Indústria Cultural, educação musical e diversidade: desafios para uma prática docente significativa

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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA/HABILITAÇÃO EM MÚSICA

LEONARDO DA SILVA MORALLES

INDÚSTRIA CULTURAL, EDUCAÇÃO MUSICAL E DIVERSIDADE: DESAFIOS PARA UMA PRÁTICA DOCENTE SIGNIFICATIVA

ENGENHEIRO COELHO 2014

LEONARDO DA SILVA MORALLES

INDÚSTRIA CULTURAL, EDUCAÇÃO MUSICAL E DIVERSIDADE: DESAFIOS PARA UMA PRÁTICA DOCENTE SIGNIFICATIVA

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do curso de Licenciatura em Educação Artística/ Habilitação em Música, sob orientação do prof. Dr. Jetro Meira de Oliveira.

ENGENHEIRO COELHO 2014

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo, Campus Engenheiro Coelho, do curso de Licenciatura em Música apresentado e aprovado em 09 de Novembro de 2014.

Orientador: Prof. Dr. Jetro Meira de Oliveira

Segundo leitor.

Cogito, ergo sum (Penso, logo existo) - René Descartes

Se ouvirmos bem, logo também existiremos.

RESUMO Através dos pressupostos teóricos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, representada pelo filósofo e músico Theodor W. Adorno, o presente trabalho tem por objetivo discutir o conceito de indústria cultural na sua relação com a diversidade étnica e cultural presente em nosso país. Baseando-se na proposta da diversidade como elemento transformador da educação, buscamos apresentar uma possibilidade de estruturação do ensino de música na escola regular, abrangendo o conhecimento do aluno e levando-o novos patamares musicais. Acreditamos que através da reflexão da Teoria Crítica e da identificação dos elementos massificados pela indústria é que chegaremos a uma educação musical mais igualitária em sua essência. Palavras-chave: Indústria cultural; Educação; Massificação; Diversidade cultural

ABSTRACT Throughtheoretical assumptions of Frankfurt School’s Critical Theory, represented by the philosopher and musician Theodor W. Adorno, this paper aims to discuss the concept of cultural industry in its relationship with ethnic and cultural diversity present in our country. Based on the proposal of diversity as a transforming element of education, we seek to present a possibility of structuring music education in regular schools, considering students knowledge and leading them to new musical heights. We believe that through the reflection of Critical Theory and the identification of elements objectified by industry is how we will reach a more egalitarian musical education at its core. Keywords: Cultural industry; Education; Objectification; Cultural diversity.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09 2 METODOLOGIA ................................................................................................................... 11 3 DESENVOLVIMENTO .......................................................................................................... 13 3.1 Diversidade como proposta para uma educação musical mais significativa .......... 13 3.2 Indústria cultural: termos e definições .......................................................................... 19 3.3 Relações entre diversidade e massificação na escola: compreendendo conflitos e refletindo práticas .................................................................................................................. 25 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 26 5 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 28

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1INTRODUÇÃO As visões predominantes do atual século, no campoda filosofia, sociologia e antropologia, permitem relevantes reflexões e estudos sobre o que é e se constitui, de fato, o ser humano. Por meio da análise sociológica das diversas manifestações culturais podemos entender e compreender melhor aquilo que nos cerca e com o que nos relacionamos. Em grande parte, somos produto do meio em que vivemos. Isso é e foi constatado pela experiência sensorial que temos com os símbolos que usamos para representar ideias e conceitos naquilo que chamamos de ARTE. Assim, com o advento da industrialização dos objetos e dos meios de vida, fomos também industrializados aos poucos. E é nesse contexto que o presente trabalho buscará discutir os efeitos dessa mecanização da arte na transmissão do conhecimento musical. As diversas influências que existemno cotidiano como valores, costumes e crenças, se transmitem por meio da educação. E isso acontece de inúmeras formas; na arte, o ensino do elemento estético se torna vital para sua compreensão total. Essa educação deve ser transcendente, deve levar o indivíduo que está sendo ensinado a outros patamares de conhecimento, através da diversidade cultural existente em nosso país. Assim como existem fatores que contribuem para a educação, nesse trabalho abordaremos alguns entraves no tocante à educação musical no Brasil. Analisando seu histórico, percebemos quão negligenciado foi o ensino de música nas escolas. Hoje, entretanto, novas políticas públicas tem surgido em prol da inclusãodessa modalidade escolar. Os docentes ingressantes nessa área encontram muitos desafios pelo seu caminho. Um deles (talvez o mais intenso) é a presença da música midiática no cotidiano. Somente analisando os pressupostos teóricos que elucidam o surgimento, manutenção e divulgação desses elementos musicais na escola regular é que poderemos gerar uma capacitação mais sólida desses profissionais na área. Podemos encontras esses pressupostos na Teoria Crítica, vertente filosófica que surgiu na Alemanha do século passado. O autor que mais se destaca é, sem dúvida, Theodor Adorno. E é a relação das ideias desse autor com a diversidade

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cultural que gera alguns dos conflitos encontrados em sala de aula. Este trabalho se propõe a analisar esses conflitos e refletir sobre eles e contribuir na formação sólida dos educadores musicais.

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2 METODOLOGIA

Este trabalho seguirá uma metodologia de análise e estudo teórico, para a elaboração da fundamentação e seu desenvolvimento. A pesquisa seguirá os seguintes passos metodológicos: 

Elaboração do projeto de pesquisa: o projeto de pesquisa guiou todo o processo e os passos definidos nessa etapa foram seguidos na elaboração do Trabalho.



