuação da ITCP/NESol/UFT, pontuamos o evidente aprimoramento dos alunos e professores que participam dos projetos e da própria gestão do Núcleo tanto no âmbito pessoal quanto no profissional, o que por si só já pode ser considerado um resultado positivo. Porém, queremos alcançar mais... Referências CANÇADO, Airton Cardoso. O Programa de Fomento ao Cooperativismo Popular em Palmas/TO: resultados e perspectivas. Em: CANÇADO, Airton Cardoso; PEREIRA, José Roberto e SILVA Jr, Jeová Torres (Org.). Economia solidária, cooperativismo popular e autogestão: experiências em Palmas – TO. Palmas – TO: NESol, 2007.

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CANÇADO, Anne Caroline Moura Guimarães e CANÇADO, Airton Cardoso. O Núcleo de Economia Solidária da Universidade Federal do Tocantins – NESol/UFT. Em: CANÇADO, Airton Cardoso; FINCO, Marcus Vinicius Alves; FINCO, Fernanda Dias B. Abadio e CANÇADO, Anne Caroline Moura Guimarães (Coord.). Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável: Resultados da atuação do NESol/ UFT no Bico do Papagaio/TO. (pp. 45-54). Goiânia: Grafset Gráfica e Editora Ltda. 204 p., 2009a. CANÇADO, Airton Cardoso e CANÇADO, Anne Caroline Moura Guimarães. Incubação de cooperativas populares: metodologia dos indicadores de desempenho. 2. ed. Palmas -TO: Futura, 2009b. CANÇADO, Airton Cardoso; FINCO, Marcus Vinicius Alves; FINCO, Fernanda Dias B. Abadio e CANÇADO, Anne Caroline Moura Guimarães (Coord.). Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável: Resultados da atuação do NESol/ UFT no Bico do Papagaio/TO. Goiânia: Grafset Gráfica e Editora Ltda. 204 p., 2009. CUNHA, Almerinda M. Skeff; SILVA, Augusto Cesar & BORGES, Dorkas Pereira. Incubação de um empreendimento de economia solidária: o trabalho na ASCAMPA – Associação de Catadores(as) de Materiais Recicláveis da Região Centro Norte de Palmas – TO. Em: L. D. GHIZONI & A. C. CANÇADO (Orgs.). Desenvolvimento, gestão e questão social: uma abordagem interdisciplinar (pp. 37-69). Contagem, MG: Didática Editora do Brasil, 2011. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. ______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987, 186p. GHIZONI, Liliam Deisy & CANÇADO, Airton Cardoso. Relatório final do Projeto: “Coleta seletiva: conexões para uma vida sustentável”. Em: L. D. GHIZONI & A. C. CANÇADO (Orgs.), Desenvolvimento, gestão e questão social: uma abordagem interdisciplinar (pp. 19-36). Contagem, MG: Didática Editora do Brasil, 2011. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA. Estudo Propositivo Território Bico do Papagaio. Brasília, 2005, 86 p.

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Capítulo 10: O Desafio da Autogestão: Reflexões a Partir da Experiência da Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão do Ceará/UFC Osmar de Sá Ponte Júnior ....................................................................... 1. Introdução A reflexão que desenvolveremos acerca do cooperativismo de autogestão centrar-se-á no aspecto de cunho mais cultural, filosófico e metodológico que permeia a ação da Incubadora de Cooperativas Populares do Ceará / UFC. Nesse sentido, partiremos da experiência desenvolvida pela Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão do Ceará - UFC, posto que tem trabalhado com a concepção da autogestão, enquanto um conceito fundamental que diferencia a prática das cooperativas populares, que compõe o referido programa, das demais cooperativas “tradicionais”. A autogestão é um conceito relativamente antigo, entretanto sua prática no que se refere ao cooperativismo de trabalho é bastante recente. Daí porque encaramos a autogestão como um desafio, à medida que se parte da premissa teórico-metodológica de que é algo a ser construído; que não pode ser entendido como um modelo a ser reproduzido, enquanto prática imediata. Numa palavra: autogestão é uma ação reflexiva de sujeitos ativos que estão se propondo pensar e agir diante de um determinado contexto das Relações de Trabalho. Inicialmente, gostaríamos de abordar as premissas teóricas e metodológicas que balizam as ações da Incubadora de Cooperativas Populares da UFC, no sentido da constituição de cooperativas autogestionárias, ou seja, o que diferenciaria a ação da Incubadora, seria o aprofundamento e a compreensão da autogestão, enquanto nova concepção acerca do mundo do trabalho. 2. Incentivo ao desenvolvimento do Empreendedorismo Cooperativo Umas das premissas básicas que procuramos desenvolver é o incentivo ao desenvolvimento do empreendedorismo cooperativo. Aqui temos dois conceitos funda-

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mentais: a ideia do empreendedorismo e a ideia da cooperação. Parece muito comum, porém, rotineiramente, tem se pensado a ideia do empreendedorismo associado às microempresas, empresas do tipo tradicional, e essas, por serem por demais ágeis e eficientes na sua administração, na sua gestão tradicional, com um dono, um gerente e os trabalhadores subordinados. Assim, o empreendedorismo “tradicional” tornou-se o modelo de empreendedorismo mais útil para esta modalidade de empreendimento, cujos preceitos estritamente econômicos preponderam, referenciados nos critérios de qualidade que o gerente de produção e o administrador moderno recomenda. Por outro lado, o toyotismo propõe células de trabalhadores, núcleos, centros de controle de qualidade para tornar a gestão do trabalho mais eficaz por meio do “envolvimento” do trabalhador de forma mais pró-ativa no processo de produção, tendo em vista a melhoria do padrão de competitividade. Portanto, o “empreendorismo tradicional” considera a esfera estritamente econômica como única dimensão necessária e suficiente para o sucesso. Então, como seria possível e interessante recuperar a ideia do “empreendedorismo” à prática das cooperativas populares e autogestionárias? A primeira questão a ser respondida é sobre a diferença da natureza dos dois projetos. Enquanto a ``empresa tradicional’’ tem como finalidade a reprodução do valor e a conseqüente apropriação dos excedentes pelos detentores de ações (donos tradicionais), as cooperativas autogestionárias não têm como finalidade o lucro, mas a efetivação do projeto dos seus sócios (autogestores, donos de novo tipo, trabalhadores-empreendedores), cuja razão fundamental repousa na melhoria das condições de trabalho e de vida de cada indivíduo em particular, e da coletividade organizada em cooperação. Neste caso, a esfera estritamente econômica é apenas um meio necessário mas não suficiente para a realização do seu projeto solidário, portanto, a economia não é um fim em si mesmo, alienado. A divisão social do trabalho moderna fez emergir classes sociais hierarquicamente organizadas, os que detêm o capital, o conhecimento, a capacidade de empreender e os que possuem fundamentalmente a força de trabalho, cimentada pela cultura do trabalho subordinado. Quando os trabalhadores decidem se organizar em cooperativas autogestionárias, rompe-se a tradição da subordinação e passa a constituir-se uma nova memória, que os erige como sujeitos pró-ativos, capazes de construírem um conhecimento adequado às suas novas necessidades; portanto, emerge das cinzas da inadequação das formas tradicionais de divisão social do trabalho, o trabalhador-empreendedor, que potencializa sua criatividade para melhorar a qualidade dos seus produtos ou serviços, visando agregar valor ao seu trabalho, e tornar bem sucedido o seu projeto cooperativo, tendo em vista uma “economia solidária”.

