Instruções Régias de Exploração – 1514. Dois ambientes, duas escalas, um fim

May 26, 2017 | Autor: T. Machado de Castro | Categoria: Maritime History, Naval History, Morocco, Red Sea Studies
Share Embed


Descrição do Produto

Título Mar: Uma Onda de Progresso Propriedade e Edição Escola Naval Base Naval de Lisboa Alfeite 2810-001 Almada T +351 210 902 000 http://escolanaval.marinha.pt Secretariado Secretariado das Jornadas do Mar Base Naval de Lisboa Alfeite 2810-001 Almada T +351 210 902 024 http://jornadasdomar.marinha.pt [email protected] Grafismo, Paginação e Impressão What Colour is this? Rua do Coudel 14, Lj. A 2725-274 Mem Martins T +351 219 267 950 www.wcit.pt Tiragem: 250 Exemplares ISBN 978-000-00000-0-0 Depósito Legal Nº 000000/00 Outubro 2015

História e Literatura

Instruções Régias de Exploração-1514. Dois ambientes, duas escalas, um fim TIAGO MACHADO DE CASTRO Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa - CHAM

Introdução No alvor do século XVI, Portugal tinha já uma marcada presença no mundo e a partir do sistema comercial que ia construindo, reforçava rotas e continuava a empurrar as fronteiras do mundo desconhecido. Dentro desta afirmação inicial está contida a ideia de uma gradual exploração e a introdução de mecanismos de controlo dos espaços marítimos e costeiros. É objectivo deste trabalho observar exactamente algumas dessas mecânicas exploratórias, as suas implícitas orientações e possibilidades de execução resultantes. A história da expansão e da construção do Império português permanece um campo aberto para análise, seja pelo reprocessamento das fontes, seja pela introdução de nova documentação, originando novos produtos e conclusões. Consideramos sempre que o objectivo é clarificar as linhas de acção, aferir os meios disponíveis e os mecanismos da sua aplicação com intenção de entender as resultantes presenças e os objectivos que as guiaram. Para facilidade de análise a historiografia criou subdivisões, principalmente cronológicas e geográficas, que permitem organizar resultados sobre áreas específicas. Assim, e enquadrando já a situação que vamos observar, Marrocos e o Oriente, surgem frequentemente como realidades separadas, com os seus núcleos documentais e obras de análise próprias. Nisto que se disse não existe um mal verdadeiro, excepto quando os diversos ambientes são vistos e processados como independentes do sistema que integram, que é para este caso o Império Português, e aí ficam contidos. Ambos os documentos que propomos reflectem indirectamente a experiência acumulada, as preocupações e a existência de uma orientação geral do processo de expansão do início do século XVI que usa, como tentaremos mostrar, uma lógica comum para o processo de exploração. Nesta nossa construção tentaremos seguir estas lógicas orientadoras, apontando essencialmente as coincidências entre dois documentos contidos nos Trabalhos Náuticos de Sousa Viterbo, sendo que podemos mencionar neste primeiro momento a sua coexistência dentro da obra e as evidentes semelhanças nas datas de composição e autoria moral deles. Neste mesmo processo de investigação deparámo-nos com as nossas próprias deficiências no que respeita às questões de marinharia contidas nalguns roteiros náuticos, peças de um universo com uma linguagem ainda hoje tão específica. Foi com vista à melhor compreensão deste género de documento que tentámos retirar dos ar182

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

tigos publicados por Sousa Viterbo, o conjunto de questões lá contidas, procurando indicação de caminho a seguir. O objectivo desta formulação é exactamente conseguir através desta construção ter uma ferramenta operacional que permitisse extrair da fonte o máximo de informação correctamente contextualizada. Concordamos que a história não se faz só das fontes, mas da sua interacção com metodologias e formas de teorizar, o que ainda mais realça a importância do seu bom processamento, tendo em conta o constante desafio que colocam à capacidade técnico-científica do historiador. A fonte é para esta perspectiva uma matéria-prima que tem de ser moldada em algo tangível e de utilidade para o investigador1. Os documentos que propomos, e é isto que tentaremos também demonstrar, são duplamente funcionais para o que foi dito acima: são na sua essência uma fonte; são num dos seus subprodutos uma ferramenta aplicável a outras fontes. Assim propomos para este trabalho duas linhas de acção: uma centrada na crítica interna dos documentos e nas preocupações que eles nos demonstram2; outra que passa pela formação de um questionário que auxilie a execução da ideia anterior. Com esta interacção esperamos afinar a nossa visão de algo que encontramos referido como “sonho imperial manuelino”3, apesar de certos que a partir destes dois casos não se pode afirmar a totalidade das suas linhas, mas que podemos sim aferir pistas e preparar a sua integração noutros estudos posteriores. Fazendo das questões emanadas de D. Manuel as bases do nosso interrogatório, aumentaremos a capacidade de compreender as respostas contidas nos roteiros, cartas e outra documentação. De posse das perguntas esperamos perceber à partida quais deles se prestam directamente a este diálogo e concluir as preocupações de quem os compôs originalmente. Certamente não se irão tirar conclusões absolutas de apenas dois exemplos, apesar de pertencentes a um universo apontado como reduzido4, antes sim, propõe este artigo um ponto de partida, tanto para a inventariação de textos semelhantes, como do teor das suas questões enquanto componentes de um questionário futuro, esse sim com ambições mais conclusivas. José M. Amado Mendes, A história como ciência: fontes, metodologia e teorização. 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp.139-140.

1

Também hermenêutica ou crítica de credibilidade. Os passos deste processo são a crítica de interpretação, de competência, de veracidade e de rigor. Idem, ibidem, pp.130-135.

2

João José Alves Dias, Isabel M.R. Mendes Drummond Braga e Paulo Drummond Braga, “A conjuntura”, Nova história de Portugal. Direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, vol. V: Portugal do renascimento à crise dinástica, Coordenação João José Alves Dias, Lisboa, Editorial Presença, 1998, p.719.

3

António Silva Ribeiro, A hidrografia nos descobrimentos portugueses. Mem-martins, Publicações Europa – América, 1994, p.115.

4

História e Literatura

Instruções do Mar Vermelho O primeiro dos documentos, que aqui se analisa, é datado de 2 de Março de 1514 e foi redigido em Almeirim contendo uma recomendação de D. Manuel a Afonso de Albuquerque, para que envie o “piloto experimentado”, João Serrão5, numa exploração ao Mar Vermelho, sistematizada nas alíneas que vamos apreciar. Na linha estratégica para o Oriente, oriunda de Lisboa, em grande parte consagrada em 1505 no regimento dado a D. Francisco de Almeida6, estava o controlo de áreas chave do comércio de especiarias que cruzava o Índico. Ormuz e Ádem fariam o controlo das passagens do Golfo Pérsico e do mar “Roxo”, respectivamente. Malaca estava interligada com os portos de Cambaia e do Malabar por meio de uma forte interdependência comercial e era a ligação para os mares do sudeste asiático. No eixo Goa-Cochim repousava já o centro administrativo deste dispositivo, apoiado pela existente rede de fortalezas que protegia o comércio intercontinental com Lisboa. Diu, principal porto da costa de Cambaia, não estaria completamente afastado deste projecto, mas só mais tarde (1533) cairia sob influência portuguesa7, enquanto as feitorias da África oriental proporcionavam ligações económicas e um necessário ponto de apoio aos navios da Carreira da Índia. Na região do Mar Vermelho, Ádem8 e Judá9 (actualmente Jeddah) assumiam uma importância especial, dada a sua posição geográ5 Além das informações contidas na nota de Sousa Viterbo, de onde extraímos o texto apreciado, João Serrão surge também integrado pelo menos na armada de Vasco da Gama de 1502 onde é mencionado como comandante da caravela de armar enviada de Lisboa. Este não é um trabalho biográfico pelo que não nos adensamos mais acerca da personagem. Gaspar Correia, Lendas da Índia. Introdução e revisão M. Lopes de Almeida, vol.I, Porto, Lello e Irmão Editores, 1975, p.272.

