INFORMAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA O ENSINO DE HABILIDADES MATEMÁTICAS BÁSICAS A CRIANÇAS COM OU SEM LIMITAÇÕES INTELECTUAIS

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Desenvolvimento Humano: Contribuições para aprendizagem e a inclusão social

INFORMAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA O ENSINO DE HABILIDADES MATEMÁTICAS BÁSICAS A CRIANÇAS COM OU SEM LIMITAÇÕES INTELECTUAIS Igor de Almeida Faria Bueno* João dos Santos Carmo** Ricardo Marinho de Mello de Picoli***

RESUMO O presente capítulo propõe apresentar informações básicas acerca do senso numérico e algumas habilidades numéricas fundamentais. Essas informações muito frequentemente são desconhecidas por professores que lidam com o planejamento e ensino de repertórios preparatórios à aquisição de habilidades matemáticas iniciais, particularmente os que lidam com crianças, com ou sem limitações cognitivas. Serão abordados os principais achados, em linguagem voltada ao educador e, ao final, algumas reflexões acerca do planejamento e ensino de requisitos preparatórios serão apresentadas. Palavras-chave: senso numérico, contagem, número e sistemas numéricos, habilidades numéricas, educação matemática. ANTES DOS NÚMEROS E DA CONTAGEM PROPRIAMENTE DITA A habilidade de discriminar quantidade não é propriamente de exclusividade humana. Ao longo da evolução e da filogênese das espécies, podemos identificar nas mais próximas aos homens o poder de diferenciar pequenas quantidades, nada muito sofisticado, porém o suficiente para apontarmos para um mecanismo perceptivo inato a estas espécies. Os princípios da contagem aritmética ao qual estamos acostumados dependeram da história e das aquisições humanas. Os bebês, apesar de posteriormente aprenderem estes *Psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo; atua como psicólogo clínico em consultório particular. **Psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), SP. ***Psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Paulo.

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princípios, não nascem com o mecanismo semelhante aos outros animais. Os humanos têm potencial para a aritmética infinitamente maior que os demais, porém precisam aprendê-la (EVES, 2011) Aquilo que apontamos como habilidade básica de discriminação não é propriamente uma contagem, pois não passa pelos processos representacionais complexos que dela se espera (BARBOSA, 2007). Está mais para uma qualidade em diferenciar pequenas quantidades pela percepção empírica, não passando de quatro elementos, no entanto (essa habilidade é também conhecida como subitização, um neologismo para indicar que nossa espécie tem a capacidade de apreender de súbito pequenas quantidades). Mesmo as sociedades menos desenvolvidas na aritmética apresentam um padrão semelhante. Ifrah (1997) chama esta habilidade de sentido do número. Um elemento “contado” não seria distinto das demais partes do objeto alvo da investigação. Constituir-se-ia em algo indissociável do todo, sendo uma qualidade necessária a ele. Dantzig (1970) chama esta habilidade de senso numérico que funciona como uma faculdade que permite ao ser humano “reconhecer que alguma coisa mudou numa pequena coleção quando, sem seu conhecimento direto, um objeto foi retirado ou adicionado à determinada coleção” (p. 15). Dantzig (1970) aponta essa habilidade de senso numérico em outros animais como pássaros e insetos. No caso dos pássaros, essa habilidade parece estar ligada aos ovos de um ninho. Quando, num ninho de quatro ovos, se retira um, o pássaro não percebe. Porém, ao tirar dois ovos, o pássaro deserta. Um experimento feito com pintassilgos mostrou a habilidade de distinguir grupos de sementes: três de um, três de dois, quatro de dois, quatro de três e seis de três. Entretanto, o pássaro quase sempre confundia cinco e quarto, sete e cinco, oito e seis e dez e seis. A espécie de vespas Genus eumenus (“vespa solitária”) parece ser o inseto com o melhor senso numérico entre as várias espécies: concede mais larvas aos ovos que contém embriões fêmeos do que aos ovos de embriões machos (dez e cinco, respectivamente). As crianças pequenas, com idade aproximada de quatorze meses de 104