Pesquisa da bibliografia fundamental: essa etapa abrangeu a pesquisa dos autores necessários para a fundamentação teórica, tais como Adorno, Curtú, Horkheimer e Pucci.



Leitura dos textos pesquisados: nesse estágio os textos pesquisados foram lidos para posterior uso na elaboração do corpo de texto. Também nesta etapa foram feitas as ligações entre os autores para implementar a fundamentação da pesquisa.



Fichamento das citações: depois de analisados e compreendidos, os textos foram grifados para retirar citações. Essas citações foram usadas para construir a ideia do projeto.



Elaboração da fundamentação teórica: essa etapa introdutória abordou os principais conceitos sobre a indústria cultural e sua relação com a música. Os autores principais foram utilizados para introdução dos temas.



Elaboração da metodologia: nesse estágio foram elaborados os passos subsequentes da pesquisa, para melhor organização da mesma.



Elaboração do desenvolvimento: no desenvolvimento é onde foram elaboradas mais profundamente as ideias apresentadas na fundamentação teórica. Essa etapa foi elaborada como cerne da pesquisa, onde as ideias de Adorno e de autores brasileiros foram correlacionados a fundamentação.



Revisão final do texto: após finalizadas todas as etapas anteriores, o texto passou por uma revisão ortográfica e normativa, para adequação à entrega e apresentação final

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3 DESENVOLVIMENTO

3.1 Diversidade como proposta para uma educação mais significativa

A educação musical tem se desenvolvido nos últimos anos e juntamente com tal avanço, questões sobre sua aplicabilidade tem sido levantadas: o que deve-se ensinar em música? O que alunos necessitam aprender? Devemos considerar apenas o que aluno conhece ou ignorar sua realidade e ensiná-lo algo totalmente desconhecido? Qual o repertório ideal para a escola? Música popular, erudita ou apenas a de conhecimento dos alunos? (MOREIRA, 2012a; 2012b). A premissa mais defendida atualmente é a de que uma educação musical abrangente deve incluira diversidade étnica e cultural existente em nossa sociedade, fazendo com que os indivíduos educados possuam uma maior gama de conhecimentos e reflitam de maneira coerente sobre essas expressões artísticas. Após as recentes mudanças nas legislações educacionais vigentes 1, as discussões sobre o tema do ensino de música tem aumentado gradativamente; o quão desafiador é abranger essa tal diversidade de modo que não se exclua nada nem ninguém do processo de aprendizagem. No que tange à música na escola o processo se torna ainda mais complexo: como ensinar algo novo à indivíduos que só conhecem o “mesmo”, produtos musicais enlatados, produzidos pela grande presença midiática no cotidiano? Se o professor não estiver atento, o ensino de música pode se limitar à estes elementos prontos, gerando poucas possibilidades dentro de sala de aula; em prol do conhecimento musical limitado dos alunos.

De uma maneira geral, podemos dizer que essas gerações [dos anos 80 em diante] compreendem a música de maneira limitada, distante de uma concepção artística ou estética. A música serve para dançar, para relaxar, para entreter, para alegrar, mas não para pensar, ou simplesmente proporcionar o prazer de ser escutada e compreendida na sua essência. A escuta musical é acomodada; sua escolha é baseada naquilo que a mídia oferece (ou impõe) e é facilmente aceita, de forma que parece estar vinculada à diversão e ao bemestar (MOREIRA, 2012b, p. 292, grifo nosso).

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Refere-se às mudanças no ensino de música na escola, especialmente à promulgação da lei 11.769/08, que coloca a música como componente curricular obrigatório dentro do ensino de Arte na escola regular.

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A indagação recorrente é aquela que busca o cerne desse problema. O maior empecilho dessa educação abrangente é que os alunos não assimilam os novos conhecimentos. Isso não ocorre por culpa direta deles, mas sim porque estão limitados em suas realidades, presos a um estado de semiformação. A partir dessa constatação, se tornam mais claras as dificuldades encontradas pela diversidade:

Isto indica que a semiformação, mesmo sendo um estado limítrofe, requer elementos para sua manutenção, uma vez que os aspectos humanos pertencentes à apreciação e ao fazer artístico se conservam latentes, e o homem – quando em contato com material propício à fruição – segue seu impulso natural em direção à autonomia, reflexão e transcendência (CURTÚ, 2013, p. 27).

Seguindo o raciocínio da autora, percebe-se que o processo do estado limítrofe por si só não sobrevive, mas sim necessita que seja alimentado, uma vez que a fruição dos elementos artísticos se torna intoxicada pelos padrões estandardizados, tema que será tratado com mais profundidade no capítulo subsequente. No ensino de música regular, pela falta de um currículo consolidado, as práticas da área são norteadas por outros referenciais. Esses propõem conteúdos e metodologias para se ensinar música na escola.Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados em 1998, encontramos diretrizes para o ensino fundamental nas diversas áreas, incluindo a arte (dividindo-se, respectivamente, em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro). Na seção que trata de música, especificamente, sugere-se que o professor busque criar no aluno um senso mais crítico e aguçado de sua situação sociocultural e das relações ao seu redor. Deve-se ensinar o aluno a “aprender a valorizar essa diversidade sem preconceitos estéticos, étnicos, culturais e de gênero” (BRASIL, 1998, p. 79). Dentre as referências que os PCN nos dão, destacamos algumas que se mostram importantes para a problemática. Na seção “Objetivos Gerais” vemos:  Conhecer, apreciar e adotar atitudes de respeito diante da variedade de manifestações musicais e analisar as interpenetrações que se dão contemporaneamente entre elas, refletindo sobre suas respectivas estéticas e valores.  Valorizar as diversas culturas musicais, especialmente as brasileiras, estabelecendo relações entre a música produzida na escola, as veiculadas pelas mídias e as que são produzidas individualmente e/ou por grupos musicais da localidade e região;