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3. Autogestão: uma nova cultura para o novíssimo mundo do trabalho Por seu turno, o trabalhador autogestor precisa ampliar a sua visão sobre o mundo do trabalho, criando um novo papel para si e para a cooperativa a qual está associado, consolidando o significado do novo conceito de “aprender a ser trabalhador-dono” de uma empresa de autogestão. Com este intuito, não é suficiente a propriedade dos meios de produção possibilitada pela cooperativa de novo tipo; tão necessário se torna o domínio do conhecimento técnico relativo aos “segredos” da economia, da administração, das finanças, da contabilidade, do marketing, e mais do que tudo, a reinvenção de novos laços de solidariedade e tolerância entre os cooperados organizados em autogestão. Cabe ressaltar, entretanto que a tentativa de dar respostas a estas questões, faz parte de um amplo processo pedagógico, no qual todos aprendem e ensinam, e a verdade é sempre um gesto que se faz e ao mesmo tempo se busca, pois as nossas respostas “tradicionais” são muitas vezes limitadas ou inadequadas. Ou seja, no novo contexto da autogestão é exigido de cada cooperado, muito mais do que o mero domínio técnico sobre a execução do trabalho, torna-se imperioso o conhecimento do mercado, da gestão cooperativa, bem como uma postura pró-ativa e participativa. Esta nova postura denominamos de “empreendedorismo cooperativo”, cujo princípio norteia-se no sentido de publicizar-socializar o conhecimento sobre a arte de dirigir, empreender, administrar e coordenar seu empreendimento solidário. A necessidade da inserção de um empreendimento autogestionário no mercado exige uma nova cultura para este novíssimo mundo do trabalho, cujos contornos maiores associam-se aos conceitos de aprender a empreender, agregando valor e distribuindo os resultados. Quase sempre, os indivíduos que participam das cooperativas acompanhadas pela Incubadora da UFC, detêm o trabalho como o único capital disponível, faltando-lhes, muitas vezes, a noção da grandeza de valor e de padrão de qualidade exigidos pelo mercado, fato que pode torná-los maus empresários dos seus próprios trabalhos. Vale ressaltar, que o novo contexto de ser empresário de seu próprio trabalho, exige uma transformação radical na cultura desses trabalhadores, que estão acostumados à lógica do trabalho subordinado; a existência de um sujeito externo que lhes ordene, e que lhes imponha o espírito empreendedor como algo externo, portanto, alienado. O empreendedorismo cooperativo é inovador, é criativo e é atual, porque não se segmenta a ideia do grupo, porque estimula a criatividade do indivíduo e ao mesmo tempo, soma na estratégia do grupo constituído em cooperação. Temos de

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romper com a ilusão dualista e simplificadora, a qual associa a existência de indivíduos criativos fora do grupo, ou por outro, só pode existir, plenamente, o grupo que submete/subordina completamente os indivíduos. Esse é o grande problema da sociedade contemporânea: necessidade do estímulo à criatividade que o modelo Taylorista-fordista desestimulou-eliminou, tendo em vista que preceituava trabalhadores dóceis, fortes e disciplinados. Por outro lado, as formas modernas de gestão do trabalho têm procurado pensar no estímulo à criatividade indivídual, às subjetividades individuais; tendo em vista uma maior eficácia do processo produtivo como um todo. Ao se pensar o desenvolvimento do empreendedorismo cooperativo, não se busca eliminar a individualidade, a inspiração “criativa”, substituindo-as pela criatividade coletiva, mas as compreendendo como componentes necessários ao desenvolvimento da autogestão, como um momento de realização das potencialidades humanas. A criatividade hoje é uma temática que perpassa tanto as “empresas tradicionais”, quanto as empresas de economia solidária; ou seja, trabalha-se respeitando e, fundamentalmente, estimulando essa criatividade, que por sua vez, tornou-se uma conquista histórico-universal, à medida que não foi algo criado pelo empreendedorismo, em sua versão “toyotista”, e está para além das relações econômicas tradicionais. No âmbito das temáticas “geração de trabalho e distribuição de renda” como promoção de cidadania existem dois conceitos, no meu entender, essenciais: a cidadania e a geração de renda que, por seu turno, na maior parte das vezes, não têm sido pensados de forma adequada. Ou se pensa a cidadania e a geração de renda incluindo os trabalhadores empregados, ou discutem apenas como direitos formais. Na ação da Incubadora, à medida que uma cooperativa é criada e insere-se no mercado de trabalho, os cooperados participam do “curso de cooperativismo” que aborda, inicialmente, a subjetividade dessas pessoas, ressaltando que elas são cidadãs; que são importantes, ou seja, trabalha-se sua auto-estima, ressaltando-se sua inserção no mundo do trabalho, enquanto sujeitos autônomos e empreendedores. Nesse sentido, a cidadania não pode ser encarada como um mero direito instituído formalmente, necessita-se que ela se efetive enquanto uma ação prática, inclusive na esfera econômica. Sendo assim, o cooperativismo tem a possibilidade de articular noções de cidadania, com a ideia da inserção real na geração de trabalho e renda, negando-a enquanto uma ação filantrópica ou econômica strictu sensu. Desta forma, o cooperativismo de autogestão se efetiva com uma ação de inclusão simbiótica de indivíduos, que integram a sociedade como seres integrais, cidadãos e, ao mesmo tempo, como agentes econômicos do processo de produção e distribuição de riqueza.

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Pensando a autogestão a partir da totalidade e da particularidade, outro aspecto que assume uma relativa referência, é o desenvolvimento local integrado e sustentável. Não se pode pensar a ação da Incubadora de Cooperativas, no que tange à autogestão,sem a conceber enquanto um agente pró-ativo do desenvolvimento local integrado e sustentável. Sendo assim, as cooperativas incubadas são sujeitos autônomos promotores do desenvolvimento sustentável, ou melhor, as cooperativas autogestionárias que compõem o programa de Incubadoras de Cooperativas Populares são na verdade cooperativas para o desenvolvimento local integrado e sustentável. Tomando como exemplo a cooperativa de Manguinhos apoiada pela Fundação Oswaldo Cruz, percebe-se neste caso, o processo pelo qual a referida cooperativa transforma-se em cooperativa promotora do desenvolvimento local, cuja ação faz surgir uma microeconomia local solidária, que possibilita o surgimento de um espaço de autonomia e o contexto de uma ação cidadã pró-ativa. Tal experiência criou uma economia solidária como nos sugere Paul Singer, à medida que propôs-se inserir num determinado espaço, numa determinada sociedade, que por sua vez detém um conhecimento próprio. Vale ressaltar, ainda, outras premissas de ação desenvolvidas no Projeto de Incubadoras: a produção, sistematização e transferência de conhecimento para a sociedade. Ou seja, o fato das Incubadoras estarem inseridas nas Universidades nos coloca o desafio de transferir para essas comunidades o conhecimento por nós produzido. De maneira geral, a assessoria que fosse dada a esses grupos que não têm acesso ao conhecimento tornar-se-ia dispendiosa. É nesse sentido que a democratização do conhecimento por ela gerado e com o qual trabalha, pode ser extremamente importante para o contexto social, que carece de trabalho, emprego, cidadania e, fundamentalmente, de sujeitos ativos e pró-ativos. Outro aspecto importante desenvolvido pela Incubadora é a capacitação das cooperativas para a inserção no mercado de trabalho com competitividade. Há aqui, dois elementos bastante complexos, que parecem afrontar nossa cultura. O primeiro seria a inserção no mercado de trabalho, ou seja, as cooperativas das Incubadoras de Cooperativas Populares têm-se mostrado um desafio permanente em relação à cultura predominante, mas não queremos nos transformar, simplesmente, numa “escola de Cooperativismo”, numa “fábrica de cooperativas”. O compromisso ético e fundamental da Incubadora é o compromisso de construir conjuntamente, cooperativamente, com os cooperados no que tange à inserção no mercado de trabalho. A efetividade social da ação proposta, tem de ser resultado também da competitividade no tocante à qualidade dos produtos e serviços disponibilizados para o