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idade, quase sempre percebem algo que está faltando em um grupo que ele ou ela está familiarizado. A capacidade da criança de perceber as diferenças numéricas de pessoas ou objetos em torno dele ou dela são muito limitadas quando o número ultrapassa três ou quatro. Quando um homem é exposto a uma situação em que deve discernir números é auxiliado por alguns artifícios como: leitura de padrões simétricos, grupamentos mentais e contagem. No caso dos seres humanos, este sentido de número se desenvolve de acordo com que aponta Ifrah (1997), entre doze e dezoito meses de vida, pois durante este período, o bebê é capaz de discriminar quantidades pequenas entre um, dois ou mais objetos, além de discernir sobre a importância de duas coleções de seres ou objetos. Se fizermos um paralelo entre nossa tenra idade e nossas culturas mais ancestrais e pouco desenvolvidas na aritmética, há de se constatar a semelhança no que diz respeito às limitações de contagem. Evidente que muito da sobrevivência dos humanos devem-se às estratégias de contagem diferentes das quais os homens ocidentais mais educados utilizam, contudo estas sociedades nos apontam para o sentido mais imediato das quantidades na percepção humana dos eventos, ao qual podemos dizer que nos é legado até os dias de hoje. A propriedade envolvida nesta contagem primitiva é o simples emparelhamento. A partir dele, é possível relacionar mais de um objeto quando eles estão alinhados. Porém, como apontado anteriormente, essa capacidade tenra dificilmente se apresenta quando se tenta discriminar mais de quatro objetos. Ifrah (1997) ainda indica que quando uma criança já está familiarizada em discriminar quatro elementos e está em um estágio de contagem rudimentar, ou seja, recita os números, mas sem uma compreensão simbólica suficientemente completa deles, ocorre um erro de “contagem” típico. Ele aponta que a criança está familiarizada com a “contagem” de um, dois e quatro, sem citar o três e explica a razão disto. O um e o dois seriam facilmente discriminativos devido à percepção de singular (elemento único) e de par (alinhamento de dois elementos). Em relação ao quatro, Ifrah indica que ocorre a discriminação desta quantidade, pois ele nada mais é do que a repetição de um 105

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par. O três é desconsiderado da contagem, pois há grande dificuldade em simbolizar um par com outro elemento simples. É nítido, um estágio de desenvolvimento aritmético que posiciona o ser entre as qualidades de unidade, dualidade e pluralidade. Este estágio mais juvenil de contagem se faz presente em populações mais primitivas. É frequente nos seus idiomas a presença de expressões que indicam quantidades, mas que não passam da unidade, dualidade e pluralidade. Ifrah (1997) refere ao “grau zero” do conhecimento dos números abstratos. Nas verbalizações destas populações as quantidades são representadas por um-elemento, dois-elemento, dois-um-elemento, ou dois-dois-elemento. Quantidades superiores são tratadas como muitos-elementos. Como cita Eves (2011), ao se referir às experiências de M. Dobrizhoffer sobre a tentativa de educação de populações guaykuru na Argentina, Paraguai e Bolívia, “eles não somente ignoram a aritmética, mas a rejeitam”. Este sistema de um ou dois elementos é chamado de princípio da base dois. Isto é, para estas populações não é representável o cinco, ou seis, pois as combinações dois-dois-um, ou dois-dois-dois não são admitidas. O ensino de outras aquisições das culturas ocidentalizadas foi transmitido com mais facilidade. Este fato dá margem a duas observações, a primeira sobre a sofisticação da aritmética, e a segunda sobre utilidade dela. Em primeiro lugar, a dificuldade destes povos em aprender operações de simbolismo tão complexo como requer a contagem aritmética demonstra o quanto a espécie humana deve ter demorado em dominá-la e desenvolvê-la aos níveis de hoje. Não é por acaso, que somente os homens conseguem utilizá-la. E mesmo entre os homens não são todos eles que a apresentam, como é o caso dos povos citados por Ifrah (2005). É mais que um indicativo que a aprendizagem em aritmética não é simples e de absorção facilitada. Desde a tenra idade os bebês passam por períodos de aprendizagem que envolve o sentido do número, passam a discriminar verbalmente quantidades até que possam atingir um nível simbólico suficiente para efetuar contagens aritméticas e mais para frente efetuar cálculos. 106

