Indicação Geográfica de produtos agropecuários: importância histórica e atual

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Descrição do Produto

CAPÍTULO l

Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários: Importância Histórica e Atual Claire Marie Thuillier Cerdan Kelly Lissandra Bruch Aparecido Lima da Silva Michele Copetti Klenize Chagas Fávero Liliana Locatelli

Indicação Geográfica de produtos agropecuários: importância histórica e atual

Neste primeiro capítulo, convidamos você a conhecer a origem e os benefícios econômicos, sociais e ambientais das Indicações Geográficas (IG). Primeiramente, trataremos da origem e da história da Indicação Geográfica (IG), buscando explicar como seu uso tem se tornado relevante para os agentes rurais no contexto da globalização da economia e da abertura dos mercados. Em um segundo momento, do ponto de vista sociológico, econômico e ambiental, apresentaremos os benefícios das IG para os produtores, os consumidores, os prestadores de serviço, e demais envolvidos diretamente, bem como para a região reconhecida e para o país como um todo.

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1.1 Importância histórica e atual das Indicações Geográficas Para melhor compreensão do curso, vamos conhecer qual é o significado de uma Indicação Geográfica (IG)? Essa noção de IG surgiu de forma gradativa, quando produtores e consumidores passaram a perceber os sabores ou qualidades peculiares de alguns produtos que provinham de determinados locais. Ou seja, qualidades – nem melhores nem piores, mas típicas, diferenciadas – jamais encontradas em produtos equivalentes feitos em outro local. Assim, começouse a denominar os produtos – que apresentavam essa notoriedade – com o nome geográfico de sua procedência1. Os vinhos foram os primeiros nos quais se observou a influência sobretudo dos fatores naturais (clima, solo, relevo, etc.). As qualidades de produtos como esses – ligadas à origem – se devem, todavia, ao ambiente, que vai muito além das condições naturais e inclui o fator humano e suas relações sociais. Dessa maneira, o conceito de indicação geográfica mostra-se importante, pois destaca as particularidades de diferentes produtos de diferentes regiões, valorizando, então, esses territórios. Cria um fator diferenciador para produto e território, que apresentam originalidade e características próprias2. Assim, as indicações geográficas não diferenciam somente os produtos ou serviços, mas os territórios. Vários produtos agroalimentares se diferenciam pela sua qualidade ou sua reputação devidas, principalmente, a sua origem (o seu lugar de produção). Essas diferenças podem estar ligadas a um gosto particular, uma história, um caráter distintivo provocado por fatores naturais (como clima, temperatura, umidade, solo, etc.) ou humanos (um modo de produção, um saber fazer). Em alguns casos, os produtores e/ou os agentes de uma região se organizam para valorizar essas características, mobilizando um direito de propriedade intelectual: a Indicação Geográfica. A IG permite preservar essas características ou essa reputação e valorizá-las ao nível dos consumidores (Figura 1.1). Portanto, em um primeiro momento, definiremos a IG como sendo um nome geográfico que distingue um produto ou serviço de seus semelhantes ou afins, por que este apresenta características diferenciadas que podem ser atribuídos à sua origem geográfica, configurando nestes o reflexo de fatores naturais e humanos.

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Indicação Geográfica • Cultura • Tradição • Lealdade • Reputação • Constância • História • Terroir • Savoir-Faire

Forma de Preservar • Registro do Sinal Distintivo • Marketing • Publicidade • Administração • Controle

Figura 1.1 - O que é uma indicação geográfica. Fonte: Velloso (2009).

1.1.1 Uma breve história sobre os sinais distintivos e as Indicações Geográficas (IG) Os diversos sinais distintivos nasceram de um objetivo em comum: distinguir a origem (seja geográfica ou pessoal) de um produto. A IG e as marcas se confundiam na antiguidade. Mesmo na Bíblia, encontram-se indicações de sinais distintivos de uma origem, como os vinhos de En-Gedi3 e o cedro do Líbano4, além dessa interessante comparação: “Voltarão os que habitam à sua sombra; reverdecerão como o trigo, e florescerão como a vide; o seu renome será como o do vinho do Líbano” 5. Na Grécia e em Roma, havia produtos diferenciados justamente pela sua origem, como o bronze de Corinto, os tecidos da cidade de Mileto, as ostras de Brindisi e o até hoje renomado mármore de Carrara6.

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Figura 1. 2 - Bandeira do Líbano, que leva como insígnia seu produto mais típico e conhecido desde a antiguidade: o cedro Fonte: http://perspectivabr.files.wordpress.com Acesso realizado em 16 abr. 2014.

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Na época dos romanos, já se utilizava a sigla RPA – res publica augustanorum, inscrita nos vasos de barro fabricados nos fornos do fisco romano. Também eram conhecidos nesta época os vinhos de Falernum, que antes de indicar o produtor, indicavam a procedência do produto7 Durante a Idade Média, apareceram as marcas corporativas, utilizadas para distinguir os produtos fabricados por um grêmio de uma cidade, de um grêmio de outra cidade. Esses grêmios, ou corporações de ofício, possuíam Estatutos e Ordenações que detalhavam todos os aspectos e operações da produção, fixando as normas que seus associados deviam cumprir para fabricar os produtos. Para se distinguir os produtos de um grêmio específico, utilizava-se um selo, marca local ou gremial que, muitas vezes, era o nome da própria cidade ou da localidade. Nesse período, ainda não se utilizavam marcas individuais para identificar o fabricante do produto.8 Contudo, havia associados que elaboravam produtos de melhor ou pior qualidade. Para distingui-los entre si e para poder responsabilizar os produtores nos casos em que os produtos eram contrários às boas práticas, passou-se a utilizar uma marca. Assim, sobre os produtos começaram a aparecer duas marcas: a do fabricante e a do grêmio ou corporação a que este pertencia.9 Dessa forma, de uma indicação de origem única à diferenciação entre os fabricantes de um produto de uma mesma corporação, vislumbra-se a evolução dos signos distintivos. A primeira intervenção estatal na proteção de uma IG ocorreu em 1756, quando os produtores do Vinho do Porto, em Portugal, procuraram o então Primeiro-Ministro do Reino, Marquês de Pombal, em virtude da queda nas exportações do produto para a Inglaterra. O Vinho do Porto havia adquirido uma grande notoriedade, o que fez com que outros vinhos passassem a se utilizar da denominação “do Porto”, ocasionando redução no preço dos negócios dos produtores portugueses. Em face disso, o Marquês de Pombal realizou determinados atos visando à proteção do Vinho do Porto. Primeiro, agrupou os produtores na Companhia dos Vinhos do Porto. Em seguida, mandou fazer a delimitação da área de produção – não era possível proteger a origem do produto sem conhecer sua exata área de produção. Como também não era possível proteger um produto sem descrevê-lo com exatidão, mandou estudar, definir e fixar as características do Vinho do Porto e suas regras de produção.

