Institutos Industriais e Comerciais

June 7, 2017 | Autor: Carlos Beato | Categoria: História Da Educação, Historia da Educação, História Das Escolas Técnicas
Share Embed


Descrição do Produto

INSTITUTOS INDUSTRIAIS E COMERCIAIS
Carlos Beato

O ensino técnico teve origem, em Portugal, na Aula do Comércio criada pelo Marquês de Pombal em 1759. Posteriormente, apesar das intenções de Passos Manuel de introduzir nos liceus o ensino com aplicação "às artes e ofícios", tal não se revelou viável. Assim, foi só em 30 de Dezembro de 1852, no período da regeneração, que foi criado o ensino técnico industrial.
Duas novas escolas apareceriam nessa altura, o Instituto Industrial de Lisboa e a Escola Industrial do Porto, que dava continuidade a uma escola particular do mesmo tipo, criada pela Associação Industrial Portuense. A Escola Industrial era, originalmente, de âmbito mais limitado que a de Lisboa, leccionando-se aí todas as cadeiras dos dois primeiros graus do ensino industrial (elementar e secundário) e uma do curso complementar. Enquanto isso, no estabelecimento lisboeta estava presente a totalidade das cadeiras dos três referidos níveis. Mais tarde, em 1864, a escola nortenha assumiria também o estatuto de Instituto.
A partir desse mesmo ano de 1864 começaram a ser criadas escolas industriais em diversas localidades do país, começando por Guimarães, Covilhã e Portalegre, de acordo com a importância das indústrias locais. Estas novas escolas possuíam apenas as cadeiras correspondentes ao primeiro grau mas, incluindo agora, além da cadeira de "Aritmética, álgebra, geometria elementar e desenho linear", mais duas, "Princípios de física e química e noções de mecânica" e "Tecnologia elementar e desenho geométrico," o que mostrava a intenção de adaptar o ensino às necessidades industriais. Com as modificações desse ano passaram a existir apenas dois níveis de estudos ficando o segundo grau, alargado no seu elenco de cadeiras, reservado para os institutos industriais.
Várias reformas foram alterando o regime das escolas técnicas, umas procurando uma melhor adaptação às solicitações da indústria e do comércio, outras procurando racionalizar as despesas. Um decreto de 30 de Dezembro de 1869 desanexou a secção comercial do liceu e juntou-a ao instituto lisboeta, que passou a designar-se Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. No Porto não se passou o mesmo porque o legislador considerou que, estando o ensino do comércio na Academia Politécnica, não deveria ser mudado enquanto não fosse decidida a reforma do ensino superior de que este último estabelecimento fazia parte. Dezassete anos depois, em 30 de Dezembro de 1886, o ensino comercial foi afecto ao instituto da capital do norte que passou, assim, a intitular-se, à semelhança do de Lisboa, Instituto Industrial e Comercial (Grácio, 1998).
Nesta altura, quer o ensino industrial, quer o comercial, possuíam três graus, elementar, superior e especial. Os cursos comerciais eram um exclusivo dos Institutos de Lisboa e do Porto, que também eram os únicos estabelecimentos aptos a leccionar a totalidade dos cursos industriais. Estes, a nível elementar, eram leccionados em escolas de desenho industrial e escolas industriais e os de nível superior só parcialmente eram leccionados nestas últimas.
A parte prática dos cursos ministrados nas escolas técnicas podia ocorrer em diversos estabelecimentos públicos ou privados como, por exemplo, as oficinas anexas aos estabelecimentos de ensino, estabelecimentos fabris do Estado ou fábricas e oficinas particulares, a nível elementar, ou salas de estudo, gabinetes ou laboratórios anexos e museus, a nível superior, ou, ainda, em obras públicas, lavra de minas ou estabelecimentos dos correios e em alfândegas.
Na sucessão de reformas de que o ensino técnico foi alvo, deve realçar-se a de 8 de Outubro 1891, pela qual os institutos passaram a ser estabelecimentos do ensino médio. Nesta data, foi considerado que os cursos elementares industriais ministrados nos Institutos tinham frequência insignificante e que os cursos superiores especiais eram insuficientes. Em consequência, foram suprimidos naqueles estabelecimentos de ensino ambos os tipos de formação. Por outro lado, também os cursos elementares de comércio saíram dos Institutos, ficando o ensino comercial, à imagem do industrial, limitado ao estrito ensino médio, o que, no caso deste último, consistia na formação de técnicos industriais ou mestres em diversas especialidades e desenhadores industriais, pintores decoradores e escultores decoradores.
