Índios Guarani-Kaiowá e fazendeiros do MS: as metáforas conceituais por trás dos diferentes pontos de vista da mídia de lados políticos opostos

June 5, 2017 | Autor: Germana Cavalcante | Categoria: George Lakoff, Mídia, Guarani-Kaiowá
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Índios Guarani-Kaiowá e fazendeiros do MS: as metáforas conceituais por trás dos diferentes pontos de vista da mídia de lados políticos opostos

“It is that deeper metaphorical system that must be understood.”

RESUMO: A política de um país, mesmo que de forma velada, tem nas mídias uma fonte de disseminação. Isto acontece porque estas adotam posicionamentos favoráveis ou desfavoráveis a cada ato que o governo toma, a cada lei, a cada movimento deste, a cada acontecimento. A mídia se posiciona e faz críticas ou dá seu apoio e, muitas vezes, sugere o que deveria ser feito ou como deveria ter sido feito. No Brasil, tivemos no ano de 2012 um conflito envolvendo índios e fazendeiros no Mato Grosso de Sul, numa disputa por terras. Duas revistas de posições opostas se manifestaram sobre este fato, cada uma defendendo um ponto de vista que pode ser identificado como de esquerda ou de direita, possibilitando a pesquisa de metáforas e estruturas conceituais que estariam na base de suas crenças e posições. Este estudo se propõe a analisar como a Veja, revista de posição majoritariamente direitista, e a Carta Capital, revista de posição reconhecidamente esquerdista, noticiaram o fato e quais as metáforas conceituais lhes dão subsídio para seus respectivos posicionamentos. Para tal, estudamos os posicionamentos políticos baseado no que George Lakoff escreveu sobre política e metáfora. PALAVRAS-CHAVE: metáfora conceitual, política, direita, esquerda, guarani-kaiowá

Introdução: por que tratar este assunto?

Em 2012 vimos nosso país envolvido numa polêmica briga entre fazendeiros e indígenas no Mato Grosso do Sul (MS). Os fatos são que fazendeiros estariam expulsando índios que alegam ter naquelas terras razões para ali ficar. Ali, eles dizem, estão enterrados seus antepassados e ali eles têm habitado desde sempre, desde que existem. Os fazendeiros, por outro lado, dizem estar defendendo seu direito constitucional à propriedade. Sendo aquelas

terras deles, podem retirar invasores. Assim, entraram na justiça, que concedeu a posse e a consequente retirada dos índios. No entanto, estes índios se recusam a sair e aparentemente disseram que poderiam, então, enviar máquinas para fazer suas covas pois ali eles seriam enterrados, reforçando sua posição de permanência na terra. Um outro juiz concedeu, por fim, o direito a permanência dos índios naquelas terras e exigiu que o órgão competente resolva a questão com a demarcação urgente de uma reserva para esses índios. Essa briga entre índios e brancos acontece desde a invasão dos Brasil pelos portugueses. Os 1

brancos – e aqui brancos não se refere à cor da pele e sim a quem não for indígena, nativo desta terra desde a origem – têm direito à terra enquanto os índios precisam que o governo federal crie reservas pois não lhes é reconhecido este direito perante a população em geral, ou os brancos. Assim, temos um tipo de guerra muitas vezes velada, mas que acaba eventualmente chegando à grande mídia. E foi o que aconteceu desta vez. É no que tange à grande mídia que este trabalho se propõe a estudar. Temos ao menos duas posições da sociedade que são representadas na mídia, estas, por sua vez, reflexo de ao menos duas importantes e opostas visões políticas. Essas duas posições sobre este assunto serão estudadas aqui pelo viés das metáforas experiencialistas que norteiam o modo de falar sobre o assunto, de apresentá-lo e, principalmente, de se posicionar frente à questão. As perguntas serão, então, que metáforas conceituais estão em uso quando se trata de defender os índios? E quais estão em uso quando se trata de defender os fazendeiros? Para tal, elegemos uma representante abertamente de direita e a favor dos fazendeiros, a revista Veja, da Editora Abril, e uma representante de esquerda e a favor dos índios, a Carta Capital. George Lakoff, ao apresentar seu artigo “Foreign Policy by Metaphor” (1989), escrito com Paul Chilton, diz que é seu dever como linguista e cientista cognitivo estudar a estrutura conceitual em todos os domínios do pensamento. É, portanto, isto o que pretende-se estudar: quais estruturas conceituais estão por trás destas diferentes formas de pensar um fato ocorrido em nosso país.