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Por fim, mandou registrar legalmente, por decreto, o nome Porto para vinhos, criando, assim, a primeira Denominação de Origem Protegida10. De certa forma, ainda hoje, esses são os passos a serem seguidos para dar proteção estatal a uma indicação geográfica.

Figura 1.3 - Demarcação Pombalina dos vinhedos do Vinho do Porto. Fonte: http://www.cm-tabuaco.pt Acesso realizado em 16 abr. 2014.

No início, os sinais distintivos não eram propriamente protegidos, consequentemente havia muitas falsificações. Alguns países criaram legislações nacionais, como a França, para regular o uso indevido. Mas o problema persistia quando se tratava do comércio internacional, muito crescente em meados do século XVIII. Primeiramente países como a França buscaram fazer acordos bilaterais que protegessem reciprocamente suas IG. Mas estes acabaram por se mostrar muito frágeis e difíceis de serem cumpridos. Os países produtores, especialmente de vinho, optaram então, por organizar um tratado internacional, mas do qual os principais países produtores e consumidores fizessem parte e se obrigassem mutuamente. Não era apenas a IG, mas também outros direitos de propriedade industrial que precisavam dessa proteção internacional. E a troca de concessões entre os diversos países permitiu que isso se concretizasse por meio da celebração do tra-

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tado constitutivo da Convenção União de Paris para a proteção da propriedade industrial (CUP), firmado em 1883 e contando com diversas revisões e aprimoramentos. Ressalta-se que o Brasil foi um dos países que originalmente assinou esse tratado. O objetivo inicial era coibir a falsa indicação de procedência. Mas a forma de sua regulação permitia, por exemplo, o uso de “Champagne” da Califórnia, posto que neste caso a verdadeira procedência estaria ressaltada. Todavia, esta forma de proteção não se mostra suficiente para países como a França, que buscaram então um tratado adicional para obter uma proteção mais consistente contra o uso da falsa indicação de procedência. Este se dá por meio do Acordo de Madri para a Repressão das Falsas Indicações de Procedência (Acordo de Madri), firmado em 1891, e contanto também com algumas revisões. Também a este tratado o Brasil aderiu originariamente. O objetivo desse tratado era uma repressão mais efetiva contra o uso das falsas indicações de procedência, especialmente para produtos vinícolas. Neste caso não se admitiam exceções para esses produtos e também determinava-se que esses não poderiam ser considerados como genéricos, como seria o caso de um vinho tipo “champagne”. Todavia, o número de adesões foi bem menor que à CUP. Posteriormente, ocorreu a primeira (1914-1918) e a segunda guerra mundial (1939-1945), intercaladas pela quebra da bolsa de valores de Nova York, também conhecida como a Grande Depressão (1929). Após esses acontecimentos as relações internacionais, a economia, as trocas comerciais, o mundo é outro. Somente em 1958 novo avanço se deu em termos de regulação das IG em níveis internacionais. A CUP se reuniu novamente e os países tradicionalmente produtores buscaram uma nova forma de avançar na proteção das IG. Tanto a CUP quanto a alteração no Acordo de Madri não avançaram suficientemente para a proteção das IG. Assim, firmou-se o Acordo de Lisboa relativo à proteção das denominações de origem (Acordo de Lisboa). Este prevê uma proteção positiva para as IG, na forma de denominações de origem, bem como um reconhecimento recíproco das IG já existentes pelos países que firmam esse acordo, mediante um registro internacional. Também é a primeira vez que se define a denominação de origem como sendo uma denominação geográfica de um país, uma região ou uma lo-

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calidade, que serve para designar um produto dele originário, cujas qualidades ou características são devidas exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e os fatores humanos. Esse tratado também prevê a proibição do uso de qualquer IG, mesmo que acompanhado da verdadeira origem, proíbe o uso de termos retificativos, como “tipo” ou “gênero”, e determina que uma IG não pode se tornar genérica. Todavia, poucos países aderiram a esse acordo, o qual acabou por ter uma aplicação muito reduzida. O Brasil tão pouco o assinou. Ressalta-se que todos esses acordos a partir de 1967 passam a ser administrados pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Os países poderiam participar da OMPI fazendo parte de um ou mais tratados, mas não sendo obrigados a assinarem a todos. Um dos problemas da OMPI é que esta não possuía um sistema que permitisse que um país fosse punido pelo descumprimento de um acordo. Neste mesmo período pós-guerra, precisamente em 1947, também é firmado outro tratado relacionado ao comércio. O Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, também conhecido como GATT, evoluiu em um período de grande prosperidade econômica, conhecida como anos de ouro, que seguiu até o final da década de 1970. É neste contexto que os países começam a debater a inclusão no GATT da discussão da proteção da propriedade intelectual (e das IG). Isso se concretiza com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994. No âmbito dessa organização, além de tratados relacionados com tarifas e comércio, negocia-se e aprova-se o Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (TRIPS ou ADIPC). Este, obrigatório para todos os membros da OMC – que hoje conta com mais de 159 países – abarca o previsto pela CUP e estabelece, dentre outros, a proteção obrigatória das IG. Deve ficar claro que o TRIPS é um acordo que prevê um mínimo, ou seja, o que os seus membros minimamente devem proteger ou garantir, podendo cada um estabelecer formas mais efetivas de proteção. A IG é definida, em seu artigo 22, “indicações que identifiquem um produto como originário do território de um Membro, ou região ou localidade deste território, quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída a sua origem geográfica”.

