Indenização Punitiva no Brasil: desafios e configuração

June 15, 2017 | Autor: Tauanna Vianna | Categoria: Direito Civil, Responsabilidade Civil, Punitive Damages, Danos Punitivos
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Indenização punitiva no Brasil:

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INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO BRASIL: desafios e configuração Revista de Direito Privado | vol. 57/2014 | p. 179 | Jan / 2014 DTR\2014\1488 Tauanna Gonçalves Vianna Mestranda em Direito Civil na Faculdade de Direito da USP, sob orientação da Professora Titular Silmara Juny de Abreu Chinellato. Advogada. Área do Direito: Civil Resumo: A indenização punitiva surge como um dos instrumentos capazes de dotar a responsabilidade civil de maior efetividade, objetivando a prevenção de ilícitos a partir da penalização do agente que o tenha causado, o chamado ofensor. O presente estudo pretende analisar a introdução dessa modalidade de reparação civil no ordenamento brasileiro, expondo quais são as limitações e desafios que atualmente se apresentam, bem como os requisitos necessários à sua configuração. Palavras-chave: Indenização punitiva no Brasil - Responsabilidade civil - Dano Social. Abstract: Punitive damages appear as one of the tools capable of endowing Civil Liability with higher effectiveness, aiming the prevention of illicit acts by the punishment of its agent, so-called offender. This article intends to analyze the introduction of this institute in Brazil, exposing which limitations and challenges are currently presented, and also the elements needed in order to conform Punitive Liability. Keywords: Punitive damages in Brazil - Civil Liability - Social damage. Sumário: 1.Introdução - 2.Indenização punitiva no Brasil: imprecisões e desafios - 3.Aspectos da indenização punitiva - 4.Destinação da verba indenizatória punitiva - 5.Conclusão - 6.Bibliografia 1. Introdução Atribui-se à Junqueira de Azevedo o primeiro estudo relevante realizado acerca da indenização punitiva no Brasil.1 Em que se pesem as necessárias adaptações terminológicas, a noção do instituto por ele delineado coincide com aquele ao qual a doutrina estrangeira confere a denominação punitive damages: "Punitive damages are assessed in addition to compensatory damages to punish the defendant for the commission of an aggravated or outrageous act of misconduct and to deter him and others from such conduct in the future" (OWEN, 1976, p. 1265). Segundo adverte o civilista brasileiro, inexiste em nosso ordenamento a possibilidade de acréscimo ao valor da indenização compensatória, centrada no tradicional binômio dano material x dano moral, tendo-se em vista o disposto no art. 944 do Código Civil (LGL\2002\400), que limita a indenização à extensão do dano sofrido pela vítima. "Os danos, especialmente os morais, não poderiam ser aumentados com um plus, a título de pena ou de dissuasão, porque essas verbas não são, evidentemente, cobertura dos danos da vítima. Têm outras finalidades; basta pensar, aliás, que estão centradas na figura do agente" (p. 378). A limitação é superada pela criação de uma categoria autônoma de dano, o chamado dano social, entendido como aquele decorrente do ato gravemente culposo ou doloso, cujas consequências são lesivas não apenas ao patrimônio material ou moral da vítima, mas à sociedade como um todo, tendo em vista seu elevado grau de reprovabilidade. Esse dano social integra-se na extensão do dano sofrido, sendo assim passível de reparação: "O art. 944 no Código Civil (LGL\2002\400), ao limitar a indenização à extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações pelo dano patrimonial e pelo dano moral, também – esse é o ponto – uma indenização pelo dano social. A 'pena’ – agora, entre aspas, porque no fundo é Página 1

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reposição à sociedade –, visa restaurar o nível social de tranquilidade diminuída pelo ato ilícito" (p. 381). Conforme conclui o Professor, os danos sociais culminarão na indenização punitiva (na qual se destaca a ideia de penalidade civil, voltada a um ilícito já ocorrido) e na indenização dissuasória (esta com função pedagógica, visando ao desestímulo de um comportamento futuro), sempre que atos qualificados pelo dolo ou culpa grave acarretarem o rebaixamento imediato do nível de qualidade de vida da população. Em que pese nosso respeito à brilhante construção teórica, trataremos as mencionadas espécies – indenização punitiva e indenização dissuasória – como uma única, amplamente denominada indenização punitiva, pois acreditamos que a punição, embora atinja fatos já ocorridos, traz em si a função dissuasória, preventiva: a penalidade civil, quando efetiva, desestimula tanto o agente atingido, quanto terceiros, da repetição do ilícito no futuro. Trata-se do caráter didático, pedagógico, inerente a qualquer condenação, e potencializado na medida em que esta ganha maiores proporções.2 À guisa destas considerações introdutórias, o presente estudo pretende afirmar a indenização punitiva enquanto categoria autônoma da responsabilidade civil – apartada das já consagradas indenização por danos materiais e indenização por danos morais –, de modo a assegurar sua definitiva introdução no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a concretização de seu objetivo maior, quer seja, a punição – e consequente prevenção – daqueles ilícitos cujas consequências extrapolam as relações individuais, repercutindo negativamente sobre toda a coletividade. 2. Indenização punitiva no Brasil: imprecisões e desafios Paolo Gallo ensina que a indenização punitiva – pene private – consiste na imposição de uma quantia adicional à indenização compensatória, encontrando fundamento em critérios alheios à quantificação do prejuízo.3 Afirma, em outros termos, que a parcela punitiva não integra o montante compensatório, sendo autônoma em relação a ele. Isso porque a indenização punitiva e a indenização compensatória têm finalidades essencialmente distintas. Esta pretende compensar a vítima por um dano sofrido, seja em sua esfera patrimonial, seja em sua esfera moral, objetivando seu retorno ao status quo ante. Assim, o dano material é indenizado a partir dos danos emergentes e dos lucros cessantes, quando inviável sua reparação in natura; ao passo em que o dano moral só admite compensação, por arbítrio judicial, não havendo de se falar em reparação, uma vez que a indenização não tem o condão de apagar a dor, o sofrimento ou a ofensa à personalidade do indivíduo. A indenização compensatória, constata-se, orbita em torno do dano, de modo que a quantia arbitrada não pode extrapolar a extensão deste (GONÇALVES, 2012, p. 510). A indenização punitiva, por sua vez, centra-se em figura distinta: o responsável pelo ilícito, causador do dano. Seu escopo não é restituir a vítima daquilo que lhe foi suprimido por determinado ato, nem compensar a dor eventualmente sofrida, mas apenar aquele que praticou conduta dolosa ou gravemente culposa e, com isso, gerou, direta ou indiretamente, consequências danosas à sociedade como um todo. Conforme ressalta a Profa. Teresa Ancona Lopez, o que interessa, na seara da indenização punitiva, como fundamento das indenizações concedidas a este título, é a conduta do réu (p. 71), como já se vislumbrava no Direito Romano: "A par de instrumentos tipicamente ressarcitórios, que tendiam ao restabelecimento da situação jurídica anterior à lesão, a vítima do dano dispunha das actiones poenalis privadas, através das quais buscava a punição do responsável com a imposição de sanções pecuniárias que chegavam até o quádruplo do prejuízo estimado. O foco, nesses casos, era voltado mais para o comportamento do agente do que para figura da vítima ou para o dano por esta sofrido" (ANDRADE, b, p. 2-3).4 A despeito das significativas diferenças apontadas entre as espécies de indenização compensatória e punitiva, bem como a necessária autonomia desta última, tendo-se em vista sua dupla finalidade (punitiva e dissuasória) e os elementos que concorrem para sua quantificação (conduta do réu, repercussão social do ilícito e qualificação do elemento subjetivo), que serão posteriormente analisados, parte significativa da doutrina e jurisprudência brasileiras vêm tratando o tema com Página 2

