ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO NORMALIZADO (ICN) COMO MÉTODO DE IDENTIFICAÇÃO DE ESPECIALIZAÇÃO PRODUTIVA ESPACIAL: O CASO DA COTONICULTURA EM MATO GROSSO

June 5, 2017 | Autor: Alexandre Faria | Categoria: Economia Regional, Algodón, Coton, Algodão
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ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO NORMALIZADO (ICN) COMO MÉTODO DE IDENTIFICAÇÃO DE ESPECIALIZAÇÃO PRODUTIVA ESPACIAL: O CASO DA COTONICULTURA EM MATO GROSSO Alexandre Magno de Melo Faria1 Dilamar Dallemole1 Benedito Dias Pereira2 Lázaro Camilo Recompensa Joseph1 Arturo Alejandro Zavala Zavala1 Resumo A cotonicultura brasileira está espacialmente concentrada em Mato Grosso desde a safra de 1999. A produção não se distribui de forma homogênea dentro das fronteiras mato-grossenses. Buscou-se neste trabalho identificar as mesorregiões e os municípios que apresentam elevada concentração produtiva. Foi calculado o Índice de Concentração Normalizado (ICN) a partir do método de componentes principais, utilizando como base o valor da produção de algodão e do PIB municipal do ano de 2004. O método indicou adensamento produtivo mínimo em 29 dos 139 municípios que, em conjunto, produzem 96% do algodão mato-grossense. O método indicou ainda 12 municípios com indicador acima de um, que no conjunto produzem 65% do algodão regional, podendo ser caracterizados como especializados em cotonicultura. Outros 17 municípios, com indicador abaixo de um e acima do indicador médio, que no conjunto produzem 31% do algodão mato-grossense, podem ser considerados diferenciados. Duas mesorregiões se destacaram, a Sudeste que produz 53% e a Norte que gera 39% da produção regional. A mesorregião Sudeste apresenta a maior aglomeração produtiva em cotonicultura e pode ser considerado o principal espaço para o desenvolvimento de um Arranjo Produtivo Local da cotonicultura em Mato Grosso. Palavras chave: algodão, especialização, Índice de Concentração Normalizado (ICN). SPACIAL CONCENTRATION OF COTTON PRODUCTION IN MATO GROSSO AND POSSIBILITIES TO FORMATION OF LOCAL PRODUCTIVE ARRANGEMENT Abstract The Brazilian cotton production is concentrated in Mato Grosso State since 1999. The crop is not homogeneous distributed inside Mato Grosso’s boundaries. This work identifies the region which present raised yielding concentration. It was calculated Normalized Concentration Index (NCI) from principals components method, utilizing as basis cotton yield worth and municipal Gross Domestic Product (GDP) from 2004. The method indicated minimum yielding concentration in 29 of the 139 Mato Grosso’s counties which aggregate produces 96% of regional cotton. The method still denoted 12 counties with NCI up from one, which produces 65% of regional cotton and were defined like specialized in cotton production. Other 17 counties with NCI below one and up average NCI produces 31% of regional cotton and were defined like differentiated in cotton production. Two regions had detached in cotton production, Southeast which produces 53% and North which produces 39% of regional cotton. The Southeast region presents the major productive agglomeration in cotton production and may be considered the main space toward development by Local Productive Arrangement (LPA) in Mato Grosso’s cotton production. Key words: cotton, specialization, Normalized Concentration Index (NCI).

1 Doutor, Prof. Adjunto I, Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso. 2 Doutor, Prof. Associado I, Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso. VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