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mercado, ou seja, a competitividade strictu sensu tem de ser revisitada e interpretada com outro sentido, adequando-o à condição de que o compromisso ético tem de ser com a efetividade socioeconômica dos empreendimentos acompanhados pela Incubadora, pois a nossa efetividade ética não se configurá enquanto realidade apenas com um discurso desprovido de uma prática e de uma demonstração concreta, e sim, a partir de um gesto. E esse gesto no nosso entender, seria em última instância, a inserção no mercado de trabalho com a distribuição social da riqueza produzida em cooperação, na forma da autogestão. Por outro, quando falamos em competitividade, afrontamos a nossa cultura, à medida que nos lembramos, geralmente, das disputas entre patrão e empregado no local de trabalho, ou mesmo do mundo do trabalho globalizado que dispensa o trabalho para realizar o lucro. Entretanto, a competitividade a qual nos referimos é uma competitividade econômico-social, da economia inerente a qualquer sociedade. E nesse sentido, estamos certos de que essa competitividade seja necessária a todo e qualquer tipo de sociedade. Então vejamos: Se utilizamos um machado de pedra como instrumento de trabalho, e se num determinado momento, passamos a disponibilizar um machado de ferro para realizar a mesma atividade, que evidentemente possui maior capacidade produtivo-competitiva; sendo assim a tecnologia como conquista universal-social se impõe a todos, tornando inadequado a utilização de tecnologias superadas socialmente. Portanto, a diversidade econômica, de certa forma, retrata essa mesma diversidade e pluralidade social inerente aos grupos sociais; a não ser que se pense num contexto societal a partir de uma visão totalitária, de pensamento único, no qual a economia refletisse exatamente esta mesma concepção. Assim, o paradigma da competitividade não se vincula necessariamente à ideia de competição selvagem, mas à de produção, à visão de que a criatividade dos indivíduos pode produzir instrumentos, técnicas e tecnologias úteis à sociedade. E nesse sentido, podemos preservar o conceito, posto que tudo o que a sociedade produz pode ser reapropriado e revisitado econômica e socialmente. Partindo da concepção da democracia como valor histórico-universal, pode-se atribuir o mesmo valor à técnica e à ciência. Ou seja, o conhecimento seria esse valor universal, e por conseguinte, a competitividade social a qual nos referimos está ligada a essa ideia, e não ao seu significado mais usual, e no caso, restrito, que a vincula de forma imediata e única à luta de classes ou a um conflito de natureza econômico-político ou à exploração econômica. Para abordar o desenvolvimento da cultura cooperativa como diferencial econômico é necessário partir da premissa de que existem indivíduos portadores de

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uma cultura, de um saber, enfim, de um “habitus”, que por sua vez, devem ser levados em conta ao longo de todo o processo de estruturação das cooperativas. Nesse sentido, toda e qualquer noção economicista deve ser descartada, à medida que o vetor da ação concreta desses indivíduos serão suas convicções. Como nos indica Paul Singer, a Incubadora deve ter a semelhança, ou melhor, a cara de um processo pedagógico, erigido a partir de pressupostos axiológicos; um processo no qual aprende-se e busca-se trilhar um caminho de conhecimento, de portas sempre abertas para novas possibilidades, que negue o caminho único, a visão totalitária, geralmente paternalista. Numa palavra: os cooperados podem procurar expor as ideias nas quais acreditam, e ao mesmo tempo, procurar ouvir, com sensibilidade e tolerância, a opinião dos outros que se apresentam inicialmente como diferentes ou oponentes. Ou seja, nesse sentido é que pensamos a autogestão; e foi a partir dessas premissas que constatamos, ou pelo menos, provisoriamente constatamos, que a autogestão seria um conceito privilegiado para a ação das Incubadoras de Cooperativas Populares. 4. Incentivar e promover a participação dos cooperados Outro aspecto relevante no que tange às cooperativas refere-se à participação dos cooperados nas decisões, bem como, ao acesso democratizado das informações que lhes dizem respeito. Entretanto, na maioria das vezes, o conceito de participação é utilizado no sentido político vulgar do termo; e no nosso entender, tal procedimento decorre, essencialmente, do fato de vivermos em uma sociedade sem cidadania. Portanto, a participação parece configurar sempre como negação, ou seja, a participação do sindicato contra o patrão; do sindicato contra o governo; do sindicato contra os baixos salários; enfim, do sindicato contra as péssimas condições de trabalho. A Incubadora, por sua vez, tem buscado romper com a uniliteralidade dessa cultura da participação exclusivamente enquanto contestação, inspirada na lição da ANTEAG de que o sonho da empresa autogestionária, e nela a destinação social do lucro, começa a se tornar realidade pelas mãos dos trabalhadores que se mostram capazes de pensar, criar e ousar. Enfrentando o desemprego através de ações que ulta passam o campo da denúncia e da resistência, materializando empresas que têm como figura central o próprio trabalhador. Empresas cuja estrutura e gestão são pensadas a partir de uma preocupação com o social; sem no entanto, deixar de lado as questões de viabilidade econômica e de inserção no mercado..” (Nakano,1998).

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Assim, ao abordamos a participação procuramos enfatizar o seu aspecto local, discutindo-a a partir de uma questão localizada, em relação à gestão da empresa, criando, pela participação pró-ativa de cada cooperado, um dos diferenciais econômicos da empresa autogerida. Por outro lado, temos de preservar a participação contestatória que faz parte do nosso patrimônio cultural sindical. Além do que, nossa experiência tem mostrado que no processo de organização do trabalho autogestionário, torna-se necessário e importante que haja outra forma de participação, para além da sua expressão contestatória; trata-se da participação do indivíduo empreendedor, que compreende ser a sua participação necessária para que venha a tornar-se um membro pró-ativo, com condições de contribuir com o grupo, bem como, responsabilizar-se pelo direito e dever dos cooperados. Nesse sentido, parece estar se dando uma revolução no que se compreende por cidadania, à medida que a participação forjada nas organizações autogestionárias do trabalho assume uma forma significativamente distinta da que tem se dado ao nível econômico strictu senso. Concomitantemente, desenvolve-se uma educação para a cooperação na lógica da economia solidária, na qual o processo educativo inicia-se no primeiro contato do grupo de cooperados com a Incubadora. Assim, esperamos que os grupos nos procurem, ou seja, que se mostrem minimamente, enquanto sujeitos coletivos e individuais, para podermos transformar essa relação em um processo educativo. No entanto, vale ressaltar, que no referido processo educativo não temos uma postura professoral, na qual haveria um professor que ensinaria e os alunos que aprenderiam. É um processo muito mais relacional, posto que estamos em permanente troca de conhecimentos. 5. Participação enquanto instrumento para diminuição dos custos e melhoria da qualidade dos produtos e serviços Segundo Marx, a produção é consumo e o consumo é produção. Portanto, se partirmos dessa assertiva, podemos compreender que, se não produzirmos com os rigores da qualidade e da excelência esse produto, dificilmente encontraremos espaço no mercado. Ou seja, devemos estar sempre atentos para a integração do grupo; para a consciência que cada um dos cooperados precisa ter sobre a organização do trabalho, à medida que são fundamentais para o processo autogestionário de produção de produtos ou serviços de qualidade. De modo geral, trabalhar em cooperativas é bem mais complexo do que trabalhar em empresas tradicionais, pois já estamos acostumados ao trabalho subordi-