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grande imprecisão, operando, conforme sinaliza Daniel Levy, verdadeira deformação no instituto da indenização punitiva (p. 172): "Entre nós, a função punitiva da Responsabilidade Civil tem sido canalizada pela ampliação interpretativa do dano moral, que passou a abranger uma compensação destinada não apenas a tentar suprir a violação aos direitos da personalidade da vítima, mas também a desestimular a conduta ofensiva do agente, É o caráter de 'desestímulo’ do dano moral que, no Brasil, tem refletido essa função da disciplina" (p. 167). Decerto, é muito comum que a doutrina aluda à dupla função do dano moral. Este binômio, ensina Maria Helena Diniz, "caracteriza-se, de um lado, pelo aspecto penal, na medida em que constitui uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa – integridade física, moral e intelectual – não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às consequências de seu ato por não serem reparáveis; e, de outro, pela tarefa satisfatória ou compensatória, pois como dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada ". (p. 127). A função punitiva acaba, assim, inserida na sistemática do dano moral, repercutindo em seu arbitramento, ou seja, no quantum deferido a título de danos morais.5 Opera-se, aqui, conforme constata Judith Martins Costa, uma confusão entre o caráter punitivo da indenização (traço genérico da pena privada, atribuível, segundo forte doutrina, ao dano moral) com a indenização punitiva ( punitive damages): "É preciso, pois, distinguir: uma coisa é arbitrar-se indenização pelo dano moral que, fundada em critérios de ponderação axiológica, tenha caráter compensatório à vítima, levando-se em consideração – para a fixação do montante – a concreta posição da vítima, a espécie de prejuízo causado e, inclusive, a conveniência de dissuadir o ofensor, em certos casos, podendo até mesmo ser uma indenização 'alta’ (desde que guarde proporcionalidade axiologicamente estimada ao dano causado); outra coisa é adotar-se a doutrina dos punitive damages que, passando ao largo da noção de compensação, significa efetivamente – e exclusivamente – a imposição de uma pena, com base na conduta altamente reprovável (dolosa ou gravemente culposa) do ofensor, como é próprio do direito punitivo" (p. 23-24). A imprecisão conceitual se revela ainda mais acentuada na jurisprudência, inclusive nas decisões dos Tribunais Superiores, que vêm se utilizando dos danos morais como forma de repreender condutas socialmente danosas, objetivando dissuadir os agentes e terceiros da prática de ilícitos futuros. Embora as funções punitiva e dissuasória mostrem-se alternativas adequadas para a promoção da justiça no caso concreto, o equívoco em tratá-las como subespécie do dano moral persiste, sinalizando que ainda há muito que se esclarecer em relação à aplicação da indenização punitiva no ordenamento brasileiro.6 Conclui-se, portanto, que a importação disforme dos punitive damages resultou na criação de uma "espécie bizarra de indenização" (SCHREIBER, 2009, p. 205), do que decorrem duas sérias consequências. A uma, gera-se insegurança às partes litigantes, pois não há uma identificação clara da medida em que o dano moral está sendo compensado, e da medida em que se está punindo o ofensor, o que afeta não só a destinação da parcela punitiva (conforme se analisará no item 4), mas o próprio caráter didático da condenação. A duas tem-se que, ao inserir a indenização punitiva dentro de uma modalidade de reparação essencialmente compensatória, a parcela adicional recebida pela vítima, a título de punição do ofensor, pode ser encarada como enriquecimento sem causa, entendido como vantagem indevidamente auferida, passível de restituição, nos termos dos arts. 884 e ss. do Código Civil (LGL\2002\400). Rechaçando tal argumento, registre-se a precisa constatação de Boris Starck: "Si l’idée de peine privée est juste en soi, il devient évident que 'l’enrichissement’ ou 'l’appauvrisement’, si tant est que l’on doive encore emplyer ces termes, auront une base légale, une cause, et toute critique disparaîtrait de ce fait" (p. 385). Outro desafio que paira sobre a introdução da indenização punitiva no ordenamento brasileiro é a ausência de legislação que expressamente a autorize. Conforme os já mencionados ensinamentos Página 3

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de Junqueira de Azevedo, a indenização punitiva encontra suporte no próprio art. 944 do Código Civil (LGL\2002\400), uma vez que este, ao tratar da extensão do dano, também abrange o chamado dano social, que é aquele que extrapola a esfera individual da vítima e repercute negativamente sobre toda a sociedade, posição com a qual concordamos. Contudo, a doutrina majoritária rejeita a ampliação interpretativa do referido dispositivo, sustentando que "não há, no Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 – e nem tampouco havia no de 1916 –, a contemplação de um caráter punitivo, não trazendo qualquer regra permissiva de inserção de parcela punitiva na reparação do dano extrapatrimonial; aliás, os indícios são fortemente contrários ao juízo de punição: basta pensar no parágrafo único do art. 944, quando alude a reduzir o valor da indenização (e, em obrigatória interpretação a contrario sensu, impede que o juiz a aumente) e no art. 403, em tema de responsabilidade contratual, quando afirma que 'ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato’" (MORAES, 2006, p. 48-49). Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, ainda, a aplicação da indenização punitiva sem legislação que a ampare vai de encontro ao princípio da legalidade, que é base da Civil Law. A autora sustenta que, por se tratar da imposição de sanção, ainda que no âmbito civil, a indenização punitiva só seria admitida excepcionalmente, em casos expressamente previstos em lei, conforme consagrado no brocado "nullum crimen, nulla poena sine lege".7 Por esta perspectiva, compartilhada por Suzanne Carval,8 Carlos Roberto Gonçalves9 e outros, far-se-ia necessária a implementação de legislação que amparasse o instituto da indenização punitiva, sendo este, inclusive, o objeto de uma série de Projetos de Lei que atualmente tramitam perante o Congresso Nacional.10 Embora a maioria deles reproduza a indevida inserção da indenização punitiva no âmbito dos danos morais, ao menos sinalizam crescente demanda social no sentido de que a nova face da responsabilidade civil – punitiva e dissuasória – seja internalizada e positivada no ordenamento pátrio. Conforme exposto, parece-nos que o próprio art. 944 do Código Civil (LGL\2002\400) poderia abarcar essa nova espécie de responsabilidade civil. Todavia, tendo-se em vista as imprecisões e incertezas que circundam a indenização punitiva, instituto relativamente novo ao operador do direito brasileiro, é mais prudente que a lei consubstancie seus aspectos principais. Por isso, passamos a analisar os elementos que a informam. 3. Aspectos da indenização punitiva Independentemente de visar à reparação, à compensação ou à punição de um dano injustamente sofrido, todas as modalidades de responsabilidade civil apresentam aspectos comuns, inerentes à sua natureza. Para que se configure a indenização punitiva, alguns elementos deverão estar presentes. Passamos a analisá-los, com o cuidado de fazê-lo sob uma ótica distinta daquela que lançamos à responsabilidade civil compensatória. Isso porque, diferentemente desta, cujo intuito é simplesmente restituir a vítima do quanto lhe foi suprimido em razão do ilícito, a indenização punitiva apresenta um viés eminentemente sancionador, daí sua utilização ter de se restringir a hipóteses mais graves, nas quais reste inconteste a necessidade de apenar a conduta do ofensor. A indenização punitiva destina-se, em suma, àquelas situações em que a mera compensação do dano é insuficiente para dissuadir o ofensor, mas a sanção penal se revela excessivamente desproporcional.11 Todavia, antes que adentremos à análise destes elementos, coloca-se uma questão bastante discutida entre os doutrinadores, concernente à necessidade, ou não, de a lei estabelecer quais ilícitos civis resultariam na incidência da indenização punitiva – a chamada tipicidade do ilícito civil. Questiona-se se a imposição de uma sanção civil se submeteria à lógica dos ilícitos penais, que dependem de tipificação prévia, ou se deveria seguir a dinâmica própria da responsabilidade civil. Suzanne Carval aponta que, caso a lei não delimite as circunstâncias de incidência da indenização punitiva, corre-se o risco de entregar uma "carta em branco" ao juiz (p. 359). É também a posição sustentada por Maria Celina Bodin de Moraes, para quem a tipificação do ilícito civil seria a única maneira de assegurar a "lógica do razoável" nessa matéria (p. 76). Em que pese nosso respeito aos argumentos esposados pelas iminentes doutrinadoras, essa Página 4

