Instrumentos de accountability na gestão da água em São Paulo

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Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Instrumentos de accountability na gestão da água em São Paulo

Trabalho de conclusão de curso Especialização em Gestão Pública

Autor: Arie Dutra Storch Orientadora: Silvia Ferreira Mac Dowell

São Paulo – SP

ARIE DUTRA STORCH

Instrumentos de accountability na gestão da água em São Paulo

Monografia de conclusão de curso Especialização em Gestão Pública

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Orientadora: Silvia Ferreira Mac Dowell

SÃO PAULO 2015

352.36 S884i

Storch, Arie Dutra. Instrumentos de accountability na gestão da água em São Paulo / Arie Dutra Storch. – São Paulo, 2015. 51 f. : il. ; 30 cm. Orientação: Silvia Ferreira Mac Dowell. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Pública)– Faculdade de Administração, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 2015. 1. Accountability. 2. Responsabilização. 3. Recursos hídricos. 4. Redes sociais. 5. Transparência. 6. Água. 7. São Paulo. I. Mac Dowell, Silvia Ferreira.

II. Título. 363.61 : Abastecimento de água - CDD 23 ed.

Arie Dutra Storch

Instrumentos de accountability na gestão da água em São Paulo

Monografia apresentada à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, como requisito para obtenção do título de Especialista em Gestão Pública

Área de concentração: Políticas públicas

Banca examinadora

Assinatura: ___________________________________________________

Assinatura: ___________________________________________________

Assinatura: ___________________________________________________

Data de aprovação:

DEDICATÓRIA

A São Paulo, metrópole fluvial, que ainda não aprendeu que é menor do que suas águas. Para aprender a zelar pelo que tem e existir de forma menos predatória, demonstrando a possibilidade de ser grande respeitando aos outros. Que seja forte dentre os vizinhos grandes e fortes, jorrando água e vida a quem mais precisa.

AGRADECIMENTOS Cumprida uma jornada, essencial reconhecer e se curvar a quem colaborou, direta ou indiretamente, neste resultado e, mais importante, na trajetória. Por certo há diversos que não são citados nominalmente, no entanto igualmente por mim reconhecidos. Aos que carregam minha gênese, Sergio e Lea. Aos irmãos Sami e Iuri, que vieram antes e já abriram caminhos, incluindo a expansão da família com Tati e Lê e os sobrinhos queridos Luiz, Luara, Marina, José Gabriel, Marcel e João Francisco, amado afilhado. À Débora, que chegou demarcando novos espaços. À vovó Donia, com quem convivi com mais frequência no início dessa pós-graduação, exemplo de estrutura familiar. À Elisa, companheira, parceira, namorada, com quem aprendo o diário movimento de casal, os dois unidos e se apoiando para tecermos nossas caminhadas. A força do amor em casa regenera e dá mais ânimo, refletindo em todos os instantes. Juntos conseguimos mais. Ao Mestre José Gabriel da Costa, guia espiritual e farol, recordação do sagrado que é a vida e da importância dos propósitos para conseguir bem navegar. Aos amigos José Rubens, José Barbosa, Ricardo Clérice, pela confiança, conselhos e orientações. Ao Fabio e à Rosi, amizade e parceria crescentes. À Kika, que de tantos conhecidos em comum desenhamos caminhos também comuns. Fernanda, Daniel, Fernando, Ana Paula, com quem ficamos meses sem conversar, mas sabemos que estamos andando juntos – fluindo. Ao Renato Rocha, desses amigos que aparecem no momento exato. E aos amigos que apareceram antes, Ricardo, Daniel, Gil, Luis, Paula, Amauri. Pablo e suas perguntas que me fazem pensar se o rio está de fato seguindo ao mar e para onde seguem as nascentes. Aos colegas de trabalho, pelos ombros constantes em momentos de angústia, e pelo apoio sempre que necessário. À Livia, diálogos profundos sobre o sentido da vida, técnicas para ficar acordado (ou não) após noites estudando e pelos chás intercambiados. Aos colegas Lira, Marcio, Janete, Rosi, pela paciência e apoio. Ao Paulo, pela flexibilidade.

Aos colegas da FESP-SP, e antes aos da Unesp e da Universidade de Aveiro, aprendizados e conversas que dão boas direções. Aos professores e Mestres, de agora, de antes, de sempre, conversas, admirações. À Silvia, orientadora que navega por essas e por outras águas há mais tempo e com quem compartilho, mais do que a redação do presente texto, princípios. E das raízes fortes, bem nutridas, chega-se ao alto. Não tive tempo suficiente para fazer texto menor. A todos os que já conheci e aos que ainda não conheci mas que fazem do ativismo social um princípio, e com isso mudam, gota a gota, seus entornos. Luiz de Campos, José Bueno, Caren Harayama demonstram o que temos a aprender ouvindo os rios de nossa cidade, descobrindo-os. Claudia Visoni, hortelã, exemplo de vida urbana possível, ponte com a Aliança. Camila Pavaneli de Lorenzi demonstra com humor que uma letra por vez é suficiente para fazer algo grandioso. Que vossas práticas sejam sementes, e que eu saiba fazer brotar e ensinar a zelar.

―Se não lutas, tem ao menos a decência de respeitar os que o fazem‖ (José Martí).

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar amor a quem se ama sabendo que é a água que dá à planta o milagre da flor.

thiago de mello

Qualquer linha que traçares, a água Já o fez antes

Roberto Evangelista

RESUMO Baseado no contexto da Reforma do Estado, o presente trabalho analisa de que forma os instrumentos da accountability são utilizados em meio à crise hídrica no período de 2014-2015 na região metropolitana de São Paulo. Para tanto, por meio de pesquisa bibliográfica enfoca-se na transparência necessária, busca identificar os momentos de prestação de contas e finalmente levanta hipóteses para a responsabilização dos agentes envolvidos nas decisões. São analisados com mais profundidade os instrumentos de accountability social e horizontal pelo controle institucional durante o mandato.

PALAVRAS CHAVE Accountability; responsabilização; transparência; recursos hídricos; água; São Paulo

ABSTRACT Based on the context of the State Reform, this paper examines how the tools of accountability are used during the water crisis in the 2014-2015 period in the metropolitan region of São Paulo. Therefore, by bibliographic research, it focuses on required transparency, seeks to identify the moments of accounting and finally raises hypothesis for responsibility of the agents involved on the decisions. There are analyzed more deeply the instruments of social and horizontal accountability by the institutional control during the term.

KEYWORDS Accountability; responsibility; transparency; water resources; water; São Paulo

ÍNDICE DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES ACP ANA

- Ação Civil Pública - Agência Nacional das Águas Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São ARSESP Paulo CBH - Comitê de Bacia Hidrográfica CETESB - Companhia Ambiental Do Estado De São Paulo Centro Latino Americano de Administração para o CLAD Desenvolvimento DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica EMPLASA - Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A EUA - Estados Unidos da América FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente GAEMA - Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IDS - Instituto Democracia e Sustentabilidade IGAM - Instituto Mineiro de Gestão de Águas MARE - Ministério da Administração e da Reforma do Estado OAB - Ordem dos Advogados do Brasil ONU - Organização das Nações Unidas Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto Procam de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PSO - Orientação para o Serviço Público RMSP - Região Metropolitana de São Paulo SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SPSL - sistema de produção São Lourenço WWF - World Wildlife Fund FMI - Fundo Monetário Internacional

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

2

ACCOUNTABILITY: CONCEITOS E CONTEXTOS ......................................... 12 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.2

3

ORIGENS E CAMINHOS DA ACCOUNTABILITY ...........................................................................12 TEORIA DA AGÊNCIA ............................................................................................................15 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE ACCOUNTABILITY ................................................................16 IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL ................................................................................................18 ACCOUNTABILITY NA GESTÃO DA ÁGUA ..................................................................................20

O CASO PAULISTA – GOVERNANÇA, CRISE E ACCOUNTABILITY ........... 24 3.1 – GOVERNANÇA E ATORES NA GESTÃO DA ÁGUA. ..........................................................................24 3.2 CONTEXTO E IMPACTOS DA CRISE HÍDRICA NA RMSP .............................................................26

4

ANÁLISE DOS MECANISMOS DE ACCOUNTABILITY .................................. 33 4.2 4.2

ACCOUNTABILITY VERTICAL .................................................................................................34 CONTROLE INSTITUCIONAL...................................................................................................37

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 40

6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 45

10

1 INTRODUÇÃO Frente à crise hídrica em vigor em São Paulo, é comum a confusão quanto às competências de cada órgão e quanto às responsabilizações devidas. No período entre 2014 e 2015, a região metropolitana de São Paulo vive uma crise hídrica sem precedentes. Nota-se que o nível dos mananciais está em constante queda, o que acarretou o estabelecimento de um rodízio no abastecimento de água. No entanto, as ações do governo do estado de São Paulo contrastam com o discurso, já que em diversos momentos é negada a existência de crise hídrica, inclusive em período eleitoral, um dos momentos supremos de ambiente democrático. Com isso, há uma crise de governança em sua gestão, decorrente de falta de transparência e de dificuldades de diálogo e de estabelecimento de acordos entre alguns de seus principais atores: Sabesp, Agência Nacional das Águas e Ministério Público. Pelo exposto, objetiva-se identificar os mecanismos de atuação da sociedade civil e dos entes capazes de responsabilizar os envolvidos. Não há aqui a intenção de esgotar o assunto, tampouco de ignorar os trabalhos feitos a esse respeito. Há uma tentativa de diálogo com os autores e organizações envolvidos, por se considerar que todos esses trabalhos de alguma forma também contribuem com o debate e com a emergência da temática como pauta da agenda pública e governamental. O trabalho é conduzido pela ótica do gerencialismo, aonde tem seu início. O contexto da crise do Estado e de suas reformas nos anos 1980 e 1990 são debatidos no capítulo 2 por meio de revisão bibliográfica. Das ideias para um governo voltado aos interesses dos cidadãos ganha relevo o conceito de accountability, misto de responsabilização, transparência e prestação de contas. Sua importância é maior quando considera-se a teoria da agência, debatida por Przeworski (1998) como a necessidade de o cidadão (principal) acompanhar a atuação de seus agentes públicos (governantes ou burocratas) enquanto tem menos informação do que os agentes. No Brasil, a implementação se dá, para além da reforma do aparelho do Estado durante o governo Fernando Henrique Cardoso, como fruto de amadurecimento democrático ainda em curso. Na sequência, são levantadas hipóteses e conceitos para a accountability na gestão da água, apresentando o objeto estudado. Logo após, no capítulo 3,

