Inovações na comunicação entre neopacientes e profissionais da saúde

June 14, 2017 | Autor: Arquimedes Pessoni | Categoria: Health Communication, Comunicação em Saúde
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Paulo Freire denominava o modelo tradicional de prática pedagógica de "educação bancária", pois entendia que ela visava à mera transmissão passiva de conteúdo do professor, assumido como aquele que supostamente tudo sabe, e o aluno, como aquele que nada sabe.


Capítulo 8
Inovações na comunicação
entre neopacientes e profissionais da saúde

Arquimedes Pessoni

Introdução
A realidade do relacionamento de pacientes e profissionais de saúde tem sido modificada paulatinamente nos últimos anos. Por mais que os responsáveis pela saúde pública tentem ressuscitar a prática do médico de família, com programas de visita domiciliar, a comunicação do médico, assim como dos demais profissionais de saúde, passou a ser fortemente modificada com o surgimento de pacientes mais organizados e mais bem informados. A figura do paciente passivo, que aguarda as informações e orientações do profissional de saúde detentor do saber, numa ação puramente bancária, segundo o conceito de Paulo Freire, começa a dar lugar a um tipo de paciente mais atento aos males de seu próprio corpo. Esse novo paciente busca informações em outras fontes e propõe um relacionamento mais direto com os responsáveis por sua saúde, alterando a relação vertical, de cima para baixo, para um contato horizontalmente desenhado, num perfil mais colaborativo, em que as opções de tratamento e a eventual cura de seus males são mais bem discutidas, afinal o mais interessado nestas é primeiramente o doente e, depois, o profissional que o atende.
O velho paradigma, no qual os profissionais de saúde eram vistos como os exclusivos detentores da sabedoria e do conhecimento, está gradualmente dando lugar a uma nova era da informação, em que a visão de mundo de pacientes, cuidadores e os sistemas de informação e relacionamento entre esses atores passam a ser vistos como muito importantes. Emerge o mundo do paciente-expert, também chamado e-patient (o neopaciente), ator que busca informações sobre saúde e doença com o auxílio da internet e, dessa forma, se mostra mais preparado para discutir com os profissionais de saúde sobre seu próprio tratamento.
Garbin et al (2008) ressaltam que, independente do segmento social que mais acesse a internet ou da qualidade e veracidade da informação disponível, o paciente-expert é alguém que busca informações sobre diagnósticos, doenças, sintomas, medicamentos e custos de internação e tratamento. O fato de ter acesso à quantidade de informações disponíveis na internet, independente de sua veracidade, pode fazer com que esse paciente seja potencialmente menos disposto a acatar passivamente determinações médicas. Segundo Garbin et al (2008), o paciente-expert é um consumidor especial de serviços e produtos de saúde, pois detém informações que devem ser, pelo menos, levadas em consideração. Para os autores:

O paciente expert não é apenas um paciente informado. Ele se sente, de alguma forma, um entendido em determinado assunto. Em linhas gerais, a literatura sobre o assunto considera que ele seja fruto da melhoria do nível educacional das populações, do acesso às informações técnico-científicas e da transformação da saúde em um objeto de consumo. O paciente-expert tem, portanto, condições potenciais de transformar a tradicional relação médico-paciente baseada na autoridade concentrada nas mãos do médico (GARBIN et al, 2008).