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bem como procurar a participação em eventos musicais de cultura popular, shows, concertos, festivais, apresentações musicais diversas, buscando enriquecer suas criações, interpretações musicais e momentos de apreciação musical. [...]  Refletir e discutir os múltiplos aspectos das relações comunicacionais dos alunos com a música produzida pelos meios tecnológicos contemporâneos (que trazem novos paradigmas perceptivos e novas relações de tempo/espaço), bem como com o mercado cultural (indústria de produção, distribuição e formas de consumo) (BRASIL, 1998, p. 81-82).

No tópico seguinte, denominado “Conteúdos de Música”, lemos:

Expressão e comunicação em Música: improvisação, composição e interpretação. [...]  Interpretação, acompanhamento, recriação, arranjos de músicas do meio sociocultural, e do patrimônio musical construído pela humanidade nos diferentes espaços geográficos, épocas, povos, culturas e etnias [...]  Arranjos, acompanhamentos, interpretações de músicas das culturas populares brasileiras, utilizando padrões rítmicos, melódicos, formas harmônicas e demais elementos que as caracterizam.  Criação e interpretação de jingles, trilha sonora, arranjos, músicas do cotidiano e as referentes aos movimentos musicais atuais com os quais os jovens se identificam. Apreciação significativa em Música: compreensão da linguagem musical.

escuta,

envolvimento

e

 Manifestações pessoais de ideias e sentimentos sugeridos pela escuta musical, levando em conta o imaginário em momentos de fruição. [...]  Audição, comparação, apreciação e discussão de obras que apresentam concepções estéticas musicais diferenciadas [...]  Apreciação de músicas do próprio meio sociocultural, nacionais e internacionais, que fazem parte do conhecimento musical construído pela humanidade no decorrer dos tempos e nos diferentes espaços geográficos, estabelecendo inter-relações com as outras modalidades artísticas e com as demais áreas do conhecimento.  Audição de músicas brasileiras de várias vertentes, considerações e análises sobre diálogos e influências que hoje se estabelecem entre elas e as músicas internacionais, realizando reflexões sobre respectivas estéticas.  Discussões sobre músicas próprias e/ou de seu grupo sociocultural, apreciando-as, observando semelhanças e diferenças, características e influências recebidas, desenvolvendo o espírito crítico (BRASIL, 1998, p. 83-85).

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O documento continua postulando sobre “Compreensão da Música como produto cultural2 e histórico”. Nesse quesito destaca-se a abordagem da valorização desses produtos culturais, sendo ou não pertencentes aos seu ambiente sociocultural:  Identificação e caracterização de obras e estilos musicais dedistintas culturas, relacionando-os com as épocas em que foramcompostas. [...]  Conhecimento e adoção de atitudes de respeito diante dasmúsicas produzidas por diferentes culturas, povos, sociedades,etnias, na contemporaneidade e nas várias épocas, analisandousos, funções, valores e estabelecendo relações entre elas. [...]  Reflexão, discussão e posicionamento crítico sobre adiscriminação de gênero, etnia e minorias, na prática dainterpretação e criação musicais em diferentes culturas e etnias,em diversos tempos históricos. [...]  Discussão sobre a transformação de valores, costumes, hábitose gosto musical, com os avanços da música eletrônica (nosprocessos desenvolvidos no âmbito popular ou de erudição)nessas últimas décadas e possíveis razões que têm influenciadoessas transformações. [...]  Comparação e compreensão do valor e função da música dediferentes povos e épocas, e possibilidades de trabalho que elatem oferecido (Ibidem, p. 85-86).

Como podemos constatar, os parâmetros citados giram, quase sempre, em torno de um mesmo objetivo: o da apropriação da diversidade étnico-cultural das manifestações musicais e a reflexão delas por meio da aprendizagem. Esse documento não define ou delimita a diversidade à apenas alguns estilos e representações musicais; ao contrário, conduz o professor-músico por uma abordagem respeitosa e abrangente com as diferentes vertentes musicais existentes. É interessante notar que o discurso da diversidade é recorrente em vários educadores e pesquisadores musicais da atualidade. Grande parte daqueles que 2

Para uma melhor compreensão desse termo na discussão que se seguirá, é importante ressaltar que, nesta citação, entendemos por “produto cultural” tudo aquilo que é gerado por uma determinada cultura e se torna um elemento característico dela: costumes, religião, alimentação, regionalismos, e também música. Dentro da Teoria Crítica, ao tratar de um produto cultural, a abordagem é diferente, sendo necessário a explicitação dessa diferença dos contextos em questão.

