Influência do padre Theodor Amstad: líder de opinião junto a teuto-católicos por meio da revista Sankt Paulusblatt (1912 - 1934)

May 23, 2017 | Autor: Cândida Schaedler | Categoria: História Da Imprensa, Folkcomunicação, Imigração Alemã
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Isabel Cristina Arendt Marcos Antônio Witt Rodrigo Luis dos Santos (Orgs.)

Migrações: Religiões e Espiritualidades E-BOOK

2016

© Editora Oikos Ltda. – 2016 Rua Paraná, 240 – B. Scharlau 93120-020 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / 3568.7965 [email protected] www.oikoseditora.com.br Revisão: Dos autores de cada artigo Imagem da capa: Fotografia de Aldo Toniazzo e propriedade de Anna Paula Bonneberg dos Santos Arte-final: Jair de Oliveira Carlos Conselho Editorial (Editora Oikos): Antonio Sidekum (Ed.N.H.) Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL) Danilo Streck (Unisinos) Elcio Cecchetti (SED/SC e GPEAD/FURB) Eunice S. Nodari (UFSC) Haroldo Reimer (UEG) Ivoni R. Reimer (PUC Goiás) João Biehl (Princeton University) Luís H. Dreher (UFJF) Luiz Inácio Gaiger (Unisinos) Marluza M. Harres (Unisinos) Martin N. Dreher (IHSL) Oneide Bobsin (Faculdades EST) Raúl Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha) Rosileny A. dos Santos Schwantes (Uninove) Vitor Izecksohn (UFRJ)

M636

Migrações: religiões e espiritualidades / Organizadores: Isabel Cristina Arendt, Marcos Antônio Witt e Rodrigo Luis dos Santos. – São Leopoldo: Oikos, 2016. 1193 p.; il.; 21 x 29,7cm. E-Book 1 recurso online (e-book) ISBN 978-85-7843-661-2 1. Migração – Religião. 2. Espiritualidade. 3. Cultura. 4. Patrimônio cultural. 5. Política. 6. Economia – Sociedade. I. Arendt, Isabel Cristina. II. Witt, Marcos Antônio. III. Santos, Rodrigo Luis dos. CDU 2: 325

Catalogação na publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184

Migrações: Religiões e Espiritualidades

INFLUÊNCIA DO PADRE THEODOR AMSTAD: LÍDER DE OPINIÃO JUNTO A TEUTO-CATÓLICOS POR MEIO DA REVISTA SANKT PAULUSBLATT (1912-1934)1 Cândida Schaedler Mestranda em Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Jornalista formada pela mesma instituição de ensino. Pesquisa os seguintes temas: História da imprensa, Imprensa em língua alemã no Brasil, Jornalismo local, Folkcomunicação.

Resumo: O artigo mostra a influência do padre Theodor Amstad, junto aos teuto-católicos associados à Sociedade União Popular – entidade confessional fundada, em 1912, para desenvolver as colônias alemãs sul-brasileiras. Por meio de sua atuação na redação da Sankt Paulusblatt, revista criada como elo entre a União Popular e seus associados, compreende-se como ele exerceu o papel de líder de opinião, nessas comunidades, e a importância que as publicações e informações da revista tiveram no cumprimento desse papel. O trabalho foi embasado na teoria da folkcomunicação e desenvolvido por meio de pesquisa de caráter bibliográfico e documental, com descrição analítica. Palavras-chave: Folkcomunicação; História da imprensa; Imigração alemã; Imprensa em língua alemã; Líder de opinião.

