INSTRUMENTOS NECESSÁRIOS PARA OFICINAS LITERÁRIAS

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INSTRUMENTOS NECESSÁRIOS PARA OFICINAS LITERÁRIAS Fernando Chiavassa Ensino e Aprendizado É preciso apresentar o complexo processo de composição da escrita criativa para alunos e professores, promovendo entre eles firmes relações profissionais. Importante que os professores saibam escrever, conhecendo problemas retóricos e processos recursivos, sabendo planejar e acessar memórias, revisar, monitorar e avaliar. Neste processo de produção da escrita e do saber, as dificuldades surgem como possibilidades de criação de novas ferramentas de ensino. Todos tem que escrever e ler muito, conscientes da relação estética entre escritor, leitor e entre aqueles que, além disso, também leem para leitores. Ensinar a escrever é ensinar a ler criativamente: tanto durante a escrita como na leitura atenta como escritor, significados próprios são construídos, o supérfluo é rejeitado e respostas são continuamente reelaboradas de modo a importar mais o processo que os resultados. A leitura descortina o invisível além das relações sonoras, semânticas e sintáticas, privilegiando metalinguagens, mostrando a estrutura e os códigos da língua. É imprecindível desenvolver capacidades para aprender e ensinar a ouvir o que está dentro de cada um, o felt sense. Essencial ligar corpo e mente mergulhando em mitologias pessoais: investidos na postura de autor com intenções estéticas, os aprendizes começam a fisgar o leitor. É imprecindível saber ensinar isto: quando as intenções como autor não vingam é preciso saber se a falha é do escritor ou dos leitores. É preciso dominar o que se quer dizer, o que se ouve e o que se entende (a perlocução). O modo como o escritor se adapta às mudanças e as administra é uma verdadeira gestão de processos. Para entender e agir precisamos refletir e para transformar a realidade importa saber teorizar a certa distancia com postura científica. Pouco adianta somente transmitir e receber conhecimentos: durante o processo de produção do saber é clara a igualdade entre as inteligências de alunos e professores; muda a experiência. É preciso evitar métodos de ensino baseados em colchas de retalhos pedagógicas, cujos professores tomam decisões sozinhos e não deixam espaços para erros e novidades. Bons professores criam técnicas derivadas de sua experiência enquanto leitores e escritores: ao vivenciar dificuldades, se conectam afetivamente aos alunos e ensinam melhor. Quando os alunos verbalizam fracassos, abrem oportunidades de aprendizagem. Professores devem estimular a curiosidade e a ousadia sem pressionar na direção de respostas óbvias, embora corretas; devem entremear ganhos de aprendizagem com momentos de perplexidade e caos, estimulando a investigação, a exploração e a reflexão crítica. A eficiente análise do discurso considera cada aluno em separado: interessam mais os erros que os acertos. Por isso a avaliação formativa acerta mais, forjando instrumentos próprios ao testar e observar os processos intelectuais do aluno. A avaliação normativa falha, porquanto o diagnóstico é inútil se não levar a ações apropriadas. Ao contrário, a avaliação formativa luta contra fracassos e desigualdades. Contudo, poucos professores estudam avaliação e menos avaliações formativas: e o problema é que pedagogias especializadas pressupõe qualificação crescente de professores. Ferramentas à Disposição Situações Problema O modelo de ensino organizado através de situações problema mobiliza o interesse do grupo na resolução de enigmas. Parte-se do princípio de que a explicação nada vale sem a necessidade que a requer, privilegiando a pedagogia da surpresa e da emancipação, na qual o sujeito se vê obrigado a utilizar a própria inteligência, inventando soluções. Graças a um sistema de restrições, o aluno não resolve o problema sem enfrentar os obstáculos, somente vencidos graças à um sistema de recursos didáticos. É preciso colocar o obstáculo no centro da situação problema, tornando possível a sua transposição: se os alunos não tiverem meios para transpor o obstáculo, a situação-problema perde o interesse. São realizadas quatro operações mentais na estruturação da situação-problema: dedução, indução, dialética e divergência. Ao invés de dar o que cada aluno precisa, o professor os torna capazes de conseguirem sozinhos. O ofício de ensinar constitui três desafios: tentar suscitar o enigma que desperta o desejo de saber (função erótica), permitir que haja a apropriação deste saber (função didática) e incentivar cada um para elaborar seus próprios procedimentos pedagógicos (função emancipadora).