Essa busca por informações usando a internet como uma das fontes acaba o colocando em contato com outras pessoas que têm a mesma enfermidade. É uma prática bastante nova (e comum) para pacientes com doenças crônicas essa troca de informações via internet e redes sociais, reunindo-os em comunidades e áreas de interesse comum, fora do ambiente hospitalar, para discutir tratamentos, medicações, avanços da ciência e dividir suas angústias e dores com aqueles que vivem a mesma realidade. Nesse sentido, essas comunidades virtuais acabam ganhando uma força, um papel social importante, dando aos enfermos e cuidadores um elevado índice de empoderamento diante de suas dificuldades. Assim como lembra Maria Luiza Mendonça (2006), "trata-se de novos sujeitos sociais, entendidos aqui como atores, empenhados mais em produzir do que consumir normas sociais e identificados com as lutas por mais liberdades e direitos" (MENDONÇA, 2006, p. ), neste caso, a própria saúde.
O cenário da comunicação para a saúde, com a inclusão de novas tecnologias no campo informacional, ganha outros contornos a partir da chegada da internet, sobretudo na etapa da web 2.0. O termo web 2.0 foi introduzido em 2004, sendo definido por O'Reilly como um conjunto de conteúdos econômicos, sociais e tecnológicos que coletivamente formam a base para a próxima geração da internet, mais madura; um meio distinto, caracterizado pela participação do usuário, com abertura e efeitos de network (BELT et al, 2010). Para os autores, quando as tecnologias da web 2.0 são adotadas no cuidado da saúde, o termo Saúde 2.0 pode ser aplicado. Outros autores usam o termo Medicina 2.0, que combina a Medicina e a Saúde 2.0.
Com os pacientes indo à rede, assumindo um novo papel no relacionamento com os profissionais de saúde que os atendem, eles deixam de lado a atitude reativa para tornarem-se proativos. Com isso, o sedimentado conceito de processo de comunicação "emissor-canal-mensagem-receptor" muda de forma substancial no novo relacionamento, dando ao receptor uma nova responsabilidade, privilegiando mais a mediação no processo comunicativo do que a própria produção de conteúdo do emissor supostamente qualificado.
Esse novo espaço de discussão fica ainda maior a partir do momento em que os pacientes se reúnem em grupos e trocam entre si informações, tendo os cuidadores e profissionais de saúde apenas como outros tipos de atores envolvidos nesse novo desenho de relacionamento. A horizontalidade do discurso, comumente presente nas redes sociais e na associação de pacientes reunidos no não lugar, no ciberespaço, ganha força e proporciona sinergia entre todos os envolvidos na solução de problemas de saúde de um grupo específico.
É interessante salientar que mais um fator positivo nessa forma de organização dos pacientes em redes sociais é a produção de capital social derivada dos grupos de relacionamento virtual. Matos (2009, p. 37), citando Coleman e Bourdier, acredita que o capital social seja produtivo, pois permite atingir certos objetivos que não seriam alcançados sem a sua presença, além de existir em dois tipos de estrutura, sendo uma delas as redes sociais que funcionam num espaço fechado. Também pode o capital social assumir diversos formatos, sendo um deles as redes de comunicação nas quais trafegam as informações que facilitam a circulação das ações coletivas, como no caso dos pacientes reunidos em comunidades de interesse e ajuda. Conforme lembra Matos (2009, citando Alejandro Portes):

Para possuir capital social, um indivíduo precisa se relacionar com outros, e são estes – não o próprio – a verdadeira fonte de seus benefícios. Na prática, o "volume" de capital social seria identificado com o nível de envolvimento associativo, ou seja, os vínculos de pertencimento participativo em uma comunidade civicamente engajada (MATOS, 2009, p. 48).

Ferguson (2007) lembra que a visão médica do século XX não reconhecia a legitimidade e a competência do leigo e que os neopacientes podem ser encarados como um novo recurso renovável de informações, auxiliando muito na própria recuperação e ajudando os profissionais a melhorar a qualidade de seus serviços mediante colaboração e participação em pesquisas médicas. O autor ressalta que os pacientes-experts fazem pesquisas on-line para suplementar ou verificar as informações dadas pelos médicos em seus encontros presenciais, servindo como uma segunda opinião no tratamento das enfermidades.
O que o novo quadro que se desenha na área da comunicação e saúde indica é que, cada vez mais, parte-se para uma medicina compartilhada, em que os pacientes têm outras opções de informação, além da tradicional consulta médica. O que a internet proporciona nesse novo quadro da saúde é uma grande janela de possibilidades, que vai fazer com que ambos, paciente e profissional de saúde, repensem seus papéis até então encenados. Não só informações científicas capazes de embasar os chamados pacientes-experts (ou e-patients) estão sendo oferecidas na ponta dos dedos, mas também as redes sociais virtuais propiciam a troca de informações entre cuidadores e pacientes que comungam a mesma enfermidade.