Introdução O padre suíço Theodor Amstad, que emigrou ao Brasil, em 1885, para cumprir missão jesuítica, exerceu grande influência junto aos teuto-católicos da região sul do Brasil, especialmente no período de 1912 a 1934, enfocado no presente trabalho. Por meio de sua atuação na Sociedade União Popular e de suas funções de editor e redator na revista 2 Sankt Paulusblatt 3, criada para servir de elo entre a entidade e seus 1

O presente artigo é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da autora, apresentado, em dezembro de 2015, à Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. O trabalho foi orientado pela professora Dra. Beatriz Dornelles, com os professores Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt e Dr. Juremir Machado da Silva na banca de avaliação. No presente texto, focou-se num pequeno aspecto de todo o trabalho, que contou a história da revista Sankt Paulusblatt, ao longo de seus mais de 100 anos de existência. 2 A nomenclatura revista gera controvérsias. Pesquisadores como Gertz (2004) e Rambo (2003), denominam a Sankt Paulusblatt de jornal mensal e periódico, respectivamente. Arendt (2007), por sua

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associados, pode-se notar sua influência e enquadrá-lo como líder de opinião folk, de acordo com a teoria da folkcomunicação – que enfoca os processos em que a comunicação e o folclore se entrelaçam, sendo propícias em ambientes em que a mídia de massa não representa adequadamente um público marginalizado. O líder de opinião folk é um agente que possui penetração em determinado estrato populacional. Portanto, o presente artigo possui dois objetivos: verificar quais elementos enquadram a revista Sankt Paulusblatt como um veículo folkcomunicacional e mostrar como Amstad exercia o papel de líder de opinião folk, no período de 1912 a 1934, quando esteve à frente da redação e em cargos administrativos na SUP 4. Assim, utilizase pesquisa bibliográfica e documental, com técnica de descrição analítica. O presente texto é construído da seguinte forma: primeiro, apresenta-se os preceitos básicos da teoria da folkcomunicação, conceituando, ainda, a figura do líder de opinião folk; em um segundo momento, escreve-se sobre a vinda do padre suíço Theodor Amstad ao Brasil e sobre o surgimento da Sociedade União Popular, que ele ajudou a fundar, bem como, consequentemente, a Sankt Paulusblatt. Posteriormente, passa-se à descrição analítica da revista e de seu conteúdo, inserindo Amstad como líder de opinião folk, por meio de suas funções junto à Sankt Paulusblatt e à SUP, durante o período mencionado anteriormente. Ao final, demonstra-se como o pároco influenciava os colonos e imigrantes alemães, utilizando a revista Sankt Paulusblatt, como meio de consolidar a entidade e de unir os teuto-católicos em torno de um anseio em comum, enquadrando-a como um instrumento folkcomunicacional.

vez, prefere o termo revista, embora, por vezes, também empregue periódico. Acredita-se que, no início, ela possa ter se assemelhado graficamente mais a um jornal e mesmo se aproximado da função explicitada em seu nome, o de uma “folha”, cuja distribuição era irregular, sem grandes pretensões comerciais. No entanto, com o passar dos anos, sobretudo a partir de 1930, toma contornos que a fazem se encaixar, nitidamente, no conceito de uma revista, em função de seu formato e de sua periodicidade – embora o presente artigo não se atenha a essa discussão. Pela função de revista ter sido assumida por um período extenso, emprega-se o termo durante todo o trabalho, por questão de padronização. Além do mais, em 2016, a Sankt Paulusblatt ainda circula e, abaixo do título, aparece a definição “revista em língua alemã”. 3 Em tradução literal, Folha de São Paulo. 4 No presente artigo, em alguns trechos, abreviaremos Sociedade União Popular como SUP, e Sankt Paulusblatt como SPB.

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1. Folkcomunicação e líder de opinião folk

A folkcomunicação, única teoria da comunicação criada no Brasil, refere-se aos processos de intercâmbio de mensagens em que a comunicação e o folclore se entrelaçam. Segundo Luiz Beltrão (2014), criador da teoria, em sua tese de doutorado, apresentada em 1967, isso costuma ocorrer quando um grupo marginalizado não se vê refletido na mídia existente, buscando espaços próprios para se expressar. Portanto, folkcomunicação refere-se ao intercâmbio de mensagens ligadas ao folclore e às manifestações expressivas de um povo que não está representado em veículos tradicionais. Assim, “entre as suas manifestações, algumas possuem caráter e conteúdo jornalístico, constituindo-se em veículos adequados à promoção da mudança social” (BELTRÃO, 2014, p. 65). Esse tipo de comunicação acontece quando, para cada parcela da comunidade se faz preciso usar uma linguagem especial, adotar um meio adequado, empregar uma técnica distinta, sem o que o diálogo é difícil, senão impossível. Os grupos organizados não entrarão em comunhão com as diversas outras camadas da sociedade, ficando assim privados de plena obtenção dos seus fins, do cumprimento satisfatório da sua missão e, por conseguinte, com os seus interesses definidos ameaçados (BELTRÃO, 2014, p. 51).

