INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PRIMEIRA METADE SÉC. XIX

June 3, 2017 | Autor: Pedro Rocha e Melo | Categoria: History of Education, Public Education
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INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PRIMEIRA METADE SÉC. XIX por Pedro Rocha e Melo, nº 40786 Mestrado em Ciências da Educação Faculdade das Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa 30 de Outubro de 2013

Sumário O papel que se apresenta tem por base o texto de Alexandre Herculano em 1841 escrito sob o nome de INSTRUCÇÃO PUBLICA, incluído no tomo 8º do livro Opúsculo que congrega várias obras do autor, e tem por objectivo explanar as principais críticas que o pensador luso tece ao estado em que se encontrava a instrução pública em Portugal, percebendo como as sugestões feitas no programa que apresenta nesta obra podem ser solução para os problemas diagnosticados. Algumas das perspectivas de Herculano são complementadas com obras de autores lusos também do século XIX, que antes ou depois deste partilharam algumas das suas ideias. Relevância da Instrução Pública nas sociedades liberais Importa, antes de mais, lembrar rapidamente como evoluiu a consideração dos Estados liberais pela educação do povo, de tal modo que se tenha defendido que seria um assunto que não mais competeria às instituições religiosas, devendo estas focar-se nos assuntos ligados ao desenvolvimento do espírito. As revoltas liberais que se deram, sobretudo, a partir do final século XVIII e início do século XIX, despertaram em vários pensadores e governantes europeus o interesse, ou mesmo preocupação, pela instrução pública, ou seja, pela educação do povo. Em França, com o início da Revolução de 1789 estas reflexões ganharam muita força e impulsionaram grandes reformas que acabariam por influenciar muitos outros países, entre outros Portugal. Alguns pensadores na linha do Marquês de Condorcet alertavam que “l'instruction publique est un devoir de la société à l'égard des

citoyens”(Condorcet, 1994). Outros, como o caso de Turgot, não defendiam apenas a instrução generalizada como uma obrigação do Estado mas também como um instrumento, e consequentemente um direito, que este tem sobre os indivíduos da nação – “un droit inaliénable et imprescripble d'instruire ses membres parce qu'enfin les enfants de l'État doivent être élevés par des membres de l'État” (Turgot, 1809). Os anos que sucederam ao Antigo Regime em Portugal seriam o berço das primeiras legislações sobre a instrução nacional. Em 1823, poucos meses depois da redacção da primeira constituição da monarquia constitucional portuguesa, Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque escrevia aos deputados: “O vosso primeiro cuidado depositarios da confiança de hum povo livre deve ser de dissipar as trevas, e fazer raiar o mais cedo e o mais amplamente possível a luz brilhante da verdade, propria para patentear toda a beleza da liberdade e da justiça. As cortes geraes e extraordinárias, consagrando altamente esta verdade no artigo 32 da constituição, em que exigem do cidadão para o exercicio completo da plenitude dos seus direitos os primeiros elementos da instrucção, contrahirão a obrigação tacita mas evidente de pór ao alcance de todos os cidadãos aquella instrucção essencialmente necessaria para lhes abrir a plena entrada do corpo social.”(p.3) No entanto, no mesmo texto, Albuquerque, vai mais longe e desperta a atenção dos deputados para a significância da instrução pública para a própria nação. Defende o político que “sem luzes não ha liberdade independencia duradoura, nem meio ou esperança de prosperidade”(p.3) e que “a agricultura a industria nacional, e ousamos dize-lo, a moral pública reclamão altamente a instrucção (…)”(p.3), indo ao encontro dos que encontram na educação elementar um direito não apenas do indivíduo mas também do Estado. Olhemos agora mais atentamente para a obra de Alexandre Herculano de 1841 sobre a mesma instrução pública, em que tenta ilustrar o caminho realizado até então em Portugal, nomeadamente após a reforma de 1836, e o estado em que encontra naquele momento. Escreve o pensador que a constituição todavia peca por não considerar a instrução pública como uma “garantia mixta, geral e individual”, reforçando mais uma vez que, não só os indivíduos ganham com o acesso a uma educação sistematizada, nomeadamente na melhor execução dos seus direitos cívicos, mas que também o Estado depende dela para garantir “a espontaneidade e 2