2 Área Temática: Metodologia e Técnicas de Análise Regional

ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO NORMALIZADO (ICN) COMO MÉTODO DE IDENTIFICAÇÃO DE ESPECIALIZAÇÃO PRODUTIVA ESPACIAL: O CASO DA COTONICULTURA EM MATO GROSSO Alexandre Magno de Melo Faria Dilamar Dallemole Benedito Dias Pereira Lázaro Camilo Recompensa Joseph Arturo Alejandro Zavala Zavala INTRODUÇÃO A reestruturação produtiva da economia brasileira na década de 1990 gerou uma nova configuração sócio-espacial da cotonicultura nacional. As tradicionais regiões produtoras (Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará, Piauí e São Paulo), que utilizavam a mão-de-obra familiar como base da força de trabalho cultivando fibras em áreas médias inferiores a 50 hectares, entraram em crise em função de sua dificuldade em elevar a escala de produção pautada em ampla mecanização. O agronegócio empresarial, enquanto estrutura sócio-produtiva orientado pela taxa de acumulação, surgiu como o novo vetor produtivo pautado em trabalhadores contratados, elevada tecnificação, utilização de pacotes de insumos industriais e crescente escala de produção tendo como base a concentração fundiária. Este novo modelo garantiu, ao mesmo tempo, redução de custos unitários de produção e elevação da qualidade intrínseca da fibra [(BELTRÃO & SOUZA, 2001); (SUZUKI JUNIOR, 2001); (FARIA, 2003); (FARIA e CAMPOS, 2006)]. A retomada da produção cotonícola após a crise garantiu o estancamento das importações de pluma e a retomada da estratégia exportadora a partir de 1999. Neste contexto, surgem como novos produtores os estados da região Centro-Oeste e a porção oeste do estado da Bahia, utilizando o bioma Cerrado como suporte ecossistêmico da implantação da “nova cotonicultura”. Dentre os diversos fatores que geraram esta reconfiguração estão a desvalorização cambial ocorrida nos anos de 1997 e 1999 e algumas políticas públicas de incentivo à produção agrícola/cotonícola, como a Lei Kandir em 1996, a MP 1.569 (25/03/1997), a majoração das alíquotas de importação de pluma a partir de 1995 e a criação de programas de incentivo fiscal pelos governos regionais, notadamente Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e Bahia a partir de 1997 [(BESEN et al. 1997); (GONÇALVES, 1997); (KUME & PIANI, 1997); (MATO GROSSO, 1997); (REZENDE, NONNENBERG e MARQUES, 1997); (REZENDE e NONNENBERG, 1998); (GOIÁS, 1999); (MATO GROSSO DO SUL, 1999); (IEL, CNA e SEBRAE, 2000); (BAHIA, 2001); (MELO FILHO et al., 2001); (SUZUKI JUNIOR, 2001]. A produtividade brasileira que sempre foi inferior à mundial cresce fortemente e a partir de 1999 registra índices muito superiores à média global, com destaque para Mato Grosso (ICAC, 2002). Entre 1990 e 2004, a produtividade cresceu a 11,4% ao ano em Mato Grosso, enquanto a produtividade brasileira se eleva a 8,5% ao ano. A produtividade nas regiões tradicionais não acompanhou o ritmo da região de expansão. O resultado foi uma concentração na região de Cerrado, que gerava apenas 17% da produção em 1990 e alcançou 86% em 2004. Somente Mato Grosso passou de 3% em 1990 para 50% da produção em 2004, como pode ser observado na Tabela 1 [(FARIA e CAMPOS, 2006) (FARIA, PEREIRA e BEDIN, 2007)].

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Tabela 1. Produção de Algodão em Caroço do Brasil, Mato Grosso e Áreas de Cerrado, em Toneladas: 1990-2004 57.634 73.458 67.862 85.641 91.828 87.458 73.553 78.376 271.038 630.406 1.002.836 1.525.376 1.141.211 1.065.779 1.884.315

% de Mato Grosso 3 4 4 8 7 6 8 10 23 43 50 58 53 48 50

300.308 384.702 340.551 347.295 398.934 426.370 387.041 406.547 666.251 1.073.436 1.520.643 2.195.160 1.780.697 1.817.286 3.256.810

% do Cerrado 17 19 18 31 30 30 41 50 57 73 76 83 82 83 86

+32% a.a.

-

+19% a.a.

-

Safra

Brasil

Mato Grosso

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Taxa Geométrica de Crescimento

1.783.175 2.041.123 1.863.077 1.127.364 1.350.814 1.441.526 952.013 821.271 1.172.017 1.477.030 2.007.102 2.643.524 2.166.014 2.199.268 3.798.480 +4% a.a.