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Com a adesão à OMC e ao TRIPS consequentemente, por meio do Decreto nº 1.355 de 30 de dezembro de 1994, as disposições previstas nesse acordo passam a vigorar no Brasil. Para colocar em prática essa adesão, o Brasil promulga a Lei 9.279 de 14 de maio de 1996. Esta define como se dá a proteção dos direitos de propriedade industrial, e, especialmente em seus artigos 176 a 182, regulamenta as IG no Brasil. Não que não houvesse proteção à IG no Brasil anteriormente a 1996, todavia essa proteção de dava conforme previsto na CUP e no Acordo de Madri, combatendo as falsas indicações de procedência. A partir de 1996, tem-se uma proteção positiva desses direitos. Conforme estudado no Módulo Básico de Propriedade Intelectual, esta lei classificou as IG em duas espécies: a. indicação de procedência (IP)− que indica o nome geográfico que tenha se tornado conhecido pela produção ou fabricação de determinado produto, ou prestação de determinado serviço; e, b. denominação de origem (DO)− que indica o nome geográfico do local que designa produto, ou serviço, cujas qualidades ou características se devam essencialmente ao meio geográfico, incluídos os fatores naturais e humanos. O estudo mais detalhado sobre o TRIPS e a Lei se dará no capítulo 2. Vale ressaltar que essa implementação de leis que protegiam as IG, seja de forma positiva ou combatendo as falsas indicações, também se deu em diversos países que aderiram à OMC. Mas, apesar de haver esta previsão, ainda não há hoje um registro internacional de IG, e sua proteção continua se dando de forma territorial, em cada país. Ao longo de todos esses anos, vimos surgir um grande número de IG, ou seja, nomes geográficos que indicam uma origem renomada de um determinado produto: além do Vinho do Porto, podemos citar os casos do vinho espumante da região de Champagne, do destilado vínico Cognac, o queijo grego Feta, o presunto ou Prosciutto di Parma italiano, o destilado mexicano Tequila, os vinhos americanos de Napa Valley, o presunto de San Daniele, o Vinho Verde português, etc. Mais do que apenas indicar a procedência de um produto, as IG tiveram como função, ao longo do tempo, garantir determinadas características ao produto em decorrência da sua origem. E este uso tem repercussões sociais, econômicas e ambientais que serão analisadas no próximo ponto.

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1.1.2 Indicação geográfica: uma prática comercial antiga e uma resposta às evoluções dos mercados As IG continuam sendo, hoje, um tema da atualidade fortemente debatido ao nível internacional e que reflete, em grande parte, a evolução dos sistemas agroalimentares (SAA). A abertura dos mercados e a circulação acelerada das mercadorias implicaram novas formas de regulação entre os diferentes países e à definição de regras ao nível internacional de natureza pública (codex alimentarius) e privada (eurepGap). Além disso, novas práticas comerciais aparecem. Ampliou-se a utilização para fins comerciais de termos ou nomes indígenas de produção por países terceiros, para poder tornar os seus produtos um pouco mais “exóticos” e atrativos. Foi o caso do Rooibos (Aspalathus linearis), planta da África do Sul, que foi registrada como marca nos EUA, por uma empresa privada. O caso também do cupuaçu (Theobroma grandiflorum) do Brasil, que foi registrado como marca por uma empresa japonesa, impedindo o uso do nome pelos produtores de origem. (Esses casos já foram revertidos). Outros países usam o nome de uma região para se beneficiar da sua boa reputação, ou obter um melhor preço de venda do seu produto. Atualmente, 6 milhões de quilos de café “Antigua” são produzidos na região de mesmo nome, na Guatemala, entretanto, 50 milhões de quilos de café são vendidos no mundo inteiro com esse nome. Do mesmo modo, 10 milhões de quilos de chá “Darjeeling” são produzidos na Índia e 30 milhões de quilos de chá são vendidos com o mesmo nome no mundo. Esses exemplos confirmam como é importante e urgente para os países emergentes implantarem e mobilizarem sistemas de proteção do seu patrimônio intangível e da sua biodiversidade. Outros fatores explicam essa reatualização do tema das IG. Nós destacaremos a seguir o surgimento de nichos de mercados e as mudanças de percepção e de comportamento dos consumidores em relação aos produtos tradicionais.

A) Surgimento de nichos de mercado Observamos o surgimento de novos nichos de mercados (orgânico, comercio justo, IG)11. Na Tabela 1.1, são apresentados os principais mercados e

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estratégias de valorização dos produtos. As indicações geográficas estão inseridas nesse movimento global de segmentação dos mercados. De certo modo, esse movimento favorece à valorização dos recursos territoriais.

Novos mercados para produtos tradicionais e agricultura familiar Mercado

Perfil

Exemplos Indicação geográfica

O mercado das especialidades baseia-se na valorização de qualidade particular Especialidades

Orgânicos

associação produto/ localidade / tradição

Um produto orgânico é um produto agrícola ou um alimento produzido de forma que respeite mais o meio ambiente e à saúde.