Beltrão (2014) classifica como veículos folkcomunicacionais o folheto, a literatura de cordel, o almanaque, os cantadores, os caixeiros-viajantes, o ex-voto etc. Cada um se comunica de modo específico com determinado público, deixando todos a par de situações atuais que se aplicam à realidade dos receptores – consequentemente, também do emissor que, por si só, está inserido no meio para o qual comunica. Melo (2008) salienta que, com o tempo, houve ampliação no campo de estudos de folkcomunicação, uma vez que o próprio autor da teoria a atualizou, ainda em vida. Beltrão (1980) afirmou que a folkcomunicação não tinha apenas como objetivo informar ou orientar, mas também educar. É um processo artesanal e horizontal, mas elaborado por agentes que conhecem a audiência, utilizando os canais e a linguagem própria para atingir determinado estrato populacional (BELTRÃO, 1980). Atualmente, as pesquisas de folkcomunicação observam todo o tipo de interação entre cultura de elite e cultura popular. Não se limitaram a investigar a recodificação da cultura massiva, mas também o processo inverso – ou seja, a incorporação de características populares pela indústria cultural de massa (MELO, 2008).

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No presente artigo, como o contexto estudado se refere às três primeiras décadas do século XX, utiliza-se o conceito clássico de Beltrão, uma vez que, embora a folkcomunicação tenha sido atualizada, acredita-se que o processo aqui estudado seja, em muitos pontos, similar ao descrito, inicialmente, pelo autor da teoria. Para dar prosseguimento à análise, também é importante compreender outros aspectos, como o líder de opinião folk. No processo da comunicação, há atores sociais mais engajados e ativos, que exercem maior influência sobre determinadas pessoas, pertencentes a uma classe social ou população marginalizada. Lazarsfeld e outros (1944), citados por Wolf (2013) 5, pesquisaram o impacto de uma campanha presidencial, em uma comunidade no Estado de Ohio, nos Estados Unidos, e descobriram a existência desses mediadores, que conseguiam influenciar eleitores norte-americanos indecisos. Descobriu-se, então, o fluxo de comunicação em dois níveis – dos meios aos líderes e, destes, às pessoas que convivem próximas a eles, quebrando as ideias que conferiam um poder hegemônico e onipotente à mídia. Foi nessa teoria que se inspirou Beltrão (2014), ao discorrer sobre a figura do líder de opinião, em grupos marginalizados. Assim, existe um grupo de pessoas que é mais suscetível à influência dos meios de comunicação de massa e que transmite sua mensagem a um grupo de “liderados”. A teoria atenua a ideia de que a mídia atinge todo mundo da mesma maneira. O líder de opinião é um “personagem quase sempre do mesmo nível social e de franco convívio com os que se deixavam influenciar” (BELTRÃO, 2014, p. 59). A atribuição da figura de líder também não é arbitrária, visto que é preciso cumprir vários requisitos. Essa conquista da liderança está intimamente ligada à credibilidade que merece no seu ambiente e à habilidade do agente comunicador de codificar a mensagem ao nível de entendimento dos seus receptores. Em função da estrutura social discriminatória mantida em nações como a nossa, a massa camponesa, as populações marginais urbanas e até mesmo extensas áreas proletárias se comunicam através de um vocabulário escasso e organizado dentro de grupos de significados funcionais próprios (BELTRÃO, 2014, p. 61).