Cerrado

Fonte: Elaborada pelo autor a partir da Pesquisa Agrícola Municipal (IBGE, 2007). A taxa de crescimento anual da produção física entre 1990 e 2004 alcança 32% em Mato Grosso e 19% nas áreas de Cerrado, que incluem o espaço mato-grossense. A produção brasileira se expande a 4% ao ano no mesmo período. Fica bastante claro neste quadro que a produção de algodão se concentra na região central do Brasil e principalmente em Mato Grosso. As causas desta concentração em uma única unidade da federação foram discutidas por Faria (2003) e Faria e Campos (2006), que apontam para: (i) a geração de tecnologia local no ano de 1991, a partir da cooperação entre a empresa Itamarati Norte e a EMBRAPA, com o surgimento de uma cultivar adaptada ao clima de Cerrado e passível de mecanização em todas as fases do cultivo, reduzindo drasticamente a necessidade de mão-de-obra; (ii) o aprendizado dinâmico pelos agentes produtivos locais, principalmente learning by failing, learning by doing e learning by using, acumulando trajetórias de sucesso e de fracasso que garantiram uma base empírica para o desenvolvimento tecnológico da cultura em uma nova área, em um processo de learning by searching; (iii) a difusão dos conhecimentos técnicos por todo o espaço regional a partir de 1996, via Fundação MT, divulgando o manejo correto da cotonicultura no trópico sub-úmido; (iv) a criação de incentivos fiscais pelo Governo de Mato Grosso (Governo Dante de Oliveira criou o PROALMAT, Programa de Apoio à Cultura do Algodão de Mato Grosso), que garantiram taxa de acumulação elevada e capitalizaram os produtores regionais individualmente e coletivamente na criação de associações e instituições de representação; e (v) a criação de um espaço de interlocução entre diversos agentes públicos e privados no Fundo de Apoio à Cultura do Algodão (FACUAL), garantindo o learning by interacting, antecipando problemas e discutindo soluções coletivas. A ação da iniciativa privada, do Governo Regional e de instituições de P&D&I formatou um arranjo produtivo do algodão pautado em ações endógenas, que garantiram uma acumulação de capital elevada e, conseqüentemente, a convergência produtiva do algodão em Mato Grosso. A participação do valor bruto da produção de algodão se eleva consideravelmente e passa a representar importante vetor na formação da renda em Mato Grosso. Em 1997, antes da criação do PROALMAT e da forte expansão da cotonicultura, a produção de algodão em caroço e beneficiado geravam apenas 0,27% do VBP regional, como demonstra a Tabela 2. VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

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Tabela 2. Participação do VBP da Cotonicultura e Indústria de Beneficiamento de Pluma no VBP de Mato Grosso: 1997-2006 Anos

VBP de Mato Grosso (R$)

VBP Cotonicultura (R$)

%

1997 1998

14.450.720.543

39.317.163

0,27

16.371.325.829

181.205.723

1,11

1999

17.684.379.587

428.800.071

2,42

2000

20.894.829.921

697.656.273

3,34

2001

25.261.231.385

1.145.053.202

4,53

2002

28.222.751.295

1.186.806.427

4,21

2003

35.263.420.498

1.504.109.835

4,27

2004

44.698.766.982

2.054.786.691

4,60

2005

46.506.461.923

1.771.308.667

3,81

2006

47.316.173.023

1.392.829.513

2,94

Fonte: Faria, Pereira e Bedin (2007). A produção da cadeia produtiva do algodão cresce de forma exponencial no período 19982004, quando alcança importantes 4,60% do VBP mato-grossense. Há um arrefecimento no biênio 2005-2006, porém com uma participação muito relevante no contexto regional. As exportações também se elevam no mesmo período, pois em 1998, Mato Grosso não comercializou algodão com o exterior, enquanto na safra de 2005 importantes 42% de todo o algodão produzido nesta unidade federativa foi enviado ao exterior (Tabela 3). Em 2006 parece ter havido maiores dificuldades em comercializar no mercado externo em função da valorização da moeda nacional, contudo, 33% do algodão regional foram exportados. Esta abertura de mercado suscita uma indicação de que a produção de algodão em Mato Grosso é realizada de forma eficiente e com capacidade competitiva internacional. Tabela 3. Produção de Algodão em Pluma e Exportação de Mercadorias Derivadas da Cadeia Produtiva do Algodão de Mato Grosso, em Toneladas: 1998-2006 Anos

Produção de Pluma

Exportação

%

1998

94.200

0

0

1999

226.400

2.072

1

2000

335.800

13.654

4

2001

533.900

64.808

12

2002

391.300

69.211

18

2003

412.600

122.182

30

2004

613.300

213.268

35

2005

582.266

245.900

42

2006

503.323

165.566

33

Fonte: Faria, Pereira e Bedin (2007).