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posição contraria a própria dinâmica do sistema brasileiro de responsabilidade civil, cujas cláusulas gerais, constantes dos arts. 186, 187 e 944 do Código Civil (LGL\2002\400) consagram, a nosso ver, o princípio da atipicidade do ilícito civil. No mais, não há, em nosso ordenamento, agente mais qualificado que o próprio juiz para avaliar o cabimento da indenização punitiva nas situações concretas.12 Ao contrário do Direito Penal, que resguarda bens específicos previamente eleitos pelo legislador, em observância à lógica da tutela penal como ultima ratio, o Direito Privado encontra seu campo de atuação sobre as mais diversas situações da vida cotidiana, exigindo maior flexibilidade da lei.13 Conforme enfatiza Caroline Vaz, "deve ser lembrado que a multiplicidade das relações estabelecidas no convívio social são tamanhas que não seria possível enumerar previamente, com taxatividade descritiva, todas as condutas omissivas ou comissivas revestidas de potencial suficiente ao cometimento de ilícito hábil à geração de dano moral, da obrigação de indenizar e ainda punir e/ou dissuadir" (p. 129-130). Defendemos, pois, a adoção de uma cláusula geral de indenização punitiva, sob pena de engessamento, e consequente inoperabilidade, do instituto. Tal cláusula deverá prever, de modo genérico, quais as circunstâncias objetivas que ensejam a sanção civil, bem como o essencial elemento subjetivo, intrínseco a toda noção de punição. 3.1 Elementos objetivos Os elementos objetivos comportam aquelas situações nas quais se admite a incidência da indenização punitiva. Conforme mencionado, a delimitação destes critérios deve ser mais rígida que aquela aplicada à indenização compensatória, a qual abrange, via de regra, toda conduta que gera dano a outrem. Em se tratando da indenização punitiva, passamos a analisar particularidades atinentes à conduta do ofensor e ao dano dela decorrente. Quanto à conduta do agente, há de se verificar a ilicitude do ato praticado, ou seja, a violação de um dever legal ou de um interesse juridicamente tutelado. O fato de se tratar de uma obrigação contratual ou extracontratual, a nosso ver, pouco importa, pois a jurisprudência nacional e estrangeira está farta de exemplos em que a violação de uma disposição contratual por uma das partes gera prejuízos não só ao outro contratante, mas também a terceiros, quando não à toda ordem social. A este respeito, vale menção a um conhecido caso da jurisprudência brasileira, relatado por Junqueira de Azevedo, em que a rescisão contratual não afetou apenas as partes do contrato, mas os próprios padrões de segurança e confiabilidade do sistema contratual, gerando o chamado "rebaixamento do nível coletivo de vida" (p. 381): "O recente caso, relativamente divertido, do cantor Zeca Pagodinho, se tudo se tivesse passado até o fim nos exatos termos queridos pelo contrato que consubstanciava aliciamento do cantor, o segundo contrato, é ilustrativo. O desrespeito doloso no primeiro contrato, e o mau exemplo, no comportamento do cantor – sempre racionando por hipótese e considerando que tudo se passou como publicado –, em conluio com a Ambev, não deveria levar somente à indenização por perdas e danos da primeira contratante. Na verdade, se não houvesse um plus de indenização – pago por ele e pela Ambev –, tendo por causa o segundo acordo, estaríamos diante da falta de consequência para um ato doloso e diante de um evidente estímulo ao descumprimento dos contratos. A tolerância para com o dolo e para com o descumprimento da palavra (seria alterum laedere e suum cuique non tribuere, tudo ao contrário do que deveria ser) são os piores males para uma sociedade. Em resumo, é preciso repor, quer num caso, por punição, quer noutro, por dissuasão, o que foi tirado da sociedade. O dano social se apresenta aqui nas duas vertentes: merece punição e acréscimo dissuasório, ou didático" (p. 382, grifos nossos). Vale ressaltar, todavia, que tanto no Brasil quanto no sistema da Common Law, o simples inadimplemento contratual (chamado breach of contract) é incapaz de ensejar a responsabilidade civil punitiva. É necessário que se verifique aquele plus, analisando-se se a conduta maliciosa extrapolou os limites do mero inadimplemento, tendo repercutido sobre a esfera de direitos metaindividuais. Segundo David Owen, tais condutas, por si só, já configurariam um ilícito independente do contrato, ensejando a indenização punitiva. O segundo requisito objetivo e igualmente indispensável à indenização punitiva é a efetiva ocorrência do dano. Diferentemente do que ocorre na Common Law, na qual se admite, em algumas hipóteses, Página 5

