Inovação nas Indústrias Culturais na era digital: Um estudo de caso das empresas eletrônicas da indústria fonográfica brasileira.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE CINEMA, RÁDIO E TELEVISÃO

LEONARDO GABRIEL DE MARCHI

INOVAÇÃO NAS INDÚSTRIAS CULTURAIS NA ERA DIGITAL UM ESTUDO DE CASO DAS EMPRESAS ELETRÔNICAS DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA BRASILEIRA

Relatório Final de Pesquisa de Pós-Doutorado Bolsa da FAPESP (Processo 2012/10549-7)

Supervisor: Eduardo Vicente.

SÃO PAULO 2015

AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão da bolsa de Pós-Doutorado para a realização desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Eduardo Vicente pelo comprometimento profissional na supervisão da pesquisa e pelo apoio pessoal ao longo de produtivos três anos de trabalho. É com orgulho que posso lhe considerar não apenas um notável colega como também um grande amigo. À Profa. Dra. Rosana L. Soares, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, pelo apoio e a amizade ao longo desta pesquisa. À querida amiga Karina Poli L.C., então doutoranda da ECA-USP, pelo apoio na organização de seminários, pela ajuda na pesquisa e pelas longas e boas conversas sobre a vida. À Profa. Dra. Gisela G.S. Castro, da ESPM-SP, pela amizade, a calorosa acolhida, a ajuda na pesquisa e participação nos eventos. Ao Prof. Dr. Davi N. Nakano, da Escola Politécnica da USP, pela ajuda na pesquisa e participação nos eventos. Ao Prof. Dr. Marcelo Kischinhevsky, da Faculdade de Comunicação Social da UERJ, pela ajuda dada na pesquisa e a parceria em eventos e artigos. Ao Prof. Dr. Cristiano F. Monteiro, do Departamento de Sociologia da UFF, pela sempre agradável companhia em congressos e pelas produtivas conversas sobre sociologia econômica. Ao Prof. Dr. João D. M. Ladeira, da Faculdade Comunicação da UNISINOS, pelo apoio dado à pesquisa, a parceria em eventos e artigos e, sobretudo, pela duradoura amizade. Aos meus pais, Hugo De Marchi Sobrinho e Helga M.G. De Marchi, e meus tios, Luiz A. Gabriel e Seiko Nakajima, por todo o carinho e incondicional apoio aos meus projetos de vida. À Ivânea E. Fritsch pelo carinho e, sobretudo, pelas longas e produtivas discussões intelectuais. A Tiyoshi Nakajima pela sempre calorosa acolhida em São Paulo e por toda a ajuda ao longo de três anos, sem a qual esta pesquisa não teria sido possível. Por fim, mas não menos importante, agradeço à Desirée Kuhn não apenas pelo amor e carinho que me foi dado ao longo desta jornada como também pela ajuda na organização e divulgação dos seminários. Sobretudo, agradeço-lhe por ser uma contínua fonte de inspiração.

 

RESUMO

DE MARCHI, L. Inovação nas indústrias culturais na era digital: um estudo de caso das empresas eletrônicas da indústria fonográfica brasileira. 2015. 222 f. Relatório Final (Pesquisa de PósDoutorado). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

O objetivo desta pesquisa é analisar o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil, observando-se os conflitos e disputas entre os agentes que caracterizam esse mercado e suas consequências tanto para a capacidade de inovação comercial quanto a diversidade cultural do mercado de música no país. Como desde 2010 se tem notado o início das atividades no Brasil de empresas eletrônicas internacionais (lojas virtuais de fonogramas, como a iTunes, agregadores de conteúdo, como The Orchard e Believe Digital, e serviços de streaming, como Spotify, Deezer, Rdio, entre outros), buscou-se tornar inteligíveis os conflitos de interesses entre esses entrantes no mercado de música e tradicionais agentes da indústria do disco (artistas, gravadoras e editoras de música). Adotando-se a sociologia econômica como referencial teórico, realiza-se um estudo de caso desse setor do comércio de música gravada, valendo-se de técnicas de pesquisa como entrevistas compreensivas, revisão bibliográfica, levantamento de dados secundários, além da observação de páginas na internet. Ao longo de três anos de pesquisa (outubro de 2012/ setembro de 2015), concluiu-se que, pese o notável crescimento do comércio de conteúdos digitais nos últimos cinco anos, o cenário futuro desse segmento de comércio de bens culturais está ameaçado pela (1) insegurança jurídica que a ausência de reformas nas instituições reguladoras do campo acarreta (notadamente, a Lei de Direitos Autorais no Brasil), (2) pela opacidade nas relações econômicas entre produtores de conteúdos, intermediários (gravadoras, editoras e o ECAD) e empresas eletrônicas de varejo (lojas virtuais e serviços de streaming). Entende-se que esse contexto pode ser prejudicial à capacidade de inovação comercial na indústria fonográfica local, restringindo o acesso de produtores locais de conteúdo ao mercado e, logo, o usufruto desses conteúdos pelos consumidores brasileiros, afetando, assim, os níveis de diversidade cultural do mercado digital de música no país. Na primeira parte da conclusão, discutem-se as consequências dessas composições de força tanto no plano global quanto brasileiro, apontando os desafios para o pleno desenvolvimento do mercado fonográfico digital e as consequências para a inovação comercial e a diversidade cultural. Em sua segunda parte, fazem-se recomendações tanto para o setor privado quanto para o Poder Público.

Palavras-chave: indústria fonográfica brasileira. Conteúdos digitais. Empresas eletrônicas de música.

 

ABSTRACT

DE MARCHI, L. Innovation in cultural industries in the digital age: a case study of the electronic companies in the Brazilian music industry. 2015. 222 f. Relatório Final (Pesquisa de Pós-Doutorado). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

The objective of this research is to analyze the development of the digital music market in Brazil, observing the conflicts and disputes among agents that characterize this market and its consequences for the capacity of commercial innovation as the cultural diversity of the music market in the country. As since 2010 has noticed the beginning of activities in Brazil of international electronic companies (such as virtual stores, iTunes, content aggregators such as The Orchard and Believe Digital, and streaming services such as Spotify, Deezer, Rdio, among others), we sought to make intelligible the conflicts of interest between these entrants in the music market and traditional record industry players, as artists, record companies and music publishers. Adopting economic sociology as a theoretical framework, it is carried out a case study of the digital segment of the music industry, making use of research techniques as comprehensive interviews, literature review, collection of secondary data, and the observation of websites. Over three years of research (October 2012 / September 2015), it was concluded that, despite the substantial growth of digital content trade in the last five years, the future scenario of this cultural trade segment is threatened by (1) legal uncertainty that the absence of reforms in the regulatory institutions in the field entails (notably, the Copyright Law in Brazil), (2) the opacity in economic relations between producers content, intermediate (record companies, publishers and ECAD) and electronic retail companies (virtual stores and streaming services). It is understood that this context can be harmful to commercial innovation ability in the local music industry, restricting access to local content producers to market, altering the enjoyment of such content by Brazilian consumers, thus affecting the levels of cultural diversity in the local digital music market. In the first part of the conclusion, we discuss the consequences of such power compositions both in the global and Brazilian plan, pointing out the challenges for the full development of the digital music market and the consequences for commercial innovation and cultural diversity. In its second part, we propose some recommendations for both the private sector and to the Government as well. Key Words: Brazilian Music Industry. Digital Content. Music Electronic-Businesses.

SUMÁRIO   1.  INTRODUÇÃO  .............................................................................................................................  7     2.  UMA   ABORDAGEM   SOCIOECONÔMICA   DOS   MERCADOS   DE   COMUNICAÇÃO   E   CULTURA  .........................................................................................................................................  17   2.1. AS ESPECIFICIDADES DOS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA  ....................................  18   2.2. CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA AOS ESTUDOS DOS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA  ............................................................................................................................  33   2.2.1.Uma  leitura  sociológica  da  teoria  da  destruição  criadora  ......................................................  40   2.2.2.  Sobre  a  destruição  criadora  dos  mercados  de  comunicação  e  cultura  ............................  45   2.3. METODOLOGIA DE PESQUISA  .................................................................................................................  51   2.3.1.  Etapas  da  pesquisa  ...................................................................................................................................  56   2.3.2.  Produtos  da  pesquisa  ..............................................................................................................................  58     3.  FORMAÇÃO   DO   MERCADO   FONOGRÁFICO   DIGITAL   GLOBAL:   CONFLITOS   DE   INTERESSES  NA  CONSTRUÇÃO  DO  COMÉRCIO  DE  CONTEÚDOS  DIGITAIS  ................  63   3.1. DO JUKEBOX CELESTIAL À MÚSICA LÍQUIDA: AS DISPUTAS PELO MERCADO FONOGRÁFICO DIGITAL NOS ANOS 2000  ..................................................................................................................................  64   3.2. O JUKEBOX CELESTIAL ENTRA EM AÇÃO? O ITUNES, OS SERVIÇOS DE STREAMING E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO MODELO DE NEGÓCIO DE ACESSO AOS CONTEÚDOS DIGITAIS  .....  83     4.  O   MERCADO   FONOGRÁFICO   DIGITAL   NO   BRASIL   2000-­‐2010:   CRISE   INSTITUCIONAL  DO  MERCADO  DE  DISCOS  FÍSICOS  E  AS  PRIMEIRAS  EXPERIÊNCIAS   DE  NOVOS  MODELOS  DE  NEGÓCIO  DE  MÚSICA  NO  AMBIENTE  DIGITAL  ..................  101   4.1. CRISE INSTITUCIONAL DO MERCADO DE DISCOS FÍSICOS  ..........................................................  102   4.2. A FASE SCHUMPETERIANA DO MERCADO FONOGRÁFICO DIGITAL NO BRASIL: AS PRIMEIRAS EMPRESAS ELETRÔNICAS DE MÚSICA E A POSSIBILIDADE DE UM MODELO BRASILEIRO DE COMÉRCIO DE CONTEÚDOS DIGITAIS  .........................................................................  115  

  5.  A  CONSOLIDAÇÃO  DO  MERCADO  FONOGRÁFICO  DIGITAL  NO  BRASIL:  ENTRADA   DAS   EMPRESAS   ELETRÔNICAS   INTERNACIONAIS   E   A   ADAPTAÇÃO   DAS   INSTITUIÇÕES  REGULADORAS  DO  COMÉRCIO  DE  CONTEÚDOS  DIGITAIS  ..............  125   5.1. OS ALQUIMISTAS ESTÃO CHEGANDO: A ENTRADA DAS EMPRESAS ELETRÔNICAS

ESTRANGEIRAS E A GLOBALIZAÇÃO DO MERCADO FONOGRÁFICO DIGITAL BRASILEIRO  ......  126  

5.2. TRANSFORMAÇÃO INSTITUCIONAL E DESTRUIÇÃO CRIADORA: CONFLITOS DE INTERESSES E REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO DE CONTEÚDOS DIGITAIS  ......................................................  141   5.2.1.  O  ECAD  e  a  gestão  coletiva  dos  direitos  autorais  no  mercado  digital  .............................  142   5.2.2.  O  Marco  Civil  da  Internet  ....................................................................................................................  159   5.2.3.  O  difícil  projeto  de  reforma  da  Lei  de  Direitos  Autorais  ........................................................  164  

6.  CONCLUSÃO  ...........................................................................................................................  173   6.1. DISPUTAS PELO JUKEBOX CELESTIAL E O FUTURO DO MERCADO FONOGRÁFICO DIGITAL GLOBAL  ..............................................................................................................................................................  173   6.2. INCERTEZAS SOBRE O MERCADO FONOGRÁFICO DIGITAL NO BRASIL  ..................................  187   6.3. RECOMENDAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DO MERCADO FONOGRÁFICO DIGITAL NO BRASIL  ................................................................................................................................................................  195   6.3.1.  Recomendações  para  o  setor  privado  ............................................................................................  197   6.3.2.  Recomendações  ao  Poder  Público  ...................................................................................................  199   REFERÊNCIAS ...................................................................................................................207

 

1. Introdução

Em sua versão original, o projeto desta pesquisa tinha por objetivo analisar a inovação nos mercados de comunicação e cultura num contexto de digitalização de bens culturais realizando um estudo de caso de empresas que trabalham com conteúdos relacionados à música nas redes digitais de comunicação ou, conforme se preferiu classificar, empresas eletrônicas de música1. A premissa original era a de que as redes digitais de comunicação tinham se tornado um lugar estratégico para a indústria fonográfica2 e que, nessa arena, as empresas eletrônicas se convertiam em intermediários fundamentais para o estabelecimento de relações comerciais entre produtores de conteúdo digital (músicos e/ou gravadoras e editoras de música, que passam a ser rotuladas, a partir deste momento, apenas de "editoras") e consumidores (indivíduos e/ou empresas), inovando na oferta de serviços e produtos. No entanto, sua condição de intermediários lhes impunha limites para seu funcionamento, uma vez que elas dependiam dos conteúdos digitais fornecidos pelos detentores de direitos autorais e conexos, ou seja, dos tradicionais agentes da indústria fonográfica. Diante desse cenário, propunham-se duas hipóteses de trabalho. A primeira era a de que a inovação dependia não tanto da tecnologia de que uma empresa eletrônica dispunha, mas de sua capacidade de negociar com esses tradicionais agentes da indústria fonográfica o direito de comercializar seus catálogos. A segunda era que essas negociações tendiam a reproduzir as divisões de poder que estruturam o mercado de                                                                                                                 1

Conceito de empresas eletrônicas aqui adotado é definido pelo sociólogo Manuel Castells (2003b, p. 57) como: “[...] qualquer atividade de negócio cujas operações-chave de administração, financiamento, inovação, produção, distribuição, vendas, relações com empregados e relações com clientes tenham lugar predominantemente pela/na internet ou outras redes de computadores, seja qual for o tipo de conexão entre as dimensões virtuais e físicas da firma. Ao usar a internet como um meio fundamental de comunicação e processamento de informação, a empresa adota a rede como sua forma organizacional. Essa transformação sócio-técnica permeia o sistema econômico em sua totalidade, e afeta todos os processos de criação, de troca e de distribuição de valor. Assim, capital e trabalho, os componentes-chave de todos os processos de negócio, são modificados em suas características, bem como no modo como operam”. Cf. Capítulo II. 2 Classifica-se, neste relatório, de "indústria fonográfica" o conjunto de atores (músicos, gravadoras, editoras, emissoras de rádio e televisão, entre outros) e negócio envolvidos na produção e distribuição de música gravada (fonogramas) sobre determinados suportes ou "formatos", que podem ser físicos, como o disco em vinil (LP) ou óptico (CD, DVD) ou virtual (arquivo digital). Sublinha-se que a indústria fonográfica é um subcampo da indústria da música, a qual é composta por outros ramos, como a indústria dos concertos ao vivo, de instrumentos musicais, de trilhas sonoras para televisão, cinema e publicidade, entre outras atividades relacionadas à venda de música (FRITH, 2000).

discos físicos no ambiente digital, criando uma divisão do trabalho entre as próprias empresas eletrônicas baseada no controle dos catálogos musicais. Essa formulação do problema se devia às conclusões obtidas na tese de doutorado Transformações estruturais da indústria fonográfica no Brasil 1999-2009: desestruturação do mercado de discos, novas mediações do comércio de fonogramas digitais e consequências para a diversidade cultural no mercado de música (DE MARCHI, 2011), defendida em 2011, pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro 3 (ECO-Pós UFRJ). Nessa oportunidade, estudara-se o primeiro momento da digitalização da indústria fonográfica no país, período que compreendia a primeira década do novo milênio (1999-2009). Naquela oportunidade, identificara-se, em primeiro lugar, uma crise de legitimidade das principais instituições que caracterizavam o mercado de discos físicos (suportes físicos para a inscrição dos fonogramas, como CD, DVD, discos em vinil, fitas magnéticas, entre outros suportes). Na medida em que a produção de fonogramas se ampliava com o acesso às tecnologias digitais da informação e da comunicação, produtores de conteúdos e consumidores passavam a utilizar vias alternativas de acesso a fonogramas em lugar das tradicionais lojas de discos (que, antes, monopolizavam o acesso dos consumidores aos produtos físicos). Crescentemente, os artistas brasileiros passavam a gravar suas obras em estúdios alugados e a distribuíam gratuitamente pela internet, valendo-se de Licenças Públicas Gerais, como o Creative Commons4, uma vez que seus consumidores demonstravam uma baixa disposição para pagar por discos físicos, preferindo baixar grandes quantidades de arquivos digitais para seus dispositivos midiáticos (computadores pessoais, notebooks, telefones celulares e/ou tablets). Por conseguinte, um número maior tanto de artistas quanto de consumidores passou a questionar as "instituições" (sobre o conceito de "instituições" aqui utilizado, veja-se o Capítulo I), como a                                                                                                                 3

Orientada pelo Professor Dr. Micael Maiolino Herschmann (Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e co-orientada pelo Professor Dr. Luis Alfonso Albornoz (Universidade Carlos III de Madri, Espanha), essa tese foi defendida em 2011, no Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisa contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), concedendo uma Bolsa de Doutorado no País, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), concedendo uma Bolsa de Doutorado no País com Estágio no Exterior (realizada na Universidade Carlos III de Madri). Em 2012, a tese ganhou o I Prêmio da Secretaria da Economia Criativa: Estudos e Pesquisas, concedido pela Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura (SEC-MinC). 4 Sobre as Licenças Públicas Gerais (LPG) e o Creative Commons, cf. BRANCO; BRITTO, 2013; LEMOS, 2005, 2006; LESSIG, 2005. Além dessa referencias, discutem-se esse dois instrumentos jurídicos nos Capítulo I e III deste relatório.

 

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necessidade de se produzirem discos físicos e os comprarem em lojas do varejo, a utilidade de se assinarem contratos com gravadoras e a adequação da Lei de Direitos Autorais no Brasil (Lei no 9.610/98) às práticas de produção e consumo de conteúdos digitais. Em segundo, notou-se o surgimento das primeiras experiências de comércio eletrônico de música, realizadas por empreendedores locais, sobretudo. Empresas eletrônicas nacionais como o iMusica, Trevo Digital, Trama Virtual, entre outras, assim como artistas sem contratos com qualquer tipo de gravadora, rotulados como "artistas autônomos", como O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, entre outros, buscaram apresentar soluções para o declínio da venda de discos físicos e a crescente demanda por conteúdos digitais. Esses empreendimentos ofereciam diversos serviços, desde a digitalização de catálogos, sua distribuição para plataformas varejistas nacionais e internacionais e até mesmo desenvolveram sistema de vendas para esses conteúdos tanto na internet como em telefones celulares. Diante da paralisia de atores tradicionais da indústria dos discos físicos, notadamente, das gravadoras, esses agentes deram os primeiros passos para a criação de um mercado fonográfico digital no país. Ao longo daquela pesquisa, identificou-se uma crescente diferenciação entre essas empresas eletrônicas de música a partir não tanto da qualidade da tecnologia que possuíam

quanto

da

posse

dos

catálogos

que

comercializavam.

Assim,

desenvolveram-se categorias que visavam distinguir o tipo de empresa eletrônica de acordo com o seu público. Havia, portanto: •

Grandes intermediários: empresas eletrônicas que administravam e distribuíam os catálogos de grandes gravadoras e gravadoras independentes tanto para consumidores primários (empresas de telefonia celular, portais de internet, outros intermediários estrangeiros, rádios pela internet etc.) quanto finais (indivíduos).



Pequenos e médios intermediários: empresas eletrônicas que trabalhavam apenas com selos independentes e artistas autônomos.



Artistas autônomos: sem contrato com qualquer tipo de gravadora, esses produtores desenvolveram seus próprios canais de acesso ao público para divulgar sua obra, vendendo produtos e serviços através de suas páginas na internet e/ou perfis nas redes sociais.

 

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Nesse cenário, observou-se que os grandes intermediários eram as empresas que, como dispunham dos catálogos com artistas mais populares, detinham a capacidade de atrair grupos heterogêneos de usuários, o que lhes facilitava obter recursos para inovar na oferta de serviços. Quanto às outras categorias de distribuidores de conteúdos, sua capacidade de ampliar seus mercados era restrita devido à homogeneidade de seus consumidores e sua dificuldade de estabelecerem parceiras com empresas de outros setores comerciais (empresas de telecomunicações, por exemplo). Como os grandes intermediários existiam em número muito reduzido, uma vez que eram poucas as empresas capazes financeira e politicamente de celebrarem acordos comerciais com grandes editoras e gravadoras para gerirem seus catálogos nas redes digitais,   concluiu-se que nesse emergente mercado fonográfico digital ocorria um fenômeno classificado de "concentração sem centralização" (concentration without centralization), termo tomado emprestado de Bennett Harrison (1997) para analisar a economia política da globalização5. Isso significava afirmar que, enquanto a produção dos conteúdos (nesse caso, de fonogramas) se descentralizava radicalmente, tendendo ao infinito (uma vez que não estava mais restrita a algumas poucas gravadoras, mas poderia ser feita por inúmeros microprodutores, como os músicos autônomos), a possibilidade de fazer esse material circular estava se tornando cada vez mais restrita a um grupo de agentes que, detendo os catálogos mais valiosos, poderia inovar e ampliar suas redes de usuários. Essa conclusão implicava uma dura crítica ao que se pode rotular, ironicamente, de "teorias deslumbradas" pela revolução digital, as quais professavam que o mercado digital havia criado a materialização perfeita do livre-mercado defendido pelos economistas neoliberais, onde todos os produtores teriam a possibilidade de negociarem diretamente com seus consumidores, sem atravessadores dotados de todo o poder (ANDERSON, 2006; GATES, 1995; LEONHARD; KUSECK, 2005; LEONHARD, 2007). Pelo contrário, sugeria-se uma situação de                                                                                                                 5

Ao estudar o fenômeno da produção flexível, tido ao longo dos anos 1970 aos 1990 como uma forma revolucionária de organização da produção de bens e serviços que poderia levar a alguma "segunda revolução industrial" que seria mais justa para com alguma nova classe operária (PIORE; SABEL, 1984), Harrison demonstrou que o mercado global tendia a uma crescente descentralização da produção industrial, que passaria a ser realizada por pequenas unidades produtoras conectadas pelas tecnologias digitais da comunicação, porém a capacidade de fazer circular essas mercadorias no mercado global era crescentemente restrita a um pequeno grupo de conglomerados transnacionais. Daí que esse pesquisador conclua que, se a produção de bens e serviços realmente se descentralizou, envolvendo a organização em rede de diversos agentes autônomos, a tendência de concentração do mercado se dava nas fases de distribuição e comercialização, na qual apenas alguns agentes teriam a capacidade de se aproveitar do mercado global em expansão.

 

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reprodução da ordem social do mercado de discos físicos no ambiente digital, colocando em xeque avanços em termos de liberdade de produção e de diversidade cultural que se haviam alcançado naquele período no mercado de música no país. A pesquisa de pós-doutorado deveria dar continuidade àquela análise, portanto, visando observar o desenvolvimento da organização de um mercado fonográfico digital baseado em empresas eletrônicas locais e em suas associações com os tradicionais agentes da indústria fonográfica. No entanto, o que notou assim que se iniciou a pesquisa de pós-doutorado (em outubro de 2012) foi que esse cenário da década anterior havia se transformado substancialmente, tornando-se bem mais complexo. Dois são os eventos que demarcam o ponto de inflexão no desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil, quais sejam, os acordos do YouTube com o Escritório Nacional de Arrecadação e Distribuição de direitos autorais (ECAD), em 2010, e da Apple Inc. com a sociedade arrecadadora União Brasileira de Editoras de Música (UBEM), em 2011, a fim de viabilizar o funcionamento de sua loja virtual de fonogramas, a iTunes Store. Desde logo, o início das atividades no país de duas das mais importantes plataformas digitais de consumo de música restituiu a confiança necessária para os agentes dominantes da indústria fonográfica (grandes gravadoras, grandes editoras e artistas) para investirem sem reticências no mercado digital. Anteriormente, quando havia apenas empresas eletrônicas locais oferecendo soluções próprias para o ambiente digital, era visível que os investimentos realizados por esses importantes atores do mercado de música eram abaixo do possível e do desejável para consolidar o comércio de conteúdos digitais. Exemplo dessa outra postura era a própria UBEM, que fora criada em 2010 através da união das grandes editoras multinacionais em operação no país (EMI Songs/Tapajós, Warner Chappell Edições Musicais Ltda., Universal Publishing/MGB e Sony Music ATV/SM) com o intuito de realizar o acordo com a Apple, conforme fontes do mercado de música entrevistadas para esta pesquisa6. Além disso, a presença dessas empresas multinacionais, pertencentes a grandes grupos de tecnologias da informação (TI) (Google e Apple) atraiu a atenção de outras empresas eletrônicas estrangeiras para o mercado brasileiro. Não por acaso,                                                                                                                 6

Para funcionar em qualquer Mercado, a Apple Inc. exige ter apenas uma entidade para a qual ela deve pagar os royalties dos direitos conexos dos fonogramas pelas vendas através da iTunes Store. É o que se chama, no jargão da indústria fonográfica, de one-stop-shop (o que poderia ser traduzido, de forma literal e livre, como "única parada para negócios"). Para uma discussão desse acordo, cf. Capítulo IV.

 

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a partir de 2011, testemunhou-se o início de atividades de diferentes tipos de serviços digitais de música, desde agregadores de conteúdo como The Orchard (EUA-Japão), CD Baby (EUA) e Believe Digital (Reino Unido), a serviços em linha, como a francesa Deezer (2013), a norte-americana Rdio (2013) e a sueca-britânica Spotify (2014), entre outras. O início das atividades dessas empresas multinacionais resultou num crescimento acelerado do mercado fonográfico digital no país. Conforme se demonstrará em detalhes no Capítulo IV, os números indicam que a receita das atividades comerciais de conteúdos digitais apresentou um crescimento notável. Entre 2010 e 2014, a receita do segmento digital passou de $ 53,9 milhões de Reais para aproximadamente $ 218 milhões de Reais, um aumento de 404,45%. Com isso, sua participação na arrecadação total da indústria fonográfica brasileira deixou de corresponder a 16%, em 2009, passando para 48%, em 2014 (ABPD, 2010, 2015). É decisivo notar que a entrada desses novos agentes do mercado digital e a mobilização que eles causaram nos tradicionais agentes da indústria de discos marcou uma ruptura radical com o contexto anterior. Com efeito, as empresas eletrônicas nacionais ou se adaptaram a algum nicho de serviços digitais, abdicando de outras atividades comerciais de que antes se ocupavam, ou simplesmente encerraram suas atividades. Sendo, na década anterior, a empresa mais importante do mercado digital, a iMusica era a principal loja virtual de fonogramas na internet, além de prestar serviços para todas as empresas de telefonia celular no país (Vivo, Claro, Oi e TIM). Desde o início das operações da iTunes Store no Brasil, porém, a iMusica desativou sua loja virtual de fonogramas e se tornou uma agregadora de conteúdos para telefonia celular (que era, aliás, o segmento de mercado mais lucrativo). Mesmo assim, a empresa testemunhou a diminuição também desse mercado na medida em que as operadoras de telefonia celular celebravam contratos com empresas de streaming internacionais: a Oi assinou com a Rdio, a TIM contratou a Deezer, enquanto a Vivo conta com os serviços de um renovado Napster (Rhapsody). Em 2014, a empresa teve a maior parte de suas ações compradas pela operadora de telefonia celular Claro (da empresa America Móvil, de capital mexicano), que a incorporou aos diversos serviços oferecidos aos seus clientes. Já experiências pioneiras, como a Trevo Digital e a Trama Virtual, encerraram suas atividades. Ainda que o fim dessas empresas eletrônicas nacionais não tenha se devido apenas à presença das estrangeiras (podem-se apontar erros de gestão, decisões equivocadas  

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em termos de investimentos, incapacidade de inovação frente à evolução do mercado, entre outros fatores pontuais), não há dúvida de que a concorrência com essas bem estruturas marcas contribuiu significativamente para isso. É possível notar a mudança no mercado até mesmo entre os artistas autônomos que, antes, inovavam mais do que outros empreendimentos no ambiente digital. Se, na década anterior, esses artistas não duvidavam em distribuírem gratuitamente todos os seus fonogramas pela internet através de Licenças Públicas Gerais, atualmente muitos passaram a "monetizar" (jargão do mercado para "gerar dinheiro") suas obras através do iTunes e/ou de serviços de streaming, como Rdio, Deezer ou Spotify. Logicamente, essa nova composição de forças do mercado fonográfico digital no Brasil apresentava outras questões a serem analisadas. Nesse cenário, passou a ser importante observar e compreender: •

A dinâmica da relação entre empresas eletrônicas estrangeiras e as locais: qual espaço há para a inovação tecnológica produzida no Brasil por empreendedores locais? O país tende a se tornar meramente um fornecedor de conteúdos digitais? Neste caso, quais seriam as consequências para a produção e circulação de música no país?



Acesso dos produtores de conteúdos digitais ao mercado nacional e internacional: como as diferentes categorias de produtores de conteúdos (artistas de grandes gravadoras, artistas de gravadoras independentes brasileiras e artistas autônomos) conseguem acessar as plataformas digitais estrangeiras? Vale a pena, financeiramente, estarem nessas plataformas? Quais são os principais entraves a esse acesso?



Sobre o consumo dos conteúdos digitais e formas criativas de apropriação (produção de obras derivadas a partir de material protegido por direitos autorais e conexos): a população local tem fácil acesso a essas plataformas? Como lhes é permitido usufruir desses conteúdos digitais? É-lhes permitido transferir arquivos adquiridos legitimamente de um dispositivo midiático a outro (como transferir faixas adquiridas na loja iTunes do celular para o tablete da pessoa)? Como tem sido tratada formas inovadoras de criação de obras derivadas de obras protegidas por direitos autorais? É permitido

 

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produzir e distribuir, por exemplo, covers, remixes ou mash-up através dessas plataformas digitais? O que diz a Lei de Direitos Autorais no Brasil? Há fácil acesso da população às obras que se encontram em Domínio Público através das redes digitais de comunicação? •

Sobre o papel do Estado brasileiro: qual deve ser o papel do Estado brasileiro nessa destruição criadora dos mercados de comunicação e cultura? Qual o alcance das políticas públicas nacionais num mercado que se tornou verdadeiramente global através das tecnologias digitais?



Sobre o desempenho do mercado digital no Brasil: quais são os principais entraves para o pleno desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil? Como tais fatores podem afetar tanto a capacidade de inovação quanto a diversidade cultural desse mercado?

Foram essas, portanto, as questões que deram norte a esta pesquisa, que foi desenvolvida entre outubro de 2012 e setembro de 2015. A maneira pela qual essas questões são formuladas evidencia a necessidade de adoção um referencial teórico adequado, que leve em consideração aspectos socioculturais na análise da vida econômica. Por essa razão, decidiu-se adotar a abordagem sociológica dos mercados, ou sociologia econômica 7 . A sociologia econômica propõe a análise da vida econômica como um fenômeno arraigado (embbedded) num contexto social, cultural e político determinado. Com efeito, os sociólogos têm insistido em que a ação econômica é um produto histórico e que ela é influenciada, na prática, tanto por variáveis racionais quanto irracionais (emoções, tradicionalismo, superstições etc.), além de levar em consideração a ação dos outros agentes (fatores intersubjetivos), ao invés de alguma razão instrumental transcendental (STEINER, 2006). Entre os diferentes ramos que compõem a atual sociologia econômica, decidiu-se filiar à sociologia dos mercados. Em particular, adota-se uma abordagem baseada na teoria dos campos, numa síntese das obras de autores como Pierre Bourdieu, Neil Fligstein e Jens Beckert. Assim, parte-se do pressuposto de que todo mercado é uma arena de interação social, ou "campo", na qual agentes dotados de capitais (um quantum social que pode ser de natureza econômica, social, política,                                                                                                                 7

A definição básica de sociologia econômica é a de que constitui a aplicação de quadros de referência, variáveis e modelos explicativos da sociologia àquele complexo de atividades relacionado à produção, distribuição, troca e consumo de bens escassos e serviços (SMELSER; SWEDBERG, 1994, p. 03).

 

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simbólica, tecnológica, entre outras) desigualmente distribuídos competem por oportunidades econômicas (BOURDIEU, 2005). Ao contrário do que preconiza a teoria econômica neoclássica, porém, esses agentes econômicos não conseguem ter acesso à plenitude das informações disponíveis sobre o mercado e, portanto, transacionam

num

ambiente

constitutivamente

caracterizado

pela

incerteza

(BECKERT, 1996). Nesse contexto, eles passam a agir a partir da observação e compreensão da ação dos outros agentes envolvidos no campo. Na medida em que interagem continuamente, eles estabelecem tecnologias sociais, ou instituições, que consagram posições sociais entre si (agentes dominantes e dominados), regras de comércio e suas sanções. Tais convenções informais (acordos de cavalheiros, sanções culturais a determinado tipo de comércio, regras de contratação de determinados tipos de funcionários, conduta ética entre as empresas concorrentes etc.) e/ou positivadas (leis de propriedade, leis de regulação do comércio, diretrizes governamentais etc.) garantem previsibilidade às ações econômicas na medida em que são capazes de formar expectativas estáveis no que diz respeito às ações de todos os agentes do mercado e aos eventos futuros relevantes para a tomada de decisões, sendo fundamentais para o estabelecimento das fronteiras do campo, geração de uma cultura própria e de identidades dos agentes econômicos, além de fundamentar suas possibilidades de ação (FLIGSTEIN, 2001). No entanto, de tempos em tempos, devido à natureza conflituosa da vida econômica, certos agentes menos privilegiados tentam introduzir "inovações" que descontinuem o modus operandi do campo. Quando isso ocorre, entende-se que se inicia o fenômeno da "destruição criadora" do mercado (SCHUMPETER, 1982; 2010). Na leitura sociológica da teoria de Joseph A. Schumpeter que se propõe no Capítulo I deste relatório, a destruição criadora é entendida como um momento ritual de disputas entre novos e tradicionais agentes envolvidos num campo, de cujo resultado emergirá alguma nova configuração do mercado. No caso do objeto desta pesquisa, o mercado fonográfico digital, esse referencial teórico tem a vantagem de permitir a análise da transformação econômica não como um processo evolutivo linear, em que uma nova tecnologia supera a anterior porque seria simplesmente "mais avançada", capitaneado por novas empresas, mas, sim, como o resultado de disputas políticas entre novos e tradicionais agentes econômicos, com a mediação de instituições reguladoras (incluindo-se o Estado). Essa abordagem evita os determinismos tanto tecnológico quanto econômico,  

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possibilitando que se compreenda como tradicionais atores de um mercado conseguem subjugar os entrantes, pese o fato destes introduzirem inovações que descontinuam as práticas comerciais estabelecidas, mantendo-se como empresas dominantes no campo, ou o contrário, como novos agentes conseguem minar a posição social de tradicionais agentes e subverter as relações de poder e econômicas do campo. Além disso, a sociologia econômica permite analisar a economia politica dos mercados de comunicação e cultura não se atendo apenas a fatores macroeconômicos, mas também à cultura compartilhada, no sentido antropológico do termo, entre os agentes econômicos, possibilitando articular uma análise estrutural desses mercados à uma abordagem interacionista. Devido ao viés histórico e sociológico adotado nesta pesquisa, optou-se dividir o relatório em quatro capítulos. No primeiro, apresentam-se o referencial teórico e a metodologia de pesquisa adotados. Assim, defende-se a opção teórica pela sociologia econômica, justificando sua aplicação às especificidades dos mercados de comunicação e cultura. Além disso, expõe-se a metodologia adotada e se descrevem as etapas da pesquisa e suas realizações (produtos derivados da pesquisa, como artigos publicados em jornais acadêmicos, apresentações de resultados parciais em congressos nacionais e internacionais, produção de um website da pesquisa, entre outros). No segundo, apresenta-se uma história social da formação do mercado fonográfico digital internacional, destacando-se seus principais agentes e disputas que determinaram a trajetória desse mercado. No terceiro capítulo, realiza-se o mesmo procedimento, porém, aplicado ao contexto brasileiro. Especificamente, retoma-se criticamente os acontecimentos da década de 2000, ressaltando as principais características que viriam a ser transformar no decênio seguinte. No quarto capítulo, apresentam-se os resultados desta pesquisa, buscando-se identificar a nova composição de forças do mercado fonográfico digital no Brasil e as disputas decorrentes do choque de interesses desses diferentes agentes. Na primeira parte da conclusão, discutem-se as consequências dessas composições de força tanto no plano internacional quanto brasileiro, apontando os desafios para o pleno desenvolvimento do mercado fonográfico digital e as consequências para a inovação comercial e a diversidade cultural. Em sua segunda parte, fazem-se algumas recomendações tanto para o setor privado quanto para o Poder Público tendo em vista o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil.

 

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2. Uma abordagem socioeconômica dos mercados de comunicação e cultura Neste primeiro capítulo, apresentam-se tanto o referencial teórico quanto a metodologia utilizados nesta pesquisa. Em relação à referência teórica empregada, defende-se a utilização da sociologia econômica para se analisarem os mercados de comunicação e cultura, conforme realizado em outra oportunidade (DE MARCHI, 2011). Entende-se que essa especialização da teoria sociológica é mais apropriada para dar conta do papel das estruturas sociais e culturais que compõem esses mercados em comparação com abordagens similares, como a economia política da comunicação ou a economia da cultura. Assim, busca-se desenvolver uma teoria sociocultural da vida econômica que leve em consideração o papel da ordem social estabelecida entre os agentes de um mercado e como sua cultura (no sentido de uma trama de significados, valores, ideias, imaginários, que afeta a própria prática) na realização da ação econômica concreta. Em particular, explora-se o papel das instituições

reguladoras dos mercados, uma vez que elas são entendidas como

dispositivos decisivos para a promoção ou restrição da inovação e da criatividade. Além disso, o referencial teórico aqui apresentado busca pensar as especificidades dos mercados de comunicação e cultura. Com efeito, a informação e as artes são mercadorias peculiares. A produção de seu valor depende não tanto da lei da oferta e da procura, como ocorre com mercadorias utilitárias, mas sim de um complexo jogo simbólico de concessão de reconhecimento por parte de agentes autorizados dentro do campo. Acima de tudo, deve-se reconhecer o que se classifica aqui de sua "dupla natureza", qual seja, ao mesmo tempo serem uma mercadoria e expressões portadoras de identidades, valores, e significados culturais. Isso impede que os envolvidos nesses mercados (empresas, Estado, consumidores e instituições reguladoras) visem apenas a maximização de sua utilidade, uma vez que os bens culturais desempenham um papel sociocultural decisivo e é daí que deriva, em larga medida, seu valor econômico. Nesse sentido, os bens culturais constituem uma importante materialização do que os economistas classificam de "bens comuns"

 

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(public goods), cujas características exigem uma participação especial do Estado na formação e regulação de seu comércio. Como se produz o equilíbrio no jogo entre interesses privados e interesses coletivos é um elemento crítico da análise sociológica desses mercados. Na parte dedicada à metodologia da pesquisa, defende-se a escolha pelo estudo de caso como método (YIN, 2010) e se apresentam as técnicas de pesquisa utilizadas para realizar a pesquisa do segmento digital da indústria fonográfica. Particularmente, discutem-se as dificuldades para se desenvolver a pesquisa de campo e as soluções encontradas. Por fim, descrevem-se as etapas da pesquisa e suas realizações, como a publicação de artigos, participações em congressos, cursos de aperfeiçoamento, criação do website da pesquisa, entre outras. O capítulo foi dividido em três grandes partes. Na primeira, discutem-se as especificidades dos mercados de comunicação e cultura, sublinhando a chamada "dupla natureza" dos bens culturais. Em seguida, apresenta-se o referencial teórico utilizado para se analisar os mercados de comunicação e cultura. Por fim, discute-se a metodologia e as técnicas de pesquisa empregadas, comentando-se o desenvolvimento da pesquisa.

2.1. As especificidades dos mercados de comunicação e cultura Os mercados de comunicação e cultura apresentam especificidades que constituem verdadeiros desafios ao pensamento econômico ortodoxo. É verdade que no atual cenário do capitalismo pós-industrial, há um crescente e significativo entrelaçamento entre atividades econômicas utilitárias e simbólicas. O valor de um carro, de uma bolsa ou de um telefone celular passa a ser condicionado, de forma decisiva, por aspectos que pertencem ao campo simbólico, ocasionando o que se rotulou de estetização do cotidiano (LASH; URRY, 1996). A recíproca é verdadeira. Cada vez mais as atividades culturais, ou relacionadas à cultura (como o turismo), são entendidas como atividades econômicas em sua plenitude, sendo crescentemente importantes para a geração de riquezas de diferentes economias nacionais (TOLILA, 2007). Tais fenômenos correlatos tornam difícil a tarefa de delinear fronteiras entre o que é da ordem da utilidade e o que pertence à da estética. Por isso, de forma até radical, alguns pensadores julgam ser imperativo abolir o adjetivo "cultural" para algumas mercadorias, uma vez que o consumo de todos bens e serviços atualmente  

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pode ser, de uma maneira ou de outra, considerado "cultural" (MATO, 2007). Não obstante, mesmo sem querer retomar a tradicional dicotomia romântica entre arte e comércio, concorda-se com Enrique Bustamante (2009) em que é necessário observar que os bens e serviços culturais comportam singularidades que os colocam como mercadorias sui generis, portanto, demandando uma abordagem peculiar por parte tanto do pensamento teórico quanto da prática política. Uma característica distintiva dos bens culturais é que o valor das obras depende não da lei da oferta e procura pura, como ocorre com os bens utilitários, mas de uma rede de relações sociais e instituições consagradas através das quais se estabelecem parâmetros para a atribuição de uma distinção simbólica para um artista e suas obras. Na medida em que as artes se autonomizaram da esfera religiosa e política na era burguesa, elas se tornam um campo autônomo no qual os agentes envolvidos se voltam para a definição de um conjunto de valores que estabelecem as fronteiras do próprio campo e, portanto, conferem ou não legitimidade cultural a sujeitos e objetos. Os trabalhos de sociologia da arte de Pierre Bourdieu (2001, 2006, 2008) são particularmente categóricos ao demonstrar que o valor das atividades culturais eruditas (da pintura, da alta-costura, da literatura, da música, entre outras) se deve não a fatores como o tempo de capacitação de um artista ou o investimento realizado para se produzir uma obra (custos da pintura de um quadro, da composição de uma peça musical, confecção de uma roupa etc.), tampouco ao tempo que se gastou realizando tal ou qual tarefa. Os custos envolvidos na formação dos artistas e/ou na realização de uma obra podem ser considerados o que os economistas chamam de "custos perdidos" (sunk costs), ou seja, custos que não podem ser repassados diretamente ao preço da mercadoria (SHAPIRO; VARIAN, 1999). Daí que, tradicionalmente, os economistas políticos clássicos, Karl Marx e mesmo os primeiros economistas marginalistas considerassem as atividades artísticas como "trabalho improdutivo", excluindo-as da análise econômica8 (cf. BENHAMOU, 2007). O que confere valor a uma obra de arte                                                                                                                 8

É interessante notar que a "cultura", entendida no sentido humanista, que a torna sinônimo de "artes", inicialmente tenha sido um objeto desprezado pelos primeiros economistas. Para os economistas políticos clássicos assim como para os economistas neoclássicos, as atividades artísticas constituíam uma forma de "trabalho improdutivo", portanto, não contribuindo para a criação e a distribuição da riqueza da nação e, logo, não devendo ser objeto da ciência econômica. Os conceitos de "trabalho produtivo" e "trabalho improdutivo" foram utilizados na economia política clássica, também sendo válida para as análises marxiana e neoclássica. Os economistas políticos clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, buscaram definir quais tipos de trabalho contribuiriam para o aumento da riqueza da sociedade, em comparação com atividades que não aumentariam a riqueza. Assim, o "trabalho produtivo" seria aquele através do qual se produz dinheiro, riqueza, através de mercadorias

 

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é, assim, o reconhecimento conferido por intermediários culturais do campo das artes (marchands, críticos de arte, museus, agentes do Estado dedicados à avaliação de obras artes, jornalistas culturais, editores musicais, por exemplo) de que a técnica de tal ou qual artista constitui um estilo digno de ser reconhecido como excepcional e, portanto, uma expressão artística de alto capital simbólico (ou valor agregado). Conforme formula Bourdieu, "[...] quanto mais o campo [das artes] estiver em condições de funcionar como um campo de uma competição pela legitimidade cultural, tanto mais a produção pode e deve orientar-se para a busca das distinções culturalmente pertinentes [grifo do original] em um determinado estágio de um dado campo [da pintura, da literatura, da música etc.], isto é, busca dos temas, técnicas e estilos que são dotados de valor na economia específica do campo por serem capazes de fazer existir culturalmente os grupos que os produzem, vale dizer, de conferir-lhes valor [grifo do original] propriamente cultural, atribuindo-lhes marcas de distinção (um especialidade, uma maneira, um estilo) reconhecidas pelo campo [as instituições e agentes que formam ...] como culturalmente pertinentes e, portanto, suscetíveis de serem percebidas e reconhecidas enquanto tais em função das taxionomias culturais disponíveis em um determinado estágio de um dado campo." (BOURDIEU, 2001, p. 109).

Esse fenômeno da produção dos bens culturais tem no consumo seu necessário complemento. Como sustenta o mesmo Bourdieu, em oposição às abordagens tradicionais da estética, o gosto não se forma naturalmente a partir de alguma prédisposição do indivíduo que se ativa diante da experiência fenomenológica que se experimenta diante de uma ou outra obra de arte; na verdade, o gosto é produto de relações sociais estabelecidas em determinado tempo e espaço. Decisivo para a formação do gosto é, continua esse autor, o processo de capacitação cognitiva a que os indivíduos de diferentes classes sociais são expostos ao longo de suas vidas através, notadamente, do sistema educacional. Em seu famoso livro A distinção, Bourdieu (2008) demonstra estatisticamente que o consumo cultural revela distinções de classe, atribuindo tais diferenças ao sistema educacional que desempenha um papel central na reprodução do campo cultural (sobre o sistema educacional como                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             manufaturadas, enquanto que o "trabalho improdutivo" não agregaria valor ao trabalho, merecendo apenas uma forma de remuneração (não de salário). Como, para a economia política clássica (assim como para a economia marxiana) a unidade produtora de valor é a força de trabalho a ser remunerada, os serviços não contam como uma atividade que produz o aumento da riqueza. No caso dos bens imateriais, muitas vezes nem sequer há um produto para se obter lucro, como a interpretação de uma peça musical ao vivo. Além disso, para os economistas neoclássicos, ou marginalistas, como Alfred Marshall (1982), as atividades artísticas eram objeto de uma difícil consideração econômica, uma vez que o valor de objetos como os quadros ou as esculturas, únicos em seu gênero, sem iguais nem concorrentes, faziam com que o preço nas vendas dos bens culturais dependesse muitas vezes do "acaso", escapando à lei da utilidade marginal e, logo, ao escopo da teoria econômica propriamente dita.

 

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instrumento da reprodução cultural, cf. BOURDIEU, 2001). Esses trabalhos indicam que o consumo de bens culturais envolve necessariamente um jogo complexo de forças sociais, culturais e políticas, afastando-o da lógica racional da utilidade, característica do pensamento utilitarista. Outra característica distintiva dos bens culturais é que eles são uma forma de bens comuns (Public Goods). Este termo se refere a bens que são tanto não excludentes quanto não concorrentes, isso é, cuja utilização por uma pessoa não reduz a disponibilidade para que outras desfrutem desse bem ao mesmo tempo. Exemplos disso são a defesa nacional, as estradas, a iluminação pública assim como os bens culturais. Quando uma pessoa observa, por exemplo, um quadro num museu ou escuta uma peça musical tocada ao piano numa praça, isso não impede que outras possam desfrutar dessas obras ao mesmo tempo. Ao contrário, quando uma pessoa utiliza uma peça de roupa, ela exclui a possibilidade de outras utilizarem simultaneamente essa mesma vestimenta (BENHAMOU, op. cit.). A característica de abundância dos bens comuns torna-os algo refratário à razão econômica a priori, pois impede que seu valor seja estipulado pela lei da oferta e procura. No entanto, esse tipo de bem apresenta um fator social relevante, significando que ele serve aos interesses coletivos e, portanto, torna-se necessário que alguma entidade zele por sua produção e distribuição. Não é surpreendente, pois, que sejam as entidades políticas, notadamente o Estado, que cuidem de garantir a produção e a distribuição desse tipo de bem, uma vez que existem duas potenciais ameaças aos bens comuns. Uma delas é o aproveitamento vicário, ou parasitismo (free-riding), que ocorre quando uma pessoa física ou jurídica se aproveita do livre acesso aos bens comuns para criar algum tipo de comércio ilegal, agindo de má fé (como a venda não autorizada de produtos que estão disponíveis gratuitamente). Outra ameaça é que se convencionou chamar de "a tragédia dos bens comuns" (the tragedy of the commons) (HARDIN, 1968). Essa ideia se refere à ameaça de uma exploração irracional de bens comuns, o que resultaria na sub-produção desses bens, uma vez que os produtores não teriam qualquer incentivo para realizar sua produção, e, no limite, no esgotamento desses recursos, acarretando a redução do bem-estar coletivo. No caso dos bens culturais, é possível que a ausência de incentivos ou a escolha de técnicas ineficientes para o fomento de sua proteção acarretem sua baixa produtividade e/ou sua restrita circulação, afetando negativamente a qualidade do  

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bem-estar coletivo. Assim, justifica-se que o Estado busque fomentar as atividades artísticas de diferentes maneiras, não excludentes, e utilizando variados instrumentos. Por exemplo, o Poder Público pode funcionar como o principal responsável pela produção cultural, através da contratação para empresas estatais de cultura ou subvenção dos artistas privados, assim como pela distribuição das obras, controlando museus, cinemas, sala de concerto, entre outros pontos de acesso aos bens culturais. Outra opção é incentivar a iniciativa privada para que o faça. Nesse caso, o principal instrumento para o fomento da produção ótima de bens culturais é a implementação de leis de propriedade intelectual, notadamente de direitos autorais. Mesmo assim, faz-se necessário observar que esse direito de "propriedade" é peculiar e suas singularidades são importantes para a presente discussão, portanto, merecendo uma breve discussão. Historicamente, os direitos autorais têm como predecessores os antigos Privilégios da Coroa, utilizados pelos monarcas como instrumento de controle econômico e ideológico de seus governados (KRETSCHMER, KAWHOL, 2004). Tais concessões para a produção e circulação de obras impressas eram concedidos a editores de livros, tendo uma validade limitada e, às vezes, sendo específico para a publicação de determinado título. Os Privilégios não eram concebidos como direitos naturais, mas sim como monopólios concedidos pelo Soberano a pessoas jurídicas, a fim de que se controlasse a disseminação de conhecimento entre a população e a burocracia do Estado. Além disso, os privilégios não eram automáticos e podiam ser revogados, não ultrapassavam as fronteiras dos reinos e eram concedidos tanto para a publicação de novas obras quanto para a republicação de títulos clássicos, o que significa que critérios como "criatividade" e "originalidade" (a produção de novos conhecimentos ou obras artísticas) não eram priorizados; pelo contrário, visava-se a continuidade com a tradição, como o período da Renascença evidencia. A partir do século XIX, porém, surgem as primeiras leis modernas de direitos autorais9. Como observam Martin Kretschmer e Friedmann Kawhol (ibid., p. 33), essas legislações marcam uma série de rupturas com a razão de ser dos Privilégios da Coroa. Entre elas, pode-se destacar que, em primeiro lugar, as legislações modernas passaram a entender que o autor como o gênio criativo (e não mais o editor),                                                                                                                 9

Diversos autores concordam em que o marco fundador das modernas legislações de direitos autorais no Ocidente encontra-se no Estatuto da Rainha Ana, da Inglaterra, de 1710. Cf. KRETSCHMER; KAWHOL, ibid.; TOWSE, 2004.

 

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transformando-o em objeto da proteção legal, o que significa afirmar que "criatividade" e "inovação" dos conhecimentos e das artes passaram a ser aspectos socialmente desejáveis e, portanto, valorizados. Em segundo, a proteção legal foi estendida das impressões para outras formas de expressões artísticas, fazendo com que a originalidade se tornasse um índice objetivo de proteção. Por fim, introduziu-se uma ideia de trabalho abstrato a ser protegido, fazendo com que formas de expressão baseadas na cópia de originais, ou de alguns de seus trechos (como a cópia de sermões ou compilações de obras protegidas), fossem consideradas derivativos das obras originais e, portanto, passíveis de acusação de violação da lei. Assim, pode-se afirmar que se dá a substituição do pensamento mercantilista que guiava a lógica dos Privilégios da Coroa por uma mentalidade de cunho liberal, a qual visa fomentar a produção individual e a competitividade no campo das artes e dos conhecimentos científicos. Mesmo assim, observam Kretschmer e Kawhol (ibid.), mantinham-se também importantes continuidades em relação a concepção básica sobre a concessão desses títulos de propriedade, sendo a mais destacada a de continuar a ser um direito que prescrevia após determinada duração de tempo. Toda legislação de direitos autorais prevê um período maior ou menor de validade, após o qual a obra entra em Domínio Público10, ou seja, fica plenamente acessível à sociedade. Tal característica tornava os direitos de "propriedade" intelectual excepcionais em relação aos direitos de propriedade de bens materiais, que são perenes. Direitos de propriedade podem ser definidos negativamente, pois são direitos de exclusão do usufruto dados a um titular. O detentor desse título pode impedir que outros utilizem, por exemplo, suas terras para plantar livremente. Pode esse titular, porém, cobrar taxas para que se utilizem suas terras. No caso dos bens comuns, em particular, os direitos de propriedade possibilitam criar uma raridade artificial em meio à abundância, dando condições mínimas para que os produtores desses bens obtenham vantagens pecuniárias ótimas, o que lhes deve incentivar a produzir mais e melhor. No entanto, o fato de serem temporários relembra aos seus titulares que os direitos de propriedade intelectual, independentemente da justificativa filosófica em

                                                                                                                10

De acordo com Sérgio Branco (2011, p. 55), em seu livro sobre o tema, " o domínio público para o direito autoral significa o conjunto de bens que não mais têm seus aspectos patrimoniais, nem parte dos morais, submetidos ao monopólio legal – quer por decurso de prazo, quer por qualquer dos outros motivos a que iremos nos referir ao longo deste trabalho, de modo que fica livre a qualquer pessoa fazer uso da respectiva obra, independentemente de autorização".

 

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que se baseiem 11 , o objetivo das leis de direitos autorais é menos garantir a maximização dos lucros dos empreendimentos de comunicação e cultura do que promover a qualificação do bem-estar coletivo da sociedade em questão. Uma das características distintivas do capitalismo moderno, como bem observa Max Weber (2001), é que o conhecimento científico se instrumentaliza e passa a ser dedicado à sua utilização na indústria a fim de se aumentar sua produtividade. Daí que seja crítico facilitar o fluxo de informação pelo conjunto da sociedade para que cada indivíduo tenha condições de aumentar a produtividade de todo o sistema. Isso justifica esse caso sui generis

da "propriedade" intelectual possuir um prazo

estipulado para seu término, ao contrário de direitos de propriedade de bens materiais, que são perenes até que se os venda no mercado12. Tanto que os direitos autorais são apenas um instrumento entre outros (prêmios dados pelo Estado a pesquisadores e artistas, produção estatal de bens comuns, subsídio público às artes), e que até mesmo podem ser limitados por outros instrumentos legais (como no caso das licenças compulsórias) a ser utilizado para tal fim, podendo ser ou não outorgado pelo Estado na medida em que se julgue necessário. No século XX, porém, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e da economia do entretenimento acabaram criando um subsistema no campo da cultura, as indústrias culturais13, constituído por empresas privadas dedicadas a                                                                                                                 11

De forma geral, podem-se identificar três grandes inspirações filosóficas nas modernas leis de direitos autorais. Há, no mundo anglo-saxão da Common Law, discussões baseadas seja na teoria do trabalho, conforme a formulou John Locke, e, mais recentemente, a abordagem utilitarista, de acordo com os escritos de John Stuart Mill ou Jeremy Bentham. No mundo latino-germânico, filiado à família jurídica da Civil Law, há a predominância da teoria da personalidade, baseada nos escritos de Immanuel Kant e Georg W. F. Hegel, cujas teorias seriam determinantes para a criação do conceito de "direito moral do autor", que distingue as leis de direitos autorais dessa família jurídica (que dará origem às leis de direitos autorais de acordo com a concepção da Droit d'Auteur) daquela que originará as leis de Copyright. Sobre as principais teorias filosóficas que informam as modernas leis de propriedade intelectual, cf. FISHER, 2001; HUGHES, 1988; KRETSCHAMMER; KAWOHL, 2004; TOWSE, 2004. Sobre as diferenças entre as leis de Droit d'Auteur e Copyright, cf. ZANINI, 2011. 12 Devido a essa característica, muitos juristas defendem que os direitos autorais não são direitos de propriedade, mas sim um monopólio limitado, um exclusivo direito de exploração econômica, dado pelo Estado para incentivar minimamente os produtores de bens comuns. 13 O termo "indústrias culturais" surgiu, como se discutirá a partir deste ponto do texto, de uma discussão sobre a crescente transformação da produção de obras simbólicas em mercadorias de comunicação e cultura, realizada sobretudo por empresas privadas. O termo ganha notoriedade e peso teórico com os escritos da Escola de Frankfurt e, desde meados do século XX, tem sido utilizado e desafiado, notando-se o surgimento de alternativas como o conceito de "indústrias culturais". No final dos século XX, outro termo ganhou notoriedade, apregoando-se como substitutivo do conceito de indústrias culturais. Trata-se do termo "indústrias criativas". Não há espaço neste trabalho para uma discussão sobre a origem e as diferenças entre esses termos. Felizmente, isso pode ser encontrado em outras publicações (BUSTAMANTE, 2009; FLEW, 2012; HESMONDHALGH, 2002; HESMONDHALGH; PRATT, 2005; TREMBLAY, 2011). O que cabe sublinhar aqui é que, para evitar demasiadas discussões teórica que, enfim, não afetam o curso da reflexão proposta neste

 

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produzir bens culturais (expressão que, como diria Bourdieu, apresenta-se como verdadeiro oximoro para o pensamento humanista). Há, então, um ponto de inflexão no debate: teriam essas empresas de comunicação e cultura transformado as artes em mercadorias como outras quaisquer? É verdade que a discussão sobre alguma "cultura de massas" já se desenvolvia desde o final do século XIX, mas é com os escritos dos intelectuais da chamada Escola de Frankfurt que se começou a debater de maneira aprofundada esse novo tipo de produção cultural, explorando suas consequências estéticas, econômicas e políticas. Um texto, hoje referencial, em que se discute essa nova forma de se fazer arte é o de Walter Benjamin (1994) sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Como já se discutiu amplamente, nessa oportunidade Benjamin sustentou que os bens culturais produzidos pelos novos meios de comunicação, notadamente o cinema, não deveriam ser encarados como uma forma "degrada" da cultura erudita, mas sim como uma nova estética em si mesma, com sua própria economia e com consequências políticas notáveis na medida em que tornava as artes "mais próximas" das massas. Porém, o texto referencial no debate sobre a cultura de massas é, sem dúvida, o de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno sobre a indústria cultural (1985). Como é sabido, nesse ensaio adicionado na última hora à obra Dialética do Esclarecimento, Horkheimer e Adorno observam que o capitalismo industrial monopolista marca o momento em que o ímpeto inexorável do racionalismo do Esclarecimento possibilita que as esferas da arte e da ciência passem a se entrelaçar14. Quando também as artes podem ser domadas pela razão instrumental, segue seu argumento, elas se tornam objeto das técnicas industriais geradas pela ciência positivista e, assim, convertem-se em mercadorias tout court, logo, abdicando de seu caráter utópico, ou na linguagem dos autores, de sua promessa de felicidade. Dessa forma, a arte é transformada em instrumento de reprodução da ordem, portanto, torna-se um dispositivo de dominação do homem pelo próprio homem. Nesse sentido, sim, as indústrias culturais teriam transformado as artes em mercadorias como quaisquer outras. Ainda que não fosse uma novidade a

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            relatório, optou-se por se utilizar uma expressão neutra, qual seja, "empresas de comunicação e cultura" que podem ser gravadoras de discos, editoras de livros e/ou partituras, estúdios de cinema, emissoras de televisão, assim sucessivamente. 14 Sobre o argumento de Horkheimer e Adorno em relação à associação entre mito e Esclarecimento, cf. HABERMAS, 2000; JAY, 2008; WIGGERSHAUS, 2002.

 

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transformação da arte em mercadoria, a indústria cultural apresentaria uma nova face desse fenômeno: "o novo não é o caráter mercantil da obra de arte, mas o fato de que, hoje, ela se declara deliberadamente como tal, e é o fato de que a arte renega sua própria autonomia, incluindo-se orgulhosamente entre os bens de consumo, que lhe confere o encanto da novidade." (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 147).  

