Infecção por enteroparasitas e sua relação com as condições socioeconômicas e sanitárias em duas comunidades quilombolas no município de Cairu-Bahia

July 3, 2017 | Autor: L. Moraes | Categoria: Instestinal parasites, Community selfmanagement, Quilombola community
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VII-002 – INFECÇÃO POR ENTEROPARASITAS E SUA RELAÇÃO COM AS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E SANITÁRIAS EM DUAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO MUNICÍPIO DE CAIRU-BAHIA

Gabriel Muricy Cunha(1) Biomédico/EBMSP. Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho/UFBA. Luiz Roberto Santos Moraes Engenheiro Civil/UFBA e Sanitarista/USP. MSc em Engenharia Sanitária/Delft University of TechnologyHolanda. PhD em Saúde Ambiental/University of London-UK. Professor Titular em Saneamento e Participante Especial do Departamento de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Artur Gomes Dias Lima Doutor em Biologia Parasitária. Professor Adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Adriana Espinoza Ferreira Damasceno Graduada em Farmácia/Universidade do Estado da Bahia. Daniel Augusto Frediani Graduando em Engenharia Sanitária e Ambiental/Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Endereço(1): Faculdade de Medicina da Bahia - Largo do Terreiro de Jesus, s/n - Centro Histórico, Salvador, Bahia – CEP: 40.026-010- Brasil - Tel: +55 (71) 3283-5573 - e-mail: [email protected]. RESUMO O trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de pesquisa sobre a prevalência da infecção por parasitas intestinais e sua relação com fatores socioeconômicos e sanitários em duas comunidades quilombolas do Município de Cairu-Bahia-Brasil. O inquérito da prevalência da infecção por parasitas intestinais e o levantamento das variáveis socioeconômicas e sanitárias foram realizados por meio de estudo de corte transversal. O levantamento das variáveis independentes foi realizado com o emprego de questionário semiestruturado e pré-codificado. Os exames coproparasitológicos qualitativos foram realizados por meio da técnica de Sedimentação Espontânea. A população estudada foi formada por indivíduos de todas as faixas etárias residentes nas localidades quilombolas de Monte Alegre e Batateira, sendo examinado um total de 165 indivíduos. Os resultados encontrados foram descritos com o emprego do software Statistical Package for Social Sciences. Na localidade de Monte Alegre, 98,2% (109/111) dos indivíduos examinados estavam parasitados por ao menos uma espécie de enteroparasita e 74,8% (83/111) estavam poliparasitados. Na localidade da Batateira, 96,3% (52/54) dos indivíduos examinados albergavam ao menos uma espécie de enteroparasita e 79,6% (43/54) estavam poliparasitados. Este trabalho fornece dados epidemiológicos que poderão subsidiar o planejamento, a formulação e implementação de políticas públicas e a posterior avaliação da efetividade delas. PALAVRAS-CHAVE: Enteroparasitas, condições sanitárias, saneamento básico, comunidades quilombolas.

INTRODUÇÃO O conceito de saneamento possui um “leque” de definições, sendo determinado pelo contexto social, econômico, político e cultural de cada civilização. Apesar do acesso aos serviços públicos de saneamento básico de qualidade ser indispensável à saúde individual e coletiva, no cenário internacional, persistem dois entendimentos antagônicos em relação ao saneamento, por vezes entendido como mercadoria ou como direito social (MORAES; BORJA, 2007; OPAS, 2011).