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estão produzindo conhecimento científico em música defendem e reiteram essa posição. É o que nos diz Magali Kleber, ao afirmar que a “pesquisa e a produção de conhecimento podem, dessa forma, suprir essa carência e unir o conhecimento acadêmico à intervenção social, ao transformar os dados colhidos em ações sociais concretas” (2006, p. 92).Além disso, professores que se propõem a assumir pressupostos sobre a diversidade devem possuir bagagem profissional e sensibilidade social para lidar com as situações que serão encontradas na sala de aula, pois

Enquanto educadores que somos, temos responsabilidadese compromissos sociais, fazemosparte de um sistema que devemos conhecer parapodermos desafiar, contestar e contribuir, enquantomassa crítica, para propor e tentar em transformaçõesde diferentes ordens, almejando o acesso àeducação de qualidade para todos os cidadãos. Enquantomúsicos, temos o comprometimento com acompreensão do objeto estético-musical e seu significadosimbólico e material construído na relaçãosujeito/objeto, impregnado de valores que se constroemno contexto de sua produção (KLEBER, 2006, p. 92).

A autora aponta que o educador e o músico são duas figuras que devem andar em consonância. Isso também sugere que o gosto pessoal não deve influenciar sua prática docente, pois os alunos da escola regular, em sua maioria, pertencem à regiões de exclusão social e baixa escolaridade. Portanto, torna-se natural que os movimentos musicais que narram processos sociais de opressão se manifestem com maior intensidade no cotidianos desses alunos. A presença dessas manifestações culturais é decisiva no momento da educação musical. Se almejamos uma educação mais inclusiva, onde cada vez mais pessoas possam se apropriar do conhecimento e fazer dele sua morada intelectual, o respeito a tais movimentos deve ser estimulado e praticado em todos os âmbitos. É comum o erro de elevar a arte a um patamar tão estigmatizado que acaba-se por criar pré-requisitos do que é “bom” ou “ruim”, novamente voltando-se à questão do gosto. Devemos considerar que a produção estética dos movimentos sociais deve ser encarada como arte:

Se os diferentes grupos sociais produzem suas manifestações de uma determinada forma musical/estética utilizando seu repertório

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cultural, isso também é produção do belo na arte. A arte é linguagem. Sendo linguagem é cultural, portanto, em qualquer cultura podemos pensar em efeitos dessa cultura específica produzindo arte, mas, também, em elementos comuns a todas as culturas, que sejam considerados artísticos em todas elas (CURTÚ, 2013, p. 35).

Encarar as realidades culturais se constitui um dos embaraços encontrados pelos educadores contemporâneos. Em muitos casos, o repertório que é utilizado em educação musical se limita ao nível pessoal do gosto; é comum ouvirmos dos alunos sentenças como “ah, essa música é muito feia!”, “professor, eu não gosto dessa música!”, “essa música não é legal!”, e assim por diante. A experimentação dos alunos com os elementos artísticos é importante para que se produza um conhecimento mais abrangente na arte. Infelizmente, devido aos fatores

midiáticos

modernos,

os

indivíduos

perderam

gradativamente

sua

experiência com outros contextos musicais. Nesse ponto da questão vale a pena relembrar que, desde meados dos anos 60, com a retirada do Canto Orfeônico das escolas e o enfoque nas artes visuais na escola, criou-se um abismo entre o aluno e o repertório diversificado. Com a predominância dos meios massivos de comunicação e sua ascensão no mercado, passaram a existir mais programas para o público infantil, produções de repertório específico para crianças foram criados, juntamente com a avalanche de discos repletos de novas canções para os diversos momentos do cotidiano: nas brincadeiras, nas refeições, na escola em contato com os colegas, na hora de dormir e inúmeras outras situações predominantes da vida infantil. Os fatores citados contribuíram, direta ou indiretamente, para o afastamento da diversidade musical do contexto escolar. Juntando-se a perda da autonomia da música na escola com a produção em massa de produtos infantis de baixa qualidade musical, fartamente encontrados no mercado consumidor, encontramos a presença do conceito norteador deste trabalho: a influência da indústria cultural. Como veremos no item seguinte, é notável como essa indústria possui uma força avassaladora sobre os meios culturais e musicais, gerando nos alunos que consomem esses produtos, uma perda significativa em sua sensibilidade com outros sentidos simbólicos em música. Sobre o contexto da escola, podemos considerar que

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Por um lado, os alunos demonstram interesse em reproduzir o que é visto na mídia, mesmo porque ficam, na maioria das vezes, restritos à experiência apresentadapor ela. Por outro lado, os professores, não possuindo um domínio da linguagem musical optam, por conveniência, pela utilização de recursos tecnológicos, servindo-se do repertório que é imposto pelos meios de comunicação (SUBTIL apud MOREIRA, 2012b, p. 292).

Por fim, percebemos a responsabilidade do docente de lidar com as dificuldades musicais no contexto escolar de uma maneira equilibrada e despida de preconceitos. Porém, para que isso ocorra, o professor deve se familiarizar com os conceitos da indústria e suas aplicações na escola. A seguir, veremos alguns aspectos importantes e seus desdobramentos.