O LUGAR DO ESPAÇO NO DESENVOLVIMENTO O espaço foi negligenciado pela economia clássica quanto variável determinante do crescimento econômico. Este descaso com a distribuição das atividades econômicas no espaço geográfico se origina da suposição de que deve ocorrer uma equalização dos preços dos fatores, advinda do regime de concorrência perfeita e da perfeita mobilidade de fatores, admitindo-se custos VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

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nulos de transporte. Desse modo, as desigualdades dos níveis de produção “per capita” entre as regiões seriam eliminadas automaticamente (FERREIRA, 1989). Como a matriz ortodoxa trata de escolhas que levam ao melhor uso de recursos escassos, o tempo e a energia humana é que são as variáveis centrais, pois o espaço ainda não seria considerado um fator de produção escasso (FETTER, 1965). Admite-se, portanto, uma superioridade da história sobre a geografia no entendimento dos processos de desenvolvimento. A orientação desta matriz está bastante clara nos modelos de desenvolvimento de Harrod-Domar, Solow-Swan, Nurkse, Lewis, Ranis e Fei e W.W. Rostow, que convergem em vários pontos, dentre os quais, que o crescimento equilibrado ocorreria com a aplicação de tecnologia exógena em setores dinâmicos de uma economia rural e atrasada, gerando transferência do abundante fator trabalho das atividades primárias para a indústria e os serviços. O espaço e as condições históricas e sócio-culturais de cada espaço não seriam relevantes para estes modelos gerais de desenvolvimento [(NURKSE, 1956); (ROSTOW, 1956); (SOLOW, 1956); (SWAN, 1956); (SOLOW, 1957); (RANIS e FEI, 1961); (LEWIS, 1962); (MARTINUSSEN, 1997)]. A questão é que a concentração produtiva e a distribuição dos benefícios do desenvolvimento entre as regiões e os subespaços de uma nação não é equitativa e, muitas vezes, se deteriora com o tempo, ou mesmo mantém um significativo distanciamento no nível de desenvolvimento entre regiões centrais e periféricas (SANTOS, 1982). A Economia Regional procura explicar as localizações das atividades sociais e econômicas e suas concentrações em pontos discretos do espaço geográfico, observando os fatores de atração e repulsão destas atividades, enfatizando a fricção que a distância imprime à distribuição das atividades. Esta fricção é calculada pelo custo em se deslocar os fatores de produção no espaço. É um avanço na tentativa de incorporar o espaço na tomada de decisão capitalista, mas mantém-se reducionista por vislumbrar apenas a minimização de custos ou a maximização dos lucros pela localização ótima dos fatores locacionais clássicos (FERREIRA, 1989). Outra tentativa de considerar o espaço como participante ativo do processo produtivo foi desenvolvido por François Perroux (1955, 1967), que discutiu a categoria de espaço e de pólos de crescimento, onde o elemento central do desenvolvimento é a empresa motriz, que com sua capacidade inovadora e liderança, exerce um efeito impulsionador sobre as demais empresas. Sua localização em um dado espaço é geradora de desigualdades produtivas e espaciais, promovendo o desenvolvimento. As decisões da empresa motriz têm efeito indutor sobre as firmas que com ela se relacionam, fomentando a difusão de inovações, transmitidas de forma horizontal e vertical pela rede de empresas dependentes. A localização aproximada entre a empresa motriz e as demais gera economias externas de escala. Assim, o pólo é um mecanismo que contribui para a difusão de inovações, favorecendo o crescimento e o desenvolvimento econômico. Perroux sustenta que o desenvolvimento não ocorre de forma equilibrada, mas formam-se centros ou pólos de crescimento que estruturam e subordinam o espaço de forma hierárquica e funcional, criando centros e periferias. Alguns espaços de especializam na atividade motriz, enquanto outros se especializam em prestar serviços ao pólo central. Pontos discretos altamente desenvolvidos surgiriam no espaço contínuo como motores de expansão das atividades-chave de um espaço, promovendo um desenvolvimento desigual. Para Hirschman (1958), a melhor estratégia de desenvolvimento é aquela que leva à mobilização dos recursos disponíveis mediante mecanismos tais como, os encadeamentos para frente e para trás, que formam as economias externas, estimulam o investimento e canalizam as novas energias com força tal que permitem romper os círculos viciosos do desenvolvimento. Hirschman recomenda priorizar as indústrias de bens de capital e de bens intermediários, pois são essas indústrias que são mais capazes de induzir um maior número de encadeamentos comparativamente às demais atividades produtivas. A identificação dos setores mais dinâmicos e importantes na economia regional pode garantir aos espaços subdesenvolvidos a oportunidade de aplicar todo o seu capital disponível naquelas atividades produtivas com capacidade de impulsionar os demais setores. VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

