Indústria de Tradução e Interpretação em Moçambique

July 13, 2017 | Autor: Raul Chambote | Categoria: Linguistics
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A “Indústria de Tradução e Interpretação” em Moçambique: o sector económico-cultural de muitas injustiças. Por: Raúl Chambote – 8 de Dezembro 2008 [email protected] O Estado Moçambicano é excessivo e exageramente extorvertido em termos lingísticos. O caso da agenda de acordo ortográfico da língua portuguesa nos CPLPs consumiu tempo significativo aos representantes do governo, linguístas e alguns escritores moçambicanos no ano que está prestes a terminar. Será que este texto visa convidar os Moçambicanos abandonar a língua oficial portuguesa e substituí-la com línguas nacionais? Um sim, equivale à uma resposta irrealista, descontextualizada e eventuamente inútil, política, cultural e economicamente. Um não, equivale ao princípio de menor esforço por parte dos linguistas moçambicanos em investigar e os escritores em defender a importância cultural das línguas maternas faladas em Moçambique. Também equivale o quão os políticos ignoram a importância das línguas nacionais na área económica e política. Mas, a que propósito serve este artigo quando “experts” linguistas Moçambicanos e Portugueses, alguns escritores de renome e até vozes de poder no Ministério de Educação se pronunciaram favoravelmente a esse projecto? Não seria melhor avançarmos e adoptar/assinar logo o tal acordo ortográfico e termos os benefícios desejados na educação e promoção das línguas? Dois propósitos justificam esse texto. Primeiro, há um vício institucional em Moçambique que consiste na valorização hipócrita em estar sempre disponível para resolver os problemas dos outros e ignorar um sector de economia que movimenta milhões de meticais diariamente: falo da indústria de tradução e interpretação. Não é um sector novo de economia, mas me parece que não está devidamente regulado por lei. É uma aberração a injustiça política, cultural e económica que os locutores em línguas nacionais, tanto das emissoras radiofónicas como televisisas e seus colegas tradutores/ intérpretes de línguas nacionais suportam em Moçambique. Quem vai reparar esse mal na nossa sociedade? Para quê, e a quem serve o acordo ortográfico na CPLP que tanto se divulgou sem a mínima valorização das línguas nacionais? As reportagens dos órgãos de comunição social sobre o assunto foram bastante parciais neste ano. Segundo, que haja uma forma equilibrada de tratar a questão das línguas em Moçambique. Incluir o ensino bi-lingue nos curricula do primeiro e segundo ciclos de ensino, sem acção, nem professores qualificados para isso e exclusão de outras forças vivas da sociedade Moçambicana no processo leva-nos a concluir que a propalada promoção de línguas nacionais é uma miragem. É possível reverter essa atitude no ano de 2009? A promoção do acordo ortográfico na CPLP substituiu todo este ano a agenda linguísticacultural nacional e, conferências, seminários, debates e outros eventos foram promovidos com lamentações hesitantes negando a morte a língua portuguesa. Obviamente, num contexto de globalização cultural, Moçambique não deve se excluir do processo. Mas à que níveis não se deve excluir? Como é que Moçambique tem sido globalizado ou globalizador cultural? É nesse aspecto que situo o primeiro propósito do texto: vício institucional, solidariedade hipócrita para com os outros enquanto as questões internas