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Em segundo lugar, este processo de evolução aritmética não se deve a simples vontade de certas sociedades ou foi impulsionada por alguma “metafísica”, isto é, deve-se, antes de tudo, à utilidade da contagem. As técnicas de contagem utilizadas antes por camponeses iletrados, ou índios espalhados pelo mundo, ou populações de tribos africanas tinha a função de mediar um contato com o ambiente que exigia certo domínio sobre quantidades. Ou seja, a aritmética surgiu da necessidade imediata do homem em sobreviver. Por tanto, não se pode recriminar um “atraso” no desenvolvimento do pensamento simbólico-aritmético das populações que não a utilizam, pois suas técnicas de contagem são suficientes para o domínio de seu espaço. Caso contrário, se não dessem conta destas demandas, provavelmente estas populações não teriam persistido por tanto tempo. São poucas as culturas que em seu sistema de contagem, ou pela linguagem falada, ou pelas grafias que simbolizavam quantidade pudessem ultrapassar o quinto elemento na representação. Ifrah (1997) cita alguns exemplos neste sentido. Seriam as nomenclaturas dos filhos a partir do quinto nascido, de tribos na Oceania que apresem formas gramaticais no singular, dual, trial, quatrial e no plural, nosso calendário com os nomes dos meses é derivado de princípio semelhante. Os grafismos de diversas sociedades nos deixa claro que a leitura de cinco ou mais elementos se faz muito dificultada de maneira intuitiva. O natural dos seres humanos, de acordo com suas faculdades seria que a percepção direta dos números não ultrapassasse o quinto (Ifrah, 1997). Contudo isso não impediu que os homens desenvolvessem técnicas de contabilidade numérica, mesmo sem os conceitos de cálculo e representação mental. Eles utilizaram técnicas que respeitavam o princípio de correspondência um a um, em que o objeto contado era representado por alguma marcação, entalhe, objetos que eram correspondidos à quantidade da soma (não havia, contudo, a própria soma como operação, somente o acúmulos destes objetos representativos). O rosário é um exemplo que ocorre em muitas culturas da humanidade (budista, islâmica, cristã). O Exemplo clássico do pastor que controlava o número de cabeças de gado ou ovelhas com pedras. 107

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O corpo também é uma medida de correspondência notável na evolução dos números. Para muitas culturas antigas, existia um sistema de controle de quantidade que começava pelos dedos das mãos, podendo terminar nos dedos da outra mão, ou ainda se estender para os membros inferiores, incluindo partes do troco e genitais. São mecanismos complexos de contagem que possibilitaram um controle, dependendo da cultura, de 17, 29, 33 ou até mais como no caso dos papua da Nova Guiné, que totalizavam 41 (EVES, 2011) O CORPO DO HOMEM E A ARITMÉTICA Ifrah (1997) acredita que os gestos surgiram como representantes de quantidades anteriormente que a expressão oral. A partir do caso dos papua da Nova Guiné, podemos descrever eventos que possibilitariam a construção de uma aritmética rudimentar. Isto é, este povo pode controlar uma sequência de elementos através da correlação com membros do próprio corpo. Cada membro deste corpo pode ser representado por um termo na linguagem destes nativos. Podia-se verbalizar ao mesmo tempo, enquanto configura-se uma “soma”, o nome do membro correspondido. Porém, não se pode dizer o nome do membro sem evitar ambiguidade. Até mesmo por que não existia uma integração ordinal, destas quantidades. Os nomes só eram recitados quando acompanhados do gesto que controlavam a quantidade. O gesto precede o nome, pois o nome não significa um numeral de forma alguma. Esta análise justifica a posição evolutiva da contagem de acordo com Ifrah. Contudo, após inúmeros pareamentos, as posições de contagem indicadas no corpo passaram a indicar um lugar em uma sequência de contagem. Tem-se ai o princípio da ordinalidade. A parte do corpo já teria um significado quantitativo, dentro do contexto da contagem, ela informaria aos outros o número de objetos desta soma. Se a contagem ocorria dentro de um evento, ritual, em que coisas específicas eram relevantes, com o passar dos tempos, ocorre a emergência da possibilidade de contagem de qualquer objeto, não mais apenas dos relacionados ao ritual etc. 108