Seus produtores nem sequer disfarçariam seu caráter utilitário, porque consideram elogio produzir bens culturais em larga escala como se administrassem alguma grande indústria, uma indústria cultural. Aliás, “eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos” (ibid., p. 14). Nota-se que a metáfora da “indústria” justifica-se pela racionalização da produção, isso é, os produtores de bens culturais sujeitam o que antes era antítese da racionalidade calculista às técnicas de produção mecanizada (taylorização). Sob a força do mesmo princípio de cálculo, é difícil saber quais são as diferenças entre as práticas da indústria tradicional e a indústria cultural. Na medida em que o ensaio da indústria cultural era traduzido para diversas línguas, ele gerou diversos debates sobre o crescente fenômeno da transformação das artes eruditas e populares em mercadorias. Ainda que a discussão sobre o caráter racional da produção comercial de bens culturais tenham sido consagrada (o que se pode notar na sequência de expressões alternativas, como indústrias do imaginário, indústrias culturais, indústrias criativas, entre outras que, contudo, consagram a metáfora da "indústria"), o argumento de Horkheimer e Adorno sofreu diversas e duras críticas, entre as quais uma merece particular atenção aqui. Tratam-se dos trabalhos que resultariam na formulação do conceito de "indústrias culturais". Nesse sentido, a pedra de toque é a coletânea de estudos intitulada Capitalisme et industries culturelles (HUET et al., 1984), publicada por um grupo de economistas franceses. De acordo com Bernard Miège (2000), um dos integrantes dessa equipe de pesquisadores, o interesse pelo tema da produção de bens culturais aumentara na França nos anos 1970, momento em que os monopólios públicos sobre as comunicações eram confrontados pela iniciativa privada que se internacionalizava. Por uma parte, havia preocupação local com a transformação da cultura num campo de produção de mercadorias e valorização do capital, tendo em vista as implicações desse processo para artistas e instituições responsáveis pela cultura e mesmo para o

 

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público de cultura que se tornava rápida e avidamente consumidor de bens culturais. Por outra, havia grande interesse em discutir políticas de democratização da cultura em meio ao processo de internacionalização das comunicações sob o patrocínio de grandes corporações multinacionais. Surgia, assim, a iniciativa de se desenvolver uma ampla pesquisa sobre a produção privada de bens culturais, resultando no livro citado.   Ao contrário de Horkheimer e Adorno, esses pesquisadores partiram do princípio de que cada setor de bens culturais possui estrutura própria de produção, definida de acordo com as forças econômicas presentes no campo e atendendo a públicos distintos. Como sintetizaria Miège anos depois, "os autores da pesquisa partem da constatação de que a cultura se apresenta cada vez mais como uma mercadoria, que se vende cada vez mais e melhor, mesmo que seu caráter de mercadoria esteja longe de cobrir todas as atividades de natureza cultural. As pesquisas conduzidas em "setores" tão diversos como o disco, o filme de amador, gravuras, novos produtos audiovisuais (queremos dizer com isso o videocassete, os produtos audiovisuais gravados e editados em suportes digitais, televisão a cabo) os levou a insistir em que os produtos culturais não são um todo indiferenciado, como se tendia a pensar antes, concordemos ou não com as análises dos membros da Escola de Frankfurt. Resulta disto condições de produção e valorização muito diferentes, dependendo de fatores como se estes produtos podem ser facilmente reproduzidos ou não, dependendo ou não de envolver a participação direta de artistas em seu projeto, e se os produtores estão desenvolvendo estratégias quer a nível nacional ou internacional." (MIÈGE, 2000, p. 17, tradução própria).15  

As reticências à teoria da indústria cultural são evidentes nessa fala e já foram discutidas em outra oportunidade (DE MARCHI, 2011). Interessa notar que para esses pesquisadores, a produção de bens culturais é menos um sistema totalizador do que um “conjunto compósito, constituído por elementos que se diferenciam fortemente uns dos outros, por setores que apresentam suas próprias leis de padronização” (MATTELART; MATTELART, 2009, p. 122). Daí a passagem da expressão frankfurtiana para o plural. Essa conclusão sinaliza que a produção de bens culturais herda certo modus operandi do campo das artes, ainda que suas instâncias de consagração sejam distintas                                                                                                                 15

“Les auteurs de la recherche partent du constat que la cultura se presente de plus en plus sous la forme d’une marchandise, qui se vend de mieux en mieux, même si la forme marchande est encore loin de recouvir toutes les activités d’ordre culturel. Les enquêtes qu’ils ont menées dans des ‘filières’ aussi diverse que le disque, la photo-cinéma d’amateur, les estampes, les nouveaux produits audiovisuels (entendons par là les magnétoscopes, l’audiovisuel enrigistré et édité sur des vidéodisque ou des vidéocassettes, la télédistribution) les conduisent à insister sur le fait culturels ne constituent pas un tout indifférencié, ainsi qu’on avait tendance à le penser antérieurement, que l’on partage ou non les analyses des membres de l’ École de Francfort’. Il en résulte des conditions de productions et de valorisation très différentes, selon que ces produits peuvent être reproduits aisément ou pas, selon qu’ils impliquent ou non la participation directe d’artistes à leur conception, et selon que les stratégies des producteurs se développent ou non dans un cadre national ou transnational”.

 

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(os meios de comunicação de massa, as cifras obtidas com as vendas de filmes, livros ou discos etc.). Como observa Ramón Zallo, as indústrias culturais preservam, em diversos graus, características essenciais da tradicional produção cultural, como o papel central da criatividade, a experimentação estética e a inerente incerteza de seu mercado. Dessa forma, "As dificuldades para objetivar o valor do trabalho criativo; a imaterialidade do conteúdo; o caráter de protótipo de cada obra; a persistência do regime dos direitos de autor frente ao salarial; a manutenção da propriedade intelectual por parte dos autores que alienado sua fixação, reprodução, uso ou comunicação pública; o respeito à integridade da obra; a cláusula de responsabilidade do jornalista; a incerteza de uma demanda que é de difícil administração e que é sempre posterior a uma oferta sempre nova; a funcionalidade estrutural de grandes e pequenas empresas; a presença do Estado seja como regulador, promotor, financiador ou agente direto; a enorme influência social em termos ideológicos, estéticos e perceptivos das indústrias culturais... são características que diferenciam a produção cultural de outras atividades industriais." (ZALLO, 1992, p. 13, tradução própria).16  

As discussões sobre as indústrias culturais foram um importante incentivo para o tratamento teórico assim como político dos bens culturais não como simples bens e serviços, mas como formas de arte e/ou expressões imateriais da cultura popular. A inclusão do cinema ou da indústria da música à jurisdição de ministérios e/ou secretarias de cultura em diversos países materializa a consagração dessa perspectiva. Isso exige, por seu turno, que esses bens, contraditórios em si, sejam pensados a partir de uma lógica que não seja meramente economicista. Essa perspectiva teórica teve consequências relevantes, por exemplo, durante os encontros multilaterais para a liberalização das atividades econômicas negociadas no âmbito da GATT (Tratado Geral sobre as Tarifas e Comércio). Durante a chamada Rodada do Uruguai, em 1993, uma comitiva comandada pelas delegações de França e Canadá propôs a cláusula conhecida como "exceção cultural" (exception culturelle), na qual se defendia a excepcionalidade dos bens e serviços culturais em relação aos produtos utilitários e, daí, sua exclusão dos tratados de livre-comércio acordados à época. O ponto central nessa disputa era o direito dos Estados nacionais de manterem                                                                                                                 16

“Las dificultades para objetivar el valor del trabajo creativo; la inmaterialidad del contenido; el carácter de prototipo de cada obra; la persistencia del régimen de derechos de autor frente al régimen salarial; el mantenimiento de la propiedad intelectual por parte de los autores que han enajenado su fijación, reproducción, uso o comunicación pública; el respeto a la integridad de la obra; la cláusula de conciencia del periodista; la incertidumbre de una demanda de difícil gestión y que es siempre posterior a una oferta siempre nueva; la funcionalidad estructural de las grandes y pequeñas empresas; la presencia del Estado ya sea como regulador, promotor, financiador o agente directo; la enorme influencia social en clave ideológica, estética y perceptiva de las industrias culturales… son rasgos que diferencian a la producción cultural de otras actividades industriales.”

 

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políticas culturais de apoio às indústrias culturais locais, notadamente práticas de subvenção da produção de certos setores e de quotas de exibição e/ou transmissão para produções regionais/nacionais (FRAUS-MEIG, 2002; PETIT, 2002). Para os defensores desse conceito, as artes não deveriam ser consideradas mercadorias quaisquer, mas de um tipo especial por expressarem identidades, valores e significados culturais (no sentido antropológico do termo, ou seja, como uma trama de significados, valores, visões de mundo, imaginários, que constituem e dão significado a diferentes modos de vida, cf. GEERTZ, 1989; WILLIAMS, 2011). A oposição argumentava que essa era uma posição antiquada e elitista, cujo objetivo era manter barreiras protecionistas aos bens e serviços culturais nacionais17. Diante da controvérsia gerada em relação ao argumento da exceção, gradualmente a discussão sobre a especificidade dos bens culturais (e, logo, a necessidade de se formularem políticas específicas para esses mercados) foi adotando termos mais maleáveis e migrando de fóruns prioritariamente econômicos para outros, de cunho cultural. Entre os novos termos propostos, destacou-se o da "diversidade cultural" (PETIT, op. cit.). Com efeito, a "diversidade cultural" apresenta um conceito fugidio, porém tem se mostrado como uma ideia-força poderosa em termos políticos, particularmente desde que foi adotada pela UNESCO. Conforme lembra Armand Mattelart (2005, p. 136-144), a adoção desse conceito pela entidade deve ser entendida como o resultado de um logo debate sobre novo desenvolvimento e sustentabilidade ambiental. Conforme esse autor descreve, "Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio ambiente e o Desenvolvimento, em Estocolmo, associa o tema da defesa da biodiversidade ao da diversidade cultural, todas duas realidades ameaçadas pelas lógicas predatórias e desiguais do modelo de crescimento ocidental, impulsionado pelo consumo excessivo de recursos naturais como bens materiais. Vinte anos depois, a Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, conjuga a diversidade cultural com o conceito de "desenvolvimento

                                                                                                                17

Conforme Divina Fraus-Meig (2002) observa, num primeiro momento o bloco dos defensores da cláusula da exceção era capitaneado por França e Canadá, contando com o apoio de parte da União Europeia, enquanto os Estados Unidos capitaneavam o grupo de oposição à cláusula. Não obstante, conforme Armand Mattelart (2005) sublinha, mesmo dentro da UE, havia importantes discordâncias com a posição francófila, notadamente o Reino Unido, o qual tinha interesse em realizar coproduções com os Estados Unidos, assim como Portugal, também interessado em realizar coproduções com os países de fala portuguesa, notadamente o Brasil. Revela-se nessa composição de forças interesses distintos de fomento às indústrias culturais de cada país, uns tentando preservar suas reservas de mercado (notadamente a França, cujos resultados de suas políticas culturais foram razoavelmente positivos) e outros buscando ampliar não apenas os seu mercado como também suas fontes de financiamento (casos de países europeus com relações com as antigas colônias que, atualmente, fazem parte dos países com economia "em desenvolvimento", particularmente Portugal e Espanha).

 

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sustentável", entendido como "um processo de mudança pelo qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, dos avanços técnicos e institucionais se encontram em harmonia e fortalecem o potencial atual e futuro de satisfação das necessidades humanas". [...]. Ao defender o equilíbrio dos "ecossistemas culturais", a UNESCO introduz o tema da diversidade em sua filosofia e em seus planos de ação nos anos 1990. Em 1998, a Conferência Intergovernamental sobre as Políticas Culturais para o Desenvolvimento, organizada em Estocolmo, define "ecossistemas culturais" como 'uma das componentes-chave do desenvolvimento endógeno e durável'." (MATTELART, 2005, p. 137).

Em sua 31a Conferência Geral, realizada no ano de 2001, a UNESCO publicou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2001), documento no qual se defendiam argumentos sobre o papel socioeconômico da cultura. Definindo a "diversidade cultural" como sendo "a multiplicidade de meios pelos quais as culturas dos grupos sociais e das sociedades encontram a própria expressão" (apud MATTELART, op. cit., p. 140), reconhece-se, em seu Artigo 1, que ela é patrimônio comum da humanidade e que, conforme consta nos Artigos 4 e 5, sua defesa é um imperativo ético na medida em que os direitos culturais coadunam com os direitos humanos, sendo fundamentais para a afirmação e empoderamento de diferentes grupos sociais. Tais definições implicam importantes consequências para a dimensão econômica dos bens culturais, o que fica patente ao se afirmar, em seu Artigo 8o, que os bens e serviços culturais constituem mercadorias de tipo especial, na medida em que a "[...] especificidade dos bens e serviços culturais os quais, enquanto vetores de identidades, valores e significados, não devem ser tratados como meras commodities ou bens de consumo" (ibid.). Isso significa afirmar que os bens culturais possuem uma "dupla natureza", qual seja, ao mesmo tempo em que são mercadorias, são também portadores de valores que permitem a afirmação de identidades culturais, a valorização de modos de vida de diferentes grupos sociais e a capacitação individual. Assim, tais bens possuem um fator social elevado nas sociedades democráticas e plurais18, que deve ser equiparado ao seu valor econômico. Esse posicionamento                                                                                                                 18

Adota-se, neste relatório, a diferenciação que Norberto Bobbio (2002) faz entre "sociedade democrática" e "sociedade pluralista". Em sua discussão sobre a necessidade de se democratizar não apenas o Estado (dando, por exemplo, direito de voto aos cidadãos) como também a totalidade das relações sociais (democratização da sociedade, estabelecendo arenas de discussão da coisa pública entre os diferentes grupos sociais que compõem as sociedades contemporâneas), Bobbio (IBID., P. 701) ressalta que: "na recente dissensão sobre o pluralismo, ouviu-se com frequência dizer que sociedade pluralista e sociedade democrática são a mesma coisa [...]. Isso não é verdade: o conceito de democracia e o conceito de pluralismo, diria um lógico, não têm a mesma extensão. Pode-se muito bem encontrar uma sociedade pluralista que não seja democrática [sociedades formadas por diferentes grupos sociais, mas que restringem sua categoria de cidadão com direito a escolher quem deve lhe representar no Estado] e uma sociedade democrática que não seja pluralista [uma sociedade que conta

 

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encontra sua conclusão lógica no Artigo 11, no qual se reclama que, devido à dupla natureza dos bens culturais, as leis de mercado são forças insuficientes para garantir a devida proteção e o fomento da diversidade cultural, sendo necessário formular políticas públicas para a cultura, em parceria tanto com a iniciativa privada quanto com a sociedade civil. Essa perspectiva é reforçada em 2005, quando é publicada a Convenção da Diversidade Cultural (UNESCO, 2005). Como observa Matterlart sobre esse outro documento, "O propósito da Convenção [da Diversidade Cultural] é conferir força de lei à Declaração [da Diversidade Cultural], adotada em 2001. A ideia é assegurar o direito dos indivíduos e dos grupos sociais a criar, difundir e ter acesso aos bens e serviços culturais, zelando para evitar que a proteção à diversidade não se faça às expensas da abertura a outras culturas." (MATTERLART, 2005, p. 141).

Assim, em seu Princípio 5, afirma-se que, sendo a cultura um dos motores do desenvolvimento sustentável e que seus valores social e cultural são tão importantes quanto o econômico, a cultura constitui um direito básico o acesso de indivíduos e nações aos bens e serviços culturais19. A partir desse entendimento sustentado pela entidade, a mensuração da diversidade cultural dos mercados de bens culturais ganhou novo fôlego, pesem as dificuldades em se lidar com esse conceito fugidio (NAPOLI, 1999). Em particular, notou-se uma atenção especial dada aos mercados de comunicação e cultura na medida em que boa parte do que se consome em termos de produtos simbólicos provém dessa forma privada de produção simbólica, além de ser aí o lócus de intensas disputas entre interesses privados e coletivos. Com efeito, há um crescente número de trabalhos dedicados a medirem diferentes setores, como a indústria cinematográfica                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             com diversos centros de poder, porém não opera de forma democrática, através da escolha dos governantes, como no caso da sociedade feudal]." 19 É interessante notar que o conceito de diversidade cultural marca uma ruptura epistemológica com o entendimento sobre cultura e desenvolvimento dentro da própria visão de mundo da UNESCO. Como lembra Wiktor Stoczkowski (2009), a UNESCO é criada no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com o objetivo de criar uma ambiente de entendimento e paz entre os povos. Essa missão exigia uma experiência inédita de elaboração e difusão de uma nova visão de mundo baseada numa concepção ampliada da humanidade, na qual se destacava uma visão particular da diversidade humana, tanto cultural quanto genética. No entanto, nesse primeiro momento, em consonância com uma concepção moderna de desenvolvimento, a UNESCO planejou e buscou implementar projetos de educação que consistiam em ir contra concepções culturais locais em favor de alguma ideia universal de humanidade. Na virada do milênio, porém, diante da falência da ideologia desenvolvimentista e na eminência de uma globalização econômica capitaneada pelos Estados Unidos, certo temor de que a hegemonia política e econômica se transpusesse para a esfera dos bens culturais, gerando uma americanização global da cultura, faz com que a UNESCO contemplasse a diversidade e o pluralismo culturais como uma solução política importante, indo contra sua própria visão original de alguma cultura humanista universal.

 

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(MOREAU; PELTIER, 2004), a de livros (BENHAMOU; PELTIER, 2007) ou o rádio musical (KISCHINHEVSKY, 2014). É interessante notar que a indústria fonográfica é um privilegiado objeto de estudo sobre o tema, na medida em que foi um dos primeiros setores a ser pesquisado. Desde o estudo pioneiro de Richard Peterson e David Berger (1975), passando por outros pesquisadores que avançaram sua metodologia de pesquisa20 (BURNETT; WEBER, 1989; CHRISTIANEN, 1995; DOWD, 2004; LOPES, 1992; ROTHENBUHLER; DIMMICK, 1982), até medições mais complexas, baseadas numa tríplice escala, como propõe Heritiana Ranaivoson21 (2010), o mercado fonográfico se tornou um campo de estudo paradigmático para a discussão sobre concentração empresarial e diversidade cultural. Não obstante a dificuldade em se definir e se medir a diversidade cultural, este tema se tornou uma preocupação perene na discussão sobre o desenvolvimento dos mercados de comunicação e cultura, levando em conta nem tanto sua eficiência econômica quanto os níveis de diversidade que apresenta. Apesar das dificuldade em se obter massiva adesão à Convenção e, logo, implementar medidas para a proteção e fomento da diversidade cultural em diferentes países, o entendimento da UNESCO tem desempenhado um papel importante na consolidação de uma posição política em que se reconhece a dupla natureza dos bens e serviços culturais, exigindo para estes um capítulo à parte nas negociações de tratados econômicos multilaterais. Isso implica a adoção de políticas de comunicação                                                                                                                 20

Estudando as paradas dos dez maiores sucessos musicais nos Estados Unidos, entre 1948 e 1973, publicadas pela revista Billboard, Peterson e Berger (1975) identificaram que nos momentos em que a indústria fonográfica concentrava-se num oligopólio de grandes gravadoras, havia menos variação de artistas e gêneros musicais nas paradas de sucesso. Ao contrário, nos períodos em que houve um maior número de gravadoras independentes (especificamente, nos anos 1950, durante o surgimento do rock n’roll, que foi promovido inicialmente em gravadoras independentes), os autores identificaram uma maior diversidade de artistas e gêneros musicais nas paradas de sucesso. Sua conclusão foi, portanto, que a concentração dos mercados de bens culturais tinha uma relação direta e inversamente proporcional com a diversidade cultural no mercado de música. Posteriormente, outros pesquisadores retomaram sua análise a fim de rever suas conclusões. Utilizando a mesma metodologia, mas ampliando o escopo da análise para as paradas dos 100 álbuns mais vendidos entre 1969 e 1990, Paul Lopes (1992) percebeu que a estrutura de produção mais flexível que a indústria fonográfica passara a adotar, como a cooperação que se estabelecera entre grandes gravadoras e independentes nos anos 1980, garantiu uma alta rotatividade de artistas e de gêneros musicais nas paradas de sucesso, a despeito dos altos níveis de concentração empresarial que se detectava no topo dessa indústria (cerca de 70% a 80% das vendas eram de quatro grandes gravadoras). Outros autores chegaram a conclusões similares, ainda que houvesse discordâncias em relação à metodologia adotada nas pesquisas (BURNETT; WEBER, 1989; CHRISTIANEN, 1995; DOWD, 2004; ROTHENBUHLER; DIMMICK, 1982). 21 Ranaivoson (2010) considera que a diversidade responde a uma combinação entre variedade, equilíbrio e disparidade. Cada mercado tem dois tipos de diversidade: diversidade de produtos oferecida pelos fornecedores e diversidade de produtos consumidos pelo público. A diversidade cultural é dependente, portanto, de interações complexas entre produtores, produtos e consumidores.

 

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e cultura que visem equilibrar as demandas econômicas às sociais, notadamente no que se refere à propriedade intelectual. Também no plano teórico há consequências desse entendimento. Tendo em conta todas as peculiaridades citadas acima, entende-se que o estudo dos mercados de comunicação e cultura exige algo mais do que um pensamento meramente economicista. Com efeito, há de se adotar uma abordagem teórica transdisciplinar, que reúna conhecimentos que contemplem as estruturas sociais e culturais agindo sobre a lógica econômica, a fim de que se possam entender as diferentes formas de valorização dos bens e serviços culturais. Por essa razão, no tópico seguinte, defendese a adoção da sociologia econômica como referencial teórico desta pesquisa.

2.2. Contribuições da sociologia econômica aos estudos dos mercados de comunicação e cultura Neste trabalho, adota-se a sociologia econômica como referencial teórico para a análise dos mercados de comunicação e cultura. Conforme defendido em outra oportunidade (DE MARCHI, 2011), entende-se que a sociologia econômica apresenta os instrumentos teóricos e metodológicos mais adequados, na medida em que articula aspectos macrossociais à análise fenomenológica da ação econômica. Ela coloca-se, assim, como um referencial mais completo do que outras abordagens aos mercados de comunicação e cultura, como a economia política da comunicação, a economia da cultura ou ainda os estudos culturais (Ibid.). A definição elementar de sociologia econômica é que ela constitui a aplicação de quadros de referência, variáveis e modelos explicativos criados pela disciplina da sociologia ao complexo de atividades de produção, distribuição, troca e consumo de bens escassos e serviços (SMELSER; SWEDBERG, 1994). Apesar de sua precisão técnica, essa formulação pode suscitar um mal-entendido, qual seja, o de que a sociologia econômica seria uma mera tradução da teoria econômica para termos sociológicos. Isso está longe de ser verdade. Ainda que os sociólogos busquem compreender os fenômenos econômicos desde sua perspectiva teórica, eventualmente fazendo uma releitura da teoria econômica ou estabelecendo uma relação de

 

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complementaridade com ela, a sociologia econômica se caracteriza por se colocar como uma alternativa epistemológica à teoria econômica22. A despeito das diferenças teóricas e metodológicas que existem no seio da própria sociologia econômica, todo cientista social que se interessa pelo funcionamento da economia estabelece um questionamento da teoria econômica no que diz respeito à sua unidade heurística fundamental, esse agente econômico racional com respeito a fins, anistórico e amoral: o homo economicus. Nesse sentido, a sociologia faz coro às análises da história e da antropologia que evidenciam o surgimento desse indivíduo egoísta não como um ser que possui uma "disposição natural" para a troca, ao escambo e ao comércio (SMITH, 1983), mas, sim, como uma construção histórica e social do ocidente (MAUSS, 2003; POLANYI, 2000; SAHLINS, 2007; WEBER, 2004). A sociologia econômica vai propor, portanto, a análise da vida econômica como uma ação contextualizada, isso é, resultante de um contexto social, cultural e político a um só tempo. Logo, os sociólogos têm insistido em que a ação econômica é (a) um produto histórico e que (b) toda ação econômica é influenciada, na prática, tanto por variáveis racionais quanto irracionais (emoções, tradicionalismo, superstições etc.), além de levar em consideração a ação dos outros agentes (fatores intersubjetivos), ao invés de alguma razão instrumental transcendental (STEINER, 2006). Assim, se for possível formular um leitmotiv para a sociologia econômica, seria que toda ação econômica está arraigada (embbedded) na história, na cultura e em relações sociais. Entre os diferentes ramos que compõem a sociologia econômica, nesta pesquisa, filia-se à sociologia dos mercados. Sua crescente literatura tem demonstrado de maneira consistente que os mercados se articulam através de uma variedade de elaboradas estruturas sociais. Essas relações sociais são definidas pelo "como" e o "quando" os mercados são fundados, "quem" dispõem de determinado tipo de capital e, logo, "quem" tem a capacidade de impor seus interesses aos outros agentes, "quem sabe" como se valer dos instrumentos informais ou positivados de regulação do comércio, além das relações sociais que se estabelecem entre produtores, fornecedores, clientes e governos (FLIGSTEIN, 2001). Além disso, demonstra-se que os mercados possuem complexas e estáveis estruturas sociais e culturais baseadas nas repetidas interações entre compradores e vendedores e que a estabilidade dessas                                                                                                                 22

Sobre as relações entre a teoria econômica e a sociologia econômica, cf. BECKERT, 2013; STEINER, 2006, 2009; SWEDBERG, 2004.

 

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transações (reprodução das empresas e, no limite, do próprio mercado) é tão importante quanto a maximização dos lucros de um ou outro agente (ibid.). É igualmente importante destacar que a sociologia dos mercados enfatiza a análise da vida econômica na interação entre agentes, relativizando a ênfase dada às relações de poder que se dão no lado da oferta, como ocorre com a economia política (BECKERT, 2009). Em particular, assume-se uma perspectiva filiada à tradição de abordagens de conflito (COLLINS, 2009), especificamente à teoria dos campos, baseando-se em autores como Pierre Bourdieu, Neil Fligstein e Jens Beckert. Reconhece-se que entre esses sociólogos existem divergências teóricas importantes (BOURDIEU, 2005; FLIGSTEIN, MCADAMS, 2012). Não obstante, entende-se que, onde é possível observar interseções entre seus trabalhos, há um generoso espaço para o desenvolvimento de uma síntese coerente. Dessa forma, parte-se do pressuposto de que todo mercado é uma arena de interação social, ou "campo", na qual agentes dotados de capitais (um quantum social que pode ser de natureza econômica, social, política, simbólica, tecnológica, entre outras) desigualmente distribuídos competem por oportunidades econômicas. Ao contrário do que preconiza a teoria econômica neoclássica, os agentes econômicos não conseguem ter acesso à plenitude das informações disponíveis sobre o mercado e, portanto, transacionam num ambiente constitutivamente caracterizado pela incerteza, termo definido como a incapacidade de um agente saber previamente se suas escolhas lhe permitirão ou não alocar de maneira mais eficiente seus recursos e maximizar seus ganhos (BECKERT, 1996). Nesse contexto, os agentes econômicos passam a agir, primariamente, através da observação e compreensão da ação dos outros agentes envolvidos no campo, o que significa dizer que a ação econômica é, na prática, uma ação intersubjetiva (WEBER, 1999a, 1999b). Na medida em que interagem continuamente, esses agentes veem-se obrigados a resolverem problemas gerais de coordenação do mercado, nomeadamente: o problema do valor, o da competição e o da cooperação (BECKERT, op. cit.). Para resolvê-los, estabelecem-se tecnologias sociais, ou instituições, que consagram posições sociais entre si, regras de comércio e sanções. Tais convenções informais (acordos de cavalheiros, sanções culturais a determinado tipo de comércio, regras de contratação de determinados tipos de funcionários, conduta ética entre as empresas concorrentes etc.) e positivadas (leis de propriedade, leis de regulação do comércio, diretrizes governamentais etc.) garantem  

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previsibilidade às ações econômicas na medida em que são capazes de formar expectativas estáveis no que diz respeito às ações de todos os agentes do mercado e aos eventos futuros relevantes para a tomada de decisões. Assim, elas se tornam fundamentais para o estabelecimento das fronteiras do campo, sua cultura própria, e para a geração de identidades dos agentes econômicos. Em outros termos, as instituições são fundamentais para o modus operandi dos mercados assim como para sua reprodução. Nessa concepção geral, vale destacar alguns de pontos importantes. Em primeiro lugar, ao se entender o mercado como um campo de disputas entre agentes dotados de capitais desigualmente distribuídos, alinha-se à proposição de Pierre Bourdieu para quem o “campo” (champ) é “o lócus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão” (ORTIZ, 1983, p. 19). A partir de uma perspectiva que pressupõe a vida social como sendo inerentemente conflituosa, Bourdieu sustenta que o campo é um lugar de disputas entre agentes sociais que buscam impor sistemas de dominação entre si, resultando no estabelecimento de figuras “dominantes” e “dominadas”. De acordo com Frédéric Vandenberghe (2010, p. 69), Bourdieu entende que as posições assumidas pelos agentes são definidas por três aspectos: (1) o volume de capital possuído, (2) a estrutura do capital, sua composição em relação ao capital global, (3) a trajetória social objetiva, passada, presente e potencial, conforme indicada nas duas dimensões anteriores. Nesse sentido, é importante observar que os capitais também podem ser compreendidos como recursos que impõem limites a priori à ação dos agentes econômicos, mas que se materializam na medida em que tais agentes interagem entre si. Assim, por exemplo, para que o capital econômico do agente A, que é superior ao do agente B, seja-lhe mais proveitoso nos negócios, isso depende do contexto do mercado em que esses dois sujeitos econômicos transacionam. Continuando o exemplo, pode haver leis de regulamentação do comércio que mitiguem o capital econômico superior do agente A em relação ao agente B, como a fixação de preços dos produtos nas plataformas de varejo (concretamente, esse é o caso dos países que fixam os preços dos livros nas livrarias). De toda forma, a disposição desigual de capitais é determinante para o estabelecimento de uma ordem social do mercado (termo referente às assimetrias relativamente estáveis na distribuição e acesso de recursos de vários tipos). Tal ordem social de um mercado é importante porque provê certa estabilidade para as decisões econômicas, uma vez que  

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define identidades para os agentes (dominantes ou dominados relativamente entre si) e condiciona decisões em relação a com quem se deve competir ou não e com quem se deve cooperar ou não a fim de atingir os objetivos estratégicos. É nesse sentido que se entende que todo mercado está arraigado em estruturas sociais. Em segundo, assume-se que a ordem social do mercado é constituída, consagrada e reproduzida através do estabelecimento de um conjunto de entendimentos cognitivos, valores socialmente compartilhados e costumes que formam uma "cultura" própria de cada mercado. Assim como Stuart Hall (1997), define-se cultura como um conjunto de significados, valores e normas, ou ainda, uma teia de significados que produz sentido para os atores sociais, sendo um meio para a atividade prática, ou ainda, uma maneira de organizar as condutas rotineiras dos agentes sociais. Na prática, essa mistura de ideias e interesses que configura a cultura do mercado se manifesta através de compromissos estabelecidos entre indivíduos, empresas e entidades (o Estado, Organizações Não-Governamentais, entre outras), que servem para regular suas disputas por oportunidades econômicas como, por exemplo, convenções morais (acordo de cavalheiros ou uma ética para a contratação de funcionários de empresas concorrentes) e/ou instrumentos positivados (contratos, legislações, acordos multilaterais de cooperação comercial etc.). Nesse sentido, podese dizer que os mercados estão arraigados em estruturas culturais. Em terceiro lugar, reconhece-se que a atividade econômica envolve outros agentes para além daqueles que produzem bens e serviços e que influenciam suas disputas por oportunidades econômicas. Destacam-se o Estado, as agências de governança da atividade econômica internacional e a sociedade civil. É claro que, em muitas situações, o Estado aparece propriamente como um agente econômico no mercado, através de empresas estatais ou de economia mista. Porém, interessa o fato de que o Estado tem o poder de estabelecer um arcabouço político (políticas econômicas, de desenvolvimento etc.) e jurídico (leis positivadas) que empodera assim como restringe as ações e possibilidades de escolha dos agentes econômicos. Tais normas agem decisivamente para estabelecer os limites do campo, definindo direitos de propriedade, regras de comércio e estruturas de governança que mediam as disputas entre os agentes econômicos, regulando as diferenças entre seus capitais e, assim, garantindo a estabilidade e a reprodução do status quo de um determinado mercado. Como o aspecto político assume um peso relevante nessa abordagem da vida econômica, é evidente que a capacidade de articulação política dos agentes  

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econômicos é decisiva para a resolução dos problemas gerais de coordenação dos mercados. Através de táticas tanto legais quanto ilegais, empreendedores e empresas buscam cooptar a classe política a favor de seus interesses com maior ou menor grau de sucesso. Daí que se possa concluir, como Neil Fligstein (2001) o faz, que a ação econômica seja continuamente conflituosa e inerentemente política. Essa observação é particularmente importante para um agente ainda pouco debatido na literatura da sociologia econômica, mas de grande importância nesse quadro teórico, a sociedade civil. Há tempos, a teoria econômica definiu os consumidores como agentes que seguem as orientação dos produtores de bens e serviços e, ao que parece, a sociologia econômica herdou essa perspectiva passiva do consumidor, tratando com certo desdém a capacidade dos consumidores e, de forma geral, dos cidadãos de agirem sobre os mercados. Mesmo os estudos de consumo tratam muito mais do poder de escolha dos consumidores entre bens e serviços dados do que sua real articulação política, como grupo social que se mobiliza para dialogar com a iniciativa privada e/ou o Poder Público. No entanto, nas economias capitalistas avançadas, a sociedade civil tem demonstrado uma capacidade crescente de se fazer representada através de movimentos sociais, como ocorre, por exemplo, com as instituições de defesa dos direitos dos consumidores ou movimentos de flexibilização das leis de propriedade material e/ou intelectual. O que se nota é, na prática, que tais movimentos sociais conseguem acionar as empresas e/ou o Estado a favor de seus interesses, muitas vezes conquistando vitórias políticas e jurídicas que vão contra os interesses de determinados agentes econômicos ou políticos. Por isso, não se pode ignorar sua capacidade real de travar duelos com os agentes do mercado e, portanto, deve-se reconhecer seu poder de ação no jogo de disputas por oportunidades econômicas que são os mercados. Finalmente, entende-se que um elemento fundamental de formação, regulação e transformação dos mercados são suas "instituições". O termo "instituição" é um dos mais complexos entre os utilizados nas ciências sociais devido, em larga medida, ao seu amplo uso. Por isso, neste trabalho filia-se à corrente de estudos que tem sido rotulada de novo institucionalismo sociológico. Como observam Peter Hall e Rosemary Taylor (2003), essa corrente revisionista dos estudos sobre instituições se diferencia da tradicional abordagem sociológica funcionalista por definir "instituição" de maneira mais ampla, entendendo-a não apenas como instância produtora de regras, procedimentos ou normas formais como também um sistema de símbolos, esquemas  

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cognitivos e modelos morais que fornecem padrões de significação para a ação social. Em outros termos, esses autores consideram o caráter normativo das instituições assim como seu caráter cognitivo. É o que Anthony Giddens (2007) classifica de "dualidade de estrutura". Dessa forma, rompe-se a dicotomia conceitual que opunha instituição à cultura. Daí que o termo possa se referir tanto à entidades formais e positivadas (a polícia, as leis, contratos, o Estado etc.) quanto a convenções informais (como um aperto de mão para fechar um negócio, acordo de cavalheiros para a competição entre empresas, estabelecimento de uma regra deontológica de atuação da empresas no mercado, entre outros tipos de acordos informais pelos atores sociais). Devido à importância que as instituições apresentam no esquema teórico delineado acima, é importante observar que: (a) Uma instituição é uma tecnologia social que visa reproduzir sistematicamente certos padrões de interação ao longo do tempo e do espaço, de forma relativamente autônoma às vontades dos agentes sociais a elas submetidos num tempo presente, possuindo assim uma "lógica social própria". Este termo significa que “a lógica não reside nas instituições e em suas funções externas, mas na maneira em que estas são tratadas, na reflexão que delas se ocupa” (BERGER; LUCKMANN, 2011, p. 89). (b) Toda instituição funciona com base em sua "legitimidade social". A função dessa legitimação consiste em tornar objetivamente acessível e subjetivamente plausível as objetivações de primeira ordem que foram institucionalizadas (ibid.). (c) Toda instituição apresenta uma "dualidade de estrutura", ao conjugar uma dimensão normativa (que lhe converte em fonte de regras, procedimentos e normas formais que tipificam os agentes e regulam suas interações) à dimensão cognitiva, de acordo com a qual uma instituição gera enquadramentos cognitivos e modelos morais que fornecem padrões de significação que guiam, por seu turno, a ação humana. d) Apesar de estarem para além das vontades e ações dos agentes sociais no momento imediato, todas as instituições estão virtualmente abertas às disputas de interesses desses próprios agentes. A partir do momento em que a legitimidade social de uma ou mais instituições é posta em xeque, abre-se a possibilidade de que disputas entre os agentes do campo acarretem sua reafirmação ou reformulação e, no limite, sua abolição. Essa última condição permite pensar os processos de transformação das instituições, tema ao qual se retornará adiante.

 

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Em seu conjunto, pode-se afirmar que a cultura de um mercado e suas instituições geram as “regras do jogo”, ou o illusio (Bourdieu), que permitem aos agentes compreenderem as ações atuais e/ou virtuais de seus pares e fazerem escolhas estratégicas na busca da consecução de seus interesses, que são tanto a maximização de seus lucros quanto a reprodução do campo, uma vez que este fator é determinante para aquele. É importante notar que as instituições dos mercados criam as condições que permitem que as diferenças entre capitais, que se mantêm a priori como recursos, materializem-se de determinada forma na medida em que os agentes econômicos interagem. Isso implica afirmar que as instituições afetam a ação dos capitais desigualmente distribuídos, garantindo a manutenção da ordem social do mercado. Nesse constructo teórico apresentado ainda falta abordar um relevante fenômeno da vida econômica, qual seja, a transformação dos mercados. Afinal, se as instituições garantem a reprodução do status quo do campo, há algum fator endógeno que possa alterar a ordem social de um mercado? Se a resposta for positiva, como essa transformação pode ocorrer? Com o objetivo de propor uma saída teórica para essas perguntas, sugere-se adotar a teoria da destruição criadora, de Joseph A. Schumpeter, porém desde uma leitura sociológica propriamente.

2.2.1.Uma leitura sociológica da teoria da destruição criadora Em seu primeiro trabalho de expressão, A teoria do desenvolvimento econômico, de 1909, Joseph A. Schumpeter (1982) apresentou uma sincrética teoria evolucionista do capitalismo, misturando o modelo estacionário marginalista walrasiano a uma perspectiva dinâmica marxiana. O pressuposto inicial era o de que a economia funcionava conforme preconizava a teoria marginalista, num equilíbrio entre oferta e demanda, ou “fluxo circular”. Todavia, de tempos em tempos, tal fluxo circular era bruscamente interrompido pela introdução de uma “inovação”, o que levaria a uma completa reorganização dessa economia. Ao final desse período de transição, o sistema capitalista sairia renovado e, de certa forma, fortalecido. Nesse primeiro livro, Schumpeter rotulou tal fenômeno como “desenvolvimento econômico”, contraposto ao conceito de "crescimento econômico". Este termo se referiria ao aumento progressivo da riqueza; aquele, à completa reformulação do

 

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modus operandi de uma economia, o que não significava que ela fosse mais lucrativa do que em sua configuração anterior23. Por inovação, Schumpeter entendia a reunião de novas ideias e/ou técnicas que resultassem em “novas combinações” na produção de bens e serviços, gerando um novo tipo de demanda. Daí que tenha dado uma lista de exemplos não-exaustiva: "1) Introdução de um novo bem – ou seja, um bem com que os consumidores ainda não estiverem familiarizados – ou de uma nova qualidade de um bem. 2) introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que ainda não tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação, que de modo algum precisa Sr baseada numa descoberta cientificamente nova, e pode consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma mercadoria. 3) abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo particular da indústria de transformação do país em questão não tenha ainda entrado, quer esse mercado tenha existido antes ou não. 4) conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, mais uma vez independentemente do fato de que essa fonte já existia ou teve de ser criada. 5) estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de uma posição de monopólio [...] ou a fragmentação de uma posição de monopólio." (SCHUMPETER 1982, p. 48-49).  

Mais importante do que ter uma ideia inequívoca do que seria inovação é ter em conta que, para o jovem Schumpeter, ela deveria ser forçosamente introduzida por um tipo especial de indivíduo, dotado de certo “espírito empreendedor 24 ” (Unternehmergeist). Ao contrário de um administrador de empresas, o empreendedor schumpeteriano seria o portador de uma diferenciada visão de mundo sobre o mercado, valendo-se da inovação para operar uma mudança radical nesse campo. Uma vez destruída a antiga estrutura econômica, emergiria uma nova economia, tendo o empreendedor e seus seguidores como protagonistas. Pelo menos três aspectos devem ser destacados nessa primeira proposição de Schumpeter. O primeiro é que o empreendedor é um agente que já está presente no mercado, o que significa afirmar que a inovação é um fator endógeno à dinâmica econômica; não um evento fortuito e alheio ao campo (como seria no caso de um                                                                                                                 23

Ao afirmar que, ao final desse fenômeno, uma nova economia emergiria (não significando que ela fosse "mais lucrativa", ou seja, mais eficiente), Schumpeter queria contradizer Marx em relação ao colapso da economia capitalista devido às suas contradições internas. Nesse sentido, a inovação seria a saída pela qual, diante do colapso a partir de suas contradições internas, o capitalismo avançar para outras direções 24 Conforme defendem Hugo Reinert & Erik S. Reinert (2006), sente-se aqui a influência do pensamento de Nietzsche. A figura do empreendedor schumpeteriano é, de fato, muito similar ao Super-Homem nietzschiano (Übermensch), o homem dionisíaco quem, tendo se livrado das referências metafísicas (a morte de Deus), voltar-se-ia ao mundo desencantado para transfigurá-lo, destruindo a antiga moral cristã baseada na ideia de um fim absoluto fora da vida para fundar um novo mundo no qual a vida vale por si mesma.

 

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desastre natural ou da invasão de uma civilização estrangeira com intenções colonizadoras, por exemplo). O segundo é que a inovação rompe com o equilíbrio entre demanda e oferta, fazendo com que o fluxo circular se desfaça e gere demanda por novos bens e/ou serviços, o que desarticularia a organização consagrada de uma indústria. Diante da novidade, as empresas estabelecidas declinam, caso não consigam se adaptar às novas demandas e/ou métodos de produção, abrindo espaço para os novos empreendimentos, mais bem adaptados às novas combinações. Porém, mesmo estes agentes devem se provar capazes de responder à nova demanda, o que nem sempre ocorre. Daí que, durante um primeiro período de inovação, haja uma alta taxa de experimentações e falências de empresas até que se alcance um novo equilíbrio dessa economia, caracterizando um processo de seleção econômica, posteriormente rotulado de "fase schumpeteriana" de transformação de um mercado (DOSI, 2006). Mais tarde, Schumpeter (2010) retomaria essa teoria, no entanto, fazendo ajustes em seu primeiro modelo. Uma mudança relevante foi a substituição do termo "desenvolvimento econômico" por “destruição criadora” (creative destruction), termo que, de forma inequívoca, remete-se à concepção de Marx de que o capitalismo funciona segundo uma dinâmica de renovação constante e total das forças produtivas (INGHAM, 2003; MARX; ENGELS, 1998; SMART, 2012). Schumpeter a definiu como um processo de mutação industrial que revoluciona a estrutura econômica desde dentro, incessantemente destruindo a antiga e criando uma nova (SCHUMPETER, 2010, p. 73). Outra importante mudança é que a figura do empreendedor individual deu espaço à burocracia da grande corporação, que racionaliza o processo de inovação, tornando-o menos instintivo e mais institucionalizado (isso levaria o capitalismo progredir ao socialismo, termo que detinha, porém, um significado diferenciado da concepção de Marx e Engels). Já tendo questionado antes a releitura que os economistas rotulados de neoschumpetarianos fazem de sua obra 25 (DE MARCHI, 2011), gostar-se-ia de                                                                                                                 25

Após anos de ostracismo devido à vitória nos campos intelectual, econômico e político do keynesianismo, cuja teoria econômica era antitética a de Schumpeter, foi apenas no final do século XX que se deu uma redescoberta de seus escritos, quando economistas heterodoxos retomaram algumas de suas ideias a fim de explicar o mecanismo de inovação tecnológica, contrapondo-se aos modelos da teoria econômica neoclássica. Esse resgaste valeu a esses economistas o rótulo de “neoschumpeterianos”, ou ainda, de “evolucionistas”. Não há aqui espaço para tratar das diferenças teóricas entre os neoschumpeterianos e Schumpeter, o que pode ser encontrado em outros trabalhos (LIMA, 1996). O que se gostaria de observar é que a apropriação de algumas partes da teoria da inovação pelos neoschumpetarianos resultou em discussões pouco produtivas. Reconhece-se que esses economistas apresentaram uma abordagem que, corajosamente, questiona o princípio do homo

 

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reafirmar a leitura sociológica da teoria da destruição criadora de Schumpeter, adequando-a ao referencial teórico proposto acima. Desde logo, entende-se que há um viés político latente na própria teoria da destruição criadora, que tem sido pouco explorado por seus comentadores. Deve-se lembrar que Schumpeter sempre se mostrou muito interessado pela sociologia e pela história como conhecimentos auxiliares à teoria econômica, a ponto de fazer parte do grupo de economistas e sociólogos designados por Max Weber para desenvolver alguma nova ciência socioeconômica (INGHAM, op. cit.; SWEDBERG, 2005). Ao se reler a proposição original de Schumpeter sob essa ótica, pode-se perceber que a introdução de uma inovação é um ato realizado por um empreendedor (indivíduo ou empresa), que (a) é sempre um agente que está em desvantagem na configuração consagrada de um mercado (logo, pode ser entendido como um agente dominado no campo) e que (b) introduz a inovação com a finalidade de reverter tal situação a seu favor. Além disso, (c) a inovação não visa tornar a economia "mais eficiente", mas reformulá-la por completo, mesmo que isso implique que um determinado negócio não produza tanta riqueza quanto antes. Logo, essa não é uma opção racional, no sentido utilitarista do termo, mas política, de fato. Nesse sentido, não é fora de propósito argumentar que a destruição criadora é um fenômeno prioritariamente político, que busca estabelecer uma nova ordem social num mercado, colocando o empreendedor (um agente dominado) numa situação privilegiada (de dominância) em relação aos outros agentes do campo. Assim, entende-se que há na teoria da destruição criadora um lugar reservado à disputa entre agentes econômicos, permitindo estabelecer diálogos com a abordagem sociológica delineada antes. Nesse sentido, pode-se pressupor que a ordem social de um mercado resulta numa relação relativamente estável entre oferta e demanda. Tal estabilidade se deve às atividades econômicas funcionarem a partir dos padrões cognitivos, convenções e legislações que lhes dão estabilidade e previsibilidade. Além disso, as instituições consagram esse sistema de dominação                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             economicus desde a própria teoria econômica. Porém, as soluções teóricas que desenvolveram se afastam do estudo das relações sociais e culturais que envolvem a economia contemporânea. Particularmente, a concepção biológico-cognitiva da vida econômica proposta por Richard Nelson e Sidney Winter (2004) representa uma perigosa naturalização das relações cognitivas e sociais que constituem um mercado, transformando o fenômeno da inovação em algo explicável apenas desde o que ocorre dentro da firma ou entre firmas, quando a inovação muitas vezes se dá na externalidades das empresas e do próprio mercado. Além disso, entende-se que essa abordagem evolucionista se afasta de avanços na teoria da inovação que o próprio Schumpeter sugeria ao se aproximar da sociologia e da história social para explicar a economia.

 

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imposto pelos agentes dominantes do campo, os quais visam sempre reproduzir e ampliar as vantagens de que gozam. No entanto, esses agentes podem ser desafiados pelo grupo dominado quando algum deste, um empreendedor (indivíduo, empresa ou, eventualmente, o Estado), introduz uma inovação, que deve ser entendida como qualquer tecnologia, prática ou regra (no caso de o Estado ser o empreendedor) que rompa de forma traumática os entendimentos tidos como óbvios por todos os agentes do campo. Quando isso ocorre, gera-se uma demanda estruturalmente diferenciada por algum novo produto ou serviço, o que afeta as articulações em relação aos preços dos bens e serviços. Isso abre uma nova disputa entre os agentes econômicos em relação à formação de valor, à competição e à cooperação. Dessa forma, as estruturas sociais e culturais do campo e a legitimidade social das instituições são colocadas em questão. A destruição criadora é, nessa perspectiva, um momento ritual de recomposição das relações sociais e culturais de um mercado, que resultam na reformulação de todo um negócio. Ela visa abrir, portanto, um momento de disputas pelo estabelecimento de um novo sistema de dominação no campo. Como essa proposição comporta um caráter político e institucional fundamental, é preciso ressaltar que o resultado da destruição criadora depende de sua capacidade de afetar ou não as instituições do mercado. Se as instituições regulam a distribuição de poder nos mercados, é lógico que elas devem desempenhar um papel importante no resultado desse momento de disputas pela reconfiguração do campo. Com efeito, decisões legais e políticas podem catalisar ou mitigar a reconfiguração do campo. Pode-se proibir, por exemplo, que tradicionais empresas participem do novo negócio ou se pode permitir que os tradicionais agentes dominantes consigam recuperar seus poderes mesmo diante da emergência de novos agentes mais bem adaptados ao novo negócio que emerge. Ou ainda, pode-se restringir ou ampliar algumas das possibilidades de desenvolvimento tecnológico e modelos de negócio propostos pelos empreendedores através de revisões nas leis que regem um determinado comércio. Portanto, a capacidade dos atores de cooptar o poder político e de transformar as instituições do mercado é sempre um elemento decisivo no resultado da destruição criadora de um mercado. Nesse sentido, as instituições devem ser entendidas como desempenhando um papel de reguladoras da inovação, tomando emprestada a expressão de Paul Hirsch (1972), sobre a qual se discutirá a seguir. De toda forma, entende-se que apenas quando houver a transformação das instituições de

 

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um campo é que se pode considerar que houve a destruição criadora de um mercado efetivamente.     2.2.2. Sobre a destruição criadora dos mercados de comunicação e cultura Ao se aplicar esse referencial teórico aos mercados de comunicação e cultura, é preciso levar em conta as especificidades desse contexto, conforme ressaltado antes. É fundamental se considerar não apenas "quem" está envolvido nessa disputa como também "o quê" se disputa e "como" se disputa. Deve-se ter em conta que, em face da dupla natureza dos bens culturais, as disputas que se operam nos mercados de comunicação e cultura envolvem dois níveis distintos de interesses, ainda que complementares. Num nível, desenrola-se uma competição entre as empresas de cultura pela maximização de seus lucros num contexto de alta incerteza. Noutro, dá-se a disputa entre as empresas de comunicação e cultura e movimentos sociais, com a mediação do Estado, pelo acesso aos bens culturais, isso é, uma batalha entre interesses privados e comuns pelo acesso e o usufruto dos bens culturais que se justificam pelo valor social que estes possuem (sua dupla natureza) e que torna a disputa econômica singular nesses mercados. Isso significa que a formação de um mercado de comunicação e cultura assim como sua destruição criadora envolvem questões que estão além da formação de uma nova demanda através da produção de novas combinações e algum novo arranjo entre agentes econômico; esses fenômenos envolvem discussões éticas que têm profundas consequências para a organização e o funcionamento desses mercados. Num nível elementar, é evidente que os agentes envolvidos nos mercados de comunicação e cultura disputam oportunidades econômicas. Porém, ressalta-se que a valorização de seus produtos depende de critérios absolutamente distintos aos dos mercados de bens e serviços utilitários. O que confere valor aos seus produtos não é tanto sua raridade ou utilidade, no sentido econômico do termo (MARSHALL, 1982), mas sim uma composição especial de variáveis explicativas. Ao contrário de bens utilitários, a razão que move o consumo dos bens culturais não reside em alguma necessidade que pode ser satisfeita pelo o uso, mas é regulada por diversos motivos, como aumento da idade, mobilidade social de um determinado grupo de consumidores, tendências culturais, entre outros, e isso somente pode ser descoberto

 

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pelas empresas de cultura a posteriori. Em razão disso, é uma característica dos mercados de comunicação e cultura que sua curva de demanda apresente certa inelasticidade como categoria genérica, mas alta elasticidade quando se analisam as categorias específicas26. Daí que os mercados de comunicação e cultura apresentem alta volatilidade em sua demanda e que o retorno dos investimentos nos mercados de cultura é notória e altamente incerto. Numa pesquisa de consumo ideal, provavelmente demonstrar-se-ia que as famílias pesquisadas costumam manter em níveis mais ou menos estáveis seus gastos com "artes" ou "educação" (incluindo, nesta categoria, o consumo de bens e serviços culturais, como a ida a concertos, museus e cinemas ou a leitura de livros de literatura), "lazer" ou "entretenimento". Porém, um detalhamento do consumo dentro dessas categorias genéricas revelaria alta variação no consumo de bens específicos, pois a compra de um disco pode ser facilmente substituída pela ida a um concerto, ao cinema, a compra de um livro ou de um filme em DVD e atualmente, também pode ser substituída pela compra de equipamentos eletrônicos como telefones celulares (smartphones), tablets ou a assinatura de planos de televisão a cabo paga, por exemplo. Essas diversas opções de consumo de conteúdos culturais tornam o consumo de cultura parte de um complexo jogo de distinção social, obrigando as empresas de comunicação e cultura a desenvolverem estratégias que mitiguem a alta volatilidade da demanda e assegurem um retorno suficiente de seus investimentos. Entre essas estratégias, destaca-se a obtenção de distinção culturalmente pertinente para os bens culturais. As belas-artes buscam esse tipo de consagração, por exemplo, em instituições muito bem definidas no mercado de bens simbólicos, como os museus, as escolas de artes, os críticos especializados e suas revistas, como                                                                                                                 26

Como o próprio Alfred Marshall observa, “[...] a única lei geral que rege o desejo de se ter determinada mercadoria é a que diz que esse desejo diminui à medida que aumenta a quantidade dessa mercadoria de que se pode dispor, desde que as demais circunstâncias não se alterem. Essa diminuição, porém pode ser rápida ou lenta” (MARSHALL, 1982, p. 105). Se for lenta, entende-se que o desejo de adquirir um produto não varia muito em decorrência do aumento ou diminuição brusca dos preços (estímulo mínimo), daí dizer que a elasticidade das necessidades é grande. Se for rápida, isto significa que um estímulo mínimo (a diminuição ou aumento do preço) não provoca grande aumento no desejo de comprar a mercadoria, isto é, a elasticidade da demanda é pequena (ibid., p. 105). Economistas contemporâneos explicam que a causa mais comum para que a demanda de um bem seja elástica em relação ao preço é que esse produto possui substitutos equivalentes (SANCHO; GARCÍA; PRIETO, 2005, p. 68). Em geral, quanto mais genéricos são, os bens apresentam menos equivalência e, portanto, maior inelasticidade. No caso dos mercados de cultura, por exemplo, a demanda por “atividades culturais” é mais inelástica do que a demanda por cada um de seus componentes, as artes, o esporte, o entretenimento, o ócio, etc. Por conseguinte, a demanda pela “arte” é mais inelástica do que em cada categoria que a compõe, teatro, música, pintura, etc. Por seu turno, dentro dessas subcategorias, a demanda será tanto mais inelástica quanto intangível seja o bem oferecido.

 

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Bourdieu (2001, 2008) analisou. É isso que confere valor a uma obra que pode alcançar um preço muito alto ou baixo em razão dessa valorização socialmente acordada. É verdade que, em princípio, os produtos das empresas de comunicação e cultura se voltam para um amplo mercado, reclamando a lei da procura-e-oferta, o que não significa que eles não possuam instâncias próprias de consagração simbólica. Particularmente os meios de comunicação representam uma instância central de consagração desses produtos. Como rotulou o sociólogo Paul Hirsch (op. cit.), eles funcionam como “reguladores institucionais da inovação” (institutional regulators of innovation). Com essa expressão, Hirsch queria dizer que os meios de comunicação funcionam como seletores de bens culturais, apresentando-os ao público e, logo, atraindo sua atenção para um ou outro produto dentro de um maior universo possível. Logicamente, isso produz efeitos importantes sobre as decisões acerca do que deveria continuar a ser produzido ou deixar de ser produzido pelas empresas culturais. Assim, os meios de comunicação desempenham uma dupla função no mercado de cultura, tanto fornecendo exposição ao público de certos produtos quanto conferindo-lhes certo tipo de consagração cultural, o que se transforma em capital simbólico para esses produtos e permite que eles se diferenciem em seus nichos de mercado. Daí que tenha se tornado necessário cooptar os agentes envolvidos nos meios de comunicação (através de altos investimentos em publicidade dos produtos ou, de forma ilegal, através do pagamento às empresas de comunicação para que deem visibilidade aos seus produtos, o chamado "payola" ou "jabaculê") para que estes tornassem os produtos mais conhecidos do público. Há, ainda, outras estratégias de administração da produção e do consumo de bens culturais, como a criação de fórmulas de sucesso para aplicação em larga escala em diversos produtos (melodias e ritmos que podem ser aplicados aleatoriamente em diferentes composições, roteiros com uma narrativa simples que é reutilizada em diferentes filmes etc.), a contratação de produtores artísticos que estabeleçam um diálogo entre a criatividade dos produtores de conteúdos e os interesses dos donos das empresas, o estabelecimento de hierarquia social entre empresas de cultura dividida em linhas (cada vez mais tênues, é verdade) de grandes corporações (majors, em inglês) e pequenas e médias empresas independentes, além da compra e fusão entre empresas. Em suma, pode-se concluir que as empresas de cultura disputam oportunidades econômicas através da obtenção de distinção culturalmente pertinente, como diria Bourdieu (2001).  

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Entre todas essas estratégias, porém, os direitos autorais têm um lugar de destaque, na medida em que ela encaminha essa disputa entre os agentes do campo para outro nível. Conforme já observado, as leis de direitos autorais visam menos garantir a maximização dos lucros dos empreendimentos de comunicação e cultura do que promover o aumento do bem-estar coletivo. Desde o ponto de vista dos produtores de bens culturais, no entanto, esses direitos de "propriedade" constituem o mais eficiente meio para que consigam maximizar seus lucros. Sendo um monopólio concedido pelo Estado, esse título possibilita que seus detentores possam regular o usufruto dos bens e serviços que oferecem, podendo valorizá-lo o máximo possível durante certo período de tempo. Evidentemente, o objetivo desse dispositivo é fazer com que os produtores de bens imateriais (titulares originários) e/ou seus procuradores (titulares derivados) possam cobrar o mais alto preço possível pelo usufruto de suas produções intelectuais durante certo tempo, sendo depois forçados a produzirem mais conteúdos (conhecimentos e produções imateriais), uma vez que seu direito sobre uma produção se extingue. Em teoria, acredita-se que isso lhes incentivaria a produzirem mais e melhor. No entanto, é preciso observar que nesse mecanismo há benefícios derivados de grande interesse para os agentes econômicos. Na prática, o direito de controle do usufruto das obras protegidas permite aos seus titulares controlarem a inovação em termos de modelos de negócio e até mesmo estética. Por exemplo, quando surgem novas práticas artísticas que se valem de técnicas de citação e/ou de colagens de obras protegidas por direitos autorais, os titulares desses direitos podem restringir a atividade desses artistas, afetando tanto as características estéticas dessa forma de arte quanto seu modelo de negócio, como bem observa Paul Théberge (2004). O caso do RAP americano é paradigmático nesse sentido. A cobrança feitas pelo uso de pequenos trechos (samples) de músicas gravadas em fonogramas e protegidas por direitos autorais para serem utilizados como fundo musical significa dizer que a lei não entende o sampling como uma técnica musical inovadora em si, mas apenas como uma forma de obra derivada de outra, original, o que impõe limites à criatividade musical. Um das consequências econômicas dessa discussão a priori estética foi que a cobrança de royalties por direitos autorais e conexos em obras de RAP aumentou significativamente os custos de produção desse gênero musical, favorecendo médias gravadoras que funcionam, muitas vezes, em parceria com grandes gravadoras, concentrando esse nicho de mercado em poucas gravadoras.  

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Esse mesmo princípio é utilizado quando da introdução de alguma nova tecnologia para a distribuição de informação e bens culturais. A partir da acusação de infração aos direitos autorais e conexos, pode-se fazer com que certas TIC sejam relegadas a segundo plano pela indústria da música, uma vez que elas passam a ser legalmente consideradas não como "novas tecnologias" de distribuição de conteúdos culturais, mas como meios de facilitação de "pirataria" (comércio ilegal de material protegido por direitos de propriedade intelectual). É preciso notar que, em muitos casos, a demonstração de que alguma nova tecnologia representa um "velho" tipo de crime, a "pirataria", não é inconteste e até mesmo consistente (como se discutirá neste relatório ao se abordar o caso dos programas de compartilhamento gratuito de arquivos digitais, os programas P2P). Com efeito, há argumentos que questionam teórica e metodologicamente o argumento de "pirataria" utilizado pelo lobby das empresas de comunicação e cultura, revelando o caráter político-econômico dessas disputas em tribunais (CASTRO; MIZUKAMI, 2013; KARAGANIS, 2011; SILVEIRA, 2010). Todavia, independentemente de sua legitimidade, a acusação de pirataria, quando acatada pela Justiça, funciona como um eficiente dispositivo de hierarquização social nos mercados de comunicação e cultura na medida em que seleciona quem controla a tecnologia legal para distribuir os produtos, permitindo-lhe regular o usufruto dos bens culturais. Como bem resume Antonella Corsani (2003, p. 30-31), "esses direitos de apropriação e de controle do acesso à rede e aos conhecimentos constituem, in fine, um meio poderoso para determinar as hierarquias de valores e as exclusões". Isso é, cria-se uma artificial raridade que gera não apenas frutos econômicos como também garante posições socais para os agentes envolvidos no mercado de comunicação, mesmo que colocando em risco o bem-estar coletivo (MANSELL, 1999). Nesse sentido, pode-se afirmar que os direitos autorais constituem um tipo decisivo de regulador institucional da inovação nos mercados de comunicação e cultura. Não obstante, deve-se lembrar da dupla natureza dos bens culturais, ou seja, que estes são bens com alto grau de interesse social, fazendo com que os direitos autorais e conexos possam ser limitados em sua abrangência e vigência. Isso faz com que movimentos sociais representantes da sociedade civil (como Organizações NãoGovernamentais em favor dos direitos dos consumidores ou da liberdade de informação, por exemplo) entrem nessa disputa a priori econômica a fim de garantir o pleno acesso e usufruto dos bens culturais. Pode ser que se entenda que uma  

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determinada expressão cultural de grupos minoritários seja mais bem protegida da exploração comercial abusiva por grandes empresas através da concessão de direitos autorais a esses produtores ou pode ser que se entenda que a abrangência e a vigência dos direitos autorais seja abusiva, restringindo o acesso à informação e bens culturais e, logo, dificultando o aumento do bem-estar coletivo. Assim, esses movimentos sociais buscam se associar a agentes do campo (geralmente, agentes do lado dominado) para acessar o Estado a fim de que este intervenha nas leis de direitos autorais em favor dos interesses coletivos. Evidentemente, nem sempre essa mobilização

funciona

a

contento

para

os

movimentos

sociais.

Porém,

independentemente do resultado, interessa que esse tipo de disputa sublinha uma característica distintiva dos mercados de comunicação e cultura, qual seja, a de que as disputas por oportunidades econômicas não se restringem a fatores meramente técnicos entre empresas dominantes e dominadas, mas conte com uma intervenção direta e relevante da sociedade civil como instância reguladora dessas disputas. Assim, o controle sobre os direitos autorais se coloca como a principal disputa nos mercados de comunicação. Isso significa dizer que tanto agentes econômicos, dominantes e dominados, quanto a sociedade civil e o Estado buscam formatar leis desse gênero de forma que elas lhes permitam atingir seus objetivos. De maneira esquemática, pode-se mesmo afirmar que

se colocam, de um lado, os agentes

dominantes do campo (grandes empresas de comunicação e cultura e, em alguns casos, o Estado), os quais buscam garantir direitos autorais para suas produções, ampliando sua vigência. De outro, encontram-se os agentes dominados, que visam impedir a concessão de direitos autorais para todos tipo de produção intelectual e artística, propondo alternativas a esse mecanismo ou restringir sua vigência, a fim de que suas inovações possam se desenvolver sem serem consideradas formas de "pirataria". Entre eles se interpõem movimentos sociais que visam proteger os interesses coletivos do ímpeto dos interesses privados dos agentes econômicos, podendo se associar a um dos lados ou contra os dois lados. O Estado se coloca, prioritariamente, como o grande mediador dessa disputa, sensível a argumentos de ambas as partes (o que quer dizer que ele não serve apenas aos interesses de uma parte ou de outra), quando não é também mais um agente do campo.