O regimento encontra-se publicado em diversos locais, mas para uma versão comentada escolhemos a oferecida por Joaquim Candeias Silva. Consideramos também de relevo para este contexto a “carta de poder” concedida por D. Manuel a D. Francisco de Almeida (doc.5). Para uma versão comentada veja Joaquim Candeias Silva, O fundador do “Estado Português da Índia” D. Francisco de Almeida, 1475(?)- 1510, Lisboa, CNCDP/INCM, 1996, pp.91-100, 259-261 (doc.5) e 261-299 (doc.6). 6

Kirti Chaudhuri, “O estabelecimento no Oriente”. História da expansão portuguesa: A formação do império (1415-1570). Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, Vol. I, Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, p.175. Sobre Diu especificamente veja-se Maria Teresa Amado, “Diu”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.357-358. 7

José Manuel Vargas, “Adém”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.19-20. 8

9 João Paulo Costa, “Judá”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Con-

fica. O primeiro porto permitia o controlo da entrada do estreito e apresentava-se como entreposto de ligação comercial entre o “mar roxo” e o Índico10. Judá, já dentro do estreito, recolhia e distribuía, em ambos sentidos, o tráfego comercial do mar interior, o que evitava que, os navios de alto bordo que cruzavam o Índico, tivessem de enfrentar as especificidades da navegação dum mar onde imperavam tipologias mais ligeiras e melhor adaptadas11. No controlo do acesso ao Golfo Pérsico estava Ormuz, onde efectivamente foi afirmado o domínio português por Albuquerque nos anos de 1507 e 151512. Com algumas diferenças, que nos afastariam do âmbito deste trabalho, poderíamos aplicar a esta ilha a mesma ideia de elemento de articulação com a navegação do Índico. Ormuz vivia de comércio e de taxas à navegação, sendo a exportação de cavalos destinados aos exércitos indianos, cujo destino era preferencialmente Goa, um dos seus mais afamados negócios. O contacto com o ambiente do Índico melhorou gradualmente a visão da sua geografia marítima, no que foram certamente determinantes os conhecimentos dos pilotos autóctones e alguma literatura náutica muçulmana e clássica, aliadas às próprias explorações dos navios portugueses. Exemplo será o Livro de Francisco Rodrigues, segundo indicações, construído a partir de informação oriunda de fontes árabes e que se destinava a ser confirmado no local13 e cuja imagem a priori das condições do mar Vermelho terá, em nossa opinião, influenciado o questionário proposto por D. Manuel. tente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.559-560. 10

Kirti Chaudhuri, op.cit., p.175.

A recomendação quanto às tipologias a utilizar está expressa nesta passagem: “e que estas cousas faça em ambos estes mares com os nauios com que elles se posam bem nauegar e que sejam ligeiros pera yso asy como

11

gallees e nauios de remo, outros que sã pera nauegaçã dos ditos mares proueytosos”; Francisco de Sousa Viterbo, “João Serrão”, Trabalhos Náuticos dos portugueses – séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile do exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia de Ciências. Introdução de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, 1988, p.285 [321]. Veja-se as reflexões do próprio governador acerca das embarcações mais apropriadas para a navegação do Mar Vermelho: “…se a noso senhor apraz que nós façamos asento no mar Roxo e descobryrmos estes biocos de çuez e da armada do soldam, que vosa alteza se devia tirar das naos e trazer vosa armada em galees, …”; Afonso de Albuquerque, Cartas de Afonso de Albuquerque: seguidas de documentos que as elucidam publicadas de ordem da classe de sciencias moraes, politicas e bellas-lettras da Academia Real das Sciencias de Lisboa sob a direcção de Raymundo António de Bulhão Pato. Tomo I, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1884, pp.169-170. Carlos Alexandre de Morais, Cronologia Geral da Índia Portuguesa (14981962). Lisboa, Estampa, 1997, pp.25 e 30.

12

Luís Jorge Semedo de Matos, “A prática de navegar – A navegação: os caminhos da uma ciencia indispensável”. História da expansão portuguesa: A formação do império (1415-1570). Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, Vol. I, Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, pp.82-83.

13

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

183

Na abertura das instruções é apresentada a linha geral da exploração a efectuar, que consiste em percorrer o mar Vermelho até Suez, prestando atenção às particularidades das “cidades, villas e lugares, como de toda outra cousa e de portos e ancorações e ilhas e do trauto que nelle há”14. Também se pede atenção para os tipos de navios e locais de origem e destino, essencial para determinar as ligações comerciais existentes. Este plano de reconhecimento entronca desde logo com a ideia da criação de alianças, onde possível, com reinos orientais de modo a assegurar bases onde apoiar a armada. Neste caso específico o que se desenha é uma cooperação militar com o Abexim15, destinada ao domínio deste mar e ao combate com o Islão. A criação de uma ligação com o império etíope é pois uma necessidade reflectida na preocupação de ver “a que portos poderiã viir a geente do Abexy”16 e perceber os trajectos por terra que conduzem até lá. Também se quer saber que gentes habitam o interior, qual o seu credo e a que poder respondem. Fica desde logo a ideia deste conjunto de instruções servir para delinear as futuras linhas de acção portuguesas neste cenário, tanto na criação de bases comerciais como na preparação de uma futura operação militar. O resto do documento é composto de diversos itens que vão especificando os pontos a analisar e consequentemente as preocupações de quem redige. O primeiro item refere Suez cujas condições para a instalação de fortaleza devem ser escrutinadas (posição e água). Saber também a distância e tipo de caminho até ao Cairo. Recomenda-se a destruição de todos navios aí encontrados bem como das estruturas que os apoiem. Em remate o rei pede “ysto tudo bem visto e asy bem sabido, que nam possa aver cousa de que nã saibamos parte”17. A avaliação de condições para fixar uma posição é algo sempre presente neste regimento, daí a necessidade de uma boa noção das ligações dos sítios e o que pode fluir por eles: mercadorias ou mesmo inimigos. O porquê da destruição das estruturas navais pode ser explicado, e ser mesmo a afirmação, de que pelo menos numa primeira fase não era o comércio que interessava aos portugueses, mas sim a sua restrição. Certamente lembrados que foi a partir deste porto que o Sultão do Cairo tinha preparado a armada que entrou no Índico em 1509 e que a existir novo esforço seria novamente ali que se construiriam navios, daqui a importância de demolir as estruturas18. O seguinte ponto centra-se na exploração das condições envolventes de Judá, entre as quais a sua ligação com Meca, um pouco à semelhança da anterior articulação Suez–Cairo. Vê-se então que não será apenas uma exploração das condições geográficas e de navegação, mas um projecto de reconhecimento que visa instalar 14

Francisco de Sousa Viterbo, “João Serrão”, p.284 [320].

O sentido dado pelo texto conduz a um paralelo, confirmado na entrada seguinte, de se tratar do almejado Preste João, com toda a sua importância no imaginário português da época. Pelo texto este ainda era visto como poderoso imperador cristão e potencial aliado de peso na luta contra o Islão. Luís Filipe Thomaz, “Abexins, Abássia, Abissínia, e Etiópia”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.7-8. Para outra visão mais em época veja-se D. João de Castro, Roteiros de D. João de Castro: Roteiro de Goa a Suez ou do mar roxo (1541), 2ª edição prefaciada e anotada por A. Fontoura da Costa, Lisboa, Agencia Geral das Colónias, 1940, pp.62-64. 15

16

Francisco de Sousa Viterbo, “João Serrão”, p.284 [320].