Empoderamento
O termo "empoderar" (adaptado de empowerment) é reconhecido como um neologismo e serve para exprimir a ideia do poder, da força que os agentes vulneráveis socialmente devem exercer para ser capazes de decidir sobre suas próprias vidas. Segundo Wilma Madeira da Silva (2006), também é compreendido como a garantia dos meios e instrumentos para que os agentes vulneráveis socialmente consigam mudar fatos, costumes e normas que causam desigualdade de poder (SILVA, 2006, p. 118). No caso da saúde, a autora salienta que o compartilhamento do poder do médico é elemento essencial sem o qual não ocorrerá um reequilíbrio na relação e complementa que, para que o poder seja compartilhado, é necessário que haja, de alguma forma, de parte a parte, disposição para tal. Essa tarefa não é fácil, uma vez que quem está no poder não quer deixá-lo, ou seja, não costuma praticar o compartilhamento de poder; e quem está fora do poder, em função do compartilhamento estar baseado numa formação especializada, não se enxerga em condições ou capacidade de participar dele.
Quem também aborda o tema empoderamento no campo da saúde são Andrade e Vaitsman (2002). As autoras relatam que o conceito de empowerment tem sido examinado em diversas disciplinas e campos profissionais, recebendo larga variedade de definições e cobrindo diferentes dimensões: individual, organizacional e comunitária. O empowerment, como processo e resultado, é visto como emergindo em um processo de ação social no qual os indivíduos geram pensamento crítico em relação à realidade, favorecem a construção da capacidade social e pessoal e possibilitam a transformação de relações de poder. No nível individual – como exemplificamos anteriormente com os pacientes crônicos –, refere-se à habilidade das pessoas em ganhar conhecimento e controle sobre forças pessoais, sociais, econômicas e políticas para agir na direção da melhoria de sua situação de vida. As autoras citam o caso da aids como representativo na busca de empowerment pela mobilização dos pacientes, profissionais e familiares. Do ponto de vista coletivo, Andrade e Vaitsman (2002) assim exemplificam:

No contexto dos usuários de saúde, empowerment significa os pacientes passarem a conformar uma voz na organização, a adotarem postura mais ativa no tratamento, discutindo e fazendo perguntas ao médico, buscando informação, assumindo também a responsabilidade por sua própria saúde, além de serem informados sobre decisões tomadas durante o período de tratamento (ANDRADE; VAITSMAN, 2002, p. ).

Korp (2006, p. 79) relata que a definição do termo empowerment remete ao conceito de promoção de saúde derivado da carta de Ottawa, documento da Organização Mundial de Saúde de 1986 que replica a ideia de processo que permite às pessoas aumentar o controle sobre si para melhorar sua saúde. Segundo Korp, esse argumento baseia-se na ideia de que a preocupação fundamental para a promoção da saúde é alterar as estruturas de poder na sociedade, as quais impõem limites na capacidade de indivíduos e grupos de controlar e gerenciar suas vidas de acordo com as necessidades e interesses que eles próprios definem. Isso, por sua vez, implica uma análise do conceito de poder.
A revisão de literatura sobre o tema empowerment feita pelas autoras Andrade e Vaitsman (2002) mostra que os pacientes que têm acesso às informações, via internet, tornam-se potencialmente poderosos (ou "empoderados"), o que pode influir ou transformar a relação dos profissionais de saúde e seus pacientes.

Em termos gerais, acreditam que é fundamental que os profissionais procurem trabalhar com o paciente, ao invés de para ele, usando mais tempo para escutar, absorver e valorizar as necessidades cognitivas, sociais e emocionais de seus pacientes. O médico deve valorizar a vida do paciente, e não somente o seu corpo. Assim, deve fornecer informações, de boa qualidade, discutir questões referentes ao diagnóstico, tratamento e resultados, respeitando os desejos do paciente em relação à tomada de decisões. Para tal, é fundamental que os próprios médicos se mantenham informados e atualizados (Andrade; VaiTsman, 2002).
Ahmad et al (2006) contam que pesquisas de médicos têm explorado o impacto da informação de saúde baseada na internet sobre as relações médico-paciente. Em um estudo nos EUA envolvendo uma amostra nacionalmente representativa de 1.050 médicos, Murray et al relataram que 38 profissionais acreditavam que o uso de informações da internet pelos pacientes tem um efeito benéfico sobre a relação médico-paciente, enquanto 54 achavam que não havia efeito algum. Uma minoria de médicos (8) relatou uma piora da relação devido ao fato de se sentirem "desafiados" pelos pacientes. Da mesma forma, outro estudo citou uma pesquisa on-line por Potts et al com 800 médicos de Web-Alfabetizado e concluiu que os benefícios aos pacientes advindos do uso da internet superam os danos, apresentando mais problemas do que benefícios para os médicos. Tais estudos demonstram que alguns médicos experimentam dificuldades com os pacientes-experts.
Vasconcellos-Silva et al (2010) fazem um alerta para esse tipo de relação, salientando os riscos do ponto de vista do médico. Para os autores, neste novo formato de relação compartilhada, o médico, esvaziado de alguns valores éticos que lhe governam o ofício, assumiria um papel estritamente técnico, de parecerista, ao abandonar seu papel de conselheiro nos pactos terapêuticos:

