Influência das metodologias de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais à música em não músicos

July 27, 2017 | Autor: Juliano Lamur | Categoria: Music Psychology, Música, Emoção Musical, Cognição Musical
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JULIANO ANDRÉ LAMUR - GRR 20123301

Influência das metodologias de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais à música em não músicos

Relatório apresentado à Coordenadoria de Iniciação Científica e Integração Acadêmica da Universidade Federal do Paraná por ocasião da conclusão das atividades de Iniciação Científica – Edital (2013/2014).

Título do Plano de Trabalho: Influência das metodologias de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais à música em não músicos - Experimentos I e II (Banpesq THALES: 9996999712). Orientador: Prof. Dr. Danilo Ramos GRUME – Grupo de Pesquisa “Música & Emoção” - UFPR

Curitiba, Julho de 2014

Resumo A ciência musical abrange, entre tantas áreas possíveis, o estudo das recompensas emocionais que a música oferece a seus ouvintes. A investigação de respostas emocionais à música depende diretamente das reações e respostas destes ouvintes, fazendo com que existam muitos métodos possíveis para verificar quais emoções um evento musical é capaz de comunicar. Este projeto de pesquisa procurou investigar a influência dos métodos de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais de ouvintes brasileiros. Dois experimentos foram realizados: um concernente à respostas emocionais de ouvintes em relação a emoções musicais percebidas durante a escuta musical e outro concernente à respostas emocionais de ouvintes em relação a emoções musicais sentidas durante a escuta musical. O Experimento I se refere às emoções percebidas durante a escuta musical. 16 voluntários universitários, não músicos, desempenharam tarefas de escuta de 12 trechos musicais do repertório erudito europeu empregados em estudos prévios e forneceram respostas emocionais por meio de dois métodos de mensuração, respectivamente: (a) descrições livres, por meio do preenchimento de um formulário, em que os participantes escreveram, após a apresentação de cada trecho musical, adjetivos que descrevessem emoções percebidas sem o fornecimento prévio de léxicos emocionais; (b) preenchimento de escalas de diferenciais semânticos (alcance 0-10) após a escuta de cada trecho musical, referentes às emoções Alegria, Raiva, Tranquilidade e Tristeza. O Experimento II seguiu o mesmo procedimento, contemplando também 16 participantes voluntários de mesmo perfil, porém se refere a respostas emocionais sentidas durante a escuta musical. A análise de dados das descrições livres foi feita em quatro etapas: (a) comparação dos adjetivos fornecidos pelos participantes com os adjetivos da Geneva Emotional Music Scale (GEMS); (b) análise feita por 5 juízes para adequação na GEMS dos termos não contemplados pelos ouvintes durante a tarefa de escuta musical; (c) levantamento da percentagem de termos encontrados nas respostas emocionais dos ouvintes segundo os fatores ou grupos de adjetivos da GEMS; e (d) teste Friedmann para verificar diferenças entre as respostas emocionais dos participantes, à partir de percentagens de respostas encontradas para cada fator da GEMS, por trecho musical. A análise de dados provenientes das escalas de diferencial semântico foi feita com o emprego do teste ANOVA para cada trecho musical, comparando respostas emocionais dentro da emoção-alvo com as respostas emocionais relativas a outras emoções. Em seguida foi utilizado o post-hoc Newmann-Keuls para análise pareada entre respostas, considerando diferenças significativas valores de p menores ou iguais a 0,05. Os resultados entre as diferentes metodologias de mensuração das emoções musicais empregadas no presente estudo indicaram que respostas emocionais obtidas por escalas de diferencial semântico apresentam maior convergência entre as modalidades percebidas e sentidas do que as respostas obtidas por meio de descrições livres. No entanto, o curso das respostas emocionais coletadas por descrições livres indica uma ligeira eficácia para coleta de respostas emocionais sentidas em relação a respostas emocionais percebidas, o que possibilita inferir-se que o método de coleta de dados por meio de descrições livres admite uma gama de possibilidades emocionais mais ampla ao ouvinte, mesmo tendo sido encontradas diferenças de vocabulário e contexto cultural no presente estudo em relação à realidade europeia na qual a GEMS foi desenvolvida. Palavras-chave: métodos de mensuração; respostas emocionais à música; contexto brasileiro.

Introdução A complexidade do envolvimento humano em atividades musicais tem sido tema de diversas investigações científicas. Muitas áreas de conhecimento buscam compreender assuntos semelhantes, vistos por prismas distintos. É o caso da Cognição Musical, que é a ciência que se propõe a investigar o estudo da mente musical humana e suas particularidades (Ilari, 2006). Entre estas particularidades encontra-se o estudo das emoções musicais.

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Mensurar as emoções musicais tem sido um trabalho bastante árduo por parte dos pesquisadores em Cognição Musical. Esta dificuldade pode ser atribuída por conta da existência de variáveis distintas relacionadas às tarefas de escuta musical que parecem influenciar diretamente nos resultados das pesquisas. Tais variáveis podem estar relacionadas a aspectos culturais e metodológicos (Juslin & Sloboda, 2001). Este estudo se propõe a investigar a interferência dos métodos de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais de ouvintes brasileiros. Muitas são as metodologias empregadas em estudos da área e os resultados destes estudos geram consistência na comparação dos dados para algumas emoções e inconsistência para outras. Até o presente momento, é possível que não haja na literatura pertinente um estudo direcionado para a investigação de respostas emocionais aos mesmos trechos musicais envolvendo diferentes metodologias de mensuração. Assim, a presente pesquisa procura investigar o curso das respostas emocionais por meio de diferentes metodologias de mensuração, no intuito de verificar se há interferência do método no curso destas respostas emocionais. Este estudo pode contribuir de maneira significativa para a área de Cognição Musical, na medida em que procura realizar uma avaliação do mesmo objeto (mesma amostra de trechos musicais) por diferentes tipos de medida. Essa avaliação pode gerar dados que possibilitem uma síntese psicométrica que proporcionará um direcionamento acerca dos métodos de pesquisa para a realização de estudos futuros sobre respostas emocionais à música.