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No Brasil, após a Constituição Federal de 1988, as medidas de saneamento básico passam a ser entendidas, constitucionalmente, como uma atividade de promoção e prevenção à saúde da população. No entanto, como legado das políticas excludentes do período de vigência do Plano Nacional de Saneamento (Planasa 19711986), e da atual política de parcerias público-privadas (PPP), voltada aos interesses do setor privado, os serviços públicos de saneamento básico são ainda deficientes ou mesmo inexistentes em muitos locais (MORAES et al., 2006; TEIXEIRA, 2011). Norteados pela lógica do mercado, o saneamento básico no Brasil caracteriza-se pela desigualdade no nível de cobertura entre as diferentes macrorregiões, entre áreas urbanas e rurais, e entre as diferentes classes sociais e grupos étnicos (HELLER, 2006; BRASIL, 2010; TEIXEIRA, 2011). Parte de um contexto histórico e atual de injustiça social e racismo ambiental, as doenças infecto-parasitárias relacionadas ao saneamento ambiental inadequado, como, por exemplo, enfermidades diarreicas, dengue, parasitoses intestinais, tracoma, febre tifóide, leptospirose, hepatite infecciosa, e outras, mantêm‐se como um dos maiores problemas de saúde pública do País, concentradas nas periferias dos grandes centros urbanos e nas áreas rurais, principalmente, nas macrorregiões Norte e Nordeste (BRASIL, 2012a). Segundo Bartram e Cairncross (2010), o fardo econômico e social relacionado a esse conjunto de doenças é o maior responsável pela manutenção do ciclo de pobreza. Diretamente associadas às condições ambientais em que vivem as populações, a frequência das infecções por parasitas intestinais é um importante indicador epidemiológico, capaz de sinalizar o impacto da deficiência ou inexistência de medidas de saneamento básico sobre a saúde pública, bem como, a efetividade das intervenções sanitárias (HELLER, 1997). Este trabalho é resultado de projeto de pesquisa coordenado por equipe técnica vinculada à Universidade Federal da Bahia (UFBA) que teve como objetivo estimar a prevalência da infecção por parasitas intestinais e sua relação com fatores sociais, econômicos, culturais, sanitários e ambientais, em comunidades quilombolas localizadas na área rural do Município de Cairu-Bahia-Brasil. A escolha do foco e do contexto da pesquisa justifica‐se devido à gravidade do problema das parasitoses intestinais, às precárias condições de saneamento básico das localidades estudadas, e à carência de ações de vigilância sanitária e ambiental.

METODOLOGIA Área de Estudo O município de Cairu localizado na região do Baixo Sul do Estado da Bahia-Brasil, a aproximadamente 308km de Salvador-Bahia, possui espaço territorial formado por um arquipélago composto por 26 ilhas e área total de 460,980km². As três maiores ilhas, Tinharé, Boipeba e Cairu, são os locais onde está assentada a maior parcela da população, que o censo de 2010 contabilizou em 15.374 habitantes, distribuída em 14 localidades (sede municipal, distritos, vilas e povoados). A economia municipal é caracterizada pela pesca artesanal. Na maioria das localidades que compõe o município de Cairu, as atividades extrativistas representam a única fonte de renda da grande maioria das famílias. É cada vez maior a importância do turismo na economia municipal, sobretudo nas localidades de maior porte. Na última década foi observado crescimento exponencial do Produto Interno Bruto municipal, sob forte influência do Campus de Produção de Gás e pela intensificação do turismo, minimizando o quadro de pobreza e miséria que caracterizou o Município até a década de noventa. Vale ressaltar que, em 2010, 19,32% da população municipal ainda se encontrava em situação de extrema pobreza (BRASIL, 2013). O território do município de Cairu possui uma grande oferta de água doce em aquíferos subterrâneos ou fontes superficiais. Entretanto, em decorrência da alta permeabilidade do solo, da disposição superficial, somada às