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a responsabilização sem a efetiva ocorrência do prejuízo – no caso dos chamados ilícitos dedutíveis per se14 –, acreditamos que o mesmo não é admissível no Brasil. Isso contraria a própria lógica da Responsabilidade Civil vigente em nosso ordenamento. Mesmo nas hipóteses em que a responsabilização dispensa o primeiro requisito, a saber, a ilicitude da conduta – como ocorre na responsabilidade objetiva –, a verificação do dano não pode ser afastada, sob risco de enorme insegurança jurídica. Isso porque, embora autônoma, a indenização punitiva é complementar em relação à indenização compensatória, e esta, por sua vez, só se admite ante a comprovação de efetivo prejuízo, seja na esfera patrimonial, seja na esfera moral da vítima. Frisamos, nesse ínterim, que a indenização punitiva pode, à guisa de indenização compensatória, encontrar respaldo tanto num dano patrimonial quanto num dano extrapatrimonial, ou ainda ambos, desde que revestidos do elemento subjetivo a ser analisado no item 3.2. A extensão do dano sofrido, por sua vez, é irrelevante para fins de indenização punitiva. É cediço que, em algumas hipóteses, ainda que o dano sofrido individualmente seja de ínfima proporção, a reiteração da conduta lesiva por parte do ofensor, em face de tantas outras vítimas, deve ser punida, pois a mera compensação do dano não seria suficiente para inibir a reiteração do ilícito.15 Daniel Levy trata desta particularidade ao analisar as microlesões, condutas que "embora não se caracterizem por uma ilicitude individual marcante, refletem, em conjunto, um caráter de desrespeito à coletividade" (p. 210). O óbice à punição de tais condutas é que, sendo o grau de ilicitude muito brando, e o dano sofrido ínfimo, a vítima raramente ingressa com um processo judicial, de modo que a probabilidade de responsabilização do ofensor é baixa. Isso não impede, e, pelo contrário, deve estimular o arbitramento de uma indenização punitiva, pois quando esses casos finalmente chegam ao conhecimento do Judiciário, cabe a ele, mais que compensar as vítimas dos pequenos danos sofridos, impedir que o ofensor reitere a prática da conduta lesiva. Nesse sentido já se posicionou o TJRS, ao analisar uma fraude a concurso lotérico. No caso, ainda que o preço de cada cartela fosse de R$ 1.00 (um real), a arrecadação mensal da empresa organizadora do concurso beirava os R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), de modo que a reparação de cada dano individualmente sofrido jamais teria o condão de sinalizar ao ofensor a reprovabilidade de sua conduta. Assim, precisas as considerações constantes da íntegra do acórdão: "Uma solução em que simplesmente se restitua, no máximo, o valor das cartelas a quem se aventure em juízo (e obviamente que ninguém viria a juízo para recolher algumas unidades – quiçá dezenas – de míseros reais), significaria, sob outro ângulo, um incentivo a tal tipo de conduta" (Turma Recursal, Processo 71001249796, j. 27.03.2007, rel. Des. Eugênio Facchini Neto). Ainda sob a ótica dos danos capazes de ensejar a indenização punitiva, há de ser feita menção aos ilícitos lucrativos e aos danos coletivos de excepcional gravidade. Estes últimos se caracterizam pela extensão dos prejuízos decorrentes de ações ou omissões dolosas (ou gravemente culposas), "em que a mera reparação de cada uma das vítimas é insuficiente diante da magnitude do dano, que tem um aspecto social e moral bem maior" (LEVY, 2011, p. 224). Os danos lucrativos de excepcional gravidade podem ser ilustrados por acidentes nucleares, desmoronamentos de edifícios, queda de aviões, contaminação de lençóis freáticos, incêndios e por uma série de outras condutas particularmente ultrajantes ou insultuosas, nas quais se faz imperioso dar uma resposta à sociedade, isto é, à consciência social (MORAES, p. 77). Vale, todavia, mencionar que também nesses casos, embora inquestionável a gravidade dos danos, é preciso atentar à conduta do ofensor e em que medida ele concorreu para o resultado danoso, pois, conforme passaremos a expor no item 3.2, a indenização punitiva só é admissível ante a constatação do aspecto subjetivo. Por fim, temos os ilícitos lucrativos, situações nas quais o agente dolosamente infringe direitos das vítimas, objetivando vantagens econômicas. Os ilícitos lucrativos distinguem-se das microlesões, pois, aqui, o dano, mesmo sob uma perspectiva individual, é perfeitamente mesurável, o que não impede que o ofensor perpetue o ilícito, a fim de auferir lucros. São, portanto, condutas marcadas pela completa desconsideração, por parte do agente, para com os direitos das vítimas, pois os lucros advindos da prática do ilícito são consideravelmente maiores que quantias compensatórias eventualmente devidas.16 Não há dúvidas que essa hipótese coaduna-se com a indenização punitiva, conforme já se infere de emblemáticos julgamentos do STJ.17 Página 6

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Segundo Daniel Levy, as hipóteses de microlesões, ilícitos lucrativos e danos de excepcional gravidade dispensariam a demonstração do elemento subjetivo na conduta do ofensor, pois fazê-lo seria impor à vítima "pena maior do que a que já sofrera com o dano, inclusive porque são condutas, em sua maioria, que estão no limiar da ilegalidade, dificultando ainda mais a prova da culpa ou do dolo" (p. 226). Embora tal argumento soe atraente, entendemos que o elemento subjetivo é conditio sine qua non da indenização punitiva, conforme passamos a analisar. Isso porque o agente que, agindo com culpa leve,18 acidentalmente comete um ilícito qualificado pela repercussão social, fica obrigado a responder por todos os prejuízos materiais e morais que vier a causar. Não estará, todavia, sujeito à indenização punitiva, uma vez que (i) não agiu com o intuito de praticar o ilícito e causar o dano, posto que desconhecia o dever objetivo de cuidado (inaplicabilidade da função sancionatória); e (ii) jamais reiterará uma conduta que nem num primeiro momento era por ele pretendida (inaplicabilidade da função dissuasória). 3.2 Elemento subjetivo A responsabilidade civil punitiva exige que o agente, ao violar um bem juridicamente tutelado, causando dano, apresente um determinado estado de espírito, ou seja, que tenha o intuito de prejudicar outrem ou que, no mínimo, seja indiferente aos resultados que podem advir de sua conduta. É necessário, pois, que se constate o dolo ou, ao menos, a culpa grave do ofensor. No quesito da culpa grave observamos algumas divergências, pois, se para parte da doutrina a simples configuração de culpa enquanto inobservância do dever de cuidado que se espera de todos os agentes sociais já seria suficiente, para outra essa falta de cuidado deve ser acompanhada de verdadeira indiferença do réu para com os impactos que sua conduta eventualmente possa causar, à semelhança do que se exige na Common Law.19 A nosso ver, seria perigoso definir previamente qual das duas posições é a mais adequada, pois esse juízo depende das circunstâncias de cada caso. Parece-nos evidente que, quando a negligência visar a interesses financeiros, configura-se culpa grave sujeita à punição. Mas nem mesmo essa regra é absoluta, de modo que a legislação deveria trazer uma previsão ampla de culpabilidade, deixando ao magistrado o arbítrio dos casos concretos. Por fim, analisamos o problema da indenização punitiva nos casos de responsabilidade objetiva. Do que se depreende do ensaio de Judith Martins-Costa e Mariana Pardengler, esse seria um dos principais óbices à recepção da indenização punitiva enquanto instituto autônomo, dada a incompatibilidade desta com o instituto da responsabilidade objetiva (p. 23-24). Embora defendamos que para a punição de uma conduta da esfera civil se faz necessária a comprovação do elemento subjetivo por parte do ofensor, acreditamos que isso não impede que a indenização punitiva se configure também nas hipóteses de responsabilidade objetiva, desde que comprovados, acessoriamente, o dolo ou a culpa na conduta do responsabilizado. Nos casos de responsabilidade objetiva deve ser operada uma cisão, explica-se: a objetivação da responsabilidade se dá campo da indenização compensatória, enquanto que o elemento subjetivo somente "entra em cena" para aferir se existe ou não o direito à indenização punitiva. Pedro Ricardo e Serpa ilustra situações nas quais a responsabilidade objetiva pode ser compatibilizada com a indenização punitiva (p. 260-261): (I) indústria farmacêutica que insere no mercado uma droga sem o princípio ativo (responsabilidade objetiva), mas tarda em notificá-lo aos consumidores (ilícito qualificado pela repercussão social + elemento subjetivo); (ii) venda de combustível adulterado (responsabilidade objetiva), para obtenção de vantagens ilícitas (ilícito qualificado pela repercussão social + elemento subjetivo); (iii) hospitais que deixam de manter Programa de Controle de Infecções (responsabilidade objetiva), para diminuir seus custos operacionais (ilícito qualificado pela repercussão social + elemento subjetivo);