Apresentação teórica

A metáfora tem sido estudada desde Aristóteles. Seu estudo, contudo, sofreu uma grande virada teórica na década de 80 com George Lakoff e Mark Johnson e a publicação de Metaphors we live by (1980). De acordo com estes pesquisadores, a metáfora, para além de uma figura de linguagem, é representativa do nosso modo de pensar e viver. “A essência da metáfora é entender e experienciar uma coisa em termos de outra.” (Lakoff, 1980, p. 5). Ou seja, teríamos estruturas que nos dariam a base experiencial para julgar fatos. Num estudo que procura as metáforas conceituais, a ideia é compreender que estruturas são acionadas para julgar um fato, neste caso, a expulsão dos índios de suas terras, sua reação e a posição destas duas revistas que espelham ao menos duas das posições políticas da nossa sociedade.

Parte I: o que a Veja diz e suas metáforas conceituais 2

Uma das primeiras coisas que chama a atenção ao lermos o artigo publicado na Veja , cujo 3

título é “Visão medieval de antropólogos deixa índios na penúria”, é a forma como grafam o nome da etnia dos indígenas em questão: guaranis-caiovás. Segundo Eliane Brum , sua grafia, 4

quando feita por eles próprios, é com 'k' e 'w'. “Nas redes sociais, a grafia de guarani caiová obedece à forma como os indígenas escrevem a sua língua no cone sul – com “k” e “w”, em vez de “c” e “v”.” (o que também acontece nos artigos da Carta Capital). Pode-se começar daí: o que mostramos quando escrevemos um nome próprio da forma legítima, aquela própria às pessoas envolvidas, ou quando grafamos da forma adaptada à língua dos dominadores? O subtítulo do artigo é: “Na crise dos guaranis-caiovás estão envolvidos interesses da Funai, de antropólogos e de ONGs. Ninguém se preocupa com os próprios índios”. Ou seja, a Veja aparentemente se preocupará com os índios e, além disso, desqualifica o trabalho de antropólogos, de ONGs e da FUNAI como trabalhos que são feitos em interesse próprio. O interessante aqui é que a Veja se coloca claramente como quem vai ouvir os índios, como quem vai dar voz a eles porque os outros, que são quem deveriam fazer isto, estão maculados por interesses ilegítimos. A legenda que lemos abaixo da primeira imagem também é ilustrativa de como a Veja vê – e quer que sejam vistos – estes indígenas: “Crianças caiovás brincam na área invadida em Iguatemi. Seus pais deixaram a reserva do outro lado do rio em busca de mais terras”. A

informação é que há uma reserva e que eles querem ainda mais. Contudo, a Veja não prega simplesmente a maldade dos índios e que eles sejam aniquilados. Evidentemente, isto seria contraproducente. Melhor mesmo é trabalhar com fatos que comprovam que eles, os índios, estariam melhor se fossem integrados à sociedade.

“Com o episódio, o Cimi conseguiu mais uma vez aproveitar a ignorância das pessoas das grandes cidades sobre a realidade em Mato Grosso do Sul e, principalmente, sobre quais são as reais necessidades dos índios. As terras indígenas já ocupam 13,2% da área total do país. Salvo raras exceções, a demarcação de reservas não melhorou em nada a vida dos índios. Em alguns casos, o resultado foi até pior. A 148 quilômetros da Fazenda Cambará, no município de Coronel Sapucaia, há uma reserva onde os caiovás dispõem de confortos como escolas e postos de saúde, mas não têm emprego, futuro nem esperança. Ficam entregues à dependência total da Funai e do Cimi, sem a menor chance de sobrepujar sua trágica situação de silvícolas em um mundo tecnológico e industrial. São comuns ali casos de depressão, uso de crack e abuso de álcool.”

