Inês de Castro, o amor que desafia o tempo e a tradição
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“Inês de Castro: o amor que desafia o tempo e a tradição” (Prefácio para Pedro e Inês. Helena Gomes, Rio de Janeiro: Escrita Fina, 2013)
“O mito é o nada que é tudo”, um poderoso verso de Fernando Pessoa,1 é bom
ponto de partida para pensarmos em Inês de Castro, figura histórica que, através de sua tragédia de amor, foi alçada ao posto de maior mito literário português.
Portugal está em nosso imaginário como país dos navegadores, pátria de Luís de
Camões e Fernando Pessoa, que nos contaram sobre a aventura de primeiro ‘descobrir’ o mundo, vencer o medo, passar além da dor, salgar o mar com lágrimas, navegar porque é preciso...
Mas, bem antes do sonho marítimo, houve a conquista e consolidação do
território que, ainda hoje -‐ pequeno retângulo entre o mar, imenso, e a Espanha -‐ chamamos de Portugal. A ameaça mais próxima e presente, então, era a dos reinos além das fronteiras recém estabelecidas, ansiosos por expansão territorial. Neste contexto, as alianças por meio de casamentos eram parte da estratégia política para manutenção do delicado equilíbrio entre Portugal, já consolidado como tal desde 1253, e os reinos conflitantes do que viria a ser, no futuro, a Espanha como hoje a conhecemos.
Num desses casamentos planejados em mesas de negociação político-‐militar, os
destinos de Pedro, Constança e Inês se cruzaram. Sim, três pessoas: Pedro, Constança e Inês. Pedro e Constança, príncipe e princesa, os noivos e Inês, uma das damas, que acompanhava o séquito da princesa.
A relação amorosa entre Pedro e Inês é, portanto, desde o início, uma
transgressão: fora das regras, contrária à conveniência dos planos bem traçados...como costumam ser os grandes amores, aqueles que se transformam em histórias inesquecíveis (e, muitas vezes, dolorosas). E a transgressão, nesse caso, continua: realizado o casamento entre os príncipes, a relação amorosa de Pedro e Inês prossegue 1 No poema “Ulisses”, in Mensagem, 1934.
por anos, gera filhos e controvérsias -‐ tanto de natureza moral (é um amor adúltero), quanto políticas (estariam os irmãos de Inês tramando contra Portugal? Poderiam os filhos de Inês disputar a coroa, rivalizando com os filhos legítimos?).
Os rumos tomados por essa história de amor assombraram os contemporâneos e
veem instigando criadores, cronistas históricos, pesquisadores, poetas e escritores desde então.
Um amor que, vivido posteriormente somente por Pedro, após o
desaparecimento de Inês, ousou ir além do tempo da vida humana, trazendo, de maneira concreta e brutal, a amada de volta ao cenário e à vida daqueles que assistiram e participaram de seu final trágico.
No desespero de Pedro, apartado de Inês, mas se recusando a aceitar
passivamente a perda, com sede de vingança e apego, estão os elementos que enaltecem o amor humano e nos apontam para a sua particularidade: amar o efêmero – a começar pelo corpo de quem amamos – como se fosse eterno, e desejar viver o amor como se o tempo -‐ fator condicionante da jornada humana -‐ não existisse.
A história desse amor e o modo como o seu sobrevivente, Pedro, lidou com a sua
dor e a sua memória, forneceram o combustível para que centenas de artistas, especialmente escritores, se voltassem para ela e a tomassem como tema de suas obras. Somente até o final do século XVI, Fernão Lopes, Garcia de Resende, António Ferreira e Luís de Camões dedicaram a Inês de Castro páginas inesquecíveis nos mais diversos gêneros. Nos séculos que se seguiram, a aura em torno da história de Inês de Castro só fez crescer: músicos, artistas plásticos, e escritores continuaram a criar inspirados por ela.
O inusitado da história de Inês de Castro ter se consolidado como o maior mito
literário português pode ser dimensionado se pensarmos que Portugal é um país que teve, tradicionalmente, uma profunda ligação com a religiosidade católica, a ponto de legitimar episódios de sua História através de suas relações com o sagrado. A começar pelo que ficou conhecido como Milagre de Ourique: em 1139, aquele que viria a ser o
primeiro rei português, D. Afonso Henriques, na batalha que travava pela tomada de território aos “mouros” teria visto Jesus Cristo, que lhe assegurou a vitória, uma vitória concedida, através dos portugueses, aos “cristãos”.
Pelos séculos vindouros até o recente século XX, os tratos com o sagrado
continuaram a acontecer e constituíram parte do tecido da vida da sociedade portuguesa: visões místicas, sonhos proféticos e conversas com divindades, promessas de construção de igrejas, mosteiros, conventos em função de vitórias e conquistas.
Neste contexto social e cultural, um mito literário fundado a partir de um amor
transgressor, romântico, adúltero, controverso, gerador de filhos ilegítimos, motor de assassinato e posterior vingança, ter-‐se alcançado à grandeza que tem o chamado mito inesiano, faz pensar no verso de Fernando Pessoa com que este texto foi iniciado: “o mito é o nada que é tudo”, e também leva a refletir sobre o nosso anseio, sempre presente, de ultrapassar as barreiras do tempo e da própria vida a cada vez que nos apaixonamos.
Foi assim, como professora de literatura portuguesa, apaixonada pelo mito do
amor de Pedro e Inês, que recebi o honroso convite de Helena Gomes, para falar de amor/ falar desse amor, falar do mito. Pedro e Inês, de Helena Gomes está aqui, como uma contribuição emocionante para a manutenção da chama literária do mito, para nos ajudar a compreender o passado e possibilitar sonhar juntos a partir dessa história de um amor que foi mais forte que as conveniências, contrariou a razão e ultrapassou as fronteiras do tempo e do espaço.
Santos, abril de 2013 Susana Ramos Ventura
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