Produtos da terra (mercados da terra do movimento Slow Food) Produto com Garantia de origem (iniciativa privada de empresa de distribuição CARREFOUR) Produto da ECOVIDA Produto com certificado ECOCERT, IBD Indicação geográfica

Artesanais

Produtos produzidos de forma artesanal

Produtos coloniais Produtos da agricultura familiar

O movimento do Comércio Justo surgiu da iniciativa de organizações e consumidores do Hemisfério Norte, visando a melhoria das condições de vida de produtores e trabalhadores em desvantagens e pouco valorizados nos países do Sul.12 Solidários

As Redes solidárias são representadas por grupos de produtores, consumidores e entidades de assessoria, envolvidos na produção, processamento, comercialização e consumo de alimentos agroecológicos.13 Trata-se de uma nova forma de comercializar os produtos agrícolas e de pensar as relações entre o mundo rural e urbano.

Max Havelaar Oxfam

Rede das feiras da ECOVIDA Mercados da Terra do Movimento Slow food

Tabela 1.1 Fonte: Cerdan (2009) adaptado de Wilkinson (2008)14

A Figura 1.4 apresenta diversos sinais distintivos de produtos e serviços do mundo rural, dando-nos uma ideia de selos e de marcas que surgiram nesses últimos dez anos.

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Figura 1.4 - Exemplos de signos distintivos para produtos tradicionais. Podem ser observados signos distintivos públicos para a concepção europeia (Appellations d’Origine Contrôlée francesa e indicação geográfica protegida europeia), privados (Carrefour, Agreco) para produtos agrícolas ou para serviços de hospedagem em meio rural (qualité tourisme, acolhida na Colônia, accueil Paysan) Fonte: Velloso (2009)

B) O gosto da Origem Constata-se uma procura cada vez maior, por parte dos consumidores urbanos, por produtos de origem. Será que a Origem de um produto tem um gosto particular, produz um prazer específico para o consumidor? Uma das explicações é a perda da confiança nos produtos alimentares. As crises profundas que atingiram os sistemas agroalimentares (doença da vaca louca-Encefalopatia Espongiforme Bovina, sementes transgênicas, uso de hormônios) provocaram mudanças no nível da percepção dos consumidores. Em reação, iniciou-se um movimento generalizado, exigindo mais garantias sobre a origem dos produtos, a sua inocuidade e os seus modos de obtenção. Nesse quadro, o nome do produto ou da região de origem é reconhecido pelos consumidores e inspira confiança.

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Ressaltam-se, também, novos comportamentos de consumidores, como a reivindicação regional, cultural ou política. Nesse sentido, o consumidor não é mais considerado como um agente passivo, mas um sujeito capaz de reagir e promover certos modelos de desenvolvimento. Alguns autores falam de “consum’ator”, evidenciando o consumidor engajado, o consumidor consciente. Assim, ao comer um bode assado, um prato de sarapatel, o Nordestino manifesta o seu sentimento de pertencer a uma comunidade, a um grupo, a uma cultura15. (Figura 1.5)

Figura 1.5 - O gosto da origem e as referências identitárias na região Nordeste. Quem viajou por esta região Nordeste ou quem observa essas fotos, se da conta da importância da pecuária, das paisagens particulares, das condições climáticas na identidade coletiva e do forte consumo dos produtos animais (produtos derivados de carne e de queijo)

A escolha de comprar um produto de origem não é apenas uma prática comercial ou uma questão de gosto, é também uma “reivindicação identitária”. Trata-se de consumir o que está mais próximo de si, com a sensação de resistir à globalização, de não perder os seus valores. Cabe salientar que essas evoluções não acontecem apenas para produtos tradicionais e ancorados num território como o Queijo Serrano dos campos sulinos do Brasil ou o Tacacá da Amazônia. Surpreendentemente essas dinâmicas também referem-se a produtos estandardizados. Vários estudos evidenciam a emergência das “Cocas-Cola alternativas” (Figura 1.6). Trata-se de bebidas de inspiração regional, que promovem um consumo engajado, militante, oscilando entre religião, identidade, política, etc., reivindicando uma postura contra a circulação globalizada de certos produtos (Coca ColaTM).

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Figura 1.6 - Interpretações regionais da bebida Coca- Cola Fonte: http://paragonanubis.files.wordpress.com/2008/05/zamzam-cola-2.jpg http://www.cdi.org.pe/Noticias_2006/Fotografias/inca_kola.jpg http://www.tribuneindia.com/2003/20031016/biz1.jpg http://www.breizhcola.fr/upload/cms/paragraphes/img/l/breizh-cola,-le-cola-breton--2.jpg Acesso realizado em 16 abr. 2014.

1.2. Indicações Geográficas: impactos econômicos, sociais e ambientais 1.2.1 A importância das IG na União Europeia Percebe-se a importância atual das IG na União Europeia, com destaque para França, Itália e Espanha, considerando o registro comunitário já con-

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cedido de quase 3.000 produtos (1.880 para vinhos e 1108 para outros produtos agroalimentares), conforme as bases de dados E-bacchus e DOOR, além dos registros nacionais, que são considerados a seguir 16. A título ilustrativo, pode-se sublinhar que as 593 IG da França (466 para vinhos e destilados e 127 para outros produtos) representam um valor de 19 bilhões de euros em comércio (16 bilhões para vinhos e destilados e 3 bilhões para outros produtos), apoiando 138.000 propriedades agrícolas. Da mesma forma, as 420 IG da Itália (300 para vinhos e destilados, e 120 para outros produtos) correspondem a um volume de receitas de 12 bilhões de euros (5 bilhões para vinhos e destilados e 7 bilhões para outros produtos), empregando mais de 300.000 pessoas. Na Espanha, as 123 IG rendem 3,5 bilhões de euros, aproximadamente (2,8 bilhões de euros para vinhos e destilados e 0,7 bilhões para outros produtos). Entre 1997 e 2001, o número de produtores franceses sob IG aumentou 14% enquanto, no mesmo período, constatou-se uma diminuição de 4% no número de produtores. 17