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carências em tecnologias de esgotamento sanitário e a disposição dos resíduos sólidos a céu aberto, as fontes de água doce existentes, sobretudo as localizadas em áreas próximas as ocupações humanas, são vulneráveis à contaminação, sendo impróprias ao consumo humano (CAIRU, 2005). As localidades de maior porte dispõem de sistema de abastecimento de água operado pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A (Embasa). Nas localidades menores, os sistemas de abastecimento de água, quando existentes, são geridos pelo Poder Público Municipal (gestão direta) ou por organizações da sociedade civil (auto-gestão) (CUNHA, 2013). Os sistemas de abastecimento de água geridos pelo Poder Público municipal ou sociedade civil são caracterizados pela inexistência de tecnologias direcionadas ao tratamento da água distribuída, intermitência na distribuição, má conservação da rede de distribuição e inexistência de controle sistemático da qualidade microbiológica e físico-química (Programa Vigiágua/Ministério da Saúde) (CUNHA, 2013). No território municipal, à exceção da localidade de Morro de São Paulo (atendida pela Embasa), os esgotos domiciliares são destinados a “fossas negras” ou lançados a céu aberto nos fundos dos quintais e/ou corpos d’água. A gestão dos resíduos sólidos no município de Cairu é resumida à atividade de coleta e destinação final inadequada (lixões a céu aberto). Ressalta-se que a geografia municipal dificulta a gestão dos resíduos sólidos (CUNHA, 2013). Segundo o levantamento censitário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 95,9% dos domicílios estavam cobertos pelo serviço público de coleta de lixo, 90,2% estavam cobertos por rede de abastecimento de água e 45,5% dispunham de esgotamento sanitário adequado (BRASIL, 2013). No âmbito político, o município de Cairu não possui um arcabouço legal destinado a orientar a gestão dos serviços públicos de saneamento básico. Recentemente, esforços tem sido empreendidos na elaboração do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS), sob coordenação da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), e do Plano Municipal de Saneamento Básico. O município de Cairu é parte dos municípios alvo do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2 Saneamento) do Governo Federal, que prevê até 2014, investimentos da ordem de 4 bilhões de reais em ações de saneamento básico em municípios com população até 50 mil habitantes. Desenho Epidemiológico O censo da prevalência de parasitas intestinais e o levantamento de dados sobre variáveis socioeconômicas e sanitárias foram realizados, por meio de estudo de corte transversal. As atividades de campo e laboratoriais (análises parasitológicas de fezes) foram realizadas no período de setembro a dezembro de 2012 (CUNHA, 2013). A população estudada foi formada por indivíduos de todas as faixas etárias residentes nas comunidades quilombolas de Monte Alegre e Batateira. Foi examinado um total de 165 indivíduos, sendo 111 indivíduos da localidade de Monte Alegre e 54 indivíduos da localidade da Batateira. As localidades-alvo do estudo (Batateira e Monte Alegre) foram selecionadas de forma não aleatória, por possuírem diferentes níveis de cobertura dos serviços públicos de saneamento básico, especialmente no que se refere ao abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos, e semelhanças, quanto às variáveis sociais, culturais, econômicas e ambientais, o que, teoricamente, as tornam “comparáveis”. Além do critério epidemiológico, as localidades quilombolas de Batateira e Monte Alegre foram selecionadas por serem consideradas prioritárias dentro dos programas sociais do Governo Federal, onde se destacam os programas “Brasil Sem Miséria”, “Luz para Todos” e “Água para Todos”.