 

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2.3. Metodologia de pesquisa Conforme exposto na introdução deste relatório, a hipótese original da pesquisa teve de se adequar ao cenário que se encontrou ao se iniciar o trabalho de campo. Ocorreu nesse caso o que, metaforicamente, Jean-Claude Kaufmann classifica de "morte da hipótese", quando um pesquisador percebe que sua hipótese inicial não se adequa ao contexto que pretende estudar. Em suas palavras, "uma hipótese que cai em desgraça provoca sentimentos desagradáveis no pesquisador que nela acreditava; ele a sente morrer" (KAUFMANN, 2013, p. 62). Não obstante, observa com bom humor que "existem duas espécies de morte para as hipóteses. Uma que é a definitiva e outra que é simples prelúdio à reencarnação" (ibid.). Felizmente para esta pesquisa, ocorreu o segundo tipo de morte da hipótese. De toda forma, esse acontecimento obrigou a adoção de uma perspectiva construtivista em relação ao tema. Isso significa dizer que a trajetória ideal de construção do objeto de pesquisa e sua problematização, qual seja, a elaboração de hipóteses, previamente pautada numa sólida base teórica, seguida da definição de procedimentos de verificação e confirmação/retificação da hipótese, cedeu espaço para um método em que "o trabalho de campo não é mais uma instância de verificação de uma problemática preestabelecida, mas o ponto de partida d[a] problematização" (Ibid., p. 44). Isso não significou abrir mão totalmente do referencial teórico previamente decidido, mas sim construir o objeto de pesquisa gradualmente através da elaboração teórica progressiva e de hipóteses formuladas a partir da experiência de pesquisa em campo. Nessa perspectiva empirista e construtivista, faz-se necessário confrontar regular e criticamente os modelos explicativos com os dados obtidos em campo. Como resume o mesmo Kaufmann (Ibid., p. 48), "o progresso do método pode ser realizado apenas por uma articulação sempre mais fina entre teorização e observação", ao que adiciona que o objetivo é "[...] propor uma combinação íntima entre trabalho de campo e fabricação concreta da teoria" (ibid.). Assim, cabe retomar a metáfora de Charles Wright-Mills do artesão intelectual, ou seja, nesse caso, é preciso saber dominar e personalizar os instrumentos que são o método e a teoria num projeto concreto de pesquisa (WRIGHT MILLS, 2009). Para a comprovação das hipóteses (re)formuladas, esta pesquisa adotou a estudo de caso como método. Conforme sustenta Robert K. Yin (2010, p. 39), o

 

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estudo de caso como método se justifica quando o pesquisador investiga um fenômeno contemporâneo cuja transformação em objeto de pesquisa exige um trabalho dedicado de diferenciação dos limites entre o fenômeno e seu contexto, quando esses termos não estão ainda claramente definidos. Nesse sentido, entende-se que esse método permite que o pesquisador retenha as características holísticas e significativas dos eventos da vida real (Ibid., p. 24). Por esta razão, como observa o mesmo autor (Ibid., p. 40), o método do estudo de caso é adequado quando se enfrenta uma situação tecnicamente diferenciada em que existirão muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, contando com múltiplas fontes de evidências, daí que necessite do desenvolvimento anterior de proposições teóricas para orientar a coleta e a análise dos dados. Assim, como método de pesquisa, o estudo de caso pode ser definido como um tipo abrangente, cobrindo a lógica do projeto, técnicas de coleta de dados e abordagens específicas à análise dos dados obtidos; não sendo apenas uma técnica de coleta de dados isolada. Especificamente, no caso desta pesquisa, como se tratava de um aprofundamento de uma investigação anterior (DE MARCHI, 2011), decidiu-se realizar um estudo de caso de tipo explanatório, uma vez que se buscava tornar inteligíveis as relações causais entre diferentes eventos e explica-las dentro de um quadro teórico referencial. Neste sentido, optou-se por realizar um estudo de caso de um setor econômico inteiro, por se entender que a análise de uma ou outra parte (uma empresa ou as políticas públicas de regulação do campo) seriam insuficientes para explicar devidamente as transformações do mercado de música gravada no Brasil. É preciso notar que a referência teórica defendida acima exige a adoção de uma metodologia que articule aspectos estruturais do campo às ações econômicas dos agentes (aspectos micro-sociais), entendendo-os como tendo uma determinação múltipla entre si. Isso significa que nem é possível afirmar que a estrutura social determina a ação dos agentes empíricos, como pressupõem as abordagens alinhadas ao objetivismo metodológico (como os estruturalismos e funcionalismos), nem que a realidade empírica se realiza e se basta na interação entre os indivíduos, prescindindo de estruturas sociais e culturais pré-estabelecidas, tal como pregam certas abordagens interacionistas (fenomenologia, etnometodologia, existencialismo, interacionismo simbólico, teoria do ator-rede, entre outras). Conforme se observou anteriormente, adota-se aqui a teoria dos campos de Bourdieu, porém de forma a utilizar "Bourdieu contra Bourdieu", para resgatar a espirituosa expressão de Frédéric Vandeberghe  

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(2010), isso é, dando ênfase à interação entre os agentes do campo, considerando empiricamente a maneira pela qual suas estratégias funcionam em determinado contexto. Isso exigia a articulação de análises macroestruturais com uma pesquisa de tipo compreensiva, que permitisse abordar a "cultura" do campo. Para tanto, entendeu-se que seria fundamental: 1) Identificar os agentes envolvidos no campo (o mercado fonográfico digital no Brasil), analisando seus capitais (econômico, simbólico, tecnológico, político, entre outros) e articulações de cooperação e competição entre si. 2) Abordar esses agentes, a fim de se compreender suas visões de mundo, estratégias e discursos sobre si e sobre seu mercado. 3) Analisar o contexto econômico (número de vendas de bens e serviços fonográficos, consumo de aparelhos reprodutores de conteúdos digitais etc.) e político (políticas de comunicação e cultura, por exemplo) que condiciona o funcionamento do mercado fonográfico no Brasil. Para cumprir tais metas, adotaram-se como técnicas de pesquisa: A observação de páginas na internet de empresas eletrônicas pesquisadas. Buscou-se acompanhar as estratégias de ação desses agentes que desenvolvem inovações no ambiente digital, tais como oferta de serviços e produtos, formas de financiamento das empresas (se por venda de fonogramas digitalizados por internet e/ou transmissão em tempo real patrocinada por publicidade), grupo empresarial a que pertence (parte de uma corporação ou empresa autônoma). Tal procedimento serviu para conhecer e categorizar essas empresas eletrônicas, o que facilitou a avaliação de sua participação na cadeia produtiva da indústria fonográfica. O levantamento e análise de dados secundários representou um instrumento capital para a obtenção de dados. Os informes publicados por associações e federações representantes da indústria fonográfica foram duplamente importantes. É evidente que, por um lado, fornecem estatísticas oficiais sobre o mercado de discos, tanto em nível local quanto internacional: a atividade das principais empresas, crescimento ou retração do consumo de determinados produtos, níveis de crescimento do mercado de produtos ilegais, além de reconhecerem tendências comerciais emergentes. Por outro, tais documentos tornam público o discurso corporativo do setor e as conseguintes linhas gerais de atuação das empresas representadas no que

 

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concerne a uma série de aspectos críticos para o futuro da produção de música em fonogramas, como os investimentos no mercado digital ou a posição das empresas do setor em relação aos direitos autorais. Neste sentido, foram particularmente reveladoras as publicações de entidades como a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (International Federation of the Phonographic Industry, IFPI) e da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD). A pesquisa bibliográfica foi adotada a fim de se identificar, selecionar e sistematizar (a) a bibliografia pertinente ao objeto de estudo e (b) os referenciais teóricos. Em relação à parte teórica, deu-se atenção à literatura sobre a sociologia econômica assim como filosofia do direitos e direitos autorais. No caso das publicações sobre a indústria fonográfica, buscou-se analisar, na medida do possível, a literatura mais relevante que tem sido publicada sobre o negócio de conteúdos digitais. A revisão bibliográfica foi uma prática constante ao longo da pesquisa, motivada por e orientada pelos resultados parciais da investigação. Deve-se notar ainda a realização de formação complementar sobre direitos autorais, através da frequência a um curso gratuito ministrado pela internet, o Copyright X, com duração de 12 semanas (entre janeiro e abril de 2015). Este curso de curta duração resulta de uma parceria entre a Faculdade de Direito da Universidade de Harvard (Estados Unidos), a Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e o Instituto de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (ITS-FGV-RJ). O curso foi ministrado pelo professor William Fisher III, da Harvard Law School, um dos mais reconhecidos especialistas em direitos autorais de uma das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos. Deve-se ressaltar que esse curso foi ministrado pela internet, sem a necessidade do pesquisador se deslocar de São Paulo, por meio de duas aulas ao vivo pela Internet todas as semanas. Uma das aulas semanais era proferida pelo professor William Fisher ,

enquanto

a

outra

era

ministrada

por

professores da

Faculdade de Direito da UERJ e/ou pesquisadores do ITS-FGV-RJ. Ao longo desse curso, discutiu-se o direito autoral nos EUA e no Brasil. A participação nesse curso de curta duração foi decisiva para ampliar os conhecimentos do pesquisador sobre direitos autorais, desde uma perspectiva do campo do Direito, tendo sido de grande valia na preparação deste relatório. Também vale dizer que esse curso equivale

 

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a uma disciplina da universidade de Harvard, tendo sido obtido um certificado de frequência ao pesquisador (documento se encontra em anexo). A realização de entrevistas compreensivas constituiu outra importante técnica de pesquisa. A natureza empírica da pesquisa exigia que se buscasse entender a cultura do mercado de música gravada na visão de mundo de seus agentes empíricos. Nesse sentido, pressupõe-se que os homens não são simples agentes portadores de estruturas sociais, mas "produtores ativos do social, portanto depositários de um saber importante que deve ser assumido do interior, através do sistema de valores dos indivíduos" (KAUFMANN, op. cit., p. 47). Não obstante, a opinião de um indivíduo nunca se apresenta como um bloco de ideias homogêneo, imutável e sistemático. Assim, "as opiniões a serem coletadas através de uma entrevista [...] são múltiplas, até mesmo contraditórias, e estruturadas de forma não aleatória em diferentes níveis de consciência" (ibid., p. 40). Por isso, preferiu-se optar por entrevistas de tipo semiaberta, baseadas em questões semiestruturadas. As questões seguiam um roteiro prévio, cuja lógica era ordenada por temas pré-definidos, porém, suscetível a ampliações ou recortes de acordo com o desenvolvimento de cada conversação. Como observa Jorge Duarte (2010, p. 76), tal técnica qualitativa “explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada”, concluindo que “este tipo de entrevista procura intensidade nas respostas, não-quantificação ou representação estatística” (ibid., p. 76). Assim, o roteiro inicial foi montado em torno de três eixos: (1) A trajetória pessoal e profissional do entrevistado: data e localidade de nascimento, formação educacional, ingresso no negócio fonográfico, trajetória profissional. (2) Estrutura da empresa: no caso de funcionários ou empresários da indústria de discos, pediu-se que descrevessem o funcionamento da empresa (em quantos setores era dividida, como se tomavam as decisões de investimentos, quantos funcionários trabalhavam). (3) Opinião do entrevistado sobre a situação presente e futura do mercado de fonogramas. As entrevistas foram realizadas em encontros face-a-face ou através da mediação de softwares de telecomunicação, como o Skype, nos casos em que o encontro entre entrevistador e entrevistado não era possível. Seguindo os preceitos da  

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entrevista compreensiva, entende-se que o entrevistador deve estar ativamente envolvidos nas questões a fim de provocar o envolvimento do entrevistado (KAUFMANN, op. cit., p. 40). A entrevista através da resposta de e-mails somente foi utilizada em um caso, que se justificou por uma questão contextual27. Ao todo, foram realizadas 24 entrevistas, com agentes do mercado de música (21) assim como do Estado (3), envolvidos com a políticas para o campo da cultura28. Segue-se a lista de entrevistados, cronologicamente organizada: ... 2.3.1. Etapas da pesquisa

A primeira parte da pesquisa, que durou entre outubro de 2012 e setembro de 2014, serviu para realizar o levantamento de dados e o mapeamento dos agentes envolvidos no mercado fonográfico digital. Nesse período, foram realizadas entrevistas e, ao final, compreendeu-se que seria necessário estender a pesquisa para poder abordar outras questões. Particularmente importante foi abordar o lado político da formação do mercado fonográfico digital no país, com a aprovação do Marco Civil da Internet, da Lei de reforma da gestão coletiva no país (Lei no 12.853/2013) e a possível reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei no 9.610/98). Dessa forma, foi-se solicitado a extensão de um ano para pesquisa, obtida. Nesse período, pode-se aprofundar a relação entre mercado de conteúdos digitais e Estado, através de entrevistas com indivíduos atuantes seja na formulação e aprovação de leis seja no Ministério da Cultura.                                                                                                                 27

Tratou-se da entrevista realizada com o Deputado Federal pelo Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT-RJ) Alessandro Molon. Apesar das perdas que a técnica do envio de perguntas por escrito comporta (como o risco de que as respostam seja redigidas não pelo entrevistado, mas por terceiros e a perda da interação do entrevistador com o entrevistado, o que pode levar a entrevista a assuntos e interpretações inesperadas, o que é desejável quando se adota o tipo de questionário semiestruturado para uma entrevista de tipo compreensiva), no período em que se acessou o Deputado, sua equipe de assessores deixou claro que o encontro com ele seria improvável. As razões dadas foram de agenda. Contudo, também deve ter exercido peso nessa rejeição de um encontro faca-a-face o fato de seu partido estar sofrendo acusações graves de corrupção e, com isso, a popularidade de seus filiados também passou a ser questionada. Essa suposição se tornou ainda mais forte em setembro de 2015, quando Alessandro Molon trocou de legenda, abandonado o PT após 18 anos de filiação. Como o deputado era um personagem-chave na aprovação e regulamentação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), sendo o relator do Projeto de Lei, abriu-se essa exceção. 28 É importante observar que, diante das reticências de alguns entrevistados que operam no mercado de música com as possíveis consequências da publicação de suas falas, acordou-se informalmente que, em caso de transcrição de alguma fala desses agentes neste relatório, sua identidade seria ocultada. No caso de pessoas relacionadas ao Estado, porém, esse cuidado não se mostra necessário. Daí que tenham seus nomes citados ao longo do texto.

 

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Ao longo dos três anos de pesquisa, ela foi desenvolvida em três etapas: a) primeira fase: realizada entre outubro de 2012 e janeiro de 2013, consistiu a delimitação do objeto, início da pesquisa bibliográfica, elaboração de categorias de análise, mapeamento dos agentes do campo. b) segunda fase: realizada entre fevereiro de 2013 e junho de 2015, compreendeu o trabalho de campo: realização de entrevistas. c) terceira fase: realizada entre julho e setembro de 2015, consistiu na análise dos dados obtidos, diagnóstico dos pontos críticos do objeto de pesquisa e na elaboração do relatório final. Ao longo desse processo, apresentaram-se dados parciais da pesquisa de campo através de diferentes expedientes. Em primeiro lugar, através da apresentação de artigos científicos em congressos (ao todo foram produzidos e apresentados oito artigos), discriminados abaixo. Parte dessa produção foi ou está para ser publicada em periódicos acadêmicos (ao todo foram publicados ou aceitos para publicação sete artigos), também como será esmiuçado abaixo. Havia também o site da pesquisa (http://leonardogabrieldemar.wix.com/leonardodemarchi),

através

do

qual

se

disponibilizaram os artigos produzidos e se deixava um endereço eletrônico para contato com o pesquisador ([email protected]). Deve-se ressaltar que um importante meio de avanço da pesquisa foi a reunião para discussão das dificuldade encontradas ao longo da pesquisa assim como seus resultados parciais entre o pesquisador e seu supervisor, Professor Doutor Eduardo Vicente (ECA-USP), além das reuniões entre estes e o Professor Doutor Luis Alfonso Albornoz Espiñeira, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Carlos III de Madri (UC3M, Espanha), enquanto este esteve em trabalhando no estado de São Paulo como parte de sua bolsa de Pesquisador Visitante concedida também pela FAPSEP (Processo 2014/03219-6). Nesses encontros periódicos, pôde-se fortalecer o contato com esse pesquisador espanhol, que é um dos coordenadores do Mestrado em Indústria

Musical

e

Estudos

Sonoros,

da

mesma

universidade

(http://www.uc3m.es/ss/Satellite/Postgrado/es/Detalle/Estudio_C/1371209405106/13 71208865479/Master_en_Industria_Musical_y_Estudios_Sonoros), estabelecendo-se uma parceria entre a ECA-USP e a UC3M. Através desse expediente de exposição e discussão com pares sobre os resultados obtidos, pôde-se aprimorar a pesquisa tanto no nível teórico quanto metodológico.

 

57  

2.3.2. Produtos da pesquisa Deve-se observar que, tanto no projeto original quanto no pedido de renovação da bolsa de pesquisa, propôs-se realizar os seguintes produtos: 1. Um mapa das empresas eletrônicas no país, categorizando-as (a) pelas atividades que desempenham (venda de fonograma, exibição de vídeos ou de fonogramas pela internet, serviços auxiliares para música, etc.), (b) o catálogo que manejam e (c) os clientes com quem estabelecem relações comerciais (indivíduos e/ou empresas). 2. Um perfil dos empresários que comandam as empresas eletrônicas. O objetivo é apresentar traços comuns que caracterizam esses empreendedores do mercado de cultura. 3. Desenvolvimento de uma metodologia de pesquisa especializada no estudo da inovação na indústria fonográfica. 4. Um website ou website que funcionará ao longo da pesquisa, apresentando dados parciais da investigação para o público geral e servindo como meio de contato com os agentes estudados. 5. Um livro contendo o resultado final da pesquisa. Em relação aos pontos números 1 e 3, eles foram concluídos, sendo apresentados ao longo deste relatório. Em relação ao ponto número 4, conforme mencionado, ele se encontra em operação, como será discutido a seguir. No entanto, o ponto número 2, tornou-se irrelevante diante da polarização do campo entre "empresas eletrônicas estrangeiras" e "tradicionais agentes da indústria fonográfica", ainda que menções sobre desses empreendedores possam ser encontradas ao longo do relatório. Finalmente, o ponto 5 não pôde ser realizado durante o período da pesquisa, uma vez que o tempo necessário para a negociação e publicação de um livro demanda um tempo maior do que o que o pesquisador tinha até a entrega do relatório. Assim, os artigos científicos derivados desta pesquisa foram apresentados em quatro congressos nacionais e cinco internacionais das áreas de Comunicação Social e Sociologia, computando nove trabalhos ao total (comprovantes em anexo): •

KISCHINHEVSKY, M.; VICENTE, E.; DE MARCHI, L. Música Infinita: serviços de streaming como espaços híbridos de comunicação

 

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e consumo musical. Apresentação de Trabalho no XXIV Encontro Anual da Associação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). Universidade de Brasília, Brasília, 2015. •

DE MARCHI, L. Qual é o valor da música digital? Uma análise sociológica da formação dos preços de bens e serviços relacionados aos fonogramas digitais. Apresentação de Trabalho no IV Congresso de Comunicação & Música (Comusica). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, de 13 a 15 de maio de 2015.



DE MARCHI, L. Transformações do Consumo de Música nas Redes Digitais: Uma Análise Dos Serviços De Streaming Spotify, Rdio e Deezer. Apresentação de Trabalho no XIV Congresso Internacional Ibercom, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.



DE MARCHI, L. Creating a Creative Brazil: an Analysis of the Brazilian Neo-Developmentalist Approach to Creative Economy. Apresentação de Trabalho no Congresso Internacional The Society for Advancement of Socio-Economics 25th Annual Meeting (SASE). Università degli Studi di Milano, Milão (Itália), 2013.



DE MARCHI, L. Entre o poder dos fluxos e os fluxos de poder: a organização da indústria fonográfica brasileira nas redes digitais. Apresentação de Trabalho no VIII Congreso de la Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPIC). Universidad Nacional de Quilmes, Quilmes (Argentina), 2013.



DE MARCHI, L. Por uma mudança de hábito: Empresas eletrônicas de música e as transformações nas práticas de consumo de música nas redes digitais. Apresentação de Trabalho no III Congresso Internacional Em Comunicação e Consumo. Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), São Paulo, 2013.



DE MARCHI, L. . Cultura como recurso para o desenvolvimento no Brasil:

Transformações

das

políticas

culturais

na

era

neodesenvolvimentista do Ministério da Cultura. Apresentação de Trabalho no XVI Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS).

 

59  

Universidade Federal da Bahia, Salvador , 2013. •

DE MARCHI, L. . Entre o desenvolvimento econômico e o direito à cultura: uma análise dos usos do termo. Apresentação de Trabalho XI Congreso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación (ALAIC). Universidad de la República, Montevidéu (Uruguai), 2012.



DE MARCHI, L. Construindo o conceito de economia criativa no Brasil: Política cultural no contexto neodesenvolvimentista brasileiro. 2012. Apresentação de trabalho no   XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM). Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2012.

Ao todo, foram publicados ou aceitos para publicação sete artigos científicos em periódicos da área foram:

 



DE MARCHI, L. Construindo um conceito neodesenvolvimentista de economia criativa no Brasil: política cultural na era do novo MinC. Novos Olhares, v. 2, p. 37-48, 2014.



DE MARCHI, L. Análise do Plano da Secretaria da Economia Criativa e as transformações na relação entre Estado e cultura no Brasil. Revista Intercom (Qualis A2), v. 37, p. 193-215, 2014.



DE MARCHI, L.; LADEIRA, J. M. Ecos da modernidade: uma história social da indústria fonográfica no Brasil 1900-1930. ECompós (Qualis A2), v. 17, p. 1-16, 2014.



DE MARCHI, L.. Ouça sua banda preferida sem precisar ir atrás daquele Torrent: uma análise da publicidade das empresas eletrônicas de música. Comunicação, Mídia e Consumo, ESPM-SP (Qualis B1), v. 11, p. 163-183, 2014.



VICENTE, E. ; DE MARCHI, L. Por uma história da indústria fonográfica no Brasil 1900-2010: uma contribuição desde a Comunicação Social. Música Popular em Revista, Unicamp, v. 1, p. 7-36, 2014.



DE MARCHI, L. A organização da indústria fonográfica brasileira nas redes digitais: concentração sem centralização das empresas eletrônicas fonográficas. Revista FAMECOS (Qualis ), v. 21, p. 80-99, 2014.

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Aceite para publicação do artigo "Os serviços de streaming e a promessa de música infinita: novos modelos de negócio e conflitos de interesse no mercado de conteúdos digitais", de KISCHINHEVSKY, M.; VICENTE, E.; DE MARCHI, L., na Revista Fronteiras: estudos midáticos (Qualis B1), da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo (RS).

Deve-se mencionar a participação como membro avaliador da Comissão Avaliadora da Defesa de Dissertação de Mestrado do pós-graduando Anselmo Mancini do Nascimento, realizada em 18 de Novembro de 2013, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (comprovante em anexo). Outra realização da pesquisa foi o ciclo de seminários Sonoridades Midiáticas, organizado em conjunto com o supervisor da pesquisa, Professor Dr. Eduardo Vicente (ECA-USP), realizados nas dependências da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (comprovantes em anexo). Outra janela de exposição da pesquisa foi uma entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo sobre o tema da pesquisa (reproduzida na seção Anexos deste documento). Conforme se propôs no projeto original assim como no relatório parcial, Não se

pode

desconsiderar

também

o

website

(http://leonardogabrieldemar.wix.com/leonardodemarchi),

o

qual

da gerou

pesquisa grande

visibilidade para o trabalho e contato com outros pesquisadores do tema. Nesse endereço eletrônico, encontra-se a descrição da pesquisa, além de material disponível para leitura (artigos acadêmicos publicados em periódicos que utilizam licenças Creative Commons, o que legaliza seu acesso gratuito, desde que o uso não tenha fins lucrativos). Finalmente, também conforme se propôs no projeto original assim como no relatório parcial, ministrou-se um curso, com o supervisor da pesquisa o Prof. Dr. Eduardo Vicente, As Indústrias Culturais no Século XXI: o Processo e as Consequências da Digitalização dos Bens Culturais (CTR4021), no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da ECA-USP, no primeiro semestre de 2014.    

61  

                                                                             

 

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3. Formação do mercado fonográfico digital global Conflitos de interesses na construção do comércio de conteúdos digitais

O referencial teórico apresentado no capítulo anterior sugere uma abordagem sociológica da vida econômica, apoiada numa perspectiva histórica que permite tornar inteligíveis as relações estruturais entre os agentes econômicos dispostos num determinado campo e, consequentemente, as principais disputas que caracterizam tal arena em dado momento. Dessa forma, nos próximos dois capítulos, apresentar-se-á uma história da formação do mercado fonográfico digital tanto no cenário global quanto no brasileiro. Ao invés de se adotar uma abordagem simplista, de acordo com a qual se interpretam distintos eventos históricos como sendo partes lógicas de uma sequência de eventos que resultam invariavelmente no cenário presente, priorizam-se as condições de possibilidade de certas configurações socioeconômicas que se organizam em determinado momento histórico ou, como diria Michel Foucault (2008), busca-se mostrar como certa situação histórica se tornou possível. Especificamente, neste capítulo, apresentam-se os principais personagens que se envolveram no mercado fonográfico no início do século XXI e as disputas que emergiram a partir da introdução de inovações tecnológicas e comerciais propostas por entrantes no campo. O objetivo é ressaltar os embates travados entre novos e tradicionais agentes e como os resultados dessas disputas estão configurando um mercado fonográfico digital que se expande por todo o globo, influenciando decisivamente o desenvolvimento de mercados nacionais. O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, aborda-se o início do fenômeno da destruição criadora do mercado fonográfico, dando ênfase às disputas de interesse entre tradicionais agentes da indústria fonográfica e as novas empresas eletrônicas oriundas do setor de tecnologias da informação, que introduziram tecnologias disjuntivas e propuseram novos modelos de negócio. Nesse tópico, dá-se especial atenção para os disputas legais entre programas de compartilhamento entre

 

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pares (P2P) e detentores dos direitos autorais dos fonogramas. Na segunda, aborda-se a estabilização do mercado digital através de empresas eletrônicas como as lojas virtuais de fonogramas, como o iTunes, os serviços de streaming, como Spotify, Deezer, Rdio, e intermediários diversos, notadamente os agregadores de conteúdo, como The Orchard e Believe Digital.

3.1. Do Jukebox celestial à música líquida: as disputas pelo mercado fonográfico digital nos anos 2000 As décadas de 1980 e 1990 representaram um período importante de reorganização da indústria fonográfica nos países desenvolvidos. Durante a década de 1980, teve início a implementação de políticas neoliberais também no campo das telecomunicações,

as

quais

possibilitaram

a

formação

de

conglomerados

transnacionais29, os quais alterariam de forma determinante o modus operandi dos mercados de comunicação e cultura30. Isso porque corporações de diferentes setores industriais perceberam nas empresas de comunicação e, notadamente, de entretenimento uma forma estratégica de diversificação de investimentos visando a inserção de suas marcas no mercado global (mesmo que para revende-las depois). Daí que empresas de distintos setoriais industriais, muitas vezes sem conexões com o campo da cultura, tenham passado a adquirir estúdios de cinema e gravadoras, como no caso da companhia de bebidas, a Seagram Company, que comprou a Polygram, transformando-a na Universal Music. Além de empresas de tecnologias da comunicação, como a Sony e a Matsushita, ou de telecomunicações e entretenimento, como a Time-Warner e a Vivendi, que buscavam realizar as chamadas "sinergias" entre os hardwares que produziam e os "softwares", nesse caso, utilizar os filmes, livros e discos como forma promoção da venda de reprodutores de CD, DVD, telefones celulares e computadores pessoais, entre outros produtos. Conforme explicado em outra oportunidade (DE MARCHI, 2011), a aquisição das grandes gravadoras por esses conglomerados implicou uma profunda mudança tanto na estrutura das gravadoras quanto na cultura do mercado fonográfico. Na                                                                                                                 29

Um Conglomerado é a combinação de duas ou mais corporações com atividades em diferentes tipos de negócio, mas que estão sob uma mesma estrutura corporativa (ou grupo empresarial), geralmente uma holding e várias subsidiárias. Muitas vezes, um conglomerado é uma empresa multi-industrial ou empresas multinacionais. 30 Sobre as políticas neoliberais para os setores de telecomunicações e suas consequências para os mercados de comunicação e cultura, cf. JIN, 2008.

 

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medida em que as grandes gravadoras se fundiam aos conglomerados, seguia-se uma profunda reorganização da estrutura produtiva das empresas de bens culturais. Desde logo, as gravadoras modernizaram seus equipamentos de produção, adotando o digital como seu paradigma tecnológico. Isso facilitou a externalização de diversas funções que, antes, eram responsabilidade direta das empresas, como a produção de fonogramas (estúdios de gravação e fábricas de discos) e distribuição dos discos físicos (distribuidoras para o varejo). Essa política da produção enxuta era acompanhada de uma agressiva "reengenharia", jargão adotado pelo mundo corporativo na época, dos funcionários. Isso significava que, com a fusão de departamentos (jurídico, fiscal, administrativo, executivo, entre outros) entre as gravadoras e outras empresas de seus conglomerados, seguia-se a demissão de funcionários de todos os escalões, desde os técnicos que lidavam com o estúdio de gravação até altos cargos de direção executiva, passando pelos profissionais que lidavam com Artistas e Repertório (A&R). Isso acabou por desmontar a integração vertical da cadeia produtiva praticada pelas grandes gravadoras, o que lhes concedia o controle sobre todo o mercado de discos no passado. No entanto, tal desintegração vertical foi substituída por uma integração horizontal da indústria fonográfica. Um elemento fundamental para isso foi a reformulação das chamadas gravadoras independentes 31 . Na medida em que as grandes gravadoras externalizavam seus equipamentos de produção, não apenas o número de gravadoras independentes aumentou como também essas empresas passaram a assumir um papel de dominância em seus respectivos nichos e a funcionarem em parceria estreita com grandes gravadoras. Isso se deu porque, na medida em que essas empresas realizavam cortes de funcionários especializados, muitos deles migraram para o setor independente levando consigo seu know-how.                                                                                                                 31

Ainda que seja necessário realizar uma precisa arqueologia do termo, a expressão "gravadora independente" ganhou destaque nos Estados Unidos a partir das década de 1920, quando surgiram as corporações fonográficas ou grandes gravadoras, para se referir a pequenas e médias gravadoras, em geral de origem familiar e de capital fechado. Durante os anos 1950 e 1970, o termo ganhou conotações políticas, passando a sugerir uma oposição ideológica entre grandes gravadoras (que seriam o lugar da reprodução ideológica do status quo, da cultura de massas e da música popular repetitiva para consumo em larga escala, baseada em fórmulas de sucesso) e as gravadoras independentes (lócus da inovação artística, onde a arte seria mais importante do que o lucro das empresas, descobridores de novos talentos, atuantes em nichos de mercado socialmente desconsiderados, como no caso dos gêneros musicais produzidos pela comunidade afro-americana nos Estados Unidos). Criava-se, assim, certa perspectiva que Simon Frith (1982) rotulou de "visão romântica" das gravadoras independentes. Ainda que, na prática, muitas gravadoras independentes não se assemelhassem à esse ideal, a visão romântica das gravadoras independentes foi adotada em diversos contextos nacionais além dos Estados Unidos, como no Brasil (DE MARCHI, 2006a, 2006b).

 

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Assim, foi possível notar gravadoras independentes racionalizando seus investimentos em A&R, terceirizando funções como a distribuição dos discos, marketing e publicidade e, às vezes, até mesmo a gravação dos discos, visando competir de forma mais agressiva não apenas em seus mercados nacionais como também no mercado global através de associações com outras gravadoras independentes e até mesmo com as grandes gravadoras. Trabalhos como os de Keith Negus (1999) e David Hesmondhalgh (1996, 1999) descrevem com riqueza de detalhes esse momento ímpar da história do setor independente, no qual pequenas e médias gravadoras começavam a adotar técnicas de administração similares às das grandes gravadoras. O resultado disso é que, como bem observa Micael Herschmann (2010, 2011), tornaram-se muito fluidas as identidades de grandes gravadoras e das independentes, não sendo mais possível afirmar categoricamente a diferença entre essas empresas. Esse duplo movimento de flexibilização das grandes gravadoras e racionalização das independentes foi decisivo para transformar a indústria fonográfica numa composição dinâmica de agentes autônomos que se reúnem pontual e estrategicamente a fim de realizarem um determinado objetivo, como a gravação de um disco e/ou sua distribuição.  Constituía-se, assim, uma organização produtiva que Manuel Castells classifica de "empresa em rede". Por este termo, entende-se como sendo, "aquela forma específica de empresa cujo sistema de meios é constituído pela interseção de segmentos de sistemas autônomos de objetivos. Assim, os componentes da rede tanto são autônomos quanto dependentes em relação à rede e podem ser uma parte de outras redes e, portanto, de outros sistemas de meios destinados a outros objetivos." (CASTELLS, 2003a, p. 232).

Posteriormente, esse autor complementou esta definição, observando que é: "a forma organizacional construída em torno de projetos de empresas que resultam da cooperação entre diferentes componentes de diferentes firmas, que se interconectam no tempo de duração de dado projeto empresarial, reconfigurando suas redes para a implementação de cada projeto. [...] Tomadas em conjunto, essas tendências transformaram a administração de negócios numa geometria variável de cooperação e competição segundo o tempo, o lugar, o processo e o produto. [...] Trata-se de uma agência enxuta de atividade econômica, construída em torno de projetos empresariais específicos, que são levados a cabo por redes de composição e origem variada: a rede é a empresa." (CASTELLS, 2003b, p. 58).

Ainda que uma empresa continue sendo uma entidade legal e um agente responsável pela acumulação de capital, a unidade operacional é a rede de empresas interconectadas para a concretização de um projeto. A empresa é, em outras palavras,

 

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o nó de ligação entre as redes de produção construídas à volta de projetos de negócio e de redes de acumulação organizadas em torno das finanças globais. Este fenômeno possui duas importantes implicações para a presente reflexão. A primeira é que a gravadora passou a não mais deter o monopólio da gravação sonora, mas se converteu numa administradora dos fluxos de informação, dinheiro, produção, distribuição de fonogramas, quer dizer, tornou-se um centro de decisões estratégicas de uma rede de empresas reunidas para a realização de um projeto. A segunda é que, assim, o custo fixo de produção do fonograma pôde ser socializado entre os vários agentes que compõem a empresa em rede. Isso é, cada parte envolvida na gravação de uma obra arcaria com sua parte na produção; tal peso já não mais recairia apenas sobre o capitalista (gravadora). Em seu livro sobre os mercados globais de comunicação e cultura, Frédéric Martel (2012) resume essa nova composição de forças de maneira precisa, ao afirmar que: "[...] pois as indústrias criativas não são mais fábricas, como os estúdios [de cinema] da época de ouro de Hollywood, mas redes de produção constituídas de centenas de milhares de pequenas e médias empresas e start-ups [novas empresas de tecnologia da informação]. Não mais as [grandes gravadoras], mas milhares de [selos independentes], selos e unidades especializadas, independentes que aos poucos se tornam majors e majors que são dirigidas por independentes transformados em mainstream. Não se trata mais de "oligopólios de franja concorrencial" (majors que produzem mainstream [bens culturais para grandes audiências], cercadas de [empresas] independentes que exploram [mercados de] nichos) [...], mas de um sistema autenticamente descentralizado no qual [grandes corporações] e [empresas] independentes são imbricados e não concorrentes, indispensáveis uns aos outros." (MARTEL, 2012, p. 449).

No entanto, deve-se notar que a empresa em rede não é constituída por agentes dotados de capitais (poderes) iguais. Pelo contrário, a chave do sucesso desse tipo de empreendimento reside no controle econômico, legal (direitos autorais e conexos) e logístico que o agente dominante (nesse caso, a grande gravadora) detém sobre os outros da coalização. Dessa forma, sem ter a grande gravadora como o grande patrocinador do processo, os custos fixos continuariam a ser proibitivos para os outros agentes da composição. Por isso, ao contrário de uma diversificação do mercado fonográfico no que diz respeito às fontes produtoras de conteúdos, acentuaram-se as diferenças de vendas de fonogramas entre as empresas. De acordo com os dados da IFPI, o que se notou foi uma forte concentração do mercado, pois apenas quatro grandes gravadoras controlavam cerca de 70% a 80% das vendas no comércio internacional de discos, número que tendia a se repetir nos diversos mercados

 

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nacionais em que tais empresas funcionavam, enquanto as gravadoras independentes disputam entre si o restante dos 30% ou 20% de mercado (NEGUS, op. cit.). Por fim, mas não menos importante, outro fator crítico para o desenvolvimento da indústria fonográfica nesse período foi a introdução do compact disc (CD). O CD surgiu de uma joint venture entre a Phillips e a Sony Corp., comercializado a partir de 1983 e logo sendo adotado como paradigma tecnológico da indústria fonográfica 32 . O novo produto desempenharia um papel decisivo na reconfiguração do mercado de discos, na medida em que ele completou o processo de digitalização da gravação e reprodução sonoras, padronizando os produtos dessa indústria. Isso foi importante para que (a) as empresas independentes pudessem se atualizar tecnicamente, podendo estabelecer parcerias com as grandes gravadoras. Ao mesmo tempo, (b) a adoção da tecnologia digital por outras indústrias criativas facilitou a compra de gravadoras pelos conglomerados transnacionais, pois estes poderiam estabelecer sinergias entre produtos de hardware e software. Mais importante do que isso é que (c) a adoção do CD como língua franca da indústria fonográfica permitiu que se utilizasse um produto mais barato para se produzir, estocar e distribuir, cujo preço para o consumidor final era mais caro do que os discos em vinil de longa duração, os LP, e do que as fitas magnéticas Cassete. Assim, punhase ponto final à guerra entre formatos e preços dos produtos (que existia na época dos LP, compactos e fitas cassete), unificando o consumo de discos. Isso concedia um enorme poder às gravadoras, já que elas poderiam estabelecer a média dos preços para o mercado sem entrarem em competição entre si e venderem o novo produto a um alto preço para as lojas revendedoras. Consequentemente, a arrecadação da indústria aumentaria e se tornaria mais estável, garantindo um lucro expressivo para as gravadoras. De fato, o CD alavancou o crescimento da indústria fonográfica em questão de anos. Abaixo, o Gráfico 1 apresenta o desempenho, em arrecadação, no cenário internacional nos anos 1990:

                                                                                                                32

O Compact Disc é um disco óptico produzido para o armazenamento de informação digitalizada. Um CD padrão é um disco de 120 mm, que pode armazenar 700 MiB de informação, o que equivale, em geral, a 80 minutos de música. Sua criação resultou de uma parceria entre as empresas de tecnologia da comunicação alemã Siemens e a japonesa Sony Corp. Sobre o processo de criação do CD, desde a perspectiva de um dos engenheiros responsáveis pelo projeto, cf. LYNSKEY, 2015.

 

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45   40   35  

39,6  

39,8  

1995  

1996  

36,1   29  

38,1  

38,2  

38,5  

1997  

1998  

1999  

36,9  

30,8  

30   25   20   15   10   5   0   1992  

1993  

1994  

2000  

Arrecadação  (Bilhões  de  dólares)  

 

Gráfico 1. Arrecadação da indústria fonográfica internacional, 1992-2000. Fonte: IFPI.

  Nessa ilustração, pode-se verificar que, entre 1992 e 1996, quando se registrou a maior arrecadação, houve um crescimento de cerca de 37,93%. Ao se calcular o percentual do aumento da arrecadação em todo o período, atinge-se um número bastante razoável, um crescimento de 27,58%. A década de 1990 também é marcada pelo início do uso comercial da internet. Autores Robert Burnett (1996) ou Patrick Burkart e Tom McCourt (2006) sublinham que, num primeiro momento, os conglomerados de comunicação e cultura tinham grande interesse nas tecnologias digitais de comunicação em rede. Diante do excelente resultado do comércio de bens culturais nos anos anteriores, interessavalhes dar um passo à frente e desenvolver um sistema fechado de acesso a conteúdos digitais, através do qual se pudessem acessar livros eletrônicos, filmes, fonogramas, notícias, entre outros conteúdos digitais. Todos esses conteúdos seriam produzidos e distribuídos, é claro, por esses mesmos conglomerados de comunicação e cultura. No caso da indústria da fonográfica, especificamente, a expectativa era que se criasse algo como um Jukebox 33 celestial (palavra cujo sentido, aqui, seria próximo à "virtual"). Em seu livro Copyright's highway: the law and lore of copyright from

                                                                                                                33

Aparelho provido de toca-discos e discos que funcionava automaticamente através da inserção de moedas e escolha, pelo usuário, da música em catálogo.

 

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Gutenberg to the celestial jukebox, de 1994, Paul Goldstein explica essa metáfora, prevendo como essa máquina funcionaria: "[seria como] um satélite repleto de tecnologias, em órbita a milhares de milhas acima da Terra, à espera de uma ordem de um assinante – como que inserindo um níquel no antigo jukebox, e apertando um botão – para conectá-lo a um grande número de opções de conteúdos estocados num vasto depósito virtual através de um receptor instalado em sua casa ou no escritório, que combinaria o poder de um aparelho de televisão, rádio, leitor de CD, VRC, telefone, fax, e de um computador pessoal." (GOLDSTEIN, 1994, p. 199 apud: BURKART; McCOURT, 2006, p. 4, tradução própria34).

Essa descrição condizia com a perspectiva que Henry Jenkins (2009) classificou ironicamente de "falácia da caixa preta", na qual se esperava que a dita "convergência tecnológica" se daria através de uma tecnologia unificada (a "caixa preta"), ou seja, um sistema fechado de comunicação que permitiria o controle do fluxo de informações e do usufruto dos conteúdos digitais pelos consumidores. Confiantes no êxito de seu Jukebox celestial, os agentes dominantes da indústria fonográfica se mobilizaram para adequar as instituições do mercado ao cenário tecnológico do novo milênio e, para tanto, pleitearam reformas nas leis de direitos autorais. Nesse sentido, o ano de 1998 foi emblemático. Então, houve a aprovação de duas legislações determinantes para dar segurança jurídica aos investimentos dos agentes dominantes da indústria de discos na era digital. De um lado, obteve-se a aprovação da Lei de Extensão da Duração dos Direitos Autorais (Copyright Term Extension Act ou CTEA), apelidada, de forma algo irônica, de Lei de Proteção ao Mickey Mouse (uma vez que um dos argumentos para a aprovação do Projeto de Lei no Congresso norte-americano foi a necessidade de se estender a proteção dos direitos autorais para manter protegido um ícone da cultura nacional, o personagem Mickey Mouse, da Disney). Conforme estipulava a revisão da Lei de Direitos Autorais de 1976, os direitos autorais das obras com autoria reconhecida deveriam valer por toda a vida do autor, mais 50 anos, e 75 anos desde a publicação para obras anônimas ou feitas por encomenda (work for hire), que pertenciam às empresas que encomendavam trabalhos passíveis de serem protegidos por direitos autorais35. O feito mais proeminente do CTEA foi estender, como o título revela, o                                                                                                                 34

"A technology-packed satellite orbiting thousands of miles above the Earth, awaiting a subscriber's order - like a nickel in the old jukebox, and the punch of a button - to connect him to any number of selections from a vast storehouse via home or office receiver that combines the power of a television set, radio, CD player, VRC, telephone, fax, and personal computer". 35 O dispositivo do Works for Hire (cuja tradução literal para o português brasileiro seria algo como "trabalhos sob encomenda") é uma especificidade das Limitações aos Direitos Autorais da Lei dos

 

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prazo de proteção dos direitos autorais das obras com autoria para a vida do autor, mais 70 anos, além de passar o prazo para obras anônimas ou encomendada criadas para 120 anos de sua criação ou 95 anos a partir de sua publicação. Tais extensões da proteção obviamente significavam um desequilíbrio entre interesses privados e coletivos, uma vez que o instituto do Domínio Público ficaria severamente afetado36. Conforme argumenta Alex S. Cummings (2010), essa perspectiva maximizadora da proteção dos direitos autorais ganhou bastante força desde os anos 1970, não por acaso um período em que políticos neoliberais ascendem ao poder nos Estados Unidos. De acordo com a ideologia neoliberal, conforme Michel Foucault (2008) argumentou consistentemente, os indivíduos são vistos como microempresas e todas as dimensões da vida social são entendidas como possibilidades comerciais que, logo, devem ser protegidas como propriedades individuais. Por isso, sustenta Cummings (op.cit.), o lobby da indústria fonográfica encontrou um contexto ideológico e político favorável para convencer os legisladores americanos de que os fonogramas (assim como filmes e livros) constituíam uma parte importante da economia americana e, por isso, mereceriam gozar de uma crescente proteção jurídica através de leis de propriedade intelectual, da mesma forma que outras mercadorias. Como esse autor resume, "Ao lutar contra a pirataria de música na década de 1960, a indústria fonográfica abriu caminho para outros interesses, que buscavam ampliar o escopo e a força da lei americana de direitos autorais. As gravadoras criaram o modelo para uma reformulação mais ampla do direito de autor, reformulando-o como uma salvaguarda para o investimento de capital e um impulso para o crescimento econômico ao invés de um incentivo limitado para a criação artística. Uma vez que o Congresso e os tribunais abraçaram a ideia de que os direitos de propriedade mais fortes eram uma

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Estados Unidos que se refere a uma obra criada por um empregado de uma empresa, como parte de seu trabalho, ou uma obra criada em nome de um cliente, na qual todas as partes concordam, por contrato, que os direitos autorais desse trabalho intelectual pertence não ao autor do serviço, mas à empresa ou quem o comissionou. Trata-se, portanto, de uma exceção à regra geral de que a pessoa que realmente cria uma obra é o autor legalmente reconhecido desse trabalho (titular originário). 36 É interessante notar que as contínuas revisões dos termos da leis de direitos autorais nos Estados Unidos que tratam da proteção de fonogramas (desde a Lei de Direitos Autorais de 1909, as principais revisões que estenderam os direitos autorais em sua duração foram implementadas em 1976 e 1998) fez com o tempo de proteção de diferentes obras variasse enormemente dependendo do ano em que uma obra foi produzida e se houve ou não uma renovação legalmente válida dessa proteção. Assim, para se saber se uma obra está protegida por direitos autorais nos Estados Unidos ou se já está disponível em domínio público, deve-se buscar saber se (a) ela foi produzida antes de 1923 e, nesse caso, não foi pedido um termo de renovação, ou se (b) ela foi produzida ou publicada entre 1923 e 1963, ou se (c) ela foi produzida ou publicada entre 1964 e 1977, quando a renovação da proteção de direitos autorais se tornou automática, ou se (d) ela foi produzida ou publicada depois de 1978. Isso cria uma enorme dificuldade para se utilizar obras em domínio público naquele país. Sobre as transformações nos termos de extensão dos direitos autorais nos Estados Unidos, cf. CUMMINGS, 2010; LESSIG, 2005. William Fisher trata desse tema detalhadamente em seu curso CopyrightX, na aula 6.2, disponível em : < https://www.youtube.com/watch?v=HA1LsxeGJFI&feature=youtu.be >. Acesso em: 12/05/2015.

 

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questão de necessidade econômica, uma variedade de interesses direitos autorais e patentes foram capazes de pressionar por mais proteções sob a rubrica comum de propriedade intelectual, ainda mais num momento em que a economia dos EUA naufragava nas águas rasas da desindustrialização, da concorrência estrangeira, e da recessão econômica na década de 1970. Como a história da indústria fonográfica demonstra, o movimento em direção à expansão dos direitos de propriedade intelectual resultou numa nova maneira de pensar sobre a utilidade da música - e outras formas de expressão mediada - num cenário mais amplo da economia dos Estados Unidos no século XX. Um novo conceito de propriedade, que surgiu nos debates sobre a pirataria na década de 1950 e 1960, gradualmente suplantou a tradição progressista da limitação dos direitos de monopólio. Posteriormente, a crise econômica da década de 1970 reforçou este novo regime robusto de direito da propriedade intelectual, na medida em que gravadoras e outros produtores de "informação" consolidaram seus ganhos políticos." (CUMMINGS, 2010, p. 661, tradução própria37).

A fim de regular o crescente fluxo não monitorado de conteúdos digitais pela Internet, também em 1998 foi promulgado um conjunto de emendas ao Capítulo 5 da Lei de Direitos Autorais dos Estados Unidos, conhecido como Lei de Direitos Autorais para o Milênio Digital (Digital Millennium Copyright Act , cuja sigla em inglês é DMCA). Fundamentalmente, o DMCA estendia o regime de direitos autorais, conforme formulado ao longo dos séculos XIX e XX, ao ambiente digital, estabelecendo responsabilidades e obrigações no caso de violações às leis de direitos autorais nas redes digitais de comunicação. Na prática, essa legislação criava dispositivos jurídicos que criminalizavam uma série de práticas inerentes à comunicação mediada por computador, como o compartilhamento gratuito entre usuários de arquivos digitais, isentando parcialmente os provedores de serviços de acesso de responsabilidades pelo fluxo de conteúdos digitais (o instituto do Safe Habour, o qual será comentado abaixo) e tornando passível de criminalização as ações dos usuários. Além disso, aumentavam-se as penas para violação de direitos autorais na internet e se criavam dispositivos legais que permitiam a pronta retirada de                                                                                                                 37

"By fighting music piracy in the 1960s, the recording industry blazed a trail for other interests that were seeking to expand the scope and strength of American copyright law. Record companies created the template for a broader rethinking of copyright, recasting it as a safeguard for capital investment and an impetus to economic growth rather than a limited incentive for artistic creation. Once Congress and the courts embraced the idea that stronger property rights were a matter of economic necessity, a variety of copyright and patent interests were able to press for further protections under the common rubric of intellectual property, particularly as the U.S. economy foundered on the shoals of deindustrialization, foreign competition, and recession in the 1970s. As the story of sound recording shows, the move toward expansive intellectual property rights resulted from a new way of thinking about the utility of music —and other forms of mediated expression — in the broader economy of the twentieth-century United States. A new concept of ownership that emerged in debates over piracy in the 1950s and 1960s gradually supplanted the progressive tradition of limiting monopolistic rights. Subsequently, the economic turmoil of the 1970s reinforced this robust new regime of intellectual property law, as record companies and other producers of "information" consolidated their political gains".

 

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conteúdos digitais da internet, sem que antes os tribunais julgassem se a acusação feita pelos titulares era ou não procedente (trata-se do dispositivo notice-and-takedown, cuja tradução literal para o português seria algo similar a "retirada [de conteúdos] mediante notificação"), o que afetava os limites e exceções ao direito autoral nos Estados Unidos (fair use) (para uma análise comentada do DMCA, cf. BALABAN, 2000; BOAG, 2004; LEMOS, 2005). É crítico notar que a aprovação dessas leis nos Estados Unidos não se restringia a uma questão pertinente apenas àquela nação. Na verdade, mesmo o DMCA estava inserido numa nova lógica de regulamentações do comércio global que era decidida não pelo Poder Legislativo de cada país, mas sim por fóruns internacionais dedicados à regulamentar as leis de propriedade intelectual (PI) globalmente. Ainda que não possuam força de lei, os acordos assinados em fóruns organizados por entidades como Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC) constituem um poderoso instrumento de pressão sobre as leis de direitos autorais, uma vez que tais tratados acabam exigindo que as regulamentações nacionais se adequem aos seus parâmetros para que cada país possa comercializar com outras nações (LAING, 2006). Por exemplo, caso se queira gozar dos benefício de ser um Estado membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), é obrigatório acatar seu Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (sigla em inglês, TRIP) e, caso seja necessário, modificar suas leis de propriedade intelectual para tanto. Nesses fóruns internacionais, torna-se mais fácil para o lobby das empresas de comunicação e cultura pressionarem pela inclusão de artigos que atendam aos seus interesses, uma vez que eles são redigidos por burocratas, advogados e agentes das partes interessadas, enquanto as legislações nacionais são redigidas por políticos que estão sob observação de seus eleitores. Isso acarreta uma situação potencialmente perigosa para a sociedade civil, uma vez que tais tratativas são realizadas fora do alcance de fóruns democráticos e podem acarretar um desequilíbrio entre interesses gerais e privados, com o crescente cerceamento do direito ao acesso e usufruto aos bens culturais em favor dos interesses econômicos de alguns agentes. Assim, os direitos autorais passam a ser mais um instrumento de garantia de sistemas de dominação entre agentes econômicos do mercado global do que um dispositivo de fomento ao aumento do bem-estar geral da sociedade através da criação de obras  

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artísticas e científicas (CRIBARI, 2006; FUENTES, 2007; LEMOS, op. cit.; LESSIG, 2005; LITMAN, 2001; MOULIER-BOUTANG, 2001; SMIERS, 2006; SMIERS; VAN SCHIJNDEL, 2008). Essas alterações nas leis de propriedade intelectual e, notadamente, nas de direitos autorais são importantes para as empresas de comunicação e cultura na medida em que a venda de produtos físicos diminui em favor do acesso a conteúdos digitais e a inovação tecnológica se descentraliza radicalmente por redes de empresas espalhadas pelo globo. Através desses instrumentos legais, os titulares dos direitos autorais conseguem regular minimamente o fluxo de informação pelas redes digitais de comunicação.   Os resultados dessa adequação das instituições do mercado fonográfico logo fariam sentir sua eficácia.   É importante notar que a indústria de tecnologias da informação (TI) apresenta um modus operandi peculiar38. Em geral, essa indústria é composta por redes de micro, pequenas, médias e grandes empresas de TI, alinhadas com outras instituições, como universidades e/ou escolas técnicas, além de fundos de investimento que financiam a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Utilizando inovadores instrumentos jurídicos, como as Licenças Públicas Gerais 39 (LPG), como o Copyleft 40 , os empreendedores desse setor produzem inovações tecnológicas de código aberto (software-livre) que podem ser desenvolvidas por diferentes agentes e produzir tecnologias derivadas. Assim, a inovação tecnológica deixava de ser monopolizada pelos laboratórios de P&D de grandes empresas, passando a ser gerada também por essas redes de empresas de TI. Com efeito, essa característica seria decisiva para dar início à atual onda de destruição criadora do mercado fonográfico. A partir do final da década de 1990, começam a surgir empresas eletrônicas 41 que introduziriam novos modelos de                                                                                                                 38

Sobre a história da indústria de tecnologias da informação, sobretudo nos Estados Unidos, cf. CASTELLS, 2003a. 39 Explicar o que é Licença Pública Geral (em inglês General Public License) é um exemplo de contrato atípico através do qual o autor pode dar ciência à sociedade de sua permissão para utilizar sua obra nos termos que lhe forem convenientes. 40 O Copyleft é uma LPG criada pelo engenheiro de computação e ativista norte-americano Richard Stallman, através da qual o autor de um software pode publicá-lo, deixando o seu código aberto a fim de que outros desenvolvedores possam aperfeiçoar ou modificar a ferramenta original, sem poder, contudo, privatizar essa tecnologia mesmo depois de que trabalhem nela. Conforme define o advogado Sérgio Branco (2014, p. 46), "entende-se, a partir da explicação acima, que o copyleft é um mecanismo jurídico para se garantir que detentores de direitos de propriedade intelectual possam licenciar o uso de suas obras além da estrita previsão legal, ainda que amparados por esta. Por meio das licenças inspiradas no copyleft, aos licenciados seria garantido, de maneira genérica, valer-se das obras de terceiros nos termos da licença pública outorgada". 41 Adota-se a definição de Manuel Castells (2003b, p. 57): “por empresas eletrônicas entendo qualquer atividade de negócio cujas operações-chave de administração, financiamento, inovação, produção,

 

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negócio 42 , baseados em tecnologias disjuntivas 43 . O caso paradigmático é o da empresa Napster. O Napster Inc. foi fundado, em junho de 1999, por um universitário norte-americano, Shawn Fanning, e um investidor, Sean Parker. O objetivo da empresa era desenvolver um sistema de busca de arquivos digitais de música. Para tanto, a empresa armazenava, em seu servidor central, uma lista de arquivos, que estavam em formato MP3 44 , que seus usuários possuíam na memória de seus computadores pessoais. Boa parte desses arquivos provinha de CD legitimamente adquiridos pelos usuários, cujas faixas eram transferidas do disco óptico para seus computadores, o que significava dizer que se estavam burlando dispositivos tecnológicos antipirataria, os chamados DRM45. Deve-se sublinhar que o Napster não realizava o intercâmbio dos arquivos diretamente (ou seja, ela não armazenava os arquivos e os transferia para um ou outro computador pessoal); ela mediava a busca de seus usuários pelos arquivos a partir de uma lista contida em seu diretório e estabelecia a conexão entre os computadores pessoais para que as máquinas pudessem intercambiar, gratuitamente, os arquivos desejados.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             distribuição, vendas, relações com empregados e relações com clientes tenham lugar predominantemente pela/na internet ou outras redes de computadores, seja qual for o tipo de conexão entre as dimensões virtuais e físicas da firma. Ao usar a internet como um meio fundamental de comunicação e processamento de informação, a empresa adota a rede como sua forma organizacional. Essa transformação sócio-técnica permeia o sistema econômico em sua totalidade, e afeta todos os processos de criação, de troca e de distribuição de valor. Assim, capital e trabalho, os componenteschave de todos os processos de negócio, são modificados em suas características, bem como no modo como operam”. 42 O termo “modelo de negócio” é utilizado aqui para se referir a representações de como uma empresa cria e transmite valor. Os modelos de negócio identificam segmentos-alvo de mercado, receitas de estimativa, equacionam custos e lucros e descrevem a estrutura e o funcionamento de elementos da cadeia de valor de uma empresa (DOGANOVA; EYQUEM-RENAULT, 2009). 43 Por "tecnologias disjuntivas" (disruptive Technologies) Burkart e McCourt (2006, p. 43) se referem a toda nova tecnologia que altera a dinâmica de um modelo de negócio já existente, afetando as relações estabelecidas entre as partes interessadas da indústria e ameaçando caducar ou suplantar os mercados sob seu controle. 44 Conforme explicam Burkart & McCourt (2006, p. 45-47), o MPEG Audio Layer-3 é um arquivo digital comprimido (sua taxa de compressão média é de 128 Kbps, o que resulta numa diminuição substantiva de um arquivo digital padrão, o WAV) desenvolvido para facilitar a transferência de dados por redes digitais de computadores. Seu desenvolvimento começa em 1987, quando a organização internacional para padronização, Motion Pictures Experts Group (MPEG), buscava desenvolver tecnologias para comprimir arquivos audiovisuais digitais para facilitar sua transmissão. Trabalhando em parceria com o instituto alemão Fraunhofer, que criou o algarismo de compressão de áudio, lançaram o MP3 no mercado de informática em 1992. De acordo com os técnicos, o arquivo em MP3 contém perdas na qualidade de áudio em comparação com os não-comprimidos, porém tal perda de qualidade é inaudível para os humanos. 45 O Digital Rights Management (DRM), cuja tradução literal é algo como Gestão de Direitos Digitais, é um tipo de dispositivo tecnológico cujo objetivo é restringir a difusão por cópia digitais de conteúdo protegido por direitos autorais. Apesar de serem bastante utilizados pelas empresas de comunicação e cultura, no meio jurídico discute-se a legalidade desses dispositivos, pois em muitos casos eles podem desrespeitar certos direitos dos consumidores.

 

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Um olhar detido sobre o Napster explica de forma didática as novas combinações que as tecnologias digitais da comunicação estavam gerando para o mercado fonográfico. Em primeiro lugar, destaca-se que se tratava de um microempreendimento criado por um jovem programador e um investidor, prescindindo, portanto, de grandes laboratórios de P&D para que se produzisse uma nova tecnologia de distribuição de conteúdos digitais que colocaria em risco toda a complexa estrutura de distribuição de discos físicos. Em segundo, seu negócio se baseava na quantidade de usuários que estabeleciam uma comunicação entre si para o compartilhamento de arquivos digitais. A empresa apenas oferecia um sistema de busca e de compartilhamento de informação no modelo par-a-par (em inglês peer-to-peer, cujo acrônimo utilizado popularmente é P2P), sendo que a posse dos arquivos e sua comercialização não lhes interessava. Em outros termos, o Napster era uma empresa de comunicação; não uma empresa de cultura. Em terceiro, ela se valia de outra tecnologia disjuntiva, o arquivo de MP3, o que tornava seu serviço mais dinâmico. Isso significa dizer que o Napster se aproveitava de uma rede difusa de empresas inovadoras para criar seu próprio modelo de negócio. Por fim, mas não menos importante, deve-se entender que o êxito do modelo de negócio dessa empresa residia numa lógica econômica radicalmente diferente da economia do disco físico. Dois aspectos inter-relacionados que são fundamentais para o êxito dos programas P2P, como o Napster, são (a) a abundância de arquivos e (b) seu fácil acesso e intercâmbio. Conforme Jonathan Sterne (2010) apropriadamente observou sobre o MP3, essa é uma tecnologia desenvolvida para uma escuta casual e, logo, para ser produzida e estocada em grandes quantidades. Na medida em que os primeiros usuários do Napster iam disponibilizando seus arquivos gratuitamente, isso atraía outros usuários, interessados nesses arquivos, mas que eram pelo menos moralmente obrigados a compartilharem suas discotecas virtuais. Daí que diversos autores tenham entendido os programas P2P como um exemplo contemporâneo do que Marcel Mauss (2003) classificou como "economia da dádiva" (BURKART; McCOURT, op. cit.; LADEIRA, 2003). Na medida em que o programa começou a reunir uma grande quantidade de usuários 46 , a abundância dos arquivos e sua                                                                                                                 46

De acordo com a empresa de consultoria estadunidense ComScore Media Metrix, durante o ano de 2000, essa empresa passou de 3.135 milhões de usuários, no mês de abril, para 10.782, em dezembro do mesmo ano, um crescimento de 343% e que correspondia a 9,84% do volume total de usuários de internet naquele país (apud: CALVI, 2008, p. 67). Segundo a mesma pesquisa, naquele momento, o

 

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capacidade serem distribuídos imediatamente tornava seu valor praticamente igual a zero. A esse fenômeno de atração contínua e espontânea de usuários os economistas classificam de retroalimentação positiva (positive feedback) (SHAPIRO; VARIAN , 1999). Ou seja, na medida em que a base de usuários de um produto ou serviço aumenta, isso faz com que mais e mais consumidores julguem útil utilizar tal bem ou serviço. Isso ocorre com os conteúdos digitais porque, ao contrário dos bens culturais gravados em suportes físicos, sua reprodução não implica a perda gradual de qualidade do conteúdo. A partir de certo montante de usuários que se valessem do sistema do Napster para obter os conteúdos digitais, a empresa poderia aplicar diferentes estratégias para obter dinheiro com seu serviço (estratégias de "monetização", conforme o jargão do mercado), cobrando ou pelo acesso aos conteúdos ou por publicidade; nunca pela posse dos arquivos. Outra característica distintiva dessa economia do acesso, para utilizar o termo de Jeremy Rifkin (2001), é ser determinada pela demanda dos consumidores de conteúdos digitais; não pela possibilidade da oferta das empresas. Analisando-se trabalhos recentes sobre o consumo de conteúdos digitais pela redes digitais, percebese que esse consumidor atual demanda serviços que lhe ofereçam  grandes quantidades de arquivos para serem acessados de forma imediata, personalizada e interativa, em diferentes dispositivos midiáticos (computadores pessoais, telefones celulares, tablets, televisão digital) e até mesmo durante os movimentos que realiza pela cidade (BUKART, 2008; CASTRO, 2014; KIBBY, 2009; MCCOURT, 2005; YÚDICE, 2007). Além disso, outro fator decisivo para o consumo musical nas redes digitais é o estabelecimento de laços sociais com outros usuários, através do compartilhamento de informações. Com efeito, as indicações sobre o que ouvir e onde obter os arquivos já fazem parte das práticas de consumo de música entre jovens que utilizam redes sociais na internet para se comunicarem. Gisela Castro (op. cit.) resume com precisão essa característica singular do consumo de música na contemporaneidade ao afirmar que: "Se antes os fãs de música se reuniam em fã-clubes, lojas de discos ou na redação de fanzines, hoje temos no ciberespaço a presença de grupos afinitários (ou tribos) os mais variados, reunidos em torno de diferentes subgêneros musicais ou cenas. O compartilhamento de arquivos de música

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            programa distribuía 46,6 milhões de canções por mês, uma média de 1,56 milhões de arquivos por dia. Em seu ápice, a empresa deteve 25 milhões de usuários e 80 milhões de arquivos.