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O grande problema na abordagem Perroux-Hirschman é que a indústria que se estabelece no espaço e que deveriam criar ligações com diversas atividades produtivas regionais é geralmente exógena e implanta a sua lógica produtiva sem reconhecer a sociedade regional e local como detentora de heranças culturais e idiossincrasias próprias. A indústria motriz não possui a mesma identidade regional e muitas vezes não se estabelece para desenvolver a região, mas para garantir sua estratégia de reprodução do capital. A tecnologia é exógena e há pouco ou nenhum envolvimento da sociedade regional na tomada de decisão, tanto nos momentos de euforia econômica quanto na crise. O desenvolvimento desequilibrado constatado ao nível de regiões pode ter rebatimento ao nível local, com pequenos grupos se apropriando do excedente e impedindo o acesso relativamente equitativo de amplas parcelas da sociedade dentro da própria região considerada “desenvolvida”. Na década de 1980 surge uma nova abordagem que inverte a lógica da indústria exógena e passa a discutir a possibilidade de um desenvolvimento endógeno regional, em que a sociedade busca e seleciona a sua própria trajetória, sem esperar a grande indústria transformadora forânea (AMARAL FILHO, 1995). A formação de aglomerações espontâneas pautadas em vocações regionais seria uma alternativa ao desenvolvimento planejado pela tecnocracia do Estado sem considerar as especificidades regionais e seus atores (AMARAL FILHO, 1996). Mesmo com limitações, o desenvolvimento endógeno procura inserir o espaço como variável ativa, explorando o caráter espacial das economias externas. Procura relacionar a geografia aos processos tecnológicos e organizacionais, afirmando que a região se desenvolve em última instância, em função da trajetória tecnológica e produtiva adotada no espaço em questão. A especificidade dos recursos, conhecimentos técnicos acumulados, a qualidade e a densidade das instituições e as formas de organização da produção tornam o território uma variável ativa no desenvolvimento regional, pois eles se concentram em pontos específicos (BARQUERO, 2000). Outro ponto relevante nesta matriz reside na aceitação da existência de uma forte simbiose entre a economia e a sociedade, onde os arranjos produtivos estão estreitamente vinculados às instituições e à sociedade local. A flexibilização do mercado de trabalho e a difusão do conhecimento são expressões nítidas deste embricamento entre o setor produtivo e o seu entorno institucional (BARQUERO, 2002). Por fim, o desenvolvimento endógeno inverte a visão linear e hierarquizada da geração de inovações e tecnologia, pois acredita que há uma flexibilização da participação de todos os agentes envolvidos no processo produtivo, em uma visão mais horizontal. Há, na verdade, um complexo sistema interativo entre empresas, mercado e instituições de P&D, onde o aprendizado dinâmico é uma variável chave na geração de inovações. Além disso, as inovações não se apresentam de forma linear no tempo e no espaço, onde as rupturas tecnológicas podem ocorrer de forma assimétrica (BARQUERO, 2002). Nesta nova abordagem, o espaço territorial deixa de ser apenas um suporte para a localização dos fatores produtivos, em uma ótica de desenvolvimento exógeno que buscava equilibrar economias de aglomeração (forças centrípetas) e desaglomeração (forças centrífugas), assumindo no espaço um papel ativo na formação e consolidação de mecanismos que promovem o desenvolvimento regional (SANTANA, 2005). As aglomerações produtivas endógenas passam a ser vistas como Arranjos Produtivos Locais (APL), envolvendo ações de geração e difusão de tecnologia, melhorias na gestão e criação de institucionalidades que promovam a cooperação e redução da desconfiança e dos custos de transação em um contexto de encadeamentos produtivos protagonizada pelos atores em prol de objetivos e eficiência coletiva. Como as empresas não subsistem isoladamente, pois dependem de uma extensa e complexa rede de outras atividades produtivas que se relacionam por meio de fornecimento de insumos e matéria-prima e/ou pelo processamento e distribuição dos produtos derivados da atividade principal, a aglomeração em espaços específicos pode ser resultado da criação de competitividade sistêmica VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

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resultante de um conjunto de ações sinérgicas e dinâmicas que culminam na capacidade do espaço de competir no mercado regional, nacional e global. Uma definição adequada de Arranjos Produtivos Locais, que tem se destacado com notoriedade, deriva da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST), coordenada pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro: “(...) referem-se aglomerados de agentes econômicos, políticos e sociais localizados em um mesmo território, que apresentam vínculos consistentes de articulação, interação, cooperação e aprendizagem. Incluem não apenas empresas – produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de serviços, distribuidoras, clientes, etc. e suas formas de representação e associação – mas também outras instituições públicas e privadas à formação e treinamento de recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento de engenharia, promoção e desenvolvimento” (REDESIST, citado por SANTANA, 2004, p. 11).

