Instituições de ensino e práticas educativas_ contextualização histórica com a biblioteca escolar e relações de poder

June 14, 2017 | Autor: A. Kornalewski | Categoria: Biblioteca escolar, Práticas Educativas, Instituição de ensino
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INSTITUIÇÕES DE ENSINO E PRÁTICAS EDUCATIVAS: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA COM A BIBLIOTECA ESCOLAR E RELAÇÕES DE PODER.

KORNALEWSKI, Alex Medeiros Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) – Programa de Pós Graduação em Memória Social (PPGMS) Rua Barata Ribeiro, 316. CEP: 22040-002 [email protected]

RESUMO Pretende-se uma reflexão bibliográfica e empírica sobre as contextualizações históricas das instituições de ensino e práticas educativas em consonância com o perfil das bibliotecas escolares. Para tal, se faz necessário o conceito e o que se entende por instituição de ensino, sua construção, além do conceito de escola. Após isto, discorrer sobre a institucionalização das práticas pedagógicas, considerando a influência do Estado e da Igreja, inseridos num contexto histórico do aparecimento das instituições de ensino e suas bibliotecas escolares. Considera-se as práticas educativas aplicadas pelas instituições de ensino apoiadas numa proposta teológico-científica. Em seguida, pretende-se pensar sobre o declínio das bibliotecas escolares nestas instituições, considerando para o presente trabalho, as bibliotecas dos conventos, especificamente das instituições de ensino formadas pelos padres da Companhia de Jesus. Em aditamento, as relações de poder vigentes na consolidação do trabalho pedagógico nas instituições de ensino e sua constituição, evocam a relação tripartite: poder, direito e verdade, permitindo uma análise sob á luz de Michel Foucault. Finalmente, questionar determinados empecilhos nas instituições de ensino, oriundos da ausência de comunicação por parte das instituições de ensino e das bibliotecas, bem como propor soluções, uma vez que esta ausência de comunicação se institucionalizou historicamente. Palavras-chave: Instituição de ensino. Práticas educativas. Biblioteca escolar.

II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

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1 INTRODUÇÂO As instituições regulam, moldam e constroem a sociedade em diversos contextos, aos quais pretendo elencar a cultura organizacional e especificamente os instrumentos pedagógicos atuantes na sociedade por intermédio das instituições de ensino e suas bibliotecas, utilizando como fundo para diálogo as instituições que historicamente exercem seus papéis no Brasil: o Estado e a Igreja, de forma a refletir sobre as ações destas instituições, apropriando-se de uma breve historiografia que relaciona as instituições em questão como um poder que atua desde a constituição das primeiras escolas pelos jesuítas, com o intuito prímevo de catequizar índios e instruir colonos. Estas informações históricas são necessárias como base para analisar o objetivo geral do trabalho, que visa a entender como estas forças que atuam historicamente, mantém até os dias de hoje suas raízes espalhadas na cultura política-pedagógica do país, além de visualizar questões culturais ainda muito fortes nas bibliotecas escolares e apontar aspectos pertinentes ao perfil do bibliotecário destas instituições. Logo, é mister o entendimento sobre o conceito de instituição, particularmente instituições de ensino, onde ocorre uma relação intima entre a igreja e as bibliotecas escolares, onde uma reflexão sobre a prática educativa é crucial. Em aditamento, será tratado o aparecimento das instituições de ensino em consonância com as bibliotecas escolares, sendo vital o entendimento do conceito de escola, além de considerar a constituição e o exercício das relações de poder exercida pelo Estado, Igreja e suas respectivas instituições de ensino, sem denunciar o poder como algo unívoco e dotado de uma instituição em particular, uma vez que o poder não é das instituições mencionadas, porém é exercido por elas (FOUCAULT, 1979). Também se considera importante trabalhar sobre o declínio da companhia de Jesus e consequentemente de suas instituições de ensino e bibliotecas, uma vez que as práticas destas instituições, outrora memória, se institucionalizaram como história no perfil das bibliotecas escolares, frente às instituições de ensino, atuando ainda de forma tímida, com poucas conquistas dentre as quais a mais recente é a lei 12.244/10, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas escolares. Questões como a comunicação interna (instituição de ensino, biblioteca, professores, bibliotecários entre outros) e externa (especificamente políticas) nas instituições de ensino serão ponderadas em prol de possíveis soluções a problemas com implicações históricas.

