Indústria Cultural, Economia Política Indústria Cultural, Economia Política da Comunicação e Televisão Pública da Comunicação e Televisão Pública

July 15, 2017 | Autor: Juliano Carvalho | Categoria: Televisão Digital
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Indústria Cultural, Economia Política da Comunicação e Televisão Pública Vivianne Lindsay Cardoso Juliano Maurício de Carvalho A TELEVISÃO PÚBLICA E SUAS POTENCIALIDADES COM A TECNOLOGIA DIGITAL Desde o seu surgimento, em meados da década de 1940, o conceito de indústria cultural tem sido amplamente difundido, contextualizando e caracterizando perfis de sistemas capitalistas que envolvem a cultura, a arte e a comunicação, criticando posturas sociais, mercadológicas e políticas adotadas, onde o objetivo é o consumo incessante par obter o lucro destinado a uma minoria hegemônica. Diversas são as teorias e os estudos que trabalham e pesquisam norteados pelos conceitos da indústria cultural. Entre elas, a Economia Política da Comunicação, fundada a partir dos conceitos de Karl Marx, que utiliza a indústria cultural para criticar e propor opções alternativas de condutas social, política, cultural e econômica. Ao se pensar na influência que a comunicação midiática possui em uma sociedade, o que se propõe aqui é a utilização da televisão - sendo o principal veículo de comunicação difundido no Brasil e com maior capital envolvido – como instrumento de educação, conscientização e participação social, mas de modo alternativo ao modelo arraigado. O que se sugere é a valorização e expansão das televisões pública, educativa, universitária e comunitária em contraponto a televisão comercial. Com a chegada de novas tecnologias ligadas a comunicação, como a internet, o espectador tem aberto caminhos para o acesso e um espaço no qual pode vir a compreender, aprender, desejar e se tornar um espectador ativo e participativo no processo comunicacional. Diante da transição tecnológica que a televisão vem vivenciando do sistema analógico para o digital, a interatividade passa a ser outro grande atrativo e pode ser criada a possibilidade de o cidadão interessado agir ativamente por meio da televisão pública aplicando novas linguagens, novos formatos e conteúdos que atendam aos interesses da sociedade onde esteja inserido, que não estejam voltadas ao lucro e ao acúmulo de capital e poder tão característicos nos veículos de comunicação inseridos nesta indústria cultural, mas sim voltados à educação, cultura e consciência crítica. A multiprogramação pode se tornar importante instrumento de geração de conteúdo alternativo neste processo, segmentando a programação da televisão pública, destinando canais específicos para tal finalidade. Neste cenário o Estado tem papel fundamental para promover uma regulação que garanta tal direito ao cidadão. Silva e Gobbi (2010) argumentam que a conjuntura atual de transição tecnológica vivenciada no Brasil enseja a democratização da televisão brasileira, modificando

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a posição marginal da televisão pública e criando a oportunidade de o telespectador passar à condição de verdadeiro produtor de informação, já que a digitalização propicia um leque de novas funcionalidades que tornam mais dinâmica a relação do cidadão com a televisão, possibilitando a veiculação de conteúdos interativos, envio customizado e individualizado da informação, entre outra potencialidades de agregação junto à programação. A possibilidade de múltiplas funções, por meio da multiprogramação, otimiza o espectro e permite que sejam incluídos novos segmentos sociais na produção e distribuição de conteúdos audiovisuais.

E é tendo como princípio a inclusão social que as televisões públicas, principalmente as universitárias, estão tomando a dianteira nessa questão, porque vislumbram a possibilidade de alargar o universo das pessoas atendidas pelos programas de educação a distância ou mediadas pelas novas tecnologias, notadamente através da oferta de formação profissional a diversas categorias, por meio da multiprogramação de TV. (Silva; Gobbi, 2010) Moragas e Prado (2003) argumentam que diante do novo contexto tecnológico, a televisão pública pode superar limites e encontrar novas oportunidades para cumprir seus objetivos programáticos e função de instrumento de dinamização social e cultural. A multiprogramação, neste cenário, favorece a multiplicação de oferta de produtos audiovisuais. No entanto, para que a multiplicidade de canais seja instrumento de conteúdo alternativo, consideram a necessidade de que a televisão pública se envolva na geração de novos programas. Para isso, avaliam que é preciso haver uma garantia de igualdade de oportunidade de acesso aos bens culturais de todos os cidadãos - e não apenas aos que podem pagar - respeitando o princípio do acesso universal. Além disso, faz-se necessário identificar os segmentos de interesse que não sejam cobertos pela oferta geral e que permitam garantir a diversidade de conteúdo, integrados aos canais abertos e como parte dos pacotes básicos de qualquer dispositivo de oferta de multiprogramação.

La multiplicación de canales, que parece no conocer límites en la era digital, supone la ruptura y la fragmentación de las grandes audiencias, lo que afectará, cada vez más, a la capacidad de la televisión pública de actuar como eje vertebrador, como instrumento de producción del consenso y de reproducción cultural, en definitiva, disminuirá de forma sensible su capacidad de representar la identidad. Ya hemos dicho que la ruptura de las fronteras en el estadio actual de la transformación tecnológica es un hecho consumado. No es imposible establecer emisiones dirigidas a un territorio determinado, pero es imposible cerrar este territorio a la entrada de otras emisiones. (Moragas; Prado, 2003) O que se propõe é a expansão de alternativas, de valorização de veículos de comunicação que deem a opção de o espectador escolher o que quer ver em uma televi-

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são aberta e tenha a chance de intervir nela, como a televisão pública pode viabilizar. Neste contexto, no entanto, é preciso considerar duas questões fundamentais no processo de escolha dos canais pelo telespectador para o sucesso de produções alternativas: a real geração de conteúdo de interesse do público e a efetiva produção de conteúdo alternativo. Não basta apenas a implantação de ‘mais do mesmo’ nos canais de multiprogramação, nem tão pouco conteúdos alternativos com qualidade precária ou linguagem pouco atrativa. É preciso que as alternativas de geração de conteúdo sejam efetivamente diversificadas, de qualidade e atrativas, mesmo que destinadas a um público segmentado. Moragas e Prado (2003) consideram que o traço característico da televisão pública deve ser a qualidade, entendia por eles como um tratamento informativo orientado por critérios profissionais que dão apoio ao pluralismo político, social e cultural, estabelecendo, assim, os mecanismos e as garantias de independência. Além disso, consideram qualidade a preservação de parcelas de informação independentes da influência da espetacularização, valorizando informações contextuais, significativas e indispensáveis para a evolução da sociedade. Do mesmo modo, consideram qualidade programas de análise sobre temas complexos para esclarecimento, experimentação de fórmulas modernas e inovadoras de tratamento informativo que consigam o máximo de interesse sem desvirtuar os conteúdos. Outro ponto que consideram qualidade para televisão pública é a oferta de programas sobre atividades parlamentares campanhas eleitorais, debates, educação, cultura, arte, folclore e programas sobre minorias. Por meio da qualidade, Moragas e Prado (2003) avaliam ser favorável, por fim, à criatividade, resultando em propostas inovadoras, com novos formatos, permitindo a adaptação da audiência à novidade, resultando em máxima audiência. Os autores pontuam a importância da manutenção da identidade cultural na geração de consumo comunicativo, com programas de qualidade e competitivos, portadores de valores culturais e com marcas de identidade.