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apresenta-se a caracterização da crise ao demonstrar os órgãos responsáveis e suas atuações. O direcionamento geográfico é a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), epicentro da crise pelo risco de São Paulo ser a primeira megalópole do mundo a perecer sem água. Já o direcionamento temporal enfatiza o segundo semestre de 2014 e o primeiro semestre de 2015, ainda que outros acontecimentos sejam citados. O capítulo 4 analisa de que forma ocorre a accountability na gestão da crise hídrica, apontando para as diversas ações e mecanismos de freios e contrapesos, tanto da sociedade civil (accountability horizontal) quanto de controle institucional (accountability horizontal) pelo Ministério Público. Por fim, ao utilizar das análises anteriores para buscar responsáveis pela crise hídrica, o capítulo 5 rastreia até que ponto é possível responsabilizar os envolvidos por meio da prestação de contas, nem sempre ocorrida com transparência. Em seguida, tece as considerações finais do trabalho e indica trajetos para futuros estudos temáticos.

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2 ACCOUNTABILITY: CONCEITOS E CONTEXTOS Para a compreensão dos mecanismos de accountability, é preciso trazer não somente os conceitos que a envolvem, mas também o contexto de sua gênese e aplicação. Neste capítulo, serão apresentados os conceitos de accountability na administração pública e em seguida a sua discussão no contexto da gestão da água. 2.1

Origens e caminhos da accountability No Brasil, o conceito de accountability destaca-se no contexto da reforma do

aparelho do Estado. Com o esforço do povo brasileiro em reestabelecer a democracia no país após duas décadas de regime autoritário, ganharam relevo iniciativas em construir um modelo de gestão pública adequado aos anseios sociais, focado no interesse público. Enquanto isso, pela soma da reorganização do mundo do trabalho e da forma de produção com a internacionalização dos problemas econômicos tais como inflação e choques do petróleo, o equilíbrio internacional decorrente do Estado de bem-estar social sofreu uma profunda crise. Pelas dificuldades de se manter o financiamento do Estado da forma como era, houve uma contestação do ideário dominante do pós-guerra, em especial em locais como o Reino Unido e os Estados Unidos, aonde foram preservados preceitos de livre-mercado mesmo com a ascensão do welfare state na Europa. Foi lá que as teses do gerencialismo encontraram mais terreno, ficando conhecidas como New Public Management, ou Nova Administração Pública. Neste contexto, Abrucio, (1997), Costa (2008) e Bresser Pereira (1998) aprofundam o assunto. Com isso, iniciaram-se os caminhos de governabilidade e de credibilidade do Estado, conduzindo a uma reforma do mesmo. A análise pelo pensamento neoliberal que emergia baseou-se, essencialmente, em: 

crítica às falhas do Estado em paralelo às falhas do mercado;



constatação de ineficiência e autoritarismo do Estado do bem-estar, que supostamente impedia a livre iniciativa; e



proposição de soluções para sanar as falhas do Estado, a inflação e gerar crescimento econômico.

As principais medidas adotadas no Reino Unido, sob os auspícios de Margareth Thatcher, foram, de acordo com Paula (2005a, p. 47):

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descentralização do aparelho de Estado, que separou as atividades de planejamento e execução do governo e transformou as políticas públicas em monopólio dos ministérios;



privatização das empresas estatais;



terceirização dos serviços públicos;



regulação estatal das atividades públicas conduzidas pelo setor privado; e



uso de ideias e ferramentas gerenciais advindas do setor privado.

Países citados como exemplares nas reformas estatais influenciadas pelo Reino Unido são Austrália e Nova Zelândia, ambos sob influência política e econômica da antiga metrópole e onde a ideologia de Estado de bem-estar social não teve grande êxito. Nos dois países, seguindo o modelo britânico, destacam-se a ocorrência de redução do aparelho estatal pela privatização de atividades antes exclusivas do Estado, melhoria na relação custo/eficiência na produção de bens e serviços públicos e um maior controle dos recursos públicos e mais transparência na sua utilização. Por sua vez, nos Estados Unidos governados por Ronald Reagan, o princípio do sonho americano, com a exploração do ufanismo decorrente das fantasias da terra de oportunidades baseadas na iniciativa individual (Paula, 2005a), deu margem a um movimento que se tornou referência na prática gerencialista, de nome Reinventando o Governo e que tem suas bases descritas no livro homônimo dos consultores Osborne e Gaebler. Tendo por base as práticas empresariais e os institutos de pesquisa norte americanos, o movimento se pautava na suposição de que a administração seria essencialmente técnica, sem contato direto com a política. Daí derivam abordagens tecnocráticas, que consideram que um bom governante deve ser antes de tudo um bom administrador, ou um bom gerente da coisa pública. Nos EUA, pelo histórico das críticas à burocracia existentes no país por gurus como Peter Drucker e Michael Hammer, não houve grande resistência à substituição da burocracia pela prática gerencial, também no setor público. Seguindo uma lista de dez princípios, tal qual uma consultoria que se vende a qualquer realidade, quase uma panaceia, Osborne e Gaebler traçam o caminho para

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se reinventar o governo. Importante considerar que, conforme constata Paula (2005a, p. 62), Osborne e Gaebler tentam evitar a identificação automática entre gestão empresarial e pública e reconhecem que, embora existam muitas semelhanças entre as duas atividades, não se pode governar como se administra uma empresa. Apesar disso, suas recomendações não transcendem a mera readaptação das ideias desenvolvidas no setor privado.

Diversas das ideias dos autores versam por lugares-comuns para os já letrados nas consultorias dos gurus empresariais. São citados, por exemplo, a necessidade de competição adequada para garantir a qualidade na prestação dos serviços, de um governo focado em atender ao cliente e não às necessidades da burocracia interna, ou o que investe em programas de prevenção para atuar de forma mais estratégica, ao invés de agir somente pela cura. Dentre os princípios apresentados, sobressai um bastante relevante para o desenvolvimento comunitário: o governo pertence à comunidade, e o cidadão deve ser responsável pelo governo, e não somente ser servido por ele. Osborne e Gaebler (1994) citam um caso de policiamento comunitário como forma de engajar a população na segurança pública: ―o agente policial é transformado de investigador e aplicador da lei em catalisador de um processo comunitário de auto-ajuda‖. O princípio segue a mesma ideia da prática privada, pois ―quando os trabalhadores têm alguma participação acionária na empresa, eles são mais dedicados do que os que se limitam a receber o salário no fim do mês‖. Aplicado o mesmo princípio a outras atividades tipicamente públicas, os autores consideram que, ao simplesmente prestar o serviço sem engajar a comunidade em sua resolução, a confiança e a competência dos cidadãos ficam fragilizadas. Em Seattle, por exemplo, o sucesso da ampliação da reciclagem se deveu a voluntários que ajudavam vizinhos a ver como melhorar o trabalho individual. Já nas escolas, informam que quando há participação dos pais na administração e no acompanhamento das atividades didáticas, há uma tendência a melhorar sua qualidade. No entanto, para haver esse engajamento comunitário, é importante, além de transferir poder de ação, transmitir capacidade de decisão, com elementos que facilitem a compreensão da situação-problema. A transparência governamental é uma prática claramente necessária nesse momento, e seus caminhos passam por entender e praticar o conceito de accountability.

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2.1.1 Teoria da agência Ao se abordar a accountability, há que se incluir estudos analisando a teoria da agência. Dentre os tantos princípios e as diversas abordagens do gerencialismo desenvolvidos especialmente em think tanks liberais (PAULA, 2005a), destaca-se a agency theory, que ao buscar preceitos na teoria da iniciativa de Adam Smith considera a necessidade de regulação existente entre os proprietários dos recursos econômicos (―principais‖) e aqueles que utilizam e controlam os recursos (―agentes‖). Considerando que ambos buscam maximizar os ganhos financeiros e reduzir as perdas, os ―agentes‖ têm mais informações que os ―principais‖, pois lidam diariamente com o objeto. Desta forma, há uma assimetria de conhecimento, que dificulta a ação dos ―principais‖ para monitorar o atendimento de seus interesses. Para Paula (2005a, p. 35), ―Adam Smith também é considerado o fundador da agency theory, pois foi o primeiro a discutir os conflitos de interesses entre os proprietários e os gerentes de empresas‖. Trazendo esse estudo, inicialmente direcionado à iniciativa privada, para a lógica do setor público, tem-se o governo como ―principal‖ e a iniciativa privada, prestadora dos serviços, como ―agente‖. E, se a Constituição Brasileira afirma em seu artigo 1º que ―todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição‖1, nesse caso o povo é o ―principal‖ e o governo é o ―agente‖. Com isso, o ente que menos detém informação é o povo, seguido do governo, e ambos tornam-se reféns da iniciativa privada que, despida de boa regulação ou acompanhamento, maximiza os lucros, prejudicando a prestação do serviço. Essa abordagem é corroborada por Przeworski (1998, p. 60), ao afirmar que a relação agent x principal entre os políticos eleitos e os cidadãos é muito especial, sem paralelo no mundo privado. Como os cidadãos é que detêm a soberania, são eles os principals em relação aos políticos que elegem. Mas, como o Estado é um mecanismo centralizado e com poder de coerção, são os agents que decidem a que regras os principals devem obediência, e quem os obriga a obedecer.