Sequências Didáticas Uma sequência didática é um conjunto de atividades organizadas em torno de gêneros textuais: sua estrutura pressupõe a apresentação da situação estudada, a produção inicial e a produção final. Entre as duas últimas sequências há vários módulos. A segunda etapa permite que o professor avalie em cada aluno as capacidades adquiridas além das dificuldades da turma. Os problemas surgidos na primeira produção são corrigidos nos módulos. Neles, inicialmente a atividade de produção do texto é decomposta, abordando um a um e separadamente os mais diversos elementos. No momento da produção final, o aluno coloca em prática os conhecimentos adquiridos e junto com o professor, mede os progressos alcançados. A produção final serve também para uma avaliação somativa. Esta forma de avaliação permite ao professor, pelo menos parcialmente, desfazer-se de julgamentos subjetivos e comentários imprecisos, utilizando vocabulário conhecido por todos. Estruturações da Língua O domínio da língua será centrado nas marcas de organização dos gêneros literários, nas designações de uma mesma realidade ao longo de um texto, nos elementos de responsabilidade enunciativa e de modalização dos enunciados, no emprego dos tempos verbais e na maneira como são utilizados e inseridos os discursos indiretos. Importante análisar o discurso (AD e componentes: texto, contexto, universo teórico, bases retóricas, gramaticais, semânticas, semióticas, sociais e históricas), como atividade comunicativa, por meio de códigos de um jogo lúdico de sinais e imagens. O tratamento de gramática e sintaxe deve ser integrado às atividades propostas, para corrigir problemas relativos à sintaxe da frase, à morfologia verbal ou à ortografia; para eliminar frases incompletas, a falta de variedade na construção de frases e diminuir as incidências de períodos coordenados em detrimento de subordinados, afora a pontuação insuficiente. É necessário reservar um tempo para ensino específico de gramática e sintaxe (e mesmo de ortografia), onde o objetivo será conhecer o funcionamento da língua. Gêneros A escolha de gêneros deve ser flexível para atingir o domínio das principais modalidades textuais e suas funções, dependendo dos projetos estéticos desejados. Assim as vocações linguísticas permitem com relativa eficiência, narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações veiculadas por inúmeros gêneros. O ato de narrar considera a mimese das ações através da geração de intrigas. Relatar configura representar pelo discurso experiências vividas no tempo. Quando argumentamos, sustentamos ou refutamos ao negociarmos tomadas de posição. Ao expor, apresentamos diferentes formas do saber e finalmente ao descrever ações promovemos regulações mútuas de comportamentos. Assim a poesia abre a experiência de aprendizagem, seguida da prosa, com crônicas, contos, novelas e romances, trabalhando poética e prosa com relatos, narrativas curtas e longas, descrição de ações, argumentações e exposições. Progressões textuais É possivel estabelecer progressões lineares em torno da aprendizagem dos gêneros: um mesmo gênero é trabalhado de formas diferentes com objetivos cada vez mais complexos, ou diferentes gêneros podem ser estudados em função de suas possibilidades de transferência. Pode-se também pensar em progressões em espiral para melhorar o domínio do mesmo gênero em diferentes níveis. É desejável prover aprendizagens precoces para assegurar domínio ao longo do tempo: propõe-se uma iniciação antecipada de algumas atividades. Importante definir diferentes níveis de complexidade sem repetições: o conto, por exemplo, pode ser abordado em diferentes etapas, porém, com objetivos graduados tanto do ponto de vista da organização e da construção de personagens típicas, quanto das unidades linguísticas que os caracterizam. Orientações Metodológicas Nas escolas tradicionais estudamos disciplinas isoladas que intuitivamente gostaríamos de associar sincronicamente: primeiro semiótica, depois retórica, teorias do texto e do discurso; em seguida, teorias literárias e literaturas comparadas. Desde então, desejamos unir tudo sem saber como, porque não fomos preparados como autodidatas. No entanto, raríssimos professores têm capacidade de estudar um texto destacando tudo o que o compõe, percebido em sua forma, função e estrutura. E isso é o que importa: o entendimento holístico para que possamos ver o que está inscrito bem como o que não está escrito, mas que funciona porque age como se estivesse. Devemos juntar tudo o que a escola tradicional separou em currículos, disciplinas e