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Este passo a diante em direção à abstração difere significativamente do estágio de contagem por equiparação (em que existe a relação entre o objeto e a parte do corpo representada), e mais ainda da correspondência um a um. Teríamos neste instante da evolução da humanidade, as ferramentas necessárias para o desenvolvimento de uma aritmética. DA CONTAGEM PROPRIAMENTE A contagem é um atributo exclusivamente humano. Animais expressam algum sentido de número, contudo, o processo de contagem exige qualidades que somente a espécie humana é capaz de corresponder. A cardinalidade e a ordinalidade são princípios necessários durante um comportamento de contagem, pois é necessário mapear os objetos de contagem de maneira que permitam que se saiba que o último objeto responda a quantos objetos foram somados (cardinalidade), e qual a posição hierárquica deste objeto (ordinalidade). É neste sentido que Ifrah (2005) aponta para três “condições psicológicas” que permitam o homem a contar: “Ele deve ser capaz de atribuir um “lugar” a cada ser que passa diante dele; ele deve ser capaz de intervir para introduzir na unidade que passa a lembrança de todas as que a precedem; ele deve saber suceder conceber esta sucessão simultaneamente”. (p. 45) Como condição psicológica, pode compreender que se refere à capacidade de pensar simbólica e abstratamente. Esta condição está no nível mental, fora do ambiente empírico, das correspondências simples, ou emparelhamentos e equiparações. É necessário que se abstraia do real. Concluímos o pensamento de Ifrah (2005) com a passagem que ilustra a significância da passagem do simples sentido numérico para a aritmética bem fundamentada: “Graças a artifício da contagem, uma noção confusa, heterogênea e pouco precisa – a pluralidade concreta – se transforma assim, em nosso espírito, numa noção abstrata e homogênea, a da quantidade absoluta.” (p. 45). 109

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PRINCÍPIOS DE CONTAGEM Como apontado anteriormente, a contagem parece ser uma habilidade exclusivamente humana, apesar de outros animais possuírem um senso numérico parecido com o nosso. O ser humano adquiriu essa habilidade quando designou, para cada objeto de uma determinada coleção, um correspondente em outra coleção; é o que se chama de correspondência um-a-um ou termo-a-termo. Além disso, outros dois conceitos foram importantes para que uma contagem fosse estabelecida: cardinalidade e ordem estável. A cardinalidade se refere à quantidade de elementos que constituem um grupo ou coleção. No entanto, a cardinalidade não é suficiente para que se estabeleça uma contagem, pois essa pressupõe uma ordem. Daí vem o conceito de ordem estável, onde se estabelece a ordem dos elementos de um grupo por meio da criação de um sistema numérico. Algumas técnicas de contagem foram estabelecidas nos moldes descritos: um ordenador de rebanhos poderia contar seus animais dando um laço em uma corda a cada animal que passasse pela porteira e um coletor de frutos poderia colocar uma pedra em uma cesta ou saco a cada fruto coletado. Porém, a técnica mais utilizada e mais prática de todas é a contagem dos dedos (BOYER; MERZBACH, 2012). O homem percebeu que bastava levantar ou abaixar dois dedos para estabelecer a quantidade de dois elementos sobre determinado grupo, percebeu também que, a cada adição, um dedo seria levantado/abaixado e que daí se dava a ordem numérica. No entanto, essa técnica não tinha como ser registrada concretamente e foram criados sistemas numéricos para solucionar esse problema. De acordo com Gelman e Gallistel (1978), há cinco princípios envolvidos em uma contagem: a correspondência um a um; ordem estável; cardinalidade; abstração; e irrelevância da ordem. Ou seja, mesmo que animais ou bebês tenham a capacidade de discriminar vagamente pequenas quantidades, uma contagem verdadeira exige que os cinco princípios sejam respeitados. Os princípios de correspondência um a um, de ordem estável e de irrelevância da ordem são mais simples e mais bem percebidos nos primeiros 110