são negligenciadas. Talvez eu seja o cidadão mais desinformado deste país. Perdoem-me a ignorância, se for o caso. Depois de mais de 30 anos de independência nacional, não conheço neste país nenhuma instituição oficial profissional ou educacional que forma profissionalmente locutores em línguas nacionais para servir as nossas emissoras radiofónicas e televisivas. Ainda não ouvi dizer e nem vi a existência de tais espaços em Cabo Delgado, Nampula, Beira, Tete, Gaza e por aí fora. Qual foi a escola que preparou os nossos locutores em línguas nacionais? Muitos desses locutores são hoje o que são graças ao talento e domínio das suas línguas maternas, esforço pessoal e as parcas oportunidades que surgiram. O brio profissional com que nos brindam os nossos locutores em línguas nacionais precisa mais apoio do Estado e outras forças da sociedade que os louvores tecidos em relação ao acordo ortográfico na CPLP. O sucesso da maioria das rádios comunitárias espalhadas pelo país deve-se primariamente ao locutores que tem domínio de línguas nacionais e enquadra-se mais nessa dimensão o esforço individual desses cidadãos que a promoção que esperamos que o Estado, no desempenho de uma das suas funções soberanas, faça para assegurar a sobrevivência do tecido sócio-cultural no quadro da globalização. Que termine esse velório de linguistas e escritores moçambicanos por causa da morte da língua portuguesa. Choremos também pela morte das línguas nacionais, meus compatriotas. Da injustiça linguística e a preocupação em resolver problema dos outros. Neste país os tradutores e intérpretes com direitos a prestar esses serviços e a serem bem pagos/as são aqueles/as que traduzem Inglês-Português ou vice-versa, Francês-Português ou viceversa, Alemão-Português ou vice-versa e por aí fora. Onde é que colocamos as línguas nacionais aqui? Os oficiais dos Conselhos Municipais dirão, para alguém ser um/a tradutor/a intérprete ajuramentado/a, precisa ter diploma que cerfique proficiência nas línguas. Resposta institucionalmente sábia e legalmente prudente. Mas onde estão essas instituições onde o cidadão ou os estrangeiros residentes em Moçambique podem ir aprender e ter um diploma em línguas Sena, Makuwa, Changana ou Chuabo? Silêncio. O Estado Moçambicano precisa criar condições para que seus cidadãos compitam em pé de igualdade com os outros nas oportunidades que surgem. Não deve ser o Estado a limitar, neste caso, por omissão, seus cidadãos a participar das oportunidades na “indústria de tradução e interpretação”. Pergunto aos meus compatriotas economistas: quando é que um produto é caro? É quando existe em abundância ou quando há escassez desse produto e os consumidores a demandam? Em Moçambique os/as tradutores/ras e intérpretes de línguas nacionais são escassos e é um produto em alta demanda pelos políticos, empresas de consultorias para as suas pesquisas no campo, as ONGs e agências internacionais de desenvolvimento. Se é um produto escasso porque não se estabelece um tabela que se equipare aos tradutores e intérpretes de outras línguas? É este sector económico-cultural que denomino de indústria de tradução e interpretação. Mesmo usando a falta de diploma em línguas nacionais como motivo, os políticos, empresas de consultorias, a indústria de desenvolvimento deixam de usar os serviços dos tradutores em línguas nacionais? Usam, abusam e exploram. Esse tipo de injustiças não devem continuar assim em Moçambique. Todo o mundo fala de direitos humanos em Moçambique, mais quem respeita os direitos dos tradutores e intérpretes em línguas nacionais? Em muitas circunstâncias são manipulados pelas

instituições que acima mencionei e não são pagos pelos serviços prestados. Mas ao tradudor/a intérprete que acompanha as comitivas políticas, consultores das empresas de consultoria e as agências de desenvolvimento são bem pagos. Entre tantos efeitos negativos na indústria de tradução e interpretação o desincetivo da competetividade na actividade económica-cultural é nefasto à promoção das línguas nacionais. O dispositivo legal que confere o direito de exercício da actividade de tradutor/a intérprete, ao não permitir que os tradutores e intérpretes em línguas nacionais sejam pagos como seus colegas, o Estado Moçambicano ignora a exclusão dos tradutores em línguas nacionais e não lhes permitem competir em pé de igualdade com seus colegas diplomados. Tradução de línguas é uma actividade económica e também cultural. O/A tradutor/a intérprete em línguas nacionais assegura esse