 

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online pode ser visto como uma forma de diálogo entre consumidores ativos, que não ficam apenas passivamente a espera dos lançamentos comerciais, preferindo confeccionar eles próprios suas coletâneas de músicas prediletas." (CASTRO, 2014, p. 163).

Em termos técnicos, pode-se afirmar que a economia dos serviços de acesso a conteúdos digitais é um exemplo de economia de escala formada pela demanda, não pela oferta, como definem Hal Varian e Carl Shapiro (1999).   O reflexo dessa nova demanda se refletia na diminuição da venda de discos físicos e da arrecadação das tradicionais gravadoras em diversos mercados ao redor do globo. Abaixo, apresentam-se os números fornecidos pela IFPI sobre a arrecadação da indústria fonográfica internacional entre os anos de 2000 e 2009: 40  

36,9   33,7  

35  

32,2  

32  

33,6  

33,5  

31,8  

29,9  

30   25   18,42  

20  

17  

15   10   5   0   Ano  

2000   2001   2002   2003   2004   2005   2006   2007   2008   Arrecadação  (bilhões  de  dólares)  

Gráfico 2. Arrecadação da indústria fonográfica internacional, 2000-2009. Fonte: IFPI.

 

Os números apresentados nessa ilustração revelam uma diminuição significativa entre os anos de 2000 e 2001, de 8,67%, seguida de certa estabilidade até 2007. Entre este ano e o seguinte, houve nova diminuição expressiva, de 38,39% e tal tendência de declínio se manteve em 2009. Ao todo, a arrecadação da indústria fonográfica internacional encolheu 53,92% nesse período, ultrapassando em muito os ganhos da década de 1990. Esses dados deixavam patente que os discos físicos estavam deixando de ser vendidos de maneira sistemática (evidentemente, esses números variavam para mais ou menos em cada contexto nacional). Nesse ponto do argumento surge o questionamento sobre se, de fato, o consumo de discos físicos foi afetado pelo compartilhamento gratuito de arquivos via programas P2P. No início dos anos 2000, esse tema iniciou discussões acaloradas

 

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tanto entre agentes do mercado de música e movimentos sociais de defesa ao acesso à informação quanto na própria academia. Com efeito, diversas pesquisas foram realizadas, demonstrando resultados contrastantes. Por um lado, certo grupo de pesquisadores demonstrou que entre o compartilhamento dos arquivos e a queda na venda de discos não há uma relação inequívoca de causa-e-efeito, ou seja, não havia uma relação clara entre baixar um arquivo gratuitamente pela internet e não comprar um disco físico (CASTRO, 2007; HUYGEN et al., 2009; OBERHOLZER-GEE; STRUMPF, 2007). Por outro, havia pesquisadores que apresentaram resultados de acordo com os quais se comprovava que o compartilhamento gratuito de fonogramas digitais, sem o ressarcimento dos titulares dos direitos autorais, afetava diretamente a compra de discos físicos em lojas revendedoras, diminuindo os incentivos para a produção de mais bens culturais em médio e longo prazos (BHATTACHARJEE et al., 2006; LIEBOWITZ, 2006; PEITZ; WAELBROECK, 2004). Hoje é possível afirmar que, no rescaldo do caso Napster, esse era um tema politica e ideologicamente delicado e ainda não havia tempo o suficiente para se chegar a qualquer conclusão. De forma mais ousada, pode-se mesmo sugerir que, na verdade, os termos desse debates estavam fundamentalmente equivocados. Era evidente que o compartilhamento gratuito dos arquivos digitais de música afetava o comércio de discos, apresentando-se como substitutivo. Não obstante, o argumento dos defensores da indústria fonográfica estava absolutamente equivocado: os usuários dos programas P2P não buscavam esses arquivos somente porque eram gratuitos; havia uma mudança estrutural na própria demanda do consumo de fonogramas que era solenemente ignorada pelas gravadoras e lojas revendedoras. Em poucas palavras, o surgimento de inovações como o MP3 e os sistemas de distribuição virtual de conteúdos digitais implicava outra demanda dos consumidores em relação ao acesso e usufruto dos fonogramas, o que não foi captado pelos tradicionais agentes da indústria de discos físicos47. Enfim, era a legitimidade social da instituição do disco físico (sua materialidade, seus usos, sua economia, os direitos que lhe protegiam) que estava sendo posta em xeque, anunciando uma nova onda de destruição criadora.                                                                                                                 47

Cabe notar que essa crise da legitimidade institucional do disco físico foi bem captada na pesquisa de Gisela Castro (2007). Entrevistando um grupo específico de usuários de P2P (estudantes de uma universidade privada), essa pesquisadora demonstrou que para tais consumidores o compartilhamento gratuito constituía uma forma legítima de consumo, ainda que ilegal, na medida em que representava uma crítica à indústria fonográfica brasileira, como a cobrança de altos preços pelos discos físicos e a incapacidade das gravadoras de oferecerem outras fontes de acesso a esses conteúdos culturais, além de CD e DVD.

 

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De toda forma, é crítico notar que as inovações que as empresas eletrônicas introduziam encontraram nas legislações sobre direitos autorais e regulação do comércio eletrônico uma importante barreira. Em outras palavras, munidos tanto do DMCA quanto do ETCA, os tradicionais agentes da indústria da música (grandes gravadoras, gravadoras independentes, editoras de música e compositores) buscaram a Justiça para reclamar do modelo de negócio apresentado pelos programas P2P. Os resultados das decisões nos tribunais tiveram consequências relevantes para a configuração do mercado fonográfico digital como ele se apresenta atualmente. Uma vez mais, o caso Napster é elucidativo. Em dezembro de 1999, iniciaram-se os processos contra o Napster nos Estados Unidos. Entre as diversas queixas, duas foram decisivas para a sorte do programa: uma em que se reuniam as gravadoras (A&M Records Inc. v. Napster Inc. C-99-5183) e outra em que estavam reunidas as editoras musicais (Leiber et al. v. Napster Inc.). Julgadas em conjunto sob o título de Caso Napster, artistas, editoras e gravadoras buscavam enquadrar a empresa eletrônica no instituto da lei norteamericana

de

direitos

autorais

conhecida

como,

numa

tradução

literal,

responsabilidade secundária (secondary liability), acusando-a de lesão contributória e vicária de direitos autorais. Em outras palavras, acusava-se o Napster de fornecer condições materiais para ações que a empresa sabia que levariam (ou que poderiam ocasionar) violações à lei de direitos autorais (lesão contributória), sem nada fazer para prevenir essas atitudes de seus usuários, apesar de ter a capacidade técnica para tanto, o que se justificaria pela obtenção de benefícios econômicos derivados dessas ações ilegais (lesão vicária). Conforme João Ladeira (2003) argumenta, o embate entre acusação e defesa girava em torno dos conceitos de Porto Seguro (Safe Habour), conceito utilizado no DMCA, e o de pirataria. A defesa da empresa apelava para o dispositivo de Porto Seguro, segundo o qual um provedor de serviços de comunicação não pode ser considerado responsável pelos usos que os clientes fazem de seu serviço. Além disso, a defesa contava com a jurisprudência criada com o chamado caso Betamax, no qual a Sony Corp. havia sido inocentada pela produção de gravadores de vídeo, ainda na década de 1980. Então, o tribunal havia entendido que a gravação de programas televisionados em fitas magnéticas se adequava ao instituto do uso justo (fair use), uma importante limitação da lei de direitos autorais nos Estados Unidos, livrando a empresa produtora dos aparelhos gravadores, a Sony, de qualquer responsabilidade  

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secundária de infração a materiais protegidos por direitos autorais. Tendo essa jurisprudência em conta, o objetivo da defesa do Napster era demonstrar que seu programa não poderia ser responsabilizado pelo intercâmbio de conteúdos digitais protegidos por direitos autorais porque este era promovido por seus usuários, sendo a empresa um mero facilitador da comunicação mediada por computador. Por seu turno, a acusação buscou caracterizar o Napster como uma empresa com fins lucrativos, cujo negócio era obter benefícios econômicos aproveitando-se do patrimônio alheio, o que se classificou de "pirataria". Afinal, ela possuía uma lista em seu diretório central através da qual ela poderia saber quais arquivos protegidos por direitos autorais estavam sendo ilegalmente compartilhados, uma vez que eles continham DRM, mas nada fez porque boa parte de seu apelo para os usuários estava na quantidade de arquivos protegidos que eles disponibilizavam ilegalmente (em geral, são as músicas mais famosas e, logo, mais buscadas pelos usuários). A empresa foi descrita, portanto, como um serviço de distribuição de conteúdos digitais que concorre, depende e, logo, debilita o modelo de negócio tradicional da indústria fonográfica, aproveitando-se de forma oportunista das obras de artistas, editoras e gravadoras. Como se sabe, o Napster foi condenado48. Na sequência dessa decisão, os tradicionais agentes da indústria fonográfica buscaram controlar as novas empresas eletrônicas através dos tribunais, processando tanto pessoas jurídicas quanto físicas que eram detectadas baixando algum arquivo protegido por direitos autorais. As consequências disso para o mercado fonográfico digital seriam relevantes, como se discutirá no segmento seguinte. Antes, porém, é preciso notar que as novas leis de direitos autorais e as decisões dos tribunais não foram acatadas sem contestação por parte de movimentos sociais em favor da liberdade de expressão na era digital. Entendendo as especificidades da economia digital e a importância de se ter acesso o mais livre possível à informação e liberdade de usufruto desta, ativistas se mobilizaram para evitar as aprovações de novas leis de direitos autorais que reforçariam de forma draconiana os termos e a extensão da propriedade intelectual. Além disso, esses                                                                                                                 48

O tribunal entendeu que a empresa poderia ter evitado a infração da lei pelos seus usuários e que ela não gerava qualquer benefício social em si. Pelo contrário, prejudicava economicamente os detentores dos direitos autorais. É importante observar que, no que diz respeito à prática jurídica, a condenação do Napster representou uma revisão da jurisprudência criada no caso Betamax, abrindo o caminho para todo um conjunto de processos contra empresas de TIC que, de muitas formas, relacionavam-se à distribuição de conteúdos digitais. Sobre o Caso Napster, cf. FISHER, 2007; LADEIRA, 2003; LESSIG, 2005.

 

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ativistas desenvolveram importantes iniciativas que visam flexibilizar a propensão maximizadora da proteção dos direitos autorais, através das LPG como o Copyleft e o Creative Commons. Enquanto o Copyleft é particularmente adequado para a indústria de TI, o Creative Commons atinge um escopo mais amplo na área de conteúdos digitais. Desenvolvida pelo jurista e ativista Lawrence Lessig e administrado por uma Organização Não-Governamental, o Creative Commons é um tipo de LPG através da qual o autor de uma obra passível de proteção por direitos autorais (uma foto, um livro, um fonograma, uma produção audiovisual, por exemplo) abdica de certos direitos de proteção, permitindo que outros utilizem sua obra para consumo próprio ou para criar obras derivadas, sem a necessidade de autorização prévia do titular da obra, desde que respeitando certas exigências expressas na LPG. Assim, por exemplo, o titular dos direitos sobre a obra pode permitir que ela seja distribuída gratuitamente por outros, sem sua prévia autorização, ou que outros possam fazer algum tipo de obra derivada, valendo-se de sua obra, desde que essas atividades sejam sem fins lucrativos. No limite, o autor pode, em algumas jurisdições, abrir mão totalmente de seus direitos (Licença CC-Zero, que não pode ser utilizada em jurisdições onde o chamado Direito Moral do autor seja considerado pela Lei de Direitos Autorais). Conforme resume Sérgio Branco (2014, p. 51), as licenças CC protegem os direitos do autor ao mesmo tempo em que permitem, por meio de instrumento juridicamente válido, o acesso aos bens culturais e seu pleno usufruto. Não se quer aqui discutir os pontos fortes e fracos das LPG49. O objetivo é apontar que tais iniciativas ajudam a criar alternativas ao ímpeto privatizador do ambiente digital. Através delas, empreendedores podem desenvolver novas tecnologias disjuntivas assim como os criadores de conteúdos podem liberar a circulação e usufruto pleno de suas obras, possibilitando a experimentação de novos modelos de negócio no mercado de música (como se discutirá no capítulo seguinte). É relevante destacar que, assim, esses movimentos sociais buscam apresentar certa oposição aos interesses dos agentes dominantes do campo, sustentando uma visão-demundo sobre o que deve ser e como deve funcionar o mercado fonográfico digital que pode causar mudanças na forma como ele tem se estruturado.                                                                                                                 49

Sobre a história e o funcionamento do Creative Commons, cf. BRANCO; BRITTO, 2013; LEMOS, 2005, 2006; LESSIG, 2005. Também é possível saber mais sobre essa LPG através do site da ONG, disponível em: .

 

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3.2. O Jukebox celestial entra em ação? o iTunes, os serviços de streaming e a internacionalização do modelo de negócio de acesso aos conteúdos digitais Os processos movidos pelos tradicionais agentes da indústria fonográfica contra as novas empresas eletrônicas tomaram tempo e dinheiro, contando com vitórias importantes, como no caso do Napster, mas também com derrotas, além do desgaste da imagem de artistas e gravadoras perante a opinião pública quando as acusações se voltaram para indivíduos comuns que baixavam alguns poucos arquivos para seus computadores pessoais, estando longe da imagem de "criminosos" que o lobby da indústria fonográfica gostaria de caracterizar. De toda forma, é inegável que essa cruzada contra a pirataria digital alcançou seu objetivo principal, qual seja, controlar a difusão de inovações introduzidas pela caótica entrada de start-ups no mercado fonográfico. Na medida em que os representantes desses tradicionais agentes iam obtendo vitórias nos tribunais de diferentes países, cerceavam-se as ações das novas empresas. Diversos sites e blogs na internet foram obrigados a encerrarem suas atividades por acusações difusas de "pirataria", ainda que eles fornecessem acesso a diversos tipos de conteúdos, inclusive materiais já em domínio público. Em outros casos, novos modelos de negócios eram considerados como lesivos às gravadoras e sumariamente encerrados. Há o interessante caso da ReDigi, uma empresa eletrônica criada para a revenda de fonogramas virtuais usados (PHAM, 2013). Oferecia-se um serviço para a revenda das arquivos musicais comprados através do iTunes, sendo que cada faixa custava entre $49 e $79 centavos de dólares. Aparentemente, nisso não havia nada de ilegal, uma que vez que uma vez comprado um disco ou livro, o bem físico se torna propriedade do comprador; somente o uso do conteúdo é protegido pelas leis de propriedade intelectual. Nessa diferenciação reside a possibilidade legal da existência dos sebos de livros, filmes e discos físicos. No entanto, em 2011, a ReDigi foi acusada de pirataria e condenada, nos Estados Unidos. A conclusão do tribunal foi que, no caso dos fonogramas digitais distribuídos em linha, não é possível fazer a transferência de um conteúdo digital do dispositivo de um usuário para o de

 

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outro sem que se faça uma cópia do original50, o que exige prévia autorização do titular dos direitos autorais desse conteúdo. Além disso, os juízes consideraram que como no ambiente digital não há desgaste técnico dos conteúdos digitais e, por isso, eles podem ser infinitamente transferidos entre pares, uma vez inserido um arquivo digital no mercado, ele poderia ser compartilhado entre usuários, inviabilizando a venda de outras cópias pelas lojas virtuais. Enfim, isso afetaria a indústria fonográfica da mesma forma que os programas P2P, não importando que a ReDigi oferecesse dispositivos técnicos que deveriam dificultar tal compartilhamento entre pares. Outro exemplo são as chamadas rádios pela internet. Essas autoproclamadas "estações de rádio" não devessem ser consideradas tecnicamente equivalente às estações de rádio de ondas hertzianas, uma vez que não utilizam o espectro aéreo para transmitirem suas programação (o que dispensaria a necessidade de concessão do Estado para sua operação) (LEÃO; PRADO, 2007). Na melhor das hipóteses, essas rádios na internet encaixam-se no que Marcelo Kischinhevsky e Arthur Ferrareto (2010) classificam de "rádio expandido", entendendo que o conceito de rádio como uma

linguagem

comunicacional

específica,

independentemente

do

suporte

tecnológico ao qual está vinculada. Não obstante, o peso da metáfora parece ter sido decisivo para que essas empresas eletrônicas fossem enquadradas em legislações reguladoras do comércio eletrônico em diversos países e passassem a funcionar apenas em determinados territórios, pagando royalties para as sociedades arrecadadoras de direitos autorais e conexos51. Esse é o caso, notadamente, do projeto                                                                                                                 50

É preciso considerar que a Lei de Direitos Autorais resulta da família jurídica da Common Law e que sua formulação está fortemente interessada em proteger o direito patrimonial dos criadores de conteúdo. Daí que se trate de copyright, numa tradução literal seria "o direito de copiar", ou seja, de distribuir e comercializar tal conteúdo protegido. Ao contrário, as Leis de Direitos Autorais baseadas na família jurídica da Civil Law também consideram os chamados direitos morais dos autores, concepção de acordo com a qual o autor também tem direito de vetar diferentes usos de suas obras uma vez que sua produção é resultado de uma identidade única. Sobre as diferentes correntes filosóficas que informam as leis de direitos autorais, cf. FISHER, 2001. 51 A obrigação do pagamento que as chamadas rádios na internet devem aos titulares de direitos autorais pela categoria legal de execução pública (exibição ou transmissão de uma obra para audiências) está relacionada com o nível de interatividade que sua programação possibilita ao usuário do serviços. Como se discutirá no Capítulo IV deste relatório, há duas categorias de transmissão remota de conteúdos digitais, a webcasting e a simulcasting. Nesta modalidade, o usuário de uma plataforma musical não possui a liberdade de selecionar o que deseja ouvir, caracterizando uma retransmissão do conteúdo produzido para radiodifusão (broadcasting). Naquela modalidade, há interatividade entre o usuário e os conteúdos a que tem acesso, havendo poder de escolha individual dos arquivos a serem acessados. Como se discutirá no Capítulo IV, de acordo com o entendimento do Judiciário brasileiro, pautado na Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei no 9.610/98), tem-se entendido que a modalidade de webcasting não caracteriza uma forma de execução pública, de acordo com a definição legal deste termo. Nos Estados Unidos, porém, a Lei da Direitos Autorais daquele país (no Artigo 106, Inciso 6) considera que a transmissão de fonogramas na modalidade webcasting também caracteriza o que se

 

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Pandora Radio52. Por motivos históricos cujas explicações escapam ao escopo desse relatório, as leis de direitos autorais nos Estados Unidos têm isentado as estações de rádio que funcionam através de ondas hertzianas (radiodifusão) de pagarem os royalties pelos direitos de reprodução pública de fonogramas (as estações pagam apenas os direitos pelas composições). Essa rara exceção na Lei de Direitos Autorais daquele país sempre causou estranheza e oposição por parte das gravadoras, que passaram a pressionar o Congresso americano em favor de seus interesses. Com a aprovação do DMCA, em 1998, o lobby da indústria fonográfica obteve uma pequena vitória, com a adição do Inciso 6 ao tema dos Direitos de Execução Pública. De acordo com essa nova provisão, os detentores dos direitos conexos (fonográficos) também passavam a gozar de direitos pela execução pública dos fonograma, no entanto, desde que o fonograma fosse executado através de meios digitais de transmissão de áudio. De acordo com a nova lei, portanto, as rádios na internet estariam obrigadas a pagar os royalties para as gravadoras, enquanto as rádios de ondas hertzianas, continuariam isentas. Por se encaixar nesse novo inciso, a Pandora teve de firmar acordos também com gravadoras para o pagamento dos direitos conexos dos fonogramas que a empresa eletrônica utiliza. Com isso, os custos operacionais da Pandora cresceram exponencialmente e a empresa ainda luta para ser minimamente lucrativa. De acordo com os números fornecidos pelo mercado, em 2013, a Pandora obteve cerca de $ 638 milhões de dólares em receita, dos quais $ 342 milhões de dólares foram destinados ao pagamento de royalties de direitos autorais e conexos (não incluindo nesses números os impostos pagos) (MCDULING, 2014). Se analisados em conjunto, esses exemplos revelam que os tradicionais agentes da indústria fonográfica conseguiram obrigar os empreendedores do setor de TI a se sentarem à mesa para negociar o pagamento dos direitos autorais e conexos dos conteúdos. Como os custos para a liberação dos conteúdos digitais e os pagamentos de royalties e impostos se tornavam progressivamente altos para os interessados em negócios de conteúdos digitais de música, passou-se a produzir certa                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             conceitua como "execução pública" legalmente (particularmente de acordo com a chamada "Cláusula da Transmissão", ou Transmission Clause , do Artigo 101, Inciso 2). 52 Pandora Internet Radio, ou Pandora, é um serviço de streaming de música que funciona sob rubrica de rádio em linha, cujo início das atividades data de 2005. A empresa se destaca em seu nicho de mercado por oferecer um serviço de recomendação de música alimentado pelo Projeto Genoma Music, um sistema de reconhecimento e recomendação de música desenvolvido por uma equipe de musicólogos. Em 2014, constava-se que a Pandora tinha cerca de 81,5 milhões de usuários ativos nos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia.

 

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seleção entre as empresas eletrônicas, o que facilitou para grandes empresas de informática celebrarem acordos com os agentes dominantes do mercado fonográfico, dando um passo estratégico para se estabelecer uma nova ordem social no emergente mercado digital. O primeiro resultado prático disso foi a criação da loja virtual de fonogramas digitais da Apple Inc., a iTunes Store. A iTunes foi criada em abril de 2001, como um programa executor de arquivos de música e vídeo dos produtos da Apple, notadamente o reprodutor de arquivos digitais que a empresa criara dois anos antes, o iPod. Porém, diante da demanda dos tradicionais agentes da indústria fonográfica por plataformas de acesso legal a conteúdos digitais, decidiu-se transformar o programa numa plataforma de venda no varejo de fonogramas virtuais. Assim, essa loja virtual fornece um sistema de compra de fonogramas digitais pela internet, no qual o usuário paga, através do uso de cartão de crédito, para baixar o(s) arquivo(s) (no jargão do mercado, rotula-se essa modalidade de consumo como "download pago"), sendo o preço médio de um fonograma avulso cerca de $1,29 dólar, enquanto um álbum completo (cerca de 10 a 12 arquivos) custa cerca de $ 10,99 dólares. Após duras negociações com todas as grandes gravadoras e editoras, além das principais empresas independentes do setor, a Apple conseguiu transformar a iTunes Store num importante distribuidor de conteúdos digitais, oferecendo acesso a fonogramas, além de livros digitais, séries de televisão e filmes. Em 2015, a empresa afirmava disponibilizar mais 43 milhões de fonogramas digitais em seu sistema. Em seu primeiro ano de atividade, reporta-se que o iTunes tenha vendido 100 milhões de fonogramas digitais. Em 2006, quando alcançou o montante de quatro bilhões de músicas vendidas, tornou-se a segunda maior loja de fonogramas dos Estados Unidos. Em 2008, a empresa converteu-se no principal centro de revenda de fonogramas daquele país, o que significa dizer que, pela primeira vez, uma loja virtual vendeu mais do que uma loja de discos físicos. Em 2012, a Apple anunciou que o iTunes representava 64% das vendas de fonogramas digitais no mundo e 29% da venda total de fonogramas, de acordo com a pesquisa Annual Music Report realizada pelo NPD Group53.

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Todos os números utilizados nesse parágrafo estão disponíveis em matérias jornalísticas compiladas no verbete iTunes Store, da Wikipédia. Disponível em: . Acesso em: 12 de ago. 2015.

 

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Acima de tudo, o iTunes é marco na história do mercado fonográfico porque, pela primeira vez, uma empresa eletrônica conseguiu conquistar a confiança dos tradicionais agentes da indústria fonográfica. Tendo a Apple apresentando um sistema tecnológico bastante controlado, os tradicionais agentes dominantes do mercado de discos identificaram nessa tecnologia disjuntiva um modelo de negócio digital que não se afastava tanto daquele ao qual estavam acostumados. De fato, a venda de fonogramas digitais representa uma fonte de renda alta, obtida em curto espaço de tempo, exigindo pouca adaptação do modelo de negócio para gravadoras e que, portanto, poderia manter estável o lucro dessas empresas54. Independentemente de seu êxito comercial, porém, a iTunes Store não conseguiria responder totalmente às demandas do consumo de conteúdos digitais e, logo, fazer frente aos programas P2P. Conforme se observou anteriormente, o consumidor de conteúdos digitais busca acesso imediato a grandes quantidades de arquivos para serem acessados prontamente em diferentes dispositivos midiáticos (produtos que geralmente variam de marca e, logo, de tecnologia), que são cada vez mais rapidamente substituídos. Portanto, havia espaço para (senão, a necessidade de) se adotar outro modelo de negócio de comércio fonográfico digital que evitasse a necessidade de se ter a posse dos fonogramas55. É nesse contexto que os chamados serviços de streaming56 passaram a atrair a atenção da indústria fonográfica. Seu modelo de negócio se baseia no conceito de economia do acesso (RIFKIN, 2001), isso é, utiliza-se o serviço para se ter acesso aos conteúdos digitais; não para sua compra e posse. Os serviços de streaming são, prioritariamente, redes sociais na internet especializadas em música, conforme bem observou Adriana Amaral (2007, 2009; AMARAL, AQUINO, 2009), o que significa dizer que suas interfaces são desenvolvidas para permitir que seus usuários interajam                                                                                                                 54

Nesses preços, estão embutidos os pagamentos para diversos atores: 35% ficam reservados para a gravadora/artista, 12% para os compositores, 19% para a loja online, 14% para a distribuidora, 20% para impostos (os números variam de acordo com o país e com as cotas cobradas pelas empresas que medeiam o acesso de artistas e gravadoras às lojas virtuais). 55 Nos últimos anos, diante do declínio da venda de fonogramas digitais através do modelo de download pago, a própria Apple tem introduzido novos serviços que visam complementar (ou, em última instância, substituir) a venda dos fonogramas. Assim, a empresa tem oferecido desde sistemas de recomendação de música dentro da discoteca do iTunes, o Genius , passando pelo sistema de armazenamento virtual individualizado, o iCloud, chegando aos recentes serviços de rádio, Beats 1, e de streaming, Apple Music. Com isso, a Apple passa a criar um sistema fechado de acesso a conteúdos digitais que visa atender à essa demanda difusa por diferentes vias de acesso e maneira de fruição dos conteúdos digitais de música. 56 Termo em inglês para “fluxo de mídia”. Trata-se de uma forma de distribuição de dados, geralmente de multimídia numa rede através de pacotes. Em streaming, as informações não são armazenadas no disco rígido, mas abrigadas nas redes digitais e transmitidas remotamente para diferentes dispositivos.

 

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entre si, a partir de um compartilhamento dos endereços virtuais (links) dos fonogramas ou vídeos dentro de seu sistema, mas não através da cópia para os dispositivos de seus pares, como nos programas P2P. Ao impedirem seus usuários de baixarem e intercambiarem os arquivos digitais, as empresas de streaming provaram deter os meios técnicos para controlarem o usufruto dos conteúdos digitais e, assim, puderam negociar com artistas, gravadoras e editoras, os quais lhes permitiram comercializar seus catálogos no ambiente digital. A economia dos serviços de streaming se caracteriza pela exploração extensiva dos arquivos digitais, ou seja, uma visualização/audição de um arquivo gera pouco dinheiro, sendo necessário um alto número de acessos para se obter lucro 57. Assim, essas empresas necessitam ter uma quantidade elevada de usuários para que possam gerar quantias mais expressivas de dinheiro ou, conforme o jargão do mercado, monetizar o acesso aos conteúdos. Para a monetização dos conteúdos que oferecem, essas empresas adotaram duas principais estratégias: a venda de espaço publicitário, o qual subsidia as modalidades de acesso gratuito aos conteúdos (freemium), e as subscrições, modalidade paga cujas mensalidades custam entre $5 e $10 dólares, na qual o usuário pode desfrutar do catálogo, gozando de diferentes comodidades. Para atrair essa massa de usuários, aposta-se na oferta de um catálogo abundante e sempre crescente, acessível ao menor custo possível. Como se observou antes, as interfaces dessas plataformas devem permitir a comunicação entre um usuário e seus pares a fim de que o crescimento do número total de usuários se dê espontaneamente, através de retroalimentação positiva (SHAPIRO; VARIAN , 1999). Essa característica faz com que os serviços de streaming necessitem de tempo para ampliarem seu número de usuários e, logo, obterem lucro. Atualmente, há dois tipos de serviços de streaming, quais sejam, os de vídeos e os de fonogramas. O paradigma das plataformas de vídeos é o YouTube 58 . Inicialmente, essa foi uma plataforma desenvolvida para que os usuários pudessem subir conteúdos e compartilharem gratuitamente entre seus pares, sem intercambiarem os arquivos. Isso tornava mais dinâmico o acesso e desfrute dos conteúdos pelos usuários da plataforma tanto em computadores pessoais quanto em outros dispositivos                                                                                                                 57

Recentemente, o Spotify revelou que cada audição de um arquivo hospedado em seu banco de dados gera uma quantia entre $ 0,006 centavos de dólares e $ 0,084 centavos de dólares para o detentor dos direitos autorais e conexos. No entanto, entre agentes do mercado de música, pairam dúvidas sobre os cálculos que levam os serviços de streaming a estipularem o pagamento de tais quantias. 58 O YouTube foi criado por três empreendedores, em fevereiro de 2005. Em novembro de 2006, foi comprado pelo Google por $1,65 bilhão de dólares.

 

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(smartphones, tablets e televisões digitais). Em pouco tempo, muito usuários passaram a compartilhar vídeos e até mesmo discos completos de seus artistas preferidos, além de produzirem obras derivadas através de técnicas artísticas como o remix de músicas (produção de um novo arranjo para uma canção original) ou videoclipes amadores, feitos pelos próprios fãs. Atualmente, essa empresa eletrônica tornou-se uma das principais fontes de acesso à música. De acordo com a agência de pesquisa de mercado Nielsen (NIELSEN, 2014), 54% dos adolescentes norteamericanos escutam música pelo YouTube, seguido por estações de rádio em ondas hertzianas (56%), iTunes (53%) e CD (50%). No relatório sobre o mercado digital da IFPI sobre o mercado, o ano de 2014 57% dos usuários de internet utilizam prioritariamente o YouTube para acessar conteúdos de música, seguido do Spotify (38%) e do iTunes (26%) (IFPI, 2015). Gradualmente, o YouTube foi desenvolvendo diferentes estratégias de monetização de seus conteúdos. Em primeiro lugar, a empresa obtém receita através da venda de espaços para publicidade. Assim, criaram-se diferentes categorias de publicidade que cada usuário pode escolher inserir em seus vídeos, fazendo com que o conteúdo postado gere dinheiro para o produtor (caso o conteúdo se adeque às regras de publicação da empresa, no que diz respeito aos direitos autorais das obras publicadas, como se discutirá a seguir). As visualizações dos vídeos são medidas pelo índice conhecido como Custo por Mil visualizações (CPM) e quando o vídeo alcança a quantia equivalente a $100 dólares, o YouTube disponibiliza a quantia para ser recuperada pelo usuário através de transferência bancária. Se o usuário sentir necessidade de ajuda para lidar com o YouTube, pode contratar os serviços de intermediários conhecidos como redes multicanais (multi-channel networks ou MCN). Estas são empresas que administram canais de terceiros (indivíduos e/ou empresas) no YouTube, oferecendo assistência em distintas atividades comerciais, como produção de conteúdo, gestão da programação do canal, financiamento, gerenciamento de direitos digitais, monetização/vendas, entre outras possibilidades, em troca de uma porcentagem da receita publicitária do canal. O YouTube também desenvolveu uma tecnologia de identificação de conteúdos digitais que possibilita que os autores das obras reproduzidas obtenham receita, mesmo que o vídeo seja publicado por terceiros. Implementado desde 2007, o dispositivo Content ID visa evitar que o Google seja acusado de responsabilidade secundária, como o Napster foi acusado, por crimes de infração de direitos autorais.  

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Assim, o Google desenvolveu um banco de dados contendo as principais características de músicas (melodias e/ou letras, por exemplo) e de vídeos protegidos por direitos autorais. Quando um vídeo é carregado por qualquer usuário, o Content ID verifica seu banco de dados e, caso haja a identificação de utilização não autorizada de material protegido por direitos autorais, bloqueia a publicação do conteúdos na plataforma. Apesar de ser prioritariamente uma tecnologia de vigilância e segurança, o YouTube encontrou uma maneira de utilizá-la para fins comerciais. Quando o dispositivo identifica uma obra derivada de material protegido por direitos autorais, como remixes de músicas ou vídeos feitos por fãs, ao invés de proibir a publicação no site, o Google paga os royalties dos direitos autorais e/ou conexos para os titulares das obras originais. Um exemplo hipotético: suponha-se que um DiscJóquei (DJ) Y produza um mash-up (que é uma técnica de criação musical a qual consiste em criar uma nova música a partir da sobreposição de dois ou mais fonogramas distintos) de uma música em que ele ou ela mistura uma gravação do guitarrista e cantor inglês Eric Clapton com outra, do cantor brasileiro de RAP conhecido como Emicida. Nesse caso, o Content ID (a) identificaria os titulares dos direitos sobre os dois fonogramas, (b) permitiria que o/a DJ Y publique sua obra derivada no YouTube, mas (c) pagaria os royalties para os titulares dos direitos fonográficos tanto de Eric Clapton quanto de Emicida (as gravadoras). De um só golpe, portanto, o YouTube conseguiu diminuir tanto as chances de ser processado por infração às leis de direitos autorais quanto as críticas da sociedade civil por censura à criatividade ao permitir que seus usuários publiquem obras originais a partir de fragmentos de obras protegidas por direitos autorais, além de criarem uma nova forma de monetização dos conteúdos exibidos pela plataforma. Evidentemente, esse sistema apresenta falhas, além de não resolver o problema da censura a novas formas de criação artística através de obras derivadas, mas isso não está em questão neste momento da análise. No que compete aos serviços de streaming de fonogramas, o Spotify tem se destacado com a mais bem sucedida empresa no cenário global, servindo de exemplo para a explicação do modelo de negócio dessas empresas eletrônicas. Criado em 2008 como uma start-up sueca, o Spotify AB visava apresentar uma alternativa aos programas P2P, levando em consideração as demandas dos consumidores de conteúdos digitais e pagando os royalties de direitos autorais e conexos para os titulares. Valendo-se do capital de fundos de investimentos e, posteriormente, de suas  

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ações, o Spotify obteve capital tecnológico e financeiro suficientes para poder negociar com as principais editoras e gravadoras multinacionais, além das associações de independentes, criando um dos catálogos mais extensos e valiosos do ambiente digital59 (até setembro de 2015, a empresa afirmava disponibilizar mais de 30 milhões de arquivos). Conforme explicado anteriormente, o Spotify apresenta duas estratégias de monetização de seus conteúdos, quais sejam, a venda de espaço publicitário, que subsidia a modalidade de acesso freemium, e a cobrança de mensalidades, cujos planos de serviços variavam entre $ 4,99 e $ 9,99 dólares. Recentemente, o Spotify revelou que cada audição de mais de 15 segundos de um arquivo hospedado em seu banco de dados pode gerar uma quantia equivalente a $ 0,006 ou $ 0,084 centavos de dólares para o detentor dos direitos autorais e conexos60. Daí que a empresa necessite de uma sempre crescente quantidade de usuários e, de preferencia, que paguem mensalidade para ter acesso a pacotes de serviços especiais. De acordo com a empresa, até setembro de 2015, contabilizavam-se 75 milhões de usuários, sendo 20 milhões de assinantes, nos 58 países em que, então, operava61. O cálculo para o pagamento aos titulares dos direitos autorais e conexos dos conteúdos segue uma simples equação, apresentada na parte institucional de seu site62. De acordo com a empresa, o cálculo utiliza a receita bruta mensal dessa empresa (constituída pelo dinheiro da publicidade adicionado à receita das subscrições, menos os impostos pagos), da qual se subtrai o resultado da divisão entre o total de acessos à obra de um artista determinado e o total de acessos obtidos ao longo de determinado período no país em que opera, durante determinado período de tempo. Da quantia resultante, cerca de 70% são repassados aos titulares dos direitos autorais e conexos,                                                                                                                 59

Os termos dos acordos celebrados entre o Spotify e as grandes gravadoras e editoras foi cercado de mistérios e especulações. À época, foi comentado entre os agentes do mercado de música que essas gravadoras e editoras exigiram parte das ações da empresa (algo ao redor de 15%) para liberarem seus catálogos. Além disso, essa empresa eletrônica tem buscado financiamento no mercado para impulsionar suas atividades. Entre janeiro e abril de 2015, foi reportado que o Spotify tomou emprestado um financiamento de $ 500 milhões de dólares e, depois, de $ 400 milhões de dólares, do banco Goldman Sachs e de um fundo de investimento de Abu Dabi, tornando o capital da empresa equivalente a $ 8,4 bilhões de dólares (MACMILLAN; DEMOS, 2015; MCINTYRE, 2015). Entre os agentes do mercado, especula-se que essa crescente quantidade de dinheiro levantado pela empresa se deva aos altos custos que enfrenta para obter e manter seu crescente catálogo. 60 No entanto, entre agentes do mercado de mídia sonora, há dúvidas sobre os cálculos que levam o serviço a praticar esses preços. 61 Números fornecidos pela própria empresa em seu site: , acesso em 01 de set. 2015. 62 . Acesso em 01 de set. 2015.

 

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como as sociedades arrecadadoras, editoras, gravadoras ou os agregadores de conteúdo, os quais devem repassar o dinheiro aos compositores e intérpretes. Os restantes 30% ficam com da empresa eletrônica, para investimento em infraestrutura e lucro. A distribuição dos royalties dos direitos autorais e conexos é realizada pelo serviços de streaming de forma proporcional entre as músicas acessada em determinado território e período de tempo, o que significa que os artistas que têm mais acessos (streams) ganham a maior parte dessa distribuição dos lucros, enquanto os que tocam menos ganham a menor parte63 (TARAN, 2015). Finalmente, é preciso notar o desenvolvimento de uma camada intermediária de atravessadores entre os produtores de conteúdos e seus representantes e as plataformas de varejo, os chamados agregadores de conteúdo. Com efeito, empresas como iTunes, Google Play, Spotify, Deezer, Rdio, Pandora e outras plataformas de varejo trabalham com diferentes formato digitais e exigem que os conteúdos contenham uma série de informações que lhes permitam identificar, por exemplo, quem são os autores da composição, a editora, a gravadora, o país de origem da gravação, entre diversas outras informações que lhes facilitarão o pagamento devido dos royalties por direitos autorais e conexos. A esse tipo informação embutida nos arquivos digitais, rotula-se de meta-dados (metadata). Isso demanda uma infraestrutura tecnológica avançada para a disponibilização dos conteúdos digitais em suas plataformas, tornando bastante difícil para que o artista sozinho negocie diretamente com elas (de fato, muitas dessas plataformas não aceitam trabalhar com pessoas físicas). Daí que surjam empresas como The Orchard, Believe Digital, CD Baby, One RPM, iMusica, entre outras, para cumprirem funções tanto técnicas (fornecimento de infraestrutura tecnológica para a digitalização dos fonogramas e/ou para inserção de meta-dados, envio dos conteúdos para diversas plataformas) quanto administrativas (gerenciamento da monetização dos conteúdos, marketing digital, administração de canais de comunicação com o público nos serviços de streaming e outras mídias sociais, obtenção de licenças para comércio digital de uma obra, entre                                                                                                                 63

Apesar de simples, esse cálculo dos serviços de streaming têm gerado críticas entre os titulares dos direitos autorais das obras disponibilizadas. Conforme Carlos Taran (2015) argumenta que podem haver casos em que os usuários da modalidade paga prefiram ouvir as obras de artistas mais especializados, enquanto os usuários da modalidade freemium prefiram as dos artistas mais populares. O faturamento do serviço de streaming obtido através dos subscritores tende a ser maior e mais estável do que o faturamento advindo da publicidade. No entanto, como a equação de divisão dos royalties pelos serviços de streaming desconsidera essa diferença, os artistas mais populares receberão a maior parte dos royalties pagos, pese que sejam os artistas mais especializados os que atraem os usuários que dão maior lucro ao serviço de streaming.

 

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outros) para os produtores de conteúdos, desde o artista autônomo à grande gravadora. Há também os chamados multi-channel networks (MCN), já citados, que se especializaram em conteúdos audiovisuais para o YouTube, conforme observado anteriormente. Em geral, essas empresas cobram uma porcentagem da receita que seus clientes ganham no mercado digital para cada tipo de serviço que prestam. Os agregadores de conteúdo têm se tornado estratégicos na dinâmica do comércio de conteúdos digitais. Tendo comunicação direta com as equipes gestoras das plataformas de varejo, esses atravessadores se especializam em gerenciar situações delicadas para ambas as extremidades dessas relações comerciais. Assim, para as plataformas de venda em linha, os agregadores se comprometem a entregarem um produto com as exigências de qualidade de cada empresa, administram as contas dos artistas, obtêm licenças para comercialização digital das obras, apresentam relatórios das atividades de seus clientes em cada plataforma e, na ausência de editoras ou sociedade arrecadadoras responsáveis pelas composições de seus clientes, os agregadores de conteúdo distribuem os royalties dos direitos autorais e conexos diretamente aos titulares. No caso das MCN, que trabalham com conteúdos para o YouTube, elas cuidam da produção das obras (oferecendo, em alguns casos, estúdio e equipamentos de gravação e pós-produção), de produzirem ferramentas para o acompanhamento do desempenho do conteúdo na plataforma (o analytics), o que permite o acesso a dados mais precisos sobre a utilização do canal e às receitas geradas com a monetização dos vídeos. Além disso, ainda podem negociar o preço do espaço para publicidade nos canais de seus clientes. Como observam Pedro A. Francisco e Virgínia Valente (2016), em relação aos direitos autorais das obras, as MCN podem obter licenças específicas, que dificilmente um usuário obteria sozinho, através de contratos com gravadoras e editoras ou bancos de música pagos, como o AudioMicro, além de terem, muitas vezes, seu próprio banco de músicas à disposição de seus clientes. Francisco e Valente (ibid.) chegam mesmo a sugerir, a partir das entrevistas realizadas para sua pesquisa, que as MCN gozam de certos privilégios com o YouTube quando, por exemplo, há alguma notificação de violação das leis de direitos autorais, indicando um importante diferencial dessas empresas no mercado a partir de sua utilidade para essa empresa eletrônica64.                                                                                                                 64

De acordo com sua política de gestão de direitos autorais, o YouTube adota como regra internacional a desativação de qualquer canal de usuários automaticamente após a terceira notificação de violação de direitos autorais (que a empresa rotula de strike). No entanto, Francisco e Valente (2016) sugerem que,

 

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Dessa forma, começam a se consolidar uma complexa rede tecida de diferentes camadas de relações de intermediação do mercado de conteúdos digitais que contam não apenas com os tradicionais agentes da indústria fonográfica (artistas, gravadoras e, cada vez mais, as editoras) e as plataformas de serviços de acesso a tais conteúdos (como o iTunes, YouTube, Spotify e outras) como também há atravessadores que funcionam como facilitadores do fluxo de informação (dados, direitos e dinheiro) entre criadores e varejistas virtuais, como é o caso dos agregadores de conteúdos e outros serviços, como os bancos de dados de música e de meta-data. Esses novos intermediários atuam de forma decisiva para dar nova face ao comércio fonográfico. Após mais de uma década de incertezas, já é possível identificar tendências que sinalizam uma nova configuração para o mercado fonográfico nos próximos anos (apesar de se reconhecer que as atuais características ainda devam passar por significativas transformações). Através dos relatórios publicados pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (International Federation of the Phonografic Industry, cuja sigla em inglês é IFPI), o Recording Industry in Numbers (RIN) e o Digital Music Report (DMR), torna-se possível acompanhar a passagem de um negócio de venda de produtos físicos para outro, composto por um conjunto de atividades comerciais que tem no comércio digital e nas receitas provenientes de royalties de direitos autorais sua força motriz. Esse movimento fica patente ao se observar, no gráfico abaixo, a participação por produtos do comércio fonográfico internacional, em percentual, entre 2004 e 2014:

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              quando há uma terceiro strike por parte de um canal administrado por uma MCN, o YouTube presta um "suporte dedicado", em suas palavras, significando entrando em contato direto com o agregador e cuidando diretamente de casos de violação (um produtor comum teria de passar por toda um procedimento burocrático para voltar a operar). Concluem os autores de que tal favorecimento se deve a que as MCN funcionam como um "colchão legal", isso é, elas dão à plataforma garantia de que tudo que faz parte de sua rede está devidamente licenciado, evitando assim contatos diretos entre o YouTube e uma enormidade de administradores de canais. Sobre a política de direitos autorais praticada pelo YouTube, cf. , acesso em 01 de set. 2015.

 

94  

2%  

98%  

2004  

2%   5%  

93%  

2005  

3%   10%  

87%  

2006  

3%   15%  

82%  

2007  

4%  

5%  

2%   5%  

2%   6%  

2%   6%  

2%   7%  

2%   6%  

22%  

25%  

28%  

31%  

35%  

39%  

46%  

61%  

57%  

52%  

46%  

2011  

2012  

2013  

2014  

74%  

2008  

70%  

2009  

65%  

2010  

Discos físicos

Comércio digital

Royalties de execução pública

Direitos de sincronização

Gráfico 3. Participação das receitas da indústria fonográfica, 2004-2014.  Fonte: IFPI.

Chama bastante a atenção que a venda de discos físicos (CD e DVD) tenha deixado de representar 98% do comércio de música gravada, passando para 46% em dez anos, uma retração de 46,93%. Mas é igualmente interessante notar o crescimento da participação de atividades relacionadas ao pagamento de royalties por direitos autorais, como são os casos da execução pública e da sincronização (jargão do mercado de música para contratos de utilização de composições musicais como trilha sonora de produtos audiovisuais e jogos eletrônicos). Essa ascensão indica a crescente importância que os direitos autorais passam a ter para as gravadoras. Evidentemente, o segmento digital é o que mais chamam a atenção. Seu crescimento progressivo permite concluir que tais atividades comerciais estão se tornando, de fato, a razão de ser da indústria fonográfica no século XXI. Nesse sentido, o ano de 2014 marca um momento especial, pois foi a primeira vez em que houve a equiparação entre a venda de produtos físicos (comércio que se retraiu 8,1% entre 2013 e 2014) e o comércio digital (que aumentou 6,9% no mesmo período). De acordo com o DRM referente ao ano fiscal de 2014 (IFPI, 2015), a indústria fonográfica internacional obteve uma receita de $ 6,85 bilhões de dólares apenas com as atividades comerciais digitais, de um total de $ 14,97 bilhões de dólares. Ou seja, as atividades digitais representaram cerca de 45,75% da receita total da indústria no cenário global. Na divisão das atividades comerciais, tanto a venda de discos físicos quanto as atividades comerciais digitais corresponderam a 46% da receita total da indústria fonográfica internacional, enquanto os royalties por direitos autorais e

 

95  

execução pública representaram 6% da arrecadação e direitos de sincronização, 2%, como se demonstra no gráfico abaixo:

2014   6%   2%  

Discos  Dísicos   46%  

Comércio  digital   Royalties  de  execução   pública  

46%  

Direitos  de  sincronização  

Gráfico 4. Participação das receitas da indústria fonográfica em 2014. Fonte: IFPI, 2015.

Se observado em destaque, o segmento digital vem mostrando crescimento sustentado ao longo da década em termos de arrecadação. O gráfico abaixo demonstra a evolução de segmento do mercado fonográfico entre 2004 e 2014: 8  

6,85  

7   6   5  

4  

4  

4,6  

5,1  

5,9  

2,9   2,2  

3   1,2  

2   1  

4,4  

5,6  

0,4  

0   2004   2005   2006   2007   2008   2009   2010   2011   2012   2013   2014   bilhões  de  dólares   Gráfico 5. Receitas do mercado digital na indústria fonográfica internacional, 2004-2014. Fonte: IFPI, 2015.

O resultado de 2014 representou um aumento de 6,9% em relação ao ano fiscal anterior, de 2013. Entre 2004 e 2014, nota-se um expressivo aumento de 1.612,5% na receita do comércio digital.

 

96  

Um olhar sobre as atividades que compõem o mercado digital também revela aspectos interessantes para a presente discussão. As ilustrações seguintes apresentam uma comparação entre a composição das quotas de atividades comerciais no ambiente digital nos anos de 2008 e 2014:

2008   6%   3%  1%   Download  pago   26%  

Telefonia  móvel   Subscrições   64%  

Pago  por  publicidade   outros  

Gráfico 6. Composição das receitas do mercado digital em 2008. Fonte: IFPI, 2009.

2014   12%   9%  

Download  pago   Telefonia  móvel   52%  

Subscrições   Pago  por  publicidade  

23%  

outros   3%  

Gráfico 7. Composição das receitas do mercado digital em 2014. Fonte: IFPI, 2015.

Chama a atenção nessas figuras, em primeiro lugar, a diminuição do peso dos downloads pagos para a receitas das atividades comerciais digitais. É verdade que os números referentes a 2013 mostram que o download pago constituiu 67% dessa receita. Não obstante, a drástica diminuição nessa categoria de um ano para outro não é um evento fortuito ou um acidente temporário, mas uma tendência do mercado de conteúdos digitais diante da ascendência do streaming, conforme a própria IFPI  

97  

reconhece no mesmo documento (ibid.). Em segundo, outra diminuição patente é o da arrecadação com negócio para telefonia celular, de 26% para 3%. Apesar de impressionante, esse número contém duas armadilhas. A primeira é que o tipo de celular hoje amplamente utilizado é o smartphone, um pequeno computador que funciona através de aplicativos. Assim, o consumo de música através dos aparelhos celulares é alto, mas se dá por aplicativos de empresas eletrônicas de música (iTunes, Spotify, Deezer, entre muitas outras); não através dos serviços prestados pelas operadoras de telefonia celular, como a venda de ringback tones e outros serviços. Além disso, no início da digitalização dos fonogramas, devido à popularização da prática de compartilhamento gratuito através de programas P2P, um dos poucos negócios de conteúdos digitais que gerava receita para a indústria fonográfica era a venda de arquivos por telefones celulares. Atualmente, essa situação se modificou significativamente, havendo diversas plataformas para o consumo desses conteúdos via internet. Finalmente, destaca-se o desempenho dos serviços de streaming. Estes já representam 23% da arrecadação desse segmento, equivalente à $ 1,57 bilhão de dólares. É importante notar o crescimento da arrecadação das empresas de streaming através das assinaturas, mais do que da publicidade. Entre 2013 e 2014, o aumento de ambas as categorias foi de 39% (IFPI, 2015, p. 15). Porém, as assinaturas valeram cerca de $ 1.600 milhão de dólares para as empresas de streaming enquanto a publicidade arrecadou algo em torno de $ 700 mil dólares (ibid.). Isso ocorre porque as assinaturas representam uma fonte de receita alta e imediata, com menor dependência do momento do ano em que os anunciantes decidem investir em publicidades especializadas. Como se discutirá na conclusão deste relatório, essa característica causará uma nova disputa entre empresas eletrônicas e tradicionais agentes da indústria fonográfica. De momento, basta observar que a IFPI reconhece que é uma tendência do mercado que haja uma diminuição na modalidade do download pago e um proporcional aumento no uso dos serviços de streaming nos próximos anos65.                                                                                                                 65

De acordo com a IFPI, a sistemática diminuição do download pago em economias desenvolvidas (mercados que forçaram o índice para baixo) na composição da receita do segmento digital se deve a um conjunto de fatores, entre os quais a saturação do Mercado de download, a existência de alternativas de acesso sem a necessidade de fazer o download e a constante troca de dispositivos tecnológicos se destacam (IFPI, 2015, p. 21). Conforme se observou anteriormente, na verdade, essa diminuição já era prevista pela indústria fonográfica, tendo-se em vista a emergência de serviços de acesso remoto aos conteúdos, como o streaming. No entanto, é importante notar que não há a mesma

 

98  

Apesar da empolgação dos tradicionais agentes da indústria fonográfica com a consolidação do segmento digital, isso não significa que o mercado fonográfico esteja recuperando o que se perdeu na última década. Na verdade, no ano fiscal de 2014, a arrecadação dessa indústria diminuiu 0,4% (IFPI, op. cit.). Entre 2004 e 2014, a arrecadação da indústria fonográfica internacional passou de $ 23 bilhões de dólares para $ 14,97 bilhões de dólares, uma diminuição de 34,91%. É bastante questionável que se consiga voltar, em curto espaço de tempo, aos patamares de faturamento da obtidos nos anos 1990, pois o comércio digital implica outra dinâmica de arrecadação para esses agentes econômicos. Além disso, ainda é possível notar significativas disputas em relação ao modus operandi do mercado fonográfico digital, tema do qual se tratará na conclusão deste relatório. De toda forma, os números apresentados indicam ao menos que o novo paradigma tecnológico está se consolidando. Em outras palavras, a fonografia está deixando de ser um negócio baseado na posse de fonogramas e se tornando um compósito de negócios de licenciamento e acesso a conteúdos digitais, deixando a produção de discos físicos (CD, DVD e LP) como um nicho especializado. Finalmente, é preciso notar que os modelos de negócio de todas as empresas eletrônicas funciona a partir de economias de escala formadas por demanda. Assim, é necessário que seus sistemas agreguem mais e mais usuários para que se possam aplicar diferentes estratégias de monetização de seus conteúdos e serviços e isso implica, por seu turno, a adição de mais e mais conteúdos digitais. Por essa razão, as principais empresas eletrônicas começam a disputar o mercado global de música entre si. Obtendo recursos no mercado financeiro, companhias como Spotify, Deezer, Rdio, entre outras, buscam se antecipar a suas concorrentes e entrarem e diversos mercados, seguindo critérios que serão discutidos no quarto capítulo deste relatório. Por hora, cabe ressaltar que, na medida em que essas empresas iniciam suas atividades num país, trazem consigo uma redes de prestadores de serviços (agregadores de conteúdo,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             segurança em relação ao êxito dos serviços de streaming tal como funcionam atualmente. Apesar dos bons números, essas empresas se encontram numa fase de experimentação de seu modelo de negócio que tem gerado insatisfações em todos os lados, como se discutirá na conclusão deste relatório. Neste momento, cabe ressaltar que uma delas é a sensação por parte dos consumidores de que se paga muito para se desfrutar pouco dos arquivos musicais. Numa interessante matéria de opinião, publicada no jornal The Wall Street Journal, o jornalista Geoffrey A. Fowler (2015) observa que uma assinatura de um serviço de streaming equivalente a $10 dólares equivalia para ele, sendo um consumidor ocasional de música gravada, como se pagasse mensalmente pelo mesmo disco que, antes, ele comprava em CD. Esse tipo de impressão indica não apenas que ajustes nos modelos de negócio tanto do download pago quanto dos serviços de streaming ainda devem ocorrer nos próximos anos como também que há espaço para inovações comerciais ou até o retorno dos programas P2P.

 

99  

MCN, empresas de banco de dados de música, entre outras) que também passa a operar na região, oferecendo não apenas seu know-how para lidar com essas plataformas varejistas localmente como também prometendo pavimentar o acesso ao mercado global. Daí que se possa falar, com precisão, de um mercado fonográfico global, que opera de forma comum a partir de uma regulação acordada em tratados supranacionais que obrigam os países signatários a se adequarem às suas diretivas66. É certo que ele apresenta com certas peculiaridades num ou noutro contexto nacional, mas sua dinâmica é efetivamente global. As consequências desse fenômeno para o desenvolvimento das indústrias fonográficas locais e para a diversidade cultural nesses mercados locais de música serão discutidas no último capítulo. A seguir, abordar-se-á a breve história da formação do mercado fonográfico digital no Brasil, ao longo da década de 2000.

                                                                                                                                                      66

Retoma-se aqui a diferenciação entre "internacionalização" da economia capitalista e "globalização" tal como a formularam certos economistas. Nesse sentido, entende-se que a "internacionalização" se remete à ampliação das atividades econômicas para além de um fronteira nacional, podendo uma mesma empresa ter filiais funcionando num ou outro país operando independentemente entre si. Já a "globalização" ocorre quando tais atividades econômicas realizadas em diferentes partes do globo se integram de maneira funcional. Isso é, as empresas que funcionam em diferentes países o fazem de forma integrada através não apenas de tecnologias da comunicação, que permitem a tomada de decisões imediatas de todas as unidades da rede (empresa em rede) como também a partir de um mercado global que é regulado por legislações internacionais que são acordadas em tratados multilaterais de livre-comércio entre países e/ou continentes. Sobre essa diferenciação, cf. ORTIZ, 1994b, p. 15.

 

100  

 

4. O mercado fonográfico digital no Brasil 2000-2010 crise institucional do mercado de discos físicos e as primeiras experiências de novos modelos de negócio de música no ambiente digital

No capítulo anterior, abordou-se o fenômeno da destruição criadora do mercado fonográfico no plano global, destacando as principais disputas envolvendo os tradicionais agentes da indústria fonográfica e as novas empresas de tecnologias da informação (TI). Neste capítulo, realiza-se a mesma análise, porém, aplicando-a ao caso brasileiro. Discute-se, assim, o que pode ser considerado como a "primeira fase" da destruição criadora do mercado fonográfico no país. Isso implica entender que, ao longo da década de 2000, a indústria fonográfica brasileira teve de lidar com importantes transformações na estrutura de seu negócio. Esse foi, por exemplo, o período em que o comércio de discos físicos começou a declinar sistematicamente e a introdução de inovações tanto no polo da produção quanto no do consumo de fonogramas (MP3, artistas autônomos, Creative Commons, entre outras) acarretou uma crise de legitimidade das principais instituições reguladoras desse campo (o consumo de discos físicos, a Lei de Direitos Autorais, entre outras). Ressalta-se, em particular, que esse cenário abriu espaço para as primeiras experimentações de novos modelos de negócios no mercado digital, conduzidos por empresas eletrônicas de capital nacional. Estas buscaram oferecer soluções inovadoras para os tradicionais agentes da indústria de discos físicos e poderiam ter dado origem a algum modelo próprio de comércio fonográfico digital, contando com instituições reguladoras adequadas às demandas específicas dos produtores fonográficos e dos consumidores brasileiros. No entanto, atualmente, é possível afirmar que essa oportunidade foi perdida. Na virada da década de 2010, um novo cenário se apresentaria, decretando o

 

101  

anterior (2000-2009) como a fase schumpeteriana da destruição criado do mercado fonográfico brasileiro. De acordo com essa interpretação, o capítulo está estruturado em duas partes. Na primeira, trata-se da crise institucional do mercado de discos físicos, discutindo as causas e as consequências da migração do consumo de fonogramas de CD e DVD para as redes digitais de comunicação. Na segunda, analisa-se a experiência das primeiras empresas eletrônicas brasileiras, destacando os motivos que condicionaram seus insucessos e abriram caminho para outra fase do desenvolvimento do mercado fonográfico digital no país.

4.1. Crise institucional do mercado de discos físicos Conforme observado em outra oportunidade (DE MARCHI, 2011), a década de 1990 se iniciou de forma problemática para a indústria fonográfica brasileira, devido à grave crise econômica e política nacional, terminando, porém, de forma espetacular. Retrospectivamente, pode-se afirmar que aquele foi um dos períodos mais marcantes de crescimento da venda de discos físicos e da arrecadação das gravadoras atuantes no Brasil. Isso se deveu a uma conjunção de fatores. Analisandose o cenário econômico e político país, pode-se afirmar que, após o turbulento período do mandato do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), os governos seguintes dos presidentes Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2001) marcam a recuperação da economia nacional, sobremaneira, através da criação de uma nova moeda, o Real. A maneira pela qual a nova moeda foi implementada (em etapas, sendo uma delas a adoção de uma quase-moeda, a URV, que permitiu isolar a inflação do Cruzeiro Real do Real sem o congelamento de preços e salários), valorizou-a em relação ao dólar (política de ancoragem cambial), levando a um aumento da importação e do consumo de bens não-duráveis (FILGEUIRAS, 2006). Apesar dessa sobrevalorização ter custado caro ao Estado brasileiro, sobretudo aliada à politica monetarista de aumento dos juros, conduzida pelo Banco Central brasileiro, a política de cunho neoliberal adotada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) possibilitou o aumento do poder de compra de parte da classe média. Conforme resume Luiz Filgueiras, no rescaldo da adoção do Real (julho de 1994 e março de 1995):

 

102  

"Estava-se entrando numa fase de rápido crescimento do consumo, da produção e do emprego, que durou até março de 1995. Com a introdução da nova moeda e o arrefecimento dos índices de inflação, elevou-se, de imediato, o poder aquisitivo das camadas da população de mais baixa renda, em razão do fim da existência do chamado "imposto inflacionário", [...] que não tinham como se proteger da elevação dos preços através de aplicações financeiras [...]. Além disso, três outros motivos contribuíram para o crescimento do nível de atividade econômica. O primeiro deles foi o aumento das compras a prazo, possibilitado pela ampliação do número de prestações, apesar das elevadas taxas de juros, caracterizando-se um processo de endividamento que viria a se manifestar, posteriormente, de forma crítica. [...]. O segundo fato foi a baixa remuneração nominal das aplicações financeiras, com a consequente retirada de recursos para o consumo [...]. E, por fim, a nãodesindexação imediata dos salários [...], uma vez que o Congresso Nacional criou o IPC-r, e a política salarial [...] implicou pelo menos um reajuste salarial para cada categoria em sua respectiva data-base. Desse modo, [...], o consumo "explodiu" , o PIB cresceu 5%, em 1994, e se elevou o rendimento médio das pessoas ocupadas nas diversas atividades econômicas." (FILGUEIRAS, 2006, p. 121-2).