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nado, onde existe alguém que nos manda executá-lo, no qual pode-se prescindir de um indivíduo criativo e pró-ativo, sem grandes danos no tocante à produtividade. À medida que discutimos a ideia da participação, do estímulo ao indivíduo, procurando fazê-lo sentir-se, enquanto corresponsável por sua atividade produtiva, inicia-se o processo que o capacitará a ser um efetivo dono da sua empresa, no caso, a cooperativa, que por sua vez, passa a ser autogestionária. Nesse contexto, a noção do que vem a ser dono requer uma ampla discussão, tendo em vista que o significante dono, de maneira geral, evoca a ideia de alguém com um expressivo capital; que se senta atrás de um birô, numa sala com ar condicionado e que manda outros executarem as atividades. Entretanto, o dono de um empresa autogestionária é essencialmente distinto do supracitado. Ou melhor, o dono de uma cooperativa precisa passar por uma revolução cultural no que tange ao seu papel na empresa, senão eventualmente poderá dizer o seguinte: não vou trabalhar hoje, porque sou dono da minha empresa, estou cansado, hoje irei à praia, irei descansar. Percebe-se nessa atitude, o significado que ser dono pode assumir. Explico. A ação do indivíduo que lhe motiva a dizer: agora,sou dono, por isso não vou trabalhar, vou tomar uma pinga, vou conversar e jogar dominó com os amigos etc. está baseada no significado clássico e tradicional de ser dono, inerente, neste caso, ao trabalho subordinado. É de se notar que quando se forja o dono tradicional, forja-se, também, o seu trabalhador correspondente, com a lógica tradicional do que significa ser dono. Assim, temos de mudar essa postura, e será uma mudança significativa, ou seja, uma transformação cultural imposta pelo novo cenário que se configura. O objetivo central da cooperativa é agregar mais valor aos produtos e serviços com a finalidade de dividi-lo proporcionalmente ao trabalho de cada cooperado. Contudo, na cena brasileira contemporânea, apesar do referido objetivo parecer óbvio, as chamadas cooperfraudes adotam uma postura oposta, ou seja, utilizando o cooperativismo como fachada, agregam valor,de forma ilegal e inescrupulosa, na intenção de enriquecer apenas um número ínfimo de “cooperados”. Daí porque as cooperativas autogestionárias devem, constantemente, fortalecer a participação de seus trabalhadores nas decisões da empresa, no sentido de garantir que todo valor agregado seja realmente distribuído entre os cooperados. É evidente que a cooperativa é um projeto essencialmente econômico de um determinado grupo, mas também um projeto político. À medida que objetivam melhorar a condição de vida de seus integrantes, tomam uma decisão política - política no sentido amplo do termo, e não no sentido restrito, ou seja, exclusivamente partidário. E nesse sentido, elaboram uma pauta para melhorar tal condição. Assim, será

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a convicção pró-ativa diante do mundo adverso, que os farão tomar a decisão de melhorar suas condições de vida. Sem dúvida, esse processo político é fundamental, daí porque não podem ser apenas dois ou três membros, os únicos responsáveis, a partir de estratégias por eles elaboradas, pela condução da cooperativa. As decisões devem ser do grupo como um todo, para ao mesmo tempo, efetivamente, satisfazer os interesses de cada um dos cooperados. 6. Buscar criar um espaço que possibilite o desenvolvimento das potencialidades individuais A partir dos objetivos sociais, culturais e econômicos dos cooperados, deve-se buscar harmonizar os interesses do grupo, negando toda e qualquer forma de dualização entre o interesse do grupo e o interesse do indivíduo. É importante notar que, harmonizar o interesse do grupo com o interesse do indivíduo, significa criar uma cultura própria da convivência; criar confiança entre as pessoas. Em termos concretos, a Incubadora tem procurado propiciar o aprendizado da referida convivência, a partir de uma exigência básica: todos os cooperados devem participar - é uma exigência da Incubadora -do curso básico de cooperativismo, não só pelo conhecimento do cooperativismo, da sua história, mas sobretudo pelo fato do curso gestar um convívio entre os cooperados, que por sua vez, passam a forjar uma confiança entre si. Ao nosso ver, essa confiança é uma necessidade básica para as cooperativas, à medida que se deseja construir uma empresa comum, tem de se conhecer; tem de procurar conversar; falar a mesma linguagem, enfim, criar uma efetiva confiança entre os cooperados.

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Capítulo 11: Incubação em Economia Solidária e Extensão Universitária: Reflexões a Partir da Experiência da ITES/UFBA Ives Tavares Romero do Nascimento, Ariádne Scalfoni Rigo, Genauto Carvalho de França Filho .................................................................................................. 1. Introdução Falar em Extensão universitária é falar em uma ação que coloca a universidade em um contato direto com a sociedade, que vai além da formação de profissionais para o mercado de trabalho. Assim, entende-se como prática extensionista toda aquela que promove uma ação direta em uma comunidade, como as que oferecem serviços gratuitos de saúde, assessoria jurídica e assistência social. O intuito da extensão é contribuir com a formação do aluno universitário, proporcionando a ampliação da sua competência profissional. Esta competência diz respeito a algo que extrapola o conhecimento adquirido e sua aplicação imediata, e estimula a atitude investigativa e questionadora. Apesar da importância da extensão, ainda são o Ensino e a Pesquisa as atividades que recebem os maiores aportes de investimentos nessas instituições, além de ter um maior reconhecimento pela comunidade científica e pela sociedade em geral. Contudo, nos últimos anos, à extensão universitária tem sido dada uma maior atenção, uma vez percebida sua relevância para a formação dos alunos. Segundo o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras - FORPROEX (2006, p.42-43), para que as competências profissionais sejam amplamente desenvolvidas, “a pesquisa e a extensão são imprescindíveis” e se potencializam significativamente quando desenvolvidas conjuntamente. Esta complementaridade é chamada de princípio da Indissociabilidade entre Pesquisa, Ensino e Extensão. Ainda sob essa perspectiva, Maciel & Mazzilli (2010, p.13) apontaram que há uma “baixa incidência da possibilidade de práticas efetivas da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão na universidade brasileira”. O objetivo deste texto é refletir sobre como as incubadoras tecnológicas em economia solidária podem contribuir não apenas com a extensão universitária, mas com a constituição e o desenvolvimento de relações mais estreitas entre ensino, pesquisa e extensão. Este tripé é o