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Levantamento das Variáveis Socioeconômicas e Sanitárias Foram realizadas entrevistas no nível domiciliar, com o emprego de questionário padrão, semi-estruturado e pré-codificado. Foram levantadas informações sobre 38 variáveis demográficas, socioeconômicas e sanitárias. Coleta das Amostras e Análise Parasitológica de Fezes Coletores de fezes contendo formalina a 5%, previamente identificados com o nome de cada indivíduo e código alfanumérico (identificação da localidade, rua, nº da casa e nº de identificação do indivíduo em cada família) referente ao questionário, foram entregues em domicílio, após as orientações a respeito dos procedimentos adequados à coleta da amostra de fezes. No dia seguinte à entrega dos coletores, foi realizada busca ativa das amostras, por meio de visitas domiciliares. As amostras entregues foram enviadas ao Laboratório de Parasitologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em Salvador-Bahia-Brasil e analisadas qualitativamente, por meio do método de Sedimentação Espontânea. Cada amostra foi analisada por três laboratoristas, de forma cega e independente. Análises Estatísticas Para cada localidade estudada foi construído um bancos de dados em Excel (2010), contendo todas as variáveis socioeconômicas e sanitárias levantadas e os resultados laboratoriais encontrados. Os dados digitados foram devidamente conferidos (limpeza do banco). Foi utilizado o software Statistical Package for Social Sciences ‐ SPSS (versão 13.0) para a descrição das variáveis socioeconômicas e sanitárias, e dos resultados laboratoriais encontrados. Aspectos Éticos O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Bahia (CEP/UNEB). Os indivíduos interessados em participar da pesquisa assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Com relação aos aspectos socioeconômicos levantados em cada localidade que compôs a área de estudo, foi verificado que na localidade de Monte Alegre, 66,7% dos chefes de família eram analfabetos, 18,9% possuíam o ensino primário e 11,7% o ensino ginásio. Nenhum chefe de família possuía o ensino médio. Quanto à renda mensal do chefe da família, foi constatado que 45,0% dos chefes de família possuíam renda mensal menor do que um salário mínimo, 51,4% possuíam renda igual ou maior que 1 salário mínimo e apenas 1 chefe de família (0,9%) possuía renda igual ou maior a dois salários mínimos (Tabela 1). Na localidade da Batateira, 35,2% dos chefes de família eram analfabetos, 48,1% possuíam o ensino primário e 16,7% possuíam o ensino ginásio. Também na localidade da Batateira nenhum chefe de família possuía ensino médio. Quanto à renda mensal do chefe da família da localidade da Batateira, foi constatado que 81,5% possuíam renda menor do que um salário mínimo e 18,5% possuíam renda igual ou maior que 1 salário mínimo (Tabela 1).

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Tabela 1. Aspectos Socioeconômicos das Populações Estudadas Variável

Batateira

Monte Alegre*

%

%

(35,2) (48,1) (16,7) (0,0) (0,0)

(66,7) (18,9) (11,7) (0,0) (0,0)

Escolaridade do Chefe da Família Analfabeto Ensino Primário Ensino Ginásio Ensino Médio Ensino Superior Renda Mensal do Chefe da Família < que 1 salário mínimo (81,5) (45,0) Igual ou maior a 1 salário mínimo (18,5) (51,4) Igual ou maior a 2 salários mínimos (0,0) (0,9) * Na localidade de Monte Alegre não foram levantadas informações sobre a escolaridade e renda mensal do chefe da família referentes a 3 indivíduos alcançados no inquérito da prevalência de parasitas intestinais (~ 2,7%). Quanto à tipologia construtiva das residências, constatou‐se que na Vila de Monte Alegre, 78,4% dos indivíduos estudados residiam em casas com parede de taipa e 21,6% em casas com paredes de alvenaria com reboco. Nenhum indivíduo examinado residia em casa com parede de madeira, palha ou plástico (Tabela 2). Com relação ao material predominante no piso das residências, 7,2% dos indivíduos residiam em casas com piso de barro batido, 74,8% em casas com piso de cimento e 18% em casas com piso cerâmico (Tabela 2). Com relação ao material predominante na cobertura das residências, 35,1% dos indivíduos residiam em casas com cobertura de telha cerâmica e 64,9% residiam em casas com cobertura de telha de cimento‐amianto (Eternit) (Tabela 2). Na Vila da Batateira, 57,4% dos indivíduos estudados residiam em casas com paredes de madeira, 33,3% residiam em casas com paredes de taipa e 9,3% residiam em casas com paredes de palha. Nenhum indivíduo residia em casa com parede de alvenaria (Tabela 2). Com relação ao material predominante no piso das residências, 57,4% dos indivíduos residiam em casas com piso de areia, 33,3% em casas com piso de cimento e 9,3% em casas com piso cerâmico (Tabela 2). Com relação ao material predominante na cobertura das residências, constatou‐se que 85,2% dos indivíduos residiam em casas com cobertura de telha cerâmica e 14,8% dos indivíduos residiam em casas com cobertura de cimento‐amianto (Eternit) (Tabela 2). Tabela 2. Tipologia Construtiva das Habitações nas Localidades Estudadas Tipologia