1.2.2 Os benefícios de uma IG A proteção de uma IG pode imprimir inúmeras vantagens para o produtor, para o consumidor e para a economia da região e do país. O primeiro efeito que se espera de uma IG é uma agregação de valor ao produto ou um aumento de renda ao produtor. Além disso, os benefícios das IG são de diversas dimensões. Destacam-se os benefícios econômicos (acesso a novos mercados internos e exportação), os benefícios sociais e culturais (inserção de produtores ou regiões desfavorecidas), benefícios ambientais (preservação da biodiversidade e dos recursos genéticos locais e a preservação do meio ambiente). Apesar dessa apresentação dos diferentes benefícios possíveis, recomendamos considerá-los com cuidado: o registro de uma IG, por si só, não garante a priori um sucesso comercial determinado. Veja na Tabela 1.2 os principais benefícios observados na Europa e em outros países (México, Peru, Chile, África do Sul, Bolívia).

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Principais vantagens da IG •

Gera satisfação ao produtor, que vê seus produtos comercializados no mercado com a IG, valorizando o território e o conhecimento local;



Facilita a presença de produtos típicos no mercado, que sentirão menos a concorrência com outros produtores de preço e qualidade inferiores;



Contribui para preservar a diversificação da produção agrícola, as particularidades e a personalidade dos produtos, que se constituem num patrimônio de cada região e país;



Aumenta o valor agregado dos produtos, sendo que o ciclo de transformação se dá na própria zona de produção;



Estimula a melhoria qualitativa dos produtos, já que são submetidos a controles de produção e elaboração;



Aumenta a participação no ciclo de comercialização dos produtos e estimula a elevação do seu nível técnico;



Permite ao consumidor identificar perfeitamente o produto nos métodos de produção, fabricação e elaboração do produto, em termos de identidade e de tipicidade da região “terroir”;



Melhora e torna mais estável a demanda do produto, pois cria uma confiança do consumidor que, sob a etiqueta da IG, espera encontrar um produto de qualidade e com características determinadas;



Estimula investimentos na própria zona de produção (novos plantios, melhorias tecnológicas no campo e na agroindústria);



Melhora a comercialização dos produtos, facilitando o acesso ao mercado através de uma identificação especial (Indicação Geográfica ou Denominação de Origem); isso se constata, especialmente, junto às cooperativas ou associações de pequenos produtores que, via de regra, possuem menor experiência e renome junto ao mercado.



Gera ganhos de confiança junto ao consumidor quanto à autenticidade dos produtos, pela ação dos conselhos reguladores que são criados e da autodisciplina que exigem;



Facilita o marketing, através da IG, que é uma propriedade intelectual coletiva, com vantagens em relação à promoção baseada em marcas comerciais.



Promove produtos típicos;



Facilita o combate à fraude, ao contrabando, à contrafação e às usurpações;



Favorece as exportações e protege os produtos contra a concorrência desleal externa.

Tabela 1.2 - Fonte: Silva (2009)

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Para conhecer os benefícios das IG, consulte os sites: http://www.wipo.int/geo_indications/es/ http://www.origin-gi.com http://www.origin-food.org/2005/base.php?cat=20 (projeto Europeu SINERGI) http://www.foodquality-origin.org/inicio/es/ Acesso realizado em 09 abr. 2013.

Vamos ilustrar esses benefícios a partir de alguns exemplos citados na literatura18 e as informações disponíveis na internet.

1.2.3 Um melhor preço de venda dos produtos e uma notoriedade protegida A valorização dos produtos IG pode ser mensurada. Para os produtores de leite franceses, o ganho das produções de queijo com IG valoriza mais o litro de leite: enquanto o leite vendido pelos produtores é pago em média nacional 0,30 euros o litro, o leite para a fabricação de queijo AOP Beaufort é vendido a 0,57 euros o litro. O óleo de oliva italiano “Toscano” é vendido 20% mais caro desde o registro dessa IG em 1998. O molho vietnamita IG “Nuoc Mam de Phu Quoc” é outro exemplo: depois que a proteção de IG foi aceita em 2001, o valor desse produto triplicou, passando de 0,5 euros o litro, em 2000, a 1,5 euros o litro em 2003. Na China, o reconhecimento do álcool de arroz amarelo de Shaoxing, como IG, permitiu reduzir os contrabandos provenientes de Taiwan e do Japão. Os preços aumentaram em 20%, o mercado interno se desenvolveu e as exportações para o Japão aumentaram em 14%. De modo geral, sobre preço observado nas IG europeias (AOP e IGP) variam entre 10 e 15%.

1.2.4 Novas regras coletivas, inovações e relações equilibradas nas cadeias produtivas A presença de regras coletivas, visando fixar os preços e estabelecer contratos entre os processadores e os produtores, melhora a competitividade da cadeia produtiva.

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Os consumidores sabem de onde vêm os produtos, os produtores sabem para onde vão os produtos. A IG favorece uma distribuição equilibrada da mais-valia em toda a cadeia produtiva e neutraliza mais eficazmente os comportamentos oportunistas intra-cadeia produtiva.19 No Brasil, a implantação da Indicação de Procedência (IP) Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional se baseia em um controle preciso da procedência dos animais. Assim, se o consumidor desejar, ele pode, a partir do código de barra, verificar no site da associação de qual animal vem o corte de carne que ele acaba de comprar, conhecer a fazenda de produção e sua localização. O regulamento da IP Vale dos Vinhedos20 incorporou 12 inovações em relação à produção convencional de vinhos no Brasil. Tais inovações incluem aspectos da produção, do controle e da comercialização de vinhos de qualidade.20 As IG também reforçam o valor e, sobretudo, a credibilidade do trabalho do produtor junto aos consumidores. Visite o site da APROPAMPA no endereço eletrônico abaixo e conheça a origem da carne a partir do código de barras. www.carnedopampagaucho.com.br Acesso realizado em 16 abr. 2014.