Únicamente la existencia de programas de calidad y competitivos, portadores de valores culturales y marcas de identidad, permitirá a la televisión pública cumplir con sus finalidades como instrumentos de dinamización cultural y social. Este rol lo puede desarrollar directamente para proveer su oferta multiplicada o indirectamente promoviendo el tejido industrial. (Moragas; Prado, 2003) Neste cenário de transição com a nova era digital e de valorização da televisão pública, contraponto e como alternativa à televisão comercial para Moragas e Prado (2003) os serviços públicos de informação parecem mais necessários do que nunca, visando garantir uma produção informativa de interesse social e não só que responda aos interesses e as lógicas comerciais. Faz-se necessário para facilitar o acesso desse interesse à toda população sem discriminação; garantir os valores clássicos de políticas democráticas de comunicação (pluralismo, acesso e identidade), além do processo de bem estar social. Consideram ainda fundamentais nos interesses sociais a garantia do serviço universal de telecomunicações; favorecer a sinergia e planificar

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o futuro de forma sustentável, em benefício da coletividade e não dos interesses conjunturais das iniciativas privadas sem responsabilidade coletiva e, por fim, por meio da era digital, os espaços públicos de comunicação como ambiente compartilhado por todas as pessoas de uma mesma sociedade, sem discriminação. Considerando a relevância e potencialidade da televisão pública com a tecnologia digital, este artigo apresenta o conceito de indústria cultural de Adorno e Horkheimer e a contextualização dela na Economia Política da Comunicação para que seja possível compreender de modo mais claro a importância de se pensar em alternativas à comunicação como instrumento de democratização. A INDÚSTRIA CULTURAL DE ADORNO E HORKHEIMER Ao refletir sobre a realidade vigente do século XX, a partir da década de 1940, o musicólogo e filósofo Theodor Wiesengrund-Adorno (1903-1969), em parceria com outros pesquisadores contemporâneos, como o filósofo Max Horkheimer (1895-1973), percebeu que a realidade econômica vivida estava modificando e influenciando a própria cultura, onde o homem perdia, a cada dia mais, sua autonomia. O comércio se fortaleceu com a revolução industrial européia, consolidando definitivamente o capitalismo, apoiado por novas descobertas científicas e avanços tecnológicos que intensificaram o domínio da razão técnica e dos interesses econômicos, deixando de lado valores humanos, permitindo a padronização pela produção em larga escala. A sociedade passou a ser gerida pela lei do mercado, em uma corrida ininterrupta pelo ter, intensificando o consumo individual por meio da mercantilização dos bens simbólicos, elemento que dá vida à indústria cultural. Neste contexto, tudo se torna negócio, explorando bens, inclusive, considerados culturais, onde o homem passa a ser mero instrumento para o trabalho e para o consumo, um objeto manipulado e massificado sob uma ideologia dominante, não tendo o trabalho sequer de pensar, apenas o de escolher, em um estado de obscurecimento da percepção, valores e ideologias, propiciando apenas necessidades de consumo padronizadas.

Previu-se algo para cada um a fim de que ninguém possa escapar. Cada setor da produção é uniformizado e todos são em relação aos outros. A civilização contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. A indústria cultural fornece por toda a parte bens padronizados para satisfazer às numerosas demandas, identificadas como distinções às quais os padrões da produção devem responder. Por intermédio de um modo industrial de produção, obtém-se uma cultura de massa feita de uma série de objetos que trazem de maneira bem manifestada a marca da indústria cultural: serialização-padronização-divisão do trabalho. (Mattelart; Mattelart, 1999). O conceito de indústria cultural foi criado em meados da década de 1940, por Adorno e Horkenheimer, difundido pela primeira vez em 1947, na obra Dialética do

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Iluminismo, com o objetivo de analisar a “produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria” (Mattelart; Mattelart, 1999). O conceito surge de estudos realizados a partir da sociologia funcionalista que considera os meios de comunicação como mecanismos de ajuste e, especificamente, escolas de pensamento crítico que se interroga sobre “as consequências do desenvolvimento de novos meios de produção e transformação cultural, recusando-se a tomar como evidente a ideia de que, dessas inovações técnicas, a democracia sai necessariamente fortalecida”. Neste cenário, “os meios de comunicação tornam-se suspeitos de violência simbólica, e são encarados como meios de poder e dominação.” (Mattelart; Mattelart, 1999). “O terreno em que a técnica adquire seu poder sobre a sociedade é o terreno dos que dominam economicamente.” (Adorno; Horkheimer, 1969 apud Mattelar; Mattelart, 1999). Anos antes, Horkheimer e Friedrich Pollock fundam na Alemanha, com apoio e subsídio da comunidade judaica, o Instituto de Pesquisa Social, afiliada à Universidade de Frankfurt, com o objetivo de estudar inicialmente a economia capitalista e a história do movimento operário sob a orientação da filosofia marxista. Hitler, ao assumir o poder, destitui, em 1933, todos os membros judeus do instituto, o que obriga Horkheimer a se exilar e fixar seus estudos na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, local onde inicia suas pesquisas com Adorno, a partir de 1938. Após a guerra, ambos voltam à Alemanha e o Instituto é reaberto em 1950, dando continuidade a pesquisa sobre indústria cultural iniciada fora do país. Ao longo de seus estudos sobre o conceito estiveram envolvidos veículos de comunicação de massa e a arte que ambos consideravam dotados de alto poder de alcance e/ou reprodução, como jornais, quadrinhos, revistas, rádio, cinema, discos, entre outras formas de comunicação e manifestação culturais, pois, para ambos, a manipulação voltada ao lucro envolvia diretamente a comunicação e a arte desvirtuando a cultura. Conforme descrito por Mattelart e Mattelart (1999), “a indústria cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria... a produção industrial sela a degradação do papel filosófico-existencial da cultura”, manipulando a opinião, a padronização, a massificação e a atomização do público, tornando-se um “consumidor de comportamento emocional e aclamatório”. Ao assumir o poder na Itália em 1922, Mussolini usou o rádio e o cinema como veículos de comunicação como instrumentos de massificação e consolidação de seu poder. Para isso, criou a Cineccittà, empresa de filmes do Estado italiano. Hitler repetiu, de certa forma, a estratégia já desenvolvida por Mussolini, utilizando o rádio como instrumento de propaganda do nazismo. “Os dois ditadores desenvolveram políticas de comunicação que podem ser consideradas as mais competentes que já existiram.” (Fadul, 1993). Adorno e Horkheimer conheceram a propaganda nazista e viram nela relevante instrumento de massificação.

...a origem desse conceito, indústria cultural, é, de um lado, o nazismo... ...e de outro, a sociedade de massa americana e sua cultura. Trata-se de uma sociedade 55

que eles aprenderam a conhecer a partir de 1933 e que nunca deixou de representar o desprezo que intelectuais europeus exilados tinham pelos Estados Unidos, que se traduzia no horror pela cultura de uma sociedade que, de certa forma, trazia uma série de elementos complementares desconhecidos na Alemanha no mesmo período. (Fadul, 1993). Para Adorno e Horkheimer (2002) a indústria cultural passa a se concentrar, fundamentalmente, em assumir a técnica de sistematização reprimindo a consciência individual para o consumo em série, conforme demanda. Tecnicamente e economicamente, propaganda e indústria cultural mostram-se fundidas. A publicidade é seu elixir da vida, fortalecendo o caráter publicitário da cultura em puros signos privados de qualidade. Manifestações artísticas individualizadas passam a ser integrados pela indústria antes mesmo que sejam apresentados, moldando desejos espontâneos. “O estilo autêntico se desmascara, na indústria cultural, como o equivalente estético da dominação” (Adorno; Horkheimer, 2002). A arte torna-se elemento sem sonho, adequada ao idealismo sonhador do consumo.

