Insider Trading e a (Des)Confiança do Investidor no Mercado

September 2, 2017 | Autor: G. Brenner Lucchesi | Categoria: Direito Penal, Insider Trading, Direito Penal Econômico
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INSIDER TRADING E A (DES)CONFIANÇA DO INVESTIDOR NO MERCADO Guilherme Brenner Lucchesi Doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Direito pela Cornell Law School. Diretor Financeiro Adjunto do IBDPE. Professor Substituto da UFPR. Advogado, com habilitação para o exercício profissional da advocacia no Estado de N ova York, EUA. Ainda que tipificado no direito brasileiro sob a rubrica “uso indevido de informação privilegiada” (art. 27-D, Lei 6.385/1976) desde 2001, o delito de insider trading apenas despertou interesse doutrinário no Brasil a partir da do “Caso Sadia”, no qual ex-diretores da Sadia S.A. foram condenados por terem, a partir informações privilegiadas da aquisição das ações de emissão da Perdigão pela Sadia, procedido à compra de valores mobiliários daquela por meio de empresas “laranjas” na Bolsa de Valores de Nova York, obtendo vantagem indevida pela valorização das ações adquiridas quando da divulgação da oferta de aquisição. Dentre as discussões teóricas acerca da tipificação, revela-se ainda controversa a identificação do bem jurídico tutelado pela norma penal. Para além das discussões acerca do alcance do conceito de bem jurídico como limite à atividade legiferante estatal1 , entende-se que só podem ser criminalizadas as condutas realmente lesivas de bens jurídicos, limitando a aplicação de sanções penais àquelas condutas que não poderiam ser de outra forma evitadas e que tenham relevância social suficiente para admitir a invocação da assim denominada ultima ratio. Ao julgar o Caso Sadia, entendeu o TRF da 3.ª Região que o bem jurídico tutelado pela criminalização do delito de insider trading “consiste na confiança depositada pelos investidores no mercado a fim de assegurar o correto funcionamento do mercado de capitais”, definindo que “a credibilidade das operações do mercado de valores mobiliários se consubstancia na transparência das informações e na divulgação ampla de fato ou ato relevante a fim de garantir a igualdade de condições a todos investidores de operar no mercado de capitais”.2

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Ocorre que a positivação de norma penal no ordenamento jurídico não se mostra capaz de tutelar, de fato, uma pretensa “confiabilidade”. Seguindo o raciocínio exposto na decisão, por saberem que o insider trading é tipificado, investidores teriam incentivo a negociar valores mobiliários, enquanto que a ausência de tipificação tornaria o investimento em questão menos atraente. Porém, a primeira denúncia de que se tem notícia oferecida no Brasil referente ao delito de insider trading ocorreu em 2009, tratando de eventos de 2006. A não ser que se admita que esta foi a única vez em que tal conduta foi praticada no Brasil, há de se concluir que a prática desta conduta tende a cair na que se chama a “cifra negra” da criminalidade. Portanto, mesmo tipificado o delito de insider trading pela Lei 10.303/2001, ainda há condutas desta natureza que não são investigadas nem processadas pelo Poder Judiciário. Não haveria como se afirmar, desta forma, que a tipificação deste fato gera um “sentimento de confiança” nos investidores, pois, sob esta ótica, muitos atos de insider trading em tese já praticados estariam impunes. Não há como se dizer, todavia, que a ausência de condenações por esta prática delitiva tenham contribuído para o descrédito no mercado de valores mobiliários. Ademais, é de todo inconstitucional a tipificação penal de uma conduta baseada no apaziguamento social gerado pela própria tipificação, em franca invocação da função simbólica do Direito Penal. Assim, o delito estaria tipificado no ordenamento jurídico apenas para que os outros pudessem ver que o Brasil é um país que criminaliza o insider trading, sendo que na prática a realidade é diversa: uma década só