Revisão da literatura Há muitas maneiras diferentes de definir emoção. No entanto, há um consenso estabelecido pela literatura científica de que as emoções podem se referir a reações breves ou intensas dos indivíduos, que variam de acordo com o ambiente relacionado. Por esta abordagem, o conceito de emoção consiste em um número de componentes: avaliação cognitiva, sentimento subjetivo, arousal psicológico, expressão emocional, tendência de ação e regulação da emoção (Juslin & Laukka, 2004). Sabe-se não haver atualmente, na literatura, um único paradigma teórico dominante em pesquisas sobre as emoções musicais. Por isso, a comunidade científica costuma considerar as emoções musicais em diferentes focos e conceitos em seus estudos. No entanto, para que uma pesquisa seja realizada de maneira confiável, é necessário que os pesquisadores definam com clareza quais componentes serão investigados. A definição dos componentes emocionais pertinentes à pesquisa depende única e exclusivamente dos objetivos do trabalho a ser realizado (Juslin & Laukka, 2004). Dessa maneira, na presente pesquisa, a emoção pode ser definida como avaliação cognitiva, em que os participantes realizarão tarefas de escuta musical e fornecerão, logo em seguida, respostas emocionais por meio de associação da escuta musical com a emoção percebida ou sentida durante a escuta.

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No decorrer da história, diversos tipos de medidas vem sendo utilizados para verificar as emoções contempladas durante a experiência da escuta musical. Ramos e Bueno (2012) apontam três principais tipos de medida de mensuração podem ser considerados a partir desta perspectiva: o primeiro deles compreende as medidas comportamentais, que consistem na análise das manifestações de comportamento demonstradas pelo ouvinte quando no momento da escuta, por meio da exteriorização de padrões (por exemplo: o indivíduo sorri, boceja e fecha os olhos durante a escuta musical). O segundo tipo de medida de mensuração das respostas emocionais à música consiste nas medidas psicofisiológicas, referentes à análise de alterações fisiológicas dos ouvintes durante ou após uma escuta musical. Estas medidas podem ser verificadas por meio de alterações nos batimentos cardíacos, resposta galvânica da pele ou por aparelhos como os de eletroencefalograma. Por fim, o terceiro tipo de medida de mensuração das emoções musicais diz respeito às medidas cognitivas. Elas são obtidas a partir da análise sistemática de relatos verbais fornecidos pelos participantes durante ou após a escuta de um evento musical. Tais medidas podem envolver diferentes formas de mensuração, como: (a) o teste de escolha forçada, em que o participante escolhe uma única emoção dentre um grupo de emoções selecionadas; (b) a lista de adjetivos, em que um grande número de adjetivos são apresentados ao participante e cabe a ele selecionar aquele ou aqueles adjetivos que estiverem relacionados à música que ele ouviu); (c) as taxas verbais, em que um trecho musical é apresentado e o participante deve, após a escuta, preencher escalas de diferenciais semântico (que geralmente têm alcance de 0 a 10) relacionadas a uma ou mais emoções específicas; finalmente, (d) as descrições livres, em que o participante apenas ouve o trecho musical e responde de forma oral (entrevista) ou escrita (aplicação de questionário) sem o fornecimento de nenhum léxico emocional prévio. Para a finalidade deste estudo, serão consideradas medidas cognitivas como ponto de referência por meio de respostas oriundas de relatos verbais. Este trabalho é parte de um projeto de pesquisa mais amplo intitulado “Influência das metodologias de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais à música em músicos e não músicos”, desenvolvido por pesquisadores do Grupo de Pesquisa Música e Emoção da Universidade Federal do Paraná, o GRUME. Neste sentido, serão utilizadas escalas de diferencial semântico e descrições livres para a mensuração das emoções desencadeadas pela música. Outros trabalhos estão sendo desenvolvidos pelos pesquisadores do GRUME envolvendo os outros tipos de medida supracitados. As escalas de diferencial semântico geralmente contêm de 3 a 10 casas, às quais o participante atribui uma nota correspondente ao grau verificado de uma emoção específica durante ou após a escuta. Em uma escala deste tipo, o número 0 poderia significar, por exemplo, “ausência de Alegria”, enquanto o número 10 poderia significar “presença exacerbada de Alegria”. A principal dificuldade encontrada neste tipo de medida é a de estabelecer uma mensuração eficaz dos parâmetros emocionais ligados à música: normalmente, as escalas bipolares (com a emoção Alegria em uma ponta e Tristeza na outra ponta, por exemplo) têm sido consideradas

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como inadequadas para estudos deste gênero, devido ao fato de que nem sempre uma propriedade significa o oposto de outra (Dalla Bella, Peretz, Roussain & Gosselin, 2001; Juslin & Sloboda, 2001). Estes autores têm sugerido o uso de escalas unipolares para o estudo das emoções musicais. Neste tipo de escala, apenas uma emoção é considerada (Alegria, por exemplo) e o indivíduo responde, geralmente com atribuições de 0 a 10, a quantidade de Alegria que o evento musical sugere. Com relação às descrições livres, trata-se de um procedimento no qual os participantes descrevem as emoções verificadas no momento da escuta musical por meio do uso de adjetivos do seu próprio vocabulário, que é construído conforme o ambiente em que o indivíduo vive. Este procedimento faz necessário o uso posterior de uma categorização de respostas, uma vez que a tarefa de análise de dados ficaria demasiadamente heterogênea, uma vez que o significado de cada adjetivo surge a partir das vivências particulares de cada indivíduo. Além das metodologias empregadas para a mensuração das emoções desencadeadas pela música, alguns modelos científicos têm contribuído para a explicação dos processos psicológicos envolvidos relacionado às emoções sentidas e percebidas pelo ser humano nas mais variadas tarefas, inclusive aquelas relacionadas a escuta musical. É o caso do Modelo Circumplexo de Russel (1980), que considera duas dimensões que parecem ser determinantes para a classificação das emoções: o arousal (ou atividade), que pode ser alto ou baixo e é definido como o estado de excitação fisiológica (o bater os pés, sentir um arrepio ou acompanhar um ritmo com a cabeça, por exemplo) e a valência afetiva, que pode ser positiva ou negativa e é definida como o grau de prazer (valor hedônico) envolvido na atividade a ser mensurada. A Figura 1 ilustra o Modelo Circumplexo de Russel:

Figura 1. O Modelo Circumplexo de Russel (1980).