Como vemos pelo trecho acima, a culpa é do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que usa a ignorância da população. Afinal, já sendo donos de mais de 13% do território nacional e não tendo tido melhora no seu padrão de vida, o que querem esses índios? A Veja mesma responde ao propor que frente ao mundo industrial e tecnológico, sua vida silvícola – qualificada como trágica – deveria ser sobrepujada. Num outro trecho, lemos que são os antropólogos que manipulam essa tribo:

“Eles [os guarani-kaiowa] transitam livremente entre os dois países, como parte de sua tradição nômade. Os antropólogos os convenceram de que o nascimento ou o sepultamento de um de seus membros em um pedaço de terra que ocupem enquanto vagam pelo Brasil é o suficiente para considerarem toda a área de sua propriedade. Com base nessa visão absurda,

todo o sul de Mato Grosso do Sul teria de ser declarado área indígena - e o resto do Brasil que reze para que os antropólogos não tenham planos de levar os caiovás para outros estados, pois em pouco tempo todo o território brasileiro poderia ser reclamado pelos tutores dos índios.”

Entretanto, esta manipulação não se restringe às ideias. Ela é mesmo física, como vemos aqui: “Em novembro do ano passado, membros dos clãs Pyelito Kue e Mbarakay foram levados pelos religiosos e antropólogos a cruzar o rio e se estabelecer em uma área de 2 hectares.”, o que eles chamam de 'expansionismo selvagem', apoiado pela FUNAI. A Veja, então, apresenta dados do quanto a expansão das reservas atrapalharia o Brasil mostrando que na região pleiteada são produzidos 60% da soja do estado, o que equivaleria a 4,3% do que é produzido no Brasil num lucro total de 5 bilhões de reais. Num outro artigo da Veja, desta vez um blog assinado por um dos repórteres cujo blog se 5

intitula um dos mais acessados do Brasil, o autor, Reinaldo Azevedo, mostra como os índios não são índios, pois já vivem como miseráveis brancos. Seus dados são: “Segundo a pesquisa, 63% dos índios têm televisão, 37% têm aparelho de DVD e 51%, geladeira, 66% usam o próprio fogão a gás e 36% já ligam do próprio celular. Só 11% dos índios, no entanto, têm acesso à internet e apenas 6% são donos de um computador. O rádio é usado por 40% dos entrevistados.” O interessante é que esta pesquisa foi encomendada pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). E mais:

“Questionados sobre o principal problema enfrentado no Brasil, 29% dos entrevistados apontaram as dificuldades de acesso à saúde. A situação territorial ficou em segundo lugar (24%), seguida da discriminação (16%), do acesso à educação (12%) e do emprego (9%). Em relação ao principal problema enfrentado na vida pessoal, a saúde permaneceu em primeiro lugar para 30%. O emprego apareceu em segundo, com 16%, seguido de saneamento (16%). A questão territorial, nesse caso, desaparece. A pesquisa mostra que o aumento de fontes de informação tem influenciado a vida familiar dos índios: 55% conhecem e 32% usam métodos anticoncepcionais como camisinha e pílula. Mais de 80% ouviram falar da Aids. A maioria dos índios (67%) gostaria de ter uma formação

universitária. Apesar de ser considerado muito importante para 79% dos entrevistados, o banheiro em casa só existe para 18% deles.”