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anos de vida de uma criança. A abstração e a cardinalidade parecem ser mais complexos, pois pressupõem pelo menos em parte os outros princípios. De maneira alguma, o processo de contagem é simples. Foi uma aquisição tardia na história da humanidade, tendo em perspectiva a existência de sociedades e comunidades que ainda não dominam este campo, fazendo uso de técnicas mais rudimentares. O uso da mão (do próprio corpo) como instrumento de contagem foi suficiente em contemplar todos os cinco princípios citados. Há a correspondência um a um quando um objeto é relacionado com um dedo; há uma ordem visual entre os dedos que facilitam a discriminação de uma ordem estável; a cardinalidade ocorre, pois ao adicionarmos um item à contagem, percebe-se a inclusão do item anteriormente considerado; a ordem irrelevante determina que a contagem não precise ter início da esquerda para a direita, ou vice-versa, da mão direita ou esquerda, etc.; e a abstração ocorre no sentido de que a mão necessariamente não representa apenas um grupo de objetos, ela pode ser instrumento de contagem de qualquer grupo de unidades ou objetos. Sendo assim, os princípios indicados por Gelman e Gallistel fizeram-se presentes no decorrer da evolução da contagem e da aritmética. De início, havia apenas a percepção numérica empírica, indissociada da qualidade do objeto alvo, como apontam Ifrah e Dantzig com o sentido do número e senso numérico. Após o desenvolvimento de técnicas de contagem, progressivamente estes cinco princípios começaram a ser respeitados. O rosário, as pedras, o corpo, paulatinamente serviram de plataforma para o surgimento da complexa habilidade que os seres humanos, no decorrer dos milênios, têm contabilidade, aritmética e, finalmente, a matemática dos dias de hoje. PLANEJAMENTO E ENSINO DE REPERTÓRIOS PRÉVIOS À ARITMÉTICA As informações apontadas no presente capítulo subsidiam o professor que lida com crianças pequenas e com indivíduos que apresentam limitações ou atrasos no desenvolvimento cognitivo. E podem ser traduzidas em 111

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programas de ensino passo-a-passo que priorizam a aquisição estável de habilidades prévias ao aprendizado da aritmética. Jordan, Kaplan, Locuniak e Ramineni (2007) verificaram que a maior ou menor habilidade de senso numérico em crianças pré-escolares está fortemente relacionada a maiores ou menores dificuldades nos conteúdos de matemática das séries iniciais. Neste sentido, Griffin (2004) destaca a necessidade de desenvolvimento de programas enriquecidos de ensino das habilidades numéricas básicas, garantindo desde a pré-escola as bases necessárias à aprendizagem posterior da aritmética. Resnick, Wang e Kaplan (1973) propuseram alguns passos iniciais no ensino de habilidades numéricas básicas, assim resumidas: 1. Aprender os nomes dos números (para qualquer amplitude de números que se decida usar). 2. Recitação mecânica (rote recitation) dos nomes dos números em sequência. 3. Reconhecimento e identificação dos numerais 4. Números apresentados visualmente e identificados verbalmente; números apresentados verbalmente e identificados visualmente. 5. Correspondência entre números e nomes; apresentação visual e auditiva; visual-tátil; auditivo-tátil. 6. Responder em sequências duplas: enumeração. 7. Enumeração de objetos similares, isto é, usando respostas sucessivas diferenciadas (p. ex., números verbais em sequencia), em correspondência com respostas sucessivas não diferenciadas (p. ex., pegar, ou transportar, objetos similares, um a um). 8. Relacionar enumeração a instrução: contar em sequencia, com a resposta terminal relacionada a, e designada como, contar instruído. 9. Subitizar (a subitização refere-se à possibilidade de perceber a quantidade de elementos de um conjunto, sem o uso da contagem): 112