1.2.5 Novas oportunidades para as regiões pobres ou desfavorecidas As IG são, com frequência, originárias de regiões agrícolas desfavorecidas, onde os produtores não têm condições de reduzir o custo de produção. Dessa forma, eles são levados a apostar na valorização da qualidade e dos conhecimentos locais (savoir-faire). Apresentamos como exemplo a Champagne (França) que era uma região pobre, situada no limite norte da zona climática de produção de uvas, com solos geralmente ácidos. O método “champenoise” de vinificação, bem adaptado às dificuldades dessa matéria-prima, permitiu o sucesso econômico que conhecemos hoje. A maioria das denominações de origem de queijos, na França, está situada em regiões de montanha ou classificadas como zonas difíceis. Um dos elementos chaves das IG foi de promover, criar e implementar novas formas de governança local e de regulação entre os diferentes agentes

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da cadeia produtiva. A emergência de comitês interprofissionais e a busca de uma melhor harmonização dos interesses entre os diferentes agentes permitiram o fortalecimento da região e dos produtores.

1.2.6 Região de produção mais atrativa A presença de um produto com IG numa região pesa na decisão de jovens agricultores pela instalação ou implantação de empresas, à medida que ela induz uma estruturação em setores e uma remuneração a priori garantida. Essa atratividade oferece novas perspectivas em termos de emprego, permitindo aos jovens permanecerem em suas regiões. Ela pode se traduzir, com frequência, por um aumento do preço das terras agrícolas na região. A valorização do preço das terras na IP Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS), aumentou de 200 a 500%.21

1.2.7 Sinergia entre produto com IG e outras atividades numa região O reconhecimento de uma IG, em uma região, pode induzir a abertura e o fortalecimento de atividades e de serviços complementares, relacionadas à valorização do patrimônio, à diversificação da oferta, às atividades turísticas (acolhida de turistas, rota turística, organização de eventos culturais e gastronômicos), ampliando o número de beneficiários. A construção de cestas de bens e de serviços22 é uma forma de articular atividades, produtos e serviços para compor uma oferta global. Cria-se sinergia entre agentes locais, entre o produto ou serviço da IG e outras atividades de produção ou de serviço. Na Serra Gaúcha, a forte competição dos vinhos no mercado nacional levou as vinícolas a investirem no desenvolvimento do turismo local ao redor do vinho e da cultura italiana. Assim, desenvolveram-se numerosas atividades relacionadas com alojamento (hotéis, pousadas), gastronomia (restaurantes, fabricação artesanal de produtos típicos), enologia e imigração italiana. Em Roquefort (França), os agentes políticos e turísticos se apoiam na notoriedade internacional do queijo para assegurar a promoção de um território. Além de uma bacia de produção de leite e queijo fortemente estruturada, a AOC Roquefort contribuiu para o surgimento de uma oferta turística localizada.

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Os produtores de Paraty (RJ) aproveitaram a atividade turística da cidade para relançar uma produção tradicional, a cachaça. Paraty é uma cidade pequena, classificada como Patrimônio Histórico Nacional desde 1958, com grande afluência turística o ano todo. Visite o site do Vale dos Vinhedos e dos Caminhos de Pedra e avalie o nível de integração das atividades. http://www.valedosvinhedos.com.br/ http://www.caminhosdepedra.org.br/ Acesso realizado em 16 abr. 2014.

1.2.8 O orgulho do homem por seu produto, sua região, sua identidade e sua iniciativa coletiva Os agricultores na França estimam com a produção de leite com Appellation d’Origine Contrôlée é mais interessante, pois está fundamentada em uma finalidade concreta: o produto de origem, ele mesmo carregando os valores positivos.23 Esse apego dos produtores ao seu novo estatuto é observado em diversas cadeias produtivas (vinhos, queijos). Os membros da APROPAMPA (Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional) e da PROGOETHE (Associação dos Produtores de Uva e de Vinho de Goethe da Região de Urussanga) demonstram uma grande satisfação pela sua iniciativa coletiva. Eles declararam estar dispostos a participar de novas instâncias particulares ou públicas para testemunhar suas experiências e contribuir na construção de um projeto favorável à região, da qual eles têm muito orgulho.24

1.2.9 Preservação e valorização do patrimônio biológico e cultural As IG exprimem o reconhecimento de um patrimônio agrícola, gastronômico, artesanal e/ou cultural, que elas contribuem para conservar. Uma raça animal, uma variedade vegetal, uma paisagem, um ecossistema, correspondem a um acúmulo de conhecimentos, de práticas e de adaptação. Numerosas IG são baseadas em recursos genéticos locais e valorizam essa biodiversidade: • O óleo de “arganier”, arbusto espinhoso do Marrocos.

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• O vinho dos Vales da Uva Goethe é produzido a partir de uma variedade de uva que estava desaparecendo da região (variedade Goethe). • O regulamento de uso da produção de carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional propõe uma exploração consciente dos campos do Pampa Gaúcho para a alimentação do gado bovino.

1.2.10 Uma imagem de qualidade e de excelência Os produtos sob IG induzem uma imagem de excelência nos territórios rurais claramente identificados. Muitos são os nomes das IG que evocam sensações gustativas originais e fazem surgir imagens de paisagens agrícolas emblemáticas: os vinhedos da região de Bordeaux (França), os vinhedos da Serra Gaúcha, os vastos campos verdes do Pampa Gaúcho, a selva e a floresta Amazônica. Com frequência, encontramos essas imagens nos cartazes e prospectos publicitários dos produtos com IG. Nesse sentido, as IG podem desempenhar um papel importante na proteção, gestão ou criação de paisagens: exprimindo-se de múltiplas maneiras (terraços, modificações em cursos de água, etc.); concentração de uma vegetação particular induzida pela produção considerada (videira, pomares, campos, etc.); presença de animais de raças específicas, contribuindo, eles também, a tipificar fortemente a paisagem local; inserção na paisagem de construções estreitamente ligadas à atividade de produção destacada pela IG.25 Essa atenção particular nos permite considerar relações possíveis entre produção típica (IG) e desenvolvimento sustentável (preservação do meio ambiente).