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(iv) construtora (responsabilidade objetiva) que utiliza materiais de baixa qualidade para aumentar seus lucros, resultando no desmoronamento de um prédio (ilícito qualificado pela repercussão social + elemento subjetivo); entre outros. Em todos esses casos, observa-se que a hipótese ensejadora da responsabilidade objetiva é qualificada pela prática de um ilícito lesivo à coletividade, cometido com dolo ou culpa grave. Assim sendo, resta inconteste que a indenização punitiva é aplicável também aos casos de responsabilidade objetiva. Percebe-se, assim, que a indenização punitiva pode incidir sobre as mais variadas situações, revelando-se o instrumento ideal para punir e coibir condutas socialmente lesivas. Embora a aplicação da função punitiva atualmente encontre mais guarida no âmbito do Direito do Consumidor, do Direito Concorrencial e do Direito Ambiental – cujas legislações inclusive a preveem –, a implementação de uma normatização satisfatória pode transformá-la numa importante ferramenta nas relações estritamente civis. 4. Destinação da verba indenizatória punitiva Outro aspecto, a nosso ver, indispensável à legislação que venha regulamentar a indenização punitiva é a destinação da verba indenizatória punitiva. Isso porque, lembre-se, a indenização punitiva só se justifica em face de danos que extrapolam a esfera individual da vítima e afetam a sociedade como um todo, os chamados danos sociais, de modo que a questão da destinação do montante indenizatório está intrinsecamente ligada à legitimidade do instituto. Observe-se que só é possível tratar desta particularidade caso se compreenda a indenização punitiva como instituto autônomo em relação à indenização compensatória. Isso porque, sendo a função punitiva aplicada exclusivamente para majorar o valor da indenização arbitrada a título de danos morais, não é possível estabelecer uma distinção clara entre a parcela compensatória e a parcela punitiva, de modo que a integralidade do montante indenizatório haverá de ser destinada à vítima. Nesta hipótese, nem ela, vítima, nem o próprio ofensor conseguem identificar em que medida o Estado está compensando um dano sofrido e em que medida está sancionando uma conduta lesiva, confusão essa que acaba por desvirtuar tanto a função punitiva quanto a preventiva, conforme já abordado. Assim, partindo-se da premissa da necessária autonomia da indenização punitiva, a doutrina nos oferece duas alternativas para sua destinação, a princípio viáveis: atribuição da indenização punitiva exclusivamente à vítima; ou a um fundo ou entidade, pública ou particular, de caráter não lucrativo. Na primeira hipótese, a própria vítima que sofreu o dano e pleiteou sua reparação em juízo, tornando-se assim a titular da indenização compensatória, acabaria também por receber a quantia arbitrada a título de punição do ofensor. É a posição sustentada por Junqueira de Azevedo, que a justifica sob o argumento de que, ao ajuizar uma ação de reparação de danos, é a vítima quem, de fato, "trabalha". Explique-se: "Os danos sociais, em tese, poderiam ir para um fundo como ressarcimento à sociedade, mas aí deveria ser por ação dos órgãos da sociedade, como o Ministério Público. As condições concretas que vivemos não são, porém, favoráveis à criação de mais deveres para o Estado. É irrealismo; o Ministério Público já tem trabalho suficiente. Aqui, no caso, estamos, pois, entendendo que o particular, na sua ação individual de responsabilidade civil, age também como defensor da sociedade. Exerce um munus público que alguns autores americanos, a respeito da mesma situação nos 'punitive damages’, denominam 'private attorney general’. O autor, vítima, que move a ação, age também como um 'promotor público privado’ e, por isso, merece a recompensa. (…) Trata-se de incentivo para aperfeiçoamento geral" (p. 383, grifos nossos). Embora tal argumentação se revele plausível, e que seja essa a opção adotada pela maior parte dos Estados norte-americanos, no âmbito da Common Law (e pela própria jurisprudência brasileira, que equivocadamente insere a parcela punitiva na órbita da indenização compensatória), entendemos que a destinação da verba indenizatória punitiva exclusivamente ao particular acarreta, inevitavelmente, um enriquecimento ilícito. Isso porque o Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro consagra, em seu art. 944, a máxima segundo a qual a reparação mede-se pela extensão do dano sofrido. Embora a noção de dano englobe, Página 8

