Insetívoro ou oportunista? A dieta do joão-bobo, Nystalus chacuru (Galbuliformes: Bucconidae)

May 30, 2017 | Autor: M. Crozariol | Categoria: Neotropical ornithology
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Insetívoro ou Oportunista? A dieta do joão-bobo, Nystalus chacuru (Galbuliformes: Bucconidae)

ros da família Bufonidae apresentam glândulas de veneno distribuídas pelo corpo, além de duas grandes glândulas atrás dos olhos, a chamada defesa passiva (Gomes 2009); alguns insetos expõem cores chamativas para assustar o predador, conhecido como comportamento deimáticos; marsupiais são bastante agressivos quando acuados, se defendendo às mordidas, a defesa ativa. Em todos os casos, nenhum dos tipos de defesa funcionou contra o joão-bobo. Conclui-se que Nystalus chacuru é uma espécie basicamente insetívora, porém, não descarta outros invertebrados, ou mesmo pequenos vertebrados em sua dieta. Alguns autores costumam separar as espécies em guildas para explicar e/ou agrupar as espécies de aves de acordo com os objetivos propostos em trabalhos ecológicos. Dessa maneira sugere-se que o joão-bobo deva ser considerado como um predador-oportunista.

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Marco Aurélio Crozariol & Felipe Bittioli R. Gomes2,3 A família Bucconidae é exclusiva das Américas (Skutch 1948) e está representada no Brasil por 26 espécies (CBRO 2009). Segundo Schubart et al. (1965) os Bucconidae são tipicamente entomófagos, caçando insetos, principalmente em vôo (Sick 1997). Embora considerados insetívoros, já foram registrados outros invertebrados em sua dieta, como onicóforos (Peripatus sp.), e vertebrados, como lagartos (Schubart et al. 1965, Sick 1997, Sigrist 2006). O joão-bobo, Nystalus chacuru, é a espécie mais conhecida da família fora da Amazônia, habitando lugares abertos como o Cerrado, campos de cultura e beira de estradas (Sick 1997, Sigrist 2006). Está distribuído por quase todo o Brasil, do nordeste e leste do Peru até o Rio Grande do Sul, mas ausente em grande parte da Amazônia. Ocorre também no Paraguai, Bolívia e Argentina (Sick 1997).

Agradecimentos Os autores são gratos a todos os colegas fotógrafos que gentilmente cederam seus registros fotográficos para o desenvolvimento deste trabalho (créditos abaixo). Felipe B. R. Gomes agradece a bióloga Renata C. Santo de Lima pela auxilio no levantamento bibliográfico e ao companheirismo incondicional. E Marco A. Crozariol a Bruna de Aquino Yokota pelo constante incentivo nos estudos ornitológicos. Também a Francisco Mallet-Rodrigues e Sergio Almeida pela revisão do manuscrito.

Métodos e Objetivos Após verificarmos diversos registros fotográficos de indivíduos de joão-bobo se alimentando de pequenos vertebrados, publicados no site do Wikiaves (http://www.wikiaves.com.br), objetivou-se realizar uma revisão na literatura impressa e em meio digital sobre os diversos itens alimentares utilizados pela espécie, já que o percebido nas fotos parecia acrescentar informações ao que era conhecido até então para a espécie. Resultados Figura 1 – Exemplos da diversidade de invertebrados utilizados na dieta de N. chacuru. Poucas informações foram encontradas sobre a alimentação do joão-bobo na literatura, mesmo sendo essa uma registro no qual o joão-bobo prende uma minhoca (Oligochaeta) em das espécies de Bucconidae mais comuns e de maior distribuição no seu bico (Figura 1C). Brasil. Para os vertebrados, anfíbios (Amphibia) foram encontrados em Em literatura, na quase na totalidade dos casos, a utilização de intrês casos. As espécies apresadas foram: Leptodactylus cf. ocellatus, vertebrados como alimento da espécie prevaleceu. O único trabalho Scinax sp. e Rhinella cf. pombali (Figuras 2B, 2D e 2G respectivaencontrado e que cita a presença de vertebrados em sua alimentação mente), além de um registro em literatura, não encontrado no site, da foi Schubart et al. (1965), que informam a presença de dois lagartos predação de um espécime de Proceratophrys sp. (Kanegae & Aguino conteúdo estomacal da espécie. lar, 2009); seguidos por lagartos (Squamata), das espécies: Com a revisão no acervo digital do site Wikiaves, encontramos Polychrus acutirostris (Figura 2C) e Cnemydophorus sp. (Figuras nove registros que apresentam a espécie com diferentes itens apresa2E e 2F); além de um pequeno mamífero marsupial, Monodelphis dos, indicando sua utilização na dieta. Cinco deles são com inverteamericana (Mammalia) (Figura 2A). brados e quatro com vertebrados. Os invertebrados foram, na maioria, insetos de diferentes ordens Discussão taxonômicas, sendo: besouros (Coleoptera), esperanças (OrthopteOs insetos de fato parecem ser os itens mais consumidos pela esra), mariposas (Lepidoptera) e cigarras (Homoptera) (Figuras 1A, pécie, como já citado por Schubart et al. (1965), que analisaram o 1B, 1D e 1E, respectivamente). Além dos insetos, foi encontrado um conteúdo estomacal de 10 exemplares e encontrou insetos em todos