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que define o papel das universidades públicas brasileiras. Mas, como a incubação ganhou espaço dentro das ações de extensão nas universidades? As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) ou Incubadoras Tecnológicas em Economia Solidária33 são, atualmente, amplamente difundidas nas IES do país, notadamente as públicas. O objetivo destas, de maneira geral, é acompanhar empreendimentos populares e solidários, na perspectiva da constituição de trabalho e renda, por meio da ação direta de professores, estudantes universitários e técnicos junto à gestão dos Empreendimentos de Economia Solidária (EES) em busca de sua sustentabilidade social e econômica. A primeira Instituição de Ensino Superior (IES) a desenvolver um processo de incubação foi a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, em parceria com a Gerência de Negócios do Sistema de Cooperativas de Trabalho, por meio de um projeto piloto integrante do Programa Nacional de Cooperativas de Trabalho, elaborado pelo Comitê de Entidades Públicas (COEP), no ano de 1997. Em 1999, já era uma dezena de ITCPs e estas criam a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede de ITCPs como é mais conhecida). A Rede de ITCPs tem como objetivo principal desenvolver e disseminar conhecimentos sobre cooperativismo e autogestão, contribuindo para o desenvolvimento da economia solidária. Ela surge para integrar de forma dinâmica as incubadoras e favorecer a transferência de tecnologias e conhecimentos (TOLEDO, 2007). De modo geral, a Rede foi o formato encontrado pelas incubadoras para fortalecer seu trabalho conjunto e influenciar na criação de políticas públicas para as ITCPs e para os EES. Dados de 2010 apontam que já são 43 incubadoras integrando a Rede de ITCPs nas 05 regiões do país. Na região sul, são 15 ITCPS em diferentes Universidades e Institutos de Ensino Superior; na região Sudeste, conta-se 17; na região Centro-Oeste são 03; na região Norte há apenas uma; e, na região Nordeste, existem 8 ITCPs dentre elas a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial (ITES) da UFBA. A ITES/UFBA busca contribuir para a melhoria da realidade nos territórios onde atua elaborando e desenvolvendo projetos de redes de economia solidária em diversos espaços carentes (bairros populares, comunidades, povoados ou pequenos municípios) do Estado da Bahia. Seu processo de incubação envolve o apoio à constituição e gestão de 33 Atualmente existem denominações diferentes para as incubadoras vinculadas às instituições de ensino superior, tais como Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares e Incubadoras Tecnológicas de Empreendimentos de Economia Solidária. Neste texto, utilizaremos a denominação “Incubadoras Tecnológicas em Economia Solidária” para representar àquelas que se apóia na Economia Solidária para sua atuação, seja incubando EES individuais, seja incubando redes de EES ou mesmo territórios.

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diferentes tipos de empreendimentos e iniciativas articuladas em redes, a exemplo de bancos comunitários de desenvolvimento, associações comunitárias, infocentros comunitários, cooperativas populares, fóruns públicos locais, grupos de cultura e empreendimentos coletivos. Tal abordagem visa estimular à constituição e fortalecimento de formas de auto-organização socioeconômicas e políticas, numa plataforma de promoção de “um outro modo” viável para o desenvolvimento local, em oposição ao modelo tradicional de economia de mercado (excludente e antidemocrática). É evidente que a ação em rede entre as incubadoras contribuiu para evidenciar o importante papel das ITCPs no fortalecimento dos EES. Desde a criação da Secretaria Nacional da Economia Solidária – SENAES/MTE, em 2003, as ITCPs passam a ganhar um papel central na efetivação das políticas de economia solidária relacionadas à melhoria na gestão dos EES. Em novembro de 2010, o Governo Federal estabeleceu como política de Estado através de decreto o Programa Nacional de Apoio às Incubadoras Universitárias de Cooperativas Populares (PRONINC), demonstrando claramente sua intenção de apoiar as ITCPs. Desta maneira, as incubadoras assumem um papel de atores sociais importantes para a melhoria da vida das comunidades onde atuam, reduzindo as desigualdades sociais, ampliando o acesso ao emprego e à renda e garantindo o surgimento de outras iniciativas que propiciam saúde, educação e cultura, interferindo positivamente na dinâmica social brasileira. Além disso, são espaços que visam articular as atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, ou seja, os pilares da Universidade pública brasileira. 2. A extensão universitária e a redefinição do papel da universidade Atualmente, o conceito de Universidade remete a um espaço de discussão, debate e ensino, pesquisa e extensão. Contudo, ao fazermos uma breve análise histórica acerca de sua constituição, percebemos que as universidades nasceram na Idade Média sob a forma de corporações, onde o ensino era a única atividade desenvolvida, permanecendo assim até o século XIX, quando essas instituições passaram a se preocupar com a prestação de serviços à sociedade. Foi então que a extensão integrou as atividades precípuas das universidades (SOUSA, 2010). Entretanto, Rocha (2001) afirma que o extensionismo começou junto com as universidades no Medievo sob a forma das missões ou ações filantrópicas, perpassando pelo Iluminismo com um caráter de ação revolucionária. Essa característica influenciou universidades européias e americanas, tendo aparecido como Extensão (com essa denominação) na Universidade de Cambridge, Inglaterra, em 1867. Esta, por sua vez, teria fomentado uma extensão ligada a programas de desenvolvimen-

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to tanto na América Anglo-saxônica quanto na América Latina, culminando nesta última como o componente de um processo de mudança social e difusão cultural (anos 50 e 60). Melo Neto (2002) expõe que o Movimento de Córdoba34 em 1918 foi bastante importante para a consolidação da extensão no seio da universidade, uma vez que os estudantes argentinos enfatizaram a relevância da relação universidade-sociedade tendo a extensão como vetor dessa relação. No Brasil, algumas iniciativas importantes foram o Congresso da UNE na Bahia (1961), o Projeto Rondom e a Operação Mauá. Sousa (2010) avalia o desenvolvimento da extensão universitária brasileira sob a ótica do movimento estudantil, do Ministério da Educação e das universidades, estabelecendo que essas três “frentes” foram decisivas para a consolidação das chamadas práticas extensionistas. Contudo, dois marcos podem ser estabelecidos: A Lei 5.540/68 e o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). O primeiro deles, a Lei 5.540/68 (revogada pela Lei 9.394/96), tratava da reforma universitária, que tornou a extensão obrigatória em todas as IES. A nova legislação sobre o tema coloca a extensão como finalidade da educação superior. Já o segundo, o FORPROEX, foi fundamental para a conceituação atual e a projeção da extensão universitária. Dessa forma, o FORPROEX se posicionou no ano de 1987 sobre extensão universitária, definindo-a da seguinte maneira: A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. 34 O Movimento de Córdoba de 1918, ocorrido inicialmente na Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, teve como objetivos a reformulação da autonomia universitária e sua modernização, entre outros. O movimento ganhou força em toda Argentina e alastrou-se por toda América Latina.

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Para chegarmos a um conceito hodierno, é interessante que deixemos claro que a ideia de extensão no âmbito acadêmico se moldou de acordo com o momento sócio-histórico das universidades. No caso do Brasil, a redefinição do papel das universidades fez com que a ideia acerca da extensão também fosse redefinida. De uma postura clientelista e utilitarista, as universidades públicas brasileiras hoje se concentram muito mais na formação plena dos estudantes, que tenta fazê-los mais críticos e compromissados com a sociedade. Essa formação se daria, então, com uma abordagem mais ampla com base no tripé ensino-pesquisa-extensão. O princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão reflete um conceito de qualidade do trabalho acadêmico que favorece a aproximação entre universidade e sociedade, a auto-reflexão crítica, a emancipação teórica e prática dos estudantes e o significado social do trabalho acadêmico. A concretização deste princípio supõe a realização de projetos coletivos de trabalho que se referenciem na avaliação institucional, no planejamento das ações institucionais e na avaliação que leve em conta o interesse da maioria da sociedade (ANDES, 2003, p. 30).