17

Idem, ibidem, p.285.

Para as circunstâncias desta campanha que se reflectem certamente na necessidade deste reconhecimento confira-se José Virgílio Pissarra, Chaul e Diu: 1509. Lisboa, Tribuna da História, 2002, pp.26-27.

18

184

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

áreas de influência portuguesa e prolongá-las para o interior ao longo das rotas a si associadas. Outro item pede a exploração do Golfo Pérsico, dentro da mesma regra seguida no mar Vermelho, mas apenas até à altura de Bahrein. Não se referem outros pontos específicos, como foi feito anteriormente, o que dá a ideia de que este era um cenário secundário dentro do projecto geral. A vassalagem de Ormuz em 1507, renovada em 151519, tinha permitido o controlo da navegação desta passagem o que de certa forma pode justificar a menor incidência nesta região. O eventual reconhecimento até Bahrein pode apenas significar o desejo de uma melhor visão das redondezas, além do aproveitamento dos recursos já postos no terreno. Recomenda-se a utilização de navios rápidos e ligeiros neste serviço, considerando, o autor, os de remo como mais “proueytosos” para operar nestes mares. De facto este tipo de embarcação podia operar em águas menos profundas, em princípio vedadas a navios de alto bordo e maior calado, além da relativa independência que tinham perante os ventos. Os navios devem ir nestas missões bem apetrechados de homens e artilharia, cabendo ao governador a escolha das unidades a enviar nesta missão. Outros itens dizem respeito a procedimentos de recolha hidrográfica, tais como a sondagem da “altura do dito mar” em busca de baixios e canais seguros de navegação, a par da determinação da largura do Mar Vermelho, da altura das margens, disposição e proximidade de canais de navegação em relação a elas. Neste campo da exploração hidrográfica ficam incluídas a determinação, em léguas, de algumas distâncias: do Estreito a Suez; de Suez ao Toro20 e deste até Santa Catarina21. Para além deste conhecimento das distâncias relativas, esta informação daria também uma imagem mais coesa da região através do relacionamento destes pontos com a restante recolha de dados. Devem ser exploradas e verificadas as condições para instalar fortalezas nas ilhas do estreito com o objectivo de controlar a navegação, proporcionar bases navais seguras e, pelo menos, actuar como entreposto comercial, dependendo sempre das características do local de instalação. Estes aspectos enquadram-se na chamada “política das ilhas”22. Também se deve consagrar em imagem os resultados do reconhecimento, “assy como jaz, e as cousas que nele há”. Dentro da frase transcrita estão, em nosso parecer, subjacentes duas formas de rePara mais detalhes e o seu contexto veja-se Dejanirah Couto e Rui Manuel Loureiro, Ormuz 1507 e 1622: Conquista e perda, Lisboa, Tribuna da História, 2007, pp.5-63.

19

20

Local descrito em D. João de Castro, op.cit., pp.154-ss.

Presumimos, principalmente inspirados pelo Roteiro do mar roxo, que se trate de Santa Catarina do Monte Sinai, mosteiro situado próximo de Toro. Idem, ibidem, pp.157 e 160.

21

A Política das Ilhas pode ser resumida nas seguintes linhas: a implantação de uma base naval numa ilha fronteira de uma região que se pretende controlar. Essa ilha será uma base de apoio à navegação e centro de abastecimentos às operações a realizar na costa fronteira. Oferece a vantagem a quem tem predomínio sobre o mar de ter um seu centro de gravidade afastado da possível pressão de uma guerra terrestre, ficando assim a base escudada no isolamento dado pelo mar e na força de armadas protectoras. Dentro de regimento de 1505, dado a D. Francisco de Almeida estão contidas as relações que se desejam estabelecer: Angediva para a costa do Malabar e Canará; Ormuz para o golfo pérsico; Socotorá para o estreito de Ádem e do Mar Roxo. Também nesta linha: A Madeira e o litoral marroquino e Cabo Verde e São Tomé para a África subsaariana; António Dias Farinha, “Norte de África”, História da expansão portuguesa. Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. I: A formação do império (1415- 1570), Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, pp.128-129. 22

Fica assim enumerado um conjunto de questões a colocar, de certa forma esclarecedoras quanto às suas intenções estratégicas. Sousa Viterbo comenta que Afonso de Albuquerque se antecipou ao pedido régio e respondeu a priori às questões postas nestas instruções, numa carta “narrando-lhe a sua viagem, […] feita em Cananor a 4 de Dezembro de 1513, e é muito extensa, cheia de pormenores interessantes”. O erudito considera-a mesmo um precioso comentário ao Roteiro, bem posterior, de D. João de Castro23. Se não fosse o “pequeno detalhe” da sua cronologia ser anterior às instruções dirigidas a João Serrão, quase poderíamos dizer que ambas as cartas pertenciam ao mesmo “diálogo”, tal a convergência que existe entre as perguntas e respostas que, em conjunto, fornecem. Esta carta, entre outros documentos, afirma que o domínio do Estreito foi sempre observado como um dos centros de gravidade dos opositores e como tal como um objectivo estratégico português na região. Esta preocupação aparece mais concentrada em cartas do governador ao rei, datadas de 151324; nas próprias alíneas do Regimento dado a D. Francisco de Almeida em 150525 e ainda como um dos objectivos inscritos na missão de Vicente Sodré em 1502-150326.

Instruções de Mamora A presença portuguesa em Marrocos iniciou-se com a conquista de Ceuta (1415) e ao longo dos primeiros cem anos foi sendo marcada pelas diferentes posturas e circunstâncias impressas na governação de cada monarca português27. D. Manuel mostrou-se favorável a uma política expansionista e à consolidação da área de influência portuguesa no “Algarve d´Além”, seguindo a ideia de uma guerra justa dirigida contra os mouros e consequente pressão que isto faria sobre o reino de Fez28. Escudado no sólido conjunto de fortalezas do norte marroquino (Ceuta, Alcácer - Ceguer, Tânger, Arzila), deu privilégio a instalações na costa de sul de Marrocos. Já em 1507 ordenou uma exploração à foz do rio Cebú29 possivelmente integrada no processo que levou às instalações em Safim (1508), Azamor (1513) e Mazagão (1514). Foi com a intenção de estabelecer um ponto de ligação na região intermédia destes dois blocos que a

atenção do monarca caiu sobre Mamora, a sul de Larache, naquela que seria a sua sétima fortaleza marroquina30.

História e Literatura

presentação do espaço; “como jaz” aludindo a representação geral numa carta ou mapa e quanto as “cousas” a sugestão vai para as representações em perfil da costa, contendo detalhes das condições de ancoradouro, dos acidentes do terreno e do próprio casario.