Para ele, A ‗economia‘ é uma rede de relações diferenciadas e multifacetadas entre classes de agentes e principals: gerentes e empregados, proprietários e administradores, investidores e empresários, mas também cidadãos e políticos, políticos e burocratas. O desempenho de empresas, de governos, e da economia como um todo depende do desenho das instituições que 1

BRASIL, 1988

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regulam essas relações. O que importa é se os empregados têm incentivos para maximizar os lucros, se os empresários têm incentivos para só assumir bons riscos, se os políticos têm incentivos para promover o bem-estar público, se os burocratas têm incentivos para implementar as metas estabelecidas pelos políticos (1998, p. 45–46).

Ao analisar a relação agente-principal e suas assimetrias, Przeworski (1998) faz considerações para minorar as dificuldades decorrentes. São elas: formulação de contratos adequados; melhor triagem e seleção no recrutamento de pessoal no setor público; fiscalização adequada dos agentes pelos principais; diversificação do número de agentes e principais, para reduzir a carga sobre cada um; competição entre os agentes; e descentralização. Por descentralização, o autor traduz accountability como responsabilização, ―porque o aproxima da população que ele serve‖. 2.1.2 A construção do conceito de accountability Ainda que o conceito de accountability não seja tão novo, sendo o primeiro artigo a respeito no Brasil datado de 1990 (CAMPOS, 1990), a maioria das publicações locais nessa temática é posterior a 2006, conforme levantamento de Medeiros, Crantschaninov e Silva (2013). Mesmo assim, grande parte dos estudos é somente empírica, sem haver grande debate teórico e demonstrando clara confusão em sua definição. Nos estudos empíricos, algumas contribuições podem ser citadas. Pinho (2008) analisou a efetividade dos portais de governo eletrônico para estabelecimento da democracia. Sacramento (2005), por sua vez, abordou as relações entre a Lei de Responsabilidade Fiscal e o controle social. Já Pó e Abrúcio (2006), ao estudarem as agências reguladoras, buscaram em seus mecanismos de controle as contribuições do modelo à accountability do Estado brasileiro. Roczanski e Tomasi (2009 e 2010), ao identificaram no caso de uma universidade pública o caminho para responsabilidade do gestor público, transparência e prestação de contas para a sociedade, colaboraram com a temática. Zapelini (2015) estuda um comitê de bacia hidrográfica como mecanismo de accountability na gestão de recursos hídricos. Finalmente, o estudo de Mota (2006) abordou a contribuição do mecanismo de Ação Popular como forma aplicada de accountability. Enquanto isso, o estudo do debate teórico identifica algumas vertentes principais. Para além das tipologias de análise apresentadas, por exemplo, por

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O‘Donnel (1998) e Olivieri (2007), cabe constatar que accountability é com frequência relacionada à responsabilização, prestação de contas e transparência, sendo essas três distintas abordagens da temática. Com isso, nesse trabalho definese accountability como o dever da Administração Pública em prestar contas de suas ações com transparência, sendo responsabilizada por suas consequências. Essa linha se assemelha à de Peruzzotti e Smulovitz (2001, p. 25) que explicam accountability como ―a capacidade de assegurar que os funcionários públicos prestem contas por suas condutas, isto é, que sejam obrigados a justificar e a informar sobre suas decisões e que eventualmente possam ser castigados por elas‖. É essa a definição tratada por Malena, Forster e Singh apud Zapelini (2015, p. 77), quando definem accountability como ―a obrigação dos detentores de poder de prestar contas e/ou demonstrar responsabilidade por suas ações‖. Cabe recordar que Abrucio e Loureiro (2004, p. 81–82) tratam, complementando O‘Donnell (1998), de classificar as diferentes leituras de accountability na democracia por três abordagens: (i)

Processo eleitoral – base para governos democráticos, traduz a soberania popular sobre os governantes. Tem como instrumentos os debates, as regras de financiamento eleitoral e a Justiça eleitoral.

(ii)

Controle institucional durante o mandato – exercido pelos poderes Legislativo e Judiciário, mas também por seus órgãos auxiliares, como Tribunal de Contas. Nessa abordagem, propicia os instrumentos para fiscalização dos representantes eleitos e da burocracia com capacidade de decisão nas políticas públicas, também por meio do controle social feito por organizações da sociedade civil.

(iii)

Criação

de

regras estatais intertemporais



aqui

se

enquadram os direitos básicos instituídos pela Constituição, a limitação do poder do administrador público e os mecanismos de restrição orçamentária. Na mesma linha, Peruzzotti e Smulovitz (2001, p. 32) trazem também o conceito de accountability social, um mecanismo de controle vertical, não eleitoral, ―baseado nas ações de um amplo espectro de associações e movimentos sociais,

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assim como também pelas ações midiáticas‖, o que pode ser considerado como jornalismo de denúncia. Ainda que a prestação de contas possa se dar durante períodos eleitorais, a accountability social independe de calendários fixos. A ideia da accountability social também está presente em Saloojee e FraserMoleketi (2010, p. 491), que afirmam que ―as ações da reforma do serviço público (…) asseguram a sustentabilidade sob restrições fiscais gerais, aumento da transparência e de accountability, combate à corrupção e fortalecimento de medidas para a participação pública‖. 2.1.3 Implementação no Brasil Enquanto o movimento de fortalecimento da accountability ocorria no plano internacional, também houve uma articulação de diversos entes supranacionais para fortalecer as reformas de cunho gerencial na América Latina e no Brasil. De acordo com o Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD), em documento de 1998, A construção de um novo tipo de Estado é também a grande questão para a América Latina. Mas embora haja um contexto global de reformas, há importantes peculiaridades latino-americanas. Primeiro, no que diz respeito à situação inicial da crise do Estado, cuja gravidade era bem maior do que a existente no mundo desenvolvido. Não só estes países entravam em uma séria crise fiscal como ainda o modelo anterior de desenvolvimento econômico (modelo de substituição de importações) exauria-se. Ademais, o problema da dívida externa tornou-se crônico em quase todo o continente (1998, p. 3).

No entanto, se a Inglaterra e os Estados Unidos vinham de longa trajetória democrática, os países latino americanos em meados da década de 1980 estavam em processo de redemocratização. Por isso, o CLAD (1998, p. 4) enfatiza a necessidade de manter o poder de intervenção estatal direta quando não houver as condições sociais mínimas para compartilhar as atividades com a sociedade. Portanto, é preciso diferenciar as situações nas quais os serviços poderão ser prestados por mais de um provedor e/ou por entidades públicas não-estatais daquelas em que o aparato estatal será o único a garantir a uniformidade e a realização continuada das políticas públicas.

Para garantir a capacidade de atuação do Estado nesse ambiente, há um reconhecimento de que o controle social deve ser fortalecido de cima para baixo, pois não havia a capacidade adequada de controle pelo processo eleitoral, sequer do controle institucional durante o mandato na análise de Abrucio e Loureiro (2004). Portanto,

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é preciso reforçar as formas democráticas de relacionamento entre o Estado e a sociedade, aumentando o grau de accountability (responsabilização) do sistema. Com isso, busca-se capacitar os cidadãos para controlar as políticas públicas, podendo torná-las, a um só tempo, mais eficientes e com melhor qualidade (CLAD, 1998, p. 5)

No caso brasileiro, a crise do nacional-desenvolvimentismo e as críticas ao patrimonialismo e autoritarismo do Estado estimularam a emergência de um consenso político de caráter neoliberal que, segundo análise deste trabalho, se baseou na articulação das seguintes estratégias: a estratégia de desenvolvimento dependente e associado; as estratégias neoliberais de estabilização econômica; e as estratégias administrativas dominantes no cenário das reformas orientadas para o mercado. De acordo com Bresser Pereira (1998), a nova administração pública se diferencia da administração pública burocrática por buscar seguir os princípios do gerencialismo, ainda que exista a sobreposição de modelos de administração diversos (JUNIOR, 1998). Abrucio (1997) evidencia as diversas abordagens dentro da nova administração pública, demonstrando que não há consenso entre os autores. Há que se considerar o cunho gerencial da reforma já estava em gestação antes, mas se materializou na posse do presidente Fernando Henrique Cardoso com a criação do Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE) e a elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Conforme Abrucio (2010, p. 539), o governo Itamar ―chegou a produzir documentos com diagnósticos importantes sobre a situação da administração pública brasileira (…), mas que não tiveram grande iniciativa reformista‖, enquanto que ―a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso foi bastante ativa. Entre os seus pilares, estava a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE)‖. Nesse contexto de reforma do Estado, um dos instrumentos típicos é o reforço da accountability, instrumento típico de democracias, e que a prestação de contas constitui um fator da maior relevância no processo de democratização, sempre que o cidadão tiver a possibilidade de expressar suas prioridades e demandas e exigir que estas constem na agenda do governo. Assim, a cada dia, o cidadão dispõe de meios para verificar se tais demandas são cumpridas e exigir contas e resultados aos governantes (ESPINOSA, 2012, p. 17).

Assim, pode-se dizer que o Brasil precisou de algum tempo após a redemocratização para que suas organizações públicas fossem accountable. No entanto, pelos resquícios de períodos ditatoriais, o controle social nas ações públicas ainda se demonstra bastante falho, e há dificuldades na transparência e na

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responsabilização dos agentes, conforme demonstram Mota (2006), Martins (2014) e Biondi (2001). Carvalho (2007, p. 203) afirma inclusive que ―ficara claro que a democratização não resolveria automaticamente os problemas do dia-a-dia que mais afligiam o grosso da população‖. Em estudo sobre a efetividade das reformas da administração pública em países subdesenvolvidos, dentre os quais o Brasil, Kiggundu apud Saloojee e Fraser-Moleketi (2010, p. 492) atesta que não há quase nenhum indício objetivo que mostre que a reforma da administração pública na maioria desses países teve um impacto positivo significativo e sustentado sobre o fornecimento de serviços, a satisfação do cidadão (cliente) e o aumento das capacidades e competências centrais, da transparência e da accountability da administração pública.