A reativação do consumo no varejo ajudou a indústria fonográfica a voltar a crescer nesse período. Porém, para se compreender seu espetacular desempenho na segunda metade da década, faz-se necessário observar as transformações de sua própria estrutura produtiva, que teriam largo alcance para a organização da indústria fonográfica nacional como um todo ao longo dos anos seguintes. Entre as principais reformas, destacam-se três. A primeira é a terceirização das estruturas produtivas das grandes gravadoras. Conforme se discutiu no capítulo anterior, ao longo do século XX, as grandes gravadoras se caracterizaram por internalizarem diversas etapas da produção de fonogramas, desde a contratação de artistas até a distribuição dos discos físicos e as campanhas de publicidade através de diferentes meios de comunicação de massa (televisão, rádio e publicações periódicas) utilizadas para influenciar as escolha dos consumidores. Essa integração vertical da cadeia produtiva lhes garantia uma considerável vantagem em relação às empresas concorrentes. A partir do anos 1980, porém, na medida em que as grandes gravadoras eram incorporadas aos emergentes conglomerados

transnacionais,

elas

tiveram

de

externar

diversas

funções,

terceirizando desde serviços como os de gravação, prensagem, produções gráficas até a distribuição dos produtos físicos. No Brasil, também as grandes gravadoras em atividade no país naquele momento (Sony Music, BMG-Ariola, Polygram, EMI Music, Warner Music e Som Livre) passaram por tais reformas estruturais. Conforme a Márcia T. Dias demonstra (2000), esse foi o período em que tais empresas começaram a demitir funcionários de

 

103  

todos os escalões e terceirizar serviços como gravação sonora, produção industrial dos discos, sistemas de distribuição dos produtos, entre outras. Assim, a BMG-Ariola fez cortes de funcionários, entre 1991 e 1992, vendeu o estúdio de gravação para terceiros, e estabeleceu uma parceria com a Warner Music para a distribuição de discos (ibid., p. 111). Já a Polygram havia terceirizado a função de gravação em estúdio, a prensagem dos discos e sua distribuição (ibid., p. 112-5). De acordo com as informações coletadas pela autora, apenas a Sony Music mantinha internalizados os setores de prensagem, distribuição e gráfica à época, devido aos interesses da corporação no setor de equipamentos eletroeletrônicos. Tanto a terceirização da produção fonográfica quanto a demissão de funcionários em funções-chave da produção musical visavam criar redes de prestadores de serviços especializados para as próprias grandes gravadoras. Isso é, demitiam-se funcionários com know-how seja na produção artística seja na gravação sonora esperando que eles pudessem criar empresas autônomas especializadas que prestassem os mesmos serviços às gravadoras. Assim, passava-se o ônus dos custos de manutenção e inovação à terceiros, enquanto as grandes gravadoras mantinham essa rede sob seu controle na medida em que ela era o agente com capital econômico, simbólico e tecnológico capaz de captar fundos para a realização de um determinado projeto, a gravação de um disco e sua distribuição no mercado nacional (DE MARCHI, 2011). Outra mudança de largo alcance para a indústria fonográfica no país se refere às políticas de investimentos em artistas e repertório (A&R). Como Eduardo Vicente (2014) argumenta, durante os anos 1970, as grandes gravadoras multinacionais optaram por contratarem grandes artistas nacionais que, na época, faziam parte da chamada Música Popular Brasileira (MPB), relegando gêneros mais populares (como a música sertaneja ou a música romântica, entre outras) a nichos de mercados, os quais passaram a ser explorados por pequenas e médias gravadoras nacionais (Copacabana, Chantecler, entre outras). Desde o final dos anos 1980, porém, as grandes gravadoras passaram a promover esses gêneros musicais de apelo popular, como a música sertaneja e a variação do samba, o pagode, além da música de carnaval feita na Bahia, conhecida por música axé. Essa nova concepção da produção artística era uma das respostas à crise econômica do período, como resume Eduardo Vicente, "A busca pelo mercado mais popular e pela regionalização do consumo, aliada à perda da eficácia comercial da MPB e à necessidade de redução

 

104  

dos custos e dos cachês artísticos, acabará rompendo a divisão do mercado entre discos econômicos e sofisticados estabelecida ao longo da década [de 1970], causando uma intensificação dos conflitos entre as [gravadoras]. Ao mesmo tempo, a presença mais determinante do marketing, associada à necessidade da exploração de novos nichos de mercado, levará a uma racionalização ainda maior da produção, bem como à criação de produtos objetivamente voltados ao atendimento de novas faixas de consumo, com uma restrição ainda maior aos espaços para a criatividade e a experimentação. E as exigências desse novo cenário terão resposta através da priorização de quatro segmentos: o popular-romântico, o sertanejo, o rock dos anos 80 e a música infantil." (VICENTE, 2014, p. 96).

É importante notar que essa mudança na política de contratação de artistas implicava a revisão das relações com os artistas dos gêneros que perdiam espaço nas grandes gravadoras, notadamente a MPB e o rock. Em relação às estrelas dos elencos (grandes artistas, com alto capital simbólico), as gravadoras buscaram reavaliar seus contratos, o que acabou fomentando a passagem de nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento, Maria Bethânia, Rita Lee, entre outros, para gravadoras independentes, como será comentado a seguir. Já em relação aos novos artistas, as grandes gravadoras também começaram a promover a terceirização na busca de novos artistas (uma função que cumpriam, aliás, com sucesso nas décadas de 1970 e 1980) através de parcerias com selos independentes. Por exemplo, Chico Science & Nação Zumbi, Skank e Planet Hemp foram artistas produzidos inicialmente pelo selo Chaos, ligado à Sony Music, os mineiros do Pato Fu, ao selo Plug associado à BMG, o grupo Raimundos lançou seu primeiro disco pelo selo Banguela, então distribuído pela Warner Music. Na medida em que esses jovens artistas provassem sua viabilidade econômica, eram incorporados aos elencos das grandes gravadoras. Estabelecia-se, assim, um sistema de parceria entre grandes gravadoras multinacionais e pequenas e médias gravadoras nacionais, caracterizando um "sistema aberto" de produção fonográfica, como interpreta Eduardo Vicente (op. cit., p. 151), que se aprofundará nos anos seguintes. Outra mudança decisiva foi a adoção da tecnologia digital como paradigma tecnológico da indústria. Ainda que o Compact Disc (CD) estivesse disponível nos mercados dos Estados Unidos, Europa e Japão desde início dos anos oitenta, no Brasil sua inserção se deu em fins da década (1988), somente se consolidando na seguinte, a partir de uma política deliberada de substituição de tecnologia. Com a estabilização econômica e o aumento do consumo de bens não-duráveis alavancada pelo Plano Real em seu primeiro momento, as empresas de eletrodomésticos realizaram campanhas para diminuir o custo dos reprodutores de CD. Assim, entre os anos de 1992 e 1993, a  

105  

queda do valor desses aparelhos foi da ordem de 30% (DIAS, op. cit., p. 107). Mas para que os reprodutores fossem vendidos em larga escala, seria preciso que a indústria fonográfica obrigasse seus consumidores a realizarem uma brusca renovação tecnológica de suas discotecas. Deliberadamente, as grandes gravadoras deram início a um plano cujo objetivo era fazer o CD suplantar o LP no mercado brasileiro no menor tempo possível, aumentando a produção da tecnologia digital e rareando a de vinil. Assim, para diminuir o preço dos discos digitais, a Sony Music e a BMG construíram fábricas especializadas nessa tecnologia no país, ainda em 1992 (VICENTE, op. cit., p. 144). Se em 1987 um CD equivalia a dois LP, em 1991, a relação invertera-se de dois para um (DIAS, op. cit., p. 107). Segundo os dados apresentados na pesquisa coordenada por Prestes Filho (2005, p. 49), no ano de 1991, a indústria fonográfica brasileira faturou $ 28,4 milhões de dólares com a venda de Long Plays enquanto a cota de CD foi de apenas $ 7,5 milhões de dólares. Com a política de redução de custos da nova tecnologia e de substituição de formatos, entretanto, já em 1994 essa diferença passara para $ 14,5 milhões de dólares referentes ao vinil e $ 40,2 milhões de dólares ao disco digital. Em 1997, o LP pararia de ser produzido pelas grandes gravadoras e as fitas magnéticas experimentariam uma queda significativa em seu comércio. Na prática, isto transformava o CD no único produto da indústria fonográfica nacional. A tabela a seguir fornece os números oficiais de venda de LP, cassetes e CD no Brasil entre 1989 e 1995: Ano

LP

Cassete

CD

1989

56,7

17,8

2,2

1990

31,4

9,9

3,9

1991

28,4

9

7,7

1992

15,8

5,3

9,8

1993

16,3

6,8

21

1994

14,4

8,5

40,1

1995

7,2

7,1

56,7

Tabela 1. Venda de formatos fonográficos no Brasil, 1989-1995 (milhões de unidades). Fonte: ABPD apud DIAS, 2000, p. 106.

A adoção de uma nova tecnologia de reprodução de fonogramas é uma tática rotineira da indústria fonográfica internacional. Conforme se discutiu no capítulo anterior, o CD representou uma mudança tecnológica estratégica para a indústria fonográfica, permitindo que a arrecadação das gravadoras aumentasse rapidamente e  

106  

se estabilizasse ao longo dos anos. Pode-se dizer que os efeitos da introdução do CD foram ainda mais importantes para a indústria fonográfica local. No caso brasileiro, diferentemente do que ocorreu nos países desenvolvidos, onde a produção de LP nunca foi totalmente interrompida e a de fitas magnéticas durou ainda um bom tempo, o CD foi transformado no único produto da indústria fonográfica de um só golpe. Assim, o consumidor brasileiro passou a não ter opções de consumo de fonogramas a não ser o disco óptico, cuja unidade continha em torno de doze faixas e o preço rondava a média do mercado internacional (entre $ 12 e $15 dólares). Conforme se afirmava numa matéria da Revista Exame sobre o notável crescimento do mercado fonográfico brasileiro: "O compact disc custa o dobro do preço dos jurássicos discos de vinil. Isso fez com que, para um crescimento de cerca de 13% no número de cópias vendidas, em 1995, o faturamento das gravadoras superasse em 19% o obtido no ano anterior. Hoje, o vinil responde por apenas 10% do mercado. Em 1993, representava 37%. Para onde se lançar o olhar, se verá que a carreira do CD, responsável por 8 em cada 10 reais das receitas do setor, é ascendente. Exemplo: a venda de aparelhos de CD cresceu 41% em 1995." (REVISTA EXAME.COM, disponível em: <   http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/607/noticias/a-explosaodo-show-biz-m0053075>. Acesso em: 24/08/2015).

Além disso, citando a mesma matéria, Eduardo Vicente (op. cit., p. 147) observa que as grandes gravadoras ainda vendiam 85% dos CD para lojas pelo preço mais alto (top seller), o que resultava numa das mais altas arrecadações do cenário internacional da indústria fonográfica, sobretudo com a indexação do Real ao Dólar em um para um. Por todos esses motivos, a década de 1990 foi um período de acentuado crescimento para a indústria fonográfica brasileira. Após um início difícil, a reestruturação implementada pelas grandes gravadoras lhes permitiu ampliar seu mercado e torná-lo mais rentável, graças à adoção do CD como seu único formato, concentrando assim suas vendas num produto mais caro e de barata reprodução. A racionalização dos departamentos de A&R permitiu que se desenvolvesse um setor de produção independente, ao mesmo tempo em que as grandes gravadoras puderam se concentrar em artistas de forte apelo popular. Tudo isto consolidou o caráter oligopólico, fortemente concentrado nas grandes gravadoras: eram elas que detinham os artistas mais vendidos e o poder da inovação tecnológica. Em 1996, a indústria de discos brasileira venderia 99.8 milhões de unidades, arrecadando $ 1.394,5 milhões de dólares, voltando a ser um dos seis maiores mercados de discos no mundo (YÚDICE,

 

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2007, p. 121). Na ilustração abaixo, apresenta-se a evolução dos números de venda de discos e de arrecadação da indústria fonográfica brasileira no período compreendido entre 1990-1999: 120   99,8  

107,9  

105,5   96,9  

100   80   60  

63   45,2  

45,1  

71  

44,1   30,9  

40   20   0   1990  

1991  

1992  

1993  

1994  

1995  

1996  

1997  

1998  

1999  

Unidades  (milhões)   Gráfico 8. Venda de discos físicos (CD e DVD) no Brasil, 1990-1999. Fonte: ABDP apud: DIAS, 2000.

Na série histórica dessa década, pode-se notar como ela foi uma das mais prósperas para este negócio. Após o ano de 1992, a indústria fonográfica experimentou um notável crescimento. Entre 1990 e 1999, houve um aumento de 114,38%. No entanto, a década de 2000 apresentaria um cenário radicalmente distinto. Apesar de ser um momento de crescimento econômico e retomada do consumo de bens não-duráveis, desde seu início, as gravadoras notaram uma diminuição contínua na venda de discos físicos e, consequentemente, registraram uma diminuição significativa em sua arrecadação. Conforme se analisou em outro trabalho (DE MARCHI, 2011), a venda de unidades físicas revela claramente a retração desse mercado. No ano de 2000, pôde-se notar uma acentuada queda de 23,4%, entre 2000 e 2001, seguida de leve recuperação de 2,77% entre 2001 e 2002. As mesmas características se mantiveram nos dois anos seguintes, com uma diminuição de 24,3% entre 2002 e 2003, mas com um aumento de 18% em 2004 (ainda que ele apareça como excepcional dentro do período, talvez em razão da forma pela qual foram

 

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contabilizados os produtos vendidos67). A partir de 2005 a retração das vendas se torna constante, registrando uma paralisação no ano de 2008, apenas para voltar a cair bruscamente, 17,89%, em 2009. Entre os anos de 2000 e 2009, verifica-se que a queda total do mercado de discos físicos foi de 72,66%. A tabela a seguir apresenta os números tanto de unidades físicas vendidas (CD e DVD) quanto a arrecadação das gravadoras associadas à ABPD: 1000   900  

890   814  

800  

677  

700  

726  

706   615,2  

601  

600   454,2  

500  

312,5   316,4   315,6  

400   300   200  

88  

94  

72  

100  

74  

56  

66  

52,9  

37,7  

31,3  

31,3  

25,7  

0   1999   2000   2001   2002   2003   2004   2005   2006   2007   2008   2009   Unidades  Dísicas  (milhões)  

Arrecadação  (R$)  

Gráfico 9. Desempenho do mercado fonográfico brasileiro, 1999-2009. Fonte: ABPD.

Nesse período, foram particularmente importantes para esse resultado a diminuição da venda de CD, que registrou uma diminuição de 78,17%, ou 73 milhões de unidades físicas vendidas, entre 2000 e 2009 (DE MARCHI, op. cit.). Mesmo a introdução de novos produtos audiovisuais, notadamente o DVD, foi incapaz de impedir a retração do mercado fonográfico de discos físicos. Na verdade, a venda de produtos audiovisuais experimentou crescimento significativo entre 2000 e 2001, 220%, entre 2001 e 2002, 81,25%, e entre 2002 e 2003, 20,68%, alcançando o ápice em 2004, provavelmente devido à introdução do novo formato, o DVD. No entanto, a partir daí, ocorre uma redução gradual nas vendas desse tipo de produto: entre 2004 e                                                                                                                 67

Segundo o relatório da ABPD das atividades comerciais referentes ao ano de 2004 (ABPD, 2005), este aumento se deveu ao forte crescimento das vendas do formato DVD, que haviam crescido de forma acentuada naquele ano, e ao acréscimo de 2,9% na venda de CD também. No entanto, ao se observar os produtos contabilizados então, notar-se-á que, além dos discos vendidos em lojas, adicionaram-se os discos Premium, comercializados para fins promocionais, sem venda direta ao consumidor final, o que não é discriminada é a parte que compete a cada tipo de produto na contagem final.

 

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2005 registra-se a primeira baixa, de 9,58%, entre 2005 e 2006 há uma redução de 4,54%, e no período 2006-2007, de 7,93%. Entre 2007 e 2008, em razão do desencontro das informações cedidas pela própria ABPD, estima-se que ou houve um decréscimo de 10,34% ou o mercado estagnou e, por conseguinte, fica-se sem saber se entre 2008 e 2009 houve um incremento de 3,84% ou uma redução de 6,89%. A justificativa imediata dada pela Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) para esse atípico quadro foi o crescimento desmedido do comércio ilegal, ou "pirataria", de produtos fonográficos, que seriam de dois tipos: (1) a contrafação de produtos físicos (CD e DVD) e (2) a distribuição gratuita de arquivos digitais sem a autorização dos titulares dos direitos autorais e conexos. Conforme detidamente discutido em outra oportunidade (DE MARCHI, op. cit.), tal como foi sustentado, o argumento da pirataria era insuficiente para explicar a contínua retração do mercado de discos físicos. De fato, o que faltava era a ABPD reconhecer as transformações estruturais que se operavam no mercado fonográfico nacional, tanto no polo da produção quanto do consumo de fonogramas. A adoção da tecnologia digital como paradigma tecnológico dessa indústria e a crescente flexibilização das estruturas produtivas das grandes gravadoras deu início a uma inexorável atomização da produção de fonogramas. Já ao final da década de 1990, o número de pequenas e médias gravadoras independentes de capital nacional havia aumentado consideravelmente, criando alguma Nova Produção Independente (NPI) no país (BÔSCOLLI, 2004; DE MARCHI, 2006a, 2006b; VICENTE, 2006). Diferentemente das gravadoras independentes que surgiram no início daquela década e se mantinham fortemente ligadas às decisões das grandes gravadoras multinacionais, as empresas da NPI demonstravam autonomia em suas decisões de investimento, fomentando a ampliação das redes de prestadores de serviços para empresas fonográficas (como as distribuidoras independentes de discos físicos). Com o barateamento do acesso a equipamentos digitais de gravação sonora, paulatinamente a produção fonográfica passou a ser realizada não somente por empresas como também pelos artistas individualmente. Assim, a qualquer músico passou a ser dada a possibilidade técnica de gravar suas obras, sem a necessidade de contrato com qualquer tipo de gravadora, pois poderia utilizar seus próprios recursos financeiros ou recursos advindos de editais de fomento à produção musical promovidos pelo MinC (através da Lei Rouanet e outros editais do ministério). Assim, esse artista autônomo poderia contratar os serviços de um estúdio profissional  

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para a gravação e masterização de suas músicas68, firmar um acordo com uma fábrica de discos para a produção em larga escala de CD e DVD, assinar um contrato de distribuição com uma distribuidora independente para que esses discos fossem levados para lojas revendedores e ainda contratar um agregador de conteúdos para a distribuição de seus fonogramas digitais para plataformas na internet. Da mesma maneira, também uma gravadora independente brasileira poderia alugar os serviços de um estúdio profissional, de uma fábrica de discos e de alguma distribuidora independente para distribuir os produtos de seus artistas por lojas revendedoras em todo o país ou pela internet. É importante notar que a maior parte dessa atividade econômica não figura, contudo, nas estatísticas da ABPD, pois esse comércio se dá além de suas gravadoras associadas. A enorme quantidade de fonogramas resultante dessa atomização da produção não poderia encontrar um canal de escoamento apenas através das tradicionais lojas de venda de discos físicos. Assim, surgiram em vias alternativas, como a venda de discos em concertos ao vivo, em bancas de jornal, em igrejas e templos religiosos e, notadamente, na internet. Aliás, a internet rapidamente se tornou um elemento estratégico para esses diversos produtores fonográficos. Através da rede digital de comunicação, artistas e pequenas gravadoras puderam ter acesso direto aos consumidores tanto para divulgarem informações sobre seus produtos quanto para negociarem diretamente fonogramas físicos e digitais assim como entradas para concertos e material de publicidade (camisetas, adesivos, canecas com a logomarca do artista etc.). Isso significa dizer que a internet se tornou não apenas um meio de comunicação alternativo à televisão, ao rádio e às publicações impressas (na verdade, é correto afirmar que a internet se tornou uma forma complementar às estratégias de exposição dos produtos fonográficos junto à televisão e ao rádio) como também um espaço de negócio para produtores de pequeno e médio porte na indústria fonográfica brasileira, como será discutido na seção seguinte. Dessa forma, a internet veio a corrigir um gargalo crônico da indústria fonográfica nacional, qual seja, a distribuição dos produtos por todo o território nacional. Conforme De Marchi (2011) sustentou, a distribuição dos discos no Brasil privilegiou a região sudeste do país (e, em menor                                                                                                                 68

De acordo com o verbete da Wikipédia sobre "masterização do audio" (https://pt.wikipedia.org/wiki/Masterização_de_áudio), a masterização significa "é uma forma de pósprodução de áudio, sendo o processo de preparar e transferir o áudio gravado de uma fonte contendo a mistura final para um dispositivo de armazenamento chamado master, a fonte a partir da qual todas as cópias serão produzidas, através de métodos como prensagem, duplicação e replicação".

 

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escala, a região sul), devido à concentração do capital político e econômico da população ali localizada, em detrimento de outras regiões, notadamente as partes central, norte e nordeste. Essas mudanças no polo da produção e da distribuição apresentavam sua necessária contrapartida no do consumo. Conforme se discutiu detidamente no capítulo anterior, desde a experiência do Napster e de outros programas P2P, os consumidores de música gravada aprenderam a buscar o que desejavam utilizando a internet como um de seus principais guias para encontrar novos artistas e gravadoras e até mesmo para consumir fonogramas. Não apenas passaram a baixar arquivos de música para diversos dispositivos (computadores pessoais, smartphones, tablets e/ou televisões digitais), por canais legais ou não, como também compravam discos físicos (discos em vinil ou CD/DVD) através de sites de lojas reais e/ou virtuais no Brasil ou no exterior. Como o acesso aos discos físicos produzidos no país é historicamente problemático e não havia muitas fontes de acesso legais aos conteúdos digitais naquele período, não surpreende que os números de downloads considerados ilegais tenham sido altos nesse primeiro momento69. Há de se notar que houve um grave equívoco de avaliação por parte das tradicionais gravadoras ao classificarem essas atividades no ambiente digital de "pirataria digital". Com efeito, esses números não deveriam ser vistos como algum "aumento da criminalidade" cultural, mas sim como uma mudança na natureza do consumo, decorrente do aumento numérico e geográfico dos consumidores e das possibilidades de acesso aos fonogramas através das redes digitais. Infelizmente, não houve resposta à altura por parte dos tradicionais agentes da indústria fonográfica naquele momento, o que alavancou o acesso a tais conteúdos por vias não autorizadas.                                                                                                                 69

Em seu relatório referente ao ano de 2005, a ABPD (2006, p. 20 et seq.) divulgou uma das poucas pesquisas realizadas sobre as novas práticas de consumo de fonogramas por redes digitais no Brasil. Realizada pelo Instituto Ipsos, nessa pesquisa se estimava que 1,1 bilhão de arquivos havia sido baixado sem autorização dos detentores dos direitos autorais das obras naquele ano e que cerca de três milhões de pessoas baixavam com frequência arquivos de música no Brasil via programas P2P, blogs ou páginas de internet. Além disso, 4,2% das pessoas pesquisadas gravavam em CD-R os arquivos baixados pela internet. Para a ABPD, se tais arquivos baixados fossem comprados, teriam rendido às gravadoras o equivalente a $2 bilhões de Reais naquele ano fiscal: três vezes mais do que os $615,2 milhões de Reais, então obtidos pelo conjunto das gravadoras. E se os CD-R gravados fossem produtos lançados pelas gravadoras, teriam representado um crescimento de 13% para as contas das empresas afiliadas à associação. Conclusões da ABPD: (a) os dados comprovavam que o potencial do mercado digital no Brasil era promissor, mas que (b) as práticas de intercambio gratuito de fonogramas e cópias pessoais dos CD para os HD de computadores pessoais e reprodutores de MP3 (algo proibido pela Lei 9.610/98) acarretavam uma perda intolerável para a indústria fonográfica local, que poderia estar se expandindo.

 

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Esse cenário se tornava ainda mais complicado porque o consumo de conteúdos digitais não encontrava respaldo na legislação de direitos autorais. Pelo contrário, de acordo com a Lei 9.610/98, boa parte dessas práticas caracterizava o que a indústria fonográfica rotulava de pirataria, o usufruto ilegal das obras protegidas. Conforme comenta Marcos Wachowicz (in: WACHOWICZ; SANTOS, 2010, p. 734), o espírito dessa lei de direitos autorais foi fortemente influenciado pelo contexto internacional de reforma do sistema de propriedade intelectual conforme preconizado no acordo TRIP (acrônimo em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio). Isso significa dizer que, continua sua avaliação, a nova lei aplicava ao sistema jurídico brasileiro uma abordagem maximalista da proteção dos direitos autorais, cuja lógica reside em que quanto mais se aumentassem as proteções aos titulares dos direitos autorais, maior seria seu benefício e, por conseguinte, maior seria a segurança para os investidores no campo da cultura. Isso deveria aumentar a produção de bens culturais. Essa perspectiva neoliberal acarretou, porém, efeitos colaterais. Desde logo, ela gerou um desequilíbrio no balanço entre os interesses privados e gerais no que toca ao acesso e usufruto dos bens culturais. Isso é, as medidas bastante restritivas que a nova lei impunha aos consumidores dos produtos protegidos por direitos autorais cerceava seu usufruto. Particularmente, essa legislação estava despreparada para lidar com as novas práticas de produção, distribuição e consumo de conteúdos digitais. No relatório técnico de análise sobre a Lei de Direitos Autorais brasileira, Sérgio Branco (2014) observa que a Lei 9.610/98 marca um retrocesso na que concerne às disposições sobre limitações e exceções aos direitos autorais. Em seu Artigo 46, Das Limitações aos Direitos Autorais, inciso II, por exemplo, a Lei permite que cópias de obras protegidas sejam reproduzidas apenas em "pequenos trechos" e desde que seja "sem fins lucrativos" e "feito pelo próprio usuário". Em primeiro lugar, essa redação marca um retrocesso em relação à anterior Lei 5.988/73, em que se permitia a cópia integral da obra, desde que para fins não comerciais. Em segundo, o texto dá espaço à complicadas interpretações. Afinal, o que seria considerado um "pequeno trecho" de uma obra protegida? Conforme a análise de Eliane Y. Abrão (2002, p. 148) sobre esse trecho da Lei, na prática, o impeditivo a se realizar uma cópia integral de uma obra protegida implica a proibição de "cópias privadas" para uso pessoal. Esse é um problema porque impede que um usuário (indivíduo ou uma biblioteca) possa reproduzir um livro raro, ou ainda, de transferir os arquivos de um  

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CD ou DVD para seu computador pessoal ou tablet para uso próprio. Por extensão, também é vedada a possibilidade de se transferir arquivos de CD ou DVD para as redes digitais de comunicação. Com efeito, a Lei de Direitos Autorais no Brasil não se preocupou com tecnologias digitais da comunicação em rede, como a internet, que já estavam em sendo plenamente utilizadas à época de sua aprovação pelo Legislativo. Estranhamente, essa nova lei não previa dispositivos para lidar com novas práticas de produção, distribuição e consumo de conteúdos digitais e, por conseguinte, novos modelos de negócio baseados nessas práticas. Com efeito, há poucas menções às tecnologias digitais. Isso não chegou a deixar as indústrias criativas desprotegidas. Pelo contrário, dava-lhes potentes instrumentos de controle sobre as inovações tecnológicas e culturais. Essa ausência de tratamento devido às tecnologias digitais da comunicação significava, portanto, que a lei brasileira reprimia (e reprime ainda) uma série de novos usos dos bens culturais na era digital, servindo como um instrumento de punição, não de incentivo, à inovação. Como se sintetiza no relatório do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Informação (GEDAI) da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, a Lei 9.610/98: "[…] é uma lei que tende a superproteger os interesses do titular de direitos, que não é necessariamente o autor, e ainda se mostra excessivamente vinculada ao padrão assentado no século XIX, derivado do texto da Convenção de Berna. Tal característica causa problemas com os usos possíveis de obras autorais no ambiente digital. O mundo digital trouxe consigo a democratização dos custos de se produzir e distribuir cultura. Ao criar travas ao acesso à cultura e ao conhecimento, gera insegurança jurídica aos usos possíveis de obras, tanto pelos usuários, como aos próprios autores, e, portanto ao próprio investidor; ou seja, à sociedade em geral. As imperfeições nessa lei geram lacunas e os usos legítimos ficam prejudicados. A Lei 9.610/98 não preenche as demandas sociais para o fim a que ela se destina, dificultando os meios de acesso, de divulgação e limitando o domínio público e por isso, sua revisão deve considerar a inclusão dos novos institutos e das novas tecnologias." (WACHOWICZ et al. 2011, p. 22).

Portanto, é plausível concluir que a Lei de Direitos Autorais brasileira em vigor é um marco regulatório absolutamente inadequado para os desafios da era digital, sendo pouco sensível às inovações tecnológica, comercial e estética possibilitadas pelas tecnologias digitais de comunicação em rede70.

                                                                                                                70

Para uma detida discussão sobre as mudanças técnicas que a Lei 9.610/98 necessita, cf. BRANCO, 2014; WACHOWICZ; SANTOS, 2010; WACHOWICZ et al., 2011.

 

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Levando em consideração todos esses fatores, entende-se que a diminuição sistemática do comércio de discos físicos e da arrecadação das principais gravadoras no Brasil reside, em boa medida, em causas estruturais, nomeadamente, na crise das instituições do mercado de discos físicos e o surgimento de todo um novo mercado de bens culturais no ambiente digital. Também é possível concluir que as instituições reguladoras do mercado de discos físicos estavam completamente despreparadas para esse novo cenário e que não houve, então, a mobilização por parte dos tradicionais agentes dominantes do campo para sua atualização (nem sequer para controlar de forma mais rígida as atividades comerciais eletrônicas, como ocorreu nos Estados Unidos). Por conseguinte, a estruturação de um mercado fonográfico digital no país passaria por uma fase necessariamente complicada, de ajustes forçados nas instituições reguladoras do campo, com consequências diversas para produção e o consumo de música no país. Na seção seguinte, analisa-se essa primeira fase de estruturação do mercado fonográfico no Brasil, sublinhando seus méritos e fracassos.

4.2. A fase schumpeteriana do mercado fonográfico digital no Brasil: as primeiras empresas eletrônicas de música e a possibilidade de um modelo brasileiro de comércio de conteúdos digitais Em meio ao cenário de pânico gerado com a retração das vendas de discos físicos e a queda na arrecadação das gravadoras, os agentes dominantes do mercado de discos físicos, as grandes gravadoras e até mesmo as principais gravadoras independentes nacionais, não pareciam ser capazes de responder prontamente às novas demandas do mercado que se apresentavam. Assim, eles adotaram uma postura defensiva, de acusação ao que consideravam ser uma massiva pirataria por parte de seus consumidores, e letárgica, sem investirem com convicção no ambiente digital. Essa atitude reticente abriu espaço para o surgimento dos primeiros empreendimentos digitais locais que, funcionando ao lado de plataforma internacionais, como MySpace e BandCamp, apostaram em novos modelos de negócio adequados às demandas do mercado digital. Empresas eletrônicas, como iMusica, Trevo Digital, Trama Virtual, FunStation, Mercado da Música, entre outras, buscaram oferecer diversos serviços de distribuição de fonogramas digitais, desde a venda direta para consumidores finais à digitalização em diferentes formatos e sua exportação para plataformas digitais em diferentes países, atendendo artistas individualmente, gravadoras independentes,

 

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grandes gravadoras e empresas telecomunicações, notadamente, de telefonia celular. O esforço desses empreendedores foi importante para começar a estruturar o mercado de fonogramas digitais no país e poderia ter constituído, de fato, um modelo autóctone de comércio de conteúdos digitais, contando com instituições reguladoras adequadas às características da produção e do consumo locais. No entanto, isso não ocorreu, fazendo com que se possa afirmar que esse período constituiu, na verdade, uma "fase schumpeteriana" da destruição criadora

71

do mercado fonográfico nacional,

merecendo uma análise de cunho histórico. É interessante notar que as primeiras empresas eletrônicas locais de música apresentaram ferramentas relativamente sofisticadas para lidarem com as demandas dos produtores fonográficos em meio à abundância de acesso aos conteúdos digitais promovida pelos programas P2P, além de blogs e sites pessoais em que usuários davam acesso gratuito às obras musicais. Por exemplo, a iMusica72 e a Trevo Digital73 criaram os primeiros sistemas de venda de fonogramas digitais no país, antes mesmo da Apple inaugurar sua loja virtual iTunes. Além disso, a iMusica também prestava diversos outros serviços 74 (como como a autorização dos direitos autorais para distribuição digital, a distribuição dos direitos autorais, a conversão do fonograma para qualquer modalidade de formato digital, ou encoding, funcionava como um                                                                                                                 71

Em seu clássico livro sobre a teoria do desenvolvimento econômico (que se converteria, posteriormente, na teoria da destruição criadora), Schumpeter (1982) observou que o fenômeno de ruptura com o fluxo de equilíbrio de uma economia exigia um período de seleção econômica de empresas, durante o qual muitas empresas novas seriam abertas, mas logo encerradas. Tratar-se-ia de um período de experimentações cujo método de tentativa-e-erro levaria à nova fase dessa economia (desenvolvimento). Posteriormente, os economistas neo-schumpeterianos rotulariam essa fase de seleção econômica como "fase schumpeteriana" da destruição criadora. Conforme resume Giovanni Dosi (2006, p. 51), "quando estão surgindo novas tecnologias, podemos com frequência observar novas empresas (schumpeterianas) tentando explorar diversas inovações tecnológicas. O mercado funciona como um sistema de recompensas e penalidades, verificando e selecionando entre diversas alternativas". 72 Sediada na cidade do Rio de Janeiro, a empresa eletrônica iMusica (http://www.imusica.com.br/) fazia parte da holding Ideiasnet S.A., companhia que adquiria participações em companhias do setor tecnologia, mídia e telecomunicações. Criada em 2000, ela foi pioneira no país na venda de fonogramas digitais autorizados pela internet. Sobre a iMusica, cf. DE MARCHI, 2011; DE MARCHI; ALBORNOZ, HERSCHMANN, 2011. 73 Fundada em 2007, em Curitiba, a Trevo Digital (http://www.trevodigital.com.br/) foi fundada por dois músicos com a intenção de distribuir as obras de sua própria banda, Eduardo Carvalho Júnior e Luiz Eduardo Tulio, a empresa funcionava apenas na internet e com as obras de artistas autônomos e pequenas gravadoras independentes. A partir do pagamento de uma mensalidade por parte dos artistas contratantes, ela gerenciava e vendia os fonogramas digitais de seus clientes. Sobre a Trevo Digital, cf. DE MARCHI, 2011; DE MARCHI; ALBORNOZ, HERSCHMANN, 2011. 74 Os diversos serviços da iMusica eram oferecidos separadamente a seus clientes. Dessa forma, a empresa podia captar diferentes clientes e utilizar o lucro de uma operação para subsidiar outras, como a venda online de fonogramas, a qual deveria ser a principal atividade dessa empresa eletrônica, mas que nunca gerou lucro (DE MARCHI, 2011).

 

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agregador de conteúdos, fazia planejamentos para distribuição física de conteúdo digital e projetos que relacionassem a marca da empresa à venda/distribuição de conteúdo), notadamente portais da internet e operadoras de telefonia celular. Já a Trevo Digital desenvolveu uma sofisticada ferramenta de venda de fonogramas digitais, rotulada pela empresa de “loja portátil”. Tratava-se de uma janela que cada artista poderia inserir em seu site e que levaria o usuário diretamente ao sistema de vendas da empresa, sem que este precisasse deixar a página do artista. Também é digno de nota a experiência da plataforma Trama Virtual75 com o chamado "download remunerado", que consistia num sistema de arrecadação por parte da gravadora de fundos pagos por empresas parceiras para a remuneração dos artistas que obtivessem certa quantidade de downloads de suas obras pela página da plataforma. Pioneiro à época no país, trata-se de um modelo de remuneração dos artistas similar ao que é atualmente rotulado, no jargão do mercado de música, como modalidade freemium de acesso à conteúdos digitais. Devido à distribuição desigual de capitais econômico e social, gradualmente, essas empresas eletrônicas passaram a atuar em diferentes segmentos do mercado digital, atendendo a distintos tipos de clientes. Conforme se demonstrou em outra pesquisa (DE MARCHI, 2011), o acesso a diferentes catálogos acabou sendo determinante para o desenvolvimento dessas empresas eletrônicas, contribuindo para a configuração de certa divisão do trabalho no mercado digital. Assim, por exemplo, empresas eletrônicas que distribuíam apenas conteúdos de artistas autônomos e pequenas gravadoras independentes, comercializando-os com os consumidores finais diretamente, como no caso da Trama Virtual e da Trevo Digital, diversificavam pouco seu mercado, estando expostas às variações imponderáveis da demanda dos consumidores. Já uma empresa como a iMusica, que conseguia celebrar acordos de distribuição digital com grandes editoras e gravadoras do país, possuía um catálogo atrativo que lhe permitia diversificar seus serviços (além de ser uma loja de vendas de fonogramas digitais, funcionava como agregadora de conteúdo, licenciadora dos fonogramas para o ambiente digital, realizadora de ações de marketing, entre outros serviços) e sua carteira de clientes, atendendo não apenas o consumidor final como                                                                                                                 75

A Trama Virtual surgiu como um projeto paralelo da gravadora independente brasileira Trama, voltado especificamente para a internet. Essa plataforma funcionava como uma mídia social especializada em música, fornecendo infraestrutura para que artistas autônomos criassem páginas personalizadas e inserissem suas obras para que seus fonogramas fossem baixados gratuitamente pelo site, utilizando-se LPG como o Creative Commons.

 

117  

também as empresas que utilizavam seu suporte tecnológico para atuarem no mercado varejista, como portais da internet, empresas de televisão a cabo e operadoras de telefonia celular (ao longo da década de 2000, a iMusica chegou a ser a única prestadora de serviços de música para as quatro operadoras de telefonia celular no país, a Vivo, a Oi, a Claro e a TIM). Essa diversificação de clientes era particularmente importante para as emergentes empresas eletrônicas nacionais, pois o mercado fonográfico digital era, num primeiro momento, mais lucrativo no setor da telefonia celular do que na internet. Isso era, então, facilmente explicado. Com efeito, até a introdução do smartphone76 no mercado nacional, a comunicação via telefonia celular constituía um sistema fechado, no qual as empresas operadoras controlavam o fluxo de informação acessado por seus usuários. Isso lhes permitia cobrar altos preços por todos os tipos de serviços, como o envio de mensagens de textos, fotos e inclusive o acesso à música, como a compra de arquivos digitais ou dos chamados ringback tones (uma música de fundo que um usuário comprava para tocar enquanto não pudesse atender à chamada). No caso da internet, não apenas as conexões rápidas e amplas à internet (banda larga) eram severamente restritas como também o acesso aos fonogramas através de meios não autorizados pelos titulares dos direitos autorais das obras (como programas P2P, blogs e sites de fãs) eram abundantes. O mais importante era que não havia uma oferta legal bem organizada devido à falta tanto de segurança dos tradicionais agentes dominantes da indústrias fonográfica quanto de amparo institucional que regulamentasse o comércio eletrônico de conteúdos digitais de forma adequada, como se discutirá a seguir. Desde que a ABPD passou a publicar os números referentes ao comércio de fonogramas digitais, a partir de 2006, ficou patente a importância da telefonia celular nesse período. Abaixo, o Gráfico 10 apresenta a relação do comércio digital de fonograma através da internet e da telefonia celular entre 2006 e 2010:

                                                                                                                76

O smartphone (cuja tradução literal para o português seria algo como "telefone inteligente") é um tipo de telefone celular tecnologicamente avançado, cuja tecnologia opera através de um sistema operacional, funcionando de forma equivalente aos computadores.

 

118  

120%   100%  

96%   76%  

80%  

78%  

75,20%   58,70%  

60%   41,30%   40%   20%  

24%  

22%  

2007  

2008  

24,80%  

4%  

0%   2006  

Internet  

2009  

2010  

Telefonia  celular  

Gráfico 10. Plataformas do comércio de fonogramas digitais, 2006-2010. Fonte: ABPD.

Nessa ilustração é possível notar que apenas ao final da década é que a internet passaria a assumir o lugar de protagonismo no comércio eletrônico de conteúdos digitais (as razões que explicam esse fenômeno serão analisadas no próximo capítulo). Essa caraterística fez com que os números apresentados pela ABPD sobre a arrecadação da indústria fonográfica com o segmento digital fossem relativamente baixos e a perspectiva de crescimento futuro, pouco animadora naquele cenário. O gráfico seguinte apresenta os números referentes à arrecadação das empresas filiadas à associação:

 

119  

53,9  

60   50  

43,5  

42,7  

2008  

2009  

40   24,2  

30   20  

8,5  

10   0   2006  

2007  

2010  

Arrecadação  (milhões  de  Reais)   Gráfico 11. Arrecadação do mercado de fonogramas digitais no Brasil, 2006-2010. Fonte: ABPD.

Deve-se advertir, contudo, que os números apresentados pela ABPD não representam o total do fluxo de fonogramas digitais pela internet, uma vez que apresentam apenas as atividades de seus associados, majoritariamente, as grandes gravadoras. Na prática, as redes digitais de comunicação eram utilizadas por uma incomensurável

quantidade

de

artistas

autônomos

e

pequenas

gravadoras

independentes que delas se valiam para transacionar com seus consumidores. E os números referentes a esse tipo de comércio digital inexistem. Dessa forma, para se compreender esse fenômeno, faz-se necessário explicar o modelo de negócio dos artistas autônomos. Conforme observado anteriormente, na medida em que as gravadoras externalizavam suas estruturas produtivas, abdicando de suas funções básicas e criando uma rede de prestadores de serviços autônomos, muitos artistas começaram a perceber como uma desvantagem para suas carreiras assinarem contratos com gravadoras, fossem grandes ou independentes. Com o fácil acesso aos meios de gravação e à distribuição dos fonogramas através das redes digitais, além da comunicação direta com os consumidores finais, seus fãs, tornou-se possível (e, em muitos casos, preferível) que os próprios artistas financiassem suas carreiras. A despeito da diversidade de produtores fonográficos dessa natureza, sua observação revelou a padronização de algumas estratégias comerciais. Conforme Micael Herschmann (2007, 2010) defende, uma das características distintivas do atual momento de transformação da indústria da música reside em que  

120  

os fonogramas perdem valor como produto, enquanto os concertos ao vivo se convertem na principal fonte de renda para os artistas. Desde o surgimento dos programas P2P, tornou-se claro que os consumidores de conteúdos digitais demandam acesso a grandes quantidades de arquivos pelo menor preço e esforço possível, mas se dispõem a pagar quantias consideráveis de dinheiro por experiências únicas, como as que ocorrem em concertos de música, caracterizando os que certos economistas classificaram de "economia da experiência" (PINE; GILMORE, 1999). Essa afirmação é particularmente correta no caso dos artistas autônomos, cujas expectativas de lucro com seus discos sempre foram bastante baixas. Como não conseguiam distribui-los para muitas lojas revendedoras sem o auxílio de gravadoras (que, quando o faziam, cobravam uma alta quantia do valor recebido pela venda), os artistas autônomos sempre tomaram seus discos mais como uma forma de divulgação de sua obra e marca do que uma fonte de lucro, ao contrário dos concertos já que a maior parte do dinheiro proveniente da venda de ingresso permanecia com eles. Por isso, diante da crise do negócio de discos físicos, os artistas autônomos puderam inovar em modelos de negócio fonográficos. De forma geral, o artista autônomo desse período schumpeteriano do mercado digital decidia pela distribuição gratuita de seus fonogramas pela internet, valendo-se instrumentos legais de flexibilização dos direitos autorais, como as LPG Creative Commons. Estas licenças públicas permitiam que o titular dos direitos autorais abrisse mão do controle sobre a distribuição de seus fonogramas por terceiros, desde que isso fosse realizado sem fins lucrativos, fazendo que (a) os fãs tivessem acesso fácil às suas obras e (b) eles mesmos se tornassem os difusores dessa obra77. Na medida em que os fãs eram atraídos para o site oficial do artista, encontravam uma série de produtos que poderiam comprar, como forma de financiar a carreira do artistas, indo desde material de divulgação (camisetas, botões, xícaras personalizadas, entre outros souvenires) até versões especiais dos CD e DVD dos artistas (empacotado em formato deluxe, por exemplo, contendo faixas que não estavam disponíveis para download gratuitamente) (DE MARCHI, 2012).                                                                                                                 77

É importante notar que o êxito da distribuição dos fonogramas não estava propriamente na gratuidade, mas em sua articulação com uma estratégia maior de comunicação utilizada pelos artistas autônomos para ampliarem sua base de fãs. Na medida em que os usuários ouviam os discos pela internet, às vezes repassados por pares ou às vezes facilmente disponíveis na internet, buscavam informações sobre os artistas e os acessavam diretamente através de um arranjo de meios de comunicação, como o site oficial do artista e perfis em redes sociais na internet (Facebook, Twitter, MySpace e YouTube).

 

121  

Alguns

desses

artistas

autônomos

alcançaram

um

alto

grau

de

profissionalização, tornando-se efetivas empresas. Esse é o caso do Móveis Coloniais de Acaju, O Teatro Mágico, ForFun, Calcinha Preta, entre outros. A transformação dessas bandas em empresas implicava uma série de novidades em relação à condução das atividades de um empreendimento artístico. Por exemplo, acarretava a aplicação de técnicas de administração de empresas à atividade artística. Assim, a banda deve possuir um planejamento de suas atividades e, em alguns casos, isso alterou inclusive a forma pela qual se passou a assinar as composições. Ao invés de individualizar a assinatura das composições autorais (uma importante fonte de renda para os artistas), todos os membros da banda-empresa assinam cada composição, o que significa repartir igualmente os royalties dos direitos autorais entre os músicos-sócios (DE MARCHI, op. cit.). De forma geral, em sua fase schumpeteriana, o mercado fonográfico digital no Brasil se caracterizou pela exploração de diferentes modelos de negócio (venda de fonogramas digitais, chamadas para telefones celulares, download gratuito remunerado, distribuição gratuita de arquivos digitais e venda de acessórios, entre outras), realizado por novas empresas eletrônicas locais, cujos empreendedores eram oriundos tanto do setor de tecnologias da informação quanto da própria classe musical. Pesem erros cometidos por esses empreendedores na condução de suas empresas ou eventuais problemas técnicos de seus serviços78, seus esforços poderiam ter sido a base de um modelo próprio de mercado fonográfico digital no país. Isso é, a partir das atividades comerciais que esses empreendedores estavam introduzindo, poder-se-ia ter iniciado uma série de mudanças nas instituições que regulamentavam o comércio fonográfico, a fim de que se criarem condições para a expansão de suas atividades. No entanto, o que se notou foi a ausência de mobilização para adequar as instituições reguladoras do mercado fonográfico. Em relação ao comércio eletrônico, a pouca mobilização que houve se restringiu ao trâmite do Projeto de Lei (PL) no 4.906, que visava regular o "comércio eletrônico". Difusamente inspirado no DMCA norte-americano, a PL demonstrava uma preocupação maior em controlar a                                                                                                                 78

Deve-se registrar que ao longo das entrevistas conduzidas com agentes do mercado fonográfico para esta pesquisa, ao se abordar o tema das empresas eletrônicas brasileiras do que aqui se rotula de fase schumpeteriana da formação do mercado digital, escutaram-se muitas reclamações sobre seus serviços, especialmente no que tange à falta de informação precisa e constante sobre as vendas dos fonogramas digitais.

 

122  

comunicação mediada por computador, protegendo interesses privados em detrimento da criação de fóruns, inclusive sugerindo institucionalizar a prática do notice-andtake-down (retirada de conteúdo mediante notificação do detentor de direitos autorais) da legislação americana. Ao contrário do DMCA, porém, a PL não previa com clareza mecanismos de exceção e limites aos direitos autorais 79 . Com termos mais draconianos, o PL no 1.503/03, elaborada pelo, então, Senador por Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB-MG), pretendia controlar o que se considerava "crimes cibernéticos" (como roubo de informações pessoais de empresas eletrônicas, clonagem de cartões de crédito, entre outras modalidades), mas que na prática afetava uma série de direitos fundamentais de expressão via as redes digitais de comunicação. Notadamente, nesse PL, visava-se tipificar o acesso indevido a material protegido por direitos autorais como crime, passível de se levar de um a três anos de encarceramento. Não surpreende, pois, que o PL tenha gerado uma forte resistência de movimentos sociais em favor da liberdade de expressão e da cibercultura, movimentos que resultaram na formulação do Marco Civil da Internet, como se discutirá no capítulo seguinte. Outra ausência sentida foi no campo dos direitos autorais. Apesar de o Ministério da Cultura (MinC), durante as gestões dos ministros Gilberto Gil (20032008) e Juca Ferreira (2008-2010), ter-se mobilizado para propor uma extensiva reforma da Lei 9.610/98, na prática nada se concretizou e o comércio de conteúdos digitais teve de se valer de uma legislação pouco adequada para suas necessidades de desenvolvimento. Também a gestão coletiva se colocava como um problema. Diante da inadequação da Lei no 9.610/98 diante do mercado digital, o Escritório de Arrecadação e Distribuição dos Direitos Autorais (ECAD), outorgava-se o direito de cobrar taxas de todo e qualquer tipo de empresa eletrônica, mesmo que legalidade de suas cobranças pudesse ser colocada em questão, como ocorreria posteriormente. Pior do que isso, outras sociedades arrecadadoras também cobravam royalties por direitos conexos, caracterizando a dupla cobrança pelos mesmos usos dos conteúdos. Assim, criava-se um cenário intimidador para os empreendedores no campo fonográfico, pois se deixava a decisão de temas importantes para o comércio eletrônico ao bel prazer de juízes, os quais se pautavam por uma legislação imprecisa

                                                                                                                79

 

Para uma análise técnica da PL, cf. LEMOS, 2005.

123  

sobre o tema que tendia a criminalizar qualquer tentativa de inovação comercial. Como sintetiza o advogado Ronaldo Lemos, A situação [jurídica na década de 2000] no Brasil [era] de ausência absoluta de dispositivos legais específicos que tratem do assunto. Isso leva[va] à situação de serem proferidas decisões judiciais inconsistentes, que alteram de maneira impensada o equilíbrio entre interesses relevantes, como liberdade de expressão e proteção à propriedade intelectual. (LEMOS, 2005, p. 63).

Sem a segurança jurídica necessária para que as novas empresas eletrônicas tivessem clareza sobre as consequências possíveis do que estavam fazendo, não surpreende que seus negócios não tenham se desenvolvido a contento. Havia, de fato, dúvidas sobre a legalidade de todas as suas operações e a viabilidade econômica das empresas num mercado não apenas afeito ao acesso gratuito aos fonogramas como também (aliás, entende-se que sobretudo) sem o apoio total dos tradicionais agentes da

indústria

fonográfica,

suspeitosos

em

relação

à

capacidade

desses

empreendimentos digitais locais lograrem construir um lucrativo mercado digital. Tais fatores explicam, em parte, a ausência de conteúdos legalmente oferecidos nas redes digitais por aqueles que se propunham a serem os novos intermediários da indústria fonográfica nesse ambiente. A década de 2010 marca outro momento no desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil, com a entrada no país de empresas estrangeiras de alcance global que iriam trazer a confiança necessária dos tradicionais agentes da indústria fonográfica para que investissem no ambiente digital e fomentariam discussões e propostas de alteração dos reguladores institucionais da inovação no sentido de facilitar o comércio eletrônico de conteúdos digitais. Apesar da entrada desses agentes ter resultado num crescimento acelerado do mercado de conteúdos digitais no país, o início de suas operações acarretaria ou a falência ou a perda de protagonismo das empresas eletrônicas locais. Com isso, a oportunidade de um modelo autóctone de comércio eletrônico de conteúdos digitais se perdia em favor da importação de modelos de negócio acordados no plano global e que vão obrigar uma remodelação dos reguladores institucionais da inovação no Brasil de acordo com seus parâmetros. As consequências desse fenômeno serão discutidas no capítulo seguinte.

     

124  

5. A consolidação do mercado fonográfico digital no Brasil Entrada das empresas eletrônicas internacionais e a adaptação das instituições reguladoras do comércio de conteúdos digitais

Conforme discutido no capítulo anterior, ao longo da década de 2000, em meio ao declínio sistemático da venda de discos físicos e ao aumento do consumo de fonogramas através das redes digitais, muitas vezes através de fonte não legalizadas, surgiram empresas eletrônicas nacionais que buscaram apresentar soluções tecnológicas aos tradicionais agentes da indústria fonográfica para atuarem no ambiente digital. Não obstante, devido à conjunção de uma série de fatores, entre os quais se destacaram a falta de confiança dos agentes da indústria fonográfica nessas novas empresas e a ausência de segurança jurídica para garantir mais investimentos nesses novos modelos de negócio, o comércio de conteúdos digitais no país ficou abaixo de seu potencial, exceto no que concerne à telefonia celular. A década seguinte apresentou uma reviravolta nesse cenário. A partir do início das atividades no país de empresas eletrônicas de música internacionais, como o iTunes e o YouTube, seguiu-se a entrada de outras empresas de varejo e intermediários (serviços de streaming, bancos de dados e, notadamente, agregadores de conteúdo) que começam a disputar o mercado brasileiro. A presença dessas empresas estrangeiras tem diversas consequências de largo alcance. Entre elas, destaca-se o que se rotula aqui de globalização do mercado fonográfico brasileiro. Isso significa afirmar que, ao invés de ter desenvolvido um modelo próprio de mercado de conteúdos digitais, baseado em empresas brasileiras e em instituições reguladoras que atentassem às demandas de produtores de conteúdos e consumidores locais, o país passa a importar um modelo de negócio desenvolvido e regulado no plano internacional, o que implica aspectos positivos e negativos. Neste capítulo, analisa-se esse outro momento no desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil, destacando-se as implicações e conflitos da entrada no país das empresas internacionais para a circulação e o consumo de música gravada.

 

125  

O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, discutem-se as consequências do início da operação de grandes empresas eletrônicas internacionais no país. Nesse sentido, dá-se atenção à relação entre esses grandes players internacionais e a comunidade musical, à consolidação do comércio de conteúdos digitais no país e aos conflitos de interesses que emergem desse novo contexto. Na segunda, analisam-se as transformações das instituições reguladoras do mercado de música em face da destruição criadora da indústria fonográfica, ressaltando as consequências da implementação de novos instrumentos reguladores, como o Marco Civil da Internet e a Lei 12.853/13, que regula as atividades do ECAD.

5.1. Os alquimistas estão chegando: a entrada das empresas eletrônicas estrangeiras e a globalização do mercado fonográfico digital brasileiro Dois eventos podem ser considerados como o marco de uma nova etapa no mercado fonográfico digital no Brasil. São eles o acordo entre o YouTube e o Escritório Nacional de Arrecadação e Distribuição de direitos autorais (ECAD) e o acordo da Apple Inc. com a sociedade arrecadadora União Brasileira de Editoras de Música (UBEM) a fim de viabilizar as atividades de sua loja virtual, a iTunes Store. Ambos os contratos não apenas viabilizaram o início das atividades no país dessas duas plataformas como também criaram certa segurança jurídica (ainda que frágil, como se discutirá) para a entrada de outras empresas eletrônicas estrangeiras no mercado nacional, imprimindo nova dinâmica ao comércio de conteúdos digitais. Ainda que sua plataforma atendesse os usuários brasileiros desde 2007, foi apenas em 2010 que o YouTube concretizou um acordo com o ECAD, criando uma fórmula especial para que a empresa pudesse realizar o pagamento pelos vídeos protegidos por direitos autorais no país. Conforme detalham Francisco e Valente (2015), já em 2008, quando começam as negociações entre as partes, assinou-se uma carta de compromisso entre o YouTube com o ECAD visando estabelecer os procedimentos mais adequados para a cobrança dessa plataforma, uma vez que o método da amostragem utilizado tradicionalmente pelo escritório não se aplicaria ao modus operandi da empresa eletrônica (Ata no 350 do ECAD de 18/11/2008). No ano seguinte, acordou-se que o YouTube repassaria 2,5% do seu faturamento para pagamento dos direitos de execução pública, comprometendo-se a pagar um valor mínimo de $ 150 mil dólares (Ata no 360 do ECAD de 17/09/2009). Em 2010, o

 

126  

ECAD reformularia suas categorias de cobrança para execução pública na internet, dividindo-as em "Internet-Show", "Internet-Simulcasting" e "Internet-Demais", visando se adequar ao acordo com o YouTube. A partir de 2011, quando entra em vigor o acordo, o ECAD opta por compor uma amostra com os fonogramas contidos nos vídeos mais visualizados através da plataforma, estipulando o valor mínimo de $ 1,00 Real para pagamento por fonograma utilizado. Os valores seriam distribuídos semestralmente (Ata no 382 do ECAD de 30/03/2011). Assim, de posse de uma lista com os 100 vídeos mais visualizados no YouTube, o ECAD distribuiria entre os titulares desses fonogramas executados o valor mínimo de $ 150 mil dólares, divididos de maneira proporcional ao número de visualizações de cada vídeo 80 (FRANCISCO; VALENTE, op.cit.). Em 2011, foi a vez da Apple acertar um modelo de pagamento dos royalties de direitos conexos para o iTunes com a UBEM. A principal exigência da empresa norteamericana para iniciar as atividades de sua loja virtual de fonogramas em qualquer mercado é que o pagamento desses royalties seja feito a uma única entidade responsável por sua distribuição, o que se rotula de one-stop-shop (numa tradução livre seria algo como "pagamento para um intermediário"). Na maioria dos países, esse acordo é facilitado pelo fato de que a arrecadação e distribuição desses royalties é realizada por uma sociedade arrecadadora (como a SGAE, na Espanha, ou a SACEM, na França), mas esse não é o caso do Brasil, onde há diversas sociedades arrecadadoras. Não obstante, a UBEM conseguiu obter os meios necessários para firmar acordos importantes com as plataformas digitais. É interessante notar que a UBEM é uma entidade associativa de gestão coletiva de direitos autorais bastante recente, datando de 2010, e que reúne todas as editoras de música do país, que antes

                                                                                                                80

Em matéria para o jornal Folha de São Paulo, assinada pela jornalista Tatiana de Mello Dias, e publicada em 12 de abril de 2011, o gerente de arrecadação do ECAD, Mário Sérgio Campos, explicava da seguinte forma o acordo entre o ECAD e o YouTube: "O YouTube não pode ser enquadrado como um usuário de internet comum na amostragem. O YouTube é o YouTube, a quantidade de acessos do site distorce qualquer amostragem. Logo quando saiu discutimos com as associações uma forma de fazer uma distribuição específica. […] Vamos pagar a verba que recebemos do Google do primeiro ao último fonograma. Mas não temos como pagar todas as músicas. Se eu tenho dez reais para dividir entre milhares de pessoas, isso dá menos de um centavo para cada uma. O valor não é tão significativo, então para viabilizar nós temos que ter uma linha de corte: o que mais executou até quando eu tiver a possibilidade de pagar pelo menos um real. Pagamos todas as músicas do ranking, e a última que entrar eu pago pelo menos um real. Muita coisa fica de fora. Meu vídeo foi visto mil vezes, mas o Justin Bieber teve mais de 20 milhões de acessos, o segundo lugar 18 milhões, o terceiro 15 milhões... O cara que teve 1000 views provavelmente ficará de fora". Disponível em: < http://blogs.estadao.com.br/link/o-youtube-e-o-ecad/>, acesso em: 24 maio 2013.

 

127  

também estavam divididas 81 (FRANCISCO; VALENTE, op.cit.). Além de reunir todas as grandes editoras do país, o que lhe concedia um importante capital social no mercado de música, a UBEM investiu em capital tecnológico que a destacaria das demais associações, ao contratar os serviços de uma empresa terceirizada, a argentina BackOffice, para administrar um banco de dados contendo todas as informações das editoras conveniadas (meta-dados). Isso foi decisivo para que se viabilizasse não apenas o acordo da Apple como também com outras empresas que lidam com conteúdos digitais. O contrato firmado entre a Apple e a UBEM estipula que o pagamento dos royalties será pago no Brasil, em moeda local (Real brasileiro), em parcelas trimestrais. Ainda que esses acordos não resolvessem totalmente o problema da insegurança jurídica para investimentos no Brasil (pelo contrário, sua fragilidade jurídica traria à tona novas disputas), é fato que eles permitiram estabelecer, num primeiro momento, um canal de diálogo entre os detentores dos direitos autorais e conexos (artistas, editoras e gravadoras) das obras musicais no país e as empresas eletrônicas internacionais82. Não é acaso, pois, que após o início da atividade desses dois grandes players do mercado de conteúdos digitais, outras empresas estrangeiras tenham decidido operar no Brasil. Aliás, essa relação causal foi explicitada durante algumas entrevistas realizadas para esta pesquisa com agentes do mercado de música. Por exemplo, na entrevista com o presidente executivo de um dos mais importantes agregadores internacionais de conteúdo digital que começava a operar no país, ao ser questionado sobre a razão de se investir no Brasil num período em que a economia nacional já demonstrava sinais de desaceleração, a resposta obtida foi taxativa: "Quando tomamos a decisão de investir num território, quando observamos qual será o próximo mercado a acontecer, observamos uma série de fatores. Um desses fatores é, quando se trata do mercado digital de música, a introdução do iTunes. Apenas esse fator é capaz de fazer um lugar que não rendia dinheiro, fazer render. Além disso, há a entrada de outros agentes, como o YouTube, que traz dinheiro com publicidade,

                                                                                                                81

Com efeito, entre os agentes do mercado de música, afirma-se que a UBEM foi criada apenas com o intuito de permitir a abertura da iTunes Store no Brasil. 82 Conforme lembram Francisco e Valente (2016, p. 270-1), tem sido uma praxe que as empresas eletrônicas internacionais, antes de começarem a operar num novo mercado, estabeleçam acordos com as principais gravadoras e suas associações para o pagamento de direitos conexos assim como com as editoras e suas associações para o pagamento de direito autoral. Primeiro, estabelecem-se acordos com as grandes gravadoras e, depois, com as grandes editoras. Depois de estabelecido uma dinâmica de pagamento para esses grandes atores é que se abre espaço para que gravadoras e editores menores reclamem seus pagamentos. Deve-se ressaltar ainda que um item fundamental para as plataformas estrangeiras é que os pagamentos se concentrem numa entidade arrecadadora e distribuidora (o onestop-shop de que se tratou acima).

 

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Spotify, Deezer e outros serviços que são bem sucedidos em outros territórios. Quando eles entram em um território (e vemos isso acontecer sempre seja no Brasil seja em outro território) bum!: cria-se um mercado em [cerca de] dois anos." (entrevista concedida em 20/04/2013, no Rio de Janeiro).  

Resposta semelhante foi dada pelo presidente executivo para a América Latina de outro agregado de conteúdo, também de capital estrangeiro. Ao ser indagado sobre como conseguiu convencer os diretores da empresa a investir no país, ele fez os seguintes comentários: "A [empresa para a qual trabalha], assim como outras [agregadores de conteúdos] com quem eu conversei lá fora, [tiveram reações semelhantes quando esse indivíduo lhes propôs iniciarem suas atividades no Brasil]. A primeira reação foi: "uau, Brasil! Rio [de Janeiro]! Caipirinha!" [risos]. Essa era primeira reação. A segunda era: "ah, o Brasil, a bola da vez...". Mas e aí, você vai para o Brasil? Porque não foi só a [empresa para a qual trabalhava na ;época da entrevista]. Foram várias com quem eu conversei. Eles falavam: "complicado abrir uma operação lá, né? Uma operação cara, custosa, regras do jogo não claras de investimento, muito imposto, muito difícil fazer negócios"... essa é a primeira reação de todos. Porém, por outro lado, [eles diziam]: "nós temos que ir para o Brasil!". Por que? Porque o mundo está falando do Brasil, os números estão falando do Brasil, se você pegar um relatório [...] da Price Waterhouse Coopers sobre música. Ali eles mostram os números. Então, eles olharam o número de bandas que existem no país, quantidade de gêneros [musicais]... porém, tem muita festa, muito confete, porém, se tem pouca informação. Eles não sabem direito quantas bandas têm aqui, quantos gêneros musicais têm aqui, como funciona [ o mercado de música], não sabem que a música brasileira somente vende no Brasil... quer dizer, tem muita propaganda em volta [mas pouca informação]... os caras olham os grandes números. Então, os caras olham e dizem: "tem de estar [operando no Brasil] porque o país tem um PIB X, uma taxa de crescimento Z, está no BRIC... legal, a gente tem de estar nesse país". [...] Então, o que eu acho que aconteceu com as empresas lá fora – e eu falo isso porque acho que vai acontecer aqui – é que elas vieram para cá todas juntas. "Olha o iTunes vendendo. Em que território ele está vendendo? Ah, está vendendo [no país X], então, vamos para lá". E quando esses caras aterrissam aqui, companheiro, são fundos de investimento com milhões e milhões de dólares. Quando eu te falo que o negócio tem de dar certo, é que a música tem de dar certo... precisa dar dinheiro." (Entrevista concedida em 29 de maio de 2013).