Parece-nos que o consumismo tem se tornado campo fértil para as crescentes tensões entre necessidades (por vezes conflitantes) de sua clientela, além de incitar às temerárias práticas de autodiagnóstico de eficácia questionável (VASCONCELLOS-SILVA et al, 2010, p. 1465).

Stevenson et al (2007), em pesquisa utilizando grupos focais com pacientes, também identificaram riscos diante da alteração do relacionamento médico-paciente com o advento das redes sociais virtuais. Para as autoras, apesar das evidências do aumento dos pacientes ativos em busca de informações e do potencial para desafiar a posição do médico, os resultados de nenhuma maneira sugerem o desejo de perturbar o equilíbrio existente de poder, ou funções, na consulta. Os pacientes parecem ver que a internet é um recurso adicional para ajudar no relacionamento com os médicos. Os médicos, entretanto, precisam não se sentir desafiados ou ofendidos quando os pacientes trazem informações médicas da internet durante a consulta. Melhor seria ambos verem isso como parte do trabalho na busca pela saúde.

Saúde em rede
A internet abre um novo espaço de busca por informações sobre doenças e saúde por parte dos pacientes. Belt et al (2010) lembram que os pacientes estão usando mecanismos de busca como o Google e o Bing para encontrar informações relacionadas à saúde. No Google, 5% de todas as buscas estão ligadas à saúde. Metade dos americanos que possuem aplicativos de atualização de notícias em seus smartphones tem um tópico de saúde entre seus preferidos. Susannah Fox (2012) relata que uma pesquisa da Pew Internet Project (2011) mostrou o quanto as pessoas estão dependentes das novas tecnologias, sobretudo as de caráter móvel, e o quanto isso impacta a vida dos indivíduos, sobretudo na saúde.
Outra descoberta dessa pesquisa do Pew Internet Project sugere que as pessoas que têm algum mal crônico gostam de buscar informações com outras que padecem da mesma enfermidade, e, nesse quesito, a internet é um facilitador. Um em cada cinco usuários vai à rede para encontrar outros indivíduos com problemas de saúde similares ao seu. E esse percentual se eleva – um em cada quatro – entre os que têm doenças crônicas, os mais carentes de atenção e os que tiveram alguma alteração significativa em sua saúde física, por exemplo, ganho ou perda de peso, gravidez ou ter parado de fumar.
Diversos estudos têm registrado a relevância da internet no campo da comunicação e saúde, chegando a proporções que variam entre 80% dos adultos dos Estados Unidos e 66% dos europeus a consumir informações sobre saúde na grande rede, conforme relatam Vasconcellos-Silva et al (2010, p. 1473). Para os pesquisadores, proliferam os estudos que apontam a internet como um valioso recurso ao autocuidado, provendo informações e interação entre profissionais, cuidadores e usuários na condição de padecimentos crônicos ou de simples interessados nas questões da saúde humana.
Como um grande consultório virtual, a internet oferece informações de todo tipo e nem sempre com qualidade. Como é um espaço onde tudo pode ser publicado, os pacientes precisam estar atentos às fontes. Conforme salienta Vargas (2010), embora os usos da internet na saúde coletiva sejam ainda pouco estudados, esse tema tem emergido de forma crescente tanto entre pesquisadores interessados na tematização da popularização da ciência e da divulgação científica quanto entre os que dedicam sua análise à obtenção de informações, ao autocuidado em saúde e ao impacto dos meios e das mediações nas relações médico-paciente. Vargas também lembra que alguns dos autores assinalam a diversidade de repertórios e informações disponíveis na internet, caracterizando-a como um espaço de popularização da ciência e de promoção da saúde. Para a pesquisadora, outras análises apontam as possibilidades do uso da rede como instrumento de ação de empoderamento, compreendidas a partir da problematização do caráter autônomo das mediações na relação do homem com o corpo e a mente (VARGAS, 2010).
Estudo realizado pela London School of Economics and Political Science, denominado Bupa Health Pulse 2010, com 12.262 pessoas entre 12 países (inclusive o Brasil), registra como e por que as pessoas procuram informação sobre saúde na rede e como lidam com profissionais de saúde com base nessas informações. Os dados apontam que 46% dos pesquisados estão procurando conhecer a experiência de outros pacientes e que, pelo menos, 6 em 10 pesquisados fazem algum uso da internet para buscar informações sobre saúde, medicamentos ou orientações médicas. A pesquisa sugere, também, que há muitos benefícios econômicos com o aumento do acesso a informações de alta qualidade on-line, o que, particularmente, pode ajudar a reduzir o número inapropriado de consultas aos profissionais de saúde, uma vez que os pacientes em potencial estão aptos a procurar pelos sintomas usando informações mais confiáveis. Isso acarreta num potencial empoderamento por parte de pacientes para fazer escolhas mais conscientes sobre sua saúde e cuidados, habilitando-os a ajudar grupos de população que não poderiam fazer o contato face a face com profissionais de saúde (McDAID; PARK, 2010).
A internet desempenha um papel importante para as pessoas que precisam do apoio dos outros devido às aflições da sociedade. Segundo Wright e Bell (2003), grupos de apoio mediados por computador oferecem um fórum para as pessoas que se sentem estigmatizadas por suas condições de saúde para divulgar informações pessoais com uma sensação de segurança. Essa sensação de segurança é devida, em parte, ao anonimato (ou pelo menos o uso de pseudônimo) da comunicação on-line, que oferece às pessoas uma oportunidade de falar sobre seus problemas com outras pessoas que lidam com as mesmas preocupações, sem todas as complicações das relações face a face.