A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e seminários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza em si e todos entre si. ...Filme e rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. ...se autodefinem como indústrias. (Adorno; Horkheimer, 2002) A indústria cultural torna-se a sistemática de classificar e organizar os consumidores com a finalidade de padronizá-los, “as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente” (Adorno; Horkheimer, 2002). Há a liberdade de manifestação e comportamento espontâneos, mas devem seguir padrões determinados por índices estatísticos e seguir a categorização que tenha sido determinada para consumo de produtos de massa que foram preparados para ‘seu tipo’, não há mais nada a classificar ou racionalizar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado, ou seja, uma categorização e padronização do ser humano que passa a ser reduzido a material estatístico, divididos em mapas geográficos de escritórios técnicos, sendo o mundo todo um crivo da indústria cultural, “a violência da sociedade industrial opera nos homens de uma vez por todas”, sendo consumidores mesmo em estado de distração, vigiados constantemente para garantir tal manipulação, conforme definem Adorno e Horkheimer (2002).

Os próprios produtos... ...são feitos de modo que a sua apreensão adequada se exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, por outro lado é feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam à sua frente. (Adorno; Horkheimer, 2002) 56

O termo indústria cultural, de acordo com Passos (2011), não deve ser tomado ao ‘pé da letra’, conforme alerta de Adorno, pois trata-se de uma metáfora. Indústria cultural remete a incorporações das formas industriais de organização “como a racionalização do trabalho em atividades econômicas não industriais - à produção da cultura no âmbito dos meios de comunicação num contexto de um capitalismo monopolista.” (Passos, 2011). Para o autor se trata do primado total da eficácia calculada, sendo que toda a prática da indústria cultural reveste o lucro de formas culturais. No entanto, o domínio da indústria cultural para os filósofos vai além do consumo cultural, envolve o próprio ritmo e sistemática de vida para lidar, inclusive com a relação entre trabalho e lazer, tornando ambos mecanismos econômicos de manipulação e lucro. Envolvido pelo sistema, torna-se um consumidor incessante, vivendo sempre de modo insatisfeito, querendo consumir, constantemente, cada vez mais, transformando seu trabalho em instrumento de viabilidade de consumo e o lazer um elemento a ser consumido em um processo completo de mecanização. “A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto que sem resistência sucumbem ante tudo o que lhes é oferecido.” (Adorno; Horkheimer, 2002). O homem não deve se dar ao trabalho e nem adquirir a faculdade de pensar de modo autônomo, basta seguir sinais, evitando qualquer conexão lógica que possa vir a desenvolver. O homem deve possuir um tempo restrito, guiado e disciplinado de lazer, sendo que este deve estar ligado aos clichês da rotina que o prendem ao sistema. A indústria cultural torna-se responsável pela indústria do divertimento, ditando o que deve ser consumido nos momentos de lazer reprimindo e sufocando a individualidade. Neste contexto, apodera-se da arte, desvirtuando-a para atender seus interesses de massificação e lucro.

A indústria cultural pode-se vangloriar de haver atuado com energia e de ter erigido em princípio a transposição – tantas vezes grosseira – da arte para a esfera do consumo... ...a verdade se encontra na própria cisão: que pelo menos exprime a negatividade da cultura a que as duas esferas, somando-se, dão lugar. Hoje mais do que nunca, a antítese deixa-se conciliar, acolhendo a arte leve na série e vice-versa. É justamente isto que a indústria cultural procura fazer. (Adorno; Horkheimer, 2002). Mesmo assim, para Adorno e Horkheimer (2002), a arte é o instrumento libertador do homem das amarras do sistema, colocando-o como um ser autônomo e, assim, um ser humano. Na arte ele se torna um ser livre para pensar, sentir, agir, enquanto para a indústria cultural, o homem é um simples objeto de trabalho e consumo. A arte liberta o homem do princípio da utilidade, do valor de troca. “Falar de cultura foi sempre contra a cultura. O denominador ‘cultura’ já contém, virtualmente, a tomada de posse.” (Adorno; Horkheimer, 2002). “Quando fui confrontado, a exigência de ‘medir a cultura’ vi que a cultura deveria precisamente ser essa condição que exclui uma mentalidade capaz de medi-la” (Adorno; Horkheimer, 1969 apud Mattelart; Mattelart, 1999). O

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segredo para o caminho de tal libertação está na própria falha do sistema com suas limitações e ao tentar padronizar a cultura e estereotipar a arte, elementos que não permitem tal submissão em sua essência. Para ambos, é evidente que poderia se viver sem a indústria cultural, “pois é enorme a saciedade e a apatia que ela gera entre os consumidores” (Adorno; Horkheimer, 2002), o que pode, inclusive, resultar em sua intenção. Mesmo assim, Mattelart e Mattelart (1999) fazem uma crítica do conceito, ao analisar fenômenos culturais, com sua perspectiva da arte como instrumento de salvação, pois considera que Adorno e Horkheimer perceberam apenas um aspecto fundamental: a conjunção entre a arte e a tecnologia, superestimando a arte como termômetro revolucionário, os impedindo de perceberem outros aspectos. Mattelart e Mattelart (1999) lembram que, para Habermas, a solução encontrada é a restauração das formas de comunicação num espaço público estendido ao conjunto da sociedade. Reconhecendo tal limitação do conceito, três meses antes de morrer, em 1968, Adorno realizou uma conferência denominada ‘Tempo Livre’ em uma rádio alemã, afirmando que, quando ele e Horkheimer criaram o conceito, cometeram alguns equívocos, não sendo este o conceito ideal para designar a nova realidade. A constatação se deu após fazer uma pesquisa sobre a televisão alemã e a cobertura do casamento da princesa Beatriz da Holanda e um diplomata alemão. A conclusão foi de que os alemães não deram a menor atenção ao casamento, apesar da grande cobertura da televisão alemã. “Adorno encerrou a conferência afirmando: “A televisão ainda não se apropriou da consciência dos alemães, existe ainda um espaço de liberdade, existe um espaço que nós podemos trabalhar.” (Fadul, 1993). Nesta perspectiva, partindo do conceito de indústria cultural definido por Adorno e Horkheimer, amplia-se aqui a reflexão, a partir de uma perspectiva crítica, contextualizando a realidade brasileira, sobre a valorização e expansão de alternativa para ampliação de uma televisão mais criativa, inovadora e autônoma. A ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO A Economia Política da Comunicação é uma base teórica que “se interessa pelo estudo da totalidade das relações sociais que formam os campos econômico, político, social e cultural, objetivando compreender a mudança social e a transformação histórica e como ela repercute e se imbrica com o mundo da comunicação em todos os sentidos” (BOLAÑO, 2007). Ao analisar as relações sociais, particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção, distribuição e consumo de recursos, incluindo os recursos de comunicação, torna-se o estudo do controle e da sobrevivência social, com o objetivo de entender as mudanças sociais e as transformações históricas que a sociedade vivencia. (MOSCO, 2006). As três linhas da teoria – a da América do Norte, a Européia e a de Terceiro Mundo -, assim definidas por Mosco (1996, 2006), desde o surgimento das indústrias de mídia no século XX, buscam compreender os personagens que envolvem as indústrias culturais e suas relações com processos econômicos sociais mais amplos envolvendo poder, Estado,

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dinheiro, a sociedade e valores humanísticos.