Ou seja, ao dar 'voz' ao índios, essa pesquisa mostra que eles já são 'brancos' e que querem se integrar à nossa sociedade. Conclui o autor, assim, que “Com as terras de que dispõem, os índios poderiam estar é produzindo comida para os seus e para muitos outros brasileiros. Em vez disso, estão na fila do Bolsa Família e da cesta básica.” Vemos, então, que uma estrutura conceitual permeia essa visão. Esta estrutura seria: INDIO QUER SER BRANCO (que fique claro que isto não se refere à cor, e sim ao modo de vida ocidental e brasileira). A revista Veja mostra isto através de várias e sutis – mas consistentes – marcas no texto, mostrando os desejos dos indígenas, que poderiam ser facilmente identificáveis como seus próprios pelo leitor menos atento. Quando o índio não quer ser branco, ele está, na verdade, sendo manipulado por pessoas sem ética que têm interesses escusos (no entanto, de tão absurdo, eles sequer conseguem apontar quais seriam estes interesses. O que eles ganhariam com isso, afinal?). Vemos, também, uma metáfora conceitual ativa aqui: PRODUÇÃO DE RIQUEZA (OU AGRÍCOLA) É DESENVOLVIMENTO. É notório que todos os países querem pertencer ao grupo de países desenvolvidos. Vários índices são medidos em termos de desenvolvimento e a Veja entende que essa reserva de terra – sem produção – pelos índios é um entrave ao desenvolvimento e à riqueza do Brasil. Isto fica claro na conclusão do autor da Veja citado acima. Lakoff também trata disto: “It is based on a folk version of Adam Smith’s economics: 6

if each person seeks to maximize his own wealth, then by an invisible hand, the wealth of all will be maximized.” Quanto à ajuda prestada aos índios e as reservas concedidas a eles, Lakoff (1995) nos mostra quais metáforas estão por trás da visão de mundo dos conservadores . “(...) the view that 7

social programs are immoral and promote evil because they are seen as working against selfdiscipline and self-reliance.” Ou seja, a importância é dada ao sujeito que tem força moral. Assim, se não tem esta força, o cidadão merece a punição (ou as consequências) que sofrer. Por causa do ponto de vista dos indígenas, que não se preocupam com produção de riqueza – e é aqui que vemos a segunda metáfora funcionar – a direita se ressente porque o

multiculturalismo vai contra a ordem e a moral, já que promove a possibilidade de haver outro jeito de viver a vida que não a padrão, que não a desta força moral que eles têm como modelo.

From the perspective of these metaphors, multiculturalism is immoral, since it permits alternative views of what counts as moral behavior. Multiculturalism thus violates the binary good-evil distinction made by Moral Strength. It violates the well-defined moral paths and boundaries of Moral Bounds. Its multiple authorities violate any unitary Moral Authority. And the multiplicity of standards violates Moral Wholeness. (Lakoff, 1995)

Aceitar que os índios vivam diferentemente seria pôr em risco o funcionamento dessa sociedade que a direita sonha, esta sociedade da produção, da riqueza, da ordem, enfim, a sociedade que busca o desenvolvimento. Pior ainda, é abrir mão de terras produtivas, de riqueza e de desenvolvimento que cidadãos com força moral podem trazer.

Parte II: o que a Carta Capital diz e suas metáforas

É muito interessante ver a diferença de apresentação entre os dois jornais. É muito mais difícil achar claramente na Carta Capital a sua posição política. Enquanto a Veja brada sua verdade, a Carta Capital informa e cita muito mais o que os envolvidos falaram. Tomo, aqui, por exemplo, a citação do que a juíza falou:

A magistrada baseou sua decisão em diversos fatos, entre eles o de que “os indígenas se encontram em situação de penúria e de falta de assistência e, em razão do vínculo que mantêm com a terra que creem ser sua, colocam a própria vida em risco e como escudo para a defesa de sua cultura”. Segundo a desembargadora, há notícias críveis de que a comunidade Pyelito Kue “resistirá até a morte”.

Ou seja, a Carta Capital manteve a opinião da juíza sobre a terra, que os índios 'creem' ser deles. Dá, também, voz aos indígenas : 8

“Moramos na margem do Rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo […]. E decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos”, narram os índios na carta.

Mais uma vez sem se posicionar claramente, a Carta Capital só reforça esta aceitação de um multiculturalismo ou da diversidade de opiniões. Quando esta revista se posiciona claramente, ela o faz em artigos de explicação, história, editorial, e não nas notícias. Já no primeiro parágrafo de uma artigo que explica a situação do 9

conflito entre os índios guarani-kaiowa e os fazendeiros, ela se posiciona sobre o porquê da crítica:

A difícil situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, e particularmente dos guarani-kaiowá, em sua natureza, não é diferente do que se verifica em várias outras regiões do Brasil e da América Latina. Estamos falando de um processo de expropriação territorial, com o objetivo de utilizar-se dos recursos naturais (terra, água, madeira) e consequentes violações dos direitos mais básicos dessas populações, como o acesso à alimentação, educação e saúde.