Esse papel do paciente pode ser expandido enormemente e facilitado pelo uso de tecnologia baseada na web em associações de doentes. O uso da internet para a saúde permite que os pacientes sejam mais bem informados e envolvidos no seu processo de cuidados de saúde, certificando-se de que uma utilização mais adequada dos recursos da saúde seja feita. É evidente que os pacientes tendem a ficar mais informados, engajados, envolvidos e no controle com a utilização crescente da internet. Com isso, a sociedade se move além do conceito de um e-patient como uma pessoa que é apenas informada sobre a sua saúde pela web (o paciente-expert ou neopaciente) para alguém que também está comprometido, capaz e habilitado. Isso muda o papel de profissionais e pacientes e como eles interagem uns com os outros. Os pacientes agora podem se envolver em ações individuais, dirigidas, contínuas e participativas (GUILLAMON et al, 2010).
Winzelberg et al (2003), ao estudarem um grupo de ajuda na internet para pacientes do sexo feminino com câncer de pulmão, verificaram que os membros usavam o grupo para trocar informações, providenciar ajuda social e promover empoderamento pessoal e do grupo. As participantes reportavam que o fato de estarem juntas facilitava a mudança no foco de preocuparem-se apenas com a própria saúde para pensarem coletivamente. Em 2004, também tendo pacientes com câncer como sujeitos de pesquisa, Ziebland et al verificaram que os pacientes usavam a internet para procurar uma segunda opinião, buscar ajuda e informações de experiências de outros pacientes, interpretar sintomas, procurar informações sobre testes e tratamentos para interpretar exames, identificar perguntas para os médicos, fazer perguntas anônimas e conhecer melhor sobre o câncer.
Esse fato também foi percebido em outro estudo (STEELE, 2011), que relatou a categorização para os usos da mídia social na área de saúde. Para o autor, as categorias versam sobre interações de pacientes com pacientes; médicos e pacientes; saúde pública e usuários; pesquisadores e pacientes; e, por fim, corporações e pacientes. Na primeira, que é objeto deste capítulo, a relação entre pacientes na rede sugere que esse relacionamento oferece suporte emocional e divisão de informações entre pacientes que tenham condições de saúde parecidas, facilitando a troca de experiências e acompanhando outros tipos de tratamento.
A base de serviços oferecidos pela maioria das comunidades virtuais de saúde é um mix de suporte emocional e divisão de informações gratuitas oferecidas aos usuários desses grupos. Swan (2009) acredita que algumas redes sociais de saúde podem enfatizar uma ou outra dessas áreas, como informações de pesquisa ou conexões com serviços sociais de apoio. A pesquisadora ressalta que o suporte emocional e social e o empoderamento dos pacientes são componentes importantes nessas redes, que se traduzem aos pacientes internautas em uma frase: "Você não est sozinho".
Fan et al (2010) tentam discutir a razão pela qual as pessoas confiam em comunidades virtuais de saúde. Para as pesquisadoras, o computador conecta pessoas com as mesmas condições de saúde, promovendo um círculo de amigos virtuais que buscam suporte emocional e compreensão mútua que não é possível obter fora do ambiente virtual. Outra singularidade é a questão do anonimato das pessoas que têm algum sofrimento físico e que, nesses espaços, podem dividir suas dores e preocupações. Também, conforme salientam as pesquisadoras, há aqueles que estão descontentes com os profissionais de saúde que os atendem ou que precisam verificar informações dadas por eles com os amigos da rede social, como uma segunda opinião. Fan et al acreditam que as pessoas geralmente se sentem mais confiantes quando pensam que os demais do grupo são parecidos com elas, o que acontece nas redes sociais virtuais, cuja ênfase se dá nas experiências pessoais dos participantes. As mensagens trocadas nos grupos virtuais são quase histórias de vida, que ajudam a todos que aprendem com as experiências alheias.
Tendo como base comunidades virtuais de saúde em Portugal, Moreira e Pestana (2012, p. 52) verificaram que a partilha da vivência de situações idênticas é sinônimo de solidariedade e de compreensão entre as pessoas, que nesses casos são os doentes, os seus familiares, os seus cuidadores informais e também profissionais de saúde. A partilha dos sentimentos, emoções, de informações sobre a medicação e os efeitos secundários dos tratamentos são fatores que contribuem para uma melhor aceitação da doença e uma diminuição dos níveis de ansiedade. Os autores acreditam que o fato de os doentes serem informados pelos seus pares sobre a sua doença, os efeitos secundários dos tratamentos e as alterações no seu modo de vida fazem com que estes se tornem mais participativos e questionem, com um maior conhecimento de causa, os profissionais de saúde, o que acaba empoderando os pacientes. Os pesquisadores identificaram que, para todos os participantes do estudo português, é consensual que essas comunidades são "geradoras de conhecimento" e "um veículo importante para a disseminação da informação e do saber". Moreira e Pestana relatam que o estudo permitiu afirmar que as comunidades virtuais de doentes representam uma extraordinária oportunidade para o desenvolvimento da comunicação no âmbito de promover uma maior literacia (capacidade de cada indivíduo em compreender e usar a informação escrita, contida em vários materiais impressos, de modo a desenvolver seus próprios conhecimentos) em saúde e comprovam ser a nova era de empowerment dos doentes e de um sistema de saúde centrado nos doentes. Os pesquisadores trazem até uma ilustração do mundo real e do mundo virtual de uma comunidade que discute saúde, descrita pelos próprios sujeitos de pesquisa portugueses (p. 53):