Além do fator iTunes, que é um importante indicador de segurança econômica para o investimento em novos mercados, é preciso notar que a economia das empresas eletrônicas de música já visa, desde seu princípio, uma atuação global. Conforme se explicou no Capítulo II deste relatório, essas empresas buscam formar economias de escala formadas pela demanda, uma vez que adotam uma exploração extensiva dos arquivos digitais, o que lhes exige ter acesso a uma sempre crescente quantidade de usuários. Na medida em que as regras para o comércio internacional são adotadas em diversos países, notadamente no que concerne aos direitos autorais, é-lhes facilitado

 

129  

atuar em diferentes mercados. Tendo isso em conta, as grandes empresas eletrônicas (lojas virtuais, rádios na internet, serviços de streaming e agregadores de conteúdo) já se preparam para atuar em diferentes partes do globo, buscando posicionar-se estrategicamente em relação aos seus competidores diretos. Essa dinâmica da globalização das plataformas digitais foi explicada pelo diretor de licenciamento de conteúdos para a Europa e África de um serviço de streaming americano que começava a operar também no Brasil, durante uma entrevista concedida para esta pesquisa. Quando foi indagado sobre as razões que levaram sua empresa a investir em diferentes mercados, sendo alguns não tão lucrativos à primeira vista, o entrevistado observou que: "Eu acho que há duas respostas aqui, duas razões aqui. Acho que, por um lado, há o aspecto cultural que estamos vivendo em um mundo cada vez mais globalizado. [...]. Então MySpace começar a isso, e eu acho que o Facebook aumentou a velocidade da globalização que mais e outras mídias sociais também. E agora os serviços de streaming [...] o modo como funciona é muito semelhante ao Twitter. Então, basicamente você seguir os seus amigos ou pessoas que você gosta do gosto musical. [...].Se essa pessoa vive em Espanha, no Brasil ou no Japão, não importa ... É sobre isso, superar a essa diferença cultural, e a música é um veículo perfeito para a falta de comunicação, para a transcendência cultural. [...]. Nós basicamente queremos ser essa plataforma onde a comunicação acontece através da música. [...]. Por outro lado, é economia pura, realmente. Acredite se quiser, mas o custo de [licenciar o] conteúdo realmente não aumenta muito se eu adicionar outros territórios para [o serviço]. Porque a forma como o licenciamento de música funciona [...] você tem grosso modo duas licenças por canção - você tem o direito de gravação e você tem o direito autoral e a execução pública, certo? O direito fonomecânico é [dado pelas gravadoras], e o custo não vai aumentar tanto se eu tenho esse direito para apenas Brasil ou para o mundo inteiro. Quero dizer, não muito. O mesmo ocorre com o lado da dos direitos autorais [...].Quero dizer, sim, claro que custa, há um custo para o estabelecimento de um acordo [...]. Mas, em última análise, estamos sempre à procura desse direito [para operar no resto do mundo] já, porque quando você assume que vai operar naquele país, você terá pagar esses direitos de qualquer forma. Assim, o custo não aumenta quando [você percebe que] o potencial de fazer dinheiro aumenta um pouco, porque você adiciona de repente um diferente mercado. E, especialmente, na América Latina ou em outros países onde a cultura do download [pago] não está bem estabelecida [...] a gente pode chegar antes [do iTunes]. " (Entrevista concedida em 13/04/2014, tradução própria83).

                                                                                                                83

"I think there's two answers here, two reasons here. I think that, on the one hand, there's the cultural aspect that we're living in an increasingly globalized world. […] So MySpace start that, and I think that Facebook increased that speed of Globalization further and other social media as well. And now the streaming services […] the way it works is very similar to Twitter. So you basically follow your friends or people that you like the music taste. […] If that person lives in Spain, Brazil or Japan, I don't mind… It's about that, reaching that cultural difference, like music is a perfect vehicle for the lack of communication, for cultural transcendence. [...]. We basically want to be that platform where that communication through music happens. […]. On the other side is pure economics, really. You should believe it or not, but the cost of content doesn't really increase by that much if I add other territories to [the service]. Because the way the music licensing works […] you have roughly speaking two licences per song – you have the recording right

 

130  

A partir de 2011, portanto, tem havido uma entrada contínua de relevantes empresas estrangeiras relacionadas à distribuição e consumo de conteúdos digitais em música no país, desde agregadores de conteúdo como The Orchard, CD Baby e Believe Digital a serviços em linha, como Deezer (2013), Rdio (que iniciou suas atividades em parceria com a operadora de telefonia celular, através do serviços de música Oi-Rdio, em 2011, passando a operar independentemente a partir de 2013), Spotify (2014), entre outras. A entrada no país dessas empresas que operam no mercado internacional mudou a dinâmica da indústria fonográfica local. De acordo com as informações obtidas durante as entrevistas conduzidas para esta pesquisa com os agentes do mercado de música, as empresas eletrônicas internacionais se destacam, desde logo, por oferecerem (a) uma tecnologia confiável e (b) o acesso a um negócio de escala global, o que pode facilitar a introdução de artistas e gravadoras brasileiros no mercado internacional. Além disso, possuem o capital econômico suficiente para fazer o mercado digital de música gerar receita (como se diz no jargão do mercado, "monetização"), através do pagamento de royalties pelos direitos autorais e conexos das obras. Cabe lembrar a frase de um dos entrevistados, transcrita acima: "E quando esses caras aterrissam aqui, companheiro... são fundos de investimento com milhões e milhões de dólares. Quando eu te falo que o negócio tem de dar certo, é que a música tem de dar certo... precisa dar dinheiro". Nas palavras do presidente de uma gravadora independente brasileira: "tem muita empresa gringa [estrangeira] porque eles detêm tecnologia, na verdade. E detêm um maior mercado. Como já está acontecendo nos EUA, mas não está acontecendo no Brasil, há um estímulo para investimento e desenvolvimento de ferramentas. E aqui, como o mercado está estrangulado." (Entrevista concedida em 15/02/2013).

Tais fatores têm dado segurança aos tradicionais agentes da indústria fonográfica para negociarem com essas plataformas. Na medida em que elas conquistam a confiança dos titulares dos direitos sobre os conteúdos digitais, as                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             and you have the composition right/performance rights, right? The recording right is [given by the record labels], and the cost doesn't really increase if I have that right for just Brazil or for the whole world. I mean, not that much. Similar with the publishing side of things […]. I mean, yes, it costs, there is a cost for establishing a deal […]. But, ultimately, we always looking for th[e] right [to operate in the rest of the world] already, because as long as you assume that you're going to streaming to that country, you're going to pay for. So, the cost doesn't increase when [when you perceive that] the potential of making money increases quite a bit, because you suddenly add different market to it. And especially in Latin America or other countries where the culture of [paid for] downloading is not well established […] we can come in first".

 

131  

empresas internacionais exigem adaptações das empresas eletrônicas locais. Não surpreende, pois, que tão logo o iTunes tenha iniciado suas operações no país, lojas virtuais locais como a iMusica e o Mercado da Música tenham deixado de operar. A concorrência se estende ao mercado de telefonia celular. Se durante a década de 2000 a iMusica praticamente monopolizava esse rentável nicho do mercado digital, no decênio seguinte, a maior parte as operadoras de telefonia celular passou a contratar os serviços de streaming internacionais: a Oi assinou com a Rdio, a TIM contratou a Deezer, enquanto a Vivo conta com os serviços de um renovado Napster. Como resultado dessa perda de mercado, em 2014, a operadora Claro (da empresa America Móvil, de capital mexicano) comprou parte das ações da iMusica (Ideiasnet). Ressalta-se que esses acordos com operadoras de telefonia celular representam um investimento estratégico para os serviços de streaming estrangeiros no país, uma vez que a penetração de telefones celulares e smartphones é bastante alta entre a população brasileira e a conexão de internet, reconhecidamente deficiente. Além disso, de um só golpe, esses serviços passam a ter acesso a milhares de usuários, ainda que indiretamente84. Essa tomada do mercado pelas empresas estrangeiras e a readaptação das nacionais tem um interessante paralelo com outros setores da economia brasileira ao longo de sua história mais recente. Um dos entrevistados para esta pesquisa, o presidente executivo para a América Latina de um agregador de conteúdo de capital americano, citado anteriormente, fez a seguinte observação sobre o assunto: "O que eu vejo é uma similaridade muito grande com o que eu passei na empresa que eu trabalhava de TI. Por que? Quando eu comecei em business intelligence [...] nós tínhamos uma solução de plannig, de planejamento orçamentário, ok?! Quando eu comecei, já com a empresa multinacional – isso faz bastante tempo – tinham soluções locais... soluções locais, desenvolvidas no Brasil, em grandes grupos... coisa grande... eram grandes empresas utilizando essas soluções. Olha que interessante... quando nós e meus concorrentes [multinacionais] entramos no mercado, nós "subimos a régua", porque apresentamos uma solução de classe mundial. Onde as empresas multinacionais baseadas no Brasil falavam: "eu quero uma solução de classe mundial, porque eu [quero aplica-la] aqui [Brasil], quero no meu escritório na Espanha, quero no meu escritório nos Estados Unidos, quero no meu escritório em Cingapura... eu quero, no mundo, alguém que me dê suporte mundial, que eu saiba que vai sobreviver [no sentido de continuidade de operação da empresas e, logo, de seu sistema operacional]... e aí, aconteceu o quê, cara? Aí, essas empresas [nacionais] começaram a retirar essas soluções locais e foram

                                                                                                                84

Esses acordos têm gerado discussões sobre sua legalidade à luz dos direitos dos consumidores e do Marco Civil da Internet. Afinal, um consumidor que assina um plano pós-pago da operadora TIM, por exemplo, e é assinante da Deezer acaba realizando um duplo pagamento para a empresa.

 

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para as soluções globais. E mesmo as empresas médias nacionais e pequenas nacionais também [migraram] para essas soluções mundiais... porque o valor, visto que é uma empresa que tem capilaridade mundial, o valor é mais baixo – às vezes, o valor é um pouquinho mais alto, porém, te dá um retorno muito maior... aí, elas acabaram migrando para isso." (Entrevista concedida em 29 de maio de 2013).

Essa adaptação do mercado local ao novos e grandes players internacionais não se fez sem disputas que são do âmbito propriamente cultural. Na verdade, um dos primeiros e principais desafios desses novos agentes no país era convencer os artistas autônomos e gravadoras independentes locais a investirem nos novos serviços digitais, não mais distribuindo gratuitamente seus acervos através das redes digitais. Isso exigia, porém, desestimular tais produtores de conteúdos a praticarem um modelo de negócio relativamente exitoso até então. Conforme se observou no capítulo anterior assim como em outros trabalhos (DE MARCHI, 2012), as experiências comerciais de bandas-empresas como O Teatro Mágico, Móveis Coloniais de Acaju, Forfun ou Calcinha Preta, entre outras, inspiraram diversos artistas iniciantes a desbravarem por si mesmos o mercado fonográfico num momento em que havia espaço para se experimentarem novos modelos de negócio. É importante observar que, mesmo que os catálogos mais valiosos sejam aqueles que contêm obras já conhecidas do público, produzidas por artistas de sucesso e cujos direitos pertencem a grandes gravadoras e editoras, a incomensurável produção de conteúdos de pequenos produtores (artistas autônomos assim como micro, pequenas e médias gravadoras independentes) é fundamental para as plataformas digitais, pois proveem a grande quantidade de conteúdos de que necessitam para abaixarem os preços de assinaturas e atraírem novos usuários. Porém, estariam os artistas autônomos e as gravadoras independentes dispostos a cobrarem por seus conteúdos, a partir de agora, no ambiente digital? Ser-lhes-ia útil investir nesses novos intermediários da indústria fonográfica? É difícil de obter uma resposta precisa, desde um ponto de vista econômico, devido a que a atividade dessas empresas no país ainda é recente. É mais interessante, portanto, tomar a questão desde uma perspectiva propriamente antropológica, como uma questão de cultura do mercado, ou ainda, como o embate pontual entre duas visões-de-mundo sobre o que deveria ser o mercado fonográfico digital. Nesse sentido, os novos intermediários da indústria fonográfica buscam passar segurança para os produtores de conteúdo brasileiros, sugerindo-lhes utilizar estrategicamente as novas plataformas de acesso a fonogramas digitais. É nesse sentido que se deve  

133  

interpretar o seguinte comentário feito por uma então funcionária responsável (no momento em que se escrevia este relatório, ela já não mais trabalhava na empresa) pela relação entre um agregador de conteúdos estrangeiro e os artistas brasileiro, ou label manager: "Trabalhar com os artistas independentes é fácil. Eles são muito rápidos, muito ligados [nas novidades tecnológicas]. [...] Com os selos [independentes], é mais complicado. O que eu [percebo] é que existe um pessimismo que faz muita diferença: “ah, mas o que tem o [mercado] digital? Por que tenho de fazer isso? Não vou ganhar nada!” [imitando o argumento dos donos de gravadoras independentes]. E a maioria dos selos não teve uma boa experiência com outros [agregadores de conteúdo]. Eles não acreditam no mercado digital. O que está faltando é que eles não veem [...] que têm a oportunidade de trabalhar seus catálogos, de lançar produtos antigos, de lançar compilações. Muitas vezes eles não enxergam essa possibilidade num sentido mais global." (entrevista concedida em 14/05/2013).  

Outra queixa constante relaciona-se à prática de distribuírem seus fonogramas gratuitamente pela internet. Incomoda-lhes o menosprezo pelas possibilidades de se monetizar seus fonogramas nas redes digitais e pela ideia de que os fonogramas não possuem valor na era digital. A mesma entrevistada afirmou que: "Eu acho que o modelo de O Teatro Mágico já é antigo. Esse modelo de dar tudo de graça já foi. Agora, eu acho que artista deveria ter um modelo mais divers[ificado]. Se quiser, pode colocar algo de graça, mas não d[ar] tudo de graça, porque tem também de educar o público. Hoje, precisa apenas dar um pouquinho [de dinheiro] para ouvir música boa, dando alguma coisa em troca para o artista. [...] Eu acho que o artista deveria poder escolher se dá de graça ou não. E, hoje, não pode escolher." (entrevista concedida em 14/05/2013).  

Essa afirmação não deve ser tomada como certa ou errada, tampouco como uma interessada reprodução dos interesses da empresa da informante. Deve ser entendida como uma formulação sintomática de uma visão-de-mundo materializada por um informante nativo que faz parte de um grupo de agentes que introduz novas perspectivas e práticas no mercado digital local e que coloca em questão práticas anteriores. Nesse mesmo sentido, argumenta com bom humor o presidente executivo de uma distribuidora/agregadora de conteúdos brasileira independente: “picolé de acerola e músico que dá sua música de graça só existem no Brasil!” (entrevista concedida em 21/03/2013). Refletindo seriamente sobre o assunto, porém, esse mesmo informante esclarece que muitos contratos que sua empresa tenta estabelecer com serviços de fonogramas digitais não são concretizados após os contratantes descobrirem que o artista distribui suas obras gratuitamente. O problema não é que se

 

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distribua gratuitamente apenas, enfatiza o informante, mas sim que falta um planejamento da condução da carreira dos artistas, o que se rotula de “estratégia”. O responsável pelos negócios de outro agregador de conteúdos, de capital americanobrasileiro, ou country manager, define com precisão essa perspectiva: "Eu não acho que [distribuir] a música de graça seja um problema. Pelo contrário, eu acho muito legal. [...] Teoricamente, o público está acostumado a receber música de graça. Então, você pode dar sua música de graça; você só tem que saber como mensurar e quando mensurar isso aí. [...] Deixe a sua música de graça, mas também deixe disponível para venda." (entrevista concedida em 03/04/2013).  

Ainda que não se possa falar de "vitória" no campo dos argumentos, pois não há dados precisos que comprovem qualquer afirmação sobre o assunto, o que se pode observar empiricamente através da busca na loja do iTunes ou nos serviços de streaming e nas publicidade de agregadores de conteúdo como a One RPM e a CD Baby, os quais trabalham com os artistas autônomos e pequenas gravadoras, que esse tipo de produtor de conteúdos digitais abraçou a possibilidade de disponibilizar sua obra nessa grandes plataformas digitais. Afinal, ter suas músicas no iTunes ou no Spotify concede prestígio ao artista, além de apresentar a possibilidade de gerar algum tipo de receita de onde não se esperava. No entanto, faz-se necessário mais tempo para que se possa tirar conclusões sobre os resultados dos novos intermediários digitais na economia da indústria fonográfica. Os números oficiais apresentados pela indústria fonográfica brasileira demonstram que o segmento digital se torna uma parte crescentemente importante do comércio fonográfico local. Como observado no capítulo anterior, entre 2006 e 2009, a receita gerada a partir do comércio de conteúdos digitais (vendas de arquivos e/ou assinatura de serviços via telefonia celular ou internet) se mostrava bastante tímida, com crescimento moderado, na melhor das hipóteses, representando entre 3% e 25% do total da receita da indústria fonográfica local. A partir de 2010, no entanto, os números apresentados pela ABPD revelam uma reviravolta nesse cenário, com um crescimento robusto das receitas, a ponto de ter reflexos decisivos no desempenho de toda a indústria fonográfica. Ao se observarem os números apresentados pela ABPD, verifica-se que após a drástica queda na arrecadação total da indústria fonográfica brasileira entre 2000 e 2009, conforme se mostrou no capítulo anterior, a partir de 2010, há uma retomada do crescimento, ainda que tímida, até 2012. No entanto, entre 2013 e 2014, o cenário muda radicalmente, como se pode notar no gráfico abaixo:  

135  

700   600   500   400  

347  

373,2  

392,8  

2011  

2012  

570,4  

581,7  

2013  

2014  

300   200   100   0   2010  

Arrecadação  (milhões  de  Reais)   Gráfico 12. Arrecadação total da indústria fonográfica brasileira, 2010-2014. Fonte: ABPD.

Ressalva-se que o abrupto aumento entre 2012 e 2013 se deve menos a alguma onda súbita de consumo do que a uma mudança importante na metodologia de medição do mercado aplicada pela associação85. De toda forma, não deixa de ser interessante notar que, entre 2010 e 2012, há um crescimento na arrecadação em relação ao decênio anterior, quando o viés era de queda contínua. Infelizmente, a mudança de metodologia impede que se alcance uma conclusão precisa sobre o crescimento na arrecadação da indústria nesses quatro anos. Não obstante, o fato de haver crescimento exige a atenta observação dos fatores que compõem esses números para que se possam fazer corretas avaliações. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a venda de discos físicos (CD, DVD e Blu-Ray). De acordo com os dados da associação, esse comércio continua em tendência de queda. Nos últimos relatórios da ABPD (2011, 2012, 2013, 2015), registra-se que em todos os anos houve retração no comércio desse tipo de produto, exceto no ano fiscal de 2011, quando foi contabilizado um aumento de 7,6%. Não                                                                                                                 85

É preciso observar que há uma importante diferença entre os valores divulgados pela associação referentes ao ano fiscal de 2013. Em 2014, a ABPD não publicou seu relatório propriamente sobre o ano de 2013, mas uma nota em seu site, na qual se registrava o valor de $374,1 milhões de Reais, o que equivalia a uma pequena diminuição na arrecadação. No entanto, naquele momento, a associação estava alterando sua metodologia de medição do mercado, a fim de se adequar ao padrão da IFPI. De acordo com essa metodologia, dever-se-ia contabilizar na medição das arrecadação da indústria fonográfica não apenas a venda de (a) CD, (2) DVD/ Blu-Ray e (3) segmento digital, mas sim (i) CD, (ii) DVD/ Blu-Ray, (iii) segmento digital, (iv) direitos de execução pública e (v) direitos de sincronização. Além disso, a entidade também deveria contabilizar as atividades do setor independente. Assim, em seu relatório referente ao ano de 2014 (ABPD, 2015, p. 3), aparece que a arrecadação dessa indústria em 2013 havia sido de $570,4 milhões de Reais (e não mais de $374,1 milhões de Reais) e de $ 581,7 milhões de Reais, em 2014.

 

136  

obstante, a diminuição na venda de CD foi o principal fator para que, entre 2010 e 2014, esse segmento se retraísse 18,53%, passando a arrecadar de $ 290,3 milhões Reais para R$236,5 milhões de Reais. Já o segmento digital aparece na contramão, apresentando um crescimento sustentado. Entre 2010 e 2014, sua receita passou de $ 53,9 milhões de Reais para aproximadamente $ 218 milhões de Reais, um aumento de 404,45%. O avanço do segmento digital é explicitado na ilustração abaixo:

250

218

200 136,3

150

111,4

100 53,9

60,9

2010

2011

50 0 2012

2013

2014

Arrecadação (milhões de Reais) Gráfico 13. Arrecadação do mercado de fonogramas digitais no Brasil, 2010-2014. Fonte: ABPD.

Esse aumento destacado, em face à tendência de queda na venda de discos físicos, fez com que a participação do segmento digital na composição da receita da indústria fonográfica total crescesse notavelmente. No período analisado, sua participação passou de 16% para 48%, como se pode ver no gráfico abaixo:

 

137  

60%  

54%  

53%  

50%   40%  

43,88%   31%  

31%  

27,75%  

30%   16%  

20%  

42,15%   36,46%  

48%   46,60%   37,50%  

30%  

28,37%   21,38%  

16%  

10%   0%   2010   CD  

2011   DVD/Blu-­‐Ray  

2012   Digital  

2013  

2014  

Execução  Pública/Sincronização  

Gráfico 14. Participação na arrecadação entre todos os formatos, 2010-2014. Fonte: ABPD.

Pode-se notar nessa ilustração uma diminuição na participação dos CD86 mais aguda do que no caso dos produtos audiovisuais. Além disso, os dados referentes a 2014 revelam que os royalties pagos pela execução pública e pela sincronização já fazem diferença para a indústria fonográfica. Esse quadro sinaliza que está em curso uma substituição não apenas de formatos consumidos (do CD para os arquivos digitais) como também (aliás, principalmente) da razão de ser dessa indústria, isso é, a substituição gradual da produção de discos pela monetização do acesso dos fonogramas e vídeos. Esse notável desempenho do segmento digital deve ser entendido através de sua composição. Até o ano referente a 2010, os relatórios da ABPD se restringiam a analisar o comércio eletrônico em duas categorias gerais: telefonia celular e internet. A partir de 2011, porém, a associação publica uma análise mais refinada, na qual se considera o desempenho da telefonia celular, da compra de fonogramas digitais (download pagos) e do acesso a conteúdos digitais em linha (os serviços de streaming, cujas receitas são divididas entre assinaturas e publicidade). Ao se observar cada categoria, obtém-se uma ideia precisa da evolução desse segmento de mercado:

                                                                                                                86

Em 2010, a venda apenas de CD arrecadou $187,3 milhões de Reais (ABPD, 2011, p. 6), enquanto que, em 2014, essa receita passou para $159 milhões de Reais (ABPD, 2015, p. 4), o que significa uma diminuição de 15,1%.

 

138  

80%  

71,30%  

70%   60%  

52,70%  

51%  

50%  

44%  

40%   30%  

32,58%   26%   21,30%  

25%  

23,63%  

20%   10%  

30%   19%  

4%  

0%   2011   Telefonia  digital  

2012   Downloads  pagos  

2013  

2014  

Streaming  (assinaturas  e  publicidade)  

Gráfico 15. Participação de arrecadação entre os formatos digitais, 2010-2014. Fonte: ABPD.

É interessante notar, em primeiro lugar, o robusto crescimento dos downloads pagos a partir de 2011, quando se inaugura a iTunes Store no país. Em segundo, chama a atenção o peso que os serviços de streaming apresentam nesse segmento, notadamente o aumento da receita que geram a partir das assinaturas para pacotes especiais de serviços. Finalmente, observa-se a diminuição substancial das receitas provenientes da telefonia celular, que representava cerca de 96% da receita do segmento digital em 2006 passando para 19%, em 2014. Ainda de acordo com o presidente da ABPD, Paulo Rosa, numa entrevista concedida ao portal de notícias na internet G1, das Organizações Globo, em 10 de agosto de 2015, no primeiro semestre de 2015, a receita gerada pelas atividades digitais já havia superado a venda de discos físicos, fato inédito no país (ORTEGA; SIMÕES-GOMES, 2015). À primeira vista, esses números sugerem que o mercado brasileiro está seguindo as tendências do mercado internacional, com o download pago e os serviços de streaming tomando o lugar não apenas dos discos físicos como também da telefonia celular e disputam os consumidores entre si. Mas seria possível identificar as mesmas tendências no Brasil? Para responder a essa questão, faz-se necessário observar as características de cada segmento do comércio eletrônico de fonogramas no país. Em primeiro lugar, destaca-se que o download pago enfrenta um considerável desafio para sua consolidação no país, uma vez que a Apple praticamente monopoliza-o, a empresa vende os arquivos com um preço atrelado ao dólar e exige o uso de cartões de crédito  

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com validade internacional para que se possa compra-los. Isso não apenas restringe significativamente o potencial de crescimento desse nicho de mercado 87 como também fica sujeito às variações na moeda americana, cuja valorização em relação à brasileira tem aumentado substancialmente desde o final de 201488. Nesse cenário macroeconômico, é possível prever uma rápida retração da venda de fonogramas digitais via iTunes já a partir de 2015, o que afetaria todo essa categoria de comércio eletrônico de conteúdos digitais. Os serviços de streaming encontram dificuldades semelhantes. Também eles exigem que seus usuários tenham cartão na modalidade crédito, não havendo ainda alternativas mais populares, como os boletos bancários, e seus preços devem se adequar a um padrão internacional, acertado pelas matrizes. Não obstante, como se comentou anteriormente, os serviços de streaming têm firmado acordos de serviços de música para as operadoras de telefonia celular, o que lhes aumenta o alcance de usuários assinantes89 (pese que esses acordos ainda devam ser analisados se respeitam o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor, Lei no 8.078/90). Além disso, como se discutirá na próxima seção, a insegurança jurídica em relação ao pagamento dos royalties dos direitos autorais e conexos aumenta seus custos de operação no país. Ainda que esses serviços tendam a ter uma diminuição menos sensível em seu número de usuários, graças à modalidade freemium de acesso aos conteúdos, é provável que sua receita caia devido à diminuição de assinatura de planos. Finalmente, cabe tecer considerações sobre a telefonia celular. É crítico observar que o consumo de música via telefones celular se modificou estruturalmente com a introdução do smartphone, como já se observou antes. Essa nova tecnologia, cujo funcionamento é similar ao de um computador pessoal, permite que se escutem                                                                                                                 87

De acordo com uma recente pesquisa publicada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC, 2015), estima-se que 52 milhões de brasileiros utilizem cartão de crédito. 88 A partir de 2014, devido a uma conjunção de fatores tanto da economia interna (como a expansão dos gastos do Estado e uma política econômica de desoneração de empresas) quanto externos (notadamente a valorização do dólar no mercado internacional e a queda no valor das commodities, categoria de produtos que o Brasil mais produz e exporta), a economia brasileira passou a enfrentar uma fase de estagnação (de fato, encontra-se em recessão técnica) e alta da inflação, o que exigiu do governo a tomada de medidas de contensão dos gastos e de retração do crédito para o consumo. Aliada à alta forte da moeda norte-americana em relação ao Real brasileiro, tais medidas tem afetado diretamente a capacidade de consumo das famílias brasileiras. 89 Outra estratégia dos serviços de streaming para o mercado brasileiro é permitir que os usuários assinantes de certos planos baixem arquivos temporariamente para a memória dos dispositivos móveis (smartphones), por reconhecer que a banda larga de internet é ruim no país.

 

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fonogramas virtuais ou se assista um vídeo musical através de aplicativos das próprias empresas eletrônicas (YouTube, Deezer, Rdio, Spotify, SoundCloud, além do iTunes que se funciona como reprodutor de arquivos digitais e loja virtual). De acordo a pesquisa Digital Future in Focus 2015, Brazil, publicada pela ComScore (2015), do tempo que o usuário brasileiro utiliza em smartphones, cerca de 86% são gastos em aplicativos (o restante, em sites na internet), mesma proporção em tablets (87%), aparelhos que já estão presentes em 11% dos domicílios no país, de acordo com o IBGE (2015) (sendo esses dados referentes ao ano de 2013). Daí que se note a diminuição da demanda por serviços oferecidos diretamente pelas operadoras de telefonia. Porém, é plausível se afirmar que o consumo de música via telefonia celular continue a ser bastante alto. Pesem tais gargalos, o atual cenário da indústria fonográfica é inegavelmente positivo. Não obstante, ele não está isento de disputas entre os agentes que compõem o mercado fonográfico. Ainda que os acordos da Apple e do Google com a UBEM e o ECAD, respectivamente, tenham criado condições mínimas para a entrada de outros agentes internacionais no Brasil, ainda existem muitas brechas nas leis reguladoras desse mercado e, portanto, uma forte insegurança jurídica para novos investimentos. Isso pode colocar em xeque a consolidação do mercado digital no país.

5.2. Transformação institucional e destruição criadora: conflitos de interesses e regulamentação do comércio de conteúdos digitais Apesar dos acordos do YouTube e da Apple com o ECAD e a UBEM, respectivamente, terem atraído outras empresas eletrônicas estrangeiras para o país e, com isso, impulsionado significativamente o mercado fonográfico digital, não se pode dizer que haja segurança institucional para novos investimentos no mercado local. Na verdade, testemunha-se o surgimento de novos conflitos entre tradicionais agentes da indústria fonográfica local e empresas eletrônicas, o que revela certa inadequação institucional do mercado à nova composição e funcionamento desse mercado. Isso dá início a uma nova rodada de disputas que devem dar nova feição às instituições, os reguladores institucionais da inovação. Nesse cenário de conflitos, há três disputas decisivas em curso, que se entrecruzam em diversos pontos. Tratam-se (a) do funcionamento do ECAD e a gestão coletiva dos direitos autorais no mercado digital, (b) a implementação do

 

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Marco Civil da Internet e (c) o projeto de reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98). Devido à complexidade de cada um desses temas, optou-se por abordá-los separadamente.

5.2.1. O ECAD e a gestão coletiva dos direitos autorais no mercado digital

Conforme se afirmou anteriormente, o acordo entre o Google e o ECAD para o pagamento de royalties de direitos autorais pelos vídeos exibidos no YouTube foi um dos fatores que facilitou a entrada de outras empresas eletrônicas estrangeiras no país, impulsionando o mercado fonográfico local. Apesar desse acordo ter permitido um diálogo entre empresas eletrônicas e o ECAD, ele esteve longe de resolver disputas entre essas partes e, o que é mais importante, dar total segurança jurídica para as empresas. Pelo contrário, entre os agentes do mercado há um sério questionamento da legitimidade do ECAD, com dúvidas em relação à transparência de suas práticas e seu modus operandi, assim como da própria legalidade de suas cobranças pelos usos das obras no ambiente digital. No início do 2012, o Google publicou uma nota oficial criticando o que considerava ser uma prática abusiva do ECAD. De acordo com a empresa, o escritório estaria cobrando royalties de direitos por execução pública de usuários individuais que compartilhavam vídeos hospedados no YouTube, o que constituía um desrespeito ao contrato celebrado entre as partes. Diante da repercussão negativa, o ECAD decidiu suspender temporariamente a cobrança. É interessante notar nesse episódio uma forma típica de atuação dessa entidade no que concerne a cobranças de royalties no ambiente digital: antes mesmo de qualquer discussão sobre a legalidade da cobrança, o ECAD se impunha diante dos empreendimentos eletrônicos como a entidade para a qual se deveriam pagar os royalties por execução pública. No entanto, é cabível perguntar: a distribuição de conteúdos digitais como o streaming ou o download seriam categorias que se adequam perfeitamente ao conceito de "execução pública" conforme consta na Lei no 9.610/98? Ou seriam categorias de consumo individualizado, não caracterizando execução pública? Foi justamente esse tipo de questionamento que ocasionou disputas legais entre empresas eletrônicas e o ECAD. De acordo com o levantamento de dados realizado na pesquisa de Francisco e Valente (2016), a partir de 2009, é possível encontrar disputas jurídicas relacionadas  

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ao questionamento das cobranças do ECAD no ambiente digital. O primeiro caso de relevância para esta discussão foi o processo movido pelo ECAD contra a Rádio Oi, pertencente à operadora de telefonia celular Oi (Brasil Telecom S.A./ Portugal Telecom). Esta era uma estação de rádio por ondas hertzianas que também possuía uma página na internet através da qual oferecia duas modalidades de acesso aos seus conteúdos, quais sejam, o chamado webcasting e o simulcasting. O webcasting se refere à modalidade de acesso a conteúdos digitais através da transmissão de pacotes de dados (streaming) na qual o usuário escolhe individualmente o conteúdo que deseja ou não acessar, não estando obrigado a ver e/ou ouvir uma programação prédefinida pela empresa eletrônica. Já no caso do simulcasting, o usuário apenas acessa o conteúdo pré-programado pela empresa, sem a possibilidade técnica de selecionar outros conteúdos de acordo com sua vontade. Esta categoria de acesso de conteúdos digitais tem sido utilizada amiúde para a retransmissão de programas produzidos originalmente para o rádio e/ou televisão. No processo movido pelo ECAD, o autor pedia para que a versão em linha da estação de rádio pagasse os direitos de execução pública por toda programação que transmitia e/ou retransmitia via internet. A Rádio Oi argumentava que a cobrança pela programação transmitida também em ondas hertzianas constituía duplicidade de cobrança, uma vez que a empresa já pagava os royalties para o escritório pela transmissão analógica da mesma programação. Em primeira instância, entendeu-se que a cobrança constituía duplicidade, de fato. O ECAD recorreu e, na Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, concluiu-se, por maioria de votos, que a modalidade webcasting se adequava à definições para o pagamento de direitos autorais por execução pública, enquanto o simulcasting, não. Neste caso, sim, caracterizando uma cobrança em duplicidade. Essa decisão seria revertida posteriormente, mas vale sublinhar, como o fazem Francisco e Valente (ibid.), que nessa oportunidade, o tribunal se deteve na análise das categorias de webcasting e simulcasting e sua adequação ou não à definição legal de "execução pública". Então, o entendimento que prevaleceu entre a maioria dos desembargadores (dois entre três) foi o de que, pautando-se na definição da Lei de Direitos Autorais no 9.610/98, a execução pública se caracteriza ao se transmitir, comunicar ou colocar à disposição do público uma obra, através de qualquer meio ou processo (isso é, tecnologia da comunicação) e que os integrantes desse público recebem essa obra no mesmo lugar ou em lugares separados, ao mesmo tempo ou em tempos diferentes. Assim, entendeu-se que qualquer veiculação de obra musical pela  

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Internet constituía uma modalidade de execução pública, na medida em que ocorre o contato da obra com o público. Houve, porém, um voto contrário, no qual o desembargador não considerava nem o webcasting nem o simulcasting como caracteristicamente uma forma de execução pública, segundo a definição dada na lei. Recorrendo ao dispositivo de embargos infringentes, a Rádio Oi recorreu da sentença, sustentando a apreciação divergente do desembargador. Após uma nova análise das apreciações, o desembargador relator reverteu a decisão, em 31 de janeiro de 2012, concluindo que a modalidade de acesso a conteúdos digitais webcasting, configura um tipo de transmissão de dados "individual e dedicada" que "não se configura como execução pública de obras musicais, nem em local de frequência coletiva" (apud: Ibid., p. 252). Logo, as empresas de streaming que trabalham também com, ou exclusivamente com, webcasting não deveriam pagar royalties ao ECAD, uma vez que esta entidade somente pode cobrar pelo que se entende por execução pública. Francisco e Valente (ibid.) observam que essa decisão sobre embargos infringentes tornou-se uma jurisprudência para casos similares. É o caso da empresa eletrônica norte-americana MySpace. O MySpace foi uma das primeiras redes sociais na internet que acabou se especializando em música e, de certa forma, tornando-se também um dos primeiros serviços de streaming disponíveis no mercado internacional. Apesar de seu pioneirismo, sua trajetória foi tortuosa, sendo a empresa vendida em algumas oportunidades e praticamente perdendo seu espaço no mercado de conteúdos digitais. De toda forma, no segundo semestre de 2014, a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgou uma ação do ECAD contra a Fox Interactive Media Brasil Internet Ltda., dona do MySpace. No processo, o ECAD cobrava os valores que não foram pagos desde 2003,

entendendo que o MySpace se enquadrava em transmissão por meio de

webcasting, com a música sendo o conteúdo principal e com finalidade comercial. De acordo com o autor do processo, esse segmento deveria pagar mensalmente cerca de 7,5% da receita total, com o mínimo de 50 unidades de direito autoral, sendo o valor de cada unidade é de R$ 60,40 (GAZETA DO ADVOGADO, 2015). Ainda que, em primeira instância, tenha-se dado razão ao ECAD, os desembargadores da 10a Câmara Cível concluíram, de forma unânime, que a modalidade de webcasting não caracterizava uma forma de execução pública de obras musicais. Conforme a análise de Francisco e Valente (op. cit., p. 253-4), o relator do acórdão, Bernardo Moreira Garcez Neto, enfatizou a interatividade que o usuário tem individualmente com as  

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obras, no caso da modalidade webcasting, concluindo que se trata de um serviços de distribuição de conteúdos digitais; logo, não caracteriza execução pública conforme o Artigo 68, parágrafo 2, da Lei no 9.610/98. Evidentemente, o autor do processo recorreu, porém a revisão dessa conclusão foi mantida pelos desembargadores, tendo saído o resultado em 4 de fevereiro de 2015 (GAZETA DO ADVOGADO, op. cit.). A transformação em jurisprudência da decisão no caso ECAD vs. Rádio Oi e sua aplicação ao caso ECAD vs. MySpace indica um entendimento do judiciário brasileiro no sentido de que a pertinência do ECAD no ambiente digital é bastante limitada, tendendo a se tornar nula com o avanço do modelo de negócio das lojas virtuais e dos serviços de streaming interativos (webcasting). Sem dúvida, essas decisões apontam um entendimento de que os modelos de negócio das empresas eletrônicas constitui um tipo de distribuição das obras, cujo acesso é individual e para uso privado; não caracterizando, portanto, uma execução pública90. Ao limitarem o poder do ECAD sobre os novos modelos de negócio do mercado digital, tais decisões ajudam a aumentar a crise geral de legitimidade do escritório no mercado de música. Para compreendê-la, faz-se necessário revisitar sua história e as recentes críticas e acusações de que ele tem sido alvo. Não há espaço, neste relatório, porém, para uma discussão pormenorizada sobre a história da gestão coletiva no Brasil. Felizmente, isso pode ser encontrado em outras publicações (CPI, 2012; FRANCISCO; VALENTE, op. cit.; MORELLI, 2000; PRESTES FILHO, 2005). Cabe apenas lembrar o contexto político que levou à criação do ECAD. Historicamente, o Brasil se singulariza por ser um país no qual há diversas sociedades arrecadadoras de direitos autorais que disputam entre si a legitimidade de serem representantes dos autores em relação aos direitos de execução pública de suas obras91. Essa multiplicidade de entidades sugere não apenas a existência de diversos                                                                                                                 90

Em seu livro sobre o problema da gestão coletiva de direitos autorais no Brasil, Francisco e Valente (2016) observam que esse entendimento está longe de estar consolidado. Mais do que isso, esses autores apontam que há ambiguidades no texto da Lei no 9.610/98 sobre o que constitui "distribuição" e o que constitui "execução pública", problema que era contornável na época dos produtos físicos, mas que se torna crítico com a tecnologia digital. De toda forma, observam os autores, as discussões em curso na área do direito autoral dão a entender que os serviços de streaming realizam, de fato, uma distribuição das obras, individual e única, e que entidades como o ECAD não têm, portanto, o direito de cobrar por esses usos. 91 A primeira sociedade de gestão coletiva de direitos autorais fundada no país foi a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), em 1917, que ampliaria sua atividade de arrecadação de direitos autorais para a música em 1928. Dez anos depois, as demandas de intérpretes e compositores levariam à criação da Associação Brasileira de Compositores e Autores (ABCA) que, em 1942, transformar-se-ia na União Brasileira de Compositores (UBC). Entre 1946 e 1970, surgiriam distintas entidades arrecadadoras, como a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores de Música

 

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interesses em conflito entre os agentes por elas representados (distintas frações de músicos, editoras musicais, gravadoras e meios de comunicação) como também revela certa confusão na arrecadação e distribuição dos royalties provenientes da execução pública. Nesse contexto, não surpreende que houvesse um constante apelo ao Estado para centralizar a arrecadação e distribuição dos direitos em uma ou outra entidade. Tal apelo ganhou particular força no final dos anos 1960, na medida em que os governos da ditadura civil-militar (1964-1985) buscaram unificar o sistema autoral brasileiro através de medidas mais autoritárias. Num esforço para evitar a regulação por parte do Estado, em 1966, criou-se o Serviço de Defesa do Direito Autoral (SDDA) que reunia quatro das, então, maiores sociedades arrecadadoras (UBC, SBAT, SBACEM, SADEMBRA) a fim de unificar o sistema de cobrança. Não obstante, a exclusão de outra importante sociedade, a Sociedade Independente de Autores Musicais (SICAM), criou outra série de disputas que inviabilizou um consenso entre os agentes do subcampo dos direitos autorais. Ao mesmo tempo, articulava-se no governo uma nova legislação para os direitos autorais, processo que culminaria na aprovação de uma nova Lei de Direitos Autorais no 5.988 de 1973. Conforme avalia Rita Morelli (op. cit., p. 226 et seq.), a nova lei marcava a "grande realização modernizadora dos governos militares no campo autoral bem como sua intervenção mais autoritária", na medida em que muitas das emendas propostas ao PL por parlamentares da época não foram apreciadas devidamente e até mesmo tenham sido sumariamente excluídas por decisões do Executivo92. De toda forma, a nova lei criaria dois órgãos responsáveis pela centralização da arrecadação e distribuição dos direitos autorais, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e o Conselho Nacional de Direitos Autorais (CNDA). O CNDA deveria ser um órgão de consulta e assistência de fiscalização do                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             (SBACEM) (1946), a Sociedade Arrecadadora de Direitos de Execução Pública Musical do Brasil (SADEMBRA) (1956), a Sociedade Independente de Autores Musicais (SICAM) (1960). Em 1966, a SBAT, a UBC, a SBACEM e a SEDEMBRA reunir-se-iam para criar o Serviço de Defesa do Direito Autoral (SDDA), que incorporaria também a Sociedade Brasileira de Intérpretes e Produtores Fonográficos (SOCINPRO), a partir de 1967. No final de 1974, um grupo independente de músicos profissionais criaria a Sociedade de Música Brasileira (SOMBRAS) 92 a maneira autoritária pela qual o projeto de lei tramitou no congresso, permitiu que o governo retirasse uma emenda, proposta pelo deputado Franco Montoro, que instituía a numeração dos discos produzidos no país. De acordo com a autora, isso revelava que o governo atendera a um pedido do ABPD em detrimento dos interesses dos compositores e músicos, uma vez que, sem tal numeração, tornava-se impossível controlar a quantidade de fonogramas vendidos pelas gravadoras. Ao se considerar que a ABPD já havia conseguido que 50% dos direitos conexos fossem destinados aos produtores fonográficos, através do Decreto 61.123, constante na lei 4.944/66, fica patente que a balança do poder na questão dos direitos autorais havia mudado: as gravadoras tinham assumido um lugar de confiança junto ao Poder, tomando-o do campo autoral pioneiro.

 

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ECAD, o qual centralizaria a arrecadação e distribuição dos royalties derivados da execução pública de obras protegidas por direito autoral. Apesar de centralizar a arrecadação e a distribuição dos direitos autorais por execução pública numa entidade, a Lei no 5.988/73 não extinguia as demais sociedades arrecadadoras, tampouco proibia a criação de novas sociedades. Isso deu margem a ferrenhas disputas pela composição das direções tanto do CNDA quanto do ECAD. Daí que esse complexo arranjo institucional tardasse em ser efetivado: o CNDA foi criado apenas em 1976 e o ECAD, em 1977. Mesmo assim, o CDNA mostrou-se pouco eficaz e o ECAD, apesar de melhorar a arrecadação e distribuição dos direitos devidos, não resolveu as tensões existentes entre as entidades arrecadadoras, pois elas passaram a compor a assembleia geral do ECAD, conduzindo seu funcionamento e, logo, impondo seus interesses sobre o mercado de telecomunicação através do escritório. Nos anos 1990, com a chegada à Presidência da República de Fernando Collor de Mello, o Ministério da Cultura (MinC) seria rebaixado à categoria de Secretaria da Cultura e diversas de suas secretarias seriam extintas, entre elas, o CNDA. Isso faria com que o ECAD se tornasse uma   “associação [privada] gerida por associações [privadas]” (PRESTES FILHO, op. cit., p. 428), que são concorrentes, sem qualquer fiscalização por parte do Estado, o qual lhe concedia o monopólio para a exploração dos direitos autorais, contudo. Essa situação engendraria uma disputa por poder entre associações, resultando em constantes queixas de diversas partes (artistas, empresas de comunicação, frações da classe artística, entre outras) sobre a opacidade do modus operandi do ECAD. Com efeito, acusações em relação a formação de cartel, fixação do preço das licenças, apropriação indébita, falsidade ideológica, sonegação fiscal, entre outras, seriam registradas constantemente contra o escritório. Particularmente interessante para este relatório é a queixa sobre as disputas de poder entre associações e, na verdade, entre editoras e compositores, em relação à administração do ECAD. Tradicionalmente, o poder de voto das associações que compõem o escritório era determinado pela média de três fatores, quais sejam, a arrecadação total da sociedade, a representatividade do repertório que cada associação representaria e o número de associados. Em determinado momento, porém, uma mudança aprovada pela assembleia do escritório colocou a arrecadação total de cada associação como único critério de diferenciação, claramente privilegiando determinados atores em detrimento da maioria. Na entrevista concedida para esta pesquisa, um compositor, arranjador e maestro que se engajou na luta pela reforma do  

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ECAD sintetizou da seguinte maneira essa mudança: "[...] aí, houve um movimento da ABRAMUS [...] de absorver esses compositores [que se colocaram contra uma série de taxas redutoras que o ECAD passou a impor para a arrecadação do audiovisual] ... porque você sabe o poder na assembleia é de acordo com a arrecadação, né? Antigamente, não era. Eram três fatores que determinavam o peso na assembleia: arrecadação, representatividade do repertório e o número de associados. Com o tempo e por obra e graça do [José Antônio] Perdomo [que, à época, era superintendente da UBC], de quem você já deve ter ouvido falar, ele mudou esse critério e passou a ser só a arrecadação. E ele mudou esse critério quando ele, a UBC [União Brasileira de Compositores], era a sociedade majoritária; e a ABRAMUS ainda era pequena. A ABRAMUS cresceu vertiginosamente porque houve uma briga motivada pelo mesmo Perdomo por conta de percentual de DVD. Algumas entidades saíram [da UBC] e foram para a ABRAMUS, que passou a crescer. E aí, a partir de um momento, passou a ter peso comparável com a UBC. E, daí, você começou a ter a briga entre as duas. As duas juntas, detêm 80% da arrecadação total." (Entrevista concedida em 10/04/2014).

Em certo momento, essa composição de forças acabava privilegiando as associações que contavam com as editoras das multinacionais, que estavam divididas entre a UBC e a ABRAMUS. Em seu depoimento à CPI do ECAD, o compositor e maestro Tim Rescala foi bastante incisivo ao sustentar que essa divisão de poder privilegiava os interesses dessas empresas multinacionais em detrimento de outros compositores e editoras. Segue a transcrição de parte sua fala à Comissão de Inquérito: "Das 9 [nove] sociedades que o compõe atualmente, apenas seis têm direito a voto nas assembleias. Dentre essas 6, duas são responsáveis, sozinhas, por 80% da arrecadação: UBC e ABRAMUS. Na arrecadação de 2010, por exemplo, num total de 315 milhões distribuídos, 240 foram para as duas entidades, 120 milhões para cada uma. E por quê? Por quê elas têm mais autores? Por que seus repertórios são mais representativos? Não. Porque nelas estão as editoras multinacionais. Na UBC, cuja metade do repertório é de musica estrangeira, estão a EMI e a Sony. Na ABRAMUS estão a Universal/BMG e a Warner. O ECAD divulga regularmente um ranking dos maiores arrecadores, mas só inclui autores, como se estes fossem verdadeiramente os que mais arrecadam. Não são. Em 2010, por exemplo, a maior arrecadação foi da Warner, seguida por Universal, EMI e Sony. O primeiro autor só aparece na sexta posição do ranking. Por que o ECAD não divulga isso ? Para não tornar público o que para nós está mais do que claro. O interesse dessas editoras multinacionais é o que prevalece." (CPI, 2012, p. 1026-7).

Posteriormente, o depoente acrescenta que: "Desde 1989, a União Brasileira de Compositores é presidida, indiretamente, por uma multinacional. De janeiro de 1989 a dezembro de 1994, a presidência foi exercida pela EMI MUSIC LTDA. - DIVISÃO

 

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ITAIPU, representada por um contador. De janeiro de 1995 a março de 2002, pela EDIÇÕES MUSICAIS TAPAJÓS LTDA., também editora do grupo EMI, representada pelo mesmo contador. De abril de 2002 a 2006, pela EMI SONGS DO BRASIL EDIÇÕES MUSICAIS LTDA, representada também pelo mesmo contador. Em 2006 a presidência passou a ser exercida pelo compositor Fernando Brant, aqui presente. Porém, o contador passou a ser o superintendente, mas sempre representando alguma editora do grupo EMI. De 2006 a 2010, a superintendência foi exercida pela EMI SONGS DO BRASIL EDIÇÕES MUSICAIS LTDA, representada novamente popelo mesmo contador. E , finalmente, de abril de 2010 a março de 2014, pela EDIÇÕES MUSICAIS TAPAJÓS LTDA., como sempre, representada por este mesmo contador . Isso é o que se passa na UBC, mas na ABRAMUS, que duela, literalmente, com a UBC pelo poder na assembleia, não é muito diferente. Basta dizer que o presidente da entidade, que não é contador, mas advogado, é o mesmo há 29 anos, desde sua fundação. Na diretoria estão representantes da Associação Brasileira de Produtores de Discos, da Editora Universal, da Sony e da Warner Chappell. Que interesses vão prevalecer?" (Ibid., p. 1027-8).

A reprodução desse trecho de seu depoimento revela as disputas de poder entre associações, ou melhor, entre determinadas editoras com alto capital social e econômico (as multinacionais) e outros agentes do subcampo do direito autoral no Brasil, condensando-se no ECAD. Como se discutirá a seguir, essas disputas gradualmente abandonam o ECAD na medida em que sua capacidade de ação no ambiente digital tem sido severamente restringida, para avançar no próprio mercado, junto aos novos empreendimentos eletrônicos. Neste momento da narrativa, é importante sublinhar que a crescente insatisfação no meio artístico motivou a articulação de movimentos sociais que formariam grupos de pressão sobre o Estado para interceder na gestão coletiva. Esse é o caso do Grupo de Articulação Parlamentar Pró-Música93 (GAP) e da Associação Procure Saber94 (APS). O GAP foi criado em 2006, a partir de uma reunião entre artistas, produtores culturais e políticos de diversos partidos, com o objetivo de agir politicamente junto ao Poder Legislativo a fim de aprovarem medidas relacionadas ao campo da música no Brasil. Atualmente, o GAP reúne diversos artistas, entre eles, nomes de destaque como Francis Hime, Ivan Lins, Fernanda Abreu, Tim Rescala, Felipe Radiceti, entre outros. Já o APS é uma organização sem fins lucrativos, criada em março de 2014 por                                                                                                                 93

Sobre o GAP, veja-se sua página na internet (https://gritabr.wordpress.com/2011/11/23/o-que-e-ogrupo-de-articulacao-parlamentar-pro-musica-gap/), além de sua página na rede social na internet Facebook (https://www.facebook.com/GapProMusica.br?fref=ts). 94 Sobre o APS, veja-se sua página na internet (http://www.apsmusica.org) e sua página na rede social na internet Facebook (https://www.facebook.com/procuresabermusica?fref=ts).

 

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outro grupo de artistas e produtores culturais, com o objetivo de se mobilizar junto ao Poder Público em temas sobre direitos autorais e temas sensíveis para os produtores de conteúdo. A APS também reúne artistas de renome, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Djavan, Chico Buarque, entre outros. Essa reunião de produtores de bens culturais fazendo críticas públicas aos procedimentos do ECAD e organizados em grupos de pressão concedeu grande legitimidade ao surgimento de ações que visassem investigar e atuar sobre o escritório. Não há dúvida de que esse cenário foi importante para dar publicidade, por exemplo, à condenação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica 95 (CADE) do ECAD e seis de suas associações efetivas (com direito de voto) por formação de cartel, em 20 de março de 2013. De acordo com a nota divulgada pelo CADE, o ECAD também foi penalizado por abuso de poder dominante ao criar barreiras de entrada de novas associações no mercado de direitos autorais96. Ao total, as multas aplicadas somavam cerca de $ 38 milhões de Reais. Em nota oficial publicada em sua página na internet, o ECAD e as outras seis associações condenadas questionaram tal decisão, considerando-a um "retrocesso" no desenvolvimento da gestão coletiva de direitos autorais no país, uma vez que se sinalizava em direção a uma crescente competição entre as associações não em termos de repertório que administram, mas pelo preço das licenças concedidas97. Isso implicaria, de acordo com esse argumento, a diminuição das receitas distribuídas aos titulares de direitos autorais e conexos. Durante a entrevista realizada para esta pesquisa com um membro da diretoria de uma das associações, a União Brasileira de Compositores (UBC), a entrevistada fez uma análise dos interesses que, em sua opinião, motivaram a decisão do CADE. Em suas palavras: "Você tem uma política de governo, que você não pode nem dizer que é uma política de Estado, é uma política de governo, de governo do PT...                                                                                                                 95

Conforme publicado em sua página na internet, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, que exerce, em todo o Território nacional, as atribuições dadas pela Lei nº 12.529/2011, tendo como missão zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência. Disponível em: , acesso em 13 de set. 2015. 96 Nota disponível em: , acesso em: 12 de set. 2105. 97 A nota do ECAD e suas associações efetivas pode ser acessado através de um link na página da União Brasileira de compositores (http://www.ubc.org.br/Anexos/Comunicados/b93aead9a0d642ffae38d1ea82b42ade.pdf).

 

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[são] dez anos de governo do PT, que não é uma política de ter um Estado liberal, nem ultraliberal; é um Estado assistencialista – você nem pode chamar um Estado intervencionista, no sentido keynesiano [do termo] no sentido de [se ter] o Estado como o último recurso para movimentar a economia... ou com princípios listianos [que seguissem a política nacionalista preconizada pelo economista alemão do século XIX Georg Friedrich List] e que ... da função do Estado na produção de riqueza... é um Estado assistencialista, que não produz riqueza e que na área que interessa [ou melhor], na área que não interessa, adota, então, como solução mais fácil uma solução liberal de que o mercado é que tem de resolver [...]. Então, você não pode agora de forma monopolista, com práticas concertadas, anti-competitivas, não sei que, não sei que ... mas isso aí é o que? Isso aí é o outro lado da força capitalista, o da mídia, que é poderosa, que é concentradora mesmo, dos grandes grupos [empresariais] do mundo e que vão tomando conta das telecomunicações, dos sistemas de TV a cabo etecetera e tal, para quem interessa esse discurso, entendeu? Então, não importa o titular [de direito autoral]; importa dizer o seguinte... Eu não sei se viu uma entrevista infame do presidente do CADE? Gente, uma entrevista infame, na qual ele acusou o golpe por completo. Ele disse, ele colocou as seguintes palavras no jornal: [neste momento, a entrevistada fala como se estivesse transcrevendo as palavras do, então, Presidente do CADE] "o sistema ECAD está usando de argumentos... nós não condenamos os autores; nós condenamos o sistema ECAD e suas associações por considerar que eles não fazem uma representação... adequada dos titulares [de direito autoral]. Quem diz que nós condenamos os artistas e os criadores, [esses] são argumentos de cunho terrorista." [...] Aliás, é atribuição do CADE, do super-CADE, por acaso faz parte de sua lei ou atribuição determinar o que é uma representação adequada ou inadequada da gestão coletiva? Então, ele declarou [referindo-se ao artigo citado pela entrevistada] que aquilo ali havia sido um julgamento puramente político e de interesse de um conglomerado mesmo, essa Associação Brasileira por Assinatura representa todas... tem um mercado de R$17 bilhões por ano, concentrado nas mãos de duas empresas. Então, nesse ponto, o Estado brasileiro... não vamos falar de Estado... o governo brasileiro não tem uma política única, que é de estimular o crescimento do mercado digital, como uma ferramenta de crescimento econômico... não tem política nenhuma." (Entrevista concedida em 19/05/2013).

Além dessa inédita decisão de um órgão dedicado ao campo econômico, subordinado ao Ministério da Justiça, sobre a gestão coletiva de direitos autorais, estabeleceu-se mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dedicada ao ECAD, a qual resultou em medidas concretas, diferentemente das anteriores 98 . Formada em junho de 2011, a quarta CPI do ECAD publicou seu relatório final em abril de 2012 (CPI, 2012). Tendo como relatores os senadores Rodolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Lindberg Farias (PT-RJ), nesse documento comprovavam-se as denúncias dos crimes de falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso do poder                                                                                                                 98

Conforme se coloca no relatório da quarta CPI, ao longo de sua história, o "ECAD foi alvo de outras quatro CPIs: uma da Câmara dos Deputados (1995/96), e três das Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul (2005), São Paulo (2009) e Rio de Janeiro (2011). Todas apontaram graves irregularidades" (CPI, 2012, p. 1023-4).

 

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econômico (ibid., p. 1023-4). Logo, indicava-se o indiciamento de quinze pessoas ligadas ao ECAD. Conforme se afirma contundentemente na conclusão de seu relatório: "Todas as denúncias contra o Ecad apuradas por esta CPI apontam para uma direção única: é preciso promover uma profunda reforma no sistema de gestão coletiva de direitos autorais. Somente a mudança estrutural do sistema propiciará a superação de fraudes […]. É preciso desmontar o cartel Ecad. O Ecad exerce monopólio legal apenas para arrecadação e distribuição de direitos autorais; a lei não lhe conferiu o monopólio da fixação de preço no campo dos direitos autorais de música. Aplica-se, portanto, a Constituição da República, que assegura a livre iniciativa. Os preços a serem pagos pela fruição da produção artística devem ser fixados pelos titulares de direitos autorais e sua associações, individualmente, em regime de plena liberdade." (CPI, 2012, p. 1031-2).

Além disso, recomendava-se a recriação de um órgão de fiscalização das atividades do ECAD como o CNDA, vinculado ao Ministério da Justiça, uma vez que esse ministério já trabalharia com áreas conexas à gestão coletiva, como o sistema de defesa da concorrência (CADE), o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), o Conselho Nacional de Combate à Pirataria, o Cadastro Nacional das Entidades públicas e a gestão da qualificação de entidades da sociedade civil, como as OSCIPs (ibid., p. 1037). Esse relatório embasaria o Projeto de Lei (PL) no 129/12, o qual seria aprovado pelo Congresso Nacional e o Senado como a Lei no 12.853 de 2013. Nela, mantem-se o ECAD como uma entidade privada, sem fins lucrativos, sendo o único responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais por execução pública de obras musicais. Porém, estipularam-se dispositivos que visam dar transparência aos procedimentos do ECAD e, logo, eficiência à arrecadação e distribuição dos direitos autorais. Nesse sentido, o escritório passaria a ser fiscalizado pelo MinC, ou seja, as sociedades que compõem sua diretoria devem prestar conta ao MinC para estarem habilitadas a participarem da gestão do escritório. Além disso, a Lei ainda prevê a redução da taxa administrativa cobrada pela entidade, passando gradativamente de 25% a 15% em até quatro anos, com o restante destinado aos artistas, uma vez que se trata de uma entidade sem fins lucrativos. Em relação à administração do escritório, ressalta-se a exigência de mandatos de três anos para seus dirigentes, sendo permitida apenas uma reeleição, o que visa acabar com o controle do escritório pelos mesmos agentes ao longo de décadas. Há também uma mudança na distribuição do poder tanto nas associações quanto no ECAD: cada sociedade passa equivaler a um voto, ao contrário da regra anterior segundo a qual o poder de voto é

 

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proporcional à arrecadação total da sociedade. Além disso, estipula-se que os chamados "titulares originários de direito autoral" (os produtores dos bens culturais) exerçam cargos de direção nessas entidades. Esse foi um dos pontos destacados na entrevista realizada com o diretor executivo de uma gravadora independente nacional que participou ativamente do GAP assim como do trâmite da nova lei: "Entrevistador: gostaria que você me dissesse o que considera [ser] mais importante [na Lei n 8o 12.853/2013]. O que realmente vai mudar o estado das coisas? Entrevistado: [...] A primeira questão [...] é a [diferenciação entre] os titulares originários e os titulares derivados de direito autoral. Quem são os titulares originários? São aqueles que efetivamente criam: autores, compositores, músicos [intérpretes] e até produtores fonográficos, que são os que, pelo menos, contratam músicos, contratam arranjadores para criar um fonograma [é preciso sublinhar nessa frase certa crítica às editoras, as quais lucram com as obras dos artistas sem que invistam na produção musical diretamente, tema que surgiu durante a entrevista, antes dessa parte citada]. Estes são titulares originários de direitos conexos, tanto os intérpretes quanto os músicos quanto os produtores fonográficos. Os originários de direito autoral, de autor, são os compositores e os autores. E os editores são chamados titulares derivados, porque, ao assinarem contratos de edição com os criadores, eles passam a poder administrar aqueles direitos, de forma derivada; não direta, não tendo criado nada. Então, ao fazer essa diferenciação na Lei e ao determinar que apenas os titulares de direito autoral originários podem ocupar cargos de direção nas sociedades e no ECAD, a Lei passa a impedir que as editoras exerçam a administração das entidades [...]. Isso é um desdobramento óbvio, direto, e que, com certeza, incomoda muito as editoras e está sendo objeto dessa Ação [Direta] de Inconstitucionalidade... quer dizer, a Lei [12.853/13] com um todo está sendo objeto da [Ação Direta de Inconstitucionalidade], mas com certeza esse é um ponto central nessa defesa [do status quo no campo autoral brasileiro]." (Entrevista concedida em 10/04/2014).