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É importante ressaltar que ao utilizar o Modelo Circumplexo de Russel (1980), o pesquisador considera a busca pela concordância entre respostas de ouvintes como sendo uma alternativa metodológica para as pesquisas sobre respostas emocionais à música. Isto implica na necessidade de definição de uma emoção alvo, ou seja, uma emoção representada em um dos quadrantes do modelo acima que esteja diretamente mais relacionada aos trechos musicais estudados do que outras emoções. Neste sentido, o modelo é utilizado por um número grande de pesquisadores da área de Cognição Musical, principalmente por envolver uma coleta de dados relativamente simples, que exige pouco esforço do pesquisador na obtenção deste tipo de dado (Juslin & Laukka, 2004). Entretanto, o Modelo Circumplexo de Russel (1980) não foi criado exclusivamente para a mensuração de respostas emocionais à música, tendo sido aplicado anteriormente em diversas áreas, como em situações esportivas, em situações envolvendo estados emocionais em equipes de trabalho, em situações de ensino, entre outras (Ramos, 2008). Zentner, Grandjean e Scherer (2008) desenvolveram um estudo cujo objetivo foi traçar um panorama acerca das emoções que estão relacionadas especificamente ao contexto de escuta musical do repertório erudito ocidental europeu, que envolve uma lista de fatores emocionais relacionados a adjetivos de conteúdo semântico parecido. Esta lista procura descrever emoções musicais sentidas ou percebidas. Os autores acima citados desenvolveram uma escala denominada GEMS, Genève Emotional Music Scale, obtida como resultado de 4 estudos interrelacionados. Os estudos 1 e 2 procuraram, a partir de entrevistas com indivíduos europeus, uma lista de termos relevantes para descrever emoções sentidas e percebidas em situações especificamente relacionadas à escuta musical. No estudo 3, os autores procuraram dividir em grupos (clusters) as emoções induzidas pela música e estabelecer relações entre estes grupos, resultando em uma lista de adjetivos com 9 fatores primários de emoções musicais. Finalmente, o estudo 4 foi responsável por replicar a lista de adjetivos criada e verificar sua melhor aplicabilidade quando comparada a modelos dimensionais para a mensuração das emoções musicais, como o de Russel (1980). A Tabela 1 ilustra a lista de adjetivos encontrada na Genève Emotional Music Scale (Scherer, Grandjean & Zentner, 2008):

Tabela 1: Lista de adjetivos encontrada na GEMS - Genève Emotional Music Scale (Scherer, Grandjean & Zentner, 2008). Tradução Nossa.

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No intuito de discutir com modelos e metodologias vigentes que são empregadas para a mensuração das emoções desencadeadas pela música, o objetivo desta pesquisa é investigar a influência dos métodos de mensuração das emoções musicais sobre respostas emocionais de ouvintes brasileiros. Este trabalho se propõe a verificar se dados obtidos por respostas emocionais fornecidas com o uso de escalas de diferencial semântico, delineadas a partir do Modelo Circumplexo de Russel (1980) são congruentes com dados obtidos a partir de descrições livres sobre os mesmo trechos musicais, que serão analisados a partir dos grupos de adjetivos da GEMS. Outros pesquisadores do Grupo de Pesquisa “Música & Emoção” da Universidade Federal do Paraná vêm desenvolvendo estudos paralelos com o emprego da GEMS (Zentner, Grandjean, & Scherer, 2008) e de testes de escolha forçada. O intuito dos pesquisadores do GRUME é comparar respostas emocionais de ouvintes obtidas por meio de experimentos que empregarão as mais variadas metodologias para a mensuração das emoções sobre os mesmos trechos musicais, buscando encontrar metodologias mais precisas para a explicação dos processos psicológicos envolvidos em tarefas de escuta musical, referentes a emoções percebidas e sentidas.

Experimento I (Emoções Percebidas) Participantes: 16 indivíduos de ambos os sexos, com idades entre 15 e 56 anos (média=26,5) e sem estudo formal de algum instrumento musical. Equipamentos: Os dados foram coletados em sala silenciosa, com paredes brancas e lisas. Para as respostas emocionais que fornecidas por meio das escalas de diferencial semântico foi utilizado um notebook Acteon Digital (504Mb de RAM, Windows XP) e fones de ouvido Philips SHP1900 para escuta e apresentação dos trechos musicais, além dos programas e-Prime para o registro das respostas dos participantes e o software Statistica (versão 8.0) para a análise de dados. Para as respostas emocionais fornecidas por meio das descrições livres foi utilizado um formulário específico. Além disso, todos os participantes responderam a um questionário complementar para obtenção de dados pessoais, dados relacionados aos hábitos de escuta e dados sobre impressões a respeito do experimento. Caracterização dos trechos musicais: o material musical consiste em 12 trechos musicais de obras do repertório erudito ocidental, utilizados no estudo de Ramos (2008). As emoções investigadas foram codificadas como ALE, RAI, TRA e TRI, indicando respectivamente Alegria, Raiva, Tranquilidade e Tristeza. Estas categorias foram escolhidas a partir da utilização do Modelo Circumplexo de Russel (1980) em estudos prévios (Ramos, 2008; 2010; 2012). Estas emoções são desencadeadas mais rapidamente durante uma escuta musical (Juslin & Laukka,

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2004) e por isso foram denominadas “emoções musicais de base”, tratadas como emoções-alvo durante o experimento. Os trechos musicais selecionados foram verificados pela literatura como sendo capazes de comunicar as emoções-alvo que os identificam (ou seja, os trechos categorizados como ALE comunicam Alegria ao ouvinte, e isto também foi comprovado para os outros trechos e emoções listados). A Tabela 2 a seguir indica o título das obras musicais e as pistas acústicas empregadas nestes trechos para comunicação emocional, segundo Bigand et al (2005)1: Tabela 2: título e pistas acústicas empregadas nas obras utilizadas no presente estudo. Serão apresentados os primeiros 30 segundos de cada uma das obras. Trecho

Título

Pistas acústicas empregadas

ALE 01

Symphony Bdur, Hob I 105, Andante (J. Haydn)

ALE 02

Hungarian Rapsody n. 02 (F. Liszt)

ALE 03

RAI 01

RAI 02

RAI 03

Motivo temático apresentado em terças no violino e no fagote, tocado em ritmo moderado, em torno das notas dos acordes maiores de tônica e dominante. Trecho orquestral cuja principal característica em destaque são as frases em accelerando e o aumento gradativo de dinâmica (do piano ao fortíssimo). No início as cordas expõem um motivo rápido, com grande variabilidade de articulação (tendendo ao staccato) e dinâmica forte, com pequenas intervenções do triângulo e dos pratos ao final de cada frase; próximo ao fim, os sopros e a percussão desenham uma frase de grande volume sonoro que consiste em um arpeggio ascendente seguido de descida em graus conjuntos, em caráter semelhante a uma grande fanfarra.

That certain feeling (G. Gershwin)

Trecho para piano, executado no estilo stride piano, com uma série de movimentos melódicos rápidos e condução harmônica feita pelos baixos na mão esquerda. Tonalidade maior, andamento rápido com caráter rítmico acentuado e articulação preponderantemente em staccato.

Tod und Verklärung, 7'-7'30 (R. Strauss)

Poderosa linha orquestral, apresentando harmonia dissonante sobre um longo pedal. Movimentos cromáticos não resolvidos a partir dos extremos dos registros, progredindo em movimentos contrários que resultam em um batimento rítmico sem padrão métrico no bumbo e nos metais.