Para Guaraldo (2008), a “folkcomunicação preenche, na análise de Beltrão, as mesmas funções que a comunicação de massa busca desempenhar: informar, promover, 5

LAZARSFELD, P. e outros. The people’s choice. How the voter makes up his mind in a presidential campaign. New York: Columbia University Press, 1944.

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educar e divertir”. Não obstante, a teoria cria uma ponte entre a comunicação de massa e a comunicação popular, uma vez que Beltrão reconheceu o universal que persiste na produção simbólica de grupos sociais não representados na grande mídia. O comunicador folk, como foi denominado o líder de opinião da folkcomunicação, é alguém que consegue traduzir as mensagens para a audiência, utilizando de linguagem acessível e compartilhando o universo cultural em que o público está inserido (GUARALDO, 2008). O principal papel do líder de opinião foi, pois, retirar todo o suposto poder onipotente que a mídia exercia sobre a população. Renó (2007) acrescenta que, na folkcomunicação, o líder de opinião ressignifica as mensagens para o grupo ao qual se dirige, facilitando sua compreensão e assimilação à realidade na qual vivem. Como será possível verificar mais adiante, Amstad exercia essa função, por meio da revista Sankt Paulusblatt, preservando diversos aspectos folclóricos inerentes aos imigrantes teutos e facilitando sua adaptação e progresso em território brasileiro.

2. Vinda de Amstad ao Brasil e atividades associativas O padre Thedor Amstad nasceu na Suíça, em 1851, filho de um alferes do governo e de uma dona-de-casa. Decidiu tornar-se jesuíta, em 1870, e ordenou-se padre, em Ditton Hall, na Inglaterra, em 1883. Em seu livro de memórias, Amstad (1981) recorda que o espírito de solidariedade brotou dentro de si muito cedo, por influência familiar, além de sempre ter contado com um ímpeto comercial, que pôde exercer nos mais de 10 anos em que foi secretário da Sociedade União Popular. A ideia de criar a entidade existia em Amstad, desde sua vinda ao Brasil, em 1885, integrando a última leva de cinco reforços que a Missão dos Jesuítas no Brasil Meridional recebeu, naquele ano (AMSTAD, 1981). No Brasil, foi na Paróquia de São Sebastião do Caí 6, no Vale do Caí, que dedicou seus primeiros anos de sacerdócio, de dezembro de 1885 a 1908. No período, porém, mudou de residência três vezes: primeiro, residiu em São Sebastião do Caí, por 12 anos; depois, em São José do Hortêncio, por sete; e, por fim, em Nova Petrópolis,

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Na época, São Sebastião do Caí ocupava uma área bem mais extensa do que hoje, e a Paróquia Caiense compreendia 5 paróquias vizinhas em cada um dos lados do Rio Caí, englobando os hoje municípios de Tupandi, Bom Princípio, Feliz, Caxias do Sul e São Francisco de Paula, de sul a oeste; e de leste a norte, Capela de Santana, São José do Hortêncio, Ivoti, Dois Irmãos e Taquara. Ainda era de responsabilidade de Amstad o distrito de Nova Petrópolis (AMSTAD, 1981).