As instruções de Mamora, também incluídas nos Trabalhos Náuticos de Sousa Viterbo, são o conjunto de instruções dadas a Estêvão Rodrigues Bérrio e João Rodrigues31 para a exploração do rio Cebú com vista à instalação de uma fortaleza para controlo da sua foz. A sua data é indicada por Sousa Viterbo como sendo de 14 de Novembro de 151432, enquanto na transcrição surge a data de 27 de Setembro de 151433. Realmente pode existir um intervalo entre o momento da entrega da carta e o da sua escrita, mas em nenhuma parte o erudito nos dá razões para esta divergência na cronologia. Numa revisão do original do documento parece-nos visível a data referente a Setembro pelo que se opta por ela34. Assim, tal como nas instruções do Mar Vermelho, as de Mamora vem apresentadas em itens, que se podem agrupar, para facilidade de análise, em instruções de carácter hidrográfico e relativas à instalação da fortaleza. No primeiro grupo o conjunto de questões é: registar o fundo do rio, nos momentos de maré-alta e baixa, desde a sua entrada e na sua extensão até à localidade de Alcácer Farão35; analisar a altura das margens, determinar os possíveis canais de navegação e obter as distâncias entre pontos de específicos. Também contamos aqui a necessidade de perceber a capacidade do rio albergar navios e em que condições e número, factor crucial para determinar a qualidade do futuro porto e projectar a sua função dentro do complexo de fortalezas do litoral marroquino. Funcionaria aqui uma lógica de comparação, com outras posições existentes, tanto na sua vertente marítima como nas condições que o hinterland proporciona, para resolver melhor o papel a desempenhar por esta praça. Perante os dados da carta e o contexto vigente, esta praça teria, como dissemos, a função de criar um ponto de ligação entre os conjuntos fortificados do norte e do sul marroquino, além de proporcionar o domínio de uma entrada de rio. Por outro lado a ideia de criar um núcleo populacional, e não apenas uma praça militar, visava enraizar a presença portuguesa na região. Não afastada desta lógica, mas porventura não tão premente como motivação para o caso, está a ideia do sistema de fortalezas no litoral marroquino servir como dissuasor ao corso, seja ele muçulmano ou cristão36. O segundo grupo de instruções centra-se na escolha do local da fortificação e existe um local na foz do rio Cebú, a ilha de Santa Ma30

David Lopes, A expansão em Marrocos. Lisboa, Teorema, 1989, p.39.

A entrada referente a Estêvão Rodrigues Berrio encontra-se truncada na edição por nós utilizada com a repetição da página 55 pertencente à parte II desta obra. Foram confrontadas outras edições onde o estranho erro tipográfico (certamente), não consta. Apesar de não afectar directamente o texto do regimento que apreciamos, não deixa de constituir uma situação capaz de influenciar outras investigações daí esta menção. Francisco de Sousa Viterbo, “Estevam Rodrigues Berrio”, Trabalhos Náuticos dos portugueses – séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile do exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia de Ciências. Introdução de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, 1988, pp.51-60 [87-96].

31 23

Francisco de Sousa Viterbo, “João Serrão”, p.287.

Confira-se Afonso de Albuquerque, op.cit., pp. 95-98 (Carta XIX), p.135 (Carta XXVII), pp.169-171 (Carta XXXII), pp.204-243 (Carta XLI).

24

25

Joaquim Candeias Silva, op.cit., pp. 284-286.

Apresentamos, entre outras, a versão das Lendas acerca do processo que conduziu à decisão de Vicente Sodré rumar ao Estreito em detrimento de guardar a costa malabar. Gaspar Correia, op.cit., pp.343-345.

26

Para uma visão geral veja Francisco Contente Domingues, “A guerra em Marrocos”, Nova História Militar de Portugal. Direcção de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, vol. II. Coordenação António Manuel Hespanha Mem Martins, Circulo de Leitores, 2004, pp.224 -230. 27

28

Idem, ibidem, p.227.

«Mandou no ano de 1507 D. João de Meneses com três caravelas e um navio de remo sondar a barra de Azamor, da Mamora, de Cale e de Larache e com ele Álvaro Ribeiro e Gonçalo Ribeiro, dois cavaleiros de Lagos, e Sebastião Rodrigues Bérrio e Pero Bérrio, seu sobrinho de Tavira, e um Duarte Darmas, grande pintor que traçou e dubuxou as entradas destes rios e a situação da terra.». Damião de Góis, Crónica do felicíssimo Rei D. Manuel. Composta por […], nova edição conforme a primeira de 1566. Parte I, Coimbra, Por ordem da Universidade, 1949, p.91.

32

Idem, ibidem, p.52 [88].

“…scripto en Lixboa a xxbii de setembro – o secretario o fez – 1514.” Idem, ibidem, p.53 [89].

33

34

29

(TT online, PT/TT/CC/1/16/19)

A informação explicativa desta localidade por nós encontrada, temos de confessar, é escassa. “Em Marrocos havia no princípio do século XVI, um castello com este nome na foz do rio de Mamora, perto de Larache: chamava-se-lhe Alcácer Farão”. Vide David Lopes, Nomes árabes de terras portuguesas, colectânea organizada por José Pedro Machado, Lisboa, Sociedade da Língua Portuguesa, 1968, p.52. 35

36

Francisco Contente Domingues, “A guerra em Marrocos”, p.227. MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

185

ria, previamente escolhido para este efeito. No documento existe uma série de recomendações que tomam sempre esta ilha como ponto central para a determinação dos factores pretendidos, algo que nos parece implicar desde logo, um prévio conhecimento da zona, provavelmente obtido a partir dos informes de 150737. Pede-se então, por parte do rei, que se observe: a localização de aguadas, locais para extracção de madeira e pedra e quais os tipos que existem nas redondezas; o tamanho, largura e comprimento da ilha e se esta fica submersa na maré-alta. Também se pede a medição das distâncias que vão da ilha até às margens e até ao “torno” do rio, determinantes para a concepção de campos de visão para o tiro de artilharia e a sua capacidade de bater pelo fogo as margens adjacentes. O desenho da fortaleza, para ser eficaz no seu papel de controlo do rio, estaria sempre condicionado por este estudo prévio, determinante para a instalação das peças de artilharia. Exactamente em apoio a este se pede desenho dos detalhes da ilha, marcando as zonas arborizadas, e que se traga as distâncias “per medida de cordel”38 para melhor precisão dos dados recolhidos. Tudo deve ser feito rapidamente, com “resguardo e dissimulação”, claro indicador de operarem em região hostil. Que género de disfarce terá sido usado não sabemos, ou mesmo se foi utilizado algum, mas pelo menos fica a ideia de um desejado secretismo da operação. A tentativa de instalação da fortaleza, no verão de 1515, resultou naquele que se considera o pior desastre militar português até 157839 e com este o fim do impulso expansionista de D. Manuel em Marrocos40.

Interligação dos conjuntos de instruções Feita esta breve análise interna dos documentos, interessa-nos agora focar os pontos de contacto entre ambos, tendo por certo que cada um dos conjuntos de instruções pode viver sem contacto com o outro. Mas não aqui, pois este é o local onde procuramos fazer a convergência dos dois em busca das perguntas e respostas comuns que precisamos nesta apreciação. Mas também é nas suas divergências que se forma a ideia de uma complementaridade que tentaremos explorar. As principais diferenças são exactamente no ambiente geográfico e na escala das regiões a explorar. Entroncando neste aspecto decorre logo a distância entre eles e o centro de decisão e como tal a forma em que é dada a ordem. Nas instruções de Mamora a ordem é dada directamente aos exploradores designados; nas do Mar Vermelho é feita a recomendação do explorador ao vice-rei para que ele ordene por sua vez a execução da missão. Outro ponto que afasta os dois conjuntos de instruções, prende-se com o orientação politica dada pela coroa à expansão em cada ambiente, algo que temos vindo até aqui a englobar na nossa con-

37 Alem desta expedição, a zona é descrita no Esmeraldo. A sua apontada redacção em 1505 coloca esta obra como referencial para estas explorações posteriores. A descrição feita no capítulo 15 cobre o trecho de costa entre Arzila e ”Çalé”, apontando as conhecenças da costa e outros sinais necessários à navegação. A noção do rio de Mamora é já bastante boa sendo a ilha já mencionada, além de outros aspectos. Cf. Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situ Orbis. 3ª edição, Introdução e anotações históricas de Damião Peres, Lisboa, Associação Portuguesa de História, 1988, pp.56-59.

186

38

Francisco de Sousa Viterbo, “Estevam Rodrigues Berrio”, p.53 [89].

39

António Dias Farinha, op.cit., p.130.

40

Francisco Contente Domingues, “A guerra em Marrocos”, p.228.