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2 APONTAMENTOS SOBRE AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO Instituição, palavra polissêmica empregada constantemente no cotidiano, independente do objetivo ao qual a instituição se preze. A priori, podemos vislumbrar uma instituição como algo que compreende um conjunto de normas, uma determinada cultura. Segundo Torrinha (1945, p. 434 apud SAVIANI, 2005, p. 27): A palavra “instituição” deriva do latim institutio, onis. Este vocábulo apresenta uma variação de significados que podem ser agrupados em quatro acepções: “1. Disposição; plano; arranjo. 2. Instrução; ensino; educação. 3. Criação; formação. 4. Método; sistema; escola; seita; doutrina”.

O conceito de instituição abarcou inúmeras outras acepções segundo os dicionários atuais, entretanto, cabe-nos considerar as acepções acima, tendo em vista sua clara visualização com os escritos de Foucault, em particular a chamada ortopedia social. A instituição, especificamente as instituições de ensino ao qual o presente artigo trata, envolve as quatro acepções mencionadas na definição acima. A disposição geográfica, planejada e projetada para atuar de forma eficiente, por exemplo, as instituições de ensino jesuítas, que em suas missões atuaram em diversos pontos com o objetivo de catequizar índios e colonos, sendo, portanto, uma apreciação estratégica da disposição geográfica. O diálogo da religião com a política foi essencial para a conquista e decisão dos Estados em que a instituição dos jesuítas demarcaram o principio de sua atuação. Perante a instrução, educação e formação profundamente religiosa dos jesuítas, percebem-se com mais clareza um controle disciplinar que permite a institucionalização de métodos, sistemas e doutrina das instituições de ensino, incluindo, por exemplo, os índios e colonos num sistema de ortopedia social, uma vez que estas instituições religiosas de ensino regulam o corpo tornando-os, segundo as palavras de Foucault, dóceis. Logo, o exercício do poder no ensino inclui os corpos numa cultura institucionalizada, neste caso, a um aparelho de transmissão do saber, moldando os indivíduos dentro de um processo de produção, formação e correção de si mesmos, excluindo aqueles que não se adaptem ao sistema em questão, onde temos múltiplas acepções que se coadunam em prol do exercício de um poder (FOUCAULT, 2003).

Em crítica, podemos pensar nesta breve colocação sobre as instituições de ensino, no caso jesuíta, como um espelho da nossa contemporaneidade, haja vista que só recentemente temos uma política de Estado, aliada as instituições de ensino que promovem até certo ponto

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a inclusão social, por intermédio de leis e diretrizes. Entretanto, independente das relações de poder atuantes, torna-se crível a seguinte definição de Saviani (2005, p.28): As instituições são criadas como unidades de ação. Constituem-se, pois, como um sistema de práticas com seus agentes e com os meios e instrumentos por eles operados tendo em vista as finalidades por elas perseguidas. As instituições são, portanto, necessariamente sociais.

A citação leva-nos a pensar sobre três pontos: primeiro o nascimento das instituições de ensino ocorre em prol de uma utilidade, esta de acordo com seus respectivos objetivos, segundo são sociais, haja vista que atuam num determinado campo e terceiro, constroem uma cultura institucional. Em exemplo, podemos pensar na constituição de uma instituição de ensino desde sua construção espacial: arquitetura, plantas, normas impostas pelo Estado, os professores, alunos, disciplinas, organização curricular, gestores, disposição das mesas nas salas de aula, enfim, a toda uma micropolítica que constrói a instituição de ensino e possibilita que a mesma exerça sua relação de poder, poder este que não é de posse das instituições, somente é exercido, de forma a disciplinar utilizando-se de um espaço que fecha, quadricula, é funcional e intercambia hierarquias, tendo como exemplo a relação entre o professor e seus alunos (FOUCAULT, 2011).