A Economia Política da Comunicação se destacou por sua ênfase em descobrir e examinar o significado das instituições, especialmente empresas e governos, responsáveis pela produção, distribuição e intercâmbio das mercadorias de comunicação e a regulação do mercado de comunicação. (Mosco, 2006). Para Mosco, a introdução de modernos meios de comunicação exerce papel relevante para colaborar com a mudança nas estruturas sociais familiares e políticas que devem ser consideradas nas perspectivas de mercantilização, espacialização e estruturação. Para Mattelart e Mattelart (1999), na perspectiva desenvolvimentista, as mídias constituíam recursos que, aliados à urbanização, à educação e a outras forças sociais, poderiam estimular a modernização econômica, social e cultural dos países subdesenvolvidos. A mídia era vista como um índice de desenvolvimento, e o objetivo era construir uma economia de mercado, sendo os meios de comunicação instrumentos para isso. (Fonseca, 2007). A Economia Política da Comunicação busca estudar e analisar como a propriedade, formas de fi nanciamento e as políticas governamentais podem influenciar o comportamento e o conteúdo da mídia, além da própria sociedade. Os pesquisadores Bolaño e Brittos (2007), discutem o modo de lidar e fazer comunicação em relação a estrutura de poder na sociedade capitalista tão característica no Brasil, relacionando as indústrias culturais e a própria regulação do mercado como peças relevantes do sistema de consumo. A refl exão da teoria ligada as políticas públicas tanto na perspectiva regulatória, quanto de funcionalidade, envolve o jogo de interesses atrelados ao poder e lucro governamental, privado e público e os interesses e necessidades sociais. (Frey, 2000). Tendo Marx como referencial as relações de força e poder são refl exos de condições materiais de existência, formando a sociedade civil, produzindo uma existência no qual “os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças materiais atendendo suas necessidades” (Marx, 2008). Assim, o “modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não há consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência” (Marx, 2008). Tornando assim, para Marx, o indivíduo na sociedade com um resultado histórico que cria poderes políticos para atender suas necessidades econômicas. A Economia Política da Comunicação estudada na América Latina considera a indústria cultural como uma peça chave na compreensão do sistema social em que o Brasil está inserido. Partindo do que define Adorno e Horkheimer, Bolaño (2010) apresenta a indústria cultural como:

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...uma área da produção social no capitalismo avançado que deve cumprir uma dupla condição de funcionalidade, a serviço do capital individual monopolista em concorrência (função publicidade) e do capital em geral, ou do Estado (função propaganda), servindo como elemento-chave na construção da hegemonia. Para isso, deve responder também a uma terceira condição de funcionalidade (função programa), ligada à reprodução simbólica de um mundo da vida empobrecido de suas condições de autonomia. (Bolaño, 2010) Para Bolaño (2010) o relevante é que, em cada momento e lugar determinado, essa indústria cultural assuma uma feição particular, que pode ser compreendida, em nível analítico, conforme a definição de um modelo de regulação setorial; em cada indústria cultural particular adotará uma feição, sendo que, no conjunto, as condições gerais de funcionalidade sejam cumpridas. Essa mediação se dará pela dinâmica concorrencial que se constitui no seio de cada indústria cultural. Nesta condição, cada empresa individual “adotará estratégias de segmentação, que são adequadas, de um lado, aos interesses de diferenciação de produto e seus anunciantes, aos quais vende determinada mercadoria audiência, e, de outro, às necessidades de diferentes estados do público consumidor” (Bolaño, 2010). Tais necessidades sempre estarão criadas no interior do jogo dialético do mútuo engendramento entre produção e consumo amparadas pelos sistemas econômico e político adotados pelo Estado, no qual as empresas culturais têm de empregar um tipo especial de trabalho, “cuja subsunção no capital é limitada, e isso determinará as características distintivas dos processos de trabalho e de valorização no setor cultural, em oposição à produção material” (Bolaño, 2010). Bolaño e Brittos (2007) consideram que nas últimas décadas do século XX, as indústrias culturais passaram por uma importante mutação, que faz parte das transformações mais gerais do conjunto do modo de produção e, no século XXI, encontra um amplo programa global de reestruturação de todo o campo econômico da comunicação e da cultura. Entre essas transformações, uma das principais, se não for a maior, é o desenvolvimento de novas tecnologias, criando novas formas de comunicação, onde se está vivendo um processo de transformação, inclusive social, que tem obrigado a indústria cultural e a própria comunicação a repensar sua conduta para garantir sua abrangência hegemonia dos veículos dominantes.

A comunicação e a informação tornam-se elementos-chave da racionalidade produtiva atual, penetrando a atividade industrial, sem mudar a essência da relação entre cultura e economia no capitalismo. Mas os caminhos da tecnologia são criados historicamente, não compõem um processo inevitável e alteram os dados do problema, num nível mais concreto de análise. (Bolaño; Brittos, 2007) A internet é o veículo de comunicação mais inovador neste contexto, criando um novo processo midiático de convergência e interatividade com seus usuários, tornando-os receptores ativos e produtores de conteúdo. Neste cenário, ainda em processo

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de expansão e popularização, a internet caminha em convergência à televisão, o veículo de comunicação que ainda se mantém dominante em abrangência e faturamento. A FORÇA DA TELEVISÃO Moraes (2008) apresenta que na América Latina as quatro maiores empresas de comunicação são: Globo do Brasil, Televisa do México, Cisneros da Venezuela e Clarín da Argentina. Nas áreas de mídia e entretenimento retêm 60% do faturamento total dos mercados de audiência. Brasil, México e Argentina reúnem mais da metade dos jornais e das emissoras de rádio e televisão e 75% das salas de cinema da região. Os Estados Unidos ficaram com 55% das rendas mundiais geradas por bens culturais e comunicacionais, a União Européia com 25%, o Japão e Ásia com 15% e a América Latina com apenas 5%. Neste contexto, 85% das importações audiovisuais para a América Latina provêm dos Estados Unidos. “Se duas dezenas de corporações respondem por dois terços das informações e dos entretenimentos mundiais, evidentemente a descentralização se inscreve mais na órbita das exigências mercadológicas do que propriamente nas diferenças qualitativas de conteúdos.” (Moraes, 2008). Tal realidade faz com que um processo de produção e de reprodução mecânica, idealizada e gerida por um pequeno grupo hegemônico de comunicação garanta a continuidade do que propõe a indústria cultural. “Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e de reprodução mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado. Acréscimos ao inventário cultural experimentado são perigosos e arriscados.” (Adorno; Horkheimer, 2002).