Após explicar quem são esses índios, a revista explica o que causa a maior dificuldade para resolver o problema: o modelo econômico. E ainda aponta a degradação da natureza que este mesmo modelo fomenta.

O outro forte fator que agrava a crise no Mato Grosso do Sul é o grande poder político da elite local, particularmente acentuado na conjuntura atual, em que o agronegócio se tornou um dos pilares de um modelo econômico baseado, em grande parte, na exportação de commodities primárias. De fato, é um mar de soja, cana-de-açúcar e pastagens para o gado bovino o que se vê, hoje, sobre as terras reivindicadas pelos guarani-kaiowá, outrora uma região de grande biodiversidade, com matas ricas em madeiras nobres, como a peroba, o cedro e a aroeira.

Nestes dois parágrafos seguintes, a Carta Capital nos mostra o que diz a constituição – lei suprema – do nosso país e fala da tradição desta tribo em conflito:

Segundo a legislação brasileira, o que está em jogo são as terras de “ocupação tradicional” do grupo (categoria definida pela Constituição de 1988, em seu artigo 231). Na cosmologia guarani-kaiowá, essas áreas são chamadas de tekoha (de teko – modo de ser – + ha – lugar, uma palavra que poderia ser traduzida como “lugar onde se pode viver do nosso próprio jeito”). Isso ajuda a entender a formação dos acampamentos – geralmente buscando as poucas áreas de mata que restam na região, na proximidade de onde se localizavam antigos assentamentos indígenas. A alusão a esse “outro jeito de ser” demonstra que o movimento guaranikaiowá é, sobretudo, uma reação cultural à imposição do estilo de vida dos karaí (como os indígenas designam os brancos). Não por acaso, os xamãs são figuras importantes na luta pela terra, eles fundamentam o sentido dessa ação política com profecias sobre o retorno dos tempos de fartura e alegria, a partir da recuperação do antigo território indígena. Retomar um tekoha, como fez Nisio Gomes, é voltar ao contato com os espíritos da terra e dos ancestrais.

Isto reforça dois pontos de vista importantes. O primeiro, é a obediência à lei. Está na lei e, portanto, deve ser obedecido. A lei diz que os nativos têm direito à área de ocupação tradicional. Além disso, a Carta Capital diz claramente que está havendo violação dos direitos dessa população. O segundo, é sobre o direito de ser diferente, de ser de outro jeito, de não buscar o mesmo objetivo na vida. É o respeito ao multiculturalismo. A estrutura (ou ideia) por trás deste ponto de vista seria, então, OS CIDADÃOS TÊM DIREITO À SUA CULTURA TRADICIONAL (e não precisam todos caber nos mesmos moldes).

Parte III: Metáfora e Política

Lakoff (1995) desenvolve de maneira detalhada as metáforas que estão por trás da visão de mundo dos conservadores e dos liberais. Para isto, ele desenvolve as metáforas que dão suporte à noção de moralidade, que funciona como livro de contabilidade ou de manutenção do equilíbrio contábil. Ou seja, há uma troca , o que entra e o que sai devem ser nivelados. Se 10