Fonte: Moreira & Pestana, 2012.

Gómez-Zuñiga et al (2012) acreditam que, usando a informação e tecnologias de comunicação, como sites sociais, os pacientes podem dividir seu conhecimento implícito sobre suas doenças:

Participando de comunidade e fóruns, blogando ou tuitando, estas são algumas das atividades dos então chamados 'e-pacientes', indivíduos que são equipados, aptos, empoderados e engajados em sua saúde e decisões de cuidado sobre sua saúde" (GÓMEZ-ZUÑIGA et al, 2012, p. 1).

Considerações finais
O estudo desse novo relacionamento de emissor, destinatário, mensagem e receptor, tendo os pacientes e profissionais de saúde como atores, tem sido objeto de estudo na academia. Como o conhecimento é algo cuja construção é lenta, ainda há várias lacunas a serem estudadas e, consequentemente, acrescentadas ao que vem sendo pesquisado sobre o tema.
Eysenbach (2008) acredita que um novo campo de pesquisa esteja emergindo na área da comunicação e saúde, principalmente aos que se interessam por ferramentas colaborativas e empoderamento de usuários. Nesse segmento há boas perspectivas para os pesquisadores. É claro que há vida além da internet e que nem todos os enfermos têm acesso às redes, entretanto, num cenário em que a conexão aumenta a cada dia, a força dos neopacientes tende a crescer, exigindo mais preparo dos profissionais de saúde no quesito comunicação, que se fará além dos consultórios e dos horários fixos de consulta.
Referências

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