Integração Internacional e Políticas Públicas de Defesa e Segurança na Fronteira Setentrional Amazônica: Reflexões sobre a condição fronteiriça amapaense

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Nº 22

Janeiro/Junho 2015

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Integração Internacional e Políticas Públicas de Defesa e Segurnaça na Fronteira Setentrional Amazônica: Reflexões sobre a condição fronteiriça amapaense1 Eliane Superti e Gutemberg Vilhena Silva

Resumo Este artigo analisa o atual cenário político-econômico da Amazônia setentrional brasileira, especificamente a fronteira internacional entre Amapá (Brasil) e Guiana Francesa (França). O objetivo foi apresentar os processos de integração na fronteira internacional e discutir os impactos das politicas públicas de defesa nacional na região lindeira. Palavras-Chave: Fronteira Internacional, Integração de Infraestrutura Econômica, Políticas de Defesa e Segurança, Amapá. Abstract This article analyzes the actual political-economic scenario of the northern Brazilian Amazonia, it deals specifically with international border between Amapá (Brazil) and French Guiana (France). The objective was to present the integration processes at the international border and discuss the impact of public policies on national defense in the border region. Keywords: International Border, Economic Integration Infrastructure, Security and Defense Policies, Amapá.

Este ensaio foi produzido a partir das pesquisas financiadas pelo Edital 031-2013 (Pro-Defesa/CAPES). Recebido para Publicação 03/11/2014. Aprovado para Publicação em 23/02/2015 1

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s fronteiras internacionais da Amazônia brasileira, objetos de análises clássicas como zonas de contenção e defesa, assumem modernamente papel estratégico como áreas de interação política e integração econômica. Esse novo papel tem íntima relação com as estratégias traçadas pelo governo brasileiro no reposicionamento econômico e político do País no contexto regional e mundial dos últimos 20 anos. Do ponto de vista da política internacional, processou-se uma mudança na referência regional: A “sul-americanidade” substitui paulatinamente o conceito e a simbologia em torno da ideia de América Latina; nesse processo, é importante destacar que as aproximações Sul-Sul na América latina não se deram de maneira uniforme. A configuração de relações na região ficou dividida em dois eixos: a América Central e o Caribe, onde prevaleceram as relações Norte (EUA) e Sul (América do Sul), nas quais se aprofundaram as relações Sul-Sul (PRECIADO, 2008). A América do Sul buscou fortalecer um conjunto de iniciativas na construção de uma entidade política transnacional com unidade mínima que privilegiou relações intrarregionais e com outros atores extrarregionais. Nesse ensejo, a proposta de união dos doze Estados sulamericanos, por meio da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), redefiniu o peso geopolítico da região em todo o continente americano, no que se refere aos grandes blocos econômicos e também em contraposição ao projeto dos EUA da criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Segundo Ruckert (2013), os esforços de interação sul-americana assumiram formas mais nítidas por meio de algumas etapas, a saber: criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL, década de 1990), da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA, em 2000), como uma decisão de política territorial de caráter macro reestruturante e, mais recentemente, da UNASUL (em 2011). Esses esforços estão baseados nas premissas da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL, na década de 1990), no regionalismo aberto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e no novo regionalismo que orienta as macropolíticas da IIRSA. Na política econômica interna, o governo brasileiro adotou como diretriz para os Planos Plurianuais (PPA’s) a inserção competitiva do País via integração sul-americana e modernização produtiva com redução do “custo Brasil2” pela eliminação dos pontos de estrangulamento da cadeia produtiva e comercial. Os PPA’s, a partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), foram portadores de uma diferença importante em relação às políticas territoriais do período anterior: traçavam linhas de intervenção com a pretensão de integrar o Brasil à América do Sul, abrindo mercados do Atlântico ao Pacífico por meio dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID’s). As estratégias de integração internacional, apesar de algumas divergências de foco, foram incorporadas e aprofundadas no governo Lula e se fizeram presentes no PPA de 2004/2007 e nos dois Programas de Aceleração do Crescimento (PAC’s I e II), mantendo-se como linha diretiva na administração da presidente Dilma Rousseff. As políticas de segurança e defesa foram também redimensionadas diante do novo cenário da política econômica brasileira. A postura geopolítica em relação às áreas de fronteira internacional passa a incluir também a dimensão econômica ao debate da defesa e segurança Custo Brasil é um termo genérico, usado para descrever o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem o processo produtivo no Brasil. 2

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nacional, ampliando o escopo das noções de defesa e segurança para além do sentido estritamente militar3. Além disso, o processo de aproximação dos países sul-americanos exigiu o estabelecimento de novos mecanismos de controle territorial que considerem o processo de interação nas fronteiras. O Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) é uma resposta a essa exigência de novos mecanismos, por incluir em suas diretrizes a proposta de elaboração de políticas de defesa conjunta à integração de bases industriais de material bélico na região. No bojo dessas discussões, a Amazônia emerge como um espaço estratégico para a efetivação da integração de redes logísticas e técnicas (rodovias, pontes binacionais, sistemas de telecomunicações – todos em conexão) e também a ser palco de importantes ações de defesa nacional, tornando-se prioridade na Politica de Defesa Nacional (PDN). Isso se dá primeiro porque é através da região amazônica que o país tem conexão física com seis4 outros Estados sul-americanos e com a Guiana Francesa – Departamento Ultramarino Francês –, o que torna suas fronteiras internacionais peças-chave no processo de integração física. Segundo, a região amazônica mais uma vez é encarada como fronteira de recursos, que apresenta grande potencial para exploração econômica e atratividade do grande capital e das redes internacionais, principalmente para a exploração mineral, mas também, mais recentemente, para o petróleo e a hidroenergia. Por último, considerando a grande dimensão de suas fronteiras, a intensificação das rotas ilícitas do tráfico e os crimes internacionais. Nesse quadro político-econômico em que se insere a Amazônia brasileira, um conjunto de políticas territoriais passa a incidir sobre a região. Elas combinam o empreendimento estratégico-militar com a implantação de políticas públicas de crescimento econômico e integração internacional. Este artigo analisa esse cenário, destacando a porção setentrional da Amazônia brasileira, especificamente a fronteira internacional entre Amapá (Brasil) e Guiana Francesa (França). O objetivo é apresentar os processos de integração na fronteira internacional e discutir os impactos das políticas públicas de defesa nacional na região lindeira. Para tanto, o artigo está organizado em três partes. A primeira contextualiza brevemente as políticas de defesa nacional na fronteira Amazônica. A segunda parte discute a condição fronteiriça amapaense face às políticas territoriais. Por último, este trabalho analisa o impacto das políticas de defesa e segurança e integração internacional no Município lindeiro do Oiapoque.

