Indígenas do Equador veem \"neoliberalismo\" em Correa

May 24, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoria: Indigenous Movements, Ecuador, movimentos indigenas na America Latina
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Indígenas do Equador veem "neoliberalismo" em Correa
Poderosa Confederação de Nacionalidades questiona projetos para gerir minérios e água 

Conflito, que já provocou uma morte, diz respeito à implementação da nova Carta; presidente diz que grupo "faz o jogo da direita"
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Nacionalista que tirou os EUA da base militar de Manta e auditou a dívida externa do Equador, o presidente Rafael Correa tem sido chamado de "neoliberal" e "neocolonialista" pela Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que desde 1997 teve papel crucial na queda de três governos no país.
Correa, que chegou ao poder em 2006 prometendo pôr fim à "longa noite neoliberal", acusa indígenas e ambientalistas "radicalizados" de fazerem o "jogo da direita" e de pretenderem desestabilizá-lo.
O presidente foi reeleito em abril sob as regras da Constituição de 2008, impulsionada por seu governo e que consagra o princípio quéchua da "sumak kawsay" (vida plena ou bom viver) -cuja implementação está no cerne das divergências com a Conaie.
Os protestos indígenas contra as leis de Mineração e Águas e dois decretos presidenciais (veja quadro) vêm crescendo desde o início do ano e resultaram em confronto no dia 30 de setembro. Um professor da etnia shuar morreu baleado quando a polícia desbloqueava uma ponte na Província de Morona Santiago, na Amazônia equatoriana.
A morte, ainda sob investigação, provocou recuos dos dois lados. Uma reunião entre Correa e 150 lideranças da Conaie, no último dia 5, levou à formação de "mesas de diálogo", que ainda serão instaladas. Mas a desconfiança mútua permanece grande.
Três temas comuns à maioria dos países da América do Sul formam o pano de fundo dos conflitos: a relação entre movimentos sociais e governos de esquerda; os limites da autonomia indígena; e o choque entre ambientalismo e o modelo econômico baseado na exportação de matérias-primas.
A convivência entre Correa e a Conaie, que tem no movimento Pachakuti seu braço político, nunca foi fácil. A confederação, que fala em nome de boa parte dos estimados 4 milhões de indígenas equatorianos, ou 30% da população, manteve "distância crítica" do presidente, embora tenha apoiado pontos do programa da coalizão Acordo País, de Correa, e a convocação da Constituinte que redigiu a nova Carta.
Correa, por sua vez, várias vezes questionou a representatividade da Conaie e do Pachakuti. O movimento elegeu em abril 5 dos 22 governadores provinciais, mas sua bancada no Legislativo nacional vem diminuindo desde 2002, quando apoiou a eleição à Presidência do coronel Lucio Gutiérrez, com quem rompeu seis meses depois.
O jornalista e analista equatoriano Kintto Lucas e o ex-presidente da Constituinte Alberto Acosta identificam na atitude de Correa a origem dos problemas com a Conaie. "O movimento indígena sempre busca conversar horizontalmente, de igual para igual. Quando sente que um presidente lhe fala de cima, se põe em guarda", diz Lucas.
Acosta – que tem posição à esquerda de Correa na economia e rompeu com ele porque queria prolongar a Constituinte para tornar os trabalhos mais democráticos – se preocupa com o choque "entre esquerda e esquerda": "O ponto de encontro entre os dois grupos é maior do que as divergências. Faltaram canais de diálogo", lamenta.

Renda social
A questão econômica é crucial. O governo argumenta que precisa manter a renda do petróleo e da mineração para ampliar benefícios sociais e caminhar em direção a um modelo mais sustentável, de contornos ainda pouco claros. A Conaie defende uma transição rápida, com o apoio de católicos ligados à Teologia da Libertação e de ambientalistas.
A ONG Amazon Watch, ativa durante os confrontos de junho no Peru, quando indígenas protestavam contra decretos do presidente conservador Alan García que facilitavam a exploração de petróleo e minérios na selva, tem divulgado as ações da Conaie.
O missionário salesiano Juan de la Cruz Rivadaneira, que trabalha há dez anos em Morona Santiago, foi testemunha dos conflitos de setembro - "nunca vi nem senti tanta violência contra o povo shuar". Prestes a se embrenhar de novo na selva, ele recomendou à Folha que procurasse o médico Kléver Calle, da Universidade de Cuenca.
Membro da Pastoral Indígena, Calle aponta contradições entre "declarações e ações" de Correa e a nova Carta. "O sumak kawsay é um conceito que rompe o paradigma de uma cultura antropocêntrica, o modelo primário-exportador e o Estado verticalmente construído", diz, acrescentando que a Lei de Mineração "legaliza concessões de milhares de hectares, feitas em governos neoliberais anteriores, em terras como a do povo shuar".
Calle defende que a posição dos indígenas sobre temas que "afetem seus direitos ancestrais e coletivos" seja vinculante. A questão é polêmica porque a posição foi derrotada na Constituinte. Embora declare o Equador um "Estado plurinacional", a Carta não reconhece a autonomia de instituições indígenas de governo separadas das nacionais.
entrevista 