eu faço o bem, espero o retorno deste bem. Se eu faço o mal, espero ter que pagar pelo mal causado. São sete as formas de manter o livro em dia. Esta ideia básica dá, então, o fundamento para a conclusão de que, para os conservadores, a Força Moral é a metáfora mais importante. “In the conservative mind, the metaphor of moral strength has the highest priority. (…) Given the priority of Moral Strength, welfare and affirmative action are immoral because they work against self-reliance.” (Lakoff, 1995). E esta metáfora implica outra formas de moral (saúde moral, essência moral etc). Daí deriva que “To encourage and reward such model citizens, conservatives support tax breaks for them and oppose environmental and other regulations that get in their way. After all, since large corporations are model citizens, we have nothing to fear from them.” (Lakoff, 1995). Ou seja, precisar de ajuda é para os fracos e não se pode incentivar a fraqueza. O que está, na verdade, na base desta forma de pensar – assim como para os liberais / esquerda – é a metáfora A NAÇÃO É UMA FAMÍLIA. Vivemos, segundo Lakoff, dois modelos de família: a do pai rígido e a do progenitor amoroso (the strict father and the 11

nurturant parent). O pai rígido segue o modelo patriarcal mais tradicional, onde há punição e

rigidez para que a criança aprenda a ser um cidadão digno e que segue as leis da ordem e da moral. Segundo Lakoff, sobre o pai rígido:

The father embodies the values needed to make one’s way in the world and to support a family: he is morally strong, self-disciplined, frugal, temperate, and restrained. He sets an example by holding himself to high standards. He insists on his moral authority, commands obedience, and when he doesn’t get it, metes out retribution as fairly and justly as he knows how. It is his job to protect and support his family, and he believes that safety comes out of strength.

Já a família amorosa, que não é necessariamente patriarcal (note que Lakoff usa parent/progenitor ao invés de pai ou mãe porque pouco importa quem faz o papel. Já no pai rígido, é do pai que deve vir as regras), há cuidado, amor, aceitação das diferenças. Sobre o progenitor amoroso, Lakoff escreve:

Nurturant parents view the family as a community in which children have commitments and responsibilities that grow out of empathy for others. The obedience of children comes out of love and respect for parents, not out of fear of punishment. When children do wrong, nurturant parents choose restitution over retribution whenever possible as a form of justice. Retribution is reserved for those who harm their children. (Lakoff, 1995)

No modelo A NAÇÃO É UMA FAMÍLIA, a nação é a família, os pais são o governo e os filhos são os cidadãos. Levando este modelo em consideração, ao comparar liberais e conservadores, Lakoff nos mostra que “To sum up, the conservative world-view and the constellation of conservative positions is best explained by the strict father model of the family, the moral system it induces, and the common Nation-as-Family metaphor that imposes a family-based morality on politics”. Enquanto isso, os liberais não tem clareza de

quais metáforas (base de pensamento que orienta seus valores) os guiam e perdem seu tempo com críticas: “The common liberal idea that conservatives are just selfish or tools of the rich does not explain conservative opposition to abortion, feminism, homosexuality, and gun control.” Lakoff sugere que se usarem o modelo do progenitor amoroso, os liberais poderão construir um modelo mais coeso e, assim, ganhar mais adeptos entre aqueles que não decidiram de que lado estão e veem nos liberais apenas agitadores ou pessoas a quem falta a seriedade da competência – e do discurso – usado pelos conservadores. Na sua lista de prioridades para cada posição política, Lakoff nos apresenta a dos conservadores como sendo: O complexo da força Auto-interesse moral O complexo amoroso Já a lista dos liberais é: O complexo amoroso Auto-interesse moral O complexo da força O 'complexo da força' é composto por: fronteira moral; autoridade moral; essência moral; saúde moral e integridade moral. Cada um desses conceitos é responsável por algum módulo da moral conservadora. Por exemplo, a imoralidade é vista como uma doença, logo, segregar é a lógica usada para manter a moralidade de uma sociedade. O 'auto-interesse moral' é o que está por trás da ideia de que se cada um agir por si – dentro das regras e da ética – e cada um buscar seu próprio interesse, todos vão ganhar, pois haverá uma somatória desses ganhos, ganhando, assim, a nação. O 'complexo amoroso' passa pela empatia e pelo cuidado que qualquer pessoa pode precisar, vez ou outra na vida, sem que ela seja necessariamente alguém sem moral. Essa empatia faz

com que os liberais vejam as pessoas nessa complexidade de situações que mudam e que nem sempre são passíveis de controle. É claro que há meandros e variáveis diversas nesses conceitos, nas vidas, nas prioridades e mesmo oposição entre a ação na vida privada e na pública. Contudo, elas servem para começar a elucidar o funcionamento destes polos políticos aqui no Brasil também.