Quando pensamos na construção das instituições de ensino e as implicações de poder que nelas atuam, implica-nos discorrer sobre o alicerce destas instituições: o processo de produção e reprodução. Uma vez que as instituições de ensino e mesmo as bibliotecas que lhe atendem, devem constantemente produzir e se auto-reproduzir, para manter-se atualizado, assegurando suas funções no espaço em que ocupa. Podemos desenvolver este entendimento em cima da seguinte preposição: Todo sistema de ensino institucionalizado, deve as características especificas de sua estrutura e de seu funcionamento ao fato de que lhe é preciso produzir e reproduzir, pelos meios próprios da instituição, as condições institucionais cuja existência e persistência (auto-reprodução da instituição) são necessários tanto ao exercício de sua função própria de inculcação quanto à realização de sua função de reprodução de um arbitrário cultural do qual ele não é o produtor (reprodução cultural) e cuja reprodução contribui à reprodução das relações entre os grupos ou as classes (reprodução social) (BOURDIEU; PASSERON, 1975, p.64).

Percebe-se que as instituições de ensino necessitam produzir, no entendimento de que este processo dialoga com o externo, o ambiente em que a instituição se encontra, entretanto, deve-se considerar a auto-reprodução como um processo essencial para a manutenção das instituições, por exemplo, a atualização dos professores, disciplinas, métodos de ensino entre outros.

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Avigoro quanto à frase “sistema de ensino institucionalizado”, uma vez que uma instituição cujas práticas estão consolidadas por intermédio de sua estrutura e práticas educativas, deve ser pensada como instituições de ensino secundário, pois o exercício de suas funções então institucionalizadas, seja no ensino empregado pelas primeiras escolas jesuítas até a nossa contemporaneidade, possuem relações de poder que em sua atuação ancora múltiplos dados, informações, que outrora eram utilizadas de modo difuso e inintencional. Logo, as instituições de ensino, Igreja e o Estado exercem um trabalho pedagógico secundário, haja vista que este trabalho, por meio de suas objetivações, exerce uma ordem e percepção no que outrora eram apenas práticas difusas (SAVIANI, 2005; MOSCOVICI, 2010). Após os apontamentos sobre as instituições de ensino, vale pensarmos: como se dava a relação dessas instituições com suas respectivas bibliotecas? Qual era o papel das bibliotecas, principalmente as bibliotecas escolares, que serviam uma das primeiras instituições de ensino do Brasil? E que características das bibliotecas da nossa contemporaneidade podemos identificar como traços oriundos de um perfil que era aplicável as antigas bibliotecas jesuítas?

3 Biblioteca jesuíta: espelho da nossa contemporaneidade A proposta de diálogo entre as instituições de ensino e suas respectivas bibliotecas, nos remete a gênese do ensino no Brasil, especificamente em 1549 com a instalação do Governo Geral, em Salvador (Bahia). A partir desta data que se iniciou o sistema educacional no Brasil, por intermédio de inúmeras ordens religiosas, dentre as quais a Companhia de Jesus, propiciando e institucionalizando métodos de ensino, além dos primeiros acervos do país (SANTOS, 2010). Nota-se algumas questões: A companhia de Jesus foi fundada em Paris, inserida num contexto da Reforma Católica, vista como um ato de reposta a Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero. A companhia de Jesus em acordo com o pedido de D. João III, Rei de Portugal, foi solicitada para iniciar sua atuação no Brasil, onde foram trazidos pelo governador-geral Tomé de Sousa. Sendo assim, a atuação dos jesuítas e seu objetivo de catequização e ensino, torna-se claro, na medida em que o diálogo com Portugal abre um portão para os interesses de ambos, Igreja e Estado: a primeira recebe ampla geografia para a disseminação da doutrina religiosa, uma emergência sendo este período o limiar dos conflitos entre protestantes e católicos, além do auxílio financeiro para seus objetivos, a segunda amplia sua comunicação e consolidação do controle da colônia, ao catequizar índios