independencia do elemento capital dos governos representativos – a eleição” e para assegurar que os cidadãos conheçam “que a votação neste ou naquelle indivíduo para seu representante é o acto mais solemne e grave da vida pública, e que, se disso fizer jogo ou favor, faz um favor e jogo da sua felicidade futura e da de seus filhos”. Herculano salienta a importância de considerar a “dupla finalidade” da educação generalizada nas mais importantes leis da nação mas concorda que isso por si não chega. Aliás, o que imediatamente conclui relativamente ao estado da instrução em Portugal é que, além da legislação incompleta, também o que foi regulamentado segundo a lei sofreu aplicação prática limitada. Estado da instrução pública em Portugal em 1841 Analisemos então a avaliação que Herculano faz das políticas até então levadas adiante pelos líderes da nação para alcançar a ambicionada rede de instrução pública afectante a todo o cidadão. Entre as reflexões que faz sobre a realidade da educação é justo resumirmos as suas preocupações em dois aspectos centrais: por um lado, a pouca qualidade e motivação dos mestres que acompanham os alunos por todo o território; por outro, a fraca adesão dos próprios alunos, sobretudo nas zonas mais rurais, à escola, provocando o fenómeno preocupante das “escolas desertas”. Diz o autor que relativamente à “inhabilidade da maior parte dos professores primários (…) o governo apontara só um dos motivos da raridade de mestres habeis, a falta de uma segura e decente sustentação”. O desejo sensato de ter escolas gratuitas abertas a todo o indivíduo lançou não apenas o desafio da sustentabilidade das instituições, mas também condenou, pelo menos inicialmente, a profissão de mestre à não atribuição de um reconhecimento, a todos os níveis, digno ou, pelo menos, suficientemente aliciante para atrair a si os melhores intelectuais. Socorremo-nos de outra obra, desta feita das cartas públicas do escritor e pedagogo luso António de Feliciano Castilho (1854), em que relata o fracasso das provas de admissão que conferiam o estatuto de mestre ao indivíduo como sendo perfeitamente ineficazes pois “o programma é um indice de encyclopedia, o saber real de muitos dos aprovados, zero”. E continua ao explicar que são esses mestres aprovados porque, deixa bem claro, “se não apresentam outros melhores do que elles. E porque não se apresentam melhores? Porque a retribuição em dinheiro, em consideração, e em segurança de 3

futuro, não convida pessoas convenientemente habilitadas” (p. 3). Assim, a desempenhar a função de professores e tutores encontramos, nesta altura, demasiados sujeitos com pouco engenho científico e pedagógico e, invariadas vezes, sem motivação numa profissão que lhes confere uma remuneração financeira pouco mais que suficiente à própria sobrevivência e um estatuto social muito pouco acarinhado. Quanto à “solidão das escolas”, adianta Herculano que não havia ainda nenhuma análise da parte do governo para o facto verificado, sendo pouco provável que se devesse simplesmente à já aprofundada inabilidade dos mestres. O programa proposto Façamos então um apanhado das ideias propostas pelo grupo de pensadores onde se incluía Alexandre Herculano para combater estas duas tristes realidades. As propostas apresentadas pelo grupo incidiram sobre os seguintes temas: “1º materia da instrucção; 2º organisação das escholas; 3º methodo do ensino; 4º assegurar a concorrencia, a capacidade e ao mesmo tempo a sustentação dos professores; 5º direcção das escholas; 6º frequencia dos discípulos”. É muito interessante cruzar este plano com aquele descrito nas cartas de Castilho em que refere serem três em seu entender “os pontos fundamentaes que pedem exame serio, decisao conscienciosa, acção forte, directa, rápida, e que não vacile nem trepide por contemplações de especie alguma. Primeiro ponto – Mestres e escolas. – Segundo Ponto – Methodos e modos de ensino. – Terceiro Ponto – Discipulos” (p. 2). Não obstante a muita e relevante informação partilhada em ambas obras, pretende este texto incidir sobre a forma como pretende o primeiro programa responder às questões anteriormente levantadas, consideradas nos pontos 4º e 6º. Começando pelo problema da qualidade dos mestres da instrução a primeira proposta apresentada, que se torna evidente, reside nas contrapartidas financeiras do mestre, atraindo assim gente mais qualificada para a profissão. O autor não se estende muito mais no assunto, aceitando que a sugestão acresce ainda mais o problema do financiamento do sistema de ensino, que não pode ser apenas responsabilidade do Estado central mas deve, cada vez mais, contar com a participação municipal. Contudo, 4