3.2 Indústria Cultural: termos e definições O cerne da questão do “industrialismo cultural” são as ideias do filósofo alemão Theodor W. Adorno. O termo indústria cultural foi cunhado por ele em parceria com Max Horkheimer em 1947 no trabalho Dialektik der Aufklärung: Philosophische Fragmente, traduzido como Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). O surgimento dessas ideias está relacionado com os estudos sociais em voga nos anos 1950 em diante, através dos trabalhos empíricos e filosóficos da Escola de Frankfurt. Ao tratar desse tema, alguns termos serão usados e necessitarão de uma prévia explicação de seus significados. O primeiro e mais importante deles é a própria indústria cultural. No ensaio intitulado A Indústria Cultural: O Iluminismo como mistificação das massas, Horkheimer e Adorno postulam suas principais ideias acerca do assunto. Analisando a produção em massa dos meios comunicativos (cinema, rádio e música) os autores dizem que o surgimento das produções em série da indústria em geral também afetou a produção de arte e bens artísticos, que incluem a música. Eles revelam a padronização afirmando que “o esquematismo do procedimento mostra-se no fato de que os produtos mecanicamente diferenciados revelam-se, no final das contas, como sempre os mesmos” (HORKHEIMER; ADORNO, 2002, p. 12). A concepção do uso da arte como um elemento de relaxamento da tensão do trabalho contribuiu para que esse processo de padronização se acelerasse uma vez

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que as manifestações musicais estão intimamente ligadas ao seu contexto propriamente cultural. Nesse cenário Tia DeNora diz:

A música tem poder, ou muitas pessoas assim acreditam. Através da cultura e do tempo ela tem sido ligada à persuasão, cura, corrupção, e muitos outros aspectos transformadores. A ideia por trás dessas ligações é que a música age – na consciência, no corpo e nas emoções. Associada a esta está outra – a ideia de que a música, por causa do que ela pode fazer, deve estar sujeita à regulação e controle3(DENORA, 2003, p. 1, tradução nossa).

Outro termo relacionado a esse tema é a estandardização. Esse conceito diz respeito à similaridade dos produtos 4 gerados pela indústria. O óbvio é presente nesses produtos culturais, e o conforto gerado por essa padronização causa nos indivíduos o que chamamos de massificação cultural:

Desde o começo é possível perceber como terminará um filme, quem será recompensado, punido ou esquecido; para não falar da música leve em que o ouvido acostumado consegue, desde os primeiros acordes, adivinhar a continuação, e sentir-se feliz quando ela ocorre (ADORNO; HORKHEIMER, 2002, p. 14).

A massificação consiste em apresentar determinados tipos de produto e causar alienação em prol deles. Os indivíduos massificados raramente conseguem ter a liberdade de escolha daquilo que consomem como arte. Aliás, esse “consumir arte” é nascido da indústria, anulando a premissa de que a arte não deve, por si só, ser um objeto a ser consumido ou comprado. O processo de massificação aliado à estandardização oferece produtos mascarados, com um ar de novidade, mas que na essência são todos iguais. Sobre o desenvolvimento dos meios de mídia e a massificação, Bruno Pucci declara:

Graças ao desenvolvimento tecnológico e à concentração econômica e administrativa, o cinema, o rádio, as revistas, se faziam lembrar um do outro, assemelhavam-se na estrutura, ajustavam-se e complementavam-se na perspectiva do todo. Ontem (1940-1973), o telefone, o cinema, o rádio, as revistas, a televisão constituíam um 3

No original: Music has power, or so many people believe. Across culture and time it has been linked with persuasion, healing, corruption, and many other transformational matters. The idea behind these linkages is that music acts – on consciousness, the body, the emotions. Associated with this idea is another – the idea that music, because of what it can do, should be subject to regulation and control. 4 Neste caso, diferentemente do item anterior, a palavra “produto” se refere a algo que é vendido, que é objeto, justificando a transformação de algo imaterial em material.

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sistema; hoje (2002), graças ao espantoso desenvolvimento da técnica nos meios de comunicação e também à não menos espantosa concentração econômica e administrativa, o sistema ganhou mais densidade e articulação, aprimorando aqueles ramos tradicionais, transformando-os em aparatos de última geração, e integrando ao circuito meios novos e mais poderosos: os celulares, a TV interativa, a Internet e outros. [...] A cultura atual, com mais competência ainda, continua conferindo a tudo um ar de semelhança, de identidade, de uniformização (PUCCI, 2003, p. 2-3).

Esse autor também afirma que a arte abdicou de sua autonomia e se incluiu entre os bens de consumo, tornando-se produto (2003, p. 4). Esses ditos “produtos culturais” – se assim podemos chamá-los - se apresentam de forma muito semelhante, reforçando o processo de padronização. Para exemplificar isto, basta analisar as telenovelas: a cada temporada surgem “novas” histórias, enredos, personagens, mas no fim tudo é exatamente igual; clímax, clichês, romances, tramas e até mesmo falas. Se podemos considerar uma telenovela como produto artísticocultural, derivado da arte do teatro e da linguagem televisiva, é possível afirmar que se trata de algo massificado. Ora, uma vez que tudo se assemelha, que escolha possuímos em arte? A indústria rouba do indivíduo a possibilidade de escolha daquilo que julga ser necessidade para si. Horkheimer e Adorno (2002, p. 18) dizem que tudo aquilo que surge como novo já possui as “marcas do jargão sabido” e sempre se demonstra “à primeira vista, aprovado e reconhecido”. Outro aspecto importante para a discussão é a diferenciação que Adorno faz entre música “séria” e música “ligeira”. Inicialmente, entende-se que o autor se refere à música erudita (em sua totalidade), na primeira expressão, e à música popular, na segunda. Porém, apesar desse conceito postulado por Adorno não ser totalmente claro, é possível compreender que não era exatamente isso o que ele queria transmitir. Podemos compreender, por meio de seus estudos, que a questão é o processo de massificação na música, e não o tipo de música que é massificada (OLIVEIRA, 2012, p. 1162). O fato de que a música ligeira se manifesta mais predominantemente na música popular não sugere que a música erudita não possa sofrer o mesmo processo. A veiculação midiática é mais ativa nesse tipo de manifestação musical assim como também é ativa a sua efemeridade. Esses produtos, semelhantes entre si, surgem e desaparecem repentinamente, sempre dando lugar a outros de