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que passariam a seguir os preceitos católicos e consequentemente suas obrigações com o Estado. Esta relação entre a Igreja, por intermédio dos jesuítas e o Estado, nos possibilita ao primeiro entendimento na construção das práticas educativas no país: a criação do ensino no país deve sua origem a relações de poder entre o Estado e a Igreja, baseada numa filosofia europeia. A partir desta relação, foi possível a expansão da atuação missionária e educacional no Brasil-colônia, promovendo a criação de inúmeros colégios jesuítas que empregavam o método escolástico de ensino, e logo após o primeiro plano educacional, intitulado Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu1, ou Ratio Studiorum, consolidando sua versão definitiva em 1599. A partir de então, institucionalizou-se o plano pedagógico dos jesuítas em consonância com a criação das primeiras bibliotecas, que segundo Silva (2011, p. 492): As localidades que mais se destacaram foram: Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Pernambuco (Olinda e Recife) e Pará [...] com relação à estrutura física, acervo e presença de profissionais considerados intelectuais, para gerenciar as atividades da biblioteca.

Temos a gênese da atuação do bibliotecário nas primeiras instituições de ensino do Brasil: as bibliotecas dos colégios jesuítas, cujo perfil é a disponibilização imediata de acervo escolástico aos jesuítas e ao Estado, evidenciando ainda um modelo de biblioteca conservadora, de atendimento ainda restrito e focado nos serviços de processamento do acervo, atuando somente como biblioteca escolar dos jesuítas. Em acréscimo e de igual importância, vale considerarmos o dito anteriormente sobre a micropolítica oriunda das relações de poder, pois não foi inintencional a escolha geográfica de construção das instituições de ensino jesuítas, uma vez que os estados citados a pouco eram os de maior atividade econômica, possibilitando uma interação entre o Estado e Igreja no exercício do poder. Logo, podem-se vislumbrar estas bibliotecas como a grande seiva, o núcleo, que propiciava o vigor das instituições de ensino em questão por intermédio do acesso a informação e fomento a pesquisas, propiciando a disseminação dos propósitos jesuítas. Todavia estas fomentadoras foram constituídas como biblioteca escolar, o que nos faz pensar sobre a origem e o conceito da palavra escola. Escola, do grego σχολή (scholē), significa etimologicamente, o lugar do ócio. Com o deslocamento das práticas jesuítas focadas nos altos membros da classe e os próprios jesuítas, torna-se possível entender a empregabilidade deste conceito de escola nas instituições de ensino e suas bibliotecas. A escola era para aqueles que tinham tempo livre, o que diverge das práticas do cotidiano da sociedade em

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“Formação da Companhia de Jesus e do Sistema de Estudo”.