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

textualização e que nos dispensamos de tornar a enumerar, excepto para enunciar que ambos se situam em momentos diferentes da execução de uma operação militar. Em Mamora já se sabe que o objectivo é erguer uma fortificação e afirmar o domínio sobre a região; no Mar Vermelho ainda se procura confirmar informações e com base nestas traçar planos de acção. Podemos então considerar a primeira operação mais próxima do seu desfecho e a segunda ainda numa fase preparatória. Perante a diferença de escala entre os teatros de operações inscritos nos regimentos não nos parece possível enveredar por um esquema comparativo que produzisse um resultado credível, além de que é a complementaridade entre documentos que queremos verificar. As duas missões seguem regras diversas quanto à sua visibilidade perante o opositor. Em Mamora pede-se “resguardo e desymulaçã”41, sinal de um desejado secretismo; no mar Vermelho já se prevê a possibilidade de executar acções de guerra, principalmente inscritas no item referente a Suez42, mas extensíveis às oportunidades que surjam, pelo que o sigilo da operação não é uma preocupação premente à partida e pode ser quebrado perante uma boa oportunidade de ferir o adversário. Daqui também retiramos de modo indirecto as duas escalas das forças utilizadas. No Oriente uma força naval, de diversos navios, equipada com meios de guerra, com liberdade para combater; em Marrocos, supomos apenas, uma ou duas embarcações ligeiramente preparadas para a guerra, numa missão exclusivamente de reconhecimento. * O primeiro ponto de convergência é de certa forma bastante visível: ambos documentos foram escritos no mesmo ano, além de emanarem do círculo próximo do rei. Ambos se referem a explorações a realizar por meios navais sobre território que se espera hostil. Ambos espaços estão em áreas de influência islâmica o que coloca estas acções, e as decorrentes, dentro da lógica de cruzada perfilhada por D. Manuel que, como diz Maria do Rosário Pimentel, “não sendo exclusiva, esta perspectiva predominou e manteve-se durante o século XVI”43. Este aspecto é também afirmado com a emissão da bula de cruzada de Leão X44. Em ambos os casos é requerido o serviço de especialistas. Em Mamora é recomendado aos responsáveis da expedição que se façam acompanhar de um pedreiro, cujo objectivo é analisar, “terçar e pintar” as condições do terreno para implantar uma fortificação observando os possíveis campos de tiro da artilharia, aspecto que influenciaria certamente todo o desenho do sistema fortificado. No regimento do Mar Vermelho o especialista é um pintor/debuxador que deve tirar desenhos das paisagens. Este estilo de desenhos é recorrente na expansão portuguesa, existindo em diversos formatos e contextos. Mas algo que podemos quase assegurar é que, pelo menos, grande parte deles não podem ser vistos como uma inocente captura de paisagem, mas sim uma forma descritiva dos aspectos que rodeiam a localização em foco. Estas representações são, numa relação que podemos considerar semelhante à dos por-

41

Francisco de Sousa Viterbo, “Estevam Rodrigues Berrio”, p.53 [89].

42

Idem, “João Serrão”, pp.284-285 [320-321].

Usamos como exemplo entre outros desta lógica de pensamento o estudo de Maria do Rosário Pimentel, ”A expansão ultramarina e a lógica de guerra justa”, O reino, as ilhas, e o mar oceano. Coordenação Avelino de Freitas de Meneses e João Paulo Oliveira e Costa, vol. I, Lisboa/ Ponta Delgada, CHAM – Universidade Nova de Lisboa/ Universidade dos Açores, 2007, p.308.

43

44

Referido em David Lopes, A expansão…, p.39.

Consideramos mas dispensamo-nos de confrontar as características diplomáticas dos documentos, apesar de cientes da sua similitude de formato e organização textual. São evidentes as semelhanças na linguagem da formulação dos pedidos, assim como dos objectivos que visa alcançar. Este facto leva a presumir a existência de um formato exploratório, adquirido ao longo do processo de expansão, já perfeitamente definido nas consciências da época. De novo a antecipada exploração da zona do estreito realizada por Afonso de Albuquerque parece confirmar um pouco desta ideia. Ambos os questionários régios caiem no campo das instruções náuticas, destinadas a “definir as linhas mestras de actuação dos capitães”, seguindo a matriz proposta por Silva Ribeiro. O autor aponta para estes textos objectivos nas áreas científica, militar e económica entre outras47. Também o mesmo, ao definir o momento em apreço como integrante da terceira fase do “procedimento estratégico português”. Neste ponto considera que o conhecimento científico-tecnológico potencia um reduzido poder militar-naval, com o qual se visa obter o controlo da navegação e o monopólio do comércio das especiarias48. Gomes Pedrosa aborda os levantamentos hidrográficos na perspectiva da execução de operações anfíbias, onde também vê duas escalas de análise: a do levantamento hidrográfico em si, que dá a conhecer fundamentalmente o desenho das costas e a disposição dos pontos fortificados; e a do levantamento de “elementos fundamentais”, em que se incluem, apenas, a determinação sob diversas formas das regras locais dos sistemas de marés e dos canais de navegação das regiões exploradas49. Estas ideias são ajustadas ao pensamento que desenvolvemos e surgem contidas nos questionários régios. Nestes o grau de detalhe e rigor que se exige parecem superiores à proposta de Gomes Pedrosa. Sobra no entanto em reforço do que temos discorrido a aceitação de duas escalas de observação em direcção a um fim comum: o sucesso de operações militares. Outra linha de ideias, que reforça a possibilidade de unir num mesmo processo reflectivo os dois ambientes que consideramos, está

A obra principal de Duarte de Armas é o seu Livro das fortalezas, também da época. O estudo introdutório de Manuel da Silva Castelo Branco contém notas biográficas e analíticas suficientes para afirmar que a sua presença em Mamora não é uma mera coincidência. Duarte de Armas, Livro das Fortalezas. Introdução de Manuel da Silva Castelo Branco, 3ª edição, Lisboa, INAPA, 2006. 45

O pintor foi um João Gomes, diversas vezes referido como “capitão da caravela” e retratou Dalaca conforme mencionado por Afonso de Albuquerque em carta ao rei, em que descreve a sua expedição a Ádem e ao Mar Vermelho. Também em Francisco de Sousa Viterbo, “João Serrão”, p.287 [323]. 46

47

António Silva Ribeiro, op.cit., p.115.

48

Idem, ibidem, p.79.

Fernando Gomes Pedrosa, Algumas prováveis inovações de origem portuguesa das técnicas e tácticas navais durante a expansão marítima. Cascais, Câmara Municipal Cascais, 2002, p. 65. 49

disseminada nos artigos de Vítor Rodrigues50. As ideias de que nos servimos para a nossa aplicação correm em redor do transporte da experiência e dos modelos organizacionais militares entre o espaço marroquino e o oriental. O autor considera, na generalidade, que Marrocos foi a escola de aprendizagem dos processos bélicos que os portugueses aplicaram posteriormente no Oriente e sempre com mobilizações superiores. A característica de ser um espaço de fronteira, constituiu um atractivo para a nobreza militar, e os formatos para a defesa do hinterland e organização da guarnição das praças servem-nos para afirmar a existência desta continuidade processual e a afastar uma visão compartimentada entre ambos espaços. Afirma também a existência de um trajecto de experiências com o denominador comum no ponto de origem das ordens: Lisboa51.

História e Literatura

tulanos e das cartas- portulano, a expressão gráfica da informação colhida. A inclusão dum pedido de desenho em ambas as escalas mostra a importância desta ferramenta visual principalmente num tempo, como tantas vezes se refere, que o analfabetismo era comum. Já em 1507 encontramos a referência à presença de Duarte de Armas45 numa prévia exploração a Mamora, mas não conhecemos os desenhos relativos a ela. Como acima mencionámos uma porção do mar Vermelho foi desenhada em 1513, antecipando o pedido do rei46.