Batateira (N = 54) n

%

Monte Alegre (N = 111) n %

31 18 5

(57,4) (33,3) (9,3)

8 83 20

Piso Barro ou Areia Cimento Cerâmica

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(7,2) (74,8) (18,0)

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Parede Taipa Madeira Palha Bloco c/ Reboco

18 31 5 0

(33,3) (57,4) (9,3) (0,0)

87 0 0 24

(78,4) (0,0) (0,0) (21,6)

0 46 8

(0,0) (85,2) (14,8)

0 39 72

(0,0) (35,1) (64,9)

Cobertura Laje de Concreto Telha Cerâmica Telha de Eternit

Com relação aos aspectos sanitários, foi verificado que na localidade de Monte Alegre, 82,0% dos indivíduos estudados possuíam acesso a água encanada em domicílio, 25,2% dispunham de pia no interior do domicílio, 30,6% residiam em moradias equipadas com caixa d’água e 48,6% residiam em domicílios equipados com vaso sanitário. Na população examinada, 79,3% dos indivíduos eram atendidos pelo serviço público de coleta de lixo em domicílio, porém com periodicidade semanal (Tabela 3). Vale ressaltar que a solução de abastecimento de água existente na localidade de Monte Alegre, administrada pela associação de moradores, é caracterizada pela inexistência de tratamento da água distribuída, intermitência no abastecimento e má conservação da rede de distribuição e reservatório d’água (caixa d’água). Devido à insegurança em relação à qualidade da água distribuída, todos os indivíduos estudados bebiam água coletada em fontes superficiais alternativas. Vale também ressaltar que na localidade de Monte Alegre, quase a totalidade das famílias que dispunham de vaso sanitário em domicílio destinavam os excretas humanos a fossas construídas sem nenhuma orientação técnica (fossas negras), que acabam poluindo a água subterrânea e o solo. Na localidade da Batateira, todos os indivíduos estudados residiam em casas sem acesso a água encanada, pia no ambiente interno, caixa d’água e vaso sanitário. Entre os indivíduos estudados, 77,8% eram atendidos pelo serviço público de coleta de lixo em domicílio, porém de forma esporádica (Tabela 3). Com relação à água utilizada para beber, verificou-se que também na localidade da Batateira, todos os indivíduos estudados utilizavam água proveniente de fontes naturais superficiais, realizando a coleta com a utilização de baldes. Tabela 3. Condições Sanitárias Variáveis Estudadas

Água Encanada Pia no Domicílio Caixa D’água Vaso Sanitário em Domicílio Coleta de Lixo em Domicílio

Batateira (N = 54) n 0 0 0 0 44

% (0,0) (0,0) (0,0) (0,0) (81,5)

Monte de Alegre (N = 111) n % 91 (82,0) 28 (25,2) 34 (30,6) 54 (48,6) 88 (79,3)

Na localidade de Monte Alegre, foram examinados 94,9% da população cadastrada (111/117 indivíduos). Entre os 111 indivíduos examinados, 98,2% (109/111) estavam parasitados por ao menos uma espécie enteroparasita, comensal ou não, 70,3% (78/111) estavam parasitados por geohelmintos, 92,8% (103/111) estavam parasitados por protozoários e 74,8% (83/111) estavam poliparasitados (infectados por ao menos três espécies de parasitas intestinais) (Tabela 4).