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aparência idêntica. As músicas de sucesso logo são substituídas por outras, que por sua vez são iguais em essência às que suplantaram. Nesse contexto, Anamaria Brandi Curtú, musicista e educadora musical, questiona o motivo real da valorização fetichista e dos produtos “de sucesso” na música: Como era possível que, após doze anos de trabalho, as pessoas passassem a me dar mais valor por causa de quinze segundos na televisão? [...] por que meus alunos, apesar do contato prazeroso com as músicas que eu lhes apresentava, não respondiam com uma efetiva mudança de comportamento, mas permaneciam comprando e ouvindo o mesmo repertório a que estavam habituados? Por que as pessoas valorizavam as músicas e os músicos que estavam na mídia, por que lhes eram tão receptivas? (CURTÚ, 2013, p. 25).

Esse é um questionamento de vital importância para nossa problemática. A autora expõe nessas perguntas algo que é latente na pesquisa sobre a indústria cultural: por que sempre o mesmo? Os processos de padronização na música são notáveis, mas por que motivo isso acontece? Esforços como o de Curtú são vistos em muitos lugares, vindos de educadores musicais e músicos profissionais. Entretanto, parece que a ação deles não é tão efetiva como deveria. Adorno, mais uma vez, nos traz algumas luzes a respeito desse problema. Quando escreve especificamente sobre música ligeira (que em muitos casos se referia ao jazz americano), o filósofo usa o termo “fetichismo” para se referir à magnitude com que as músicas e os cantores/instrumentistas faziam sucesso nas rádios. O fetichismo age de maneira paralela ao processo de massificação: exalta aquilo que é considerado “bom”, mas que na verdade não passa de mais um objeto, um produto, criado para tirar a individualidade dos seus ouvintes. Por não terem escolha, acabam por consumir aquilo que lhes é oferecido, sem capacidade de reflexão.

Tal indivíduo não consegue subtrair-se ao jugo da opinião pública, nem tampouco pode decidir com liberdade quanto ao que lhe é apresentado, uma vez que tudo o que se lhe oferece é tão semelhante ou idêntico que predileção, na realidade, se prende apenas ao detalhe biográfico, ou mesmo à situação concreta em que a música é ouvida (ADORNO, 1983, p. 166)

Ele ainda afirma que essa música serve para o prazer e entretenimento, mas que recusa os valores que carrega; um paradoxo em si mesma, pois não supre a

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necessidade que ela mesma cria, contribuindo para “o emudecimento dos homens, para a morte da linguagem, para a incapacidade de comunicação” (ADORNO, 1983, p. 166). Podemos entender que o objetivo real da indústria seja o de gerar “máquinas

humanas”,

que

respondam

a

estímulos

específicos,

possuam

comportamentos idênticos, e que comprem o mesmo gosto. Todos esses aspectos são relevantes para a música, seu estudo e compreensão. Entretanto, ainda mais importante é a sua relação com o contexto da educação, pois é na sala da aula com o contato com o professor que o conhecimento em música é construído. Como salientado anteriormente, a construção da educação nos dias atuais deve ser compreendida no meio cultural em que a mesma se origina. Porém é preciso que o estudo dos fatores socioculturais sobre ela (e também sobre o ensino de música) não se torne apenas algo taxativo, somente identificando os tipos musicais em questão e assumindo-os. Há necessidade que se transcenda, por meio do ensino consciente e inclusivo, a concepção de coisificação da música. No contexto educacional, encontramos diversas manifestações artísticas trazidas pelo cotidiano do aluno. Isso é de vital importância na problemática, mas não deve ser o fim dela. A aplicação da Teoria Crítica nos faz pensar sobre a importância da bagagem musical de cada pessoa: como ela reage à música? O que ela gosta de ouvir e por que? Todos esses questionamentos são válidos, mas se tornam nulos quando se elimina a possibilidade da ação de um fator importante na educação: o acesso à diversidade. Como já citado, o processo industrial sobre os indivíduos busca apagar o pensamento racional sobre o consumo dos produtos. E como estamos considerando a cultura como sendo um produto padronizado, a ela nos remetemos para tratar da relação entre música e educação. Nesse campo Adorno diz que: Falar de cultura foi sempre contra a cultura. O denominador “cultura” já contém, virtualmente, a tomada de posse, o enquadramento, a classificação que a cultura assume no reino da administração (ADORNO, 1983, p. 166).

E ao falar de culturas, percebemos a necessidade de apreendermos melhor as diferentes manifestações culturais de nosso país. O que a indústria procura empreender é justamente o contrário: ao igualar as ofertas do mercado artístico,

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absorve e assimila tudo aquilo que é contra ela, como bem aponta Curtú (2013, p. 52):

As produções culturais que se insurgem contra a indústria cultural são por ela assimiladas e tornadas inócuas, a indústria cultural recebe a diversidade cultural e a incorpora no uso hegemônico do poder; no contexto da tecnologia, anuncia como mudanças reais e democráticas processos que são insignificantes no conjunto da sociedade.