é urgente reconhecer a necessidade de seduzir novos mestres com outras características e isso exige, como condição básica, a melhoria da situação salarial do mestre da educação. É com mais profundidade que Herculano mergulha no tema das escolas vazias onde o povo parece não aderir com facilidade, sobretudo nas áreas mais rurais do território. O diagnóstico que faz é que o povo não sente nenhum atractivo pela instrução primária desconfiando que esta pouca gratificação traz ao indivíduo. Antes, prepara-o para uma série de tarefas e compromissos para com a sociedade, como é o caso dos jurados, muitas vezes obrigando o cidadão a perder horas de trabalho, em serviço gratuito e que em nada, aparentemente, o beneficiam. Compreende-se que entre os mais pobres e humildes o acesso à educação saiba a “presente envenenado” e levanta-se a pergunta de como convencer o povo da utilidade e premência da instrução no bem comum e de cada indivíduo, que esta não pretende ser uma oposição aos hábitos e tradições dos portugueses mas que é o caminho para um futuro mais rico, desenvolvido, livre e, sobretudo, feliz, que a todos, sem excepção, convém – sociedade e indivíduo. O ponto fundamental que Alexandre Herculano reitera é que não há como convencer o povo das virtudes da instrução para as suas vidas quando o imediato apenas se enche de mais responsabilidade e menos proveito. Observa que “o ensino de ler, escrever e contar e da moral religiosa, de muito maior proveito servirá á república do que aos seus membros individualmente, se aqui parar a educação intellectual do povo”. Por esta razão defende que é imperativo que a instrução pública compreenda dois graus de ensino, a instrução elementar e a instrução superior. Se a primeira tende a favorecer mais a educação interessante ao Estado, a segunda será especialmente orientada ao indivíduo, concentrando-se naquilo que lhe é imediatamente mais útil – a habilitação para o “desempenho dos deveres públicos”. A instituição das escolas populares superiores focadas no ensino de “aplicação é material e immediata para os usos e proveitos da vida” é solução necessária. Noutro trabalho haverá interesse para discutir as outras alíneas do programa proposto e aprofundar mais a aplicação destas teorias com todos os aspectos que elas levantam.

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Bibliografia ALBUQUERQUE, Luiz Mouzinho da Silva de. (1823). Ideas sobre o Estabelecimento da Instrucção Publica. PublicaParis. A. Bobée CASTILHO, António Feliciano de. (1854). Felicidade pela Instrucção. Lisboa. Typographia da Academia Real das Sciencias CONDORCET, Marquis de. (1994). Cinq Mémoires sur l’Instruccion Publique. Paris. Flammarion HERCULANO, Alexandre (1841). Instrucção Publica, Opúsculos (tomo VIII). TURGOT, Anne Robert Jacques. (1809). Oeuvres de Mr. Turgot, Ministre d'État, Précédées et accompagnées de Mémoires et de Notes sur sa Vie, son Administration et ses Ouvrages. (tomo VII). Paris. De l’Imprimerie de Delance. pp. 390-399

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