Nesta nova concepção o intuito da extensão é de dar aos alunos a oportunidade de conhecerem melhor a sociedade, poder aprender com ela e fazer-se seu partícipe. A extensão, então, alimenta e enriquece a pesquisa, além de voltar-se para a formação de profissionais baseado em valores de ética, solidariedade, cidadania e desenvolvimento humano com orientação à resolução dos problemas sociais (COELHO, 2010). Nesta perspectiva, para Fróes (2005) a extensão complementa as grades curriculares dos cursos, integra o aluno com a profissão escolhida ao mostrá-lo seu campo de trabalho, além de fazer uma ponte entre diferentes cursos de educação superior. Para ele, a grande missão da extensão universitária é ativar nos alunos novas perspectivas profissionais e fazer a integração entre os saberes e os cursos. Assim, a noção de “via de mão-dupla” é justamente essa nova proposta que tem se sobressaído na discussão sobre extensão universitária: a de intervir na sociedade e ao mesmo tempo aprender com ela. Além disso, para Silva (2008), a extensão universitária deve ser um espaço em que sejam favorecidas a articulação entre teoria e prática; o aprendizado da gestão coletiva de processos de conhecimento e intervenção em problemas sociais; e a articulação com diversas instituições, movimentos sociais, empresas, dentre outros. Para Toscano (2006) a extensão pode permitir uma troca de saberes entre a academia e a sociedade (saberes acadêmicos e populares), propiciando a democratização do conhecimento produzido dentro da universidade, mas ao mesmo proporcionando novos conhecimentos em razão do contato com a realidade.

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Diante do exposto, a extensão universitária é vital para o conhecimento e para a sociedade brasileira. Todavia, de que forma ela pode ser posta em prática? Uma das respostas tem sido via incubação em economia solidária. Isto porque a economia solidária tem se mostrado como um campo muito fértil para a atuação dos estudantes e professores em projetos extensionistas, favorecendo o aprendizado e a formação acadêmica. Esta nova forma de extensão se coloca como uma modalidade específica, que constitui novidade diante das formas tradicionais de extensão. Ou seja, a economia solidária pode ser vista de forma alinhada com as novas concepções e práticas extensionistas, as quais privilegiam a troca de saberes num processo democrático de transformação das realidades. 3. Incubadoras em economia solidária e o seu papel na extensão universitária A proposta de incubação em economia solidária se deu quando alguns centros de pesquisas, geralmente vinculados às universidades, encontraram alternativas para estender sua atuação para fora de seus muros, cumprindo de forma mais ampla o seu papel de servir à sociedade. Usualmente, as práticas de incubação dentro do campo da economia solidária têm se voltado para criação e assessoria aos empreendimentos econômicos solidários (EES) de modo específico ou na forma de redes de EES, ou ainda, de redes locais de economia solidária. De modo geral, as incubadoras perpassam um caminho durante sua atuação que envolve as etapas anteriores e posteriores à incubação. Mas, cada uma destas entidades elabora e põe em prática uma metodologia própria de intervenção na sociedade a partir das demandas que recebem ou identificam. Nesse sentido, a temática e a prática da economia solidária são essenciais para as ações das incubadoras, pois se caracterizam pelo desenvolvimento de atividades econômicas para a realização de objetivos sociais, concorrendo para a afirmação de ideais de cidadania, voltando-se à geração de trabalho e renda em territórios com populações fragilizadas. França Filho (2002) argumenta que a expressão “economia solidária” indica, em um primeiro momento, a junção de duas concepções não antes atreladas: iniciativa e solidariedade. O fundamento desse argumento reside no fato de a economia solidária expressar um conjunto de “experiências organizacionais inscritas numa dinâmica atual em torno das chamadas novas formas de solidariedade”. Estas novas formas são traduzidas em formas de construções coletivas e na ênfase na confiança e reciprocidade entre os indivíduos de uma localidade. Sendo assim, a compreensão do fenômeno da economia solidária passa pela observância de três perspectivas: a) Prática: a economia solidária é um conjunto de práticas baseadas nos princípios da solidariedade e do trabalho associado com um

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caráter econômico, dos quais os EES são os melhores exemplos; b) Teoria: gira em torno das discussões de tratar a economia solidária como uma alternativa para a situação de exclusão social que muitos indivíduos atravessam; e c) Política: aborda a economia solidária como um movimento social que busca articular pessoas e organizações com o objetivo de traçar linhas de ação para o enfrentamento dos problemas sociais. Com base nessas três perspectivas, a economia solidária se consolida como fenômeno e como campo de atuação. Dentre os vários empreendimentos que compõem o fenômeno da Economia Solidária no Brasil, estão as organizações associativas comunitárias, os grupos setoriais produtivos informais e as cooperativas populares. Todas estas organizações passaram, ao longo dos últimos 30 anos, a contemplar um triplo plano de atuação: social, econômico e político. Social por rearticular as ligações entre os indivíduos; econômico por reformular o acesso ao consumo e à renda; e político por ampliar a discussão e participação destes empreendimentos num plano local, regional e, por vezes, nacional. É sob esta perspectiva que as incubadoras em economia solidária se configuram como mecanismos de extensão universitária, pois interferem na sociedade e buscam melhorar as condições de vida de um grande número de comunidades e de grupos (produtivos, culturais, de organização política etc). E, ao mesmo tempo, aprendem com as comunidades como é a realidade e a partir daí criam novas maneiras de agir, configurando então um circuito de mão-dupla entre a academia e a sociedade. De acordo com Nunes (2009, p. 105), Nesse contexto de consolidação da extensão universitária, dentro do compromisso social das instituições de ensino superior face à situação econômica da população de baixa renda, sobretudo dos desempregados, várias delas criam incubadoras de novo tipo. São incubadoras que apóiam empreendimentos cooperativos populares e não empresas tradicionais, por meio da assistência técnica para a gestão e profissionalização e apoio na construção autogestionária.

As práticas das Incubadoras em Economia Solidária vão ao encontro da redefinição da extensão universitária, ao propiciarem um ambiente de aprendizado para as partes envolvidas: professores, estudantes e comunidades. Assim, a extensão por meio das ações de tais incubadoras não são vistas simplesmente como uma ação de intervenção social onde apenas a universidade é a detentora do conhecimento; mas, a comunidade oportuniza o aprendizado da academia em uma relação mútua de intercâmbio de saberes. Além disso, as incubadoras em economia solidária colocam seus membros para juntamente com as instituições locais pensarem, elaborarem e executarem projetos nos territórios ou comunidades onde atuam.

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Por fim, Matsuda (2010) aponta que O processo de incubação pode ser entendido como uma das formas da extensão universitária ser aplicada a favor da sociedade. A Incubadora de Cooperativa Popular consiste, basicamente, em uma troca de conhecimentos entre a Universidade e a Sociedade.

Todavia, dentro da universidade, como afirma Enio Silva (2003), a extensão hoje se configura como um novo paradigma em razão de a instituição ter acompanhado as mudanças que a sociedade atravessou, tornando-se complexa e multifuncional. Essas novas características induziram a um fenômeno de confluência entre pesquisa, ensino e extensão, provocando uma “difícil definição das suas especificidades” e contribuindo para uma baixa compreensão de suas delimitações, o que tem gerado problemas da ordem de “grandes divergências quanto ao que se faz como extensão e o que se deveria fazer”. Como visto, as incubadoras em economia solidária possuem um papel importante na extensão universitária. A “universidade brasileira, por meio de suas incubadoras tecnológicas universitárias, corrobora com a sociedade na missão inovadora de ação sociopolítica, ampliando e preservando a cidadania e a dignidade do trabalhador” (OLIVEIRA, 2012). Mas, até que ponto elas contribuem para a criação e o fortalecimento das relações entre ensino, pesquisa e a extensão propriamente dita? 4. Incubação e articulação entre ensino, pesquisa e extensão: uma experiência da ITES/UFBA O processo de consolidação das universidades brasileiras, notadamente as públicas, trouxe à atualidade a observância do referido princípio, estabelecido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 207, e que tem como meta principal promover a total integração e melhoria do ensino superior nacional. Oliveira (2012, p. 21) completa: O tripé (ensino, pesquisa e extensão) se manifesta em uma incubadora universitária de empreendimentos de economia solidária por meio da intervenção em processos de incubação de cooperativas populares (extensão), na produção de conhecimento (pesquisa) e por meio da formação de estudantes e de profissionais (ensino) (grifo nosso).