Por esse motivo, se faz necessário estudar a qualidade da prestação do serviço abastecimento de água em meio à crise hídrica presente, com foco na accountability. 2.2

Accountability na gestão da água Como consequência direta da Conferência de Estocolmo (1972), o primeiro

órgão central brasileiro ligado à temática ambiental foi criado, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), ato que não teve impacto relevante na elaboração de políticas públicas da área. Em um amadurecimento da compreensão do assunto, já na década de 1980 a Lei nº 6.938/1981 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Algumas temáticas como melhor uso do solo e do subsolo, da água, do ar, obrigação de recuperar ou indenizar danos causados e outras foram instituídas então. No nível estadual, houve grandes avanços em alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, com a instauração de legislação específica e criação de agências próprias na área de controle da poluição (CETESB e FEEMA), planejamento territorial (EMPLASA) e definição de áreas protegidas (Unidades de Conservação). Quanto à gestão de recursos naturais, São Paulo foi precursor na instituição de uma política estadual de recursos hídricos, em 1991 (SÃO PAULO, 1991). Voltando ao contexto federal, somente em 1997, com a Lei nº 9.433, foi instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos, que em seu artigo 1º expõe alguns fundamentos, tais como a água como bem público, recurso natural limitado dotado de valor econômico e outros. Destaca-se o inciso III deste mesmo artigo:

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III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animai‖. (BRASIL, 1997)

Mota (2005) desenha a trajetória da preocupação com a governança de recursos hídricos, recordando Adam Smith em Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, de 1776: (...) as coisas com maior valor de uso frequentemente têm pouco ou nenhum valor de troca; (...) aquelas que têm o maior valor de troca, frequentemente têm pouco ou nenhum valor de uso. Nada é mais útil que a água, mas dificilmente com ela se comprará algo. Um diamante, pelo contrário, dificilmente tem utilidade, mas uma grande quantidade de coisas pode amiúde ser trocada por ele (Smith apud Mota, 2005, p. 202).

Nota-se com isso que o uso da água já era reconhecido, no entanto a água não era compreendida como bem escasso, e portanto o bem não era objeto da ciência econômica clássica. Mota segue lembrando que a história da governança da água perpassa pelo diagnóstico de que a água é um recurso vulnerável com valor econômico. Define-se na Conferência Internacional da ONU sobre Água e Meio Ambiente (Dublin, Irlanda, 1992) que o ser humano tem direito à água potável e ao saneamento e que a sua gestão deve ancorar-se no envolvimento participativo das autoridades de governo, ambientais, organizações sociais, usuários e comunidades locais (MOTA, 2005, p. 204).

No mesmo ano de 1992 ocorreu, durante a Conferência Eco-92, o lançamento da Agenda 21, com chancela da ONU e de 162 chefes de Estado, que em seu capítulo 18 destaca a ―proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos‖ (MOTA, 2005, p. 204). Posteriormente, outras conferências internacionais aprofundaram o debate, concluindo a necessidade de pensar adequadamente a governança do bem. Por governança, Mota (2005, p. 205) define ―fazer a gestão dos recursos hídricos de modo que a natureza não seja afetada e que os demais seres que habitam o meio ambiente sobrevivam em constante harmonia‖. Em paralelo ao campo ambiental, o pensamento econômico internalizou novas abordagens, o que é resumido por Sachs (2005, p. 21): ―Com a ajuda do instrumental da economia neoclássica, procurou-se internalizar a problemática ambiental na economia de mercado, como se fizesse sentido avaliar em termos monetários todos os impactos ambientais, reduzindo a complexa avaliação das relações entre a sociedade, a economia e a natureza a um simplório exercício de custo-benefício e deixando de lado a dimensão qualitativa‖.

Princípios citados por Sachs (2005) como a valoração econômica ambiental e sua contabilidade, bem como o impacto da matriz ambiental no comércio internacional, são melhor aprofundados em May, Lustosa e Vinha (2003).

22

Frente à morosidade em tratar o assunto como um problema emergente, relatório do Banco Mundial (VELLEMAN, 2010, p. 7) afirma que o fracasso de serviços públicos de água ou dos prestadores em responder às necessidades dos mais pobres resultou em uma ênfase em maneiras de melhorar sua accountability, e posteriormente sua capacidade de responder às demandas do usuário.

Para resolver tal situação, a entidade (VELLEMAN, 2010, p. 5) apresenta uma definição de accountability baseada em cinco fatores, a saber: 1. Delegação: explícita ou implícita, compreendendo que o serviço (ou os bens envolvidos em sua prestação) serão providos. 2. Financiamento: provisão de recursos para garantir a prestação do serviço ou o pagamento por ele. 3. Desempenho: atendimento da demanda. 4. Informações sobre a execução: obtenção de informações relevantes e avaliações de desempenho, superando expectativas e as normas formais ou informais. 5. Aplicação: capaz de impor sanções para desempenhos apropriados ou aplicar benefícios quando o desempenho é adequado. Ao se analisar a definição do Banco Mundial, faz-se necessário resgatar a visão de Abrucio, que recorda das bases do gerencialismo ao escrever sobre a Orientação para o Serviço Público (PSO, na sigla em inglês), abordagem da administração pública gerencial que mais insere o cidadão: Portanto, o PSO defende as virtudes políticas da descentralização. No modelo gerencial puro, a descentralização era valorizada como meio de tornar mais eficazes as políticas públicas. Já no consumerism, o processo de descentralização era saudável na medida em que ele aproximava o centro de decisões dos serviços públicos dos consumidores, pensados como indivíduos que têm o direito de escolher os equipamentos sociais que lhes oferecer melhor qualidade. O ponto que aqui distingue o PSO das outras correntes é o conceito de cidadão. Pois, enquanto o cidadão é um conceito com conotação coletiva — pensar na cidadania como um conjunto de cidadãos com direitos e deveres (ABRUCIO, 1997, p. 26).

Para Abrucio (1997), a PSO carrega em sua essência os conceitos de accountability e de participação dos cidadãos nas decisões políticas pela ideia da justiça e da equidade. Nota-se nas definições do Banco Mundial e de Abrucio que o conceito de accountability remonta a um só tempo à accountability social e à Orientação para o Serviço Público. A accountability social é assim definida pelo Banco Mundial:

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Os mecanismos de accountability social objetivam permitir que os atores da sociedade civil se envolvam com processos, tais como a elaboração de políticas, prestação de serviços (...), de uma forma que expresse a prestação de contas do governo, seu desempenho e de seus fornecedores para melhorar a qualidade do serviço público. (VELLEMAN, 2010, p. 11)

O mesmo documento destaca princípios básicos para as ferramentas de accountability. O primordial, equidade, é definido por Matias-Pereira (2010, p. 122) com base nos preceitos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa: o tratamento justo e igualitário a todos os grupos minoritários, sejam do capital ou dos chamados stakeholders (colaboradores, clientes, fornecedores, etc.), constitui regra básica. Qualquer atitude ou política discriminatória é considerada falta grave (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 14).

Matias-Pereira (2010, p. 122) também afirma que ―os gestores têm obrigação de prestar contas a quem os elegeu e responder integralmente por todos os atos que praticam no exercício de seus mandatos‖. Voltando à visão gerencialista do Estado, faz-se necessário identificar de que formas a crise hídrica é abordada e quais os mecanismos de accountability existem para garantir a responsabilização dos agentes.

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3 O CASO PAULISTA – GOVERNANÇA, CRISE E ACCOUNTABILITY A gestão da água de São Paulo é regida por dois grandes marcos: a política estadual de 1991 e a política nacional de 1997. A partir destes marcos, é possível compreender como está estruturada a governança da água, atores envolvidos e suas competências, o que será visto neste item em seguida. 3.1 – Governança e atores na gestão da água. Há extensos debates quanto à eficácia da governança da água, o que pode ser visto por exemplo em Tundisi (2013), Jacobi (2005), Jacobi e Fracalanza (2005) e Santilli (2003). Para Silva (2013, p. 238) a lei é bastante imprecisa em suas diretrizes. Entretanto, o marco legal é válido por criar o quadro jurídico para uma mudança na governança das águas no Brasil: o governo central, histórico regulador das águas, institucionaliza um sistema descentralizado, em que o poder de decisão sobre os planos de gestão da água e a cobrança de encargos passa a ser compartilhado com órgãos estaduais e comitês de bacias (SILVA, 2013, p. 242–243).

A lei tem por princípio basilar a gestão integrada dos recursos hídricos por meio de bacias hidrográficas. Conca apud Silva (2013, p. 243) destaca que Conceitualmente, a nova lei refletiu uma mudança dramática do paradigma estreito de exploraçao dos recursos para uma perspectiva mais ampla, centrada na avaliação integrada, na gestao em termos de bacias, proteçao ambiental e participaçao das partes interessadas. Politicamente, a lei refletiu o declínio do poder dos hidrocratas e a crescente influência de ambos os interesses urbanos e ambientais. Institucionalmente, a lei refletiu a luta contínua sobre o caráter do Estado brasileiro, o equilíbrio entre o Estado e a autoridade federal, e o significado de participaçao em um Brasil cada vez mais democrático.

No caso de que trata este estudo, destacam-se alguns atores-chave: governo do Estado de São Paulo, Sabesp, Agência Nacional das Águas (ANA), DAEE e Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP). Em seu artigo 21, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) afirma que é competência da União, entre outros, ―instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso‖. É essa a ementa da já citada Lei nº 9.433. As competências relacionadas aos entes federativos são mais explicitamente dispostas na Tabela 1 - Repartição de competências entre os entes federativos.