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durante três anos (AMSTAD, 1981). Nessas duas décadas, Amstad viajava, em cima de uma mula, para visitar todas as paróquias e atender às comunidades. Todavia, o maior legado de Amstad é atribuído às suas atividades associativas e cooperativas. É apontado como o fundador do cooperativismo de crédito no Brasil, através das Caixas Rurais, cooperativas no estilo Raiffeisen 7, que se transformaram no banco Sicredi (RAMBO, 2012). Em sua biografia, Amstad (1981) orgulha-se de suas atividades junto à União Popular, entidade de caráter confessional que visava ao desenvolvimento das colônias alemãs sul-brasileiras. A Sociedade União Popular foi fundada em 26 de fevereiro de 1912, em Venâncio Aires, no IX Katholikentag 8, com o objetivo de unir os católicos do sul do Brasil e dar-lhes direção única, além de continuar a promover o desenvolvimento social e econômico das colônias de forma cooperativa (SCHALLENBERGER, 2009). A entidade surgiu como um desmembramento da Associação dos Agricultores (Bauernverein): os católicos criaram a SUP e os luteranos, a Liga das Uniões Coloniais. Conforme Rambo (2012), para manter os associados da SUP, ou Volksverein, a par dos acontecimentos, fundou-se, na mesma ocasião, a revista Sankt Paulusblatt, como porta-voz da entidade com seus membros. A organização da sociedade concedeu autonomia a distritos e localidades, como modo de espalhar sua atuação pela região sul do Brasil. As paróquias funcionavam como núcleo e formavam um distrito. Nos distritos, por sua vez, as comunidades reunidas em torno de capelas e escolas, formavam uma seção. Várias seções constituíam grupos locais, que, reunidos, formavam a SUP (RAMBO, 2012). A ascensão social dos associados “dar-se-ia através da escola, da divulgação de boas leituras e da criação de bibliotecas, da realização de reuniões de informação e de formação, da organização de caixas de empréstimo e de depósito e de associações beneficentes” (SCHALLENBERGER, 2009, p. 277). Cada comunidade deveria dar conta das necessidades locais, enquanto o escritório central da SUP, em Porto Alegre, constituir-se-ia

como

local

de

acompanhamento

e

de

aconselhamento

(SCHALLENBERGER, 2009). 7

Conforme Santos (2013, p. 36), as Caixas Rurais, inspiradas no modelo Raiffeisen, eram destinadas aos pequenos poupadores rurais, “possibilitando-lhes depositar com segurança e sacar empréstimos a juros razoáveis para as mais diversas necessidades”. O modelo foi criado por Friederich Wilhelm Raiffeisen. 8 Katholikentage eram congressos, realizados bianualmente, para discutir assuntos de interesse da comunidade católica.

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A atuação da sociedade se expandiu por diversos projetos sociais. Dentre eles, uma agência de empregos, assistência jurídica para auxiliar os associados com questões legais; a construção de um asilo e de um hospital em São Sebastião do Caí; de um leprosário, em Itapuã; e de um orfanato, em Santa Cruz do Sul. Todas as construções foram pagas com o dinheiro das Caixas Rurais. Além disso, a SUP também abriu fronteiras de colonização (RAMBO, 2012). A Sankt Paulusblatt foi criada, justamente, com o intento de levar adiante os desejos da Volksverein. Por meio da publicação das datas das próximas assembleias, dos estatutos da entidade, de textos religiosos e educativos, das cartas do secretário-itinerante (Reisebericht des Reisesekretärs) ou do secretário-geral (Generalsekretärs), a revista conseguia unir os colonos e imigrantes alemães associados à entidade (RAMBO, 2012). Nos primeiros anos de fundação da SUP, o padre Thedor Amstad foi responsável por motivar as comunidades a se engajarem, na função de secretário-viajante ou secretário-itinerante (Reisesekräter). Para isso, visitava localidades, onde se reunia com os moradores para decidir a fundação ou não de um distrito, após a celebração de uma missa. Se a resposta fosse positiva, colhia as assinaturas, deixava a cargo de um professor o papel de manter unidos todos os colonos, montava em sua mula e seguia para outro distrito (RAMBO, 2012). Para Silva (2006), os padres que mais tiveram influência sobre a população germânica foram aqueles que exerceram essa função, pois tinham facilidade para difundir suas ideias, ao percorrem o interior das colônias no lombo de uma mula. Coincidentemente, a SUP foi formada por padres católicos jesuítas, que, historicamente, tiveram bastante ligação com a folkcomunicação. No período colonial brasileiro, quem mais soube utilizar a comunicação para angariar fiéis e doutrinar os indígenas foram os jesuítas, por meio da Companhia de Jesus (BELTRÃO, 2014). Ignácio de Loiola e sua equipe consideraram a notícia como um elemento fundamental para efetivar qualquer empreendimento e perceberam o poder da comunicação, antes dos protestantes e dos governos que se opunham a eles. Alargavam sua visão, por meio do conhecimento minucioso de tudo o que se passava mundo afora. Na obra missionária dos jesuítas, a comunicação oral, a música, o teatro e a dança tiveram importante papel para a concretização de seus intentos. O primeiro passo no objetivo da evangelização dos indígenas foi aprender a língua nativa, em vez de fazê-los aprenderem a sua (TEIXEIRA, 2008).