Conclusão

Aparentemente, no Brasil também a posição da esquerda aparenta menor coerência metafórica que a da direita, ou, melhor dizendo,

The conceptual mechanisms I have just described are largely unconscious, like most of our conceptual systems. Yet conservatives have a far better understanding of the basis of their politics than liberals do. Conservatives understand that morality and the family are at the heart of their politics, as they are at the heart of most politics. What is sad is that liberals have not yet reached a similar level of political sophistication.

Assim, ao tomarmos conhecimento do que nos move como seres políticos, ou, dito de outra forma, com que tipo de família fazemos a nossa metáfora de nação, podemos, a partir deste conhecimento, aprimorar e alinhar o discurso de modo a demonstrar o que se quer fazer, a chegar a esta 'sofisticação'. É importante notar que, mesmo aparecendo através da língua, que é o que usamos para nos comunicar, que é como acessamos o que os jornais nos trazem, esse uso de metáfora aqui estudado se trata de um uso do pensamento. Contudo, o pensamento é acessado pela língua. Este é o tamanho da complexidade deste tema. Esta explicação vem da necessidade de clarificar qualquer questão relativa à falta de metáforas, neste artigo, como geralmente elas

são tratadas, ou seja, estritamente na linguagem. Procuramos mostrar que usamos raciocínio metafórico, isto é, pensar um assunto nos moldes de outro. Ou, dito de outra maneira, temos uma base ou modelo sobre o qual projetamos o modo de funcionamento de outra áreas das nossas vidas. Neste caso, se trata da base FAMÍLIA onde projetamos o que entendemos como NAÇÃO. A partir daí, do que nós entendemos como o papel da família, dos valores que a ela atribuímos, entendemos a nação e o papel do governo e dos cidadãos. Procuramos mostrar esta linha basilar sobre o assunto dos guarani-kaiowá adotado pela Veja e seus leitores (geralmente de direita ou liberal) e o que é adotado pela Carta Capital e seus leitores (majoritariamente de esquerda ou socialista), como eles diferem e em que eles convencem. Quem defende os fazendeiros, a Veja e a população que em geral se identifica com a direita, os vê como pessoas que estão aumentando a riqueza da pátria, pessoas que trabalham e produzem, sendo cidadãos exemplares, que pagam impostos e geram empregos. Eles são modelo do que os cidadãos deveriam ser para fazer do Brasil um país sério e desenvolvido. Por outro lado, a Carta Capital e os cidadãos que se identificam com sua base conceitual, sendo estes geralmente de esquerda, veem estes fazendeiros como cidadãos que estão cometendo um crime contra os indígenas que estavam aqui antes da chegada dos brancos. Nessa visão, esses indígenas têm todo o direito, já que tão mal já fizemos, de ter seu pedaço de terra garantido – como já está, aliás, na constituição – e de ter algum tipo de apoio material enquanto eles não conseguem retomar seu modo tradicional de viver. Eles têm direito de ter uma vida diferente, de viver de acordo com as suas tradições e é dever do governo cuidar que isso aconteça. Luiz Felipe Pondé escreve “Desejo tudo de bom para nossos compatriotas indígenas. Não 12

acho que devemos nada a eles. A humanidade sempre operou por contágio, contaminação e assimilação entre as culturas. Apenas hoje em dia equivocados de todos os tipos afirmam o contrário como modo de afetação ética.” E, sim, é assim que somos formados e é mito a existência de sociedade isoladas, como nos diz Lévi-Strauss (em Raça e História), mas uma coisa é o contato, outra bem diferente é a opressão, é a imposição de uma forma de pensar, dita civilizada, desenvolvida, é o assassinato e este desenvolvimento a qualquer custo. Where conservatives have organized for an overall, unified onslaught on liberal culture, liberals are fragmented into isolated interest groups based on

superficial localized issues: labor, the rights of ethnic groups, feminism, gay rights, environmentalism, abortion rights, homelessness, health care, education, the arts, and so on. This failure to see a unified picture of liberal politics has led to a divided consciousness and has allowed conservatives to employ a divide- and-conquer strategy. None of this need be the case, since there is a worldview that underlies liberal thought that is every bit as unified as the conservative worldview.