Trio 2 for violin, cello, and piano, moderato (D. Shostakovitch)

Série de intervalos arrancados das cordas, dissonantes e com sonoridade áspera, pontuada sobre um ritmo agitado e irregular de acordes tensos no piano. Segue-se a isso uma subida cromática dissonante no violino e violoncelo ao longo de uma suspensão harmônica no registro agudo do piano.

Totentanz (F. Liszt)

Marcha agressiva; ataque de acordes diminutos dissonantes no registro grave do piano, sobre os quais é apresentado o tema do Dies Irae sem padrão métrico definido, reforçado pelo bumbo.

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Os trechos ALE 02 e 03, TRA 03, TRI 02 e 03 não se encontravam em Bigand et al (2005) ou sua descrição precisou ser modificada; assim, estes trechos tiveram as pistas acústicas descritas pelo autor do presente trabalho.

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TRA 01

TRA 02

TRA 03

TRI 01

TRI 02

TRI 03

Violin Concerto, Adagio (J. Brahms)

Exposição temática do oboé de uma linha lenta e puramente melódica, construída sobre o acorde maior de tônica, destacando-se sobre uma sustentação orquestral timbristicamente rica. Expansões harmônicas dos acordes maiores perfeitos se espalham pela orquestra. O dobramento das linhas serve para reforçar a plenitude sonora do conjunto.

Sonata (A) for Harpsichord, K208 (D. Scarlatti)

Tema ascendente compreendendo um contorno melódico com métrica bastante simples, tocado em andamento lento com o timbre suave e íntimo do cravo, sobre harmonias fortemente antecipadas de acordes maiores que ressoam plenamente no instrumento.

Violin Romance (L. V. Beethoven)

A melodia em andamento lento e com articulação em legato é executada por um violino em seu registro médio-agudo, sobre uma base harmônica estável sustentada pelo naipe das cordas. A acentuação é feita sobre notas harmonicamente estáveis e percebe-se o ataque prolongado tanto das notas que compõem a melodia quanto das que compõem a harmonia.

Trio 2 for piano, violin, and cello, Largo (D. Shostakovitch)

Melodia longa para violino tocada em andamento lento sobre notas graves do piano, às quais o cello responde com falsas imitações que são temporariamente defasadas, criando fortes dissonâncias expressivas. O caráter melancólico destas dissonâncias é reforçado pela percepção do vazio produzido pela distância intervalar entre as duas partes. Neste exemplo, foi utilizado um violino MIDI.

Gnossiène nº2 (E. Satie)

Trecho para piano em tonalidade menor, com sonoridade abafada, andamento lento e uso excessivo de legato. Os fins de frase possuem pequenos ritardandos e apoggiaturas que conferem um caráter desacelerado e tornam a métrica flutuante.

Erwartung (A. Schönberg)

Versão para piano e voz da obra orquestral de Schoenberg. Uso constante de dissonâncias com resoluções que conferem um caráter suspenso à harmonia. A voz é entrecortada por intervenções rítmicas do piano. Andamento lento e uso dominante da articulação em legato.

Procedimento: dois testes foram realizados, respectivamente: o primeiro envolveu descrições livres, em que os participantes preencheram um formulário para coleta de respostas emocionais para emoções percebidas. Este formulário contém um cabeçalho com o nome da Universidade e do Grupo de pesquisa, título do formulário e espaço para preenchimento do número do participante e consiste em cinco lacunas vazias para cada trecho musical (numerados de 1 a 12). Dentro de cada lacuna o participante poderia escrever um adjetivo ou substantivo correspondente a uma emoção percebida durante a escuta (por exemplo: agitação, expectativa, melancólico, saudoso). O preenchimento das cinco lacunas não era obrigatório, e caso o participante não percebesse nada sobre aquele trecho poderia deixar a linha em branco. O método das descrições livres foi apresentado sempre em um primeiro momento, uma vez que a visualização anterior de quaisquer escalas poderia fornecer léxicos emocionais para os

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participantes. Isto poderia contaminar o método da descrição livre, que implica justamente em coletar respostas emocionais de um participante com base em seu próprio vocabulário, construído a partir do ambiente em que ele vive. Em um segundo momento foi realizado o teste das respostas emocionais com o uso das escalas de diferencial semântico. Foram dadas aos participantes as seguintes instruções: “Você continuará a dar uma valiosa contribuição para um estudo na área de Cognição Musical. No entanto, agora a sua tarefa consiste em, por meio deste computador, escutar um trecho musical e, logo em seguida, dizer o quanto de emoção você percebeu durante a sua escuta musical. Você fará isso por meio do uso de escalas emocionais, cujos valores variam de 0 a 10, em que 0 significa ausência da emoção a ser avaliada e 10 significa grande presença emoção avaliada. Quatro categorias emocionais foram previamente determinadas: Alegria, Raiva, Tranquilidade e Tristeza. Os participantes procederam da mesma forma para todos os outros trechos musicais, ou seja, um trecho musical foi apresentado e as quatro escalas referentes a este trecho foram preenchidas. Só depois a audição do próximo trecho musical foi permitida. Foi ressaltado aos participantes o fato de este experimento buscar respostas sobre emoções percebidas e não sentidas. Muitas vezes, ao escutar uma música, pode-se perceber uma emoção sem necessariamente senti-la. Por exemplo: uma música pode ser percebida como sendo triste, mas o ouvinte não ficará necessariamente triste ao ouví-la. Eventuais dúvidas sobre o procedimento eram retiradas e os participantes iniciavam o experimento. A ordem dos trechos musicais e do aparecimento das escalas de diferencial semântico foi feita em ordem aleatória entre os participantes. O experimento completo, envolvendo as duas metodologias de mensuração, teve duração média de 30 minutos. Análise de dados: a análise dos dados provenientes das escalas de diferencial semântico foi feita com o emprego do teste ANOVA para cada trecho musical, comparando respostas emocionais dentro da emoção-alvo (por exemplo, respostas emocionais para a emoção Alegria em um trecho musical que buscava comunicar Alegria) com as respostas emocionais relativas a outras emoções (por exemplo, respostas emocionais para as emoções Tristeza, Tranquilidade e Raiva em um trecho musical que buscava comunicar Alegria). Em seguida foi utilizado o Post-hoc Newmann-Keuls para análise pareada entre respostas. Foram consideradas diferenças significativas valores de p menores ou iguais a 0,05. As respostas emocionais oriundas das descrições livres foram analisadas da seguinte maneira: em um primeiro momento, os léxicos fornecidos pelos participantes idênticos aos léxicos fornecidos pela GEMS foram agrupados de acordo com a lista de adjetivos contidos na GEMS (Zentner, Grandjean, & Scherer, 2008). Todas as palavras fornecidas pelos participantes que não estavam contidas na GEMS foram analisadas por um júri composto por cinco juízes (pesquisadores da área de Cognição Musical familiarizados com a GEMS) e acrescentadas a um único fator da GEMS (por exemplo: o adjetivo Saudoso foi adequado ao grupo 4, contendo os adjetivos Sentimental – Sonhador – Nostálgico – Melancólico), a partir dos votos dos juízes

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selecionados. Dessa maneira foi gerada a porcentagem dos fatores de respostas fornecidas para cada trecho musical. O teste Friedmann foi utilizado para verificar diferenças entre as porcentagens de respostas dentro de cada fator, por trecho musical.