compartimentos, resgatando o papel do aluno como coadjuvante na aventura pela busca do conhecimento. Na prática, apoiado em metodologia flexível, o professor deve propor tarefas tanto simples quanto complexas. Exercícios extensos implicam em maiores riscos, mas desenvolvem novas competências, o que não ocorre com a rescrita de pequenos trechos, (começos, diálogos ou finais), onde a recriação é feita fora de contexto, sobre fragmentos. Importante dar prazos suficientes; encorajar a escolha do narrador como deliberação e não como coação e optando por utilizar as próprias experiências, leituras e conhecimentos na trama da ficção. Além de ensinar normas tradicionais, é preciso enaltecer as escolhas de diversos autores na literatura, ressaltando os efeitos pretendidos e obtidos através do gênero e da técnica adotada, analisando tamanhos, totalidades e fragmentos propostos; narradores e vozes; tempos e espaços narrados; linguagem e estilo adotado, prosa ou poesia; estudando as narrativas avante ou à ré, cenas, ações, diálogos, nomes e personagens; as escolhas para desenvolvimento ou supressão das ações; a destilação de detalhes; pistas e objetos que iluminam a ficção, começos e finais etc. Perguntas e Respostas Nada melhor que avaliar o processo de escrita do aluno periodicamente, expondo suas falhas, não sem antes ter lido – cuidadosamente – seus rascunhos, provendo abundantes comentários. Importante apresentar as três principais fontes das narrativas: as individualidades, os estilos e as visões pessoais da história. A individualidade leva à criação de histórias centradas no ego: o aluno deve se distanciar de seu egocentrismo com a aplicação de recursos literários. O estilo do aluno deve considerar palavras e sintaxe, a lógica dos parágrafos, as estratégias retóricas e as metáforas; a construção de cenas. A história adota fatos, lembranças ou mesmo eventos desde que acréscidos de mudanças estruturais e temáticas: a ficção deve leva o mundo privado do escritor para o mundo público e não ao contrário. A melhor narrativa é aquela onde há o máximo de intriga e pressão e onde os três elementos se misturam em proporções exatas. Esta narrativa perfeita cativa por personagens atraentes, entretém pelo enredo original e encanta pelas variações linguísticas inesperadas. É essencial aos alunos a percepção de que na base de uma história envolvente há intrigas e novidades: um personagem incomum atrai mais que a trama familiar. É interessante conhecer como as histórias são compostas enfatizando a supremacia do método de composição sobre a inspiração, das técnicas de composição, sobre a exploração psicanalítica e do vocabulário pesquisado e escolhido sobre a livre imaginação. Ajustando Uma Oficina de Escrita Criativa Embora não se possa dar talento aos alunos, é possível encorajar as capacidades que já possuem, oferecendo apoio de tempo, suporte e material. Entrar numa comunidade literária é importante para que o aluno aprenda e amadureça. Impossível identificar o momento decisivo em que isso acontece, mas com extremo cuidado e distanciamento, o professor especializado descobre que tipo de escritor está nascendo. Livre de preconceitos e com tempo, o professor é capaz de reconhecer a formação de selfs, quando alunos livres de padrões antigos assumem novos comportamentos. É preciso abrir possibilidades de criação de identidades autorais que não sejam as mesmas do cotidiano. Assim, os alunos se libertam de escritas alheias, tornando-se os escritores que desejam. Uma Oficina literária deve reunir cerca de dez escritores, no qual seus textos são lidos e criticados uma vez por semana. A entrega preliminar de textos deve ser intercalada para premiar surpresas: são criticados de três a quatro textos por vez, garantindo que cada aluno tenha seu texto criticado e reanalisado todo mês. No dia da leitura o aluno permanece em silêncio, toma notas, e ao final faz uma pequena manifestação. O professor deve promover aulas expositivas com análises de textos e debates com escritores profissionais. Em contato com a tradição e herança literária, os alunos aprendem a ler como escritores, conhecendo estilos, temas e objetivos estéticos. Aos poucos, criticamente, escrevem de maneiras diferentes as mesmas histórias, explorando o inconfortável e excitante território da literaura. Ao professor (como tentativa férrea) ainda cabe: impedir focos exclusivos e repetitivos, descobrir dificuldades e competências em todos os alunos; avaliar textos dos alunos continuamente através de critérios estéticos definidos; amenizar espíritos de competição que inibem a ousadia e o experimento; evitar aumentar a quantidade de alunos; não propagar a cultura do narcisismo; tratar a todos como possíveis escritores e não como escritores já publicados e importante: não se contaminar pelo êxtase da associação à indústria editorial para equivocadamente baixar seus padrões, fazendo concessões.

Bibliografia:

Fortunato, Márcia - O Processo de Escrita Perl , Sondra - Compreendendo a Composição Escrita LeMay, Eric - Borges Como Um Self: Ensinando Escritores Criativos. Tauveron, Catherine - A Escrita Literária na Narrativa da Escola: Condições e Obstáculos Reid, Shelley - Ensinar Professores de Escrita a Escrever - Dificuldade, Exploração... Meireu, Philippe - Guia Metodológico Para a Elaboração de Uma Situação Problema Dolz, Joaquim - Sequências Didáticas Para o Oral e a Escrita: Apresentação... Secreast, Donald - Do Subjetivo Ao Objetivo: Ajudando os Alunos a Visualizar Respostas... Moxley, Joseph M. - Oficina de Escrita Criativa (Modelo Iowa)

Instituto Vera Cruz - Curso de Pós Graduação em Formação de Professores de Escrita Criativa Disciplina - Ensinar a Escrever - Profª. Márcia Fortunato Trabalho Final - Dezembro 2015 / Janeiro 2016

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