Como o entrevistado observa, o ECAD entraria com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.062) junto ao Supremo Tribunal Federal demandando a suspensão da Lei por se entender que ela fere certos princípios constitucionais ao permitir que o Estado interfira na gestão de uma atividade de direito privado. Essa ação começou a ser julgada em setembro de 2015 e, até o momento do encerramento deste relatório, não havia tido uma conclusão. Independentemente do desfecho dessa disputa legal, é inegável que o ECAD passa por uma grave crise de legitimidade entre a classe artística, o que afeta diretamente seu poder sobre o mercado de música. Em meio às crises de legitimidade e de legalidade do ECAD, outros atores do mercado fonográfico brasileiro tentam assumir um posto de protagonismo em relação à cobrança de royalties por direitos autorais e conexos no ambiente digital. Nesse sentido, destacam-se as editoras e as associações arrecadadoras. Conforme se discutiu anteriormente, a criação do ECAD resultava de uma luta política entre os atores do  

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mercado de música que discordavam da gestão das diferentes sociedades arrecadadoras sobre a arrecadação e distribuição de seus respectivos direitos. Com a atual crise do ECAD, portanto, retorna-se a um estágio em que essas sociedades arrecadadoras voltam a competir pelo direito sobre a gestão coletiva dos direitos autorais, ou melhor, retrocede-se a um cenário em que não existe uma entidade centralizadora das cobranças e, logo, diversos agentes se arvoram em cobrar as empresas eletrônicas, causando uma enorme confusão e desconfiança no mercado. Ao longo desta pesquisa, averiguou-se que, na opinião dos agentes do mercado, a postura das editoras musicais representava um dos principais obstáculos, econômico e legal, para o desenvolvimento do comércio digital de música no país. Como Francisco e Valente (op. cit., p. 271) também observam, ao contrário do que ocorre em outros mercados, as empresas eletrônicas precisam entrar em um acordo com as editoras antes de começarem a atuar no Brasil, o que se deve, sugerem, à ausência no país de um regime de licenciamento compulsório geral que estabeleceria royalties fixos pela utilização das obras musicais, somado à proteção dos direitos morais de autor. Ao que parece, essas negociações iniciais são difíceis e resultam custosas para as empresas eletrônicas. Como sintetizou a diretora do setor de novas mídias   de uma grande emissora de rádio entrevistada para esta pesquisa, quando perguntada sobre a principal dificuldade para inovar no mercado digital: "Essa parte dos direitos autorais é uma coisa que limita muito o desenvolvimento de produtos digitais. [...]. Por exemplo, [...] eu quero criar um produto em que eu possa deixar vários conteúdos on demand (por demanda) na TV por assinatura. Aí eu não posso porque tem de veicular esses produtos com preços especiais porque as pessoas podem escolher, então deixa de ser uma rádio[transmissão], não é uma sequência aleatória; há interatividade. [...] O problema é que a cobrança é algo fora do comum, que inviabiliza o seu produto. Eu não posso montar [um novo serviço digital] porque senão vou ter de dar 50% de receita... mas como vou dar 50% de receita de um produto com que eu nem faturo ainda?" (Entrevista concedida em 15/04/2013).

A dificuldade de se alcançar acordos razoáveis com as editoras está diretamente relacionada à fragilidade do poder do ECAD, isso é, da legalidade de sua ação no ambiente digital e, sobretudo, de sua legitimidade cultural no campo da música. Com efeito, muitos dos entrevistados se queixaram da duplicidade de cobranças feitas pelo ECAD e pelas sociedades arrecadadoras, a ponto das empresas eletrônicas terem de guardar os recibos de pagamento dos direitos feitos a uma entidade a fim de comprovarem a veracidade de sua contribuição para as outras. Desse cenário, emerge inclusive disputas entre associações arrecadadoras pela

 

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dominância no campo, notadamente entre a UBEM e a UBC. Como discutido inicialmente, a UBEM é uma associação recente, que reuniu as principais editoras do país (sobretudo, as editoras de grupos multinacionais, como a EMI Songs/Tapajós, Warner Chappell Edições Musicais Ltda., Universal Publishing/MGB e Sony Music ATV/SM) para celebrar o acordo de arrecadação e distribuição dos direitos conexos com a iTunes Store. Isso lhe dotou de capital social significativo no mercado, que deve lhe render acréscimos em capital econômico, o que lhe concede mais capital político entre os agentes do mercado, constituindo um círculo virtuoso para essa associação. Como a Apple somente paga os royalties de direitos conexos no Brasil à UBEM, um autor que queira receber dinheiro pelas vendas no ambiente digital deve se filiar à associação. No entanto, de acordo com seu estatuto, a UBEM não aceita associados individuais e, das entidades aceitas, ainda cobra taxas99. Isso deixa à margem do processo compositores autônomos e pequenas editoras, que venham a considerar as taxas de administração cobradas pela associação altas em relação às suas possibilidades de receber royalties pelas vendas no iTunes. Deve-se acrescentar que nem todo o repertório internacional utilizado no Brasil é coberto pela UBEM. Cria-se, assim um espaço para que outras associações busquem atuar. Esse é o objetivo da UBC, conforme afirmou um membro da diretoria da associação em entrevista concedida para esta pesquisa: "Então, no Brasil, esse serviço interativo [feito pela BackOffice] na parte dos direitos de reprodução e distribuição está controlado por esse grupo de editoras, que através de sua associação [a UBEM], que é apenas um trade organization apenas para estabelecer mercado, está coletivamente gerindo isso. Só que eles não têm 100% do repertório. Porque existe uma considerável... sei lá, uns 10% do repertório que circula que não é desses associados dessa organização. [...] Além de tudo, existe o repertório BIEM europeu que eles, como representantes dos editores, ainda assim, não podem, nessa parte de reprodução e distribuição, ficar com os 100%, porque pertence às sociedades estrangeiras. A parte do autor está, pelo menos, sob controle [de sociedades estrangeiras]. Então, você pega uma organização como a UBC, em que eu desenvolvi aqui o departamento [de direitos] fonomecânicos, reprodução e distribuição, somente visando os direitos digitais. Então, eu tenho contrato com essas sociedades BIEN e tenho contratos com sociedades que têm direitos fonomecânicos e não é BIEN, que nem a MCPS [sociedade arrecadadora britânica para direitos fonomecânicos], por exemplo. Então, em tese, uma parte desses direitos do repertório estrangeiro, mesmo que eles sejam representantes do editor original lá [no país de origem da obra], o subeditor daqui não pode cobrar tudo. Pode corar uma parte do editor, mas a parte que é do autor, esse autor que é membro dessa sociedade BIEM, tem que ficar comigo. Então, olha só, quando vier aquele relatório [de vendas dos fonogramas digitais], aquele sales report, num formato tal

                                                                                                                99

 

Veja-se a página da associação (http://www.ubem.mus.br/home).

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(que também não está sendo obrigatório, mas cada vez mais os provedores vão aderindo porque eles vão encontrando mais facilidade de se relacionar com aqueles que [detêm] os direitos [autorais e conexos], ou então, que processam os dados em nome dos que têm os direitos), que é o formato DDEX (esse DDEX é todo um composto de linguagem de intercâmbio de uma grande quantidade de informação. Então, eles tem módulos. Ele tem um módulo que é para fornecer [informações sobre] a própria gravação. E tem um módulo que é para conversar sobre isso, sobre o sales report). Então, o iTunes, ou o Spotify, ou o Deezer, ou o Muve mandam um DDEX desse, no Brasil, para essa organização dessa associação de editores. Aí, eles não vão conseguir dar conta dos direitos de distribuição e reprodução de tudo. Então, vai ficar uma parte [de fora dessa distribuição das informações e, provavelmente, do dinheiro a ser distribuído para as editoras e autores] sobrando, porque eles não podem cobrar o que eles não têm. Então, você vai ficar com uma margem de uns cinco à dez por cento do repertório utilizado que está no limbo. Mas, [no caso da] execução pública, que aí já teve uma combinação informal [...] que a gente está tentando operacionalizar, ele vai dar conta de 100%, porque o sistema é centralizado. E todos juntos nessa centralização, dão conta de 100% do repertório. Mas significa que ele tem de mandar um relatório para esse aqui [para a UBEM] e que não vai resolver tudo, que ficar uma coisa no limbo [quantidade de vendas sem ser auferida, cobrada e, logo, distribuída] [...]. Agora, mandei outro relatório para esse pessoal aqui de execução pública [o ECAD] que possui um sistema centralizado, que vai me mandar um arquivo resposta que vai dar conta de 100% [do repertório] do relatório utilizado. Só se forem serviços interativos, está bem? O serviço de download, é um problema. O iTunes vai mandar [o relatório de vendas para a UBEM] e vai ficar esse limbo aqui, porque mesmo no download, eles não vão ter 100% do repertório. Porque vai continuar existindo o repertório BIEN e vai continuar existindo o repertório de muitas pessoas no mundo que não têm editor, editores que são independentes, que não fazem parte [de qualquer associação]. Então, a UBC está entrando nesse limbo aqui, hoje. Eu estou buscando... eu recebo os relatórios e aí eu posso saber... Eu não estou afim de entrar em disputa com esse pessoal aqui. Estou afim de combinar: 'olha, sobrou aqui e você [a UBEM] não vai ter condição mesmo de cobrar, então eu vou correr atrás... ou eu já tenho o mandato ou vou correr atrás e obter o mandato porque interessa à gente fazer esse dinheiro chegar no dono'. Essa é que é a minha função." (entrevista concedida em 19/04/2013).

Existem diversos aspectos a serem explorados nesta fala. Um deles é o mencionado "acordo informal" entre as associações e o ECAD para recebimento dos direitos de autor e de execução pública dos serviços digitais interativos, o que será discutido na conclusão deste trabalho. Outro é a precariedade dos acordos firmados entre as empresas eletrônicas internacionais e as sociedade arrecadadoras de direitos autorais e conexos no Brasil. Se num primeiro momento o acordo entre a Apple e a UBEM foi celebrado como a porta de entrada para a iTunes Store no Brasil, a ausência de uma centralização de todo o repertório disponível numa sociedade (nesse caso, a UBEM) abre espaço para diversas concertações entre as associações, gerando acordos que tornam o funcionamento do sistema ineficaz do ponto de vista operacional (como diria a mesma entrevistada, "o problema é que você [começa a ter,

 

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pelo menos,] três partes processando o mesmo relatório"), tornando o processo de arrecadação e distribuição dos royalties mais demorado e oneroso para todas as partes envolvidas. O terceiro ponto a se destacar é a concepção de "direitos digitais" e o entendimento da associação de que esse é um campo legítimo para que ela atue. O que se tem chamado de direitos digitais se refere ao entendimento de que a tradicional divisão entre os direitos de distribuição e reprodução (direitos fonomencânicos ou conexos) e os de execução pública (direitos autorais) se confundem no ambiente digital, podendo ser reunidos numa só categoria a fim de que se facilite a cobrança. Diante das restrições à atuação do ECAD para a cobrança de direitos autorais no ambiente digital, as associações têm se apresentado nesse segmento do mercado como as entidades responsáveis pela arrecadação e distribuição dos direitos conexos mas também dos autorais, inclusive se responsabilizando em repassar a quantia que seria referente ao ECAD posteriormente (pese o fato de que a legalidade dessa cobrança pelo ECAD estar posta em questão pela Justiça brasileira). Para tanto, a UBC afirma estar investindo em infraestrutura tecnológica para atuar no mercado digital. Uma de suas ações mais relevantes, conforme se explicou durante a entrevista realizada para esta pesquisa, é sua participação num projeto de desenvolvimento de uma base de dados de repertório internacional, a Global Repertoire Database (GRD), que reunindo sociedade de autores internacionais pretendia criar uma grande base dados internacional, facilitando diversos serviços de rastreamento de dados (matching) para as sociedades associadas e de licenciamento para as empresas eletrônicas relacionadas à música. Durante a entrevista, foi dito que a UBC tornou-se uma share holder desse projeto, que ainda estaria em fase de implementação, sendo a única representante no Brasil100. Esperava-se que, na medida em que esse sistema fosse implementado, ele concederia enorme capital tecnológico para a UBC no Brasil, diferenciando-a das demais associações. No entanto, em 9 de                                                                                                                 100

Essa afirmação é correta. De acordo com as informações públicas disponíveis, o desenvolvimento do projeto teria um núcleo duro, composto de 14 entidades, reunido sociedades de compositores, editoras e empresas eletrônicas: GEMA (Alemanha), SACEM (França), STIM (Suécia), PRS for Music (Inglaterra), APRA (Austrália), CISAC, Sony/ ATV/EMI Music Publishing, Universal Music Publishing, Warner Chappell Music, ICPM, European Community Studies Association (ECSA), iTunes, Google e Omnifone. Além dessas, haveria um grupo de 14 entidades que são share holders, ou seja, que ajudam o projeto através de financiamento, know-how e/ou suas bases de dados, que são APRA (Austrália e Ásia), ASCAP (EUA), BMI (EUA), BUMA (Holanda), GEMA (Alemanha), PRS for Music (Reino Unido), STIM (Suécia), SACEM (França), SOCAN (Canadá), SABAM (Bélgica), SGAE (Espanha), SIAE (Itália) e a UBC (Brasil). Sobre o projeto, cf. http://www.globalrepertoiredatabase.com

 

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julho de 2014, uma das principais entidades envolvidas nesse projeto, a sociedade de arrecadação britânica PRS for Music divulgou uma nota oficial na qual declara encerrados os trabalhos para o avanço do sistema integrado. Conforme se explica na nota: "Estamos desapontados pelo fato do projeto GRD não poder avançar como planejado, embora continuemos comprometidos com os princípios de um único ponto de registo de obras intelectuais e de reconciliação de ações de propriedade sob a governação ampla de partes interessadas. Esses princípios continuam a ser essenciais para o processamento eficiente de licenças multiterritoriais e distribuição exata de royalties para todos os usos de obras criativas. Estamos estudando ativamente formas alternativas de alcançar estes objetivos, aproveitando ao máximo a aprendizagem adquirida com o projeto GRD até o momento101."(GPR for Music, 09 de jul. 2014, tradução própria. Disponível em: , acesso em: 12 set. 2015).

Infelizmente, não foi possível acessar representantes da UBC para tratar do fim do projeto GRD. Não obstante, durante essa mesma entrevista concedida, a dirigente observou que experiências paralelas envolvendo parcerias bilaterais entre as associações comprometidas com o projeto global estavam sendo implementadas, o que pode compensar, em alguma medida, seu fracasso 102 . De toda forma, há indicativos sugerindo que o investimento dessa associação em capital tecnológico continua. Portanto, está claro que as principais sociedade arrecadadoras se movimentam para assumirem um papel de destaque no mercado digital de música. Mesmo que a dirigente entrevistada afirme, de forma convicta, que pretende se associar, mas não competir, com a UBEM, a capacitação tecnológica que a UBC está realizando aponta para um cenário futuro de competição entre associações para ser a única representante no país para as empresas eletrônicas, portanto, criando uma centralização da arrecadação e distribuição de direitos digitais de forma privada, sem uma fiscalização do Poder Público. As consequências desse cenário possível serão discutidas na conclusão deste relatório.                                                                                                                 101

"We are disappointed the GRD cannot move forward as planned, though we remain committed to the principles of a single point of works registration and reconciliation of ownership shares under broad stakeholder governance. These principles remain key to the efficient processing of multi-territory licences and accurate distribution of royalties across all usages of creative works. We are actively studying alternative ways of achieving these goals, taking full advantage of the learning gained from the GRD project to date." 102 Com efeito, à época em que a PRS publicou essa nota, muito agentes do mercado de música e da imprensa especializada consideraram essas parcerias paralelas como sendo um dos motivos para o abandono do projeto principal.

 

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5.2.2. O Marco Civil da Internet

Popularmente conhecida como o Marco Civil da Internet (MCI), A Lei no 12.965/13 tem sido considerada como uma vitória de setores da sociedade civil no que concerne à comunicação mediada por computador no país, na medida em que ela resguarda direitos fundamentais dos usuários da internet. Independentemente de qualquer avaliação axiológica sobre seu conteúdo, não há dúvidas de que o MCI marca um avanço importante no que concerne à regulação das redes digitais de informação, dando mais segurança a todos os agentes nelas engajados, como cidadão, empresas e o Estado. No caso particular do objeto de pesquisa deste relatório, o MCI apresenta um passo importante de adequação das instituições reguladoras do mercado fonográfico na era digital, porém insuficiente, como se discutirá a seguir. A origem do MCI se remete à resistência de movimentos sociais contra o Projeto de Lei no 89 de 2003, que visava criar punições para o que se classificava de crimes realizados pela internet, ou crimes cibernéticos, popularmente conhecida como Lei Azeredo, em virtude do relator do PL ser o Senador Eduardo Azeredo (PSDBMG). À época, considerou-se a ampla definição dos chamados "crimes cibernéticos" excessivamente autoritária e perigosa, desde o ponto de vista da defesa da liberdade de expressão e do direito à comunicação. Se a lista incluía atos ilícitos (como difusão de vírus, acesso não autorizado mediante quebra de dispositivo de segurança, cópia de senhas ou outras informações pessoais, estelionato eletrônico, roubo a bancos de dados, clonagem de cartões de crédito e débito), ela também tipificava como delito o acesso sem autorização prévia dos titulares material protegido por direitos autorais (fonogramas, livros digitais, produtos audiovisuais, fotografias etc.), propondo inclusive pena de encarceramento do infrator por um período de um a três anos. A partir da polêmica causada, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (CTS-FGV), deu início a uma discussão pública para a formulação de um anteprojeto de lei para a governança da Internet, inspirados na Resolução "Os princípios para a governança e uso da internet" do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br, 2009) . O resultado dessa construção colaborativa foi o PL no 2.126/2011. No entanto, o PL não avançou no Congresso Nacional devido, afirmam alguns

 

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autores (BEZERRA; WALTZ, 2014), à pressão do lobby das empresas de telecomunicações, notadamente as operadoras de telefonia celular, por entenderem que certas proposições ser-lhes-iam prejudiciais aos seus modelos de negócio, como se discutirá a seguir. Porém, em face do escândalo de vazamento de informações confidenciais da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (sigla em inglês, NSA), a partir do vazamento de documentos secretos pelo ex-agente da CIA, Edward Snowden, os quais comprovavam que o governo norte-americano espionava pela internet as atividades de indivíduos e empresas estrangeiras, incluindo governantes de diferentes países, entre eles, o Brasil, a presidente Dilma Roussef pediu que se votasse o PL em regime de urgência. Dessa forma, entre os dias 25 e 26 de março de 2014, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Congresso aprovaram o PL. No que concerne à presente discussão, destacam-se três tópicos da nova Lei: a questão da proteção à privacidade, a inimputabilidade da rede e a chamada neutralidade da rede. É evidente que cada um desses temas engloba uma ampla discussão sobre direitos civis e interesses comerciais, o que não será discutido aqui por razões de espaço. O que merecerá atenção neste relatório são questões como: (a) o questionamento a certas modalidades de negócio das empresas de telecomunicação e (b) a ausência de um tratamento específico ao tema dos direitos autorais. A questão da preservação da privacidade refere-se ao controle do próprio indivíduo sobre as informações que ele produz no ambiente digital (sites que visita, interesses por temas, pesquisas que realiza na internet etc.), a fim de que se evite a utilização não consentida de seus dados por terceiros seja em caso de crimes eletrônicos seja utilização indevida para publicidade por parte de empresas (CGI.br; CTS-FGV, 2011). Ainda que esse tema estivesse no centro da polêmica sobre espionagem internacional, que alavancou a aprovação do MCI, conforme lembram Arthur Bezerra e Igor Waltz (op. cit.), entre os Artigos 10 e 12 do MCI, trata-se da proteção aos registros dos usuários, porém não há uma regulamentação clara sobre o uso desses registros. Assim, "O Art. 10 estabelece que a guarda e a disponibilização de registros de conexão e acesso a aplicações na internet deve ocorrer de forma a preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas, determinando que o responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar informações que levem à identificação do usuário mediante solicitação judicial. Após o parecer do relator do projeto de lei, foram incluídos dados pessoais e conteúdo de comunicações privadas no escopo do artigo. Mas embora a lei proteja o usuário da divulgação imprópria de informações de caráter pessoal, não contempla o fato de que o uso comercial dessas informações em poder das

 

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empresas também poderia ser considerado uma violação de privacidade e da intimidade dos indivíduos." (BEZERRA; WALTZ, 2014, p. 166).

Isso permite que as empresas eletrônicas armazenem dados sobre os hábitos de consumo dos usuários e possam utilizá-los comercialmente, mesmo que sem o consentimento dos usuários. Não há dúvida, porém, que o tema mais controverso do MCI se refere à chamada neutralidade da rede. Prevista no Capítulo III, Seção I, Artigo no 9, estabelece-se que não haja discriminação em relação ao tráfego de informação nas redes digitais, sem distinção de destino, origem, serviço, conteúdo, aplicação ou dispositivo comunicacional (se computador pessoal, telefone celular, tablet ou outros). Com isso, as operadoras de telecomunicações que proveem o acesso à Internet, podem ter uma oferta diversificada de banda, porém, não podem bloquear ou limitar a velocidade de tráfego, dentro do pacote de banda contratado, privilegiando certos aplicativos, páginas da internet ou conteúdos digitais. Diferenciar o acesso às redes digitais por tipo de serviço ou de usuário constitui uma forma de discriminação de uso e abre espaço para o favorecimento a determinados agentes econômicos, diminuindo a possibilidade de escolha de empresas e pessoas físicas na Internet103. O tópico da neutralidade da rede foi bastante questionado pelas empresas de telecomunicações por entenderem que essa seção da Lei prejudicava certas estratégias comerciais que já vinham sendo utilizadas no país, notadamente o que se rotula nesse mercado de zero rating (numa tradução literal, seria algo como "taxação zero"). Esse tipo de estratégia comercial é bastante popular em países em desenvolvimento, e desde 2009, tem sido bastante utilizado no Brasil. Trata-se da oferta gratuita do provedor de acesso à internet no tráfego de dados apenas para determinado serviço, marcadamente para aplicativos populares como Facebook, Twitter, Waze e/ou WhatsApp. De acordo com essa prática, após o cliente esgotar sua franquia de dados, a operadora permite que ele continue usando uma aplicação ou serviço específicos, sem custos. Ainda que as empresas defendam que o zero rating proporciona a                                                                                                                 103

O conceito de neutralidade da rede se adequa, conforme observam Bezerra e Waltz (op. cit., p. 167), à resolução da Organização das Nações Unidas que considera o acesso à internet como parte dos Direitos Humanos. Inclusive, esses autores lembram, no Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pelo Brasil em 1992, estabelece-se no 2o parágrafo do Art. 19 que “toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito”, incluindo-se a comunicação mediada por computador através das redes digitais de computação, como a internet.

 

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ampliação do acesso à internet, principalmente entre as classes sociais menos favorecidas, pois impediria que o usuário tivesse cortado seu acesso à internet por falta de pagamento do plano ou fim do crédito, é inegável que essa prática constitui uma favorecimento de determinados agentes econômicos, minando, por conseguinte, a livre-concorrência e a competitividade no mercado de telecomunicações (CRUZ; MARCHEZAN; SANTOS, 20015, p. 11). Mesmo assim, as empresas de telecomunicações, "[...] alega[vam] que [o tópico da] neutralidade acarreta um prejuízo ao modelo de negócios baseado em vendas de planos específicos de tráfego, como os de acesso exclusivo a redes sociais, jogos ou vídeos. Esses planos bloqueariam ou reduziriam a velocidade para acesso a outros serviços ou páginas da internet. Outro argumento das companhias é o de que aplicativos gratuitos de mensagens instantâneas para dispositivos móveis, como WeChat e WhatsApp, estariam sobrecarregando a rede e reduzindo o uso de serviços pagos de SMS." (BEZERRA; WALTZ, 2014, p. 167).

Depoimento mais contundente nesse sentido foi dado pelo relator do PL do MCI, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), em entrevista concedida para esta pesquisa, sobre a oposição ao tópico da neutralidade da rede: "O ponto do projeto que gerou mais resistência foi, definitivamente, a neutralidade da rede. A neutralidade da rede determina que todos os pacotes de dados trafeguem pela web com isonomia, sem qualquer discriminação por sua origem, destino e conteúdo. Isso é basilar para o caráter livre, aberto e descentralizado da internet. Mas vai contra os interesses das empresas de telefonia, que providenciam e gerenciam os cabos que nos conectam à internet. Estas empresas queriam poder ofertar uma internet nos moldes da televisão por assinatura. A ideia era criar um plano básico, apenas com e-mail, sob o argumento de que isso democratizaria o acesso à internet, pois o preço seria menor. No entanto, seria cobrado um valor extra por cada serviço acessado além do e-mail. Então, para se fazer buscas no Google o usuário teria que pagar mais um pouco. Para mexer nas redes sociais, mais um acréscimo. Para ver vídeos no YouTube, mais dinheiro. Para usar o Skype então, que é um serviço que concorre com as ligações telefônicas das empresas, seria uma fortuna. Ou seja, a experiência completa que qualquer cidadão pode ter hoje seria privilégio de poucos mais abastados. A falta de neutralidade também abria portas para que os provedores de conexão fizessem acordos comerciais com determinados serviços para priorizar o acesso a eles. Por exemplo, um site de um jornal poderia concordar em pagar mais ao provedor de conexão para que os clientes do provedor recebessem com mais rapidez o conteúdo do site. Explicando em mais detalhes, os pacotes de dados com informações sobre o site desse jornal furariam a fila, passando à frente das outras demandas e chegando mais rapidamente ao usuário. É como se carros pudessem alugar sirenes, mediante um pagamento expressivo, para poder passar à frente dos demais no trânsito. Mais uma vez, os maiores sites, com mais recursos, seriam privilegiados. O internauta, então, acessaria rapidamente o site deste jornal, mas teria uma conexão mais lenta para ver um blog mais modesto. Isto afeta a liberdade de escolha do usuário. Quem passaria a fazer as escolhas seriam as empresas telefônicas, e não o cidadão.

 

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Ao contrariar estes interesses, o Marco Civil enfrentou dura oposição na Câmara de parlamentares que mais pareciam dedicados a garantir que as empresas fossem vitoriosas nessa queda de braço com o internauta. Desde o princípio, os especialistas consultados e eu entendemos que se tratava de um ponto inegociável, pelos prejuízos que poderia causar em caso de quebra da neutralidade. Felizmente, a sociedade civil, que participou ativamente da construção do Marco Civil, estava atenta e pressionou pela manutenção da neutralidade sem quebras, assim como o governo. E, assim, conseguimos articular a votação do projeto." (Entrevista concedida em 06/04/2015).

Com efeito, durante o trâmite do MCI, o lobby das empresas de telecomunicações conseguiu manter a diferenciação dos planos de dados e garantir práticas comerciais como o zero rating. Essa brecha na Lei tem permitido que certas operadoras ofereçam acesso a aplicativos, como o WhatsApp (Facebook), sem que implique em consumo de dados de internet de certos planos pós-pagos e pode dar brecha ao favorecimento dos serviços de streaming que, como se notou anteriormente, estão fornecendo a infraestrutura tecnológica e jurídica para serviços de música às operadoras de telefonia celular. Finalmente, há o tema da inimputabilidade da rede, ou exclusão de culpabilidade. Na Seção III do MCI, logo no Artigo 18, afirma-se que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, estabelecendo que o combate a atos ilícitos deve se voltar aos responsáveis finais, àqueles que de fato cometeram o crime. No Artigo 19, porém, estabelece-se que, para se isentar completamente de ser civilmente responsabilizado por danos decorrentes de conteúdos digitais introduzidos por terceiros, o provedor de conexão à internet deve atender às notificações judiciais que venham a exigir que os conteúdos considerados sejam retirados de linha e/ou páginas na internet se tornem indisponíveis como infringentes, desde que isso lhe seja tecnicamente possível. Não obstante, há certas situações que ficaram pouco esclarecidas na Lei, como por exemplo se a retirada de conteúdo pode ou não constituir violação da regra da neutralidade da rede. É o caso em particular dos direitos autorais. No Capítulo V, Disposições Finais, no Artigo 31, afirma-se que: "Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2o do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei." (LEI NO 12.965/ 2105, disponível em: <   http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm

 

163  

>, acesso em 12/08/2015).

Há dúvidas, por exemplo, sobre se o bloqueio de sites que hospedem conteúdos ilegais (notadamente, aqueles que constituem infração à Lei de Direitos Autorais), por parte dos provedores de conexão, implica ou não um tipo de tratamento discriminatório de pacotes de dados e, se nesse caso a resposta for positiva, se é cabível criar uma exceção à regra da neutralidade da rede para cumprir esse fim ou não. Conforme Mariana G. Valente discute no relatório sobre o debate público acerca do PL do MCI, realizado pela Associação Internetlab de Pesquisa em Direito e Tecnologia (CRUZ; MARCHEZAN; SANTOS, op. cit., p. 20), a previsão de bloqueio de pacotes de dados provenientes de servidores que hospedam conteúdo ilegal envolve três problemas, basicamente: "O primeiro é de ordem interpretativa, e diz respeito às exceções estabelecidas no art. 9o ao princípio da neutralidade, dentre as quais não está o bloqueio de pacotes de dados de servidores específicos, para a persecução de outros fins que possam ser entendidos como desejáveis. […] O segundo problema é de ordem política: estabelecer, na regulamentação do Marco Civil, um regime para a persecução a conteúdos infringentes a direito autoral significaria antecipar-se às discussões que devem ser estabelecidas democraticamente acerca de como melhor atingir a finalidade, que levasse em conta também outros direitos dos cidadãos. […] O terceiro está ligado a disputas já historicamente estabelecidas em torno da proteção a modelos de negócios baseados em exploração de direito autoral versus inovação tecnológica e outros interesses legítimos. O bloqueio de pacotes com o objetivo de obstar acesso a serviços por completo pode não diferenciar entre usos lícitos e ilícitos deles, o que pode significar uma abertura à censura de conteúdos legítimos. […]. A identificação de conteúdos específicos advindos de determinados sites, por outro lado, levanta preocupações graves a respeito de monitoramento." (VALENTE apud CRUZ; MARCHEZAN; SANTOS, 2015, p. 20).

Acima de tudo, abdicou-se de tratar no MCI da Lei de Direitos Autorais. Conforme os envolvidos na aprovação do PL observaram, isso poderia frear a votação, impedindo a rápida aprovação do MCI. No entanto, o resultado disso é que o MCI deixa lacunas importantes a serem resolvidas posteriormente, ou melhor, deixa lacunas que podem não serem resolvidas posteriormente. Isso dirige a atenção para aquele que talvez seja o mais delicado dos temas abordados neste relatório, qual seja, o andamento da proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais no Brasil.

5.2.3. O difícil projeto de reforma da Lei de Direitos Autorais  

164  

Para se compreender a complexa dinâmica de formulação de um anteprojeto de reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei no 9.610/98), faz-se necessário discutir o papel do Ministério da Cultura (MinC) nesse processo. Isso implica analisar a própria revitalização do MinC, uma vez que é pela iniciativa das pessoas que administram o ministério que a discussão sobre a reforma da lei se tornou um debate público e possível. O Ministério da Cultura (MinC) foi criado através do Decreto Lei no 91.144, em 15 de março de 1985, durante a presidência de José Sarney (1985-1990), atendendo a uma antiga demanda da classe artística brasileira pela existência de um ministério próprio, destacado das pasta da saúde e da educação (CALABRE, 2009). Entre as atribuições do novo ministério, incluía-se a competência do CNDA, o que legitimava a atuação do MinC sobre a Lei de Direitos Autorais. No entanto, desde seu princípio, a pasta enfrentou dificuldades para se consolidar por não gozar de capital político e, por conseguinte, por não ter um razoável orçamento. Prova disso é que três ministros se sucederam em pouco mais de um ano, até que o economista Celso Furtado assumisse a pasta. Sua gestão foi curta, entre 1986 e 1988, porém Furtado é considerado como o primeiro ministro a contribuir não apenas para a formulação de uma política pública para a cultura no país como também para a estruturação do ministério, criando secretarias e reorganizando institutos dedicados à área (BARBALHO, 2011; CALABRE, op. cit.; FURTADO, R., 2012). Com isso, Furtado dava os primeiros passos para que o MinC se tornasse um agente legítimo e atuante, na medida do possível, no campo da cultura. No entanto, os esforços de Furtado e dos outros ministros da pasta foram abandonados durante a fase de governos tidos como neoliberais. Trata-se, dizem especialistas, de um período de “retirada do Estado” do campo da cultura (BOTELHO, 2001; CALABRE, op. cit.; RUBIM, 2010). Ele se inicia com o governo de Fernando Collor de Mello, que promulgaria uma lei rebaixando o MinC à secretaria e dissolvendo uma série de departamentos subordinados. A recuperação do estatuto de ministério, em 1992, tampouco garantiu melhor sorte à pasta. Na gestão de Francisco Weffort como ministro da cultura (1995-2003), essa ausência do Estado aprofunda-se. Valendo-se apenas das leis de incentivo fiscal, na prática, o governo federal isentou-se de formular uma política nacional de cultura, esperando que o setor privado se tornasse a principal instância de decisão para a aplicação de recursos  

165  

públicos na cultura (BOTELHO, op. cit.). A cultura era apresentada como um “bom negócio”, para utilizar os termos do documento publicado nesse período pelo ministério (MINC, 1995), pois deveria gerar lucro para as empresas e eximir o Estado de qualquer tipo de responsabilidade. O resultado dessa postura foi, na melhor das hipóteses, dúbio. Pesquisas posteriores demonstrariam que as principais empresas fomentadoras das atividades culturais via isenção fiscal eram empresas estatais (RUBIM, op. cit.). Sua consequência nefasta foi que as atividades culturais realizadas no eixo Rio-São Paulo acabaram sendo privilegiadas pela iniciativa privada, agravando as desigualdades da oferta de equipamentos e atividades culturais entre estados da União. Assim, acabou-se debilitando a legitimidade do MinC, sem se conseguir criar um sistema eficiente de financiamento privado da atividade cultural no país. Uma terceira fase se inicia com os governos neodesenvolvimentistas das coalizações encabeçadas pelo Partido dos Trabalhadores104 (PT). Em franca oposição ao momento anterior, esse pode ser considerado como um movimento de “trazer o Estado de volta”. A leitura dos documentos do MinC durante as gestões de Gilberto Gil (2003-2008) assim como a primeira de João Luiz Silva "Juca" Ferreira (20082011) deixa patente o esforço feito para tornar o ministério o agente central na proposição e implementação de políticas culturais (ALMEIDA; ALBERNAZ; SIQUEIRA, 2013). Como prefere sintetizar Antônio A. C. Rubim (2010), o MinC                                                                                                                 104

Diante do fracasso das políticas neoliberais implementadas no continente latino-americano durante os anos 1990, inicia-se uma sequência de eleições de partidos ou de coligações de partidos de orientação de centro-esquerda ou esquerda, cujas propostas de campanha traziam como marca distintiva um discurso antineoliberal. Os recentes governos desenvolvimentistas latino-americanos apresentam dois tipos de diferenças econômicas e políticas em relação ao desenvolvimentismo do período pós-colonial. Bresser-Pereira (2011) observa que tais governos se destacam no plano econômico fundamentalmente pelo papel que o Estado deve exercer na economia. No desenvolvimentismo clássico, o Estado agia como produtor direto, através de empresas estatais, obtendo capital para investir em setores-chave da economia na qual a iniciativa privada não teria capacidade de fazê-lo a contento. Atualmente, o processo de industrialização já se concretizou em alguns países e existe uma economia de mercado na maioria deles. Assim, o Estado tende a assumir um papel normativo, de facilitação e regulação das atividades privadas. Outro aspecto importante é que, se a industrialização era o principal objetivo das políticas econômicas desenvolvimentistas, os governos neodesenvolvimentista buscam ampliar as economias nacionais apostando em outros setores produtivos, como o agrobusiness e mesmo a economia da cultura. Isto evidencia que as políticas econômicas neodesenvolvimentistas não visam apenas gerar o crescimento interno dos mercados, mas também há um forte ímpeto de expansão internacional. Isso faz com que a antiga política de substituição de importações seja suplantada por uma política de competitividade internacional. Não obstante, analistas concordam em que todos esses governos defendem certo grau de intervenção estatal na economia, a fim de estabelecer uma correlação entre crescimento econômico e igualdade social. Neste sentido, pode-se definir essa nova tendência política, entendendo-a como “um modelo ainda em formação, que postula a construção de um espaço de coordenação entre as esferas públicas e privadas, com o objetivo de aumentar a renda nacional e os parâmetros de bem-estar social” (BOSCHI; GAITÁN, 2008, p. 306).

 

166  

vem tentado superar as "três tristes tradições" das políticas culturais no país, quais sejam, a ausência de políticas públicas para a cultura, o autoritarismo na formulação e implementação das políticas culturais em certos períodos da história política do país (ditaduras) e a instabilidade do seguimento das políticas culturais, quando foram propostas. Para tanto, ambos os ministros buscaram abrir um diálogo direto com agentes produtores de cultura a fim de ouvir suas opiniões, críticas e demandas. Com isso, a legitimidade do ministério foi sendo pouco a pouco recobrada dentro e fora do governo. Tal revitalização do MinC foi acompanhada da ampliação de suas competências. O acontecimento crítico para isso foi a adoção de uma nova concepção de “cultura”. Baseando-se na experiência anterior do PT na Secretaria de Cultura do município de São Paulo, o MinC passou a definir “cultura” como a “capacidade de invenção coletiva de símbolos, valores, ideias e comportamentos de modo a afirmar que todos os indivíduos e grupos são seres culturais e sujeitos culturais” (CHAUÍ, 1995). Nesse sentido antropológico, o termo se divide em três dimensões complementares: (a) como expressão simbólica, (b) direito à cidadania e (c) campo potencial para o desenvolvimento econômico sustentável. Isso tornou possível ao ministério apoiar manifestações culturais de diversos grupos sociais (como afrobrasileiros, indígenas e homossexuais), além de agir em favor da ampliação do acesso ao ambiente digital. Independentemente da eficácia dessas ações, essa nova postura criou condições propícias para que o MinC propusesse uma discussão pública sobre a Lei de Direitos Autorais no 9.610/98, com vistas a formular um anteprojeto de lei de caráter reformista. Assim, retomando o que Furtado propusera antes, as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira retomaram a perspectiva da cultura como motor de um novo tipo de desenvolvimento. Nesse viés neodesenvolvimentista, entende-se que a Lei no 9.610/98 materializa uma perspectiva maximalista dos direitos autorais, que resultava contraproducente para o pleno acesso e desfrute dos bens culturais, sobremaneira na era digital quando a rápida e massiva reprodução e distribuição de conteúdos digitais se torna mais do que tecnicamente possível, mas social e economicamente desejável. A partir de 2007, com a criação do Fórum Nacional do Direito Autoral, iniciou-se o processo de formulação de um anteprojeto de lei, cujo método de elaboração compreendeu audiências públicas, seminários nacionais e um internacional, reuniões setoriais, grupo de estudos sobre diversas leis de direitos autorais e uma consulta  

167  

pública através da internet105. Finalmente, em 2010, elaborou-se o Anteprojeto de Lei de

reforma

dos

direitos

autorais.

No

texto

publicado

na

internet

(http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral), merecem destaque os seguintes pontos: •

Cópia privada: o Inciso 1 do Artigo 46 reintroduzia o direito do indivíduo produzir uma cópia privada de um bem cultural (livro, filme, disco etc.) legitimamente adquirido, desde que para fins não comerciais e feito pelo próprio proprietário. Nesse sentido, a redação do texto faz-lhe semelhante a uma provisão que existia na Lei de Direitos Autorais de no 5.988 de 1973.



Transferência de mídia: no Inciso II do Artigo 46, por seu turno, concede o direito ao proprietário de um bem cultural (livro, filme, disco etc.) legitimamente adquirido de transferi-lo de suporte, desde que para fins não comerciais e feito pelo próprio proprietário. Por exemplo, deixaria de se caracterizar como violação de direitos autorais a transferência de faixas musicais de um CD comprado por um indivíduo para seu computador pessoal e/ou smartphone para usufruto próprio.



Licenciamento compulsório: no Artigo 52B, dava-se ao presidente da república a prerrogativa de autorizar, quando requisitado, o licenciamento voluntário de obras esgotadas, de obras cujos detentores de direito criam obstáculos não razoáveis à exploração, de obras cujos titulares dos direitos são desconhecidos (as chamadas “obras órfãs”), ou ainda, de obras cujos detentores de direitos não autorizam a reprografia.



Supervisão da gestão coletiva: o Artigo 98 estabelece que organizações de gestão coletiva dos direitos autorais devam voltar a ser

fiscalizadas pelo Poder Público, visando a transparência das atividades                                                                                                                 105

Conforme lembram Jhessica Reia e Pedro N. Mizukami (2015, p. 4), "[...] o Ministério da Justiça preparou um anteprojeto de reforma da lei, posteriormente submetido a uma consulta pública. Assim como no debate colaborativo do Marco Civil da Internet, o processo foi conduzido por meio de uma plataforma online, na qual o texto do anteprojeto podia ser comentado artigo por artigo. A plataforma ficou aberta entre 14 de junho e 31 de agosto de 2010, e recebeu 7.863 contribuições. Também foram recebidos documentos institucionais e particulares com posicionamentos sobre o texto proposto, os quais foram, igualmente, disponibilizados ao exame do público."

 

168  

dessas entidades. Como se discutiu anteriormente, esse artigo acabou se tornando uma lei em seus próprios termos. Não estão sendo aqui analisados os detalhes técnicos do texto do Anteprojeto, o que pode ser encontrado em outros trabalhos (WACHOWICZ; SANTOS, 2010; WACHOWICZ et al., 2011). Com efeito, mesmo especialistas entusiastas da proposta criticavam certas partes do texto na medida em que sua escrita mantinha certas ambiguidades presentes na Lei em vigor e que deveriam ser alteradas. Interessa ressaltar que, mesmo assim, essas medidas dariam mais agilidade e segurança para o comércio de conteúdos digitais, facilitando o acesso às obras e seu usufruto. Se entrassem em vigor, a nova lei daria segurança jurídica ao consumidor para adquirir dispositivos midiáticos diversos e comprar mais e diferentes conteúdos digitais, sabendo que lhe é lícito fazer circular esse conteúdo entre seus dispositivos, o que seria um desincentivo para o acesso a conteúdos digitais através de fontes ilegais (pirataria) e, logicamente, fomentaria a economia da música. Afinal, além de se pagar pelos dispositivos midiáticos (smartphones, tabletes, computadores pessoais, televisões inteligentes, entre outros) e pelo acesso aos conteúdos digitais (através de lojas virtuais, serviços de streaming ou rádios na internet), poder-se-iam utilizar diversos serviços acessórios para organizar esses conteúdos em diferentes suportes (inclusive utilizando serviços pagos, como o iCloud, da Apple, por exemplo). Ao mesmo tempo, apesar de ser considerada uma revisão ousada, pois progressista na medida em que criava dispositivos que facilitavam o acesso aos bens culturais a partir do princípio de sua utilidade social106 (como no caso dos usos educacional e de preservação de obras raras ou fora de catálogo), mantinha-se intacta a vigência dos direitos autorais, que atualmente compreende a vida do autor mais 70 anos, ainda que

                                                                                                                106

Jhessica Reia e Pedro Mizukami (2015) observam que o caráter aberto da própria formulação do anteprojeto de lei causou polêmica, uma vez que ia contra a tradição de se tratar do tema Direots Autorais apenas através da discussão de especialistas, notadamente advogados que representavam os interesses dos titulares de direitos autorais, tendendo sempre a uma postura de maximização da proteção das obras. Nesse sentido, afirmam que: "Já no parágrafo único do art. 1o, o anteprojeto apresentava um sinal claro de que, ao contrário da postura isolacionista promovida pela literatura jurídica autoralista então dominante, procurava atingir maior equilíbrio com o restante do ordenamento jurídico: "A proteção dos direitos autorais deve ser aplicada em harmonia com os princípios e normas relativos à livre iniciativa, à defesa da concorrência e à defesa do consumidor". O artigo em questão pode até soar óbvio, mas a cultura em torno dos direitos autorais era, até então, fortemente insular. Não à toa, foi um dos mais controvertidos na consulta. Direitos autorais geralmente não são objeto de estudo em disciplina autônoma nas faculdades de direito do Brasil e, quando muito, o único contato dos alunos com o tema se dá via direito civil, no estudo do contrato de edição, ou via direito penal, a partir do crime de violação de direito autoral (art. 184 do Código Penal)." (Ibid., p. 4).

 

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em nenhum tratado internacional assinado pelo país se obrigue que esse período seja maior do que a vida do autor, mais 50 anos. Apesar de contar com o apoio de parte da classe artística e movimentos sociais em favor de acesso aos bens culturais, o anteprojeto também recebeu críticas de setores da classe artística e, notadamente, do empresarial (gravadoras, editoras, emissoras de televisão e estúdios de cinema) bem dotados de capital político e econômico. De forma geral, acusou-se o anteprojeto de lei como sendo uma forma de intervenção autoritária do Estado sobre o campo da cultura, que visava promover algum patrulhamento ideológico da produção cultural. Deve-se reconhecer que tais pressões surtiram efeito político. Após um longo período de formulação, levou-se à Casa Civil o anteprojeto de lei, em 2010. No entanto, o texto não avançou. Muito se deve, é verdade, à mudança radical de postura que se deu dentro do próprio MinC. No primeiro governo da presidente Dilma Roussef (2011-2014), convidou-se para ser Ministra da Cultura Ana Maria Buarque de Hollanda (janeiro de 2011 a setembro de 2012), intérprete e compositora, além de funcionária da Funarte, que se posicionava entre aqueles agentes contrários à reforma proposta pelo ministro anterior. Com efeito, Ana de Hollanda afastou-se dos movimentos sociais favoráveis à reforma da Lei 9.610/98, que davam legitimidade a Juca Ferreira, adotando uma postura bastante conservadora em relação aos direitos autorais107. Assim, pediu que o Anteprojeto de Lei retornasse ao MinC e o submeteu a uma nova rodada de revisão, mas desta vez feita por especialistas no tema, para depois o reenviar à Casa Civil, onde parece ter sido abandonado (REIA; MIZUKAMI, 2015). Sua sucessora, Marta Suplicy (20122014) tampouco mostrou interesse pelo tema (ou em outros igualmente sensíveis para o campo da cultura, como a mudança nas leis de incentivo fiscal para a produção cultural). Essa posição mudou somente no segundo mandato de Dilma Roussef, iniciado em 2015, com o retorno de Juca Ferreira ao MinC e com a retomada das discussões sobre a agora rotulada "modernização" da Lei de Direitos Autorais. Não obstante, pairam muitas dúvidas sobre o capital político disponível do MinC para retomar esse projeto e o levar adiante, como se discutirá na conclusão deste relatório (REIA; MIZUKAMI, op. cit.). ***                                                                                                                 107

Para uma análise das mudanças propostas pela equipe de Ana de Hollanda ao texto do Anteprojeto de Lei, cf. CGI.br; CTS-FGV, 2012.

 

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Observadas em conjunto, essas disputas pela transformação dos reguladores institucionais da inovação revelam importantes movimentos de diferentes lados no sentido de alterar marcos legais em relação às inovações tecnológicas e comerciais introduzidas no mercado de conteúdos digitais. Nesse jogo, por um lado, houve vitórias significativas do lado dos desafiantes (dominados), notadamente no caso da aprovação da lei que regula o funcionamento do ECAD e do MCI. Por outro, os tradicionais agentes dominantes desse mercado também conseguiram impor seus interesses em pontos determinantes desse processo de mudança, como no caso das brechas no MCI e da emergência das editoras de música no momento de crise de legitimidade do ECAD e até mesmo das gravadoras e da ABPD. Sobretudo, esse grupo de agentes demonstra seu notável capital político ao ajudar a inviabilizar qualquer reforma, ou "modernização", da Lei de Direitos Autorais, a mais importante legislação reguladora do campo. Até o momento, o resultado desses embates foi, pode-se afirmar, uma transformação desigual das instituições do mercado de música, pois as novas leis (a) dependem de outra legislação ainda pouco afeita às novas práticas comerciais do ambiente digital (Lei de Direitos Autorais), além de (b) apresentarem elas mesmas brechas que mantém a insegurança jurídica para os entrantes no mercado fonográfico. Tal situação pode afetar negativamente o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no país, uma vez que torna o investimento em inovações custoso e o retorno financeiro mais lento e arriscado. Sobretudo, não há transparência de informações para todos os agentes envolvidos nesse mercado. Ninguém sabe ao certo quem é quem (dominantes, dominados, intermediários), qual será o papel do Estado na regulação desse comércio, nem sequer há dados confiáveis sobre o comércio eletrônico já que a ABPD se encontra no pior momento de sua crise de legitimidade. É por essas razões que a insegurança jurídica foi apontada como o principal obstáculo para o desenvolvimento do mercado fonográfico digital. A seguinte reflexão, realizada pelo presidente executivo de uma gravadora independente brasileira em entrevista concedida para esta pesquisa, resume de forma exemplar a apreciação dos agentes do mercado sobre o tema: Não tenho dúvidas em dizer que o principal gargalo é o jurídico. A tecnologia não é problema. Existe tecnologia pronta para oferecer [serviços] de A a Z: streaming, download, plano mensal, plano semestral, o

 

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que você quiser fazer, em termos de tecnologia, você faz com facilidade. O grande gargalo é o jurídico. É o clearence, é você obter autorização suficiente para formar um catálogo de 20, 30, 40 milhões de fonogramas, que é o que vai interessar ao usuário. O usuário não quer apenas o catálogo da gravadora X ou da gravadora Y, ou só o artista Z. Ele quer um lugar onde ele vai e possa ouvir aquilo que ele quer. Então, hoje em dia eu vejo que aquilo que ele quer é um acervo que tenha pelo menos 20 milhões de fonogramas. Para você conseguir isso, você tem de falar com muita gente, obter a licença de muita gente e há uma dificuldade especial no Brasil de obter essas licenças. Esse é o grande motivo do Brasil estar atrás. Não é tecnologia; é barreira jurídica. São os imbróglios jurídicos. Em parte, podemos colocar [a culpa] nas cargas tributárias ou da estrutura tributária brasileira que é meio assustadora para investir no país. Tem isso também, mas eu considero essa uma parte que não é a mais importante. Até porque se passar a PEC da música, ela isenta também o fonograma digital e acaba com isso. E não é só falar com todo mundo. É ter boa vontade de chegar a um acordo. Nos termos do que existe no mundo. (Entrevista concedida em 15/02/2013).

Na conclusão deste relatório, apontar-se-ão cenários possíveis para esse mercado e se discutem os potenciais riscos para a indústria fonográfica nacional e a diversidade cultural no mercado de música brasileiro.                                                          

 

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6. Conclusão

Ao longo deste relatório, buscou-se tornar inteligíveis ações, disputas e interesses de agentes econômicos e do Poder Público a fim de que se criasse um quadro explicativo sobre o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil até o momento. Na conclusão deste documento, faz-se necessário analisar o campo de possibilidades apresentado tanto no cenário global quanto nacional, uma vez que, como se afirmou antes, não há como dissociar esses dois contextos. É necessário apresentar, em outras palavras, os diferentes conjuntos de possibilidades de desenvolvimento futuro desse mercado e analisar suas possíveis consequências para a capacidade de inovação tecnológica e comercial no Brasil e sobre o acesso aos bens culturais digitalizados, o que afeta a diversidade cultural no mercado brasileiro de música. Esta última parte do relatório está subdividida em três seções. Na primeira, discutem-se as tendências de desenvolvimento do mercado fonográfico digital no plano internacional, destacando-se a reorganização dos tradicionais agentes dominantes da indústria fonográfica e as pressões exercidas sobre as empresas eletrônicas, notadamente, os serviços de streaming. A observação dessas movimentações dos agentes econômicos revela uma tendência à concentração empresarial no segmento digital e uma crescente dificuldade de acesso amplo a conteúdos digitais de música, o que tende a afetar direta e negativamente a diversidade cultural no mercado internacional. Na segunda, aborda-se o cenário brasileiro, levando em conta as consequências da insegurança jurídica para a inovação comercial e também para a circulação de conteúdos digitais produzidos no país. Diante do cenário analisado, na última parte, apresentam-se recomendações que, acredita-se, podem informar ações tanto de agentes privados quanto do Poder Público tendo em vista a consolidação do mercado fonográfico digital de forma a proteger e fomentar a diversidade cultural no mercado local de música.

6.1. Disputas pelo Jukebox celestial e o futuro do mercado fonográfico digital global

 

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No relatório da IFPI sobre o mercado digital internacional relativo ao ano de 2014 (IFPI, 2015), a entidade chamava a atenção para a diminuição da categoria de comércio de download pago. De acordo com o texto, ainda que o download pago ainda represente a modalidade mais lucrativa de comércio de conteúdos digitais, ela registra a segunda queda seguida: 2% em 2013 e 8% em 2014 (IFPI, 2015, p. 21). Considera-se que isso se deva a uma combinação de fatores, entre eles a mudança na estrutura do mercado de tecnologias da comunicação (o aumento do consumo de dispositivos móveis, notadamente os smartphones), a concorrência com outras formas de entretenimento e a preferência de parte dos consumidores pelos serviços de streaming. Além disso, há de se notar que a maior loja virtual do cenário global é o iTunes, da Apple, e não está disponível na plataforma Android, que é dominante no mercado de smartphones e tabletes. Essa diminuição pontual tem como contraponto o crescimento dessa modalidade de consumo digital em países em desenvolvimento, especialmente na Ásia. Porém, na perspectiva da IFPI, tal diminuição revela tendências de longo prazo no mercados de conteúdos digitais. Essa expectativa se confirma ao se notar o crescimento dos serviços de streaming, sinalizando que os consumidores de conteúdos digitais tendem a utilizar com mais frequência as plataformas de acesso remoto do que comprar arquivos digitais para os baixar em dispositivos midiáticos específicos. Tal apreciação coloca, logicamente, enorme expectativa sobre os serviços de streaming para que sejam a principal categoria de comércio varejista da indústria fonográfica na era digital. Há de se considerar, porém, que essa conclusão sobre o protagonismo dos serviços de streaming não é uma questão de lógica, mas, sim, uma aposta econômica dos tradicionais agentes da indústria fonográfica. Ao contrário das lojas virtuais, que apenas pagam pelos direitos conexos, ou fonomecânicos (o que gera renda apenas para as gravadoras e artistas), em muitos países, o streaming ainda tem sido considerado como uma modalidade de execução pública, gerando dinheiro também para os titulares de direitos autorais, podendo gerar bastante dinheiro para um número maior de agentes no mercado de música. Mas seriam os serviços de streaming capazes de realizar tal expectativa? É importante notar que, ao contrário do que ocorreu no setor audiovisual, no qual os estúdios de cinema e televisão conseguiram alocar os serviços de streaming de vídeo numa etapa tardia de sua cadeia de distribuição de produtos (LADEIRA, 2013), privilegiando as salas de cinemas, a venda de DVD e Blu-Ray, os canais de televisão  

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pagos a cabo e, finalmente, a televisão aberta, a indústria fonográfica tem localizado os serviços de música numa posição cada vez mais de destaque. Atualmente, um álbum é lançado simultaneamente em lojas físicas e virtuais assim como nos principais serviços de streaming, com uma diferença de tempo cada vez mais curta. Na medida em que o download pago tem saturado seu potencial de crescimento entre as atividades de comércio de conteúdos digitais, o streaming se torna a principal vitrine da indústria fonográfica e lócus da monetização. No entanto, é preciso notar que esse tipo de empresa eletrônica se encontra numa posição delicada no emergente mercado de conteúdos digitais. Pesquisas recentes revelam que, na perspectiva dos consumidores de música, pairam dúvidas sobre o modelo de negócio dos serviços de streaming. Em primeiro lugar, a chamada "disposição para pagar" por conteúdos digitais via assinaturas ainda não pode ser considerada uma tendência de mercado. Pelo contrário, a maior parte dos entrevistados preferiria ou acessar os fonogramas gratuitamente (via alguma plataforma P2P ou YouTube) ou gastar seu dinheiro comprando fonogramas físicos ou digitais (GILETTI, 2012, NIELSEN, 2014). Essa opinião geral coletada em pesquisas de mercado foi muito bem formulada numa matéria de opinião sobre os serviços de streaming escrita pelo jornalista Goeffrey A. Fowler (2015), publicada no jornal britânico The Guardian, em 30 de junho de 2015. Em determinado momento de seu texto, Fowler argumenta que para os ávidos consumidores de música, os que escutam música por muitas horas ao longo do dia, mês e ano, buscando novidades incessantemente, os serviços de streaming seguramente representam um excelente negócio, pois se torna possível acessar uma vasta biblioteca de músicas (sempre quantificada em milhões de arquivos e sempre sob a promessa de crescimento) pelo preço de um disco por mês ou menos do que isso. No entanto, para os consumidores que gastam poucas horas de seus dias, meses ou anos consumindo música (e que representam a maioria dos consumidores de música), a assinatura das mensalidades dos serviços de streaming não compensa economicamente. Em suas palavras, "Cerca de um ano atrás, eu parei de comprar músicas na iTunes Store, e comecei a usar o Spotify, que também cobra $ 10 dólares por mês para ouvir qualquer coisa sob demanda, sem publicidade. Quando eu chequei meus velhos recibos, descobri que minha assinatura Spotify custa o dobro do que eu costumava gastar em música. Sim, o dobro. [...] Com a [canção] de Aretha [Franklin], a mesma coisa: What you want? Baby, eu tenho [à disposição na discoteca do serviços de streaming]... contanto que eu esteja disposto a desembolsar $ 10 dólares por mês pelo resto da minha vida. Se streaming é ideal para você, depende do custo, do seu desejo de explorar

 

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músicas novas e diferentes, e de sua vontade de gastar dinheiro para possuir suas músicas." (FOWLER, 2015, tradução própria108).  

Essa sutil apreciação individual aponta deficiências graves no modelo de negócio dos serviços de streaming caso se considere que eles devam deixar de ser uma opção entre outras para o mercado fonográfico para se tornarem sua principal fonte de ingressos. Deve-se admitir que essas empresas reconhecem a necessidade de adaptar seu modelo de negócio e rechaçam publicamente o lugar central que a indústria fonográfica parece querem colocar o streaming. Em resposta a uma série de críticas feitas pelos artistas ao Spotify, sobre as quais se comentará a seguir, o diretor da empresa na América Latina, Gustavo Diament, afirmou em entrevista à revista Rolling Stone Brasil que os titulares dos direitos autorais e conexos devem entender que o dinheiro pago pelos serviços de streaming é apenas um “incremento” a outras fontes de receita; não um substituto à venda dos álbuns físicos e/ou virtuais (MIYAZAWA, 2014). Porém, a disposição dos tradicionais agentes da indústria fonográfica para aceitarem essa posição parece ser mínima. Há algum tempo, diversos artistas têm expressado publicamente seu descontentamento com o que consideram ser uma relação desproporcional entre a quantidade de acessos aos arquivos nos serviços de streaming, que podem alcançar a cifra de milhões, e as quantias repassadas pelas empresas aos titulares dos direitos autorais e conexos. Conforme se observou no Capítulo II, os serviços de acesso remoto apresentam outra lógica econômica, fazendo com que a margem de lucro das empresas seja baixa até que se obtenha uma massa crítica de usuários, quando se inicia um processo de monetização do acesso aos conteúdos digitais através de publicidade e assinaturas de planos. Essa economia de escala produzida pela demanda exige um tempo para se consolidar e gerar lucros substanciais, contrastando com o modelo da venda de unidades físicas ou virtuais. Isso se torna claro ao se observar a variação das taxas arrecadadas por cada acesso (stream). Recentemente, o Spotify revelou que cada audição de um arquivo hospedado em seu banco de dados gera uma                                                                                                                 108

A tradução literal dessa citação seria algo como: "About a year ago, I stopped buying tracks from the iTunes store, and started streaming on Spotify, which also charges $10 a month to listen to anything on demand without advertising. When I checked my old receipts, I discovered my Spotify subscription costs twice what I used to spend on music. Yes, twice. […] Aretha, again: What you want? Baby, I got it…as long I’m willing to shell out $10 a month for the rest of my life. Whether streaming is right for you depends on cost, your desire to explore new and different music, and your willingness to part with owning your tracks".

 

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quantia entre $ 0,006 centavos de dólares e $ 0,084 centavos de dólares para o detentor dos direitos autorais e conexos. Somem-se a esse cenário as dificuldades encontradas para se arrecadar e distribuir os royalties dos direitos autorais e conexos em diversos países do mundo. Resulta que o retorno aos titulares dos direitos autorais e conexos tende a ser baixo e instável, o que resulta nas críticas mencionadas. Por exemplo, em 2014, a cantora e atriz americana Bette Midler externou sua indignação, através de sua conta no Twitter, afirmando que: ".@Spotify and @Pandora have made it impossible for songwriters to earn a living: three months streaming on Pandora, 4,175,149 plays=$114.11109”. Também o compositor e cantor do grupo britânico Radiohead, Thom Yorke, queixou-se publicamente do Spotify, observando que a quantidade de dinheiro paga aos artistas independentes era muito baixa. Yorke inclusive mandou retirar do banco de dados dessa empresa o catálogo de sua outra banda, Atoms for Peace, como forma de protesto. Mesma medida tomada pela cantora de música pop Taylor Swift, por entender que o Spotify não “valorizava devidamente seu trabalho”, uma vez que permitia a audição gratuita de suas músicas em sua modalidade freemium. Posteriormente, a mesma artista publicou um post em seu blog criticando a estratégia da Apple de fornecer um período de degustação grátis por três meses em seu novo serviço de streaming. Em sua postagem, Swift afirmava de forma contundente: “We don’t ask you for free iPhones. Please don’t ask us to provide you with our music for no compensation110". É decisivo notar que esse descontentamento é apoiado por gravadoras e editoras. Em conferência promovida pelo The Wall Street Journal, em novembro de 2013, o CEO da Universal Music Group, Lucian Graige, revelou que o objetivo das grandes gravadoras e editoras é fazer com que os serviços de streaming forcem seus usuários a trocarem as formas de acesso gratuito pela subscrição, uma vez que a ameaça dos P2P parece estar controlada e a mensalidade é uma forma de ingresso mais alta, rápida e estável, equiparável à venda de discos físicos e/ou virtuais111                                                                                                                 109

Numa tradução literal, sua frase seria algo como: "o Spotify e a Pandora tornaram impossível a sobrevivência dos compositores de música: em três meses de streaming no Pandora, [tive] 4.175.149 de acessos [que equivaleram a] $ 114,11 dólares". 110 Numa tradução literal, sua frase seria algo como: "nós [os músicos] não pedimos para vocês entregarem seus iPhones de graça. Por favor, não nos peçam para entregar nossas músicas a você sem qualquer compensação por isso". Disponível em: . Acesso em: 27/6/2015. 111 O preço médio de um fonograma virtual na loja virtual iTunes é de $ 1,29 dólar, enquanto um álbum completo custa em torno de $ 10,99 dólares. Nesses preços, estão embutidos os pagamentos para diversos atores: 35% ficam reservados para a gravadora/artista, 12% para os compositores, 19% para a

 

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(KARP, 2013). Declarações dessa natureza deixam patente que, na visão de mundo desses tradicionais agentes dominante da indústria fonográfica, o modelo de negócio a ser seguido no ambiente digital deve ser o mais próximo possível daquele exercido na época dos discos físicos. Alvo nominal de boa parte das críticas dos tradicionais agentes da indústria fonográfica, o Spotify veio à público revelar, na medida do possível, seu modus operandi. Assim, criou uma seção especial em sua página na internet para explicar aos músicos como realiza os pagamentos pelo acesso aos conteúdos que administra. Publicamente, a empresa explica seu cálculo: receita líquida da empresa (composta pela venda de publicidade e assinaturas), menos a divisão entre o total de acessos que um artista obteve durante certo tempo e o total de acessos ao catálogo da empresa no mesmo período. Do montante resultante, 70% é pago aos titulares dos direitos autorais e conexos e os 30% mantêm-se com a empresa. Em sua análise da economia dos serviços de streaming, Carlos Taran (2015) observa que, nessa equação fornecida pelo Spotify, a parte que compete ao artista pode ser facilmente deduzida: deve-se apenas dividir o total de acessos que o artista teve num determinado período (um mês, por exemplo) pelo total de acesso ao catálogo no mesmo período, diminuir a parte que cabe aos detentores dos direitos autorais e conexos (70% da receita líquida da empresa) e dividir o resultado entre editoras e gravadoras (as quantias dependem dos contratos entre os artistas e esses agentes). O restante segue para o músico. Apesar de simples, Taran (ibid.) sublinha um grave problema nessa equação, qual seja, os serviços de streaming não revelam os números a serem utilizados. Essa falta de transparência causa desconfiança nos outros agentes do mercado. Em suas palavras, "Imagine que nosso artista [hipotético, a título de exemplo] teve dez mil streams [acessos] em um mês e o valor pago por música no território em questão é de $ 0,006. Com as informações que lhe foram ofertadas ele poderá saber que sua receita naquele mês será de $ 60. O problema é que ele terá que conviver com algumas dúvidas: Essa receita é alta ou baixa? O pagamento está justo? Se ele teve dez mil streams, qual foi a quantidade total de streams para ele receber $ 60? Se recebeu $ 60, quanto recebeu a empresa de streaming que utiliza seu patrimônio? E sabe o que vai acontecer? Ele vai ter de conviver com essas dúvidas, porque os dados que deveriam ser claros, não são revelados." (TARAN, 2015, p. 9).