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geral, que estão inseridos nos processos de trabalho, demonstrando que a balança que pesa as relações de poder, por diversas vezes pende para o lado de determinadas macro-instituições, por exemplo, a Igreja e o Estado em detrimento da macro-instituição compreendida pelos trabalhadores e suas múltiplas classes (SAVIANI, 2005). Uma vez que o acesso a instituições de ensino e suas bibliotecas escolares era fornecido para poucos em detrimento de muitos, não seria esta, uma relação de poder que ainda vigora na nossa contemporaneidade? Todavia a relação entre instituições que se legitimam e controlam o corpo social se da perante uma linha tênue que pode ser rompida a qualquer momento. Foi o caso da relação entre a Igreja e o Estado. A ascensão do ideal iluminista, originária na França, perpetuou e atravessou os mares, consolidando práticas no Brasil. Uma delas foi a proibição do noviciado introduzido por Marquês de Pombal em 19 de maio de 1835, enfraquecendo e consolidando o declínio dos conventos jesuítas, uma vez que a ideologia católica não dialogava com o iluminismo em atual evidência. Nesta tensão, nestes conflitos de poder, temos o rompimento prejudicando a instituição dos jesuítas, contudo temos as bibliotecas e o corpo social como os mais afetados nesta relação de poder. Problemas como localização (bibliotecas alocadas em cidades tropicais), umidade, insetos, espaço inadequado, ausência de orçamento, deficiências no tratamento do acervo, má remuneração e falta de segurança facilitaram a perpetuação de uma cultura organizacional que é possível de se encontrar nos dias de hoje (SANTOS, 2010; SILVA, 2011). O abandono e o desconhecimento das múltiplas utilidades da biblioteca, é algo que afeta desde as bibliotecas jesuítas até a nossa contemporaneidade, entretanto antes de soltarmos a máxima “isto ocorre por ser um problema cultural do Brasil”, considero importante pensarmos não na cultura, dita institucionalizada no país, e sim nas relações de poderes e como estas atuam, haja vista que os problemas mencionados acima, acarretam, por exemplo, em grande perda informacional, prejudicando pesquisas, gestão das instituições mantenedoras, e a memória das instituições relacionadas. Memória que pelo descaso com as bibliotecas jesuítas encontra-se fragmentada ou mesmo perdida para sempre, confirmando o que Le Goff (2012, p.407), já alertava: “a falta ou a perda da memória coletiva nos povos e nas nações, pode resultar em graves perturbações da identidade coletiva”. Sendo assim, é plausível a reflexão sobre as instituições de ensino, seja os jesuítas com suas antigas bibliotecas escolares ou instituições de ensino contemporâneas por intermédio de

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suas memórias, outrora práticas, utilizando das bibliotecas como “portais de memória” para traduzir um projeto pedagógico, uma realidade em evolução, uma memória institucional, no entendimento de que esta é necessária para construir e ancorar nossas identidades, possibilitando uma remodelagem das instituições de ensino e das práticas educativas (OLIVEIRA; JUNIOR, 2002; HUYSSEN, 2004).

Portanto, ao tratarmos das instituições de ensino, utilizando como exemplo a Companhia de Jesus e suas instituições de cunho pedagógico, suas práticas e sua relação com o Estado, podemos apontar como essencial a relação das instituições de ensino, suas práticas, alunos, professores, funcionários entre outros com suas respectivas bibliotecas, consolidando uma parceria que promove uma dinamicidade em prol do avanço no ensino, pesquisa, identidade da instituição e sua memória. Esta parceria demonstra-se vital, tendo em vista que a ausência desta relação, evidenciada desde os fundamentos do ensino no país, pode ser vista como um entrave nas práticas educativas empregadas pelas instituições de ensino.

Após algumas relações das instituições de ensino e de suas bibliotecas, utilizando como caso apontamentos sobre a instituição dos jesuítas, além das possíveis relações com a nossa contemporaneidade, fica claro a complexidade da rede ao qual o poder estabelece relação com diversas instituições, legitimando-as e possibilitando a perpetuação de práticas, políticas, cultura e memória de instituições que atuam em constante hibridismo: as instituições de ensino e as bibliotecas escolares, estas apresentando na metáfora do espelho o reflexo de seus entraves e diálogos.

Todavia, questões levantadas anteriormente como: qual era a relação das instituições de ensino jesuítas com suas respectivas bibliotecas, qual era o papel destas bibliotecas e que características das bibliotecas da nossa contemporaneidade podemos identificar nas antigas bibliotecas jesuítas podem ter suas respostas vislumbradas no presente trabalho, cabendo-nos pensar agora nas “micro-atuações” do poder inseridas nas instituições considerando principalmente as seguintes categorias: professores, alunos, bibliotecário escolar.