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Ao analisar a prevalência para cada espécie enteroparasita pesquisada, foi constatado que 29,7% (33/111) dos indivíduos examinados estavam parasitados por Ascaris lumbricoides, 18,9% (21/111) por Trichuris trichiura, 55,9% (62/111) por ancilostomídeos, 64,0% (71/111) por Entamoeba histolytica, 51,4% (57/111) por Entamoeba coli, 21,6% (24/111) por Giardia lamblia e 88,3% (98/111) por Endolimax nana (Tabela 5). Na localidade da Batateira, foram examinadas 91,5% da população cadastrada (54/59 indivíduos). Entre os 54 indivíduos examinados, 96,3% (52/54) albergavam ao menos uma espécie enteroparasita comensal ou não, 81,5% (44/54) estavam parasitados por geohelmintos, 94,4% (51/54) por protozoários e 79,6% (43/54) estavam poliparasitados (Tabela 4). Ao analisar a prevalência para cada espécie enteroparasita pesquisada, foi constatado que 46,3% (25/54) dos indivíduos examinados estavam parasitados por Ascaris lumbricoides, 68,5% (37/54) por Trichuris trichiura, 35,2% (19/54) por ancilostomídeos, 66,7% (36/54) por Entamoeba histolytica, 46,3% (25/54) por Entamoeba coli, 22,2% (12/54) por Giardia lamblia e 87,0% (47/54) por Endolimax nana. Nas duas localidades estudadas, não foram encontrados indivíduos parasitados por Schistosoma mansoni, Strongyloides stercoralis, Enterobius vermicularis e Taenia sp. (Tabela 5).

Variáveis

Tabela 4. Resultados Laboratoriais (Valores Globais) Batateira Monte Alegre

Parasitados Prevalência de Helmintos Prevalência de Protozoários Poliparasitados

N = 54 n 52 44 51 43

% (96,3) (81,5) (94,4) (79,6)

N = 111 n 109 78 103 83

% (98,2) (70,3) (92,8) (74,8)

Tabela 5. Resultados Laboratoriais (Prevalências das Espécies Diagnosticadas) Batateira Monte Alegre N = 54 N = 111 n % n % Ascaris lumbricoides 25 (46,3) 33 (29,7) Trichuris trichiura 37 (68,5) 21 (18,9) Ancilostomídeos 19 (35,2) 62 (55,9) Entamoeba histolytica 36 (66,7) 71 (64,0) Entamoeba coli 25 (46,3) 57 (51,4) Giardia lamblia 12 (22,2) 24 (21,6) Endolimax nana 47 (87,0) 98 (88,3) Variáveis

As informações econômicas levantadas mostrou uma generalização da baixa renda nas comunidades quilombolas estudadas, situação comum às diferentes populações tradicionais no Brasil. Dados publicados pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República mostram que, em 2011, pelo menos 58 mil famílias quilombolas situavam-se abaixo da linha da extrema pobreza (BRASIL, 2012b). A condição de baixa renda aliada a um histórico de exclusão no acesso às políticas sociais é um fator determinante da precariedade da tipologia construtiva das habitações e da inexistência ou inadequação da infraestrutura sanitária domiciliar, diagnosticada nas duas localidades quilombolas estudadas. As populações estudadas foram também caracterizadas pela baixa escolaridade, com taxas de analfabetismo extremamente elevadas, sobretudo na localidade de Monte Alegre. No que se refere ao inquérito da prevalência de parasitas intestinais, foram alcançados percentuais representativos das diferentes populações-alvo da pesquisa. Os resultados laboratoriais encontrados nas localidades estudadas comprovam que a soma dos fatores socioculturais e demográficos (baixa escolaridade, ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental

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utilização de fontes superficiais, defecação a céu aberto e aglomeração de indivíduos nas residenciais), econômicos (baixa renda, com reflexos na infraestrutura sanitária e tipologia construtiva do domicílio) e sanitários (carência ou inexistência de serviços públicos de saneamento básico) é favorável à transmissão de parasitas intestinais. As prevalências encontradas nas comunidades quilombolas estudadas são extremamente altas, quando comparadas às prevalências encontradas em estudos similares realizados em áreas urbanas pauperizadas e/ou em áreas rurais. As prevalências de indivíduos parasitados por geohelmintos nas localidades de Batateira e Monte Alegre foram mais elevadas que os percentuais médios estimados em municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil (BRASIL, 2012a). Nas duas localidades estudadas, Endolimax nana foi a espécie de enteroparasita mais frequentemente encontrada. Ressalta‐se que, apesar da baixa importância clínica, as altas prevalências de Endolimax nana encontradas nas diferentes localidades estudadas devem ser entendidas como um importante indicador epidemiológico da insalubridade ambiental, uma vez que sinaliza a existência de fatores favoráveis à transmissão de parasitas intestinais com via de transmissão fecal‐oral, sujeito a uma menor influência de “vícios” relacionados ao uso de vermífugos. A baixa discrepância dos valores globais encontrados nas localidades de Monte Alegre e Batateira corrobora a limitação do suprimento de água de baixa qualidade e do atendimento parcial da comunidade por vaso sanitário no controle das parasitoses intestinais (MORAES et al., 2004; HELLER, 2006). Vale ressaltar que além do atendimento parcial da comunidade de Monte Alegre por vaso sanitário, muitas vezes este equipamento sanitário é subutilizado, devido às práticas culturais enraizadas. Os resultados encontrados reforçam que a política nacional de investimento público em saneamento básico em municípios de pequeno porte, com especial atenção às comunidades tradicionais, como estabelecido na Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), é um instrumento fundamental a minorar os impactos sociais e ambientais resultantes dos ideais neoliberais que permeiam o Estado capitalista. Considerando a existência de brechas na legislação brasileira que possibilitam a privatização de serviços públicos de saneamento básico, e a política de expansão das empresas multinacionais de água e esgoto em países periféricos, a militância política dos grupos sociais, da academia e de técnicos que trabalham na prestação dos serviços públicos de saneamento básico deve ser uma constante.

CONCLUSÃO O acesso aos serviços públicos de saneamento básico de qualidade é condição sine qua non ao alcance de um ambiente domiciliar habitável e do ambiente publico saudável. É determinante à dignidade humana, e indispensável ao alcance da cidadania plena. Desse modo, espera‐se que os resultados encontrados possibilitem uma maior visibilidade à situação de injustiça socioambiental diagnosticada, determinada pela ausência do Estado na provisão de políticas sociais básicas. Em paralelo, é esperado também que os índices sofríveis do nível de cobertura pelos serviços públicos de saneamento básico e os impactos diagnosticados na saúde pública sejam utilizados pela sociedade civil como um instrumento de luta por políticas que priorizem investimentos e a gestão pública desses serviços com o controle social. As prevalências encontradas denotam a urgência no planejamento e implementação de intervenções médico‐curativas aliadas a programas de educação em saúde e melhorias na infraestrutura sanitária, no ambiente público e no ambiente domiciliar, nas diferentes localidades estudadas.

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Os resultados do trabalho devem ser utilizados como subsídio ao planejamento, implementação e avaliação de políticas sociais necessárias à garantia da proteção e promoção à saúde, bem‐estar e qualidade de vida nas localidades estudadas. Torna-se necessário o desenvolvimento de novas pesquisas para aprofundar a compreensão dos fatores de risco associados às parasitoses intestinais em populações tradicionais assentadas no território municipal, possibilitando uma maior eficácia das medidas de controle.

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Prefeitura Municipal de Cairu‐Bahia pelo apoio técnico e financeiro, necessários ao desenvolvimento da pesquisa que gerou os dados para esse trabalho.

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ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental

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