O estudo das metáforas conceituais e a compreensão deste sistema metafórico profundo, que permeia as diferentes maneiras de ver, pode levar a esquerda a ficar tão coerente quanto a direita e ajudar o cidadão a se posicionar de maneira mais consciente, sem esta sensação fragmentada e de interesses isolados, que podem passar a impressão de superficialidade de que fala Lakoff no trecho acima. Este estudo pode, portanto, levar à compreensão de como funcionamos como indivíduos e como sociedade.

Germana F. Cavalcante

Bibliografia

Online, na ordem em que aparecem neste artigo: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/titulo-falso-a-ilusao-de-um-paraiso http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/sobrenome-guaranikaiowa.html http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/indios/ http://www.cartacapital.com.br/sociedade/justica-autoriza-permanencia-de-indios-guaranikaiowa-em-fazenda-no-ms/ http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/o-desafio-da-paz/ http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1187356-guarani-kaiowa-deboutique.shtml

Livros, textos e outros artigos: LAKOFF, G. e CHILTON, P., Foreign Policy by Metaphor, 1989 LAKOFF, G. e JOHNSEN, M., Metaphors we live by, 1980 LAKOFF, G., Metaphor, Morality, and Politics Or, Why Conservatives Have Left Liberals In the Dust, 1995 LÉVI-STRAUSS, C., Raça e história, 1952 1Sim, a escolha da palavra invasão ao invés da mais comum, que é descobrimento, é proposital e marca a minha posição política frente a este assunto.

2 Para este estudo, utilizamos a revista online, que pode ser acessada em http://veja.abril.com.br/. 3http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/titulo-falso-a-ilusao-de-um-paraiso

4http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/11/sobrenome-guarani-kaiowa.html 5http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/indios/ 6 “Metaphor, Morality, and Politics Or, Why Conservatives Have Left Liberals In the Dust”, George Lakoff, 1995 7Para fins deste artigo, é preciso esclarecer que as posições políticas nos EEUU e no Brasil são diferentes, obviamente, e que o que eles chama de conservadores é o que temos como direita aqui e os liberais seriam a nossa esquerda. Essa equivalência se faz necessária já que os sistemas políticos não se equivalem. Lá, nos EEUU, não há esquerda. E a nossa esquerda não é necessariamente comunista. Grosso modo: A direita ou os conservadores são aquele que acham que o governo deve apoiar o cidadão que quer crescer e que se vê como ser autônomo, desqualificando quem precisa de ajuda do governo. Os liberais ou a esquerda são aqueles que acreditam que faz parte das obrigações do governo cuidar dos cidadãos quando estes estão em estado de marginalidade (inclusive econômica) e que cuidar que as diferentes necessidades sejam respeitadas é uma questão de humanidade, não de assistencialismo. 8Ambos em http://www.cartacapital.com.br/sociedade/justica-autoriza-permanencia-de-indios-guarani-kaiowaem-fazenda-no-ms/ 9http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/o-desafio-da-paz/ 10“When two people interact causally with each other, they are commonly conceptualized as engaging in a transaction, each transferring an effect to the other. An effect that helps is conceptualized as a gain; one that harms, as a loss. Thus moral action is conceptualized in terms of financial transaction. Just as literal bookkeeping is vital to economic functioning, so moral bookkeeping is vital to social functioning. And just as it is important that the financial books be balanced, so it is important that the moral books be balanced.” 11Infelizmente, não consegui achar uma tradução justa. Pensei em cuidadoso, delicado, nutritivo (!), mas nenhum é o que esta palavra é em inglês. Optei, então, pelo amoroso porque acredito que no Brasil vemos a oposição pai rígido frente a amoroso com mais familiaridade. 12http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1187356-guarani-kaiowa-de-boutique.shtml

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