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inquestionavelmente, o dano social, não deixa de ser verdade que cada vítima só deve ser reparada na exata proporção do dano sofrido. Assim, o indivíduo (ou o grupo de indivíduos determinados) que sofrer um dano, seja material, seja moral, deverá ser reparado ou, ao menos, compensado, na exata medida em que foi lesado. Em se tratando do dano social, quem deve ser compensada é a sociedade, pois foi ela quem sofreu o dano. Desse modo, o sujeito que se beneficiar individualmente da reparação de um dano sofrido por toda a sociedade estará inevitavelmente enriquecendo ilicitamente.20 O titular da reparação, repita-se, deve ser a sociedade.21 Afaste-se, ainda, o argumento de que a indenização é devida àquele que despendeu forças para pleiteá-la em juízo. O particular que ajuizou uma ação indenizatória visa à reparação do dano individualmente sofrido, ou seja, à recomposição de seu status quo ante, sendo a constatação de um dano social, e o consequente arbitramento da indenização punitiva, mera decorrência desse pedido principal. Ações individuais jamais devem ter como pedido principal a indenização punitiva, sob risco de desvirtuamento dessa valiosa ferramenta da Responsabilidade Civil. Como, então, operacionalizar uma reparação à toda a sociedade? Acreditamos que a maneira mais eficaz de fazê-lo seja por meio da destinação da verba indenizatória punitiva a um fundo ou entidade, pública ou particular, sem caráter lucrativo, que promova a defesa de direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos, a exemplo do quanto previsto no art. 13, caput, da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública)22 e no próprio parágrafo único do art. 883 do Código Civil (LGL\2002\400).23 Estes fundos ou entidades, devidamente credenciados junto aos Tribunais, promoverão a devida utilização das verbas indenizatórias dentro de suas respectivas áreas de atuação, implementando projetos e ações sociais que, embora não reparem diretamente os danos já sofridos pela sociedade, ao menos proporcionarão uma melhora na qualidade de vida da coletividade, ou de parte dela.24 Entendemos que esta é a única maneira de dotar o eficaz instituto da indenização punitiva de legitimidade jurídica e social. 5. Conclusão Ante o exposto, constata-se que a indenização punitiva, se adequadamente utilizada, consiste num importante instrumento social. Mais que compensar danos já sofridos, a indenização punitiva apresenta duas funções primordiais, a saber, sancionar o ofensor pelo ilícito já praticado – função sancionatória – e prevenir a repetição de condutas lesivas no futuro – função didática, pedagógica ou dissuasória. A indenização punitiva se insere no novo paradigma da responsabilidade civil, mais centrado na precaução dos danos que em sua posterior reparação. É o consagrado princípio da prevenção, cujo escopo é maximizar a proteção dos indivíduos na contemporaneidade, época marcada pela potencialização dos riscos e pela elevada repercussão dos ilícitos sobre toda a sociedade. Tendo isso em vista, o legislador brasileiro deve tomar providências no sentido de assegurar a introdução correta do instituto da indenização punitiva em nosso ordenamento. Até o presente momento, embora doutrina e jurisprudência admitam a função punitiva, esta usualmente se apresenta como vertente do dano moral, inserida na lógica da indenização compensatória. Tal deformação não pode se perpetuar, pois, além de violar a própria lógica do art. 944 do Código Civil (LGL\2002\400), ao admitir arbitramento de quantia indenizatória em valor superior ao do dano efetivamente sofrido (o que acarreta no enriquecimento sem causa da vítima), prejudica a própria finalidade dissuasória do instituto, ao diluir o valor da sanção na quantia referente à reparação/compensação do dano. É imprescindível que se proceda à correção desta imprecisão, com a consagração da indenização punitiva enquanto instituto autônomo da indenização compensatória, ainda que a ela vinculado. Para tanto, a lei deverá estabelecer seus requisitos objetivos – a saber, a prática de um ilícito por parte do ofensor e a ocorrência efetiva de um dano, que repercuta não só na esfera patrimonial ou moral da vítima, mas sobre a sociedade como um todo –, bem como o indispensável requisito subjetivo – dolo ou culpa grave –, sem o qual não se cogita a responsabilidade civil punitiva. Defendemos que, embora a lei deva prever expressamente tais requisitos, de modo a nortear o Página 9

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aplicador do direito, as hipóteses de indenização punitiva jamais poderão ser taxativas, pois isso contraria a própria dinâmica da responsabilidade civil, que permeia as mais diversas situações da vida e pressupõe cláusulas abertas. Embora concordemos que a indenização punitiva tem aplicabilidade muito mais restrita que a indenização compensatória, em razão da rigidez da sanção imposta, cabe ao juiz verificar sua adequação ao caso concreto, sempre guiado pelos ditames legais. Por fim, sustentamos que a legitimidade do instituto está intimamente relacionada com a destinação da verba indenizatória punitiva, pois esta pretende punir um mal causado, ainda que indiretamente, a toda a sociedade. Por isso, a melhor alternativa consiste em destinar a indenização arbitrada a título punitivo a fundos ou entidades, públicas ou privadas, sem caráter lucrativo, pois estes poderão, por meio de ações e programas sociais, compensar a sociedade do dano injustamente sofrido. Com isso, deixamos registrada nossa crítica ao atual modelo de aplicação da função punitiva da responsabilidade civil, bem como nossas sugestões à lei que eventualmente regulará o instituto, reafirmando a importância de sua definitiva introdução no ordenamento jurídico brasileiro. 6. Bibliografia ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva – Os punitive damages na experiência da Common Law e na perspectiva do Direito brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. _____. Indenização punitiva. Disponível em: [www.tj.rj.gov.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_civil/indenizacao_punitiva.pdf]. Acesso em: 19.11.2013. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. Novos Estudos e Pareceres do Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009. CARVAL, Suzanne. La responsabilitè civile dans sa fonction de peine privèe. Paris: L.G.D.J., 1995. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Tendências da responsabilidade civil no direito contemporâneo: reflexos no Código de 2002. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (orgs.). Novo Código Civil (LGL\2002\400): questões controvertidas. São Paulo: Método, 2006. vol. 5. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. vol. 7 – Responsabilidade Civil. GALLO, Paolo. Pene private e responsabilità civile. Milano: Giuffrè, 1996. GERMANO, Geandrei. Punitive damages nas relações de consumo. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 2011. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. LEVY, Daniel de Andrade. A reparação do dano e as funções da responsabilidade civil no Século XXI: por uma nova sistematização metodológica da disciplina. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade de Direito da USP, 2011. LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. Dissertação para concurso de Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. LOTUFO, Renan. A responsabilidade civil e o papel do juiz. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério (coords.). Responsabilidade civil – Estudos em homenagem ao Professor Rui Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Ed. RT, 2009. MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva: punitive damages e o direito brasileiro. Revista CEJ. n. 28. Brasília, jan.-mar. 2005. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, Página 10

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1 O ensaio "Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social" foi originalmente publicado no ano de 2004, na Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 19. 2 No mesmo sentido, cite-se os ensinamentos da Mestre Silmara Juny de Abreu Chinellato: "A terceira função [da Responsabilidade Civil] é a preventiva ou dissuasória, a que impõe valor de desestímulo para o agente causador do dano, o lesante, que se dirige também a terceiros. Essa função vem, muitas vezes, acoplada à punitiva, não se podendo compartimentar uma e outra (…)" (p. 586). 3 Paolo Gallo é um dos maiores estudiosos da indenização punitiva (ou pene private, como a denomina em sua obra), tendo publicado, em 1996, monografia sobre o tema (Pene Private e Responsabilità Civile). Nela, aborda as características do instituto, bem como sua transposição do direito anglo-saxão aos ordenamentos de tradição romano-germânica. 4 Em relação às origens romanísticas do instituto da indenização punitiva, Judith Martins Costa acrescenta: "Enquanto os instrumentos que visavam impedir ou neutralizar os efeitos do ilícito estavam embasados em critérios econômicos e patrimoniais (caracterizando-se pela identidade econômica entre o prejuízo e o ressarcimento, sendo o dano ressarcido na exata medida em que ocorre), as soluções fundadas no 'ódio ao culpável’, por consistirem os substitutivos históricos da vingança privada, estavam fundadas no que hoje se chama 'princípio da adequação’: ao dano efetivamente calculado deveria corresponder, como pena, um múltiplo econômico duplum, triplum ou o quadruplum. O escopo das várias actiones poenales privadas era, pois, a sanção ou a repressão a determinadas condutas lesivas de interesses privados, como por exemplo o furto e o roubo, a atuar-se mediante a obrigação de devolver somas, mais que compensatórias, múltiplas dos danos sofridos. Voltadas, funcionalmente, a punir o responsável pela lesão, as actiones poenalis privadas distinguiam-se, assim, dos instrumentos que buscavam o restauro da situação lesada, quais sejam, Página 11