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respostas numéricas diferenciadas correspondentes a um conjunto de objetos sem a resposta sucessiva de enumeração. 10. Subitizar em várias modalidades sensoriais. 11. Transferência sensorial de subitização. 12. Construção de números: desempenhos motores na produção e na escrita de números. 13. Conceitos de número e de conjunto: enumeração ampliada para incluir classes heterogêneas de objetos. 14. Conjuntos de objetos 15. O número de números (quantidade). 16. Aritmética: adição e subtração. (RESNICK; WANG; KAPLAN, 1973, p. 183-184) Como se percebe, um programa de ensino de matemática deveria começar por habilidades comumente negligenciadas no planejamento e que se referem a habilidades que dão suporte e, portanto, deveriam ser ensinadas previamente. Por outro lado, toda programação de ensino deveria prever algumas condições favorecedoras da aprendizagem. Essas condições referem-se a ações do professor que geram um efeito bastante preciso sobre o comportamento do aluno. Particularmente importante é a condição favorecedora de construção gradual de repertórios. A construção gradual indica que o programa de ensino deve partir de onde se encontra o aluno, ou seja, daquilo que ele efetivamente já sabe. E, partir daí, pequenos acréscimos e pequenas exigências são feitas de modo a que o aluno experimente muito mais o sucesso do que o fracasso. Outra condição extremamente importante refere-se a saber lidar com as ocorrências de erros do aluno. A esse respeito, Carmo (2010) destaca que: 1. Erros são aversivos e podem gerar baixa autoestima e autoconceito negativo; 113

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2. Erros frequentes geram fracasso na aprendizagem e o aluno passa a evitar ou fugir do contato com a disciplina; 3. Procure identificar a fonte geradora dos erros. Muito comumente você descobrirá que não está no aluno a origem dos erros, mas provavelmente na metodologia utilizada; 4. Crie oportunidades de acertos. Experimentar o sucesso na aprendizagem é fundamental para manter o aluno motivado nos estudos; 5. Erros devem ser encarados como tentativas de acerto, como hipóteses inadequadas e como indicativo de uma possível falha no procedimento de ensino adotado; 6. Erros são vistos como um desempenho que não atingiu um critério arbitrariamente definido pelo professor. Cabe, então, ao professor verificar se os critérios de desempenho adotados não estão acima da capacidade dos alunos; 7. Erros não devem ser vistos como um desempenho apenas do aluno, e sim como uma produção coletiva, pois só há “erros” em função de que houve a aplicação de um procedimento, o qual pode não ter garantido ao aluno os requisitos necessários à aprendizagem; 8. Erros não devem servir de recurso classificatório e sim de indicativo de que o planejamento precisa ser revisto; 9. A ocorrência de erros pode ser uma excelente oportunidade de aprendizado para professores e alunos; Não se esgotam aqui todas as possibilidades. O presente texto buscou apenas sintetizar algumas noções gerais, tanto conceituais quanto metodológicas, que devem ser levadas em conta em todo planejamento de ensino de habilidades pré-matemática e matemáticas básicas, independentemente da abordagem teórica a que se filia o educador.

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REFERÊNCIAS BARBOSA, H. H. J. Senso de número na infância: uma interconexão dinâmica entre conceitos e procedimentos. Paidéia, v. 17, n. 37, 181-194, 2007. BOYER, C. B; MERZBACH, U. C. História da matemática. São Paulo: Edgar Blücher, 2012. CARMO, J. S. Controle aversivo, ensino das matemáticas em sala de aula e programação de contingências reforçadoras no ensino escolar. In: J. S Carmo; P. S T. Prado (Orgs). Relações simbólicas e aprendizagem da matemática. Santo André, SP: ESETec, 2010. DANTZIG, T. Número: a linguagem da ciência. São Paulo: Zahar, 1970. EVES, H. Introdução à história da matemática. Campinas, SP: Unicamp, 2011. GEARY, D. C. Children’s mathematical development: research and practical applications. Washington, DC: American Psychological Association, 1994. GELMAN R.; GALLISTEL, C.R. The child’s understanding of number. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1978. GRIFFIN, S. Teaching number sense. Educational Leadership, v. 65, n. 5, fev, 39-42, 2004. IFRAH, G. Os números: a história de uma grande invenção (11ª Ed.). São Paulo: Globo, 2005. IFRAH, G. História universal dos algarismos: a inteligência dos homens contada pelos números e pelo cálculo (Vol. 1). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. JORDAN, N.; KAPLAN, D.; LOCUNIAK, M. N.; RAMINENI, C. Predicting first-grade math achievement from developmental number sense trajectories. Learning Disabilities Research & Practice, v. 22, n. 1, 36-46, 2007. RESNICK, L. B., WANG, M. C.; KAPLAN, J. Task analysis in curriculum design: a hierarchically sequenced introductory mathematics curriculum. Journal of Applied Behavior Analysis, n. 6, p. 670-710, 1973.

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