Alguns anos depois, dois decretos voltaram a alterar a situação. O de 30 de Junho de 1898 permitiu que, no Instituto de Lisboa, voltassem a existir cursos superiores, regulamentados cinco anos depois, sem prejuízo da continuidade dos anteriores cursos que formavam técnicos em áreas como Máquinas, Artes decorativas, Electrotecnia, Construções civis e obras públicas, Minas, Telégrafos, Artes químicas e Comércio. Ficou, neste diploma, a promessa de o mesmo vir a acontecer no Porto. No Instituto desta cidade foi, entretanto, introduzido, com o decreto de 3 de Setembro, o curso preparatório que era preliminar aos cursos do ensino médio comercial e industrial.
Durante a monarquia os republicanos tinham-se tornado os arautos da difusão do ensino como um meio de libertação social, relativamente a um regime por eles considerado como opressivo e dominado pela realeza e pela Igreja. Desse modo, compreende-se que tenham sentido a obrigação de alterar, no que respeita ao ensino técnico, "a pesada herança, nesta vertente educativa, que a monarquia constitucional legou aos republicanos" (Alves, 2009, p. 21). Logo em 1911 foram tomadas medidas, impulsionadas por Brito Camacho, que estava à frente do Ministério do Fomento, no sentido de corporizar rapidamente as reformas no sistema educativo industrial "para romper com a inércia e recuperar o atraso de que o País dava mostras apesar da multiplicidade de iniciativas" (p. 26) surgidas nos anteriores cento e cinquenta anos de existência do ensino técnico.
Aquele político defendia que o atraso do desenvolvimento português tinha que ver com a insuficiência do ensino na formação de técnicos capazes de contribuir para o aumento da produção e da produtividade face à concorrência que era necessário suportar nos mercados mundiais. Da publicação do decreto de 23 de Maio de 1911 resultou a extinção de um dos institutos herdados da monarquia, o de Lisboa, que foi desdobrado no Instituto Superior Técnico e no Instituto Superior de Comércio. Esta decisão, que se revelaria de grande alcance no futuro, trouxe também algumas dificuldades. É que os cursos médios pareciam ter desaparecido.
Logo no mesmo ano de 1911, com o decreto de 14 de Outubro, foi ordenado que o ensino secundário comercial e industrial fosse professado provisoriamente no Técnico, onde se criou um Conselho Escolar bicéfalo para cobrir as vertentes superior e secundária. Esta resolução não terá eliminado a raiz do problema. O decreto de 16 de Agosto de 1913 estabelece, com carácter também transitório, que os cursos secundários e industriais do extinto Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que constituíam a respectiva "secção secundária," continuassem, a partir daí, na Escola Industrial de Marquês de Pombal. Passado pouco mais de um mês, em 8 de Setembro, um novo diploma esclareceu que esses cursos estariam, não só nessa escola, como também no Técnico, no Instituto de Comércio e noutras escolas, além de terem complementos práticos em vários locais, como estabelecimentos fabris do Estado e particulares, minas e obras públicas.
Em 15 de Outubro de 1914, o decreto n.º 954 determina a organização da Escola de Construções, Indústria e Comércio de Lisboa que, para recuperar os cursos médios, veio substituir a intitulada "Secção secundária do extinto Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, com o objectivo de formar auxiliares de comércio, auxiliares de engenheiros e chefes de indústria.
Durante este período inicial da República são patentes as hesitações e as dificuldades encontradas para estabilizar um ensino médio industrial e comercial coerente, que vá ao encontro das necessidades e os desejos, principalmente da indústria, mas também do comércio. Ao mesmo tempo que havia esta sucessão de medidas e contra medidas nos estabelecimentos lisboetas, o instituto portuense não era afectado pelas mudanças legislativas, aparentando serem as necessidades da indústria e comércio da região norte satisfeitas com a situação legada pelo anterior regime constitucional.
No período da guerra, que devastou boa parte da Europa, as movimentações legislativas foram menores, reconhecendo-se, no diploma mais significativo deste período, o decreto n.º 2609-E de 4 de Setembro de 1916, a necessidade imperiosa de, no reconhecimento dos erros do passado, regulamentar o ensino industrial e comercial. Este decreto, com um longo articulado, reorganizou, embora limitadamente, o ensino elementar. Enquanto isso, quase ficava sem referir os Institutos, não fora a criação que faz, de escolas preparatórias para as carreiras industriais e comerciais, ou seja, para a admissão ao Instituto Industrial e Comercial do Porto e à Escola de Construções, Indústria e Comércio de Lisboa, nestes mesmos estabelecimentos.