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Tabela 1 - Repartição de competências entre os entes federativos2 Ente

União

Competência Gerencia a Política Nacional e o Plano Nacional de Recursos Hídricos Fiscaliza e regula a gestão hídrica no país, junto ao Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas Conselho Nacional de Recursos Hídricos regulamente política com a participação do governo federal, estados, setores e usuários da sociedade civil Responsável pela gestão das águas sob o seu domínio Elabora legislação específica para sua área

Estados

Responsável por decretar medidas de controle do consumo da água, tais como racionamento, taxas, multas e benefícios, na medida de suas competências estabelecidas em lei Organiza o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e garante o funcionamento dos comitês de bacia em sua competência Possuem assentos nos Comitês de Bacias Hidrográficas no intuito de promover a articulação intersetorial e federativa

Município

Concedem a água do território para a concessionária do serviço, no entanto não tem capacidade decisória (governança) quanto às políticas locais

Além dos entes federativos, também podem ser listados outros atores ligados aos entes, conforme Tabela 2. Tabela 2 – atores e atribuições3

2 3

Instituição

Competências

Agência Nacional das Águas - ANA

Agência reguladora autárquica responsável por disciplinar a implementação, operacionalização, controle e avaliação dos instrumentos de gestão criados pela Política Nacional de Recursos Hídricos através do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. É responsável por outorgar, por autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União. Fiscalizar o cumprimento da outorga e elabora estudos técnicos

Comitês de Bacias Hidrográficas

Fóruns colegiados responsáveis por aprovar o Plano de Recursos Hídricos de cada Bacia; arbitrar conflitos pelo uso da água; estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água na região colegiada

Elaborado pelo autor, adaptado de Aith e Rothbarth (2015). Elaborado pelo autor do autor, adaptado de Aith e Rothbarth (2015) e MARTINS, (2014)

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Empresa de economia mista com atribuição de prestar os serviços SABESP - Companhia de saneamento básico no Estado de São Paulo, com vistas à sua de Saneamento Básico universalização. É responsável pelo abastecimento de água, do Estado de São esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais Paulo urbanas DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica

Autarquia estadual que estuda o regime dos cursos de águas existentes no Estado, tendo em vista seu aproveitamento para diversos usos. Elabora projetos e procede à construção das obras de aproveitamento, derivação ou regularização dos cursos de água.

Órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas. Complete participar na definição das ações e CBH - Comitê de Bacia programas; aprovar e acompanhar a execução do plano de bacias; Hidrográfica arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos. ARSESP - Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo

Regula, controla e fiscaliza os serviços públicos de saneamento básico estaduais, inclusive em relação às tarifas e aos contratos de prestação de serviços de fornecimento de água e tratamento de esgotos

Pelo exposto, fica evidenciada a relevância da atuação dos órgãos ligados ao governo estadual. Em caso de crise hídrica, como o ora analisado, cabe ao Estado decretar racionamento. Além disso, como principal acionista da SABESP, tem influência nas decisões de investimento da empresa. 3.2 Contexto e impactos da crise hídrica na RMSP Há que se considerar que a redução do nível das represas não foi repentina, e sequer foi a primeira crise hídrica que atingiu a região metropolitana de São Paulo. Levantamento4 feito durante o período recente apontou que, apesar de extenso período com poucas chuvas entre 2014 e 2015, o verão de 2015 foi somente o 46º mais seco desde 1943, e o de 2014, o 15º da lista. O gráfico da Figura 1 demonstra que houve ritmo de queda desde 2011 no nível do reservatório do sistema Cantareira. Sua metodologia5 foi divulgada pela iniciativa Rios e Ruas6 e explicita o volume de água incluindo a chamada reserva técnica no cálculo.

4

MANSUR, 2015. . Acesso em: 13 nov. 2015. 5 ALÉM DO LABORATÓRIO, 2015. . Acesso em: 17 nov. 2015.

27

Figura 1 - Volumes de água no sistema Cantareira 2011-2015

No entanto, cabe retomar que a crise hídrica ganha relevância principalmente desde a década de 1970, conforme Meyer, Grostein e Biderman (2004, p. 91) explicam: ―As características que vem assumindo o avanço da urbanização nas bacias hidrográficas dos principais sistemas produtores de água da região metropolitana colocam em risco os seus mananciais, que deveriam permanecer protegidos de ocupação predatória. A região, considerada de baixa disponibilidade hídrica, comporta uma das maiores aglomerações urbanas do país e depende atualmente da importação de 50% da água que consome de outras bacias. A necessidade crescente de recorrer à estratégia de buscar a água em outras bacias hidrográficas para abastecer a região metropolitana pode ser avaliada se lembrarmos que até a década de 1970 a metrópole era abastecida apenas pelos recursos contidos em sua própria Bacia; na década de 1980 a reversão era da ordem de 13m³/s e hoje já é preciso importar de outras bacias 50% da água consumida na metrópole‖.

O estudo supracitado segue em consonância com fala do Secretário Especial do Meio Ambiente do governo federal em 1977, Paulo Nogueira Neto, que àquela época afirmou que ―talvez, antes do final do século, São Paulo terá que se abastecer com água transportada do vale do Ribeira7‖. Tuffani (2014) afirma que, ―para agravar ainda mais esse quadro, o governo de São Paulo não realizou as obras do sistema 6

RIOS E RUAS. Acesso em: 13 nov. 2015. 7 TUFFANI, 2014.

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de produção São Lourenço (SPSL) para a entrada em operação a partir de 2015, prevista desde a década passada‖. Dentre os alertas elaborados quanto a um possível colapso do sistema, o IGAM - Instituto Mineiro de Gestão de Águas (2013) apontou para a necessidade de novas estratégias para a gestão das águas com o objetivo de aumentar a oferta hídrica. Naquele período, o volume útil de armazenamento do sistema chegou a apenas 1% no mês de novembro. Paralelo a isso, em 2004, quando da renovação da outorga do Sistema Cantareira, o DAEE entregou à Sabesp relatório apontando a necessidade de reduzir a dependência do Sistema Cantareira e incumbindo a Sabesp de realizar estudos e projetos que viabilizassem a redução de sua dependência do Sistema Cantareira.

Ademais,

instituiu

que

a

Sabesp

deveria

―manter

programas

permanentes de controle de perdas, uso racional da água, combate ao desperdício e incentivo ao reuso de água, apresentando, anualmente, relatórios ao DAEE e à ANA que disponibilizarão os dados ao Comitê das Bacias Hidrográficas do Alto Tietê e dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí‖ (DAEE, 2004). Já em 2007, atendendo tardiamente ao relatório do DAEE, foi elaborado pelo Governo do Estado de São Paulo o ―Plano Diretor de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista‖, tendo como diretrizes a transferência de água de outros mananciais para a bacia do Cantareira e a construção de novos reservatórios direcionados para períodos de estiagem. Tendo em vista a morosidade para providenciar as obras necessárias à segurança hídrica da população, em novembro de 2013 o Ministério Público Estadual questionou a Sabesp quanto às providências previstas no Plano Diretor de 2007. Nota-se que a possibilidade de séria crise hídrica foi prevista alguns anos antes. Ocorre que, a despeito dos alertas, não houve grandes providências práticas e a região metropolitana manteve a dependência do Sistema Canteira. Somado a isso, no final de 2013 houve uma estiagem atípica e ―os índices pluviométricos não foram suficientes para repor a água consumida diariamente no Sistema Cantareira‖ (MARTINS, 2014, p. 10). De acordo com Coutinho, Kraenkel e Prado (2015a), As chuvas de outubro a março em geral garantem a recuperação do sistema Cantareira, mas não foi isso que aconteceu em 2013 e 2014. A entrada de água neste período foi a menor da história do sistema, que pela primeira vez atravessou mais de um ano inteiro com mais água saindo do que entrando.

29

Essa afirmativa é comprovada pela Figura 2, que apresenta picos de entrada no Sistema Cantareira exatamente nesses períodos. No entanto, o gráfico também permite notar o viés de baixa nas vazões de entrada, que são reduzidas ano a ano. Ocorre que uma gestão prudente do sistema atentaria para o fato de a curva de saída ser maior do que a de entrada por longo período ao agir de forma prévia a situações-limite, como é o caso do uso do volume morto.

Figura 2 - Vazões de entrada e saída de água no Sistema Cantareira8

Com a queda constante no nível dos reservatórios, em fevereiro de 2014 a ARSESP iniciou programa para conter do consumo, com redução de tarifas de água e esgoto para quem consumisse menos água. Esse programa foi acompanhado de multa anunciada pelo Governador Geraldo Alckmin para usuários que aumentassem o consumo de água em até 30% do valor da conta. Órgãos de defesa do consumidor e da ordem jurídica estabelecida, como IDEC, OAB e Proteste contestaram, tendo em vista argumento de que a sobretaxa só poderia ser cobrada após anúncio oficial de racionamento, algo que o Governo do Estado e a Sabesp negavam. Paralelo a

8

COUTINHO; KRAENKEL; PRADO (2015)

30

isso, o Ministério Público cobrou explicações da Sabesp, do DAEE e da ARSESP quanto à atribuição de responsabilidades durante a crise. Ocorre que, se o discurso oficial era a inexistência de racionamento no ano de 2014, pesquisa do Instituto Data Popular aponta que a falta de água na região metropolitana já era sentida por 35% da população9. Devido à proximidade das eleições para governador, momento essencial de accountability vertical, o PSDB, partido do governador do Estado, notificou o instituto de pesquisa na justiça eleitoral. Para o partido, a pesquisa teria natureza eleitoral. De acordo com Renato Meirelles10, presidente do Instituto Data Popular, ―não se pode deixar de discutir [a questão] só porque é ano eleitoral. Mais importante do que questionar a pesquisa é debater a crise da água". No entanto, poucos meses depois já não seria necessária uma pesquisa com metodologia científica para identificar os impactos da falta de água. Em outubro, já era comum identificar na imprensa notícias de locais aonde a falta de água foi sentida. Assim, banheiros de estação de metrô 11 e postos de saúde12 tiveram cortes. De acordo com o Datafolha, no mês de outubro a falta de água atingia 60% dos moradores da cidade de São Paulo13. Além das instalações públicas, o setor industrial também sofreu com problemas de abastecimento 14. Notou-se, no entanto, um descolamento entre o discurso oficial e o cotidiano da cidade: enquanto o governador afirmava não faltar água em escolas 15, 34 escolas

9

A pesquisa foi amplamente divulgada na imprensa. Resultados e metodologia podem ser vistos, por exemplo, em Carta Capital . Acesso em 12 nov. 2015; e em Guandelini . Acesso em 12 nov 2015. 10 Carta Capital, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015. 11 Vale, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015. 12 Ribeiro, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015. 13 Folha de São Paulo, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015. 14 Salomão e Silva, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015. 15 UOL, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015.