Com a noção da comum origem das directivas e a existência de um bilateral processo de transferência de conhecimento e práticas entre o Atlântico e o Índico só podemos pois considerar que ambos os processos exploratórios partem da mesma raiz e que partilham lógicas comuns. Isto reforça a nossa ideia de que não é inconcebível conjecturar uma fusão dos questionários ou mesmo aplicar a sua soma na análise de outros espaços tocados pelos portugueses, fazendo então uso, para maior rigor, de possíveis regimentos a essas zonas referentes.

Conclusão O confronto entre os dois documentos é evidente na definição de duas escalas diversas. No caso marroquino trata-se de uma região onde a coroa portuguesa já actuava há um século, pelo que a acção sobre Mamora é uma afinação do sistema existente. No caso do Índico estava-se a desbravar um espaço onde se projectava a implantação de pontos fortes, sustentáculos logísticos num teatro de operações com as suas regras específicas, mas interligado com o do Índico, do qual seria uma natural extensão. Num esquema comparativo destas escalas consideramos a área do mar Vermelho equivalente à de Marrocos, enquanto espaço alargado de operações, e colocamos a acção sobre Mamora na escala das de Adém, Goa, Ormuz ou S. Jorge da Mina, apelando neste ultimo caso às muitas semelhanças existentes nos dois casos, todas elas operações destinadas à criação de uma presença permanente, divergindo apenas no facto de se realizarem em espaços urbanos ou não. Esta tendência explica-se principalmente por estes serem também confluências de rotas comerciais terrestres e marítimas, sobre as quais os portugueses sempre tentaram afirmar domínio. Esta ideia foi ficando presente ao longo da análise documental, onde os itens referentes a Judá e Suez nos indicam exactamente a existência destas preocupações. A ideia de criação de pontos-chave, expressa imediatamente acima, é também aplicável como fim projectado para as enunciações presentes nos dois regimentos. Este fim prende-se com a imposição pela presença militar do domínio português tanto no Oriente como no Marrocos Atlântico que, apesar da “miragem” do domínio territorial, só se concretizou nas regiões costeiras e nas rotas comerciais marítimas, onde o instrumento principal foram os navios. Apenas como exemplo, entre outros textos possíveis, propomos Vítor Luis Gaspar Rodrigues “Organização militar e práticas de guerra dos portugueses em Marrocos no século XV, princípios do século XVI: sua importância como modelo referencial para a expansão portuguesa no Oriente”. Anais de história de além-mar, nºII, Lisboa, CHAM-UNL, 2001, pp.157-168.

50

Mais precisamente a cargo da Casa da Índia no momento que apreciamos. Outra informação relativa à actividade deste organismo em António Silva Ribeiro, op.cit., pp.212-215.

51

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

187

Se como finalidade destes questionários, ou de todos os outros emitidos dentro da época, se pode apontar a persecução do “projecto imperial manuelino”52, numa escala inferior, está também a criação de um sistema de apoio a partir do qual as armadas possam projectar a sua força e exercer controlo sobre a navegação. Temos vindo a discorrer sobre alguns dos factos e circunstâncias que rodeiam estes dois conjuntos de instruções de exploração em busca principalmente das ligações que permitam afirmar a possibilidade da sua utilização conjunta para o melhor entendimento de fontes. Da sua união resulta um conjunto de questões que cobre, em nosso entender, a visão mais geral de um espaço amplo, destinado a operações estratégicas de nível regional ou de influência continental, até ao detalhe das matérias- primas disponíveis para construir o forte em Mamora, ou seja, o planeamento da operação localizada, da opção táctica no campo de batalha. E no fundo esta é a ideia que nos assiste: integrar as questões e preocupações do nível estratégico com as que a operação efectiva no terreno exige. Assumida esta verticalidade das questões, devemos ver a possibilidade de intercâmbio entre os ambientes prescritos em cada questionário, ou seja: será que o questionário do Mar Vermelho pode ser aplicado ao espaço marroquino e vice-versa? Estamos em crer que sim, porque ambos espaços estão integrados num plano geral e como temos visto seguem uma lógica comum: o estudo das condições de navegação, em toda a sua gama de aspectos relevantes, e o reconhecimento de portos/cidades e das suas conexões com terra e com o mar. Aquilo que se pergunta no Oriente é válido tanto em Marrocos, como na África Atlântica ou no sudeste asiático e constituem, na nossa opinião, perguntas padrão aplicáveis, com os devidos ajustes, a qualquer uma destas realidades ou locais. Explorando e aprofundando um pouco mais esta ideia, acreditamos que a quase totalidade das questões contidas nas instruções de Mamora, integradas com alguns dos itens referentes ao Mar Vermelho53, cobrem de forma extensa as possíveis preocupações de uma exploração na época e encontram uma resposta quase directa e precisa, não esquecendo o óbvio anacronismo, na descrição que Afonso de Albuquerque nos dá de Judá, Suez e das condições locais54. Tendo noção desta possível ferramenta, um investigador menos preparado em questões da náutica pode tentar enfrentar, por exemplo, o texto de um roteiro com uma melhor noção das possíveis perguntas que presidiram à descrição contida. De novo damos como exemplo a carta de Albuquerque, não por ser um exemplo absoluto do que vimos dizendo, que não é, mas por já estar inclusa e vista na nossa bibliografia. Nesta fase conclusiva não nos parece interessante estar a introduzir nova documentação por muito boa que seja. O que temos dito vem no sentido de afirmar que os dois regimentos apreciados podem ser aplicados em conjunto, unindo a suas alíneas, no questionamento tanto das fontes como das reais intenções políticas e estratégicas que as presidem. E temos noção que este será apenas um aspecto possível, aceitando que a visão que nos dá uma fonte é resultado do questionário a ele aplicado e da temática que se propõe indagar. Quem estudar questões económicas, ou outro tema de investigação, retirará destes documentos uma gama de informações que outros questionários temáticos não irão considerar, pois algo que decorre para o que temos vindo a 52

João José Alves Dias, op.cit., p.719.

Nomeadamente o que refere “o sytyo da terra de Soez” e “o porto de Juda”, ambos em Francisco de Sousa Viterbo, “João Serrão”, p.285 [321].

53

54

188

Para este relato veja-se Afonso de Albuquerque, op.cit., pp.204-243.

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

dizer é que nenhuma fonte se auto-contém em si própria ou esgota a informação que pode fornecer, antes sim é um objecto sempre exposto às perguntas que lhe colocam. Eis por isso que nos parece essencial como método ir construindo questionários padrão para actuar renovadamente sobre a documentação que for surgindo e melhor ainda quando obtivermos as perguntas nas próprias fontes. Ter na sua mão “perguntas de época” vai permitir ao investigador quebrar alguns constrangimentos derivados da nossa actual visão das coisas e dialogar de forma mais directa, dentro da própria linguagem da fonte e assim obter respostas válidas aplicáveis a outros processos.