aspecto para a coesão do tecido socio-cultural em Moçambique. Porque não conceder essa oportunidade aos nossos compatriotas que também gostariam de melhorar suas vidas com os muitos dólares que não conhecem escassez nas empresas de consultorias, agências de desenvolvimento e ONGs, e nos bolsos dos políticos em tempo de campanhas eleitorais. Imaginem que a Lei Eleitoral estatuisse que os candidatos devem usar línguas locais para se comunicar com seus eleitorados. Os políticos que não souberem falar as tais línguas locais poderiam recorrer aos serviços de tradutores/as e intérpretes locais pagando a taxa correspondente. Os políticos ganhariam porque suas mensagens podem atingir o eleitorado. Mesmo o exercício em si de usar serviços de tradução e os esforços dos tradutores asseguram que as mensagens chegam as bases com clareza já é uma mais valia. Por outro lado, os tradutores locais ganhariam algum dinheiro e se beneficiariam, não de camisetes, mas dum exercício económico-cultural sério e claro que não precisa de “escovar” ou engraxar. A lei e os contratos lhes protegeriam. Assim os políticos aprenderiam a respeitar os ditames contratuais e os tradutores desempenhariam seu ofício com zelo e fervor, seja político ou económico. Não olvido aqui que a nossa democracia é financiada, pois não é a questão central neste texto. Enquanto os que dominam o Inglês, Francês, Alemão e outras línguas tem vantagem nos fora das conferências, seminários, os tradutores e intérpretes em línguas nacionais tem vantagem nos distritos onde muitas pesquisas são conduzidas, agências de desenvolvimento intervem e os políticos fazem-se ouvir pelo povo. Como qualquer actividade económica, a indústria de tradução e interpretação tem também seus momentos altos e baixos. Enquanto para uns seria os seminários, traduções de textos, para outros seria as pesquisas de campo nos distritos e as campanhas eleitorais. Há quem poderá magicar a falta de qualidade ou profissionalismo de tradutores e intérpretes em línguas nacionais. Dependendo do lado do argumento, podemos encontrar meias verdades infundadas. Mas as evidências das injustiças linguísticas na indústria de tradução e interpretação devem-nos fazer parar e pensar. Um exemplo, no dia da cerimónia da reversão de Cahora Bassa para Moçambique, no Songo, Tete, o tradutor intérprete do discurso do Presidente da República usou Cinyanja traduzindo interpretando o discurso do Presidente para a língua Portuguesa. Revejam as imagens da TVM e STV desse dia. Imaginem que fosse um tradutor e intérprete de Português para Inglês, Francês e outras. Quanto é que ganharia naquele dia? Tenho imensas dúvidas que aquele cidadão seja tradutor e intérprete ajuramento, estatuído no dispositivo legal que regula essa actividade. Não vou entrar aqui em detalhes de pagamentos, pois o autor deste texto está preocupado

como é que o Estado enquaciona a participação cultural e económica dos tradutores e intérpretes em línguas nacionais. Portugal e o acordo ortográfico na CPLP não serve apenas interesses culturais, mas também serve interesses económicos e políticos. França e Inglaterra também promovem suas culturas, interesses económicos e políticos atravéz de suas línguas. Não concordo com aqueles políticos moçambicanos que defendem que não podemos promover as línguas nacionais dada a sua ínfima importância no mercado global de ciências. Esses políticos não devem estar a perceber o quanto a promoção da cultura e das línguas hoje domina o mercado global de ciências, sobretudo no campo político. O presidente eleito Barak Obama usou a língua para se comunicar com os seus apoiantes. Daviz Simango usou as línguas locais para se comunicar com a maioria de seus apoiantes. Este ponto me leva ao segundo aspecto negativo: o diálogo de surdos entre os políticos com os cidadãos no exercício de poder assim como nas campanhas eleitorais. Os políticos que defendem a não promoção económica e cultural das línguas nacionais ariscam a perder