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fundamentalmente as actiones rem persequentes, que visavam, tão somente, a ressarcir o prejuízo causado" (p. 17). 5 Carlos Roberto Gonçalves aponta os seguintes critérios valorados na quantificação do dano moral: (i) condição social, educacional, profissional e econômica do lesado; (ii) a intensidade de seu sofrimento; (iii) a situação econômica do ofensor e os benefícios que obteve com o ilícito; (iv) a intensidade do dolo ou o grau de culpa; (v) a gravidade e a repercussão da ofensa; e (vi) as peculiaridades e circunstâncias que envolveram o caso, atentando-se para o caráter antissocial da conduta lesiva. (p. 511) A condição socioeconômica do ofensor vem recebendo crescente atenção por parte dos julgadores, o que sinaliza uma tendência no sentido de privilegiar indenizações que visem não apenas à reparação do dano, mas que logrem causar impacto patrimonial efetivo sobre aquele que o cometeu, numa evidente valorização da função punitiva do dano moral, conforme aponta o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp 959.780/ES: "Na situação econômica do ofensor, manifestam-se as funções preventiva e punitiva da indenização por dano moral, pois, ao mesmo tempo em que se busca desestimular o autor do dano para a prática de novos fatos semelhantes, pune-se o responsável com maior ou menor rigor, conforme sua condição financeira" (j. 26.04.2011). 6 A jurisprudência pátria é farta de decisões que aludem à função punitiva do dano moral, operando verdadeira confusão entre responsabilidade civil eminentemente compensatória e responsabilidade civil punitiva: "Responsabilidade civil objetiva do Poder Público. Elementos estruturais. Pressupostos legitimadores da incidência do art. 37, S 6.o, da Constituição da República (LGL\1988\3). Teoria do risco administrativo. fato danoso para o ofendido, resultante de atuação de servidor público no desempenho de atividade médica. Procedimento executado em hospital público. Dano moral. Ressarcibilidade. Dupla função da indenização civil por dano moral (reparação-sanção): (a) caráter punitivo ou inibitório ("exemplary or punitive damages") e (b) natureza compensatória ou reparatória. Doutrina. jurisprudência. Agravo improvido." (STF, AgIn 455846, j. 11.10.2004, rel. Min. Celso de Mello, grifos nossos) No mesmo sentido, "Administrativo – Responsabilidade civil – Pensionamento por morte de filho no interior de escola mantida pelo Poder Público – Dever de vigilância – Dano material – Súmula 282 (MIX\2010\2007)/STF – Dano moral – Aumento de valor de indenização. 1. Aplica-se a Súmula 282 (MIX\2010\2007)/STF em relação à tese em torno do dano material, pois o Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre ela. 2. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não volte a reincidir. 3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais. 4. Aumento do valor da indenização para 300 salários mínimos. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido" (REsp 860.705/DF, j. 24.10.2006, rel. Min. Eliana Calmon, grifos nossos). 7 Posição contrária se extrai de julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo: "como já tivemos oportunidade de escrever, a pena civil (punitive damage ou exemplaty damages, como é chamada na common law) não pode ser confundida com a pena pública, aquela que tem por fim proteger a sociedade. É verdade que ambas têm um cunho intimidativo, mas a pena civil, além de o beneficiário ser a própria vítima do fato danoso, tem um caráter preventivo (art. 6.o, VI, do CDC (LGL\1990\40)); além do mais, como bem lembra Bonilini, a pena pública, por previsão legal, tem um valor mínimo e um máximo, enquanto a pena privada, teoricamente, é infinita. Portanto, como observa Starck, na pena privada não há que se falar em respeito ao princípio da nullum crimen, nulla poena sine lege" (Ap 7132299-3, j. 07.05.2007, rel. Des. Paulo Jorge Scartezzini Guimarães). 8 Segundo a autora, "le principe de légalité, élément essentiel de tout État de Droit, ne régit pas seulment le droit pénal. (…) La peine privèe , sanction répressive judiciaire, lui est donc soumise" (p. 224-225). 9 Analisando a introdução da indenização punitiva no ordenamento brasileiro, o autor afirma que "a adoção do critério dos punitive damages do Brasil somente se justificaria se estivesse regulamentado em lei, com a fixação de sanção mínima e máxima, revertendo ao Estado o quantum da pena" (p. 510). 10 Dentre os referidos projetos de lei, destacam-se (I) o PL 6.960, apresentado em 2002 pelo deputado Ricardo Fiúza (CC, art. 944, S 2.o "A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo do lesante"), atualmente arquivado; (ii) o PL Página 12