Para Nunes (2009), as incubadoras podem ser vistas como “laboratórios” em que a pesquisa e a extensão se articulam nas experiências e no conjunto de atividades

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de apoio aos empreendimentos em desenvolvimento. Neste processo, além de resultar em melhoria no desempenho dos empreendimentos em si, uma diversidade de monografias, dissertações, teses e pesquisas em geral são desenvolvidas pelas equipes de professores e estudantes de graduação e de pós-graduação (NUNES, 2009). A experiência da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal da Bahia (ITES/UFBA) configura-se hoje como um espaço de incubação de economia solidária onde o ensino, a pesquisa e a extensão são contemplados em sua atuação. Atualmente a incubadora conta com uma equipe de cerca de trinta integrantes (entre estagiários, mestrandos, doutorandos, professores e técnicos) que se organizam em torno de mais de dez projetos em execução. Esses projetos, por sua vez, contemplam ações de ensino, pesquisa e extensão, o que coloca a ITES como um desses “laboratórios” apontados por Nunes (2009). Os processos de incubação propriamente ditos se dão pela extensão universitária. Neles, professores orientadores, estudantes e técnicos atuam diretamente nos territórios por meio das Redes Locais de Economia Solidária (RLES). Isso significa que, ao invés de um único empreendimento ser incubado, uma rede de empreendimentos solidários, entidades apoiadoras e indivíduos é criada no território, acelerando-se o processo de desenvolvimento local. Assim, é criado um Banco Comunitário de Desenvolvimento (BCD), um dos eixos da RLES; um Infocentro; uma Horta Comunitária; e um Mercadinho; por exemplo, que buscam atender as necessidades da comunidade onde a RLES é criada, podendo variar de acordo com cada localidade. Esses projetos capitaneados pela ITES são apoiados por editais de financiamento público e/ou instituições públicas (e até privadas em alguns casos mais raros, quando articulam-se arranjos institucionais mistos), demandando uma variedade de ações em suas metas. Como integrante da práxis da ITES, essas ações são pensadas de uma maneira que envolvam a pesquisa, o ensino e a extensão objetivando promover a melhoria da realidade das populações atendidas (extensão), contribuir com a formação da equipe técnica (ensino) e das pessoas localmente, gerando conhecimento (pesquisa) que é compartilhado tanto dentro da academia quanto fora dela ou nas próprias comunidades onde há o processo de intervenção. Contudo, o volume de iniciativas demandadas pelos projetos passou a dificultar a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão. No intuito de buscar reforçar essa articulação, em abril de 2011 foi criado o Núcleo de Aprendizagem da ITES – Pesquisas e Produção do Conhecimento (NAIPP/ITES/UFBA) com o intuito de sistematizar o conhecimento e as informações relativos à expertise da Incubadora e que associam teoria e prática, pesquisa e extensão. O Naipp surge então como um esforço de reorganizar os produtos propostos pela ITES em cada projeto.

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As ações até aqui listadas são um exemplo de como a ITES tem buscado aliar o ensino, a pesquisa e a extensão em suas atividades. Todavia, o caso mais emblemático do Naipp nesse processo é a construção de Casos de Ensino com base nas decisões dos Comitês de Avaliação de Crédito (CAC) dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs) apoiados pela ITES. Mas como essa construção envolve a pesquisa, o ensino e a extensão? Vejamos: A incubadora apoia os BCDs por meio de ações de extensão sua constituição e acompanhamento. Com estes em funcionamento, utiliza a pesquisa para obter dados da atuação dos BCDs nos territórios para diversos fins acadêmicos, como a criação de Casos de Ensino, que por sua vez são utilizados na graduação e pós-graduação como ferramentas importantes de ensino. 5. Considerações finais: os fatos e os desafios da Incubação enquanto espaço de indissociabilidades Neste texto tentamos demonstrar a existência de importante singularidade da atividade de incubação em economia solidária enquanto prática de extensão universitária. Tal singularidade reside em alguns fatos: Primeiro, o fato de requerer para sua própria realização efetiva o desenvolvimento de atividades de ensino e pesquisa (ratificando na prática o tão reconhecido princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão) – já que o trabalho de incubação lida permanentemente com formação de pessoas (tanto na universidade como nas comunidades) e produção de conhecimento voltado ao suporte do próprio desenvolvimento das atividades (que em geral dizem respeito ao desenvolvimento de tecnologias socialmente apropriadas pelos grupos populares incubados). Segundo, o fato de envolver grau elevado de complexidade na medida em que lida-se com um conjunto de questões não apenas econômicas dizendo respeito ao processo de organização e desenvolvimento de pessoas e seus respectivos territórios. Terceiro, o fato de requerer volume significativo de recursos, em razão da natureza das demandas do processo de organização e desenvolvimento das comunidades (equipamentos, investimentos diversos, custeio de atividades, etc.). Quarto, o fato de envolver um processo de aprendizagem sempre necessariamente lento e gradual, em razão da própria necessidade de imersão aprofundada na realidade local. Quinto, o fato de requerer necessidade de fortalecimento institucional através da constituição de diferentes mecanismos de articulação e arranjos envolvendo diferentes atores institucionais

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Desse modo, podemos concluir que a prática de incubação em economia solidária parece redefinir (ou resignificar) a própria prática da extensão universitária, colocando-a ainda em relação mais estreita com o ensino e a pesquisa. Uma conseqüência importante dessa conclusão diz respeito ao potencial de tais práticas no sentido de contribuir para uma renovação também das Políticas Públicas em economia solidária ao trazer para o “centro da cena” ou recolocar (reposicionar) o “lugar” ou papel estratégico da Instituição Universitária no apoio à economia solidária enquanto ação política. Contudo, a efetivação de um tal horizonte de possibilidade requer uma revisão profunda da concepção e modo de execução das atuais ações de apoio as incubadoras (por exemplo, o Proext e Proninc). A partir destes fatos, sobre os quais as Incubadoras se apóiam, a experiência do trabalho da ITES/UFBA nos tem revelado muitas possibilidades e, ao mesmo tempo, muitos desafios. Aponta, como visto, a concreta possibilidade de articular ensino, pesquisa e extensão nas universidades públicas brasileiras. Contudo, neste processo possível, as dificuldades e desafios, no mínimo, provocam reflexões. Podemos refleti-los (didaticamente) sob dois conjuntos. Um de ordem mais geral, relativo à extensão universitária e seus atores; outro de ordem mais específica, que se relaciona ao cotidiano das incubadoras nas suas práticas de extensão. No plano mais amplo, no atual panorama dos investimentos públicos nas universidades, por exemplo, os docentes são levados à privilegiar à pesquisa ao invés da extensão, tanto pelo aporte maior de recursos como pelo status que a pesquisa desfruta na comunidade acadêmica. Além disso, as instituições regulamentadoras dos programas de pós-graduação, como a CAPES, acabam avaliando currículos e programas muito baseadas em publicações (frutos diretos de pesquisas), e quase nunca por meio de ações extensionistas ou mesmo por planos de trabalho que visam a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. No plano cotidiano, o conjunto das atividades sobre a responsabilidade dos docentes dificulta a proposição de projetos maiores, que envolvem as os três pilares. Isso porque, tais propostas envolvem elevada carga horária, somada a compromissos corriqueiros da vida acadêmica tais como reuniões, eventos (participação e organização), orientações (graduação e pós graduação), bancas examinadoras, avaliações diversas entre muitas outras. Mas, estas não são as únicas dificuldades e desafios que se pode perceber no âmbito da atuação das incubadoras, nem tão pouco são apenas aquelas (anteriormente comentadas) as potencialidades vistas na forma de atuar delas. Cada experiência de incubação, cada equipe, acreditamos, aponta inúmeras possibilidades e trabalha para desenvolver formas de transpor seus desafios.