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A importância de Amstad para a fundação e consolidação da SUP foi tamanha que, hoje, a entidade carrega seu nome. Segundo Seibt (2012), em 1988, ela teve de suspender suas atividades e a circulação da SPB – crise que iniciou com o pedido de afastamento de José Rücker, então responsável pela redação. Para não deixar a revista encerrar as atividades por completo, uma equipe em Nova Petrópolis, na serra gaúcha, assumiu a tarefa, criando uma filial da SUP, denominada Associação Theodor Amstad. Em 1991, ela se fundiu com a SUP, resultando na Sociedade União Popular Theodor Amstad. Em 2005, para se adequar às novas legislações federais, a entidade deveria passar a ser uma associação. Por fim, denominaram-na apenas Associação Theodor Amstad (SEIBT, 2012), o que prevalece até 2016. Assim, o nome de Amstad ficou gravado no que, hoje, se tornou a SUP. Klauck (2009) explica que a Sankt Paulusblatt nasceu do lema de São Paulo, omnibus omnia, que significa “tudo a todos”. Ao mesmo tempo em que unia os católicos em torno da leitura, a SUP utilizou-se do exemplo de São Paulo e buscou constituir uma comunidade, tendo a revista como instrumento de união. É difícil dissociar a consolidação da SUP do papel de integração que a Sankt Paulusblatt exerceu concomitantemente (KLAUCK, 2009). Nos primeiros anos de circulação, o público-alvo da revista era formado por líderes comunitários paroquiais, em função de muitos artigos e conteúdos serem assinados por religiosos. Outro público eram os colonos, o que pode ser estimado a partir da publicação de conteúdos sobre agricultura, reforçado por informações técnicas a respeito do assunto e pelos classificados da revista, onde é frequente o anúncio de lotes de terra e, em anos posteriores, de máquinas agrícolas (KLAUCK, 2009). Nesse meio é que o padre Theodor Amstad atuava, com maestria, pois sabia se comunicar com todos os públicos.

3. Amstad: líder de opinião por meio da Sankt Paulusblatt Para apreender a importância da atuação de Amstad na Sankt Paulusblatt, utilizou-se a descrição analítica. Analisou-se um exemplar do primeiro e um exemplar do segundo semestre de cada ano da Sankt Paulusblatt, de 1912 a 1934 9 – período em 9

A consulta ao acervo foi realizada no Memorial Jesuíta da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS). Um empecilho à análise minuciosa foi o fato de muitos exemplares, até 1929, estarem incompletos e serem apenas xerox. A partir de 1930, são originais, legíveis e encontram-se completos.