Fontes e Bibliografia I Fontes 1. Fontes Impressas ALBUQUERQUE, Afonso de, Cartas para El-Rei D. Manuel I. Selecção, prefácio e notas de António Baião, 2ª edição, Lisboa, Sá da Costa, 1957. ALBUQUERQUE, Afonso de, Cartas de Afonso de Albuquerque: seguidas de documentos que as elucidam publicadas de ordem da classe de sciencias moraes, politicas e bellas-lettras da Academia Real das Sciencias de Lisboa sob a direcção de Raymundo António de Bulhão Pato. Tomo I, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1884. ALBUQUERQUE, Luís de, Roteiro do Mar Roxo de Dom João de Castro. Introdução de […], Lisboa, INAPA, 1991. ARMAS, Duarte de, Livro das Fortalezas. Introdução de Manuel da Silva Castelo Branco, 3ª edição, Lisboa, INAPA, 2006. CASTRO, D. João de, Roteiros de D. João de Castro: Roteiro de Goa a Suez ou do mar roxo (1541), 2ª edição prefaciada e anotada por A. Fontoura da Costa, Lisboa, Agencia Geral das Colónias, 1940. CORREIA, Gaspar, Lendas da Índia. Introdução e revisão M. Lopes de Almeida, vol.I, Porto, Lello e Irmão Editores, 1975. GÓIS, Damião de, Crónica do felicíssimo Rei D. Manuel. Composta por […], nova edição conforme a primeira de 1566. Parte I, Coimbra, Por ordem da Universidade, 1949. PEREIRA, Duarte Pacheco, Esmeraldo de Situ Orbis. Introdução e anotações históricas de Damião Peres, 3ª edição, Lisboa, Associação Portuguesa de História, 1988, pp.56-59. VITERBO, Francisco de Sousa, “João Serrão”, Trabalhos Náuticos dos portugueses – séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile do exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia de Ciências. Introdução de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, 1988, pp.284-287 [320-323]. VITERBO, Francisco de Sousa, “Estevam Rodrigues Berrio”, Trabalhos Náuticos dos portugueses – séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile do exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia de Ciências. Introdução de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, 1988, pp.51-60 [87-96].

2. Bibliografia Específica

1. Bibliografia Geral

COUTO, Dejanirah e Rui Manuel Loureiro, Ormuz 1507 e 1622: Conquista e perda. Lisboa, Tribuna da História, 2007.

1.1 Obras de Referencia ALBUQUERQUE, Luís de, Dicionário de História dos Descobrimentos. Direcção de […]. Coordenação Francisco Contente Domingues, 2vols., Lisboa, Caminho, 1994. AMADO, Maria Teresa, “Diu”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.357-358. COSTA, João Paulo, “Judá”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.559-560. MORAIS, Carlos Alexandre de, Cronologia Geral da Índia Portuguesa (1498-1962). Lisboa, Estampa, 1997. THOMAZ, Luís Filipe, “Abexins, Abássia, Abissínia, e Etiópia”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.7-8. VARGAS, José Manuel, “Adém”, Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Direcção de Luís de Albuquerque. Coordenação de Francisco Contente Domingues, vol. I, Lisboa, Caminho, 1994, pp.19-20.

1.2 Obras Gerais DIAS, João José Alves, Isabel M.R. Mendes Drummond Braga e Paulo Drummond Braga, “A conjuntura”, Nova história de Portugal. Direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, vol. V: Portugal do renascimento à crise dinástica, Coordenação João José Alves Dias, Lisboa, Editorial Presença, 1998, pp.712724. CHAUDHURI, Kirti, “O estabelecimento no Oriente”, História da expansão portuguesa. Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. I: A formação do império (1415-1570), Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, pp.163-191. DOMINGUES, Francisco Contente, “A prática de navegar – Da exploração do atlântico à demanda do Oriente: caravelas, naus, galeões das navegações portuguesas”, História da expansão portuguesa. Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. I: A formação do império (1415-1570), Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, pp.62-71. DOMINGUES, Francisco Contente, “A guerra em Marrocos”, Nova História Militar de Portugal. Direcção de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, vol. II. Coordenação António Manuel Hespanha Mem Martins, Circulo de Leitores, 2004, pp.224-230. FARINHA, António Dias, “Norte de África”, História da expansão portuguesa. Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. I: A formação do império (1415-1570), Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, pp.118-136. MATOS, Luís Jorge Semedo de, “A prática de navegar – A navegação: os caminhos de uma ciência indispensável ”, História da expansão portuguesa. Direcção de Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, vol. I: A formação do império (1415- 1570), Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, pp.72-87.

História e Literatura

II Bibliografia

LOPES, David, A expansão em Marrocos. Lisboa, Teorema, 1989. LOPES, David, Nomes árabes de terras portuguesas. Colectânea organizada por José Pedro Machado, Lisboa, Sociedade de Língua Portuguesa, 1968. MENDES, José M. Amado, A história como ciência: fontes, metodologia e teorização. 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1989. PEDROSA, Fernando Gomes, Algumas prováveis inovações de origem portuguesa das técnicas e tácticas navais durante a expansão marítima. Cascais, Câmara Municipal Cascais, 2002. PIMENTEL, Maria do Rosário, ”A expansão ultramarina e a lógica de guerra justa”, O reino, as ilhas, e o mar oceano. Coordenação Avelino de Freitas de Meneses e João Paulo Oliveira e Costa, vol. I, Lisboa/ Ponta Delgada, CHAM – Universidade Nova de Lisboa/ Universidade dos Açores, 2007, pp.299-317. PISSARRA, José Virgílio, Chaul e Diu: 1509. Lisboa, Tribuna da História, 2002. RIBEIRO, António Silva, A hidrografia nos descobrimentos portugueses. Mem-martins, Publicações Europa – América, 1994. RODRIGUES, Vítor Luis Gaspar, “Organização militar e práticas de guerra dos portugueses em Marrocos no século XV, princípios do século XVI: sua importância como modelo referencial para a expansão portuguesa no Oriente”, Anais de história de alémmar. Nº II, Lisboa, CHAM – Universidade Nova de Lisboa, 2001, pp.157-168. SILVA, Joaquim Candeias, O fundador do “Estado Português da Índia” D. Francisco de Almeida, 1475 (?)-1510. Lisboa, CNCDP/ INCM, 1996.

Anexo documental Ambos os textos que seguem estão transcritos nos Trabalhos Náuticos publicados por Sousa Viterbo e foram confirmados com os originais digitalizados pela Torre do Tombo. Nestas versões fez-se expansão das formas abreviadas em itálico; a substituição de J com valor de I e de U com valor de V. A introdução dos títulos e a sua numeração é da nossa responsabilidade.

Doc.1 Lisboa, 27 de Setembro1514; Instruções para a exploração da foz do rio Mamora. IAN/TT, Corpo Cronológico, parte I, maço 16, doc.19. Publicada em Francisco Sousa Viterbo, Trabalhos Náuticos dos portugueses – séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile do exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia de Ciências. Introdução de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, 1988, pp.52- 54 [88-90]. Stevam rodriguez Berio e Joham rodriguez / estes sam as cousas que vos mamdamos que muy beem vejaaes no Rio da Maamora, omde ora hys Iteem vede muy beem a altura que teem ho fundo do dito Rio a entrada / asy de baixa maar como dalta maar. E veede se tem canal certo a emtrada / ou se podem emtrar os navios por toda a barra seem mais Resgardo que gardaremse do que vyrem MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