legitimidade por evitar comunicar-se com os seus apoiantes. A maioria da população em Moçambique usa extensivamente as línguas maternas para se comunicarem. Muitos dos políticos se embrulham e recorrem a discursos falaciosos e instigativos dizendo não queremos tribalismo ou regionalismo, alegando que o uso dessas línguas promoveria isso. Não constitui verdade isso. Penso que o problemas desses políticos é mesmo não saber falar suas línguas maternas. E se não pode explicar a seus próprios familiares seus projectos políticos para Moçambique, como esses podem ter a motivação de promover as línguas nacionais? Será que Moçambique precisa de introduzir um artigo novo na lei eleitoral? Por exemplo, que os candidatos às eleições municipais, provinciais e gerais (presidenciais e legislativas) tenham a obrigação de conduzir as campanhas eleitorais em línguas que determinada área, zona, província, distrito usa para si comunicar com o eleitorado. Teria eu realizado um dos meus sonhos, que um candidato à uma dessas eleições fosse capaz de explicar ao seu eleitorado o que significa “desenvolvimento participativo” em Makua ou Changana; “cidadania e direitos civis” em Ndau ou Gitonga; “crescimento económica a dois dígitos” em Nyungwe ou Sena; promoção da “agricultura mecanizada ou revolução verde” em Ci-tewe, Shona ou Ronga; infra-estrututas adequadas exportação de madeira e “preservação da faunda bravia” em Makonde ou Kimwani. Os políticos dirão...uhmm..isso é trabalho impossível neste país. É convicção do autor que numa democracia que se preze um dos nobres trabalhos dos políticos é o esforço que fazem para se comunicar com seu eleitorado. Porque querer governar o país se não pode comunicar-se com os governados? Precisamos de começar a exigir que os políticos se expressem em línguas nacionais com seu eleitorado. Os políticos precisam de ter um pouco de trabalho que apenas receber votos que resulta do diálogo de surdos. No dia que isso for seriamente assumido, então o discurso oficial sobre a promoção das línguas nacionais surtirá seus efeitos, porque os políticos saberão quanto é prejudicial não estabelecer uma comunição sadia com seu eleitorado. No dia que Moçambique estabelecer leis de competição clara e limpa na “indústria de tradução e interpretação” de línguas como um serviço económico e cultural, as empresas

de consultorias que conduzem as pesquisas no campo e as agências de desenvolvimento saberão que Moçambique é um Estado soberano e que as leis de economia de mercado devem ser aplicadas para todos. As instituições do Estado Moçambicano, empresas de consultoria e agências de desenvolvimento devem respeitar os direitos culturais e promove-los assegurando que haja competição sã e lima na participação de tradutores e intérpretes em línguas nacionais nesse sector de economia. Se há leis que regem a participação dos tradutores e intérpretes das línguas estrangeiras porque se exclui os tradutores e intérpretes de línguas nacionais? Que a “indústria de tradução e interpretação” seja regulada, pois Moçambique não estará a violar nenhum dispositivo legal internacional globalizador. Estará sim em conformidade com os ditâmes da globalização. Para além dos moçambicanos que gostariam de ler e escrever em línguas nacionais, coisa que linguistas moçambicanos dizem estar a trabalhar porque é um processo, deve também haver muitos Ingleses, Franceses, Alemãs, Noroegueses e outros aqui em Moçambique que gostariam de aprender as nossas línguas maternas. Por favor terminemos com o velório sobre a morte da língua portugesa e promovamos as línguas nacionais. Termino elegendo Locutores/as e Apresentadores em línguas nacionais das rádios e televisões e os Tradutores/a Intérpretes de línguas nacionais como meus homens e mulheres do ano de 2008. A esses cidadãos Festas Felizes e Próspero Ano Novo com esperança de que um dia a indústria de tradução e interpretação será regulada por lei em Moçambique.

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