...suas inovações típicas consistem sempre e tão só em melhorar os processos de reprodução de massa, não é de fato extrínseco ao sistema. Em virtude do interesse de inumeráveis consumidores, tudo é levado para a técnica, e não para os conteúdos rigidamente repetidos, intimamente esvaziados e já meio abandonados. (Adorno; Horkheimer, 2002) Para Moraes (2008), as sociedades passam a ser guiadas pela astúcia do marketing e dos planejamentos estratégicos – ambos possuídos pela fixação de manter o capital em rotação e rentabilizá-lo ao máximo. “A exacerbação consumista interfere na cotidianidade e nas relações humanas, formando marcas distintivas entre pessoas e grupos, na mesma proporção em que conclama ao individualismo e à apatia” (Moraes, 2008). Entre os veículos de comunicação existentes, tão fortemente influenciados e dominados pela indústria cultural, o mais abrangente em todo território nacional, latino americano e até mesmo mundial é a televisão. Neste cenário de ampla aceitação, abarca a hegemonia de duas dezenas de corporações comerciais que respondem por dois terços das informações e dos entretenimentos mundiais, o que resulta em uma comunicação movida pela audiência, pela força da indústria cultural. Já em meados da década de 1940, quando Adorno e Horkheimer pensaram sobre a televisão ainda em processo

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de consolidação, perceberam seu imenso potencial com veículo de comunicação.

A televisão tende a uma síntese do rádio e do cinema, retardada enquanto os interesses ainda não tenham conseguido um acordo satisfatório, mas cujas possibilidades ilimitadas prometem intensificar a tal ponto o empobrecimento dos materiais estatísticos que a identidade apenas ligeiramente mascarada de todos os produtos da indústria cultural já amanhã poderá triunfar abertamente. (Adorno; Horkheimer, 2002) A televisão adota e utilizada com plena naturalidade, facilidade e liberdade por produtores e reprodutores, uma linguagem característica da indústria cultural, no qual o novo é ligado a velhos estigmas da relação com a imagem e a vida cotidiana determinada pelos padrões determinados. “Tudo que surge é submetido um estigma tão profundo que, por fim, nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido, e, à primeira vista, não se demonstre aprovado e reconhecido. ...O sempre igual ainda regula a relação com o passado” (Adorno; Horkheimer, 2002) e o mais crítico, abarca a insatisfação como rotina aceita e referenciada.

A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada. O indivíduo deve utilizar o seu desgosto geral como impulso para abandonar-se ao poder coletivo do qual está cansado. As situações cronicamente desesperadas que afligem o espectador na vida cotidiana, tornam-se não se sabe como, na reprodução, a garantia de que pode continuar a viver. ...A sociedade é uma sociedade de desesperados.... (Adorno; Horkheimer, 2002) Bolaño e Brittos (2007), ao analisar a indústria cultural na televisão brasileira, afirmam que “cada capital individual no interior da indústria cultural terá uma estratégia de ação própria, definida de acordo com sua posição em uma dada estrutura de mercado e com as possibilidades que essa situação lhe impõe”. Para eles, a história da indústria televisiva determina a existência de sistemas, estruturas e padrões tecnoestético que buscam consolidar e romper barreiras à sua entrada, o que faz dela o veículo mais abrangente no Brasil. O fato de televisão brasileira chegar a quase todos os lares em todo o território nacional, para Fadul (1993), torna-se impossível compreender a sociedade brasileira sem compreender este veículo, pois “buscar compreender a cultura e a educação brasileira, sem passar pela indústria cultural a qual a televisão está inserida, é cometer um grande equívoco.”. Fadul (1993) argumenta que não se pode esquecer que todas as informações contemporâneas são mediatizadas pelos meios massivos e pela indústria cultural e, por isso, é preciso entender os desafios que os meios de comunicação têm representado, inclusive a televisão pela força social que possui. Só através da compreensão da indústria cultural que pode se propor uma nova política educacional, cultural e co-

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municacional, capaz de fornecer subsídios para, inclusive, alterar a própria indústria cultural. “E só por meio da informação de alunos críticos, que tenham conhecimento dela que se pode ter a possibilidade de interferir para aperfeiçoá-la e melhorá-la. Não para piorá-la.” (Fadul, 1993).

Em face da concentração monopólica e transnacional das indústrias culturais, a possibilidade de interferência do público (ou de frações dele) nas programações depende não somente da capacidade criativa e reativa dos indivíduos, como também de direitos coletivos e controles sociais sobre o desmedido poder da mídia. Portanto, a diversificação simbólica guarda estreita proximidade com a comercialização em grandes quantidades lucrativas. Não me parece exagero sustentar que o campo da produção cultural está imerso na lógica do lucro que preside a expansão da forma-mercadoria a toda a vida social. Integrada, como as demais áreas produtivas, ao consumismo, a esfera cultural torna-se componente essencial na lubrificação do sistema econômico. (Bolaño; Brittos, 2007) Com a chegada da tecnologia digital e a popularização da internet tornando seu usuário agente ativo e produtor no processo de comunicação, o espectador passa a buscar uma televisão interativa, onde seu papel deixa de ser passivo e dominado por um sistema e uma grande de programação que atenda aos interesses mercadológicos voltados para a audiência ‘a qualquer preço’, seguindo os princípios arraigados da indústria cultural existentes na televisão comercial nacional. Nesta perspectiva, o espectador busca mais do que escolher entre um programa A ou B, um personagem que permanecerá ou sairá de um reality show, ele busca intervir efetivamente e até mesmo produzir uma programação diferenciada, que atenda aos seus interesses, que ‘fale sua língua’ e que divulgue a cultura local ao qual esteja inserido com suas particularidades e peculiaridades, compartilhando, inclusive, o que produz com outras culturas regionais em um processo contínuo de fluxo de informação autônoma, independente e livre das amarras padronizadas de um sistema que atenda aos interesses comerciais de uma minoria. De modo consciente, que o permita assistir, intervir, produzir e compartilhar conteúdo inovador. A FUNÇÃO DA TELEVISÃO PÚBLICA A televisão não deve ser um instrumento de massificação e manipulação da indústria cultural, que provoque a degradação da educação, da cultura e da sociedade. Nesta perspectiva, a televisão pública deve ser um contraponto se tornando, exatamente pela força da televisão no Brasil, um instrumento de democratização alternativo à televisão comercial. “Os desenvolvimentos tecnológicos envolvendo os meios de comunicação, como é o caso da televisão digital, podem criar novas possibilidades de se democratizar a comunicação no País e a emissoras públicas podem ser importantes personagens neste processo.” (Bolaño; Brittos, 2007). Não só sugerida, mas necessá-