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já sofriam com corte de água16. O governo somente admitiu o racionamento no mês de janeiro de 201517. Antes disso, ainda em julho de 2014 houve um marco temporal importante para a compreensão da crise hídrica: dado o final do volume útil do sistema Cantareira (vide gráfico 2), houve o início do uso da reserva técnica, também conhecida como ―volume morto‖. De acordo com definição de Martins (2014, p. 13), O ―Volume Morto‖ corresponde à reserva de água mais profunda do reservatório, localizada abaixo das bombas de captação, utilizada apenas em situações de emergência. (...) Para especialistas, existe a possibilidade dessa água não atender aos padrões exigidos de potabilidade, sendo necessário o tratamento diferenciado. A Sabesp afirma que o tratamento convencional é o suficiente para garantir a qualidade do recurso.

O volume armazenado no Sistema Cantareira pode ser visto na Figura 3, Pela curva descendente desde meados de 2013, já fica evidenciado que a tendência seria de fatalmente adentrar no uso do volume morto. Nota-se também que as entradas no sistema nos períodos chuvosos de 2012 e 2013 não foram suficientes sequer para repor a água disponível nos meses anteriores. Assim, em janeiro de 2015 o volume morto quase foi esgotado. Pelo risco de a água do volume morto não ser adequada ao consumo humano, o Ministério Público Estadual (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015) exigiu o monitoramento constante da qualidade da água. Já em julho o IDEC18 apresentou à ARSESP evidências de que já haveria racionamento, e cobrou providências da agência reguladora. No mesmo mês, o Ministério Público Federal recomendou à Sabesp e ao governo de São Paulo a adoção imediata de racionamento nas áreas abastecidas pelo sistema Cantareira. Em resposta, a Sabesp informo que as medidas de contenção de consumo e o uso da reserva técnica seriam suficientes para contenção da crise, afirmando que ―a medida penalizaria a população e poderia produzir efeitos inversos àqueles pretendidos (...). Os esforços feitos pela população e pela Sabesp até o momento equivalem à economia que se obteria com um rodízio de 36 horas com água por 72

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Ribeiro, 2014. . Acesso em 12 nov. 2015. 17 Martín, 2015. . Acesso em 12 nov. 2015. 18 IDEC, 2014. . Acesso em: 17 nov. 2015.

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horas sem água‖19. Por considerar a resposta insatisfatória, o Ministério Público manteve inquérito para a Sabesp e o governo apresentarem documentos embasando a decisão política. Figura 3 - Volume armazenado disponível20

O IDEC, por meio da campanha ―Tô sem água‖, identificou diversos focos de falta de água na região metropolitana, contraponto o posicionamento oficial do Governo do Estado e da Sabesp sobre a ausência de racionamento. Pelo estudo, em 76% dos relatos havia falta de água diariamente, principalmente no período noturno21. A gravidade da crise hídrica já se fazia notória há tempos. Pelo exposto, denota-se necessário compreender de que forma os mecanismos de accountability atuam, e se essa atuação é efetiva para uma adequada transparência e responsabilização dos agentes envolvidos. 19

Cruz, 2014. . Acesso em: 17 nov. 2015 20 COUTINHO; KRAENKEL; PRADO (2015) 21 Dados da campanha podem ser visualizados em IDEC, 2015 . Acesso em: 17 nov. 2015; e em Aliança pela Água, 2015. . Acesso em: 23 nov. 2015

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4 ANÁLISE DOS MECANISMOS DE ACCOUNTABILITY O presente estudo dos mecanismos de accountability no caso de crise hídrica em São Paulo é direcionado para dois focos: accountability social e mecanismos de controle institucional pelo Ministério Público. Por evidente, não se nega a importância de outros mecanismos, como o voto, o poder legislativo junto com seus órgãos conjugados tais como o Tribunal de Contas, e a capacidade das universidades em gerar alternativas. No entanto, se não é buscado exaurir a temática no caso, há que se escolher vieses de análise. A crise foi agravada à medida que o discurso oficial negava a existência de uma crise de grandes dimensões. Assim, o não reconhecimento do assunto como um problema impediu a tomada de decisão adequada por parte da população. Desta forma, pela sociedade civil, como pólos de accountability vertical, as informações foram esparsas, em especial da parte de cidadãos isolados ou por meio de organizações focadas na temática ambiental ou que direcionaram esforços para entender e solucionar a crise. Por sua vez, a accountability horizontal, pelo controle institucional, ocorre há mais tempo e de forma mais constante, em especial da parte do Ministério Público. Quanto à existência dos mecanismos de controle e responsabilização, Przeworski (1998) considera a accountability uma forma de os cidadãos, enquanto principais, tomarem ciência e responsabilizarem os governos, seus agentes, ―se puderem obrigar os governos a se responsabilizar pelos resultados de suas ações passadas‖ (1998, p. 61). Para ele, ―os governos são responsáveis (accountable), se os cidadãos têm como saber se os governos estão – ou não estão – atuando na defesa dos interesses públicos e podem lhes aplicar as sanções apropriadas‖ (1998, p. 61–62). Uma dificuldade para tanto, assinala o autor, é a assimetria de informação, já tratada anteriormente. Afinal, ―nem sempre basta observar os resultados para poder decidir se o governo está fazendo tudo o que pode fazer para promover o bem-estar de todos ou se está servindo a interesses particulares‖ (1998, p. 63). Pela aplicabilidade do estudo de Przeworski, é necessária uma reflexão da transparência das instituições envolvidas. Cita-se como exemplar o trabalho de Martins (2014) com a Artigo 19, organização da sociedade civil especializada no assunto. Em análise do grau de transparência no acesso e no conteúdo das

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informações sobre a crise da água, a organização identificou baixo ou nenhum grau de transparência ativa nos sítios de internet do Governo do Estado de São Paulo e da SABESP, observando a inexistência de informações a respeito pela parte do Governo. Já os dados da página da SABESP ―se resumem a dados técnicos sobre o volume de água remanescente no sistema, como índices pluviométricos e médias mensais. Mesmo que a atualização dos dados seja constante, não há fácil compreensibilidade dos indicadores, que têm características técnicas e operacionais consideráveis. Não há nenhum glossário ou texto no site que permita ao usuário leigo interpretar os dados ali contidos, dificultando sua utilidade como fonte de informação‖ (MARTINS, 2014, p. 23).

Também são sofríveis as informações disponibilizadas pela Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos, que ―não apresenta nenhuma informação sobre a crise da água‖. Dos órgãos vinculados à influência do governo do Estado, somente a ARSESP disponibilizava documentos, em especial relacionados ao Programa de Incentivo à Redução da Água. O estudo de Martins (2014) demonstra ainda que o site da Agência Nacional das Águas tem comunicados mais palatáveis ao público leigo, com estudos sobre escassez hídrica. Tendo em vista que sequer órgãos que têm na accountability sua essência, como o Ministério Público, têm informações organizadas e acessíveis ao público leigo, levanta-se a hipótese de que a opacidade da informação é mais ligada à cultura governamental brasileira do que a ações específicas intencionadas. 4.2

Accountability vertical

Citam-se como exemplos os trabalhos de Camila Pavaneli de Lorenzi e a atuação da Aliança pela Água, coletivo de organizações e de pessoas físicas formado durante o período para elaborar ações conjuntas e articuladas. Para Brum (2015), ―Quando a gente abre a torneira em São Paulo e não sai nada, e sabe que logo chegará o dia que não haverá nada no dia seguinte e no dia seguinte ao dia seguinte e assim por um tempo que ninguém sabe quanto será e quem diz que sabe mente, descobrimos que nos tiraram muito mais do que água. Essa é a parte aterrorizante. E é aterrorizante para além das vidas secas. O terror é menos pelo que só agora faltou, mais pelo que nunca existiu. O terror é dado pela perda das ilusões de que tudo estava sob controle. E, de repente, aqueles que repetiam que estávamos todos bem bem mostraram que, na verdade, estamos todos bem perdidos. O estado de torpor dos moradores de São Paulo foi perfurado pela realidade, abriu-se um rombo que talvez seja impossível fechar. No fundo desse buraco não há vazio, mas espelho. É nesse ponto que existe algo de fascinante. É quando o morador de São Paulo vira todos, encarna o humano dessa época, uma catástrofe diante da catástrofe. Nós, o futuro que chegou primeiro‖.

35

Uma iniciativa individual de grande impacto começou quando uma psicóloga leiga no assunto quis compreender a situação. Com mensagens diárias no Facebook, Camila Pavanelli de Lorenzi começou a resumir e compilar as notícias do assunto.

À

medida

que

a

ação

gerou

impacto,

criou

a

página

http://boletimdafaltadagua.tumblr.com/, que manteve com atualizações de outubro de 2014 até junho de 2015. Para ela, chamou a atenção ―a negação sendo adotada pelo governo do estado como forma de lidar com uma crise sem precedentes na história do Brasil‖22. Já a Aliança pela água é uma ―coalizão de sociedade civil que existe para contribuir com a construção de segurança hídrica em São Paulo‖ (Aliança pela Água, 2015). Dela fazem parte mais de 40 organizações, que se articularam para pensar em soluções possíveis para garantir o abastecimento de água. Dentre elas, citam-se Instituto Socioambiental, IDEC, Rede Nossa São Paulo, Proteste, GIFE, Akatu, Artigo 19, WWF, Instituto Democracia e Sociedade e Advogados Ativistas, além de pessoas físicas e movimentos informais. Suas ações envolvem ―engajamento de múltiplos atores numa concepção de governança participativa‖ (JACOBI; CIBIM; LEÃO, 2015, p. 8). Um dos tantos documentos de relevo produzidos pela Aliança pela Água foi um estudo com 196 propostas de ações de curto prazo, identificadas como emergenciais e de contingência da crise, e 191 ações de longo prazo, visando melhor planejamento do sistema. Pela interdisciplinaridade da temática, considerouse no material o volume de chuvas, as mudanças climáticas e as necessidades da sociedade, buscando novo modelo de governança da água23. Vinculada à Aliança pela Água, Martins (2014, p. 33) rastreou a acessibilidade dos órgãos envolvidos por meio do cumprimento da Lei de Acesso à Informação, destacando que, ―no caso da Sabesp, nenhum dos sete pedidos de informação recebeu resposta‖. Como conclusão, afirma que encontram relutância das instituições envolvidas, em especial a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos e da Sabesp em responder adequadamente aos pedidos de informação é extremamente problemática, uma vez que ao evitar divulgar as informações oficiais relativas à recente crise, alimenta o clima de incerteza geral e inviabiliza o real envolvimento da população em algo que é, antes de tudo, um bem comum de interesse 22

LORENZI apud BRUM, 2015. Instituto Socioambiental. . Acesso em: 20 nov. 2015. 23

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público: a gestão água. As consequências dessa assimetria de informações é a fragilização do processo democrático e participativo na gestão dos recursos naturais.