Adota-se, ainda, o conceito de APL para referenciar aquelas aglomerações produtivas, cuja articulação entre os agentes locais ainda não é suficientemente desenvolvida para caracterizá-las como sistemas, pois Cassiolato e Lastres (2003, p. 31) argumentam que “onde houver produção de qualquer bem ou serviço haverá sempre um arranjo em seu entorno, envolvendo atividades e atores relacionados à sua comercialização, assim como o fornecimento de matérias-primas, máquinas e demais insumos”. Portanto, mesmo sem haver interações fortes entre diversos agentes públicos e privados capazes de engendrar uma nova forma de promover o desenvolvimento que gerem mudanças estruturais na sociedade, a aglomeração e o adensamento de uma cadeia ou elo de cadeia produtiva pode ser diferenciada em termos de categoria analítica e ser entendida como um APL. Assim, a identificação destes adensamentos produtivos que surgiram de ações endógenas em espaços delimitados pode ser uma importante proxy para selecionar regiões com competitividade sistêmica capazes de liderar a formação e consolidação de cadeias produtivas integradas. A formação e consolidação de um APL maduro pode se constituir em uma estratégia de geração, retenção e distribuição de novos excedentes na economia regional e contribuir de forma direta para o desenvolvimento. Portanto, tendo clareza de que o desenvolvimento de qualquer economia ocorrerá de forma desigual do ponto de vista espacial, podem-se identificar os espaços onde atividades-chave se concentram para impulsionar a formação de novos elos da cadeia produtiva. Quanto maior a capacidade de geração de efeitos concatenados para frente e para trás, maiores serão as oportunidades de desenvolvimento econômico e social. Em um momento histórico de integração competitiva internacional, a manutenção e ampliação da capacidade de competir de um espaço dependerão muito mais de estratégias pautadas na inovação tecnológica, aprendizado dinâmico, solidariedade/cooperação direta e difusa entre os agentes do APL e na definição da estratégia de mercado (diferenciação, diversificação ou baixo custo) do que na confiança excessiva em fatores locacionais básicos (clima, recursos naturais, mãode-obra barata) e na transferência para o governo das decisões complexas sobre o futuro das empresas. Depender de (i) sobre-exploração da força de trabalho, (ii) exploração predatória e destruição de capital natural, (iii) informalidade econômica e (iv) subvenções, subsídios e incentivos fiscais governamentais não garante desenvolvimento de longo prazo, sendo consideradas estratégias espúrias de manter vantagem competitiva em uma economia global. Este modelo predatório e injusto socialmente deve ser amplamente rejeitado (HADDAD, 2006).

METODOLOGIA A metodologia empregada para determinar os espaços especializados na cotonicultura matogrossense foi a construção do Índice de Concentração Normalizado (ICN), através da análise de componentes principais, tendo como base as contribuições de Crocco et al. (2003), Santana (2004), Santana e Santana (2004), Santana (2005) Santana, Filgueiras e Rocha (2006). Para a elaboração do VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

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referido índice utilizou-se o Quociente Locacional (QL), seguido do Índice de HirschmanHerfindahl (IHH) modificado e do Índice de Participação Relativa (PR). Este método é capaz de selecionar as regiões/espaços onde surgem especialização e concentração produtiva de setores específicos e que pode ser classificada como Arranjos Produtivos Locais (APL) dada a sua importância regional. O ICN, mesmo identificando apenas um setor, pode ser um excelente indicador da formação de um APL porque a atividade principal necessita uma estrutura mínima de funcionamento que requer serviços especializados, fornecedores, distribuidores e toda uma cadeia de trabalho que a classifica como uma agregação de esforços sinérgicos. De acordo com Mingoti (2005), a técnica de componentes principais tem como objetivo explicar a estrutura de variância e covariância de um vetor aleatório através da combinação linear das variáveis originais. A intenção deste método é, através destas combinações, reduzirem o número de variáveis a serem consideradas na análise, substituindo-as por componentes não correlacionados. A análise de componentes principais é aplicada aos indicadores de especialização X1, X2,...Xp e encontra combinações lineares das mesmas produzindo os componentes CP1, CP2, ...,CPq:

Onde: CPi = a componente principal de i (1, ...., p); Xj = variável representativa do emprego do município j (1, ...., q); ij = parâmetros. Os componentes principais são extraídos a partir da decomposição da matriz de covariâncias, onde a variância destes componentes são os autovalores desta matriz. De acordo com Crocco et al. (2003), a matriz de covariância apresenta-se da seguinte forma:

[

]

De acordo com Santana e Santana (2004) e Santana (2005), a primeira característica é determinada pelo Quociente Locacional (QL), que permite determinar o nível de especialização de uma determinada atividade no espaço, que dependerá da definição ex ante da tipologia desta região, podendo ser geográfica, política, ecológica, etc. O QL é determinado pela seguinte expressão matemática: (

)

Utilizou-se neste trabalho o Valor Bruto da Produção (VBP) do algodão ao nível municipal em relação ao VBP do município em que se encontra a referida atividade econômica. O numerador apresenta os dados referentes ao município, onde Eij corresponde ao VBP da cotonicultura municipal j e o Ej representa o VBP de todas as atividades que constam na referido município j. No denominador estão representados os dados agregados do Mato Grosso, onde o EiA representa o VBP total da cotonicultura mato-grossense e o EA o representa o VBP de Mato Grosso. Cabe ressaltar, de acordo com Crocco et al. (2003), que um Quociente Locacional > 1 pode apenas indicar uma diferenciação produtiva da atividade, pois pode haver assimetrias entre os VI Encontro Nacional ENABER: Conhecimento, Inovação e Desenvolvimento Regional, 2008, Aracaju. Anais do VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, 2008

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espaços, além da alta representatividade de alguns poucos produtores que podem enviesar o resultado. Para atenuar problemas desta natureza integra-se ao cálculo do ICN o Índice de Concentração de Hirschman-Herfindahl (IHH) modificado, definido pela seguinte expressão matemática: )

[(

(

)]

O IHH permite comparar o peso da atividade i do município j no setor i do Mato Grosso em relação ao peso da estrutura produtiva do município (VBP local) j na estrutura do Mato Grosso (VBP regional). Se o valor for positivo, a atividade i do município j está mais concentrada neste local, tendo maior poder de atração econômica, devido ao seu nível de especialização (SANTANA, 2005). O terceiro componente do ICN, denominado Índice de Participação Relativa (PR), capta a importância da atividade i do município j no total representado pela atividade i do Mato Grosso. O PR é determinado pela seguinte expressão matemática: (

)

Este indicador deve variar entre zero e um. Quanto mais próximo de um, maior a representatividade da atividade no município. Pode-se dizer, então, que o QL capta a especialização produtiva de um dado espaço, ou seja, seu esforço em produzir a mercadoria que se está analisando e relação ao esforço empregado em outras atividades regionais. O índice IHH mede a concentração produtiva de um dado espaço, ou seja, a aglomeração de um dado setor em um espaço específico em relação à unidade espacial maior em que a unidade em questão está inserida. O PR mede a importância relativa da atividade para a formação do valor ou no esforço em se produzir tal mercadoria na unidade espacial de maior relevância analisada. Estes três indicadores subsidiam a composição do Índice de Concentração Normalizado (ICN), expresso pela seguinte expressão matemática:

Os pesos  para cada um dos indicadores serão determinados pelo método de análise de componentes principais, onde a matriz de correlações “revela a proporção da variância da dispersão total da nuvem de dados gerada, representativa dos atributos de aglomeração, que é explicado por esses três indicadores” (SANTANA, 2004). A partir dos resultados globais calcula-se o ICN médio, representado por α, que é o resultado da média aritmética simples dos indicadores (ICN) de todos os espaços constantes na amostra. O espaço que apresentar ICN acima da média (ICN>α) é considerado um espaço especializado no sistema produtivo em questão. Optou-se neste trabalho por definir os municípios com ICN acima da unidade (ICN>1) como espaços especializados e os municípios com ICN abaixo de 1, porém acima de α, como espaços diferenciados (α
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