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ria é a democratização da comunicação com a ampliação da televisão pública, a partir da tecnologia digital e uma nova regulação a ser adotada, em polos regionalizados em todo território nacional, viabilizando a organização e as regulações dos meios de comunicação para que incentivem a produção e o acesso de seus conteúdos de forma democrática, sendo exercido no âmbito da sociedade, o exercício pleno dos direitos a cidadania e, principalmente, não categorizando a sociedade com simples mercadoria de audiência apropriada pelo capital como instrumento de trabalho, poder e lucro. A televisão pública e educativa no Brasil, desde sua implantação, por meio do Decreto-Lei nº 2361, tem como dever destinar a divulgação de programas educacionais mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates. As emissoras de rádio e televisão, por sua vez, devem ter como princípio, conforme determina o artigo 222 da Constituição Federal Brasileira, finalidades educativas, culturais e informativas. Por ser uma concessão pública, para as emissoras associadas da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais Abepec ela deve – “educar, informar, entreter e divertir os telespectadores, observando os direitos das pessoas, principalmente das crianças, e os valores da solidariedade, fraternidade e igualdade” (ABEPEC, 2010). Pensando em âmbito internacional, ao encontro dos anseios de uma televisão publica de qualidade no Brasil, Martín-Barbero (2003) considera que, por meio da fragmentação da informação introduzida pelo mercado se torna necessária uma televisão que se dirija ao conjunto de cidadãos de um país, que compense a medida do possível um balcão da sociedade nacional, que ofereça à todos os públicos um lugar de encontro, que permita, entre outros, a convergência de matrizes culturais e formatos industriais. Martín-Barbero (2003) considera que uma televisão pública deve ser também cultural criando cultura a partir de suas próprias potencialidades expressivas, que mantenha função de meio expressivo e operante com a acelerada e fragmentada vida urbana, seja alfabetizadora da sociedade de novas linguagens, destrezas e escrituras audiovisuais e informáticas em conformidade com a complexidade cultural de hoje, além de trabalhar com qualidade em uma concepção multidimensional de competitividade com profissionalismo, inovação e relevância social de produção, com articulação técnica e competência comunicativa para a interpretação e construção do público respeitando a diversidade cultural, social e ideológica, buscando construir linguagens comuns e mantendo um identidade institucional clara com uma proposta de programação e linguagem audiovisual diversificada sendo reconhecida por estudos qualitativos e de audiência. Para o autor, a televisão pública pode nos ajudar a ser cidadãos do mundo sem que isso nos desvincule da cultura latino-americana e de nossas culturas mais locais. Moragas e Prado (2003) consideram que a televisão pública deve ser a garantia de um sistema de comunicação para todos, evitando um sistema de vozes limitadas, sendo um contrapeso do grande processo de concentração que determina a nova convergência entre os setores financeiros de telecomunicação e os mass media. E, em plena era digital, a defesa da televisão pública deve ser baseada no cumprimento

¹Decreto-Lei nº 236, instituído em 28 de fevereiro de 1967.

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de sua missão (política, social, econômica e cultural) formada por um conjunto de quatro pilares que, além da missão, integra o financiamento, o controle e a autoridade independente com supervisão parlamentar. Entre as funções correspondentes a esta missão os autores propõem que atue com: garantias democráticas (especialmente em defensa do pluralismo), com política de estímulo à participação cidadã, cultural, tenha garantia de identidade, qualidade de programação e dos conteúdos, ser educativa, social e de bem estar social, valorize o equilíbrio territorial, econômico e de desenvolvimento, seja um motor da indústria audiovisual com inovação e experimentação criativa, seguindo o princípio humanista e moralizadora, divulgadora e socializadora do conhecimento. Além de outras funções como: as funções estratégica de desenvolvimento das comunicações, garantia de acesso universal para todos, produtora de informação socialmente necessária, guia e mediadora diante da multiplicidade de oferta de informação, instrumento de equilíbrio e freio dos novos oligopólios de comunicação e de telecomunicação, motor dos processos de convergência entre o setor da comunicação e outros setores sociais como cultura, educação, saúde, bem estar social, entre outros. Para a concretização de tais funções, Moragas e Prado (2003) sugerem uma revisão do modelo de televisão pública considerando como temas prioritários a obrigação de estabelecer, além de uma missão, um contrato de programas específicos, políticas de financiamentos estáveis, novos âmbitos de atuação com a diversificação de canais e serviços de comunicação, novas políticas de produção que contemple tanto a produção que seja externalizada como a venda de produção própria para terceiros, novas formas de autoridade, gestão e controle, assim como novas formas de cooperação entre os diversos âmbitos da televisão e serviços públicos de informação, sejam eles locais, estaduais ou internacionais.

Para avanzar en esta dirección podemos seguir la pauta establecida por diversas declaraciones de la Unión Europea, especialmente de su Parlamento, en la línea de lo que estableció hace unos años (1993) la Unión Europea de Radiodifusión (UER) al enumerar la especificidad del servicio público audiovisual: “una programación para todos, un servicio de base generalista con ampliaciones temáticas, un foro para el debate democrático, libre acceso del público a los principales acontecimientos, una referencia en materia de calidad, una abundante producción original y un espíritu innovador, una vitrina cultural, una contribución al refuerzo de la identidad europea, así como a sus valores sociales y culturales, un motor de la investigación y del desarrollo tecnológico”. (Moragas; Prado, 2003) No caso do Brasil, ao contrário do que ocorreu na Europa, de acordo com Leal Filho (2007) as tímidas iniciativas para implantar serviços públicos de radiodifusão foram sempre subordinadas ao modelo comercial, assim atuando de forma complementar a ele, ocuparam os espaços que não atraiam os interesses da iniciativa privada, o que resultou em uma história da radiodifusão pública no Brasil “minguada”. Com a ausência de uma televisão pública forte, Leal Filho (2007) argumenta que houve um

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impedimento da formação de um público mais crítico em relação à televisão comercial, resultando na falta de modelos alternativos, o que também impossibilitou “a criação de uma massa crítica capaz de exigir da televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais que determinam a prestação de serviços de informação, cultura e entretenimento” (Leal Filho, 2007). Entre os momentos relevantes da história da televisão pública no país, o autor destaca a Constituição de 1988, em seu artigo 223, de que “compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, 1988), além da promulgação da lei 8.977, de 1995, conhecida como Lei do Cabo que possibilitou a existência das emissoras de acesso público: legislativas, universitárias e comunitárias. “Um passo importante rumo à ampliação das ofertas televisivas, mas ainda restrito à parcela minoritária da população que tem acesso a esse tipo de serviço.” (Leal Filho, 2007).

E quanto à circunstância da rede pública assegurar a prática da democracia, trata-se de algo auto-evidente. O histórico do modelo de televisão de mercado imposto à sociedade brasileira estabeleceu uma forma de pensamento único, reprodutor das ideias dominantes e disseminadas a partir dos centros do capitalismo global. O individualismo e o consumismo, sustentados e impulsionados pelo neoliberalismo tornaram-se matrizes ideológicas da produção televisiva. A elas, no modelo hegemônico, não cabem alternativas. A saída, respeitado o jogo democrático, é a TV Pública. (Leal Filho, 2007). A televisão no Brasil passa por um processo de reestruturação tecnológica, transitando do sistema analógico para o digital, que abre possibilidades reais para uma nova perspectiva de atuação, abrindo um novo segmento de conteúdo e programação gratuito, aberto e alternativo ao sistema adotado pelas televisões comerciais. O sistema é baseando no padrão japonês de sinais do Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) – serviço integrado de radiodifusão digital terrestre, sendo adaptado e desenvolvido tecnologicamente no País, a tecnologia permite a transmissão digital em alta definição High Definition Television (HDTV), simultânea para a recepção fixa, móvel e portátil a e interatividade2. Desde sua criação envolvendo as questões legais e de regulação, a implantação tem sido marcada pela constante preocupação com a questão da educação, acessibilidade e desenvolvimento social, iniciada a partir da instituição do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) pelo decreto nº 4.9013 . Entre seus objetivos, estão descritos no artigo 1º, inciso I, a finalidade de “promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria

²O modelo de televisão digital está regulamentado no Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006, que determina o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) e o conjunto de padrões tecnológicos a serem adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de radiodifusão de sons e imagens. ³Decreto nº 4.901², de 26 de novembro de 2003.