Esses conceitos nos ajudam a entender a influência da estandardização na ação da arte como elemento artístico. Adorno estava em consonância com a música. Não a considerava apenas objeto de seu estudo pessoal, mas como um elemento vivo e dinâmico (DENORA, 2003, p. 3). A organicidade da música pode ser sentida em seus escritos; o embasamento da Teoria Crítica assume essa proposição da música como um ser vivo, repleto de peculiaridades. Assim considerada, se torna nítido que ela não pode se tornar um produto, pois perderia suas vitais características. Padronização significa alienação, nesse caso. Se a essência se destina às massas, controladas e reproduzidas pela indústria, a arte já não pode ser o que é; esse organismo vivo e vibrante passa a ser robótico e mecanizado, obedecendo sempre às mesmas regras de execução préprogramadas: “[O indivíduo] se satisfaz com a reprodução do sempre igual” (ADORNO; HORKHEIMER, 2002, p. 27). Nesse campo, poderíamos citar a existência, na música midiática, de uma sequência de acordes usada em muitas músicas pop e do sertanejo universitário, por alguns chamada de “fórmula do sucesso”5, uma vez que está presente nas músicas de maior sucesso da mídia. Esse é apenas um exemplo de padronização musical. Poderíamos citar até mesmo a padronização de temáticas presentes nas letras, o que nos daria um estudo semântico muito mais aprofundado. Entretanto, esse não é o objetivo central de nossoestudo. Considerados esses tópicos sobre a massificação, indústria cultural e a diversidade, passemos então para suas relações e conflitos no contexto escolar.

3.3 Relações entre diversidade e massificação na escola: compreendendo conflitos e refletindo práticas Considerando a escala Maior, teríamos a sequência I – V – VI – IV.

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Na prática docente em música, como pudemos observar, alguns fatores devem ser levados em consideração no momento do ensino: o contexto cultural em que o aluno está inserido, a bagagem musical que ele possui, a formação para a sensibilidade dos elementos estéticos e simbólicos referentes à música e a relação sociocultural transferida aos alunos em sala de aula. Quando abordamos o conceito de diversidade, é importante ressaltar a problemática dos estilos musicais. Os hits musicais em voga geralmente remetem a realidades estigmatizadas, rotuladas. A título de exemplo, Curtú aponta “que os hits da música funk e do rap mais divulgados na mídia são os de maior apelo erótico e não os que narram os problemas sociais” (2013, p. 36). A presença dos estilos citados (e alguns outros) na sala de aula é comum e, em muitos casos, limita o aluno apenas ao que ele conhece, definindo seu gosto musical. Ao considerar esses estilos à luz da Teoria Crítica se torna quase impossível não menosprezá-los como bem artístico, pois a crítica adorniana é muito severa em alguns momentos e se torna fácil levá-la ao extremo. Mas para que a discussão sobre sua relação com a diversidade musical não se torne agressiva e parcial, é preciso considerar o todo. É fato que os indivíduos lidam cotidianamente com a indústria cultural, nas diversas ramificações da vida. Se conhecemos algo, é porque de alguma forma isto chegou até nós, e é nesse veículo direto que a indústria age com maior êxito pois “o mais conhecido é mais famoso, e tem mais sucesso” (ADORNO, 1983, p. 171). Esse “sucesso” está presente no repertório dos alunos. São eles que recebem a influência midiática por meio das comunicações e aparelhos eletrônicos. Muitas dúvidas começam a surgir na discussão: qual o real papel de um professor de música diante de todas essas influências? Remetendo-nos aos PCN anteriormente citados, podemos perceber que o incentivo maior para esses docentes é que se apropriem do contexto musical do aluno, mas que não se limite a ele. Esse é um discurso recorrente, e essa ênfase se torna importante na reflexão sobre as práticas docentes.

Quanto mais articuladosforem os espaços educativos disponíveis numacomunidade, maiores chances de se alcançar esseobjetivo e atender aos diversos contextos socioculturaisem que o ato de

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ensinar e aprender estánecessariamente conectado com o cotidiano (KLEBER, 2006, p. 93)

A articulação da qual trata Kleber, deve estar presente nas escolasque se propõem a ensinar música. Nos espaços educativos onde encontra-se a diversidade o respeito às manifestações deve ser latente a todos os educadores. Abranger os conteúdos de música de maneira equilibrada se constitui o maior desafio do educador. Considerar os diferentes repertórios em sala de aula, sem dar exclusividade a um em detrimento de outro se evidencia como a sensibilidade necessária para o professor. Isso não deve, porém, ser uma justificativa para se trabalhar somente com o conhecimento prévio do aluno. Se em sala de aula só são abordados elementos daquilo que ele possui no seu computador ou celular, a educação estará se limitando e se tornando inócua. Assim, estará se subjugando à indústria nos seus aspectos formativos. “É necessário propor formas de trabalho que levem a uma escuta crítica e consciente de diversos tipos de música, de diversas épocas e estilos, refletindo sobre seus elementos constituintes e levando a um crescimento estético” (MOREIRA, 2012b, p. 295-296). Quando ensinamos um novo conhecimento, especialmente relacionado à música, devemos salientar as características interessantes da novidade. A resistência a isso se mostrará natural perante indivíduos limitados em suas realidades. O esforço que é empreendido no sentido de elucidar que existem coisas de valor fora de sua própria realidade certamente não é em vão:

Parafraseando Adorno, talvez possamos dizer que o mesmo esforço e determinação, que os homens empreendem para se deixarem enganar pelas fugazes satisfações da indústria cultural, que na verdade não o são, se empregados na contramão da imposturas e dos logros possam gerar, quiçá, espaços de vida e de formação (PUCCI, 2003, p. 17).