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que Amstad editou e redigiu a revista. Observou-se padrões nas seções e no conteúdo da publicação. Não se pretende analisar o conteúdo propriamente dito ou dissecá-lo, mas a maneira pela qual Amstad influenciava os associados, sendo importante na consolidação da SUP e no exercício do papel de líder de opinião folk. Conforme Klauck (2009), Amstad exerceu a função de redator e de editor da SPB por 22 anos – de 1912 a 1934 – período no qual conferiu um tom específico à revista. Além do mais, também foi presidente da SUP, do final de 1912 a 1914, e sempre integrou a equipe administrativa da entidade (SCHALLENBERGER, 2009). Na primeira edição da revista, que saiu no início de 1912, logo após a fundação da Volksverein, o conteúdo centrou-se na apresentação dos estatutos provisórios da SUP e dos discursos de quem ajudou a fundá-la, no Katholikentag, em Venâncio Aires – como as falas de Amstad e do jornalista Hugo Metzler. A partir da segunda edição, aparece o primeiro relato de viagem (Reisebericht des Reisesekretärs ou Reisebericht des Generalsekräters), assinado por Amstad, de Santa Maria da Boca do Monte, com data de 26 de maio de 1912. A partir de então, os relatos aparecem em todas as edições, sem falha, como forma de informar os membros da entidade sobre o crescimento e expansão dela. Como, nesse período, Amstad era responsável pela fundação de distritos e por conversar com as comunidades teutas, residentes na região sul, ele exercia um duplo papel de líder de opinião: o primeiro, justamente nas visitas, quando rezava missa e conversava com os moradores; e o segundo, por meio da Sankt Paulusblatt e dos relatos de viagem que publicava. Os textos se estendiam por até quatro páginas ininterruptas, todos redigidos em alemão formal (Hochdeutsch), assim como a Sankt Paulusblatt como um todo. A tradição desses textos seguiu, mesmo com outros secretários-viajantes que assumiram, a partir de 1914. Nesses 22 anos em que Amstad esteve à frente da revista, a publicação trouxe, sobretudo, informações agropecuárias e de saúde, com notas de manejo nas lavouras – muito útil, dado o público-alvo da revista e a própria intenção da SUP –, informações de cunho educativo, por meio da seção Die Schule des Volksvereins 10, criada em 1921, além de ser permeada com muitos avisos referentes à Sociedade União Popular, como as próximas reuniões, publicação dos estatutos, o itinerário do secretário-viajante (para os associados se organizarem para recebê-lo em suas comunidades) etc.

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“A escola da Sociedade União Popular”, em tradução livre.

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Um texto assinado por Amstad, na segunda edição da revista, dá indícios claros de como se visava, sobretudo nos anos iniciais, que a Sankt Paulusblatt fosse institucional: Já faz três meses que o primeiro número da Sankt Paulusblatt foi lançado, com a criação da Sociedade União Popular, em Venâncio Aires, e muitos associados da recém-criada Sociedade Popular já devem ter se perguntado: ‘Quando chega o próximo número da folha da nossa entidade e nos contará como está a nossa Sociedade?’. Paciência, queridos irmãos, a curiosidade de vocês, que me agrada bastante porque mostra que estão interessados, deve ser finalmente saciada” (AMSTAD. In: Reisebericht des Generalsekretärs des Volksvereins. Sankt Paulusblatt, Porto Alegre, n. 2, p. 1-3, 1912, tradução da autora) 11.

Outro conteúdo muito presente eram contos e romances-folhetim, escritos por autores alemães, que intentavam preservar a germanidade (Deutschtum). Ainda assim, a revista incentivava, em alguns artigos, o aprendizado da língua portuguesa, na seção Die Schule des Volksvereins, pois queria que os imigrantes e colonos se adaptassem ao Brasil 12. A referida seção era, inclusive, uma das mais educativas de toda a publicação, pois trazia artigos diversos que visavam aumentar o conhecimento cultural dos leitores, a respeito de diversos assuntos de interesse do público-alvo. Trechos em português eram raros. Encontrou-se uma ocorrência na edição número 11 de 1932, quando a seção Die Schule des Volksvereins incentivava as pessoas a votarem, sobretudo as mulheres, uma vez que Getúlio Vargas havia permitido o voto feminino. Ao final do artigo, publicaram um modelo de procuração, em português, que ensinava como o público feminino poderia fazer o requerimento desse direito. Além disso, publicava-se, em todas as edições, a discriminação da receita das Caixas Rurais, com todo o dinheiro que havia entrado e saído no mês – em edições de final ou de início de ano, a discriminação era mais detalhada. Esta tradição esteve presente durante todo o período em que Amstad editou a SPB, o que evidencia o conteúdo institucional e o desejo de consolidar a Sociedade União Popular, por meio da transparência nas receitas.