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Sobre os Autores Airton Cardoso Cançado Professor-adjunto da UFT e coordenador do Núcleo de Economia Solidária da Universidade Federal do Tocantins (NESol/UFT). Doutor em Administração pela UFLA. Mestre em Administração pela UFBA. E-mail: [email protected] Amanda Cristina Medeiros Técnica da ITEPS/UFC/Campus Cariri e Pesquisadora do LIEGS/UFC/Campus Cariri. Mestranda em Administração pela EBAPE/FGV. Graduada em Administração pela UFC Cariri, e em Direito pela URCA. E-mail: [email protected] Ana Aline Nascimento Bolsista da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Graduanda em Administração Pública e Gestão Social pela UFC/Campus Cariri. E-mail: [email protected] Andrécia Márcia Ricardo de Carvalho Pesquisadora do LIEGS/UFC Cariri. Especialista em Gestão Social do desenvolvimento pela UFC/ Campus Cariri. Graduada em Biblioteconomia pela UFC/Campus Cariri. E-mail: [email protected] Antônia Olga Correia de Moura Técnica da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Especialista em Administração Financeira pela Universidade Regional do Cariri - URCA. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri - URCA. E-mail: [email protected] Ariádne Scalfoni Rigo Professora da UFBA e integrante da ITES/UFBA. Doutoranda em Administração pelo NPGA/UFBA. Mestre em Administração pela UFPE. E-mail: [email protected] Augusto de Oliveira Tavares Professor substituto da UFC/ Campus Cariri. Professor da Faculdade Leão Sampaio (FALS). Mestre em Sociologia pela UFC. Especialista em Gestão Social pela UFC/ Campus Cariri. E-mail: [email protected]

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Cleonisia Alves Rodrigues do Vale Professora substituta da Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri. Mestranda em Gestão Social pela UFBA. Especialista em Gestão Social pela UFC/ Campus Cariri. E-mail: [email protected] Danilo Ivo Feitosa Bolsista da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Graduando em Administração pela UFC/ Campus Cariri. E-mail: [email protected] Eduardo Vivian da Cunha Professor-adjunto UFC/Campus Cariri e Coordenador do Curso de Administração Pública e ITEPS/UFC-Cariri. Doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Administração pela UFBA. E-mail: [email protected] Eva Regina do Nascimento Lopes Pesquisadora discente do Laboratório de Estudos Avançados em Desenvolvimento Regional do Semiárido LEADERS/ UFC/ Campus Cariri. Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável pela UFC/Campus Cariri. Graduada em Administração pela UFC/Campus Cariri. E-mail: [email protected] Genauto Carvalho de França Filho Professor-adjunto da UFBA e Pesquisador do CNPq com Bolsa de Produtividade Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora do CNPq - Nível 2 e Coordenador Geral da ITES/UFBA. Doutor em Sociologia pela Université Paris Diderot – Paris. Mestre em Administração pela UFBA. E-mail: [email protected] Ítalo Anderson Taumaturgo dos Santos Presidente da SIFE/UFC/ Campus Cariri. Graduando em Administração pela UFC/ Campus Cariri. E-mail: [email protected] Ives Tavares Romero do Nascimento Integrante da ITES/UFBA. Mestrando em Administração pela UFBA. Graduado em Direito pela URCA e em Administração UFC/Campus Cariri. E-mail: ivestavares@ gmail.com

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Juliana Loss Justo Professora Auxiliar da UFC/Campus Cariri. Especialista em Cultura Pernambucana pela FAFIRE. Graduada em Design pela UFPE. E-mail: [email protected] Joseane de Queiroz Vieira Pesquisadora do LIEGS/UFC/Campus Cariri. Graduada em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio e em Direito pela URCA. E-mail: [email protected] Kecya Nayane Lucena Brasil Bolsista da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Mestranda em Psicologia pela UFC. Graduada em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio. E-mail: [email protected] Liliam Deisy Ghizoni Professora da UFT. Doutoranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações na UnB. Membro do Núcleo de Economia Solidária (NESol/UFT). E-mail: [email protected] Lúcia Maria de Araújo: Especialista em Gestão Social pela UFC/ Campus Cariri. Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri/URCA. E-mail: [email protected] Marcus Vinícius de Lima Oliveira Bolsista do LIEGS/UFC/Campus Cariri. Graduando em Administração pela UFC/ Campus Cariri. E-mail: [email protected] Maria do Socorro da Silva Bolsista de Extensão no Projeto Mulheres da Palha/UFC Campus Cariri. Graduanda em Design de produto pela UFC Campus Cariri. E-mail: [email protected] Maria Laís dos Santos Leite Colaboradora da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Graduada em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio - Juazeiro do Norte-CE. E-mail: [email protected]. Maria Maíra da Nobrega Sousa Bolsista da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Graduanda em Filosofia pela UFC/Campus Cariri. E-mail: [email protected]

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Marluse Martins de Matos Bolsista da ITEPS/UFC/Campus Cariri. Graduanda em Administração pela UNIVASF. Participante do Programa de Mobilidade Acadêmica na UFC/ Campus Cariri. E-mail: [email protected] Milanya Ribeiro da Silva Pesquisadora discente do Laboratório de Estudos Avançados em Desenvolvimento Regional do Semiárido LEADERS/ UFC/ Campus Cariri. Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável pela UFC/Campus Cariri. Graduada em Administração pela UFC/Campus Cariri. E-mail: [email protected] Osmar de Sá Ponte Júnior Professor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia da Universidade Federal do Ceará e Coordenador da Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão do Ceará/UFC. E-mail: [email protected] Raquel Farias Gregório Bezerra Bolsista no Projeto Gestão Social nas Escolas do LIEGS/UFC/Campus Cariri. Graduanda em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio. E-mail: [email protected] Rosane da Silva Nunes Professora da UFC/Campus Cariri. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFC. especialista em Gestão da Comunicação pela UFC. Graduada em Comunicação Social pela UFC. E-mail: [email protected] Valéria Giannella Alves Professora adjunta da UFC/Campus Cariri e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Programa de Extensão Paidéia/UFC/ Campus Cariri. Doutora em Políticas Públicas do Território pela Universidade de Arquitetura de Veneza. Graduada em Planejamento Urbano e Territorial em Veneza (Itália). E-mail: [email protected] Waléria Maria Menezes Morais de Alencar Professora da Faculdade Leão Sampaio. Pesquisadora do LIEGS/UFC/ Campus Cariri e Coordenadora do Projeto Gestão Social nas Escolas. Mestre em Políticas Públicas pela Fundação Joaquim Nabuco UFPE. E-mail: [email protected]

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