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4 As relações microfísicas de poder: os corpos em atuação Ao pensarmos nas instituições deste artigo e como estas atuam através de relações de poder, cabe-nos pincelar sobre o corpo social que interage e constituem estas instituições, ao qual se detém atenção as categorias de professores, alunos e o profissional que intermedia as informações na instituição: os bibliotecários escolares. Este corpo social se constitui por intermédio de funções, atividades e tarefas diferentes para cada categoria nas instituições de ensino, logo o diálogo desta relação tripartite entre professores, alunos e o bibliotecário mesmo inserido num determinado corpo social, possui suas divergências, seu interesses específicos, realçando o caráter do poder como algo dinâmico, um “poder líquido”, maleável que segundo Foucault (1979, p. 171) estabelece: “uma produção multiforme de relações de dominação que são parcialmente integráveis em estratégias de conjunto”.

O corpo social mencionado acima aponta para duas questões: a importância do diálogo entre as categorias e o diálogo deste corpo social com as instituições de ensino. Sobre o primeiro diálogo, é mister o estabelecimento de uma comunicação entre as categorias existentes na instituição de ensino em prol do desenvolvimento da mesma, porém inúmeros pontos podem interferir, por exemplo, ausência de motivações, clima organizacional desfavorável ou mesmo o desconhecimento das funções de cada categoria. Enfim, a comunicação mesmo que efetuada por intermédio de reuniões, e-mails, relatórios entre outros meios, podem ser ineficazes no entrosamento entre as categorias. O que faz pensar sobre o conceito de ressonância entendida como o poder de um objeto de evocar no indivíduo ou sociedade forças complexas e dinâmicas que torna o objeto em questão um representante individual ou social (GREENBLATT, 1991). Compreendo que tanto os alunos, professores e o bibliotecário, devem ressoar suas práticas dentro das instituições de ensino em que estão inseridos, por intermédio de divulgação das suas atividades, pró-atividade e conhecimento de que se encontram, tal como a citação de Saviani, numa unidade de ação, tornando as categorias que atuam na mesma instituição mais próximas uma das outras, se identificando e estabelecendo ressonâncias no corpo social. Acredito que esta política deve ser empregada pelas categorias mencionadas, de forma sincrônica e diacrônica, legitimando seus perfis dentro de uma cultura organizacional, mediante a relação triangular entre poder, direito e verdade (FOUCAULT, 1979). Cabe-nos exemplificar com a atuação do corpo discente que estabelece poder na instituição ao utilizar-se de sinais, formação de grupos entre outros meios de comunicação para

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estabelecer um discurso sobre as necessidades do corpo discente nas instituições de ensino. De forma mais clara, podemos encontrar esta relação de poder, direito e verdade no corpo docente, ao se apropriarem de determinadas metodologias de ensino, disciplinas, currículos de forma a transmitir um discurso de verdade. “Discurso escolar” ao qual podemos observar desde as instituições de ensino jesuítas, com suas metodologias até os dias de hoje, variando apenas o discurso empregado, porém com o mesmo propósito de instituir uma verdade acadêmica. Quanto ao corpo que compreende o bibliotecário, seus possíveis auxiliares e mesmo os estagiários, penso ser elementar o entendimento deste corpo social com perfil de atuantes nas instituições de ensino, uma vez que as instituições e determinados grupos, cegos quanto aos afazeres do bibliotecário e consequentemente da biblioteca escolar, podem não interagir com elementos constituídos para dialogar, propiciando uma biblioteca escolar que não ressoa quanto às necessidades potenciais e reais do corpo social e sua respectiva instituição de ensino. Sendo assim, torna-se vital a relação da biblioteca escolar, que outrora possuía o simplório perfil de zelar pelo acervo da instituição para adquirir um perfil de zelo pelas necessidades informacionais dos diversos grupos além de sua instituição mantenedora. Aspectos a considerar: marketing de serviços da biblioteca, interação com os professores, alunos e demais funcionários da instituição de ensino, consultoria e assessoria a questões pertinentes a estruturação do ensino na instituição e principalmente analisar e atuar na cultura organizacional das instituições de ensino, de forma a exercer um poder que por intermédio dos resultados do bibliotecário acarrete num discurso de verdade dentro da instituição. Avigoro que o exercício do poder é árduo, devido à circulação e ramificação do mesmo, todavia este poder produz efeitos reais (FOUCAULT, 1979). O corpo social mencionado, compreendido especificamente nos alunos, professores e o bibliotecário, são grupos que não devem ser pensados como atuantes de forma isolada da instituição em que se encontram, nem mesmo como corpos atuantes, isolados entre si. Para tal é mister o pensamento sobre as instituições de ensino e suas práticas, uma vez que estas estabelecem relações com o corpo social, por exemplo, regulando funções dos professores, bibliotecários e consequentemente dos alunos, uma vez que as atividades desenvolvidas por estes grupos afetam a instituição, por exemplo, conceito de qualidade da instituição de ensino, política pedagógica empregada pelos programas e seus respectivos professores, a formação do aluno entre outras questões que permeiam o diálogo existente entre as instituições de ensino e seu corpo social.