Tal conclusão segue em oposição às teses gerencialistas que preconizam a importância de processos transparentes e focados no cidadão. Como consequência, tem-se pouco controle social e dificuldade da população em julgar as decisões políticas. Recorde-se o disposto por Abrucio e Loureiro (2004, p. 83), de que ―por meio das eleições, o objetivo é concretizar, concomitantemente, o princípio de soberania popular e o controle dos governantes, pois os eleitos precisam, de tempos em tempos, prestar contas de seus atos aos cidadãos‖. Os autores seguem raciocínio ao atestarem que ―a transparência das ações governamentais não esgota a busca da accountability durante os mandatos, porém, é um requisito fundamental para a efetivação de seus instrumentos institucionais, pois sem informações confiáveis, relevantes e oportunas, não há possibilidade de os atores políticos e sociais ativarem os mecanismos de responsabilização‖.

O IDEC, organização não governamental de defesa do consumidor e componente da Aliança pela Água, atuou de forma constante dentro de seu foco. Quando em abril de 2014 o governo do estado planejava multar consumidores que aumentassem o consumo de água, o órgão acionou a Justiça. Ocorre que a Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)24 considera prática abusiva ―elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços‖ (artigo 39, X). Considerando que havia a negação de falta de água e que oficialmente não havia racionamento, a ―justa causa‖ prevista na lei não existia. Por consequência, não poderia haver sobretaxa nas tarifas de água. Conforme o IDEC25, a Sabesp ―nega que haja qualquer tipo de racionamento, isto é, corte de fornecimento de água, e também alega que a diminuição da pressão não traz consequências aos consumidores, mas não é o que se vê na prática‖. Outra ação do IDEC, embasada pela Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação)26, o IDEC forçou judicialmente a Sabesp a divulgar o mapa27 das localidades aonde havia redução de pressão de água, e por consequência era sentido com mais afinco o racionamento velado. No entanto, não se pode afirmar 24

BRASIL, 1990 IDEC, 2014. . Acesso em: 17 nov. 2015. 26 BRASIL, 2011 27 IDEC, 2014. . Acesso em: 17 nov. 2015. 25

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que a divulgação do mapa tenha sido atitude de transparência ativa da Sabesp, pois o acesso da população aos dados somente ocorreu após decisão judicial e após iniciativa de órgão de accountability social. Enquanto isso, o posicionamento 28 da empresa foi uma tentativa de manter a crise fora da agenda pública, pois considerou o problema como algo ―pontual‖ e isolado. Na contramão das ações da Aliança pela Água e de diversas organizações da sociedade civil, veículos de imprensa trataram de apaziguar a crise, adotando o discurso governamental em período eleitoral. Cita-se editorial29 de O Estado de São Paulo, que censura a utilização do adjetivo ―crítica‖ para caracterizar a situação, como se a falta de água em escolas, restaurantes, estações de metrô e indústrias não beirasse o catastrófico. Ademais, o periódico alega que transparecer a situação real seria somente forma de ―deixar de lado o tom conciliador‖. Esquece, no entanto, que a ausência de diálogo partia exatamente dos órgãos responsáveis pela situação. Ademais, é papel da imprensa agir como órgão de accountability vertical, pela capacidade de dar publicidade aos atos dos agentes. 4.2 Controle institucional Outra forma de se analisar os mecanismos de accountability é pelo controle institucional. Para Espinosa (2012, pg 17), ―as condições atuais permitem, provavelmente pela primeira vez, colocar em vigência o princípio de pesos e contrapesos, de equilíbrios e balanças, para que o poder contrapese o próprio poder, ao qual se acrescenta o poder do cidadão, visando limitar os excessos do poder político. Estamos perante um fenômeno e processo novo ao qual se soma um número cada vez maior de experts, cidadãos, acadêmicos e organizações da sociedade civil. O fundamental é preservar e fortalecer a vida democrática, na qual os excessos e abusos de poder já não têm mais lugar‖. A atuação do Ministério Público em relação à crise hídrica se pauta fortemente como mecanismo de freio e contrapeso aos excessos do poder executivo. Quando já em 2007 o Ministério Público Estadual, por meio do GAEMA (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente), questionou quanto ao 28

Band, 2014. . Acesso em: 10 nov. 2015. 29 O Estado de São Paulo, 2014. . Acesso em> 10 nov. 2015.

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andamento das obras para garantia de segurança hídrica, o órgão se posicionou como um instrumento de Controle institucional durante o mandato, na abordagem de Abrucio e Loureiro (2004). Para Sadek (2009, p. 10), ―o controle da administração pública tem se transformado em uma atividade praticamente geral do Ministério Público‖. A atuação do Ministério Público é destacada em todo o processo, nas tentativas de controle e de responsabilização. Entretanto, a despeito de sua atividade, ainda assim a crise de 2014 foi deflagrada. Com isso, foi evidenciado o questionamento se as práticas de accountability do órgão são ―incipientes ou suficientes, mas certamente não são inexistentes‖ (MOTA, 2006, p. 6). O discurso do governador Geraldo Alckmin e das autoridades envolvidas atuou como impeditivo à transparência. Em debate televisivo durante sua campanha para reeleição30 ao cargo de governador, falou-se claramente que ―não falta água em São Paulo, não vai faltar água em São Paulo‖, quando o que ocorria na verdade era uma turbidez da crise e ocultação de planos de contingência. Dentre as diversas ações do Ministério Público, o órgão divulga na internet (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015) um total de 48 inquéritos e nove ações judiciais para investigar a crise hídrica. Os temas são diversos, desde apuração direta de responsabilidades até a instituição de racionamento e rodízio no fornecimento de água na cidade de São Paulo. Destaca-se uma ação em andamento que visa ―apurar irregularidades na ineficiência dos administradores públicos responsáveis pela gestão do sistema hídrico do Estado de São Paulo, no planejamento, fiscalização e execução de medidas necessárias para o equilíbrio hídrico, a fim de afastar os riscos de falta de água aos usuários ou contingenciamento, e por erros ou vícios de planejamento, investimentos e execução orçamentária e aplicação de recursos na SABESP‖.

Em estudo específico sobre a capacidade do Ministério Público como controle horizontal, Mota (2006, p. 232) afirma que a accountability é um mecanismo que conduz à implementação da representação, pois força os representantes a agirem no melhor interesse público. Além disso, possibilita que os cidadãos questionem os atos de seus representantes, punindo-os a qualquer tempo e não somente na ocasião das eleições.

Assim, as movimentações do Ministério Público, em especial nas ações civis públicas, se enquadram como dos melhores exemplos da democracia brasileira para execução da democracia plena. Exemplo dessas ações na crise hídrica é a ACP

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Alckmin, Geraldo. Debate televisivo entre candidatos a governador. São Paulo, 2014. Disponível em . Acesso em: 10 nov. 2015.

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Sabesp - divulgação do volume real31, para que a SABESP divulgue os volumes negativos do Cantareira. Com essas ações do Ministério Público e dos órgãos de accountability social, ainda que de forma forçada, obtiveram-se algumas conquistas necessárias à transparência. Nota-se de imediato que a estratégia adotada pelo governo do Estado de São Paulo é o oposto daquela apontada por Zuffo (2015) como acertada em outros países que atravessaram experiências de crise hídrica, tais como Espanha, Israel e Alemanha: ―em todos, o conjunto de medidas tomadas configurou descentralização e maior participação dos usuários e empresas privadas na gestão dos recursos hídricos‖. Com isso, ―a falta de transparência e de participação popular faz com que a gestão da água, no estado de São Paulo, seja fadada ao insucesso‖. A alternativa à problemática passa necessariamente por maior participação social e por mudanças nos mecanismos de gestão, e portanto por uma gestão mais descentralizada. Enquanto isso, ―no estado de São Paulo (...), os comitês de bacias hidrográficas foram congelados e as decisões estão concentradas no governo estadual‖ (ZUFFO, 2015). Pela análise do acadêmico, a previsão é que a estiagem dure entre três e quatro décadas, o que condiz com o estudo de COUTINHO; KRAENKEL; PRADO, (2015b). Assim, ―a única saída para minimizar os prejuízos a curto prazo é conscientizar a população‖ (DANTAS; QUINTANILHA, 2015), pois ―a água economizada hoje será responsável pelo abastecimento de amanhã‖ (Zuffo apud DANTAS; QUINTANILHA, 2015).