1.2.11 Uma resposta aos desafios da sustentabilidade ecológica do território No caso da IG, a qualidade não se reduz apenas ao produto, ela também define regras de preservação e valorização do meio ambiente, do homem com sua organização, história e cultura. Além da inscrição possível de regras visando à preservação do meio ambiente, os promotores dos projetos de IG no Brasil se encontram geralmente mobilizados para discutir problemas ambientais de sua região, para se comprometerem com projetos de preservação dos recursos naturais. O interesse da ONG Internacional “BirdLife” de associar os produtores da APROPAMPA nas suas ações de conservação do bioma Pampa se inscreve dentro dessa perspectiva. BirdLife Internacional é um movimento

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de conservação da natureza e dos pássaros, cuja esfera de ação se estende desde a ação local até àquela de nível político internacional. Suas atividades repousam em parceiros nacionais que demonstraram capacidade para a utilização do meio ambiente de forma sustentável. Conheça as atividades da “BirdLife” com os produtores da APROPAMPA http://www.birdlife.org/worldwide/national/brazil/index.html Acesso realizado em 16 abr. 2014.

Além da viabilidade econômica, que concerne aos produtores propriamente ditos, as IG contribuem para o desenvolvimento territorial através de atividades específicas que, por efeito, agem sobre a economia local (turismo, atividades conexas, etc.) e sobre o patrimônio e por uma resposta adequada às demandas sociais (paisagens, bem estar animal, comércio justo).

1.3 Relativizando o sucesso e refletindo as IG Esses indicadores, referidos anteriormente, geralmente são avaliados por métodos qualitativos que refletem, com frequência, as opiniões ou os pontos de vista de alguns agentes. É difícil distinguir o que é causado pela proteção legal versus o sistema de regras da IG. Pode-se cogitar que uma formalização da produção com outro signo distintivo poderia contribuir da mesma forma ao desenvolvimento rural. Portanto, é importante considerar essas informações com cuidado, analisando quem avalia a experiência (técnicos, produtores, comerciantes, pessoa externa ao processo) e quais são os seus interesses. Existe também riscos potenciais na implementação de uma IG. Em certas situações, o sucesso econômico do produto (valor agregado) pode gerar efeitos negativos numa produção específica ou num território. O reconhecimento de um produto pode induzir à sobre-exploração de recursos específicos no mercado. Hoje, por exemplo, não se sabe se os sistemas agrícolas tradicionais de produção de mandioca ou de inhame da África ou de outros países da América Latina, serão capazes de responder e de se adaptar ao crescimento da demanda relacionada ao reconhecimento do produto. De acordo com alguns especialistas, ele pode induzir uma sobre-exploração das terras. Em muitas situações, tem-se demonstrado que a IG pode ser um instrumento de mercado e/ou de desenvolvimento rural relevante, oferecendo

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novas oportunidades para as regiões rurais. Entretanto, os efeitos das IG no desenvolvimento rural não são automáticos ou determinados previamente; eles dependem de vários elementos internos ao sistema de IG, assim como de vários fatores externos, sendo o mais importante o apoio do quadro institucional (presença de instituições de apoio, políticas públicas voltadas para a promoção das IG).

1.4 Fatores chaves para o sucesso de uma IG Algumas experiências permitem identificar quais são os fatores importantes para garantir o sucesso de uma IG.26 • Uma organização de produtores e de agentes territoriais, sensibilizada e preparada (capacitação) para promover e proteger o seu produto; • Produto(s) com reputação e/ou características valorizadas nos mercados - os consumidores serão capazes de reconhecer essa diferença; • Potencial de coordenação na cadeia produtiva (incluindo se possível os diferentes elos da cadeia); • Apoio financeiro e técnico nas fases iniciais de reconhecimento e implantação da iniciativa e no manejo das IG; • Uma promoção nacional do conceito de IG; • Uma organização das leis de fiscalização em nível federal e estadual, bem como estudos no sentido de preservar a tipicidade dos produtos; • Políticas públicas voltadas para o reconhecimento e manutenção das IG; A IG se constitui em um elemento importante da política agrícola comum da União Europeia. Na França, a origem da política pública para apoiar as IG surgiu das pressões dos produtores de vinhos e dos negociantes da região da Bourgogne para lutar contra as práticas de usurpação. Progressivamente, a política de qualidade se tornou mais ampla. Os princípios que orientaram o desenho das políticas públicas rurais passaram a destacar os benefícios das IG, enfatizando as iniciativas como instrumento potencial para uma política de desenvolvimento rural. Hoje, existem movimentos sócio-políticos ao redor das IG, como: Slow Food, ORIGIN e Associação das regiões europeias dos produtos de origem. Constituíram-se, assim, redes de ação política (policy networks).