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Tendo como ponto central as práticas educativas, podemos observar diálogos, aos quais consideram os diversos grupos existentes no corpo social da instituição de ensino como atuantes nas questões pedagógicas e de fomento a pesquisa. Uma relação clara são as estratégias empregadas pelos professores para estimular nos alunos a habilidade de analisar evidências, pontos de vista, conexões, conjecturas e relevância, pontos muito em comum com a estratégia aplicada pelos bibliotecários que atuam com base nos preceitos da competência em informação, que objetiva: alunos que compreendam suas necessidades de informação identifiquem e utilizem fontes de informação de forma efetiva e eficaz, senso crítico, tornem-se aprendizes independentes entre outros pontos semelhantes ou que acrescentem com os propósitos dos docentes e a respectiva instituição ao qual se encontram (SANTOMÉ, 1996; DUDZIAK, 2003). Esta relação de práticas empregadas pelo professor e bibliotecário é vista como recente, se considerarmos que historicamente a política empregada pelas instituições de ensino, professores e as instituições que a fomentavam, por exemplo, as igrejas e o Estado, atuavam de forma isolada com sua metodologia de trabalho, enquanto o perfil da biblioteca escolar e de seus respectivos bibliotecários era o foco no processamento técnico do acervo, sua segurança, preservação da memória das instituições ao qual se destinavam, sendo esta relação evidente até os dias de hoje, seja por questões de cultura organizacional ou mesmo por influencias externas as instituições de ensino. Por exemplo, temos a atuação do Estado na criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a lei 12.244/10, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas escolares e o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), como políticas que se comunicam e afetam as instituições de ensino. No caso do PNBE temos uma preocupação mais evidente quanto a aquisição e distribuição de livros, preocupação oriunda de uma política empregada desde a gênese das bibliotecas escolares nas instituições de ensino, evidenciando a necessidade de comunicação entre os grupos inseridos nas instituições de ensino e estas interagindo com seus grupos, por intermédio de políticas, replanejamento de práticas e consequentemente um repensar da cultura organizacional, que mesmo em nossa contemporaneidade ainda possui uma raiz forte de não comunicação e atuações em conjunto consideravelmente tímidas.

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5 Considerações Reflexão sobre o conceito de instituição, especificamente instituição de ensino é vital para entendermos esta instituição e suas respectivas bibliotecas escolares, que mesmo possuindo objetivos em comum no sentido pedagógico, possuem relações divergentes na sua atuação constatadas desde a gênese destas instituições no Brasil até os dias de hoje onde é possível verificar questões referentes à comunicação entre os grupos do corpo social e suas respectivas instituições. Também são críveis os apontamentos sobre as relações de poder, haja vista que estas relações tanto numa esfera microfísica quanto nas “macro-instituições”, como a Igreja e o Estado, que ramificam seu exercício do poder nas instituições de ensino, são constantemente atuantes, transformando a gênese do ensino e das bibliotecas no Brasil num “espelho” a refletir para a nossa contemporaneidade o corpo social, as instituições de ensino e as instituições externas mencionadas de forma a nos orientarmos num estudo não apenas historiográfico, mas com vistas a mudanças, uma vez que do passado podemos angariar recursos para pensar o futuro.

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