Experimento II (Emoções Sentidas) Participantes: 16 indivíduos de ambos os sexos, com idades entre 17 e 54 anos (média=30,2) e sem estudo formal de algum instrumento musical. Equipamentos e Material Musical: foram empregados os mesmos equipamentos e material musical descritos no Experimento I. Procedimento: como no Experimento I, dois testes foram realizados, respectivamente: o primeiro envolveu descrições livres, em que os participantes preencheram um formulário para coleta de respostas emocionais para emoções sentidas. Este formulário contém todas as características do formulário descrito no Experimento I, diferenciando-se daquele apenas na natureza das respostas emocionais buscadas (sentidas em vez de percebidas). No teste das respostas emocionais com o uso das escalas de diferencial semântico, foram dadas aos participantes as seguintes instruções: “Você continuará a dar uma valiosa contribuição para um estudo na área de Cognição Musical. No entanto, agora a sua tarefa consiste em, por meio deste computador, escutar um trecho musical e, logo em seguida, dizer o quanto de emoção você sentiu durante a sua escuta musical. Você fará isso por meio do uso de escalas emocionais, cujos valores variam de 0 a 10, em que 0 significa ‘ausência da emoção a ser avaliada’ e 10 significa ‘grande presença emoção avaliada’”. Foram utilizadas as mesmas emoções-alvo do Experimento I: Alegria, Raiva, Tranquilidade e Tristeza. Foi ressaltado aos participantes o fato de este experimento buscar respostas sobre emoções sentidas e não percebidas. Muitas vezes, ao escutar uma música, percebe-se uma emoção sem necessariamente senti-la. Por exemplo: uma música pode ser percebida como sendo triste, mas o ouvinte não ficará necessariamente triste ao ouví-la; em outros casos, o ouvinte pode realmente ficar triste. Assim, o objetivo deste experimento era obter respostas pertencentes a esta segunda categoria de emoções. Eventuais dúvidas sobre o procedimento eram retiradas e os participantes iniciavam o experimento. A ordem dos trechos musicais e do aparecimento das escalas de diferencial semântico foi feita em ordem aleatória entre os participantes. O experimento completo, envolvendo as duas metodologias de mensuração, teve duração média de 30 minutos. Análise de dados: foi feita uma análise de dados semelhante àquela feita no Experimento I.

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Resultados A Tabela 3 abaixo ilustra as respostas emocionais predominantemente percebidas e sentidas dos participantes obtidas por meio das escalas de diferencial semântico sobre os trechos musicais empregados: Tabela 3: Emoções predominantemente sentidas e percebidas em relação aos trechos musicais empregados por meio das escalas de diferencial semântico. Os asteriscos indicam diferenças estatísticas significativas para a emoção-alvo em relação a todas as outras emoções investigadas.

ALE 01 ALE 02 ALE 03 RAI 01 RAI 02 RAI 03 TRA 01 TRA 02 TRA 03 TRI 01 TRI 02 TRI 03

Diferencial semântico Respostas emocionais percebidas Respostas emocionais sentidas Alegria * Alegria * Alegria * Alegria * Alegria * Alegria * Não diferenciação entre Raiva e Tristeza Não diferenciação entre Raiva e Tristeza Não diferenciação entre as quatro emoções Não diferenciação entre as quatro emoções Raiva * Raiva * Não diferenciação entre Tranquilidade e Tristeza Tranquilidade * Não diferenciação entre Alegria, Tranquilidade e Tristeza Não diferenciação entre as quatro emoções Não diferenciação entre Tranquilidade e Tristeza Tranquilidade * Não diferenciação entre Tranquilidade e Tristeza Não diferenciação entre Tranquilidade e Tristeza Não diferenciação entre Tranquilidade e Tristeza Não diferenciação entre Tranquilidade e Tristeza Tristeza * Tristeza *

A Tabela 4 ilustra as respostas emocionais predominantemente percebidas e sentidas dos participantes obtidas por meio de descrições livres sobre os trechos musicais empregados: Tabela 4: Respostas emocionais predominantemente sentidas e percebidas em relação aos trechos musicais empregados por meio de descrições livres. As emoções foram codificadas de acordo com os fatores emocionais descritos na GEMS, com acréscimo do Fator 00 (ou seja, não correspondente a nenhum dos nove fatores anteriores). Os asteriscos indicam diferenças estatísticas significativas entre o fator predominante e os outros fatores.

ALE 01 ALE 02 ALE 03 RAI 01 RAI 02 RAI 03 TRA 01 TRA 02 TRA 03 TRI 01 TRI 02 TRI 03

Descrições Livres Respostas emocionais percebidas Respostas emocionais sentidas Fator 07 * Fator 07 * Não diferenciação entre fatores 07 e 08 Não diferenciação entre fatores 07 e 08 Fator 07 * Fator 07 * Não diferenciação entre fatores 00 e 08 Fator 08 * Fator 00 * Não diferenciação entre fatores 00 e 08 Não diferenciação entre fatores 00 e 08 Não diferenciação entre fatores 00 e 08 Fator 00 * Fator 05 * Não diferenciação entre fatores 00 e 05 Fator 05 * Fator 00 * Fator 05 * Não diferenciação entre fatores 00 e 09 Não diferenciação entre fatores 00, 05 e 09 Fator 04 * Não diferenciação entre fatores 00, 05 e 09 Fator 00 * Não diferenciação entre fatores 00, 04, 05, 08 e 09