É essa forma de crescimento estético e simbólico que almejamos com a proposta para uma educação mais democrática. Os alunos, quando não conseguem assimilar um novo conhecimento, tendem a rejeitá-lo como sendo sem valor estético. Um trabalho mais aguçado e paciente, porém, poderia fazer com que essa realidade não existisse com tanta intensidade. A partir momento em que todos os pressupostos teóricos são compreendidos, entendemos que o trabalho de um professor na realidade de um aluno é necessário

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para se vencer as barreiras e alcançar um conhecimento mais igualitário, pois “a força da indústria cultural reside em seu acordo com as necessidades criadas” (ADORNO; HORKHEIMER, 2002, p. 30).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a elucidação dos conceitos de indústria cultural, massificação, estandardização, e sua relação com a diversidade étnico cultural, os desafios ficam evidentes, esperando a nossa reflexão para dissolvê-los e solucioná-los. Não devemos mais perder tempo com as corriqueiras rusgas da educação, valorando repertórios e estigmatizando pessoas. Uma educação musical abrangente deve se despir dos velhos preconceitos, mas ao mesmo tempo reafirmar aquilo que julga como ideal no momento do ensino. Vale a pena sempre lembrar que o mesmo esforço empreendido pela indústria para alienar os indivíduos, se utilizado na direção oposta, geraria espaços de vida vibrante e formação ideal (CURTÚ, 2013; PUCCI, 2003). A Teoria Crítica serve, sim, para criticar os malefícios da indústria. Porém, como tentamos elucidar nesse trabalho, também é possível aliá-la a um ensino de música diversificado, onde haja espaço ideal para todos se manifestarem e aprenderem uns com os outros. Somente identificando os efeitos nocivos dessas práticas massificadas é que se tornará possível despedaçar a sua insubordinação à ela, criando a liberdade almejada (ADORNO; HORKHEIMER, 2002, p. 15). Esses temas tratados, em poucas páginas, elucidam questões que nos instigam a compreender de maneira mais adequada os processos de aprendizagem e de assimilação de conhecimentos. Por meio das observações do campo da educação musical conseguimos encontrar subsídios para que os docentes ingressantes saibam tratar das problemáticas encontradas, face às influências marcantes da indústria cultural. Ressaltando novamente a importância do acesso a diversidade, podemos lembrar o que Curtú aponta em seu livro: “A audição que reconhece como música apenas as peças que utilizem os padrões estereotipados é tão pouco aberta para a apreciação da pluralidade estética quanto pouco crítica em relação ao que é oferecido nos meios de comunicação de massa” (2013, p. 75). O lidar com esses padrões estereotipados faz parte do cotidiano de um professor, e este se torna o desafio de sua prática docente. Este trabalho se propôs a elucidar os conceitos teóricos da Teoria Crítica de Theodor Adorno na sua relação com a diversidade étnica e musical no cotidiano

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escolar. Neste ponto podemos concluir que o acesso a diversidade é de primaz necessidade para a educação hoje. Como educadores devemos nos ater às influências presentes no cotidiano de sala de aula. A premissa de que a diversidade pode possibilitar uma educação mais ampla é, de fato, aquilo que mais necessitamos na educação musical em geral. O desafio que é deixado por essas reflexões aqui realizadas, se resume à uma esperança: que todos possam conhecer e apreender aquilo que é novo, transcendente e de valor, sem que precisem abandonar as suas bagagens de conhecimento. Quão mais próximos pudermos estar dessa realidade, mais preparados estaremos para construir um universo educacional mais justo e inclusivo.

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5 REFERÊNCIAS

ADORNO, T.O fetichismo na música e a regressão da audição. In: ADORNO, T.; BENJAMIM, W.; HABERMAS, J.; HORKHEIMER, M. Coleção "Os Pensadores”: Textos Escolhidos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, v. 63. ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. _________. A Indústria Cultural: O Iluminismo como mistificação das massas. In: ADORNO, T. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Ministério da Educação. Brasília: MEC/SEF, 1998. CURTÚ, A. B.Música, educação e indústria cultural: O loteamento do espaço sonoro. São Paulo: Editora Unesp, 2013. DENORA, T. After Adorno: Rethinking music sociology. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2003. KLEBER, M. Educação musical: novas ou outras abordagens – novos ou outros protagonistas. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 14, p. 91-98, mar. 2006. MOREIRA, A. L.G. Considerações sobre o uso de música erudita na educação básica. In: XXII Congresso da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, 2012a, João Pessoa. Anais... João Pessoa: XXIIANPPOM, 2012, p. 788795. _________.Música infantil no Brasil: reflexões sobre o repertório midiático, escolar, erudito e popular. In: II Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música, 2012b, Rio de Janeiro. Anais... Rio de janeiro: II SIMPOM, 2012b, p. 289-297. OLIVEIRA, J. M. Massificação musical e a perda da individualidade. In: XXII Congresso da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: XXII ANPPOM, 2012, p. 1161-1168. PUCCI, B. Indústria Cultural e Educação. In: VAIDERGORN, J.; BERTONI, L. M. (Orgs.). Indústria Cultural e Educação: ensaios, pesquisas, formação. Araraquara: JM Editora, 2003, v. 01.

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