189

Iteem vede a largura do dito Ryo / a entrada camanha he E asy por todo a Rio atee o deradeiro lugar onde avees dachegar e quantos nauios poderam nelle caber e estar ancorados sem ympydymento de huũs e dos outros / Iteem vede asy por todo o Rio / o seu fundo asy dalta mar como de baixa mar. Iteem vede a teerra dambas as partes do dito Rio quejanda he – scilicet – se he alta se baixa E se aos navios que forem pello Rio ou nelle esteverem pousados se podera de terra fazer nojo com pedras de maão Iteem vede a quall das bamdas do Ryo he mais chegada a canal ou se he o fundo ygual per todo ho Ryo Iteem vede os lugares em que pelo dito Rio ha madeira e que sortes de madeira. leenha au mato teem Iteem vede a Ilha da Samtamaria camanha he asy da largura como de comprymemto E veede muy beem a pomta que faz camanha he e a qual das bamdas do Rio he mais chegada E omde se poderya melhor cortar e o espaço homde se ouvese de cortar camanho he e veede se nesta Ilha ha madeira ou mato e a sorte de que he E olhay se achares nela synaes de quamto sobem as agoas das cheyas ou se he de todo com ellas alagada Iteem vede quanto ha da barra do dito Ryo a esta Ilha E asy ao torno que aquy faz o Rio E camanha he a terra deste torno e se ha nelle arvoredo ou mato e quejamdo Iteem vede Mamora a velha e a disposisam da teerra e sytio della quejando he E se teem agoas de fontes ou de poços E se ha aquy pedra e se he muyta se pouca E veede quanto ha da entrada do Rio a este lugar de Maamora a velha e se tem arvoredos e quejamdos E Neesta mesma maneira veede muy bem Allcacer farão E em todos os lugares desda boca do Ryo ate o dito Alcacer farão veede muy beem a desposysam da terra dambas as bamdas – scilicet – se he alta se baixa E em qual das partes vos parece a teerra mais alagadiça E veede se achaaes synaes de quanto alevanta agoa do Rio com as cheas E em todos os lugares asy de hũma bamda como da outra ate Alcacer farão veede se ha agoas e quejamdas E asy pello Rio omde se pode tomar agoa docçe Iteem olhay beem quanto sobe a maree pello Rio acyma ate alcacer farão. Iteem dalcacer farão o aveemos por bem que nam pasees nem subaaes E asy vos mamdamos que ho cumpraes porque o aveemos asy por muyto nosso serviço E todo o que destas cousas achardes e vyrdes vos mamdamos que esprevaes muyto declaradamente pera nolo trazerdes por spryto e por hy veermos e sabermos compridamente todo o que dessas cousas queremos saber / allem da booa rezam que confiamos de vos que de tudo nos saberes dar Iteem comvosquo vay hum pedreiro pera tambem olhar pello sytyo da teerra pera alguũa obra se ha ouvermos prazeendo a deus de mamdar fazer E asy pellas acheguas da peedra homde ha ha e a sorte de que he E tambem pera terçar e pyntar o Rio e a teerra delle de cada bamda da feiçam que he e omde tem arvoredo e o sitio dos lugares / Dai lhe pera yso toda ajuda e boom avyamento E todas estas cousas vos encomendamos e mandamos que façaes com tall resguardo e desymulacã quall compre por noso serviço e nos confiamos de vos que ho farees E tudo muy bem vysto no que vos deteres o menos teempo que poderdes vos vymde em booa via 190

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

a nos E em quamto no Ryo amdardes e nelle esteverdes asy de dia como de noite estay com toda booa vigya e com grande recado e em tall maneira que se vos nõ posa seguir incomveniente allguum scprito en lixboa xxbij de setembro o secretario o fez 1514 E asy veres no torno de Samta Maria se a artelharia que hy estever pode jugar sem impydymento pera huuma bamda e pera outra e se tem arvoredo ou coussa que o posa impedir e toda a feiçam da terra de huma parte e da outra e todas as medidas que aves de ver trazee per medida de cordel E vede quanto ha do torno a ylha e asy da ylha a outra bamda de comtra Larache Rey lembramcas do que ham de fazer ho beryo e Joham Roiz

Doc. 2 Almeirim, 2 de Março 1514; Instruções para a exploração do mar Vermelho. Recomendação ao governador Afonso de Albuquerque de enviar o piloto João Serrão nesta exploração. IAN/TT, Corpo Cronológico, parte I, maço 14, doc.77. Publicada em Francisco Sousa Viterbo, Trabalhos Náuticos dos portugueses – séculos XVI e XVII, reprodução em fac-símile do exemplar com data de 1898 da Biblioteca da Academia de Ciências. Introdução de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, 1988, pp.284-286 [320-322]. Affonso Dalboquerque, amigo Nos elRey vos enviamos muito saudar / como por outra carta vos stpreveemos por a booã emformaçã que nos destes de Joham Serraao e por o avermos por pessoa que nos sabera beem servir nas cousas que lhe forem emcaregadas / ouvemos por beem vollo emviar laa pera nos servir naquellas cousas que lhe cometerdes e emcarregardes e esperamos que em tudo ho em que ho poserdes dara de si toda booa conta e por que saibaees nossa tençã acerqua do que nos follgariamos que elle fezese nos pareceo beem volo stprever que he o enviardes entrar o mar Roixo e chegar atee Soez e ver muy bem todo o que ha no dito mar da huma parte e da outra asy de cidades villas e llugares como de toda outra cousa e de portos e amcorações e ilhas e do trauto que nelle ha e assy navios que nelle navegam e a que portos poderiã vir a geente do Abexy e quãto ha do llugar ou llugares onde vem as suas cafillas a sua terra e como pasam as dytas cafillas e com que segurãça e que gemtes sam as por omde pasam ate chegarem a terra do Abexy e se sam Rex que nã reconheçã senhoryo e se sam mouros se gemtios e em que tempo vaão e tornã as ditas cafillas e o que trazem e llevam e particularmente de cousas do Abexy Item o sytyo da terra de soez quejamdo he e se ha hy algum tall em que se posa fazer fortalleza e se tem agoa e finallmemte queymar e destroyr todo o que em Soez achase principallmente de navios e cousas da armada e quanto ha de soez ao cairo e que caminho he se de deserto se povoado ysto por emformaçã que diso podra aveer E ysto tudo muy bem visto e asy bem sabydo que nam posa haver coisa de que nã saibamos parte Item o porto de Juda bem visto e quamto dhy no certo a meca e o caminho que se faz se he povorado se despovorado e se ha agoas nelle / Item em meca se ha gemte de garnyçã e quejamda e quanta e os moradores quantos sã e que gente he Item asy mesmo que vise muy beem todo o mar da persya atee baharem na maneira que dito he que o faça no mar Roixo esprevendo todas as cousas que nelle se achã e souber que ha e que estas

História e Literatura

cousas faça em ambos estes mares com os navios com que elles se posam bem navegar e que sejam ligeiros pera yso asy como gallees e navios de remo outros que sã pera navegaçã dos ditos mares proveytosos / os quaees se podem bem fazer e prestesmente pelos oficiaes que agora vaão que leva a seu cargo ate llaa chegarem o dito Joham Serraao por nosso mãdado por irem com elle melhor agasalhados e estes navios que asy llevar devem dir bem armados dartelharia e armas e com gente de proveyto. Item follgariamos que levase comsigo quem lhe beem pyntase todo o mar Roixo asy como jaz e as cousas que nelle ha de maneira que nã ficase cousa alguuma delle que nos nã viese pimtado Item queriamos que somdase alltura do dito mar quãto bem se podese fazer e em especiall omde ouvese baixos e nos canais por omde por baixos se nauega / Item que visse e ouvese verdadeira emformaçã da llargura do dito mar e no mais estreito delle quãto he de terra a terra e por quall das bandas he a canall mais alta e dambas as partes a alltura do mar Item se sam povoradas as ilhas que ha nelle e de que gemte e se sã gemte rica se prove e se tem agoas e disposyçã pera fazer fortellezas E asy sayba as llegoas que ha do estreito atee soez e do toro atee soez e do toro atee Samta Catarina e posto que creemos que destas cousas vos tenhaees sabidas muytas follgaremos que todavia sem embarguo diso elle saiba destas o que lhe for posyvell saber e os navios que com elle emviarees seram os que virdes que vos bem parecerem e que comprem pera tall viagem E que de todas estas cousas e quaeesquer outras que vos bem pareçerem leve voso regimento pera que de todas nos posaees çedo emviar recado, stprita em Allmeirim a dous dias do mes de março - Antonio Fernandez a fez de 1514 Rey Por elrey A afomso dalboquerque do seu conselho seu capitam moor das partes da India outra tal

MAR: UMA ONDA DE PROGRESSO

191

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.