Discussão

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O presente estudo teve por objetivo verificar a influência das metodologias de mensuração de emoções musicais sobre respostas emocionais de não-músicos. Isto foi feito através de dois experimentos, um sobre respostas emocionais percebidas e outro sobre respostas emocionais sentidas. Em cada experimento foram utilizadas duas metodologias de mensuração de emoções musicais: escala de diferencial semântico e descrição livre. Considerando as respostas emocionas obtidas pelas escalas de diferencial semântico para os trechos cuja emoção alvo foi Alegria (ALE 01, 02 e 03), houve acurácia na comunicação emocional2 destes trechos musicais com os ouvintes, tanto para emoções percebidas quanto para sentidas. Os mesmos trechos analisados por meio de descrições livres foram coerentes com o Fator 07 de adjetivos da GEMS, que compreende os adjetivos estimulado, alegre, animado, dançante e divertido. Isto indica que, para ambas as modalidades de respostas emocionais (percebidas e sentidas) não houve interferência metodológica nos resultados, ou seja, as respostas emocionais coletadas por meio de descrições livres e por meio de escalas de diferencial semântico foram semelhantes. A exceção para este enunciado é o trecho musical ALE 02, cujas respostas emocionais coletadas por meio de descrição livre foram confundidas em ambas as modalidades de resposta (emoções percebidas e emoções sentidas) entre o Fator 07 e o Fator 08, cujos adjetivos são agitado, nervoso, tenso, impaciente e irritado. Com relação às respostas emocionais obtidas pelas escalas de diferencial semântico para os trechos cuja emoção alvo foi Raiva (RAI 01, 02 e 03), os resultados foram os mesmos para as duas modalidades de respostas emocionais (percebidas e sentidas): no trecho musical RAI 01, os participantes não identificaram diferenças entre as emoções Raiva e Tristeza. Para o trecho RAI 02, não houve diferenciação entre as quatro emoções, ou seja, este trecho musical não obteve respostas emocionais convergentes a uma única emoção. O trecho RAI 03 comunicou a emoção Raiva com acurácia. Os mesmos trechos analisados por meio de descrições livres obtiveram as seguintes respostas: na modalidade de respostas emocionais percebidas, os trechos RAI 01 e RAI 03 foram confundidos entre o Fator 08 (com os adjetivos agitado, nervoso, tenso, impaciente e irritado) e o Fator 00, que foi acrescentado durante o estudo para indicar adjetivos que não coubessem em nenhum dos grupos de adjetivos anteriores. O trecho RAI 02 foi identificado como pertencente ao Fator 00, o que significa que comunicou aos ouvintes uma gama de respostas emocionais percebidas não contida na GEMS. As respostas emocionais sentidas obtidas através de descrições livres indicaram que o trecho RAI 01 comunicou as emoções contidas no Fator 08 com acurácia, mas os trechos RAI 02 e 03 foram confundidos entre o Fator 08 e o Fator 00. Para os trechos musicais cuja emoção alvo foi Tranquilidade (TRA 01, 02 e 03), as respostas obtidas pelas escalas de diferencial semântico indicam que na modalidade de respostas 2

O termo acurácia emocional é um termo que foi definido por Juslin e Persson (2002) como sendo uma situação em que o código acústico empregado pelo intérprete em sua performance musical é entendido pelo ouvinte e, portanto, a emoção intencionada pelo primeiro é compreendida pelo segundo. No presente estudo, utilizaremos o termo acurácia emocional para situações em que foram encontradas diferenças estatísticas significativas a respostas emocionais sobre um trecho musical, em que a emoção-alvo obteve valores mais altos na escala de diferencial semântico em relação a respostas emocionais a todas as outras emoções investigadas.

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percebidas, os trechos TRA 01 e 03 comunicaram emoções que foram confundidas entre Tranquilidade e Tristeza, enquanto o trecho TRA 02 foi confundido entre Alegria, Tranquilidade e Tristeza. Já para as respostas emocionais sentidas nesta mesma escala, os trechos TRA 01 e TRA 03 comunicaram Tranquilidade com acurácia, enquanto o trecho TRA 02 não obteve respostas emocionais convergentes. As respostas obtidas por meio de descrições livres indicaram que na modalidade de respostas emocionais percebidas os trechos TRA 01 e TRA 03 foram identificados como pertencentes ao Fator 00, ou seja, descritos por adjetivos não contidos GEMS. O trecho musical TRA 02 não foi diferenciado entre Fator 00 e Fator 05, que contém os adjetivos calmo, relaxado, sereno, tranquilo e meditativo. Já nas respostas emocionais sentidas, o método da descrição livre provou-se eficaz na comunicação do Fator 05 com acurácia para todos os três trechos musicais. Com relação às respostas emocionais obtidas pelas escalas de diferencial semântico para os trechos cuja emoção alvo foi Tristeza (TRI 01, 02 e 03), os dados obtidos para respostas emocionais percebidas e sentidas são convergentes: durante a escuta dos trechos musicais TRI 01 e TRI 02 os ouvintes não distinguiram entre as emoções Tranquilidade e Tristeza. O trecho TRI 03, por sua vez, comunicou a emoção Tristeza com acurácia. Os dados obtidos por meio de descrições livres indicaram que na modalidade de respostas emocionais percebidas, o trecho TRI 01 não foi diferenciado entre o Fator 00 (composto por adjetivos não contidos GEMS) e o Fator 09 (contendo os adjetivos triste e doloroso); o trecho TRI 02 comunicou emoções pertinentes aos adjetivos do Fator 04 (sentimental, sonhador, nostálgico e melancólico); e o trecho TRI 03 foi identificado como também pertencente ao Fator 00. As respostas emocionais sentidas obtidas através de descrições livres apontam que para os trechos musicais TRI 01 e 02 não houve diferenciação entre os Fatores 00, 05 (calmo, relaxado, sereno, tranquilo e meditativo) e 09 (triste e doloroso). Já o trecho TRI 03 ficou dividido entre os Fatores 00 (adjetivos não contidos na GEMS), 04 (sentimental, sonhador, nostálgico e melancólico), 05 (calmo, relaxado, sereno, tranquilo e meditativo), 08 (agitado, nervoso, tenso, impaciente e irritado) e 09 (triste e doloroso). De modo geral pôde-se observar que as respostas obtidas através das escalas de diferencial semântico apresentaram menos divergências entre as modalidades de respostas emocionais percebidas e sentidas, pois apenas respostas emocionais a três trechos foram diferentes entre as duas categorias de respostas (sentidas / percebidas). Uma vez que as três respostas diferentes dizem respeito à emoção alvo Tranquilidade, estas divergências podem estar relacionadas à escolha dos trechos musicais ou à própria emoção alvo. Neste sentido, os dados obtidos por meio de descrições livres apresentam menos convergência entre respostas emocionais percebidas e sentidas: das 12 respostas finais obtidas por meio deste método, oito obtiveram resultados diferentes entre emoções percebidas e sentidas. Imagina-se que isto possa dizer respeito à própria natureza da metodologia empregada, uma vez que a descrição livre permite uma variedade de nuances de respostas muito mais abrangente do que as escalas de diferencial semântico.