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Disponível em . Acesso em: 10 nov. 2015.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A despeito da tentativa do Governo do Estado em minimizar a gravidade do problema do abastecimento, ela foi explicitada pelos outros atores envolvidos e pelos diversos mecanismos de controle, que por suas ações conseguiram manter a crise em evidência. Fruto direto das ações articuladas pela sociedade civil e pelos organismos de accountability institucional, conseguiu-se a divulgação dos níveis reais dos reservatórios, incluindo a contabilidade do volume morto. Também são feitas com frequência audiências públicas temáticas. No entanto, ―é possível constatar que há falta de transparência nas informações veiculadas pelos órgãos de gestão e controle sobre crise da água no Sistema Cantareira, sobretudo devido à dificuldade no acesso e compreensão das informações, a indisponibilidade de declarações e notas oficiais e às informações controversas apresentadas pelas instituições governamentais‖ (MARTINS, 2014, p. 39). A transparência se faz mais importante quando diagnostica-se que ―surge como um dos instrumentos para avaliar a efetividade, a integralidade e a legitimidade das novas práticas de governança em que a participação é um fator-chave nos processos democráticos‖ (JACOBI; CIBIM; LEÃO, 2015, p. 5). Ocorre que pesquisa32 de 2014 identificou que, de 196 notícias vinculadas sobre a crise hídrica na região entre janeiro e outubro daquele ano, em 72% dos casos a causa para a crise foi a redução das chuvas. Notícias esparsas afirmaram que as causas foram má gestão e falta de planejamento, o que demonstra incoerência com o discurso governamental de defesa do gerencialismo. A mesma pesquisa apontou que ―as soluções apontadas para enfrentar a questão estão reduzidas a ações emergenciais de caráter técnico, decididas pelos órgãos públicos sem que haja espaço para o envolvimento da sociedade civil‖, prejudicando o exercício da accountability vertical. Cabe recordar que já existem iniciativas e diagnósticos responsabilizando o governo do Estado pela crise hídrica. É o caso da portuguesa Catarina de Albuquerque33, então relatora das Nações Unidas para a questão da água, que afirma ter faltado ao governo adotar medidas e fazer os investimentos necessários.

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IDS e Procam apud Jacobi, Cibim e Leão (2015) Albuquerque, 2014.. Acesso em: 10 nov. 2015. 33

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O brasileiro Leo Heller, sucessor de Albuquerque na ONU, tem abordagem semelhante34: ―em São Paulo, se o problema tivesse sido previsto e as medidas para remediá-lo fossem adotadas, isso não teria acontecido‖. Quanto ao racionamento de água somente em algumas águas feito por meio de redução de pressão, Heller é categórico: ―O que é o racionamento? Deixar de fornecer água em determinados horários? Isso tem ocorrido. Tem uma espécie de racionamento. Prefiro o racionamento mais formal, planejado‖. Heller identificou35 inclusive violações aos direitos humanos da parte do governo do Estado de São Paulo e da Sabesp. Moretti, Varallo e Comaru (2013, p. 295) também responsabiliza diretamente os governos envolvidos, ao afirmar que ―se o abastecimento público falhar, tem-se uma situação delicada, pela falta de outras alternativas para obtenção de água de qualidade aceitável. Isto traz, para o poder público, uma responsabilidade adicional no sentido de assegurar o abastecimento mínimo, mesmo em situações emergenciais‖. Essa é a essência da formação dos Estados modernos, em que uma das funções precípuas dos governos é garantir a segurança. Momentos de crise grave tendem a ser prenúncios de distúrbios sociais. O Ministério Público de São Paulo, por meio da Ação Civil Pública número 1005578-54.2014.8.26.028636, age para identificar responsáveis no município de Itu quanto ao fornecimento de água, escassez, falta de planejamento, necessidade de buscar eficiência na prestação do serviço e medidas para garantir o fornecimento contínuo. Com isso, foca como agente de interesse público ao garantir que a população - os principais, na definição de Przeworski (1998) – tenha capacidade de ação. Cita-se também a ACP Volume Morto37, que identifica riscos à saúde pública e impactos ao meio ambiente relacionados ao uso do volume morto. No âmbito da sociedade civil e da Aliança pela Água, Whately (2014) indica que

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Tokarnia, 2014. . Acesso em: 13 nov. 2015. 35 Martín, 2015. . Acesso em: 13 nov. 2015. 36 Autos disponíveis em . Acesso em: 13 nov. 2015. 37 Autos disponíveis em . Acesso em: 13 nov. 2015.

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―a crise atual é fruto de quatro fatores com um quinto agravante. Primeiro, gestão temerária da área. Segundo, ufanismo: dizemos que temos 12% da água doce do planeta. Só que 80% desta água está na Amazônia e 70% da população está no Sudeste e no Nordeste, onde há disputa de demanda e poluição. Terceiro, eventos climáticos extremos e déficit de chuvas vêm sendo ignorados. O quarto é falta de transparência e de diálogo com vários segmentos da sociedade. Agravante foi a eleição porque o governador dizia: ‗não vai faltar água. Está tudo bem‘. E não está tudo bem‖.

Whately continua, apontando a necessidade de um plano de contingência adequado e transparente, para ―definir quem vai ter água e quem não vai‖ em situação emergencial. A adequação da gestão da água com vistas a uma melhor governança perpassa diretamente pela ideia de accountability e sua conexão ao exercício dos checks and balances: Neste sentido torna-se necessário repensar os mecanismos para a accountability horizontal, de maneira que as diferentes ramificações do poder público estatal possam controlar melhor umas às outras. Além disso, é possível que seja necessário ampliar os âmbitos e os tópicos de escolha dos cidadãos. Entretanto, um problema que ainda está pendente refere-se à eleição de seus representantes políticos e, por sua vez, se apenas pode atuar como sujeito mediado por estes. (GRAU, 1999, p. 35).

Uma das ações do Ministério Público de São Paulo, em conjunto com o Ministério Público Federal, foi movida contra a Agência Nacional de Águas, o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) e a Sabesp, para garantir responsabilidade na captação de água do volume morto. A decisão38 afirma que ―é incontestável que o Governo Paulista sabia da crise pluviométrica pela qual passava o Estado de São Paulo há algum tempo‖ e que ―contudo, mesmo diante de todas essas constatações, o Governo de São Paulo e a SABESP não instituíram o rodízio‖. Ocorre que, tal qual recorda Mota (2006, p. 232) quanto à accountability vertical, ―as eleições abrangem apenas uma categoria dos agentes públicos: os agentes políticos‖. Com isso, os demais agentes necessitam de maior controle e fiscalização. Para Pitkin apud Mota (2006, p. 233), ―o representante deve agir no melhor interesse público, e para assegurar a ação do representante com este fim é que serve o instrumento de accountability‖. Cabe também retomar Subirats (2006), para quem não existem os problemas objetivos, e sim devemos construir e estruturar uma definição própria do problema a 38

Disponível em . Acesso em: 13 nov. 2015.

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ser atacado pela política pública. Bachrach e Baratz apud Souza (2006, p. 24) mostraram que ―não fazer nada em relação a um problema também é uma forma de política pública‖, e a negação da crise a despeito de conhecer a gravidade do problema denota a inação como opção política. Assim, quando institui redução de vazão de água em determinadas regiões e prédios sem decretar racionamento, decide sem transparência ou accountability quem ganha o que e por que, deixando para os principais identificar as consequências disso (LASWELL, 1936). Saloojee e Fraser-Moleketi (2010, p. 493) evidenciam as falhas das reformas da administração pública ao afirmarem que ―as organizações do setor público devem ser equipadas com o conhecimento e as habilidades requeridos para fazer as escolhas críticas que lhes cabem e devem usar deliberadamente a expertise externa para obter a máxima vantagem. A meta deve ser a boa governança democrática. Entretanto, isso parte de um governo atencioso e competente, que se encarregue do país e o leve aonde seu povo deseja ir. Começa com o governo responsável, sujeito ao Estado de direito; que escuta e responde; pertinente às necessidades básicas do povo; e que aja de modo transparente por não ter nada a esconder‖.

A sensação tida ao analisar os mecanismos de accountability na gestão da crise hídrica em São Paulo, em especial quanto às dificuldades de acesso à informação, denotam a antítese do apontado por Saloojee e Fraser-Moleketi. É esse também o diagnóstico do Banco Mundial e do FMI, financiadores de reformas administrativas (dentre elas algumas ocorridas no governo Fernando Henrique Cardoso no Brasil), quando em 2002 concluíram que ―claramente, os esforços para apoiar a reforma da administração pública, com algumas exceções notáveis, não haviam sido muito bem-sucedidos ao longo dos anos, particularmente nos países pobres‖ (BANCO MUNDIAL apud Saloojee e Fraser-Moleketi, 2010, p. 499). Com isso, resulta-se que as questões de accountability e transparência estão ganhando mais impulso à medida que os cidadãos exigem maior accountability tanto dos funcionários eleitos como dos nomeados. A administração pública centrada no cidadão e a administração democrática não deveriam ser vistas como antagônicas às demandas por eficiência e efetividade. As instituições públicas de governança e de administração precisam ser mantidas nos padrões mais elevados de receptividade, accountability e transparência (SALOOJEE; FRASER-MOLEKETI, 2010, p. 510).

Conclui-se que o caminho do atual governo paulista não é a governança democrática, pois a opacidade no acesso à informação não permite atender às necessidades básicas do povo. Isso denota a necessidade de reformas que introjetem melhor a cidadania e os preceitos democráticos, pois ―qualquer

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compreensão profunda da administração pública na América Latina deve explorar necessariamente o ciclo de longa duração‖ (Braudel apud Nef, 2010, p. 514), pois ―sem uma sociedade civil coerente e vigorosa preexistente, a modernização administrativa é simplesmente um meio para um fim vazio‖ (NEF, 2010, p. 519). Na ausência de estímulos de cima para baixo para desenvolver a sociedade civil para uma cultura democrática, nota-se a necessidade de melhores estudos para caracterizar a atuação dessa sociedade civil. Também é preciso haver mais estudos aprofundando a efetividade das ações civis públicas e a atuação do legislativo na investigação das responsabilidades. Como contraponto à gestão atual dos recursos hídricos, nota-se um fortalecimento dos mecanismos de controle da sociedade civil e de instituições governamentais como o Ministério Público que seguem atuantes. No entanto, ainda há que se amadurecer a atuação da sociedade civil, o que tende a refletir na qualidade do aparato democrático do Brasil.

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