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2.496-A/2007, de autoria do deputado Vital do Rêgo Filho (CDC (LGL\1990\40), art. 6.o, parágrafo único. "A fixação do valor devido a título de efetiva reparação de danos morais atenderá, cumulativamente, à função punitiva e à função compensatória da indenização"; (iii) o PL 7.329/2010, de autoria do deputado Ratinho Junior, que insere dois parágrafos ao art. 944, estipulando parâmetros para quantificação do dano moral com base no rendimento anual do ofensor (apud LEVY, 2011, p. 177-181). 11 Eduardo Ulian adverte que "essa delimitação deverá atender a critérios de justiça e de eficiência, alocando sanções punitivas nos casos em que as demais sanções reconhecidas pelo sistema jurídico sejam ineficazes para a dissuasão ou injustas como retribuição desmerecida ao agente" (p. 75). 12 Nesse sentido, há de ser feita menção aos valiosos ensinamentos de Renan Lotufo: "no tocante à indenização, temos no Código o uso reiterado do termo equidade, art. 944, parágrafo único, e art. 953, parágrafo único. Tal emprego é raro no sistema brasileiro e revela que o papel do juiz tem expressão muito grande. Ele há que ser alguém do seu tempo e do seu meio, para que possa aferir não só os critérios de igualdade, como de Justiça, quando, então, estará sendo equitativo. Agravam-se os problemas para o intérprete, mas ao mesmo tempo faz-se dele um partícipe na construção da boa lei, da lei que concretize os valores constitucionais, enfim, que preserve a dignidade humana e a solidariedade. O Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 confia nos juízes como integradores das leis, não como meros locutores do texto escrito. É um desafio, mas é também, um voto de confiança. Como integrantes do povo, os juízes devem contribuir para que o anseio da Justiça seja cada vez mais concretizado" (p. 462). 13 Nesse sentido discorre André Gustavo Corrêa de Andrade: "a lei tipicamente penal não tem como prever, em tipos delituosos fechados, todos os fatos que podem gerar danos injustos, razão pela qual muitas ofensas à dignidade humana e a direitos da personalidade constituem indiferentes penais e, por conseguinte, escapam do alcance da justiça criminal. Além disso, por razões diversas, nem sempre a sanção propriamente penal oriunda de uma sentença condenatória, se mostra suficiente como forma de prevenção de ilícitos" (ANDRADE, a, p. 238-239). 14 A respeito modelo de indenização punitiva vigente na Common Law, Pedro Ricardo e Serpa ensina que "o ordenamento prevê que a proteção se dê de maneira ainda mais intensa, mesmo que da lesão a tais interesses não resulte prejuízo efetivamente quantificável" (p. 60). 15 Abordando a ineficácia da função exclusivamente compensatória da Responsabilidade Civil, no âmbito do Direito do Consumidor, Claudia Lima Marques constata que "o Brasil tem se caracterizado por indenizações pífias que não possuem efeito pedagógico nenhum, quanto mais punitivo, tanto que as ações envolvendo reiterados danos morais aos consumidores abarrotam o Judiciário, reclamações exatamente iguais e contra o mesmo tipo de prática comercial, que não muda apesar da constante condenação justamente porquê é mais 'lucrativo’ causar danos a todos e 'ressarcir pifiamente’ aos poucos consumidores que entram com a ação e ganham! E 'se danear’ a milhares, pode ser até que 'receba’ um juizado especial cível dedicado só a tratar de seus 'danos’ e conflitos daí resultantes com os consumidores" (apud. SANTANA, 2009, p. 20). 16 Explicitando a lógica econômica por trás dos ilícitos lucrativos, Geandrei Germano aponta que "as grandes empresas, evidentemente, têm ciência do quantum gasto a título de indenizações, bem como das causas de pedir que as originam. Não são amadoras. Diante disso, tendo em vista a não mudança de postura diante da condenação em milhares de ações envolvendo práticas abusivas há muito tempo conhecidas, é imperiosa a conclusão de que tais empresas estão tomando decisões com base no pragmatismo cru de uma equação de custo-benefício econômica, cujo resultado é o de que sai mais barato enfrentar o Poder Judiciário do que proteger o consumidor. A sanção judicial, portanto, nestes casos, vem se constituindo em um mero preço a ser pago pelas grandes empresas, na qual o consumidor é o principal prejudicado" (p. 66-67). 17 "Responsabilidade civil. Abuso na veiculação de imagens por canal de televisão. Desrespeito à honra e dignidade. Dano moral. Quantum indenizatório redução" (REsp 838550, j. 13.02.2007, rel. Min. Cesar Asfor Rocha). Destaca-se o seguinte trecho do voto do relator: "No caso dos autos, houve abuso e desrespeito na veiculação das imagens dos autores, membros da comunidade naturista, pelo SBT no Programa do Ratinho, inclusive, em descumprimento de cláusula contratual expressa, Página 13

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de forma deliberada, conforme soberanamente delinearam as instâncias ordinárias. Por outro lado, a atitude da recorrente há que ser reprimida com rigor, não só pela gravidade da situação concreta, como pela necessidade de se coibir novas condutas semelhantes. Há que se dar o caráter punitivo adequado para que não se concretize a vantagem dos altos índices de audiência sobre os riscos advindos da violação dos direitos constitucionalmente garantidos, honra e dignidade" (grifos nossos). 18 Ao falarmos em culpa leve, nos referimos à espécie penalmente denominada culpa inconsciente, definida por Luiz Regis Prado como aquela "que se verifica quando o autor não prevê o resultado que lhe é possível prever. Não prevê o resultado, embora possível, transgredindo, desse modo, sem saber, o cuidado objetivo exigível. O agente não conhece o dever objetivo de cuidado, apesar de lhe ser conhecível" (p. 380). 19 Segundo Eduardo Ulian, "a doutrina americana, historicamente, afirma que os danos punitivos exigem algo mais do que mera culpa do ato danoso, devendo haver circunstâncias de agravamento como a malice ou como um motivo torpe ou fraudulento, por parte do réu, ou, ainda, um consciente e deliberado desrespeito ou desídia pelos interesses de outrem, de grau tal que a conduta possa ser qualificada como willful ou wanton." (p. 81). 20 A este respeito, Ramon Daniel Pizarro observa que "desde una perspectiva netamente resarcitoria debe admitirse que, como principio, no es razonable que la suma de dinero que se manda a pagar por daño punitivo sea entregada a la víctima (en particular, cuando exceda esse restringido marco resarcitorio que apuntábamos precedentemente). Quien sofre un daño tiene derecho a ser resarcido de manera integral. Esto importa que la entidad cualitativa y cuantitativa marcan el límite de su derecho a la reparación. Desde esse plano, todo monto superior al daño real que se mande a indemnizar importa en enriquicimiento injusto para al damnificado y un motivo de expoliación para el responsable" (p. 384-385). 21 É o posicionamento esposado por Maria Celina Bodin de Moraes, para quem "(…) o valor a mais da indenização, a ser pago, 'punitivamente’, não poderá ter como destinatário a vítima mas, coerentemente com o nosso sistema, deverá servir a beneficiar um número maior de pessoas, através do depósito das condenações em fundos pré-determinados. Em uma indenização 'exemplar’, em se tratando de resposta à coletividade, o destinatário não poderia ser mesmo outro" (p. 77). 22 "Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados". Comentando o dispositivo, Fernando Noronha observa que, no tangente aos danos transindividuais e à defesa dos direitos difusos, "tem sido muito enfatizada a necessidade de punições 'exemplares’, através da responsabilidade civil, como forma de coagir as pessoas, empresas e outras entidades a adotar todos os cuidados que sejam cogitáveis, para evitar a ocorrência de tais danos" (p. 463-464) A este respeito, ainda, vide Lei 9.008/1995. 23 "Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei. Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz" (grifos nossos). 24 Podemos aplicar, analogicamente, as considerações a respeito do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, previsto na Lei de Ação Civil Pública: "mesmo nas hipóteses mais complexas, sobrevindo condenação, o dinheiro obtido deverá ser usado na reparação direta do bem lesado ou, se isso não for possível, ao menos em finalidade compatível com a origem da lesão. Como exemplo, em se tratando de dano irreparável a uma obra de arte, a indenização poderá ser utilizada para reconstituição, manutenção ou conservação de outras obras de arte, ou até mesmo para conservação de museus ou lugares onde elas se encontrem. Na destruição irreparável de um sítio ambiental, pode ser cogitada a preservação de outros locais dotados pela natureza. No caso de extinção dos animais, poderemos criar condições que favoreçam a procriação ou o habitat da mesma ou de outras espécies em extinção. Enfim, a aplicação do produto do fundo depende de discernimento e imaginação" (MAZZILLI, 2004, p. 449).

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