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Com relação à acurácia na comunicação emocional, observa-se que os resultados relacionados à emoção alvo Alegria foram distinguidos com clareza pelos ouvintes. Pode-se dizer que em ambas as modalidades de respostas emocionais (percebidas e sentidas) não houve interferência do método de coleta de dados nos resultados, pois estes foram convergentes tanto nas escalas de diferencial semântico quanto nas descrições livres. A própria natureza do método de coleta de respostas através de descrições livres e a adequação destas respostas à GEMS possibilita que as respostas aos trechos musicais cuja emoção alvo é a Alegria não estejam restritas apenas ao adjetivo alegre, mas admitam outras ramificações emocionais adjacentes. É o caso do trecho musical ALE 02, confundido pelos ouvintes entre adjetivos contidos nos Fatores 07 e 08 da GEMS, que fazem parte de um mesmo grupo de emoções musicais ligado à vitalidade (Zentner, Grandjean, & Scherer, 2008). Embora o Fator 08 esteja ligado também à tensão (sendo possivelmente o mais adequado para indicar respostas emocionais à Raiva, por exemplo), o trecho ALE 02 possui pistas acústicas compatíveis com ambas as emoções (Alegria e Raiva maiores detalhes na Tabela 2 do presente estudo), o que de certa forma justifica a confusão entre os fatores na avaliação de emoções comunicadas por este trecho. A comunicação da emoção Raiva apresentou dificuldades acerca de respostas emocionais acuradas por parte dos ouvintes segundo as respostas obtidas em ambos os métodos (escalas de diferencial semântico e descrições livres), em ambas as modalidades de escuta (respostas emocionais percebidas e sentidas). A exceção para este enunciado é o trecho musical RAI 03, que comunicou a emoção alvo com acurácia segundo as respostas percebidas e sentidas da escala de diferencial semântico. Este trecho possui instrumentação orquestral com alto volume sonoro, ataques abruptos e sugere instabilidade harmônica e ritmo vigoroso, reafirmando a ideia de que estas pistas acústicas são elementos importantes para a acurácia na comunicação emocional da Raiva (Juslin & Sloboda, 2001). Sabe-se que dentre todas as emoções vivenciadas no quotidiano, algumas raramente são contempladas em respostas emocionais à música. É o caso da emoção Raiva e de diversas outras emoções negativas como a Vergonha, a Inveja e o Medo (Zentner, Grandjean, & Scherer, 2008). Estes dados estão de acordo com a hipótese de Juslin e Laukka (2004) de que as emoções comunicadas e induzidas pela música estão relacionadas principalmente aos motivos pelos quais as pessoas ouvem música, como: se sentir bem, obter prazer pessoal ou regular suas emoções, entre outros. A Figura 2 ilustra um diagrama que contém sobreposições hipotéticas de diversos subconjuntos de emoções contidos na gama completa das emoções humanas e que devem ser levadas em consideração acerca da realização de estudos futuros sobre respostas emocionais à música:

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Figura 2: Relações hipotéticas entre (a) emoções geralmente induzidas no cotidiano (representadas no círculo maior, à esquerda), (b) emoções geralmente expressas pela música (representadas no círculo ao centro) e (c) emoções geralmente induzidas pela música (contidas no círculo à direita), todas contidas em um retângulo que representa a gama completa das emoções humanas (Juslin & Laukka, 2004).

Neste sentido, independente de ser considerada uma emoção alvo, a Raiva estaria contida no grupo de emoções que a música é capaz de comunicar mas não necessariamente de induzir, possivelmente devido aos objetivos da escuta musical. Curiosamente, o trecho RAI 01 obteve acurácia segundo respostas emocionais sentidas coletadas por método de descrições livres. Para respostas emocionais relacionadas à Tranquilidade, ambos os métodos verificados (diferencial semântico e descrições livres) apresentaram resultados convergentes na modalidade de respostas sentidas, embora o método de descrições livres tenha trazido respostas emocionais mais homogêneas. No curso das respostas emocionais percebidas, os trechos musicais escolhidos para a emoção-alvo Tranquilidade foram confundidos com trechos que comunicam Tristeza (na escala de diferencial semântico) ou corresponderam ao Fator 00, ou seja, não estão contidos nos adjetivos da GEMS. Novamente isto pode ter relação com os objetivos da escuta musical (Juslin & Laukka, 2004), pois pode-se imaginar que induzir um estado de tranquilidade sentida seja um objetivo razoável para que se ouça música, embora esta mesma Tranquilidade possa não ser tão facilmente percebida enquanto característica musical. Cabe aqui a observação de que embora as categorias emocionais de base desenvolvidas a partir do Modelo Circumplexo de Russel (1980) contenham a emoção Tranquilidade ou Serenidade (correspondendo ao quadrante de baixo arousal e valência positiva), o modelo de pistas acústicas sugerido por Juslin e Sloboda (2001) contém o adjetivo Amoroso. De acordo com uma avaliação cognitiva que leve em conta apenas os eixos de arousal e valência, a diferença entre estes adjetivos pode ser considerada pequena; entretanto, ao se considerar os fatores da GEMS, os adjetivos Amoroso e Tranquilo se encontram em grupos de adjetivos diferentes (Fatores 03 e 05, respectivamente).

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Isto indica uma possibilidade de maior abrangência de nuances nas respostas emocionais, o que de certa forma justifica a maior eficiência do método de descrições livres para esta emoção alvo. A respeito da emoção alvo Tristeza, os resultados para respostas emocionais percebidas e sentidas foram convergentes ao se considerar somente o método de coleta de dados através de escalas de diferencial semântico. Mesmo assim, os dados obtidos no estudo confirmam que os trechos TRI 01 e TRI 02 foram confundidos com trechos que comunicam Tranquilidade. Isto pode acontecer devido à utilização de pistas acústicas semelhantes na comunicação destas duas emoções. O baixo arousal ou baixa atividade de ambas as emoções também pode ter confundido os participantes, uma vez que se analisadas de acordo com o Modelo Circumplexo de Russel (1980), Tranquilidade e Tristeza ocuparão o mesmo lado do referencial cartesiano - no caso a metade inferior. As respostas percebidas e sentidas para a emoção Tristeza obtidas por meio de descrições livres foram totalmente divergentes entre si, o que sugere que este método pode não ser o mais adequado para coleta de respostas emocionais desta natureza. Uma das possibilidades da inadequação deste método neste caso pode estar relacionada às diferenças de vocabulário e contextos culturais, emocionais e hábitos de escuta entre os locais em que a GEMS foi desenvolvida e este estudo foi realizado. As respostas descritas pelos participantes orbitaram em torno dos Fatores 04 (sentimental, sonhador, nostálgico e melancólico), 05 (calmo, relaxado, sereno, tranquilo e meditativo), 08 (agitado, nervoso, tenso, impaciente, irritado), 09 (triste e doloroso) e 00 (adjetivos não contidos nesta escala).