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por meio de acesso à tecnologia, visando à democratização da informação”; no inciso II, “propiciar a criação de rede universal de educação à distância” e no inciso IX, “contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicação”. A TELEVISÃO PÚBLICA E A MULTIPROGRAMAÇÃO A partir desta tecnologia, um novo serviço de comunicação está sendo disponibilizado para o País: a multiprogramação que é definida como “a transmissão simultânea de vários programas dentro de um mesmo canal de 6MHz” (Norma nº1/2009). A multiprogramação também é conhecida como “a ocupação compartilhada de um canal (6MHz) por diversas emissoras, sendo que cada emissora possui um espaço próprio, autônomo, dentro desse canal, como se fossem sub-canais”, conforme consta no Relatório do Grupo Temáticos de Trabalho ‘Migração Digital’, do I Forum Nacional de TVs Públicas (2007). O relatório aponta que a multiprogramação pode ser um “modelo estratégico para as televisões públicas por permitir maior representação da diversidade e por ser o meio de atender as necessidades de produção e veiculação de conteúdos que atendam todas as demandas da sociedade” com os seguintes benefícios: ampliação do número de canais – mais conteúdo, possibilidade de alternar alta definição (banda) e multiprogramação (divisão de banda em quatro ou mais programações standar) – conteúdo diferenciado. Regulamentada pela Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital nº 01/2009, a multiprogramação é autorizada a ser utilizada exclusivamente pela União Federal, com o objetivo de transmitir assuntos ligados ao Poder Executivo, educação, cultura e programação ligada a interesses regionais. A postura do Estado diante da restrição causa divergência ao modelo democrático proposto para a televisão digital, beneficiando o modelo comercial vigente. “A ideia foi melhorar a qualidade do vídeo, ampliar os dispositivos de recepção (com a mobilidade), para manter tudo como está, sem mudar o modelo de negócio”. (Cruz, 2008). Mesmo assim, Barbosa e Castro (2008) propõem que o papel da televisão pública neste novo cenário - que prevê a liberação da multiprogramação - pode se tornar a grande alavanca para a que a sociedade atinja objetivos relevantes em uma sociedade democrática como o cumprimento da regra constitucional, por meio da socialização dos bens culturais, democratização da informação, difusão do conhecimento e cidadania; oportunidades que poderão surgir no mercado audiovisual pelas novas maneiras de acesso à informação, à cultura e ao entretenimento; atendimento à qualidade das relações sociais na medida em que rediscute a noção de espaço público, assim como a visibilidade das relações público-privadas, de seu agendamento, troca simbólica e modificação do eixo de poder resultante; diversidade de ideias, os espaços de relacionamento, as possibilidades de estabelecerem novos pactos sociais através da inclusão de novos atores e a consequente divisão do poder sobre a informação. No Brasil a televisão é um meio de comunicação muito mais popularizado por suas características de entretenimento do que de desenvolvimento social. Podemos dizer que as características da indústria cultural são explícitas, chegando até ao apelativo,

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em muitos momentos. “A Televisão pública deve se destacar pelo estímulo à produção de conteúdos digitais interativos e inovadores, a multiprogramação é um modelo adequado para bem realizar a sua missão.” (Pieranti, 2009). O Relatório do Grupo de Trabalho ‘Migração Digital’ do I Forum Nacional de TVs Públicas 4 , realizado em 2006, destaca que cabe a “televisão pública contribuir para integrar a maioria da população aos benefícios da tecnologia, bem como eliminar diferenças de acesso à capacidade de produção de conteúdos” e avalia a multiprogramação como um “modelo estratégico para as televisões públicas por permitir maior representação da diversidade e por ser o meio de atender as necessidades de produção e veiculação de conteúdos que atendam todas as demandas da sociedade” com os benefícios de ampliar o número de canais para mais conteúdo e de modo diversificado. O relatório de contribuição do Intervozes ao II Forum Nacional de TVs Públicas , divulgado em maio de 2009, do ponto de vista econômico, apresenta a multiprogramação preconizada pela televisão digital como um gerador de

impactos significativos para a estrutura de mercado da televisão. A multiplicação de programações (multiprogramação) possibilita a entrada de novos agentes em áreas onde o espectro já se encontrava saturado. Se por um lado isto surge como ameaça aos operadores comerciais, uma vez que a diversificação atinge a divisão do bolo publicitário, por outro abre importante oferta de agentes públicos do setor. (INTERVOZES, 2009). A desmassificação provocada pela televisão digital e suas potencialidades geram uma nova realidade reflexiva apresentada pelos autores Bolaño e Brittos (2007) como o reconhecimento da existência de uma pluralidade de interesses, relativos a consumidores, emissoras e outros setores da indústria brasileira que, para serem atendidos, devem alterar sua lógica social até então adotada. Neste cenário de possibilidades, no entanto, a TV Cultura foi a única emissora não governamental a ter a autorização especial para a implantação da multiprogramação (MINISTÉRIO, 2010) no Brasil, a partir de decreto especial, com objetivo de funcionamento em caráter científico e experimental. A emissora é gerida pela Fundação Padre Anchieta - FPA, que atua com o objetivo de oferecer uma televisão pública com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, conforme determina os artigos 222 e 224 da Constituição Brasileira, buscando universalizar o direito à informação e à comunicação, em um trabalho contínuo de inovação e experimentação (FPA, 2010). Recentemente sua experimentação no ambiente tecnológico e educacional tem sido com a implantação de dois canais na multiprogramação: o Multicultura e o canal Univesp TV, iniciados em 26 de agosto de 2009. A implantação da multiprogramação pela TV Cultura é um momento relevante na história do País, em especial do estado de São

4 Em

2006, o Ministério da Cultura convocou a sociedade civil interessada, profissionais e pesquisadores para do 1º. Fórum Nacional de TV’s Públicas buscando reunir todas as experiências concretas de produção e veiculação de televisão não comercial, realizar um diagnóstico do setor e apontar caminhos para a sua consolidação.

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Paulo – estado sede da emissora – pois a multiprogramação poderá provocar transformações na televisão e a TV Cultura poderá se tornar um referencial na implantação da multiprogramação voltada para os interesses educativos, culturais e de capacitação social, contribuindo para o aperfeiçoamento da emissora pública e para a discussão sobre as políticas públicas reguladoras da televisão digital, pública e educativa vigentes. Mesmo sendo uma emissora educativa e pública, foi preciso ampla negociação entre o Ministério das Comunicações, por meio do então ministro Hélio Costa, e o expresidente da FPA, Paulo Markun, responsável por romper a própria legislação vigente por acreditar na potencialidade e inovação da multiprogramação e colocar no ar os dois canais. “A FPA está oferecendo um canal digital que, de fato, inaugura a televisão digital no País. Vamos apresentar o caminho para oferecer mais cultura, conhecimento e educação para que a televisão digital seja mais que um salto de tecnologia, seja um salto de conteúdo e oportunidades”, declarou Paulo Markun durante a cerimônia de lançamento da multiprogramação pela emissora em 26 de agosto de 2009 (TV CULTURA, 2010). Para ele, a ordem na TV Cultura é experimentar, acreditando que os novos meios de comunicação fossem prioridades de sua gestão e a emissora viabiliza isso por não ser uma rede comercial, permitindo acertar e errar gastando pouco. A TV Cultura pode representar um elemento importante nesta quebra de entraves e resistências que a emissoras privadas vêm colocando por interesses econômicos e comerciais, sendo que pode servir de modelo para outras televisões públicas. As questões referentes a implantação da multiprogramação no País vão além dos interesses da TV Cultura, envolvem questões comerciais e de domínio de mercado que o Estado deve superar. As emissoras Rede Globo, SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e Rede Record, por meio da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), são contra o mecanismo. Já a Rede Band, a Rede TV! e o Grupo Abril são favoráveis. (EBC, 2010). As regulações determinadas pelas políticas públicas são fatores determinantes no processo de desenvolvimento da multiprogramação e sua devida utilização junto à sociedade como alternativa ao sistema até então hegemônico.