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Créditos de autoria, espécie predada e local do registro, em ordem de citação: Daniel Becho, besouro, Carrancas/MG; Flávio Guglielmino, esperança, Mogi das Cruzes/SP; Figura 2 – Exemplos da diversidade de vertebrados utilizados na dieta de N. chacuru. Gabriel Moraes, minhoca, Salesópolis/SP; Rodolfo Viana, mariposa, Vassouras/RJ; Marceeles. No entanto, a presença de outros grupos animais utilizadas pelo lo H. M. Barreiros, cigarra, Taubaté/SP; Ricardo Mendes, sapo, joão-bobo, e aqui compiladas, indicam que a espécie possui uma aliEstrela do Indaiá/MG; Pedro Máfia, perereca, Barão de Cocais/MG; mentação mais oportunista do que insetívora. Beto Ramos, rã, Poços de Caldas/MG; Bruno Salaroli, lagarto, CoA captura de uma minhoca, por exemplo, que apresenta hábitos calzinho de Goiás/GO; Ana Cavalcante, lagarto, Alto Paraíso de Gocrípticos e fossoriais reforça essa idéia. Os Bucconidae se reproduiás/GO; Bertrando Campos, lagarto, Alto Paraíso de Goiás/GO; Josizem em buracos escavados no solo, barranco ou mesmo cupinzeiros el Briet, marsupial, São Luis do Paraitinga/SP; Luiz Mazzoni, regurarbóreos (Sick 1997) e nesse momento poderia então encontrar ougitando, Morro do Pilar/MG. tros invertebrados, como pode ter sido o caso desta minhoca. Outra alternativa é a captura desta presa logo após uma forte chuva quando Referências Bibliográficas Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO) Listas das aves do Brasil. Veras minhocas saem do solo por causa do encharcamento. são agosto de 2009. http://www.cbro.org.br (acesso em 10/10/2009). Uma característica que chama a atenção é o tamanho e a maneira Gomes, F. B. R. (2009). Perigoso, mas gostoso: registro da predação de duas espécies como a espécie ingere suas presas. Schubart et al. (1965) relatam um de “sapos-verdadeiros” por aves. Atualidades Ornitológicas 151: 8. Kanegae, M. F. & T.M. Aguilar (2009) Proceratophrys sp. (NCN). Predation. Herpelagarto com 19 cm de comprimento encontrado no conteúdo estotological Review 40(1): 72-73. macal em um dos exemplares. O lagarto observado em nosso regisSchubart, O., A.C. Aguirre & H. Sick (1965) Contribuição para o conhecimento da alitro possui um tamanho aproximado a este (2C), sendo do tamanho mentação das aves brasileiras. Arquivos de Zoologia. 12: 95-249. da própria ave, que possui em média 18 cm de comprimento. Sigrist Sick, H. (1997) Ornitologia Brasileira. Edição Revista e ampliada por José Fernando Pacheco. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro. 672 p. (2006) observou que pequenas serpentes podem ser engolidas inteiSigrist, T. (2006) Aves do Brasil: Uma visão artística. Edição do autor, 672 p. ras por espécies dessa família. Em nosso registro, durante a predaSkutch, A.F. (1948) Life history notes on Puff-birds. The Wilson Bulletin, 60(2): 81ção do pequeno marsupial (Figura 2A), pode-se observar a grande ca97. pacidade de abertura maxilar e das grandes dimensões das presas que a espécie habilmente consegue ingerir. Essa capacidade de apre1 – Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação sar grandes animais deve-se, provavelmente, a morfologia do bico de Aves, Universidade Federal do Tocantins (UFT), da espécie, que mesmo não sendo capaz de dilacerar a presa, possui a Palmas. [email protected]; 2 – Coordenação base forte e grande capacidade abertura (Figura 2H). de Pesquisas em Ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas Algumas presas apresentam diferentes artifícios defensivos quanda Amazônia – CPEC/INPA; 3 – Clube de Observadores do estão sendo predadas e/ou encontram-se em risco: anfíbios anude Aves do Vale do Paraíba, SP (COAVAP). Atualidades Ornitológicas Nº 154 - Março/Abril 2010 - www.ao.com.br

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