Conclusões Este estudo aponta a possibilidade de interferência do método de mensuração na avaliação emocional dos ouvintes. Estudos previamente realizados por pesquisadores do GRUME indicaram não haver diferenciação entre as categorias de respostas avaliadas (emoções percebidas ou sentidas), em estudos envolvendo o contexto musical brasileiro. No entanto, isto pôde ser verificado principalmente em respostas obtidas através de escalas de diferencial semântico. Respostas obtidas por meio de descrições livres foram, em sua maioria, diferentes ao tratar de emoções sentidas e percebidas e este método mostrou-se mais eficaz para fornecer respostas emocionais sentidas. No entanto, a divergência nas respostas emocionais percebidas obtidas por descrições livres não indica necessariamente que este método seja inadequado de modo geral. A grande recorrência do Fator 00 nas respostas obtidas através de descrições livres indica uma dificuldade de adequação das respostas emocionais em contexto brasileiro aos adjetivos contidos na GEMS, em especial para respostas cujos cursos estejam relacionados à percepção e sensação das emoções Raiva e Tristeza e para a percepção da emoção Tranquilidade. Por se tratar de uma escala desenvolvida especificamente para avaliação de respostas emocionais à música (Zentner, Grandjean, & Scherer, 2008), a GEMS abrange possibilidades de respostas a emoções musicais mais complexas do que aquelas analisadas

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segundo o Modelo Circumplexo de Russel (1980), que leva em conta apenas as variáveis de arousal e valência emocionais. Isto significa que o desenvolvimento de uma escala semelhante à GEMS, porém com adjetivos mais adequados ao português brasileiro poderia fornecer respostas emocionais percebidas e sentidas mais precisas para estudos futuros.

Referências Bigand, E., Vieillard, S., Madurell, F., Marozeau, J. & Dacquet, A. (2005). Multidimensional scaling of emotional responses to music: the effect of musical expertise and of the duration of the excerpts. Cognition and Emotion, 19(8), 1113-1139. Dalla Bella, S., Peretz, I., Rousseau, L. & Gosselin, N. (2001). A developmental study of the affective value of tempo and mode in music. Cognition, 80, B1-B10. Ilari, B. (2006). Em busca da mente musical. Curitiba: Editora UFPR. Juslin, P. N., & Sloboda, J. A. (2001). Music and emotion: Theory and research. Oxford University Press. Juslin, P. N. & Persson, (2002). R. S. Emotional communication. In: R. Parncutt & G. E. McPherson (Eds.). The science and psychology of music performance: strategies for teaching and learning. New York: Oxford University Press, p. 219-236. Juslin, P. & Laukka, P. (2004). Expression, perception and induction of musical emotions: a review and a questionnaire study of everyday listening. Journal of New Music Research, 33(3), 217-238. Ramos, D. & Bueno, J. L. O. (2012). A percepção de emoções em trechos de música ocidental erudita. Per Musi, 26, 21-30. Ramos, D., & Santos, R. (2010). A comunicação emocional na performance pianística. Música em perspectiva, 3 (2), 34-49. Ramos, D. (2008). Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção temporal de músicos e não músicos? (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Russel, J. A. (1980). A circumplex model of affect. Journal of Personality and Social Psychology, 39, 1161-1178. Zentner, M., Grandjean, D., & Scherer, K. (2008) Emotions Evoked by the Sound of Music: Characterization, Classification, and Measurement. American Psychological Association. Emotion, 8(4), 494–521.

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Relatório de atividades complementares 1. Relatar e justificar mudanças no cronograma inicial do projeto. R: não houveram mudanças no projeto de pesquisa, apenas ajustes relacionados a coleta de dados, que foram decididos em comum acordo entre orientador, orientando, cuja acessoria se fez em reuniões do GRUME. 2. Relatar as publicações efetuadas no período e/ou durante a vigência da bolsa, tais como resumos em anais de congressos, em periódico indexado e/ou com corpo editorial. Anexar xerox comprobatório das atividades. R: nenhuma publicação foi feita ainda. Entretanto, um artigo está sendo preparado juntamente com dois alunos de mestrado orientados por mim dentro do GRUME: Thiago Tatsch e Doris Beraldo, que já apresentaram um estudo preliminar envolvendo respostas emocionais à música no X Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais (SIMCAM), realizado em Campinas, SP,

cuja

publicação

se

encontra

na

página

do

GRUME,

acessando

o

link:

https://grumeufpr.files.wordpress.com/2011/11/ramos_beraldo_tatsch_2014_influc3aanciamc3a9to domensurac3a7c3a3orespostasemnocionaismc3basicacontextobrasileiro.pdf.

A

ideia

é,

juntamente com este trabalho, publicarmos um artigo internacional em conjunto (Ramos, Beraldo, Tatsch & Lamur) no periódico Music Perception, de grande fator de impacto, periódico este indexado como A1 pelo Qualis CAPES. 3. Relatar a participação em outras atividades desenvolvidas fora do projeto, tais como: seminários, pesquisa, viagens de estudos, palestras, etc. R: o aluno participou ativamente de todos os seminários do GRUME - Grupo de Pesquisa “Música e Emoção” da UFPR, entre Agosto de 2013 e Julho de 2014, tendo sido importante membro, contribuindo em leitura de artigos, discussões, análises e apresentação de trabalhos no grupo (este, inclusive). Sempre que solicitado, o aluno cumpriu as tarefas com maestria, enviando os trabalhos para mim com muita antecedência, o que facilitou e muito a minha orientação.

Apreciação do orientador 1. Relatório científico e desempenho do bolsista no projeto. R: O relatório científico foi redigido de maneira correta e cuidadosa, com maturidade acadêmica acima da média. Com relação à execução do projeto, todas as etapas foram seguidas dentro do cronograma e em nenhum momento o orientador precisou lembrar o aluno sobre os prazos estabelecidos pela PRPPG. O aluno apresenta alto nível intelectual, altíssima inteligência interpessoal, demonstrando qualidades absolutamente claras em relação à facilidade que tem no trabalho em grupo e no respeito às hierarquias acadêmicas. Com os colegas de grupo, sempre se

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mostrou solícito e participativo. Tê-lo como orientando foi um privilégio. Considero o aluno apto a prestar qualquer processo seletivo para o mestrado na área Educação / Cognição Musical em qualquer programa de pós-graduação em música do país e no exterior. 2. Desempenho acadêmico do bolsista, acompanhado do histórico escolar. R: desempenho acadêmico acima da média (Nota atribuída pelo orientador: 100). 3. No caso do bolsista estar terminando o curso de graduação, informar suas pretensões futuras: (

) APERFEIÇOAMENTO ( x ) MESTRADO

(

) CENTRO DE PESQUISA ( x ) MERCADO DE TRABALHO

(

) OUTROS (ESPECIFICAR)

Data e assinaturas

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