O quadro de instabilidade política que marcou a República nunca podia favorecer a existência de reformas, que exigem consensos, e com 14 governos em sete anos (1910-1917) dificilmente se poderia crer que as reformas pudessem passar incólumes duns governos para os outros, quanto mais terem tempo de serem pensadas, amadurecidas ou, simplesmente, executadas as que estavam em vigor. A acrescer à luta política, a agitação social própria dos períodos pós revolucionários, e a própria guerra, também não foram factores favoráveis à estabilização de um projecto republicano que caminhava para a desagregação.
No último governo da ditadura de Sidónio Pais, saiu finalmente legislação pretendendo uma reformulação global de todo o sistema de ensino técnico, industrial e comercial, numa altura, finais de 1918, em que a tutela do ensino técnico tinha passado para o Ministério do Comércio e Comunicações. O decreto n.º 5029 de 1 de Dezembro de 1918 contempla algumas medidas organizativas que contribuíram para a construção dum ensino médio que viria a perdurar. Assim, as secções industriais da antiga Escola de Construções, Indústria e Comércio de Lisboa e do antigo Instituto Industrial e Comercial do Porto passam a constituir, respectivamente, os novos institutos industriais destas cidades. Do mesmo modo, as secções comerciais desses antigos estabelecimento passam a ser os institutos comerciais, sendo que, no caso do Porto, além da escola do ensino médio, cria-se também um Instituto Superior de Comércio, recuperando o tipo de divisão que fora feita em Lisboa quando se fundara um estabelecimento análogo, juntamente com o Técnico. A aparente anomalia, de não ser criado no Porto um estabelecimento equivalente ao Instituto Superior Técnico, é devido a que já havia cursos superiores de engenharia na Faculdade Técnica da Universidade do Porto.
Entre os fins atribuídos ao ensino médio industrial assinala-se, a nível geral, o de desenvolver as artes e as indústrias próprias dum país e, especificamente, o de produzir auxiliares de engenheiros, assim como chefes de indústria, adequadamente educados para a direcção de trabalhos e com conhecimentos suficientes para serem activos na sua função, não só dirigindo fábricas e empresas mas, também, inovando nos processos produtivos. Para isso, os institutos incluem um curso preparatório de quatro anos de duração e a formação, propriamente dita, em construção civil e obras públicas, em minas, em máquinas, em electrotecnia e em indústrias químicas, dividida em dois anos de formação geral e dois de formação especializada.
Quanto ao ensino comercial, os cursos dos institutos destinam-se a preparar os estudantes para o acesso ao ensino comercial superior ou para profissões como a de auxiliares de contabilidade, e de funcionários da administração pública, ficando garantido que haveria todos os recursos auxiliares necessários para o ensino comercial, como para o industrial, e que o ensino seria ministrado de forma prática, tornando-o realmente útil aos alunos, futuros técnicos, a quem se providenciaria uma colocação à saída da escola e, em consequência, o ensino comercial de nível médio derramaria as suas benesses sobre o próprio sector do comércio.
Posteriormente à reorganização de 1918, houve ainda tempo para algumas medidas pontuais. Entre elas a fundação de um Instituto Industrial e Comercial em Coimbra (decreto n.º 7869 de 5 de Dezembro de 1921), o qual pouco durou, pois que foi extinto cinco anos depois, já sob o regime criado pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926. Este Instituto só viria a ser recuperado, na sua vertente industrial, em 1965. De registar ainda a variação nos títulos dos formados dos cursos dos institutos industriais, que passaram de auxiliar de engenheiro a engenheiro auxiliar (lei n.º 1638 de 23 de Julho de 1924) e, depois, a agente técnico de engenharia (decreto n.º 11988 de 29 de Julho de 1926), denominação que chegou até à década de 1970, pese embora a interrupção criada pelo tradicionalismo do decreto n.º 30328 de 21 de Setembro de 1931, que repescou o antigo título de condutor.
Tem que se considerar que o decreto de 1 de Dezembro de 1918 foi, de facto, a primeira grande reorganização do ensino técnico sob a República. Esse diploma, assinado pelo Secretário de Estado do Comércio, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, que manifestava uma ideologia de raiz nacionalista, claramente expressa no seu relatório, é um marco importante nas tentativas republicanas de encontrar um caminho seguro para o desenvolvimento económico industrial e comercial e foi também a última grande iniciativa legislativa sobre tal matéria antes da queda do regime.

Referências bibliográficas:

Alves, L. A. M. (2009). Ensino Técnico - Uma necessidade ou uma "falácia"? Notas para a compreensão da filosofia do ensino técnico em Portugal. In Ensino Técnico (1756 – 1973) (pp. 17-55). Lisboa: Secretaria-geral do Ministério da Educação.
Grácio, S. (1998). Ensinos técnicos e política em Portugal. Lisboa: Instituto Piaget.




6


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.