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No original: “Schon 3 Monate find in’s Land gegangen, seit die erste Nummer des ‘St. Paulusblattes’ am Geburstage des Volksvereins in Venancio Aires zur Verteilung kam, und manches Mitglied des neugegründeten Volksvereins wird schon gefragt haben: ‚Wann kommt denn die nächste Nummer unseres Vereinblattes und erzählt uns etwas, wie es mit unserem Vereine steht?‘ Geduld, liebe Vereinsbrüder, euere Neugierde, die mir übrigens gefällt, denn sie zeigt, daß ihr euch um den Verein interessiert, soll endlich befriedigt werden”. 12 Não é possível aprofundar a discussão no presente artigo, mas nem todos os veículos de comunicação redigidos por e para imigrantes e descendentes teutos incentivavam a adoção da pátria brasileira, na época. Autores divergem em relação ao assunto.

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Enquanto Amstad esteve à frente da Sankt Paulusblatt, desempenhando, concomitantemente, funções junto à SUP e suas atividades paroquiais, percebe-se que ele utilizou a revista como instrumento de promoção de informações úteis e educativas aos leitores, ou seja, sobretudo colonos e imigrantes alemães, fazendo com que se adaptassem ao Brasil, além de preservar elementos da cultura germânica, como a língua e as tradições folclóricas. Amstad também se valeu da revista como meio de comunicação com os associados, promovendo a expansão e a consolidação da SUP, entidade a qual se dedicou até o penúltimo ano de sua vida. Sem esse instrumento e sua influência como pároco, teria sido mais difícil promover a expansão da entidade e das cooperativas de crédito, denominadas de Caixas Rurais. A revista também era um instrumento para exercer sua influência como líder de opinião folk, uma vez que, mesmo com elevado conhecimento intelectual, conseguia tornar assuntos áridos acessíveis aos leitores. O padre também tinha fácil entrada nas comunidades – também por exercer a função paroquial, como aponta Silva (2006). Figuras ligadas à igreja eram muito valorizadas e respeitadas entre os imigrantes e colonos alemães religiosos.

Considerações finais A partir da análise desenvolvida no presente artigo, percebe-se como o padre Theodor Amstad era um líder de opinião junto aos teuto-católicos da região sulbrasileira, no início do século XX, por meio da revista Sankt Paulusblatt. Ao tornar compreensíveis assuntos de ordem prática, aos leitores da revista e aos associados da Sociedade União Popular, ele contribuiu na consolidação da entidade que ajudou a fundar, ao mesmo tempo em que educava e auxiliava os leitores da revista. O fato de ser redigida em alemão, nesse contexto, pode se configurar como um elemento folk, uma vez que a Sankt Paulusblatt atuava em duas frentes: preservar a cultura germânica e ser a única língua que muitos associados e leitores compreendiam, pois ainda não haviam aprendido o português. Mesmo assim, a Sankt Paulusblatt também incentivava o aprendizado da língua portuguesa – não queria que os imigrantes e colonos se isolassem completamente. Preocupava-se, sim, com a preservação do folclore alemão, mas também trazia elementos essenciais à adaptação do público-alvo à nova pátria, o que a própria SUP também desempenhava, visando o desenvolvimento dos teuto-católicos, no Brasil.

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Migrações: Religiões e Espiritualidades

Os elementos que enquadram a revista na teoria da folkcomunicação são o fato de preservar tradições germânicas, ao mesmo tempo em que deixa o público-alvo a par de situações necessárias para se desenvolverem no Brasil – informações que eles não podiam obter em veículos tradicionais, porque não sabiam nem ler em português. Além do mais, o padre Theodor Amstad estava inserido naquele meio, sabendo como traduzir os anseios dos leitores. Mesmo que fosse utilizada como instrumento de comunicação de uma entidade confessional, a revista consolidou instrumentos essenciais aos imigrantes e colonos de origem teuta, no início do século XX, e atuava como elemento educador. A história longeva da publicação, que sobrevive, ainda em 2016, deixa mais claro esses elementos folk, que não puderam ser explorados à exaustão, no presente artigo. Contudo, a figura de Amstad, ainda hoje exaltada pelos descendentes germânicos, dá indícios nítidos da função da publicação e de sua importância, junto a um público específico.

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