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            loja online, 14% para a distribuidora, 20% para impostos (os números variam de acordo com o país e com as cotas cobradas pelas empresas que medeiam o acesso de artistas e gravadoras às lojas virtuais). Assim, trata-se de uma fonte de renda alta, em curto espaço de tempo, que não exige qualquer adaptação do modelo de negócio para gravadoras e editoras. Em 2013, o download pago representou 67% do faturamento do segmento digital para a indústria fonográfica (IFPI, 2014).

 

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Além disso, continua seu argumento, a fórmula empregada (a divisão do total das receitas pelo o total de acessos, ou streams) favorece os artistas mais tocados. Isso causa distorções na divisão do dinheiro. Há casos em que os usuários da modalidade paga prefiram ouvir as obras de artistas mais especializados, enquanto os usuários da modalidade freemium prefiram as dos artistas mais populares. O faturamento do serviço de streaming obtido através dos assinantes tende a ser maior e mais estável do que o faturamento advindo da publicidade. No entanto, como a equação de divisão dos royalties pelos serviços de streaming desconsidera essa nuance, os artistas mais populares receberão a maior parte dos royalties pagos, pese que sejam os artistas mais especializados os que atraem um público que gera maior lucro à empresa (ibid., p. 10). No entanto, é importante observar que a falta de transparência é um ônus que deve ser igualmente distribuído entre todos os agentes da indústria fonográfica. Ao revelar que cerca de 70% de seu faturamento é reservado para o pagamento de royalties de direitos autorais e conexos, o que justificaria o fato da empresa ainda funcionar sem obter lucro após sete anos de existência, o Spotify jogou a responsabilidade do não recebimento dos artistas para as gravadoras e editoras. E há razão nesse argumento. Com efeito, de acordo com uma pesquisa feita pela firma de auditoria Ernst & Young, a pedido de uma empresa francesa do mercado de música112, da receita total dos serviços de streaming, a divisão do dinheiro entre as partes seria a seguinte:

                                                                                                                112

Os dados fornecidos nesse relatório foram publicados na página da internet de uma empresa de notícias sobre o mercado de música, a Music Business Worldwide (http://www.musicbusinessworldwide.com).

 

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6,80%   16,70%   45,60%  

Gravadoras   Plataforma   Compositor/Editoras  

10%  

Taxas   Artistas   20,80%  

Gráfico 16. Divisão da receita dos serviços de streaming. Fonte: Music Business Worldwide.

Porém, a mesma fonte afirma que, após o pagamento de impostos, o percentual da divisão do dinheiro entre titulares dos direitos autorais e conexos seria o seguinte:

10,90%   16%   Gravadoras   Editoras   Artistas   73,10%  

Gráfico 17. Divisão da receita dos serviços de streaming entre titulares de direitos autorais e conexos. Fonte: Music Business Worldwide.

O relatório da ONG Rethink Music Initiative em parceria com o Berklee Institute of Creative Entrepreneurship, da Universidade de Berklee (Estados Unidos), sobre as atividades financeira da indústria da música corrobora essas acusações de falta de transparência nos negócios de música, observando que, uma vez que as gravadoras recebem sua parte do dinheiros proveniente dos serviços de streaming,  

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elas pagam artistas com base em contratos que geralmente estipulam baixas taxas de royalties pela venda dos fonogramas (aliás, royalties projetados, em geral, pensandose o produto físico), contendo várias deduções, seguido de recuperação dos custos da empresa. O resultado disso é que pouco ou nenhum dinheiro fica nas mãos do artista (RMI; BICE, 2015, p. 3-4). Além disso, a falta de padronização dos relatórios gerados por empresas de varejo (lojas virtuais, serviços de streaming, rádios na internet etc.) faz aumentar o números de intermediários que processam esses dados e, logo, o tempo de processamento dos mesmo dados, gerando custos desnecessários para todas as partes envolvidas e aumentando a desconfiança sobre a apropriação indevida de dinheiro pelos intermediários dessa cadeia produtiva. Como se afirma em certo momento do relatório, "Infelizmente, o ditado 'siga o dinheiro' leva apenas a um denso matagal de micro-pagamentos e "caixas pretas" em que as relações entre direitos, royalties, processos e participantes, aos olhos de muitos, são deliberadamente obscurecido ou, na melhor das hipóteses, tornaram-se irremediavelmente complexo e ultrapassada. Eventos a serem pagos (performances, gravações, publicações) ocorrem, mas os pagamentos resultantes que gotejam de volta para artistas, escritores e produtores são baseadas em uma série de ultrapassadas estruturas, tecnologias, fórmulas e métodos que são comprovadamente incapaz de se manterem atualizados com o estado de criação de música e consumo de hoje. A tecnologia atual e a chamada "big data", teoricamente, deveriam resolver muitos desses problemas, então porque a indústria da música (e outras indústrias criativas) não tem sido mais agressiva na adoção de sistemas para rastrear com precisão as compras e execuções e fazer pagamentos a artistas de gravação e compositores?" (RMI; BICE, 2015, p. 5, tradução própria113).

Esse cenário de desconfiança mútua abre espaço para a consolidação de poderosos atores no mercado digital. Entre todas as novas empresas de streaming que começam a operar no mercado global, merece particular destaque neste relatório a Apple Music, o serviço de streaming da Apple. Disponibilizado ao público em 30 de junho de 2015, esse serviço passa a integrar um complexo de hardwares e softwares da Apple Inc., sinalizando uma tendência de concentração do mercado de conteúdos digitais114. Além de ser a produtora de computadores, tablets e smartphones, que                                                                                                                 113

"Unfortunately, the adage “follow the money” leads only to a dense thicket of micropayments and “black boxes” where relationships among rights, royalties, processes, and participants, in the eyes of many, are deliberately obscured or, at best, have become hopelessly complex and outdated. Payable events (performances, recordings, publications) occur, but the resulting payments that trickle back to recording artists, writers, and producers are based on a series of outdated frameworks, technologies, formulas, and methods that are demonstrably unable to keep pace with the state of music creation and consumption today. Technology and so-called “big data” theoretically should solve a lot of these problems, so why hasn't the music industry (and other creative industries) been more aggressive in adopting systems to accurately track purchases and plays and make payments to recording artists and songwriters?" 114 Sobre a Apple Music, cf. http://www.apple.com/music/

 

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contam com um sistema operacional bastante fechado (o IOS), a Apple tem buscado controlar também a indústria de conteúdos digitais. Não apenas ela detém a principal loja virtual de fonogramas como também aponta seus investimentos para o streaming. Apesar de enfrentar uma concorrência bem estabelecida de empresa já consolidadas no cenário global (Spotify, Deezer e Rdio, notadamente) a Apple entra nesse segmento com uma enorme vantagem sobre seus concorrentes. Conforme analisam os economistas Carl Shapiro e Hal Varian (1999), a Apple é um exemplo típico do fenômeno que eles classificam de aprisionamento tecnológico (lock-in), isto é, uma vez engajado numa rede de produtos e serviços de um produtor específico, os custos de transferência (switching costs) de tecnologia de uma empresa para outra são inibidores, a ponto de fazer o consumidor preferir manter-se fiel aos serviços da empresa mantenedora da rede. Conforme explicam, "Consideramos todos os usuários dos [computadores pessoais da Apple] Macintosh como parte de uma “rede Mac”. A Apple é a mantenedora dessa rede. A mantenedora de uma rede cria e administra aquela rede, esperando lucrar com seu crescimento. A Apple gerou a rede Mac com a introdução do Macintosh. A Apple controla as interfaces que governam o acesso à rede – por exemplo, através do preço cobrado pelo Mac, estabelecendo termos de licenciamento a partir dos quais equipamentos genéricos que podem ser produzidos, processando vendedores de equipamentos não autorizados. E a Apple é a maior responsável por realizar melhoramentos no sistema do Mac. A Apple também exerce forte influencia sobre o fornecimento de produtos complementares ao Mac, notadamente softwares e periféricos, através de seu controle das interfaces. Os consumidores desse computador estão levando uma rede [de produtos e serviços], não simplesmente um produto, quando compram um Mac, e a Apple deve desenvolver suas estratégias comerciais de acordo com isso. Construir uma rede implica mais do que construir um produto: encontrar parceiros, estabelecer alianças estratégicas, e saber como fazer as coisas acontecerem pode ser tão importante quanto possuir conhecimentos de engenharia." (SHAPIRO; VARIAN, 1999, p. 183, tradução própria115).  

Assim, um usuário de hardwares da Apple (MacBooks, iPhones, iPods, iPads, Apple TV, entre outros) tem uma propensão maior a utilizar os conteúdos oferecidos pela empresa, porque estão mais comodamente acessíveis, assim como o usuários dos                                                                                                                 115

“[...] We think of all users of Macintosh users as belonging to the "Mac network." Apple is the sponsor of this network. The sponsor of a network creates and manages that network, hoping to profit by building its size. Apple established the Mac network in the first place by introducing the Macintosh. Apple controls the interfaces that govern access to the network—for example, through its pricing of the Mac, by setting the licensing terms on which clones can be built, and by bringing infringement actions against unauthorized hardware vendors. And Apple is primarily responsible for making architectural improvements to the Mac. Apple also exerts a powerful influence on the supply of products that are complementary to the Mac machine, notably software and peripheral devices, through its control over interfaces. Computer buyers are picking a network, not simply a product, when they buy a Mac, and Apple must design its strategy accordingly. Building a network involves more than just building a product: finding partners, building strategic alliances, and knowing how to get the bandwagon rolling can be every bit as important as engineering design skills.”

 

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serviços de conteúdos digitais da Apple, através do iTunes ou da Apple Music, tendem a comprar os dispositivos da Apple para que desfrutem plenamente desse material. Estabelece-se, assim, um círculo virtuoso para a empresa, mas com graves consequências para a livre-concorrência nos mercados tanto de dispotivos de comunicação quanto de conteúdos digitais. Deve-se observar se esse aprisionamento tecnológico afetará positiva ou negativamente o desempenho do mercado de conteúdos digitais nos próximos anos. Além da Apple, também o YouTube (Google Inc.) lançou um serviço pago de streaming, o Music Key (https://www.youtube.com/musickey). Esse investimento causou estranheza entre os agentes do mercado digital, uma vez que os serviços de streaming que cobram assinaturas por pacotes de serviços queixam-se do acesso gratuito e majoritariamente legal provido pelo YouTube como uma forma de concorrência difícil de ser superada. O que se pode especular sobre esse movimento do Google é que o acesso gratuito oferecido pelo YouTube tende a ser gradualmente restringido em favor de seu novo serviço pago. Ao longo das entrevistas realizadas para esta pesquisa, muitos agentes do mercado de conteúdos digitais demonstram preocupação com a entrada desses grandes players da indústria de TI no mercado global, sugerindo a emergência de uma tendência de forte concentração empresarial no setor. Conforme a explicação de alguns entrevistados, fatores como os custos de licenciamento de conteúdos digitais e da distribuição dos royalties, a complexa tecnologia de armazenamento e distribuição dos conteúdos, a insegurança jurídica para os investidores e a necessidade de se expandir por todo o globo, fazem com que o negócio somente possa ser rentável, em longo prazo, para grandes empresas ou de telecomunicações ou de informática (como no caso da Apple, que pode investir no mercado de conteúdos digitais porque seu negócio de venda de hardwares subsidia os investimentos em conteúdos). Essa perspectiva foi exemplarmente exposta por um dos entrevistados, responsável pelo licenciamento de um serviço de streaming na Europa e África. Ao ser perguntado sobre os principais concorrentes dos serviços de streaming, ele observou que: "Além de iTunes, Deezer, Spotify, e todos os outros serviços de streaming, eu acho que existem outras empresas que precisamos prestar atenção, como o Netflix [...] o que vai impedi-los de também entrar no [negócio de] música?.. Porque, em última análise, e eu acho que é para onde estamos indo, você quer criar o máximo possível de valor para o consumidor em um único pacote, certo?   Então, se você pode oferecer filmes e música, e talvez prover acesso à Internet, prover acesso à telefone fixo etc., quanto mais coisas você reunir e fazer isso a um preço que as pessoas percebem

 

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como válido, você sabe, eles vão comprá-lo... Eu acho que o mercado convergirá nesse sentido, todos diferentes [conteúdos reunidos]: cinema, música, TV, Internet, telefone, eu acho que todos estes vão convergir em um grande [plataforma] no futuro." (entrevista concedida em 13/04/2014, tradução própria116).

Isso porque, justificou o entrevistado, os custo de entrada no mercado de conteúdos digitais está cada vez mais alto. Atualmente, para se obter um acordo com alguma grande gravadora ou grande editora, a quantia de dinheiro que deve estar prontamente disponível é alta, o que impede que pequenos empreendedores busquem desenvolver novos negócios com tais conteúdos. Daí que, como o mesmo entrevistado havia citado antes (citação reproduzida no Capítulo IV), uma vez realizados esses grandes acordos, torna-se interessante para tais empresas licenciarem os mesmos conteúdos para diferentes partes do mundo, gerando o avanço de algumas poucos empresas eletrônicas no mercado global. A tendência de concentração empresarial somada à complexidade da gestão coletiva dos direitos autorais e conexos geram uma perigosa combinação para a diversidade cultural no mercado global de música. Na medida em que as empresas eletrônicas de alcance global avançam sobre novos mercados nacionais, cria-se uma crescente demanda por conteúdos digitais locais. Não obstante, muitas das leis nacionais de direitos autorais não estão completamente adequadas às demandas do ambiente digital. O espírito dessas leis preza, em geral, a defesa de diversos interesses, buscando equilibrar os interesses comerciais dos titulares dos direitos às demandas sociais pelo acesso fácil aos bens culturais para a população sem diferenciações socioculturais, o que pode eventualmente retardar a liberação dos conteúdos antes que haja segurança jurídica para tal. Nesse choque de lógicas operacionais, entre a defesa do livre-mercado e a defesa de interesses soberanos de culturas locais e nacionais, alguns países podem se beneficiar em detrimento de outros, oferecendo uma maior quantidade de seus conteúdos no ambiente digital, colocando em risco a proteção e fomento da diversidade cultural nos mercados de comunicação e cultura. Um caso exemplar dessa delicada situação tem sido a União                                                                                                                 116

"Apart from iTunes, Deezer, Spotify, and all the other streaming services, I think that there are other companies that we need to watch, like Netflix […] what's going to prevent them from also entering [in the] music [business]? Because, ultimately, and I think that's where we [are going to] go, you want to create as much value for the consumer as possible in one package, right? So, if you can offer films, and music, and maybe Internet landline, and telephone landline etc., the more things you can bundle together, and do that at a price that people perceive as valuable, you know, they'll buy it… I think that the market is going to converge in that sense, all different [contents united]: film, music, TV, Internet, telephone, I think that all of these are going to converge in a big [platform] in the future".

 

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Europeia (UE). Contando com um parlamento supranacional, cuja ideologia em questões econômicas é marcadamente neoliberal, os membros da UE se encontram diante da difícil tarefa de equilibrarem a exigência de um livre-mercado europeu com o princípio fundamental de proteção e fomento à diversidade cultural no continente. Conforme explicou uma dirigente de sociedade arrecadadora de direitos autorais no Brasil, em entrevista concedida para esta pesquisa, esse caso é revelador das contradições que o mercado digital enfrenta atualmente: "Entrevistada: Acho que a tendência [na União Europeia] é complicada [a de reforçar uma desregulamentação dos mercados de comunicação, visando fomentar a competição entre países e preços mais baixos para o produtos culturais]... Se vem um novo Parlamento aí, a tendência é que [ele] tenha uma característica mais pró-mercado, mais liberal: "nós, a autoridade aqui, temos a função de forçar a desregulação desse mercado [de comunicação e cultura] para que ele possa, então, livremente se transformar num mercado europeu. [Mas] eles não conseguem lidar com as equações tais como [a proteção e o fomento da diversidade cultural]... [Num congresso europeu de direitos autorais de que a entrevistada participou] Eu vi uma apresentação da Maria Martin-Prat, uma espanhola lá que é [Chefe da Unidade de Direito de Autor na Comissão do Mercado Interno Europeu, Direção-Geral (DG MARKT), responsável pelo desenvolvimento e execução das regras da UE em matéria de direitos de autor e direitos conexos, bem como para as negociações internacionais em organismos como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual]... [...] e era um diálogo dela com a representante da Warner Chappell e o meu amigo [diretor] da sociedade [arrecadadora de direitos de execução pública] da Hungria, [...], que está ali perdidão na União Europeia como uma identidade heterogênea: [fala a entrevistada como se fosse o diretor húngaro] "o que eu vou fazer para me tornar um europeu e não matar a minha característica [cultural] húngara?". Então, isso é uma equação complexa, muito complexa. E aí, nessa discussão, ele di[sse]: "bom, agora, nós estamos num mundo de licenças pan-europeias. Aí o cara está na França [por exemplo], vai dar uma licença pan-europeia, e talvez ele não tenha de se conformar com tantas exigências como eu tenho, na Hungria, pela minha regra da Hungria [lei húngara de direitos autorais]. Já que eu estou submetido a uma série de exigência para que eu possa dar uma licença ou que eu possa funcionar como uma organização de gestão coletiva, que talvez ele não tenha no país dele [nesse exemplo, a França]. Então, está se criando um ambiente de concorrência quase que desleal, porque [o agente francês do exemplo] tem uma condição muito melhor para licenciar do que eu. E aí, eu fico como?". Ela [Maria Martin-Prat] só faltou dizer assim: "olha, é uma pena. Perdeu [no sentido de que o problema deve ser resolvido por ele e pelo governo húngaro; não pela UE]". Aí ele vira e diz: "vem cá, e o princípio europeu do respeito e estímulo à diversidade [cultural]? Onde fica?". Não tem resposta, não tem resposta. Entrevistador: Assim, você acaba forçando todos os países [da União] a adotarem as mesmas leis [de direitos autorais e conexos] dos países [dominantes na ordem político-econômica global]. Entrevistada: Exatamente. Só que adotar leis é uma coisa; outra coisa é você usar essa lei de tal forma que aquele outro princípio básico europeu, o de conservação da diversidade cultural, da língua, da forma de funcionar, e, portanto, do repertório [musical] converse com essa ideia de formação de um mercado altamente competitivo, na linha do livre mercado, num

 

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mundo europeu, num território europeu, num sei lá o quê europeu. Daí, você [entra em] uma discussão política mesmo." (Entrevista concedida em 19/04/2013).

Em sua apreciação, a entrevistada ressalta o desafio de se atenderem as demandas de um mercado de conteúdos que exige produtos com crescente rapidez e facilidade de acesso e uso ao mesmo tempo em que se respeite os direitos conquistados pelos criadores desses conteúdos e, o que é mais importante, defenda-se a diversidade das produções culturais dentro de determinada sociedade, de acordo com os valores da democracia e da pluralidade (cf. BOBBIO, 2000). Frédéric Martel (2012, p. 450) também sublinha esse fenômeno ao analisar as razões da dominância dos produtos culturais norte-americanos no mercado global de conteúdos digitais: "Os estúdios [de cinema], as [grandes gravadoras] e os conglomerados de mídia, que são os verdadeiros detentores do poder e os bancos do sistema, recuperam o capital mais precioso produzido pelas indústrias criativas: a IP, a famosa Intellectual Property, ou propriedade intelectual. Na verdade, o sistema americano de copyright e sobretudo a cláusula especial do direito do trabalho (o chamado work for hire) contribuem para a circulação mundial de conteúdos e sua adaptação a todos os suportes. Como não definem o artista como único detentor dos direitos sobre sua obra, eliminam o final cut, assim como o direito moral, e não comportam autorizaçãoo prévia, como é o caso no chamado sistema de "direito de autor" [droit d'auter] à europeia, o copyright e o work for hire revelam-se particularmente adequados à globalização e à época digital. Permitem reproduzir determinado conteúdo em todos os suportes e facilitam o versioning e a Global Media. Em compensação, reduzem a dimensão artística das obras e diminuem os recursos de proteção dos criadores frente à indústria." (MARTEL, 2012, p. 450).

É questionável a afirmação de Martel de que o dispositivo da work for hire (numa tradução literal, poder-se-ia rotular de "trabalhos por encomenda") facilite de tal forma a circulação de conteúdos culturais, porque também esses trabalhos têm se tornado cada vez mais objetos de disputas jurídicas entre os agentes que os encomendam e os produtores das obras. De toda forma, esse autor está correto ao afirmar que os Estados Unidos, assim como outros países anglófonos, possuem legislações que facilitam a produção e circulação de conteúdos culturais no mercado global de comunicação e cultura, tornando-se mais disponíveis em relação a outros tipos de conteúdos. Especialmente em mercados periféricos, onde as legislações de direitos autorais levam mais tempo para a liberação de conteúdos digitais, há um forte risco de perda de espaço de produtos locais para produtos da indústria internacional (ou melhor, anglo-americana). Observando todos esses fatores em conjunto, pode-se concluir que se

 

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configura um cenário delicado para o mercado fonográfico digital global. De uma lado, há fortes pressões para que as empresas eletrônicas não inovem em modelos de negócio e assumam estratégias comerciais que mantenham mais ou menos o modus operandi da indústria de discos físicos. No caso dos serviços de streaming, é possível que um considerável número de empresas não resista às pressões dos tradicionais agentes da indústria de música. Aliando isso à entrada de grandes players das indústrias de telecomunicações e informática, torna-se provável que, nos próximos anos, haja um intenso movimento de falências e aquisições entre empresas eletrônicas e, por conseguinte, uma concentração dos serviços de música com acesso remoto assim como já existe no caso das lojas virtuais (praticamente controlado pelo iTunes, da Apple, e pelo Google Play, do Google, que funciona nos sistemas Android). De outro, a dificuldade para se licenciarem conteúdos de diferentes países e a opacidade nas relações comerciais entre os agentes do mercado geram obstáculos e desestímulos para os pequenos e médios produtores de conteúdo. Se artistas autônomos e pequenas e médias gravadoras independentes não estiverem associados a agentes que consigam negociar com os principais agentes do mercado digital, dificilmente conseguirão obter uma receita razoável (ou mesmo conseguir obter qualquer receita), o que pode diminuir seu interesse em investir no mercado digital. A resolução desse quadro através, apenas, de fóruns globais de comércio parece ser improvável. Com efeito, faz-se necessário a adoção de políticas públicas nacionais de cultura e comunicação para tentar harmonizar as disparidades entre os mercados de conteúdos digitais em nível global, facilitando o acesso dos produtores de conteúdo nacionais de conteúdos a esse mercado assim como facilitando o acesso dos consumidores às obras digitais, garantindo seus direitos de acesso à informação e usufruto dos bens culturais. Mas como políticas nacionais podem afetar um mercado que funciona fundamentalmente de maneira global? Antes de responder essa questão, é preciso analisar o cenário do mercado fonográfico digital brasileiro.

6.2. Incertezas sobre o mercado fonográfico digital no Brasil O cenário brasileiro é igualmente complexo e delicado. De acordo com as informações obtidas nesta pesquisa, é possível identificar uma forte insegurança jurídica, que gera desconfiança e acusações mútuas entre os agentes desse mercado. Além disso, há também uma crescente incerteza em relação às condições política e

 

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econômica do país. Isso pode colocar em xeque investimentos nesse mercado e afetar a diversidade cultural nele. Um aspecto decisivo na atual conjuntura do mercado fonográfico brasileiro é a controversa atuação das editoras e das sociedades arrecadadoras de direitos autorais e conexos. Conforme se discutiu no último capítulo, desde a jurisprudência criada pela decisão do caso ECAD versus Rádio Oi, o ECAD teve sua legalidade para cobrar as plataformas digitais de acesso remoto, notadamente os serviços de streaming, bastante restringida. Com isso, as sociedades de editoras têm assumido protagonismo nas tratativas com as empresas eletrônicas. Nesse sentido, a UBEM se destaca, merecendo atenção, pois, ao seu modus operandi. É importante observar, em primeiro lugar, como essa associação faz a distribuição de poder internamente, entre seus membros. De acordo com seu estatuto117, e como já foi explicado, não se aceitam compositores autônomos, além de se cobrarem taxas dos associados, desestimulando a filiação de pequenas editoras. Além disso, Francisco e Valente (2016) explicam que a distribuição do poder de voto para a associação, definida pela Assembleia Geral da entidade, corresponde à arrecadação das editoras filiadas, sendo que as chamadas "associadas fundadoras" têm um direito a um voto a mais. Assim, as editoras multinacionais (EMI Songs/Tapajós, Warner Chappell Edições Musicais Ltda., Universal Publishing/MGB e Sony Music ATV/SM) detinham 107 votos, de um total de 174, segundo constava na documentação da reunião de diretoria de maio de 2012 (ibid., p. 275). Conforme concluem esses autores, parece haver uma reprodução da problemática distribuição de poder que se detectou durante a CPI do ECAD (2012) nessa associação (pode-se afirmar que esses mesmos critérios são detectados em outras importantes associações). Isso é particularmente importante porque essas associações estão assumindo um lugar dominante na gestão coletiva dos direitos autorais e conexos, mas escapam da reforma da gestão coletiva promovida pela Lei n. 12.853/13. Isso pode significar que, enquanto os eventos legalmente considerados como execução pública (como concertos ao vivo ou transmissão pelo rádio hertziano ou televisão) são da jurisdição do ECAD e, logo, passam a ser devidamente regulados pela nova Lei, uma parte significativa do mercado digital está abandona às decisões de agentes

                                                                                                                117

 

Disponível em: http://www.ubem.mus.br/estatuto#3

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privados, como as associações arrecadadoras, o que pode causar graves distorções nas relações comerciais entre os agentes desse mercado. Um exemplo extremo disso é que, também conforme detectado por Francisco e Valente (op. cit.), nas negociações entre as empresas eletrônicas e a UBEM, esta exige uma pagamento adicional daqueles sob a justificativa de que seria reservado ao ECAD. Dessa forma, 9% das receitas obtidas pelas plataformas digitais teriam de ser transmitidas à UBEM, correspondendo ao repertório representado por ela, enquanto um valor adicional de 3% deveria ser repassado ao ECAD, o qual distribuiria essa quantia relativa aos seus associados titulares como sendo respectivo aos direito de execução púbica. No entanto, deve-se lembrar que certas plataformas digitais não devem realizar pagamentos ao ECAD (iTunes, serviços de streaming, entre outros que operam com a modalidade webcasting), o que gera uma situação legalmente embaraçosa e economicamente custosa. O gráfico abaixo demonstra a divisão das receitas das empresas eletrônicas de acordo com esse contrato com a UBEM:

9%  

3%   26%  

Plataforma   Titulares  de  Direitos   Conexos   UBEM  

65%  

ECAD  

Gráfico 18. Divisão da receita das plataformas digitais no Brasil. Fonte: FRANCISCO; VALENTE (2016, p. 276).

Dessa forma, as plataformas digitais estariam repassando uma porcentagem total de 12% de suas receitas relativa a esses repertórios, aumentando os custos operacionais no Brasil, em comparação a outros territórios. Cabe ainda lembrar que, durante a entrevista de uma dirigente de outra importante associação, a UBC, quando ela mencionou um "acordo informal" desse mercado, estava se referindo ao acordo de cavalheiros entre UBEM e ECAD, e que, conforme seu depoimento já transcrito no

 

189  

capítulo anterior, ela externou o interesse da UBC de participar dessa joint venture entre associações, uma vez que a UBEM não possui a totalidade dos direitos conexos dos catálogos no Brasil e a UBC poderia resolver esse problema. Dependendo do tipo de acordo que viesse a ser estabelecido entre UBEM e UBC, os custos de operação para as plataformas digitais poderiam aumentar ainda mais. Some-se a isso o fato das decisões dos tribunais sobre os serviços de streaming apresentarem avaliações frágeis dos desembargadores, muitas vezes explorando de forma superficial questões técnicas seja da modalidade do simulcasting seja a da webcasting, podendo se criar alguma nova jurisprudência a qualquer momento, e o resultado obtido é um cenário de forte insegurança jurídica para os agentes econômicos que aumenta os custos e as incertezas sobre o desenvolvimento desse mercado. Outro elemento que contribui significativamente para aumentar a incerteza dos agentes econômicos é a falta de informações precisas sobre o mercado de música no Brasil. Pese o avanço significativo dado pela ABPD ao adotar a metodologia da IFPI para sua pesquisa do mercado fonográfico local (ABPD, 2015), abrangendo parte do setor independente (ainda que não explicite que parte desse mercado é essa, seria formulada a partir de dados da ABMI?) e incluindo as receitas oriundas da execução pública e sincronização, faz-se necessário obter mais informações vindas não apenas das empresas produtoras associadas como também da ponta final, do comércio varejista sobre a venda e o acesso de produtos musicais. Isso seguramente traria informação mais precisa sobre as práticas de consumo de música entre os brasileiros que poderia ser utilizada pelos agentes econômicos para ampliarem seus mercados. Além disso, é imperativo que as pesquisas de mercado tentem abranger o máximo possível do mercado independente/ autônomo, pois ele constitui atualmente a maior parte da produção fonográfica nacional (o que não significa afirmar que sejam os produtos mais vendidos ou os conteúdos mais valiosos), apesar de se reconhecer a dificuldade operacional para se medir inúmeras micro-transações. Faz-se necessário, portanto, uma aliança entre os agentes do mercado para desenvolverem métodos de pesquisa de mercado precisos e abrangentes que apresentem um quadro mais confiável do consumo de música no país. O que se tem atualmente é um conjunto difuso de informações sobre o consumo de música e de tecnologias da informação (que são o material que permite o consumo de música gravada) e que dão conta apenas da parte mais lucrativa do mercado, ou seja, a classe média, deixando de lado todo o enorme mercado de classes emergentes.  

190  

Uma agravante é a ausência de publicações independentes dos agentes da indústria fonográfica sobre seu mercado. Num interessante artigo sobre a Revista Billboard, tradicional publicação sobre o mercado de música nos Estados Unidos, os sociólogos Richard Peterson e N. Anand (2000) argumentam que o acesso à informação sobre o mercado através de entidades independentes, como os meios de comunicação especializados, é um elemento fundamental para a própria configuração do campo. Sendo uma entidade de rastreamento do mercado de música, independente das informações passadas pelas gravadoras, a revista Billboard 118 tornou-se uma instituição que gera informação constante e confiável sobre o mercado consumidor de música, permitindo aos agentes desse mercado (artistas, gravadoras e editoras) fazerem previsões para sua produção futura assim como obterem um feedback de seus investimentos passados. Além disso, há um importante papel cognitivo desempenhado pela revista nesse mercado, qual seja, os dados disponibilizados informam aos agentes da indústria fonográfica sobre “quem é quem” (quais artistas vendem mais ou menos, quais gravadoras colocam seus produtos nas listas dos dez, cem ou mil discos mais vendidos, quais artistas fracassam no mercado, e assim sucessivamente), consolidando identidades (dominantes e dominados) e permitindo às grandes gravadoras

e

às

independentes

estabelecerem

suas

estratégias

de

ação.

Inexplicavelmente, não se encontram no Brasil nem publicações impressas nem virtuais, como os sites Industria Musical 119 (Espanha) ou o Music Business Worldwide120 (Inglaterra), que apresentem e comentem informações diversas sobre o mercado de música. A inexistência de informações precisas sobre o mercado, dada por instituições independentes e críveis, contribui para a incerteza dos investidores sobre com quem negociar, onde e como investir e até mesmo sobre sua própria posição no campo. Porém, o fator decisivo para a manutenção desse cenário de aguda incerteza é a morosidade da formulação de uma nova Lei de Direitos Autorais no Brasil, que substitua a Lei no 9.610/98 (excluindo-se aqui deliberadamente as palavras "reforma"                                                                                                                 118

A Billboard Magazine é uma revista americana dedicada ao mercado de música, com sede originalmente em New York, e agora propriedade da Prometheus Global Media. Essa publicação data de 01 de novembro de 1894 e, desde então, acompanha o desenvolvimento do mercado fonográfico norte-americano através da publicação de diferentes categorias paradas de sucesso musicais (Top 100 álbuns, Top 200 singles, Top 100 downloads, músicas mais tocadas pelas estações de rádio, entre outras), semanalmente. 119 http://industriamusical.es 120 http://www.musicbusinessworldwide.com

 

191  

ou seu eufemismo "modernização", pesem as críticas que os juristas especialistas fazem à proposta de criação de uma nova lei, cf. WACHOWICZ; SANTOS, 2010). É imperativo que se produza uma nova lei que leve em consideração as especificidades do ambiente digital (como a ratificação do conceito de direitos digitais, por exemplo) e fomente tanto a inovação por parte de empresas eletrônicas (locais ou estrangeiras) quanto se facilite o acesso da população aos conteúdos digitais, garantindo seu livre e criativo usufruto (como a produção de obras derivadas através de remixes, mash-ups, bricolagens de sons e imagens, produção de vídeos amadores etc.). A reformulação nessa Lei é fundamental, pois a manutenção dos termos atuais tem limitado o alcance do Marco Civil da Internet e até mesmo a reforma do ECAD, através da Lei n. 12.853/13. Na verdade, também essas duas novas legislações estão em risco. Como se observou no capítulo anterior, a Lei n. 12.853/13, que regulamenta a nova gestão do ECAD, enfrenta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que pode revogá-la, fazendo com que se retroceda ao cenário anterior de autogestão do ECAD (o processo ainda estava sendo julgado no Supremo Tribunal Federal no momento em que se finalizava este relatório). No caso do MCI, também no momento em que se finalizava este relatório, tramitava pela Câmara dos Deputados os Projetos de Lei 215, 1547 e 1589/2015, cujo objetivo seria tornar mais rigorosa a punição dos crimes "contra a honra" de indivíduos, cometidos mediante disponibilização de conteúdos na internet. Em termos concretos, esses novos PL pretendem criminalizar a disponibilização de informações e restringir o acesso de cidadãos a conteúdos digitais considerados pela Justiça como "difamatórios". Para tanto, propõe-se uma reforma legislativa, modificando o Decreto Lei 2.848/1940 (Código Penal), o Decreto Lei 3.689/1941 (Código de Processo Penal) e, o que é mais importante para a presente reflexão, apresenta-se uma proposta de inclusão de um dispositivo penal no próprio texto da Lei no 12.965/2014 (MCI), afetando contraditoriamente o espírito dessa lei, baseado na proteção dos direitos humanos e liberdades individuais. Pode-se imaginar que também os conteúdos protegidos por direitos autorais figurem nessa lista de criminalização da comunicação mediada por computador. Assim, mesmo os pequenos avanços obtidos no sentido de modernizar os reguladores institucionais da inovação no mercado de música estão em xeque. É verdade que desde que reassumiu o MinC, logo no início do segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff (2015), o ministro Juca Ferreira (PT-BA)  

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retomou os esforços para "modernizar", conforme se preferiu rotular o debate, a Lei n. 9.610/98. Não obstante essa boa vontade, o MinC deve enfrentar uma grave crise política que o impede de levar adiante esse polêmico projeto, conforme se discutirá a seguir. De toda forma, é importante concluir que, sem lugar a dúvidas, a ausência de uma nova e devidamente atualizada lei de direitos autorais, inviabiliza-se a consolidação do mercado fonográfico digital no país de maneira satisfatória para todos os agentes nele envolvidos (artistas, editoras, gravadoras, empresas eletrônicas e, notadamente, os consumidores). Finalmente, é importante entender o atual contexto macroeconômico e político do país, pois ele devem exercer diversas consequências sobre o mercado de conteúdos digitais. O segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff (PT-RS) tem sido marcado pelo agravamento da crise econômica do país, a perda de legitimidade de seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), e o conseguinte acirramento de disputas políticas entre os demais partidos, ameaçando inclusive sua permanência na Presidência da República. No que concerne à economia, de forma resumida, pode-se afirmar que a aliança de uma política econômica equivocada (sobretudo no que compete à sua política industrial, baseada em desonerações fiscais para tentar convencer a indústria a investir, opção que se revelou contraproducente, uma vez que, dentro de dois anos, transformou-se um superávit primário de 2% do PIB nacional num déficit que beira 1% do PIB) com a crise econômica de importantes parceiros comerciais do país, notadamente a China, e a queda nos preços das commodities (produtos de base em estado bruto, matérias-primas ou com pequeno grau de industrialização), principais produtos de exportação do país, acarretaram um aumento significativo da inflação e uma depreciação da moeda brasileira, o Real, em relação ao dólar americano. O resultado imediato desses fenômenos foi o aumento da dívida pública e da inflação dos preços para o consumidor final. Com a desaceleração das atividades econômicas e aumento da inflação, o Governo Federal busca implementar uma política econômica radicalmente contrária à anterior, com a adoção de medidas ortodoxas desde um ponto de vista econômico, cortando gastos do Estado e aumentando impostos. No entanto, até o momento de finalização deste relatório, o chamado ajuste fiscal tem aumentado a recessão econômica. Além disso, as denúncias de corrupção e as investigações da chamada Operação Lava-Jato, empreendida pela Polícia Federal do Brasil, que visa investigar a corrupção na empresa estatal Petróleo do Brasil, ou Petrobrás, contribuem significativamente para reduzir a popularidade do  

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governo encabeçado pelo PT, abrindo espaço para movimentos da oposição em favor de se processar a destituição, ou impeachment, da Presidente (pese que não existam denúncias ou provas de envolvimento de Dilma Rousseff com a corrupção na empresa estatal, o que torna qualquer tentativa de impeachment uma ato sem bases legais e, portanto, caracteriza um golpe de Estado). Essa crise política gera o aumento das incertezas sobre a capacidade do governo de recuperar a economia, o que cria, por seu turno, um círculo vicioso de aumento da crise econômica e aumento da crise política. No que concerne à presente discussão, alguns pontos merecem comentários. O primeiro é a valorização do dólar. Com as incertezas em relação ao capital político disponível para que o governo recupere a economia (aprovação junto à Câmara dos Deputados e ao Senado de medidas econômicas austeras e impopulares, como o corte de gastos e o aumento de impostos), deu-se uma forte valorização da moeda americana. Se esse fenômeno pode ter efeitos positivos para o setor exportador da economia, para o mercado fonográfico digital, cujos preços ao consumidor final estão diretamente atrelados ao dólar, tal valorização incontrolável pode inviabilizar o funcionamento de diversas empresas eletrônicas estrangeiras no país, a começar pelo iTunes. Em segundo lugar, em setembro de 2015, a agência de avaliação de risco para investimentos Standard & Poor's (S&P) rebaixou a nota de investimento do Brasil, o que significa que, em sua avaliação, o país terá dificuldades para cumprir seus compromissos e pagar suas dívidas. O rebaixamento da nota do país pela S&P gerou especulações de que o país também teria sua nota rebaixada por outras agências internacionais. Isso faria com que diversos investimentos estrangeiros no país se retirassem, ameaçando mesmo a manutenção de empresas eletrônicas estrangeiras que atualmente controlam o mercado de conteúdos digitais no país. Enfim, em meio ao esforço de redução dos gastos públicos, o Governo Federal comprometeu-se em reduzir o número de ministérios. Até setembro de 2015, havia 39 ministérios e, de acordo com os comentários que circulavam entre jornalistas que acompanham o dia-a-dia da política em Brasília, afirmava-se que a intenção do governo federal era reduzir para, pelo menos, 29 pastas. Entre os arranjos que se pretendiam fazer para obter essa diminuição significativa, sem prejudicar as alianças que o PT mantém com partidos aliados (notadamente, o PMDB), especulava-se a fusão do Ministério da Educação com o MinC, recriando o antigo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Uma atenta observação da experiência histórica desse ministério, que existiu entre 1953 e 1985, demonstra que o setor cultural sempre foi  

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preterido na divisão do orçamento do ministério em favor da educação (CALABRE, 2009). Se tal especulação se concretizasse, as consequências para o campo da cultura poderiam ser graves. Conforme se observou anteriormente, nos últimos anos, o MinC tornou-se uma agente ativo e importante no campo da cultura, propondo políticas públicas que tocam em pontos sensíveis do campo e, o que é mais importante, fazendo-o em diálogo com a sociedade civil. Portanto, sua extinção seria um duro golpe nas intenções modernizadoras das políticas culturais. No entanto, em 2 de outubro de 2015, o anúncio da reforma ministerial, feito pela presidente Dilma Rousseff, não apenas confirmou a manutenção do MinC como também de seu ministro, Juca Ferreira. Isso deve ser considerado como uma importante vitória política do MinC, porém, é evidente que ele possui um baixo capital político para fazer avançar projetos polêmicos, colocando a reforma da Lei de Direitos Autorais em xeque, mais uma vez. É claro que, neste momento, somente se pode especular sobre as consequências das crises política e econômica do país sobre o mercado de bens culturais como um todo e o fonográfico digital, especificamente. Não obstante, é possível concluir que o cenário de incerteza para os investimentos só aumenta no país. Diante

dessa

imprevisibilidade,

entende-se

que

é

necessário

apresentar

recomendações pontuais para o desenvolvimento do mercado fonográfico no Brasil, tendo em vista a proteção e fomento tanto da inovação quanto da diversidade cultural.

6.3. Recomendações para o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil Pode-se concluir que o cenário para o mercado fonográfico digital no Brasil é preocupante. Desde logo, não há um arranjo institucional que fomente a inovação comercial nem que garanta a diversidade cultural. Pesem os notáveis avanços representados tanto pelo MCI quanto pela lei de reforma do ECAD (no 12.853/13), a ausência de uma nova lei de direitos autorais restringe alguns potenciais efeitos benéficos dessas duas legislações, na medida em que está baseada numa postura maximalista da proteção dos direitos, o que dificulta a circulação dos conteúdos digitais e seu pleno usufruto. Além disso, é preciso estar atento à tendência, identificada nesta pesquisa, de concentração das plataformas digitais. Há de se notar que o mercado digital brasileiro

 

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já se encontra controlado por empresas eletrônicas multinacionais em sua ponta, o comércio varejista (lojas virtuais e serviços de streaming, ainda que isso não ocorra no casos das rádio na internet). Isso tem um lado positivo, ao estabelecer confiança entre os agentes da indústria fonográfica local no potencial do mercado digital no país, além de criar um acesso para gravadoras e artistas brasileiros ao mercado global de música. No entanto, não há dúvidas de que a dominância exercida por empresas como iTunes, YouTube, Deezer, Rdio, Spotify, para não mencionar agregadores como The Orchard e Believe Digital, diminui o espaço para a inovação local, revelando uma tendência de que o país se transforme num produtor de conteúdos digitais principalmente. Há diversos riscos nessa situação. Um deles é que os produtores locais de conteúdos apenas podem observar as decisões de investimento e operação tomadas por umas poucas empresas que atuam num plano global. Assim, caso esses agentes simplesmente decidam abandonar o mercado brasileiro (caso, por exemplo, a nota de risco de investimento do Brasil seja rebaixada por todas as agências de risco), o que deve acontecer com o conteúdo local de música? Quais são as opções locais disponíveis? Evidentemente, esse cenário extremo para ser pouco provável, mas é possível, sem dúvida. Finalmente, a gestão coletiva dos direitos autorais e conexos se coloca como o problema principal para o desenvolvimento pleno do mercado digital no país. Como se analisou longamente antes, o licenciamento, a arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos passa por processos lentos, complexos (pois envolvem diferentes partes ao mesmo tempo) e opacos, tornando mais caro e complicado fazer o conteúdo digital circular tanto dentro país quanto no exterior. Esse fator é, sem lugar a dúvidas, o mais ameaçador para a diversidade cultural no mercado de música. A ausência de segurança por parte dos produtores de conteúdo e seus intermediários de que serão devidamente recompensados e que há leis que lhes amparem quando houver abusos de alguma das partes põe em risco sua disposição para inserirem suas obras nesse mercado. Isso pode dificultar a disponibilidade desses conteúdos por vias legais no mercado, fazendo com que a atração de novos investimentos rareie proporcionalmente (situação que ocorreu nos anos 2000, quando não se conseguiu consolidar um mercado fonográfico digital capitaneado por agentes locais, por exemplo). Dessa forma, é necessário que tanto os agentes do setor privado quanto o Poder Público tomem medidas que possibilitem a consolidação do mercado fonográfico digital no Brasil. A situação exige tamanha mobilização que não é  

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possível resolver tais obstáculos apenas através de ações acordadas entre os agentes do mercado ou apenas através de políticas públicas, cujo alcance é bastante restrito num contexto fundamentalmente privado e globalizado. Assim, seguem-se algumas recomendações para esses dois grupos de agentes, a fim de que contribuam, cada um a seu modo, para o desenvolvimento do mercado digital, tendo em vista a proteção e o fomento da inovação e da diversidade cultural.

6.3.1. Recomendações para o setor privado

Está claro que o mercado fonográfico digital no Brasil tem um bom potencial de crescimento para os próximos anos. A música é um bem cultural bastante apreciado entre a população e o acesso às novas tecnologias digitais da comunicação (acesso à internet de banda-larga, smartphones, tablets e computadores pessoais) tem crescido razoavelmente entre as diferentes classes sociais, as quais estão ávidas por conteúdos digitais. No entanto, a opacidade das relações comerciais entre os agentes da indústria fonográfica e a ausência de informações confiáveis sobre o mercado local de consumo de música fazem com que esse potencial esteja longe de ser alcançado em curto ou mesmo médio prazos. Por tais razões, entende-se que seria salutar que: •

Associações de produtores fonográficos, como a ABPD, a ABMI, junto a entidades como a Brasil Music Exchange, as sociedades arrecadadoras de direitos autorais, o ECAD, e até mesmo associações representantes do mercado de concertos ao vivo devem se reunir para implementarem uma central de informações sobre o mercado de música no país. É imperativo que se conheçam os hábitos de consumo de música dos brasileiros de forma a mais detalhada possível. Nesse sentido, parcerias estabelecidas com o IBGE e/ou outras empresas de pesquisa de mercado seriam opções bem vindas. Sobretudo, é preciso corrigir um erro básico das pesquisas de mercado de música no Brasil, qual seja, basearem-se apenas em dados fornecidos pelos produtores. Necessitam-se de pesquisas que abordem a ponta do consumo.



Aliado a esse esforço, seria necessário também ter uma entidade independente dos produtores do mercado, como uma publicação sobre

 

197  

o mercado fonográfico no Brasil, que informasse consumidores e produtores sobre números e tendências do mercado fonográfico. •

Os artistas deveriam aprofundar o passa dado com a criação de ONG como o GAP Pró-Música e o Procure Saber, que representam seus interesses junto ao Poder Público, para atuarem também junto aos agentes do mercado. Eles devem negociar com plataformas varejistas, o ECAD, as sociedade arrecadadoras para obterem cada vez mais transparência nas transações econômicas realizadas, eventualmente criando dispositivos que premiem as empresas que atuam de forma mais transparente com os produtores de conteúdo assim como com os consumidores. Uma opção nesse sentido seria a criação de certificados de transparência que ajudem a informar à comunidade artística quais seriam as empresas mais ou menos transparentes para eles negociarem suas obras (algo que ocorre em outros setores produtivos, notadamente na área de alimentos). Com efeito, no relatório da Rethink Music Initiative e da Berklee Institute for Creative Entrepreneurship (2015), sugere-se que as ONG de criadores de bens culturais estipulassem parâmetros éticos de conduta com os titulares originários de direitos autorais, o que resultaria em maior confiança entre todos os envolvidos no mercado. Chega-se mesmo a propor um Carta de Direitos do Criadores (Creator's Bill of Rights), em que se propõem os seguintes direitos: Ø Cada criador(a) merece ser justamente recompensado pelo uso de suas obras. Ø Cada criador(a) merece saber exatamente onde e quando seu trabalho está sendo utilizado ou executado. Ø Cada criador(a) merece receber relatórios atualizados sobre os usos de suas obras (com não mais do que 30 dias de atraso para utilizações digitais e não mais do que 90 dias, para outros usos). Ø Cada criador(a) merece ser reconhecido(a) pela criação de suas obras através de identificação em utilizações digitais ou outras. Ø Cada criador(a) merece conhecer todas as etapas do fluxo de pagamento de seus royalties (por exemplo, quais os

 

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intermediários estão tomando uma parte de seu dinheiro e o quanto estão cobrando). Ø Todo criador(a) tem o direito de definir o preço para sua obra com base no valor justo de mercado. •

No que corresponde ao varejo, é crítico que as lojas virtuais e os serviços de streaming implementem alternativas de pagamento para seus serviços, sobretudo, adotando os boletos bancários. Ao contrário das grandes gravadoras que preferiram, ao longo de sua história, restringir-se às camadas mais abastadas da classe média do país, a economia das plataformas digitais não pode se permitir a tal tipo de restrição. É necessário sempre ampliar o mercado seja através de assinaturas seja através de da modalidade freemium.



Além disso, é necessário que padronizem seus relatórios e os tornem públicos para os produtores de conteúdos, a fim de diminuir a desconfiança e os atritos entre os agentes do mercado.

Sabe-se que essas são medidas difíceis de serem tomadas num mercado em que a desconfiança impera historicamente entre seus agentes tradicionais e, ao que parece, já é transmitida aos entrantes. No entanto, no que compete aos agentes do mercado, é preciso que superem esses obstáculos para que possam criar alguma nova indústria fonográfica no país.

6.3.2. Recomendações ao Poder Público

Conforme discutido no primeiro capítulo deste relatório, a dupla natureza dos bens culturais justifica a participação do Estado na regulação dos mercados de comunicação e cultura. No entanto, a crescente integração global de mercados nacionais, através de acordos internacionais de livre-comércio e de Propriedade Intelectual, criam algo que se poderia rotular, com precisão, de mercado global de comunicação e cultura. Uma das descobertas mais significativas desta pesquisa é que, com a entrada das empresas eletrônicas multinacionais no Brasil, o mercado fonográfico digital local passou a se integrar a essa rede global de comércio. Com isso, criam-se novos desafios para se formularem políticas nacionais de cultura, uma

 

199  

vez que diversas decisões são tomadas por entidade privadas no plano global de negócios. Por exemplo, parece ser improdutivo propor cotas de execução de filmes ou discos de artistas brasileiros nos meios de comunicação analógicos e digitais quando muitos bens culturais produzidos por brasileiros são realizados com financiamento estrangeiro. Seria, talvez, mais produtivo facilitar o fluxo de conteúdos digitais nacionais nas plataformas globais e locais, fomentando o aumento da produção e facilitando sua inserção nas plataformas digitais. Ao mesmo tempo, o Estado deve propor alternativas ao mercado para garantir acesso aos bens culturais produzidos por brasileiros à população. Conforme observado no capítulo anterior, há uma forte pressão exercida pelos tradicionais agentes dominantes do mercado pela restrição às modalidades gratuitas de acesso a conteúdos digitais. Nesse sentido, há o risco de que uma parte significativa da população brasileira tenha seu acesso a conteúdos digitais restringido. Além disso, é crítico que o Estado cuide do material que já se encontra em Domínio Público, garantindo que a população tenha acesso a esse patrimônio cultural nacional de forma fácil e gratuita. Para tanto, é preciso formular políticas de comunicação e cultura que fomentem a inovação tecnológica e a diversidade cultural no mercado digital de música. Nesse sentido, propõem-se as seguintes medidas: •

É imperativo que se mantenha o MinC como um ministério independente e que, na verdade, amplie-se sua estrutura. É fundamental que se compreenda que, com a adoção de uma nova abordagem ao campo da cultura, o MinC se torna um agente ativo e crescentemente importante para a regulação dos mercados de bens culturais, não apenas para promover as obras do espírito, as artes, como também ele passa a se colocar como um agente importante para se promover o próprio desenvolvimento do país. Além disso, o ministério tem não apenas propõem políticas públicas que harmonizem as desigualdades de capitais entre esses os agentes dos mercados de comunicação e cultura, buscando facilitar o acesso da população aos bens culturais, como também se coloca como interlocutor entre os próprios agentes do mercado, tornando-se um legítimo mediador do campo. É decisivo, portanto, que a pasta adquira mais capital político para levar a cabo políticas culturais que articulem as atividades artísticas ao planejamento de algum novo desenvolvimento.

 

200  



Nesse sentido, é fundamental que se formule uma nova Lei de Direitos Autorais no Brasil, que substitua a Lei no 9.610/98, dando um tratamento detido ao mercado digital. Fundamentalmente, na nova Lei, devem-se abordar categorias como direitos digitais, execução pública, licenças

compulsórias,

licenças

públicas

gerais

e

reprodução/distribuição de bens culturais, a fim de que se adeque aos usos das novas tecnologias da comunicação no mercado de conteúdos digitais. •

Um setor a ser profundamente reformado é o da gestão coletiva de direitos autorais. Diante das limitações do ECAD para agir no mercado digital e o conseguinte avanço de entidades privadas, atuando sem fiscalização do Estado, faz-se necessário reformular o ECAD para além do que já foi proposto na Lei no 12.853/13. Entende-se que facilitaria enormemente o licenciamento, a cobrança e a distribuição dos royalties de direitos autorais e conexos caso o ECAD também estivesse técnica e legalmente adequado para agir no mercado digital, sendo o chamado one-stop-shop no Brasil, como ocorre em outros países, sendo fiscalizado pelo MinC e tendo os titulares originários participando de sua administração. Isso restringiria de vez a ação das sociedades arrecadadoras e daria a transparência necessária ao mercado.



É importante que também o Estado tenha suas centrais de monitoramento dos mercados de comunicação e cultura, produzindo os dados de que necessita para propor políticas públicas. Nesse sentido, pode-se reforçar a política de cooperação com as universidades para a criação de Observatórios das Indústrias Criativas, como tem feito a Secretaria da Economia Criativa do MinC, em que se pesquisem os níveis de transparência financeira desses mercados, os níveis de diversidade cultural em cada segmento, acompanhem-se quais obras entram em domínio público e se estão com acesso fácil, práticas de consumo cultural entre diferentes frações da população, entre outras possibilidades de pesquisa. A presença de pesquisadores profissionais nas universidades possibilita o avanço teórico sobre categorias centrais

 

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para a formulação de politicas públicas de cultura (como diversidade cultural, livre acesso aos bens culturais, o papel do Estado nos mercados de comunicação e cultura etc.) assim como facilita uma integração da academia com o mercado, atuando na formação prática e teórica de novos profissionais para esses mesmos mercados. •

Faz-se necessário que se apoiem empresas eletrônicas nacionais inovadoras (start ups) que busquem desenvolver serviços relacionados à música no ambiente digital. Uma vez que a política de software de reserva de mercado, aplicada no passado, não rendeu os resultados esperados (pelo menos em níveis de competição de mercado com empresas estrangeiras), faz-se necessário repensar as políticas para o setor de software relacionado a conteúdos digitais. Nesse sentido, parece ser interessante reconhecer essa parte a indústria de TI como objeto de políticas culturais (ainda que não se excluam essas empresas das políticas telecomunicações e de desenvolvimento) e que se apoiem incubadores de indústrias criativas. Entende-se que importante que o país gere uma malha de empresas nacionais que façam conteúdos locais circularem no país, ainda que se reconheça ser difícil competir com os grandes players multinacionais.



É decisivo que o Estado repense a questão dos acervos públicos de música na era digital. Evidentemente, essa é uma discussão que não se restringe ao campo da música, mas que passa por ele também. Conforme se observou anteriormente, é uma das funções do Estado atender às demandas sociais de acesso à cultura. Um dos instrumentos disponíveis mais efetivos que ele possui para isso são os acervos públicos. No caso, é importante que se crie uma rede integrada do Museu da Imagem e do Som (MIS), em que se disponibilize o material produzido no Brasil, sobretudo, os fonogramas e vídeos que já se encontram em domínio público e que podem ter baixo valor de mercado, pese sua importância histórica.

Reconhece-se que lidar com os acervos na era digital constitui um grande desafio que está além da mera digitalização e disponibilização de um acervo. Digitalizar conteúdos e disponibilizá-los numa única plataforma é um processo longo

 

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e de alto custo, cujos resultados podem ser, muitas vezes, pouco efetivos, pois o acervo pode ser pouco conhecido e, portanto, pouco acessado. Seria mais produtivo, portanto, que o Estado construísse uma rede de instituições públicas e privadas parceiras que se reunissem para digitalizar acervos, catalogá-los e os colocar à disposição do público de forma interativa. Na verdade, esse é um projeto já em andamento no MinC. Conforme explicou o Coordenador Geral de Cultura Digital da Secretaria de Políticas Culturais do MinC, José Murilo, há um projeto em andamento para se criar o que ele chama de "acervos interativos". Em suas palavras: "Entrevistado: que o processo de digitalização [dos acervos] aconteça da mesma forma: ele sobre, com seu dublin-core básico [esquema de metadados que visa descrever objetos digitais, tais como, vídeos, sons, imagens, textos e sites na web] [...], mas a partir [desse] momento, que ele se abra para outras possibilidades. Para a circulação do conteúdo nas redes sociais, por exemplo, e a gente [está] pensando em ferramentas que a gente [possa buscar] esse conteúdo ligado à essa circulação do acervo e [o faz retornar] para uma base [de dados] pública, né?! Aliás, esse é um aspecto fundamental. A gente [do MinC] acha que a questão dos índices de conteúdo, ela é uma questão da política pública; não é uma questão apenas da corporação global. Ou seja, hoje nós estamos reféns, em termos de busca de conteúdo, dessas grandes empresas [Google, Yahoo!, Microsoft, Apple, entre outras], porque nós não temos nada construído em termos de índices. Mas, tudo bem, ninguém está dizendo aqui que o governo brasileiro vai criar um outro Google, até porque não é essa a proposta. Mas a gente pode, no momento em que a gente está digitalizando todos os nossos acervos, organizando uma arquitetura de informação, de meta-dados que, de alguma forma, vai fazer sentido com todo esse conteúdo em língua portuguesa, e se nós pensarmos em um modelo de registro autoral que, de alguma forma, esteja trabalhando com a mesma arquitetura e passe a registrar todos esses conteúdos que são criados nessa mesma lógica de arquitetura, pronto: você tem um índice público dos conteúdos nacionais que pode servir, por exemplo, para que diversos [outros] projetos criem seus próprios algoritmos de busca encima dessa base pública comum. Entrevistador: Entendo... então, seria o caso do governo disponibilizaria esse conteúdo de uma maneira que as pessoas possam trabalhar sobre ele, agregar informações e, ao mesmo tempo, isso pertencer a [um conhecimento comum]? Entrevistado: Na verdade, no que estamos pensando mesmo [é a construção] de uma infraestrutura comum. A gente até parte para alguns termos que não são [usuais]... ou seja, é "público"? É "privado"? Não, é algo que é comum. É algo que seria de uso público, talvez tenha de ser mantido pelo Estado, mas veja, não é o repositório dos conteúdos, mas, sim, os índices. Ou seja, a informação, os meta-dados que criam uma base pronta para ser pesquisada. Agora, onde esses conteúdos [digitais] estão [arquivados], no próprio meta-dado ali você tem a URL que, de alguma forma, te dá acesso ao conteúdo. Entrevistador: Ah, entendi. Então, não se trata de lidar com os conteúdos diretamente, até porque seria muito complicado e caro... Entrevistado: sim, é muito caro... mas, ao mesmo tempo, o que a gente está trabalhando é que esse, digamos, é quase um protocolo... é menos do que uma plataforma... mas, de alguma forma, esse protocolo, ele garantiria as

 

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questões de preservação [dos acervos], ou seja, se você tem um acervo em risco, o sistema criaria, de alguma forma, um back-up para isso, criaria um certo apoio para as instituições que forem parceiras no projeto e abriria as portas para acervos, inclusive, particulares. Por exemplo, uma pessoa tem uma discografia em casa e que gostaria de [disponibilizá-la] publicamente pela internet... Entrevistador: Como o caso do Instituto Moreira Salles. Entrevistado: por exemplo. Eles são um parceiro de primeira hora da gente... Na verdade, o desafio é pensar: qual o papel do Estado nesse novo mundo digital? E aí eu acho que essa questão dos índices, pelo que a gente vem estudando, ela é crucial." (entrevista concedida em 10/06/2015).

Independentemente de ser bem sucedido ou não, uma vez que a dinâmica do jogo político é notoriamente incerta e certamente sinuosa, esse projeto abre novos horizontes para as políticas culturais nacionais na era digital. O que se vislumbra com esse tipo de iniciativa é que o Estado deixe de ser apenas um mecenas do campo artístico (provendo recursos públicos, muitas vezes, exclusivamente para a produção das obras), incentivando o empreendedorismo na área cultural uma vez que forneceria informação de forma pública e transparente para os agentes culturais, os quais passam a poder inovar em modelos de negócio. Essa é uma postura não muito distinta a de Celso Furtado quando afirmou, à época de sua presença no MinC, que a natureza da política pública de cultura deveria ser supletiva para que a sociedade civil pudesse produzir e distribuir sua própria cultura (BARBALHO, 2010; CALABRE, 2009, FURTADO, R., 2012). Nesse viés, pode-se repensar, por exemplo, os meios estatais de comunicação como uma infraestrutura básica de uma rede de empresas estatais e parceiras (comunitárias, universitárias, alternativas, entre outras) que possibilitem uma navegação integrada entre seus catálogos e programações, facilitando o acesso dos cidadãos aos fonogramas e vídeos de música. Evidentemente que isso não significa que o Estado deva deixar de ser um curador de obras para se tornar um curador de informações, mas, sim, pensar a política cultural nacional como uma forma de organizar e disponibilizar publicamente informações importantes na esfera da cultura (bens culturais, meta-dados, acervos digitais etc.) para os cidadãos, o que incentiva a inovação tecnológica e comercial no país. De toda forma, o objetivo dessas recomendações é meramente apontar caminho para a resolução de problemas identificados como decisivos para o desenvolvimento do mercado fonográfico digital no Brasil. Os tópicos aqui apresentados são assumidamente genéricos, tendo como objetivo iniciar e/ou informar discussões em curso. No entanto, está-se seguro de que sem ações conjuntas que  

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visem superar o problema da transparência das transações financeiras e da gestão coletiva, pode-se colocar em risco a vitalidade desse mercado no país.                                                                                            

 

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