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Principais justificativas e orientações das políticas de proteção da origem e da qualidade na França. Período

Justificação das políticas de proteção da origem e da qualidade

1905-1970

Regras da concorrência, um sistema de concorrência justa e leal

1970-1985

Regulação da oferta agrícola, Regulação do mercado, diversificação / segmentação dos mercados Intervenção do Estado na oferta agrícola

1985-2000

A partir do ano 2000

Desenvolvimento territorial, desenvolvimento rural, Política econômica local, externa, desenvolvimento agrícola/desenvolvimento rural Direitos de propriedade intelectual e proteção dos saberes Patrimônio e conservação dos recursos (culturais e biológicas) Biodiversidade, proteção dos saberes locais

Tabela 1.3 - Fonte: SYLVANDER B. et al. (2005)

No Brasil, uma política pública de proteção da origem para o setor agrícola começa a ser definida e estruturada. Além disso, observamos uma convergência de diferentes programas, que podem contribuir para a construção de um quadro institucional favorável ao desenvolvimento das IG. A Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), tem, entre seus objetivos, contribuir para a formulação da política agrícola no que se refere ao desenvolvimento do agronegócio. A Portaria nº 85, de 10 de abril de 2006, formalizou a criação de uma coordenação para planejamento, fomento, coordenação, supervisão e avaliação das atividades, programas e ações de IG de produtos agropecuários brasileiros. Dessa forma, foi oficializada a atuação do MAPA nas questões que envolvem IG de produtos agropecuários. Desde a sua criação, essa coordenação está apoiada em várias iniciativas que oferecem capacitação e apoio financeiro para a organização dos produtores e realização de estudos para promoção e reconhecimento de uma IG. Recentemente o Decreto n. 8.198, de 20 de fevereiro de 2014, que regulamenta a Lei do Vinho, também atribuiu em seu art. 55 competências específicas ao MAPA relacionadas ao controle das IG vitivinícolas.” O Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI possui atribuição legal para estabelecer as condições de registro das IG no Brasil, segundo

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o artigo 182, parágrafo único, da lei 9.279/1996. E este, desde 1997, tem orientado associações e instituições no registro da IG. Existem, também, outros programas de políticas públicas ou iniciativas convergentes apoiadas por outros ministérios: o registro de certos produtos nos livros do Patrimônio Imaterial27, as políticas e programas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) à agroecologia, o movimento Slow Food, o apoio à comercialização dos produtos da agricultura familiar coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Recentemente, a Portaria n°45, de 28 de Julho de 2009 instituíu o Selo de Identificação da Participação da Agricultura Familiar e dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos à permissão, manutenção, extinção de uso. Desde 2007, o programa de cooperação técnica Brasil-França para o fortalecimento da gestão integrada e participativa em mosaicos de áreas protegidas, desenvolve atividades sobre a valorização da identidade territorial e a valorização dos produtos, recursos, serviços, cultura e tradição. Esses diferentes programas consideram as IG como um elemento potencial para o desenvolvimento rural, a preservação da biodiversidade e do meio ambiente. De maneira mais geral, o panorama das políticas para o desenvolvimento rural na América Latina e no Brasil foi marcado pela emergência da abordagem territorial. O que significa uma busca de articulações entre municípios e entre setores, uma atenção maior para a valorização dos recursos locais, das riquezas dos territórios, assim como para uma inserção mais forte das populações na execução e elaboração dos programas (fóruns participativos). Esses elementos podem contribuir para a implementação de um quadro institucional favorável e uma valorização dos produtos típicos ou produtos da terra pelos consumidores, elementos chaves para o desenvolvimento das IG no Brasil. Para conhecer as orientações e diretrizes da política agrícola e de desenvolvimento rural nacional assim como as orientações para salvaguardar o patrimônio imaterial brasileiro, visite o site do MAPA, do MDA, e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): www.agricultura.gov.br -> Desenvolvimento Sustentável -> Indicação Geográfica www.mda.gov.br/saf/ www.iphan.gov.br Acesso realizado em 16 abr. 2014.

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Resumo

Neste capítulo, vimos que a IG se tornou relevante para os agentes do mundo rural no contexto da globalização da economia e da abertura dos mercados. Verificamos que as IG constituem um meio de valorizar uma localidade/ região e um país de origem. Elas podem transformar-se em instrumento de competitividade no mercado e/ou instrumento de desenvolvimento rural, trazendo uma série de benefícios potenciais: a. benefícios econômicos (abertura de mercado, agregação de valor); b. benefícios sociais (emprego, dinamização de regiões carentes); c. benefícios ambientais (preservação da biodiversidade, práticas produtivas mas adequada para o meio ambiente). Observamos, ainda, que os efeitos das IG no desenvolvimento rural não são automáticos, dependem de fatores internos – como a organização de seus produtores – e de fatores externos, tais como a presença de instituições de apoio e políticas públicas voltadas para a promoção das IG.

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Notas 1.

KAKUTA et al., 2006.

2.

http://www.inao.gouv.fr/, acesso em 09/04/2013.

3.

BÍBLIA, Cânticos, I, 14.

4.

BÍBLIA, Cânticos, III, 9, e Reis, V, 6.

5.

OSÉIAS, 2010.

6.

ALMEIDA, 2010

7.

ALMEIDA, 2010.

8.

PÉREZ ÁLVARES, 2009.

9.

BRUCH, 2011.

10. A descrição do processo de proteção do Vinho do Porto foi realizada por Ana Soeiro, em sua palestra proferida no painel “Indicações Geográficas como instrumento de competitividade estratégica de organizações”, em 9 de outubro de 2008, às 13:00h, no Simpósio Internacional sobre Indicações Geográficas ocorrido em Porto Alegre. 11. WILKINSON, 2008 12. MASCARENHAS, 2007. 13. ANDION, 2007. 14. WILKINSON, 2008, p.17 15. EUROPA, 2013. 16. CERDAN, 2004 17. DUPONT, 2005. 18. SAUTIER, 2004; LARSON, 2007. 19. RANGNEKAR, 2004. 20. APROVALE, 2010. 21. TONIETTO, 2002; LOCATELLI, 2008.

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22. LOCATELLI, 2006, 2008. 23. PECQUEUR, 2001. 24. FRAYSSIGNES, 2005. 25. CERDAN et al., 2009. 26. http://www.inao.gouv.fr/, acesso realizado em 16 abr. 2014. 27. MASCARENHAS, 2008. 28. Oficio das Baianas de Acarajé, o modo artesanal de fazer Queijo de Minas nas regiões da Serra e das Serras da Canastra e do Salitre.

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