Em relação às políticas públicas voltadas à comunicação social, enfim, há uma resistência dos empresários de comunicação e do governo quanto à sua implantação, pois estes segmentos vêem nas emissoras públicas e comunitárias uma concorrência pelas receitas de publicidade e um espaço para a formação de um pensamento político independente. (Lins, 2002. p. 18) O Brasil vive um período de transição e adaptação no modo de fazer televisão que podem alterar características de sua estrutura capitalista consolidada e cada dispositivo criado para abrir caminhos de mudança nesta estrutura merece ser avaliado, registrado e estudado. Por considerar que a cultura de uma sociedade capitalista reflete as normas e valores da classe social, que possui propriedade dos meios de produção, Karl Marx teria observado no “mundo da Comunicação” a manifestação necessária de “forma da consciência social”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar em alternativas para novos modelos de comunicação aos consolidados pela indústria cultural demanda duas ações fundamentais: disposição da população e, fundamentalmente, do Estado que tem o papel e a capacidade de regulamentar uma legislação que viabilize ao cidadão espaços de manifestação popular. Para Bolaño e Brittos (2007) não há uma neutralidade do Estado. Cada tomada de decisão determina atitudes ou em benefício à sociedade de modo democrático ou ao mercado que implica a “tomada de posição em benefícios dos detentores do capital, o que significa, na medida em que inexiste concorrência perfeita, benefício para as empresas que controlam o mercado, produzindo assimetrias recorrentes, num jogo controlado pelo poder econômico” (Bolaño; Brittos, 2007). Por outro lado, os autores consideram que o cumprimento da função de hegemonia acaba abrindo, ao mesmo tempo, brechas para a ação de agentes não-hegemônicos. E são essas brechas que devem ser incentivadas. Mosco (2006) propõe um interessante conceito de desregulamentação: um modo de recapitalizar a mídia eletrônica, não eliminando o papel do Estado, mas reorganizando-o para melhor representar o capital e seus interesses. Em resumo, o ente estatal não é um lugar neutro, onde os interesses grupais competem, como sugerido pelos instrumentalistas, mas um espaço “capitalista que ativamente organiza forças de conflito no interior do capital, incluindo aqueles na mídia eletrônica.” (Bolaño; Brittos, 2007). Nesta perspectiva, com a chegada da tecnologia digital e a utilização da televisão pública como instrumento de acesso a educação, cultura, informação e lazer, cria-se uma possibilidade de rompimento a padronização da indústria cultural não como um opositor, mas como elemento alternativo - que conviva em harmonia de modo planejado e sustentável - ao processo de comunicação midiático. É notório que para os poderes hegemônicos da indústria cultural tal alternativa será uma força de conflito aos seus interesse, mas cabe ao Estado o papel de mediador e regulador do equilíbrio entre ambos. É preciso haver a superação da dicotomia educação, consciência social, cultura e informação crítica versus indústria cultural. O que se faz necessário é o processo consciente de inserção e garantia de alternativas ao sistema no qual esteja inserido. É claro que a indústria cultural permanecerá. E nem se espera o contrário. As novelas brasileiras, os filmes e seriados americanos, os programas de auditório populares, a músicas com pouca letra e um refrão marcante repletas de danças sensuais, as canecas de porcelana à venda carregando imagens de obras de arte, tudo faz parte do que se define como indústria cultural que é, em muitos momentos, muito bem recebida pela sociedade. O que precisa haver é a opção, a liberdade de encontrar canais abertos, ou seja, gratuitos e alternativos com uma finalidade social e não comercial. Para isso, a televisão pública deve agir com capacidade plena de seus potenciais tecnológicos e ideológicos - como a multiprogramação regulamentada para as televisões públicas -, a sociedade ser participativa e o Estado garantir tais direitos, pois, é preciso que ele assuma uma postura favorável e legalizada visando o desenvolvimento da tec-

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nologia, com políticas públicas federais e estaduais que incentivem e se voltem à um modo diferente de fazer televisão, buscando conciliar o perfil tradicional e arraigado das emissoras brasileiras, fundamentalmente comerciais e, ao mesmo tempo, abrindo caminhos e possibilidades para que novos canais surjam, aproveitando o potencial da nova tecnologia, buscando suprir as carências intelectual, educacional e cultural do País. No enquanto, enquanto houver inércia entre os envolvidos, a indústria cultural agirá com plenitude para prejuízo da sociedade. REFERÊNCIAS ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais. Disponível em: http://www.abepec.com.br/. Acesso em 13/06/2010. ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A Indústria Cultural – O Iluminismo como Mistificação de Massa. In: LIMA, Luiz Costa (org.). Teorias da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Editora Saga S.A., 2002, p. 157-202. ALVES, M. F. I Fórum Nacional de Tv´s Públicas: Relatórios dos grupos temáticos de trabalho – Brasília: Ministério da Cultura, 2007. 116 p. (Caderno de debates.) BARBOSA, A. F.; CASTRO, C. Nova Televisão pública Convergente: interatividade, multiprogramação e compartilhamento. Revista de Economía Política de las Tecnologias de la Información y Comunicación, vol. X, n. 3, dic. 2008. BOLAÑO, C. R. S.; BRITTOS, V. A televisão brasileira na era digital. São Paulo: Paulus, 2007. BOLAÑO, C.R.S. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil?. São Paulo: Paulus, 2007. BOLAÑO, C.R.S. Economia Política da Comunicação e da Cultura. Breve genealogia do campo e das taxonomias das indústrias culturais. In: LIMA, Luiz Costa (org.); GOLIN, C. (org.); BRITTOS, V. (org.). Economia da arte e da cultura. São Paulo: Observatório Itaú Cultural, 2010, p. 33-50. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br. Acesso em: 13 jun. 2010. BRASIL. Decreto n. 4.901, de 28.11.2003. Institui o Sistema Brasileiro de Televisão Digital SBTVD, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4901.html. Acesso em: 13 jun. 2010. BRASIL. Decreto n. 5.820, de 29.06.2006. Dispõe sobre a implantação do SBTVD-T, estabelece diretrizes para a transição do sistema de transição digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão e dá outras providências. Disponível em: http://www.mc.gov.br/index.php/content/view/30843.html. Acesso em: 13 jun. 2010 EBC – Empresa Brasil de Comunicação. Conheça a empresa. Disponível em: http://www.ebc. com.br/empresa/ . Acesso em: 20 jan. 2011. FADUL, A. Indústria Cultural e Comunicação de Massa. In: ___________. Linguagem e Linguagens. São Paulo: Séries Idéias, 1993, p. 53-59. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/c_ideias_17_053_a_059.pdf . Acesso em: 18 fev. 2011. FPA. Missão. Fundação Padre Anchieta. Disponível em: http://www2.tvcultura.com.br/fpa/. Acesso em 02 mai. 2010. FREY, K. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise

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