trouxe à tona uma acusação formal. Não se pode olvidar, por outro lado, a existência de escritos que apontam à inexistência de lesividade empiricamente comprovável na conduta de insider trading. Segundo Henry G. Manne3 e Frank P. Smith4 , ao utilizar as informações privilegiadas a que teve acesso, o autor do delito de insider trading sinaliza que considera determinadas ações sobrevalorizadas ou subvalorizadas, ao comprá-las ou vendê-las. Constituiria, portanto, uma maneira precisa e eficaz de sinalizar ao mercado informações confiáveis. Não haveria, portanto, lesividade em tal conduta, pois, em realidade, aqueles que negociam no mercado de valores mobiliários não deixariam de realizar transações e o fariam a um preço pior. Isto porque, caso, por exemplo, um insider venda ações esperando que seu valor sofra uma redução, tal venda provavelmente reduzirá o valor de compra para o comprador, que compraria independentemente da ação do autor da conduta. A prática de insider trading pode até mesmo tornar o mercado mais eficiente, pois influi nos preços do mercado, tornando-os mais próximos àqueles posteriores à divulgação pública das informações utilizadas. Seria uma forma de “telegrafar” aos investidores a tendência (trend) que será seguida pelo mercado após a divulgação de fato relevante, antecipando seus efeitos. A lógica adotada por segmentos da doutrina, e reproduzida pelo Judiciário no Caso Sadia, é fundada na falsa premissa de que o insider trading traz necessariamente alguma espécie de prejuízo ao mercado de valores, o que carece de comprovação empírica. Verdade é que, ainda que muito se analise em relação aos aspectos penais deste “novo” delito, sabe-se muito pouco sobre os fenômenos bursáteis, em especial, o que move o investidor. Não se pode desconsiderar, no entanto, escritos econômicos que revelam eventual aumento na eficiência das transações. A partir deste ponto de

vista, deve-se deslocar a discussão para os motivos que levam à indesejabilidade desta conduta e a legitimidade de sua tutela pelo Direto penal, que deveria se preocupar apenas com aquelas condutas lesivas a bens jurídicos essenciais à vida humana em sociedade. 1 Por todos, vide ROXIN, Claus. El concepto de bien jurídico como instrumento de crítica legislativa sometido a examen. Trad. de Manuel Cancio Meliá. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, Granada, n. 15-01, 2013. 2 Neste sentido, SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos! – Sobre os limites invioláveis do direito penal em um Estado de Direito liberal. Trad. de Luís Greco. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, n. 53, 2005, p.9-37. 3 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Acórdão n.º 8433/2013. Apelação Criminal n.º 000512326.2009.4.03.6181/SP. Rel. Luiz Stefanini, 14 Fev. 2013. Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3.ª Região, São Paulo, n. 29, 2013. 4 MANNE, Henry G. Insider trading and the stock market. In: MCCHESNEY, Fred S. The collected works of Henry G. Manne. Vol. 2.Indianapolis: Liberty Fund, 2009. 5 SMITH, Frank P. Management trading: stock-market prices and profits. New Haven: Yale University Press, 1941.

NOTAS SOBRE AS CAUTELAS PESSOAIS E OS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA Luiz Antonio Câmara Doutor e mestre pela UFPR. Advogado criminal. As cautelas penais de natureza pessoal (com destaque para a prisão temporária e a prisão preventiva) experimentam no Brasil um excessivo protagonismo. Impõem-se, a rigor e não raro, contrariamente a um processo penal constitucional ou constitucionalizado. A incidência de medidas cautelares pessoais nos crimes contra a ordem econômica (especialmente tributários, previdenciários, contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro) tem forte presença na praxis cotidiana, especialmente no âmbito da Justiça Federal. Num certo período, da metade da última década do século anterior até o fim da primeira do atual século, viu-se, em tal esfera, uma feroz e renovada caça às bruxas comandada por magistrados justiceiros. Em 2008 o Supremo Tribunal Federal, no caso Dantas-Satiagraha, estabeleceu limites para a atuação dos juízes-polícia, mas, infelizmente, ainda hoje, é possível testemunhar a onipresença dos magistrados/investigadores/ acusadores, que também julgam o caso, exercendo um papel político-ideológico bem definido através das prejudiciais político-ideológicas da atividade interpretativa (FIANDACA-MUSCO). A incidência destas é bastante frequente e visível nos

últimos tempos, particularmente quando se trata da tutela de interesses coletivos ou difusos como administração pública, meio ambiente, ordem econômica, etc. Tais prejudiciais consistem numa atividade supletiva do juiz em relação aos outros poderes do Estado, vistos pelo Judiciário como incapazes e insuficientes. Emerge daí, um direito penal jurisprudencial, que tende a superar os limites de tutela legislativamente demarcados, demonstrando, de forma macroscópica, um componente criativo de uma atividade interpretativa politicamente orientada. Esse fenômeno se escancarou no Brasil no período assinalado com a utilização de cautelas que ostentam como fim único o asfixiamento do acusado já no curso das investigações preliminares. Consolidou-se a sumarização da justiça na esfera da “criminalidade dos poderosos”. Nos crimes destacados, atribuídos preponderantemente a sujeitos ativos empresários, sobejam prisões provisórias com negação evidente dos princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência. Num quadro como o descrito a superabundância de prisões provisórias confronta o princípio da dignidade humana. A imposição demasiada de prisões temporárias afasta o homem da concepção kantiana de sujeito, retomada por GÜNTER DÜRIG ao assentar referências concretizadoras do princípio. O abuso na utilização de tais cautelas encontra na re-

Boletim informativo | IBDPE | Setembro/Outubro de 2014

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