"Pretendemos continuar resistindo"
DA SUCURSAL DO RIO
Marlon Santi, de 27 anos, assumiu em 2008 a presidência da Conaie. Natural da Província amazônica de Pastaza, onde cresceu combatendo a atividade de petrolíferas estrangeiras, ele falou à Folha por telefone. (CA) 
 
FOLHA - Uma assembleia de organizações indígenas chamou o governo Correa de neoliberal e neocolonial. O sr. mantém essa posição? 
MARLON SANTI - Claro. O governo manteve o modelo de desenvolvimento baseado em recursos naturais, sem respeitar os direitos dos povos indígenas. Nesse ponto é um governo neoliberal e é neocolonial por causa de programas assistencialistas para nossas comunidades, nefastos porque não desenvolvem a capacidade de gerar propostas.
FOLHA - O governo diz que a Conaie critica os programas de transferência de renda porque o dinheiro é entregue diretamente às pessoas. 
SANTI - Não é isso. Os bônus [dados a comunidades que preservam a floresta e vegetação das serras] geram dependência e clientelismo. Defendemos que o desenvolvimento deve estar de acordo com planos que os povos indígenas apresentam a partir de sua cosmovisão, respeitando a mãe Terra, e não com migalhas de US$ 30 por hectare.
FOLHA - A nova Carta do Equador não torna vinculante a posição das comunidades indígenas. Como vê isso? 
SANTI - A maior parte das populações indígenas está disposta a seguir resistindo, nos consultem ou não. Acho que vamos ter muitos problemas no futuro, porque o movimento indígena optou por defender a natureza, a Pachamama [mãe Terra] e o bom viver.
FOLHA - Como responde à acusação do governo de que vocês fazem o jogo da direita? 
SANTI - Tenho vontade de rir porque somos um movimento social cuja aspiração é melhorar o país. Não temos nenhum vínculo com a direita nem com nenhum partido político.
Temos reivindicações claras e queremos um diálogo sincero. Nunca nos aliaremos à direita porque seria como juntar água e azeite. Queremos uma República com participação.
entrevista 

"Governo recuperou a soberania"
DA SUCURSAL DO RIO
Titular da Secretaria de Povos, Movimentos Sociais e Participação Cidadã, a ministra Doris Solis é a principal porta-voz do governo no planejado diálogo com as organizações indígenas. (CA) 
 
FOLHA - A distância entre a concepção de desenvolvimento do governo e a dos indígenas é grande demais? 
DORIS SOLÍZ - Acho o contrário. Existe uma proximidade. O que se viu nestes dias é que as mobilizações indígenas foram um mecanismo de pressão, de força, desnecessário, porque este governo tem a agenda de implementar a Constituição que declara o Equador um Estado plurinacional e intercultural.
FOLHA - Até onde o governo pode ir, por exemplo, na revisão da Lei de Mineração? 
SOLÍZ - Nós estamos abertos a que proponham reformas na lei. Nos dois anos e meio do governo do presidente Correa, este país deu um giro de 180 graus. É o único governo que recuperou a soberania sobre os recursos naturais, renegociou os contratos das petrolíferas multinacionais, acabou com 80% das concessões de mineração ilegais ou lesivas ao Estado e convocou uma grande consulta para a Lei de Águas. Mas vejo uma leitura sectária de setores indigenistas e ambientalistas excessivamente radicais. Estão fazendo o jogo das forças da direita.
FOLHA - A relação com a Conaie melhorará com o diálogo? 
SOLÍZ - É política deste governo o diálogo com todos os setores sociais. [Mas] vejo grande dificuldade nos movimentos sociais de passar do protesto à proposta.
FOLHA - Como responde às críticas da Conaie a programas de transferência de renda? 
SOLÍZ- A Conaie critica porque não são eles que manejam o dinheiro, dado diretamente às comunidades de base.
Mais do que o conteúdo dos programas, eles questionam a institucionalidade de um Estado democrático que estamos nos esforçando para construir no marco da nova Carta, que não prevê instituições indígenas autônomas e separadas do resto do Estado e da sociedade.


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