Politicas de Defesa e Segurança nas fronteiras amazônicas Quando analisadas as políticas de defesa e segurança nas fronteiras amazônicas, fica evidente que elas se assentam em duas estratégias principais. Primeiramente, o aumento da presença militar, pois o reforço de efetivos de 3,3 mil, em 1998, para 30 mil, em 2009, foi bastante significativo, embora represente apenas 10% do efetivo nacional (NASCIMENTO, 2010). Além disso, é importante considerar que o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), ainda em planejamento, prevê alcançar 35 mil efetivos na região até 2019, além da Essa mudança pode ser percebida nos documentos Política de Defesa Nacional – PDN (2005), Estratégia Nacional de Defesa – END (2008) e Libro Branco de Defesa Nacional – LBDN (2012). 4 Através de seu espaço amazônico, o Brasil faz fronteira com Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname, além do Departamento Ultramarino Francês, a Guiana Francesa 3

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criação de mais 28 Pelotões Especiais de Fronteira: hoje são 20 em toda a região amazônica. Para além do Programa Calha Norte (PCN) e do Sistema de Proteção na Amazônia (SIPAM), já presentes no contexto amazônico, o SISFRON deverá dotar a força terrestre, ou seja, o exército de equipamentos de alta tecnologia de monitoramento, treinamento e deslocamento, integrando as unidades de fronteira antes isoladas. A segunda estratégia presente nas políticas de defesa e segurança responde à necessidade de vivificação dessas fronteiras e à promoção do desenvolvimento regional das cidades na área lindeira. Isso porque elas se tornaram peças-chave do processo de integração, sendo também elo importante na cadeia de rotas ilícitas e no mapa de crimes que se distribuem pela Amazônia. Tais fronteiras também são áreas sensíveis à presença militar internacional, materializada a partir da presença militar dos Estados Unidos na região amazônica. Cabe lembrar que o governo da Colômbia estabeleceu um projeto financeiro militar denominado Plano Colômbia, que contou com grande respaldo dos Estados Unidos para combater a produção e o tráfico de drogas. Mas o reforço militar brasileiro na Amazônia possui também, como pano de fundo, o contexto interno das áreas de fronteira no combate aos ilícitos. A nova PDN representou um importante avanço no combate aos crimes transfronteiriços5, uma vez que reconheceu que a segurança pública deveria, em alguns casos, ser tratada como uma questão de segurança nacional e defesa do País. O surgimento do que se convencionou chamar de novas ameaças6 no período Pós-Guerra Fria deu o tom do novo enfoque. Segundo Nascimento, a problemática da defesa e da segurança nacional nunca foi tratada em planos e políticas públicas com tanta proximidade com a segurança pública como se vê na Estratégia Nacional de Fronteira – ENAFRON (NASCIMENTO et al., 2013). Os militares passaram a dar maior importância ao narcotráfico, apesar de ser este, anteriormente, tema de competência da Polícia Federal. Sua relevância, do ponto de vista nacional e transnacional, fez suscitar no Ministério da Defesa (MD) o interesse em buscar alianças junto ao Legislativo, a fim de mudar as regras do jogo e inserir em suas estratégias as Forças Armadas no combate aos ilícitos na fronteira, o que, em tese, seria mais fácil para elas, uma vez que já se faziam presentes fisicamente nas fronteiras, através de Pelotões de Fronteiras – PEFs. Com a Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, o Exército, a Marinha e a Força Aérea adquiriam poder de polícia para combater os ilícitos transfronteiriços. Nota-se, com isso, a ampliação de concepção não apenas no Ministério da Defesa, mas também no Ministério da Justiça, sobre segurança pública, até pouco tempo pensada de modo regionalizado e não no conjunto fronteiriço nacional. As políticas públicas estatais, desse modo, denotam uma tentativa de se estabelecer uma execução conjunta entre diferentes ministérios no combate aos delitos tranfronteiriços. Esse conjunto de ações institucionais para a Amazônia revela que há um novo contexto de gestão do território transfroteiriço e uma produção normativa para oferecer soluções aos problemas informais, que permitem funcionar redes ilegais que atuam nesse circuito. A conexão em redes geográficas do espaço amazônico não avança, portanto, à revelia das questões geopolíticas. Ao Os crimes transfronteiriços são aqueles ilícitos cujos fluxos de ação se beneficiam da condição fronteiriça e pressupõem o trânsito interestatal. A Portaria n. 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comando do Exército, define o que são considerados delitos transfronteiriços. 6 A expressão “Novas Ameaças” foi cunhada para designar fenômenos ou ameaças de caráter não-militar, que desafiam ou criam problemas para a segurança dos Estados. Para uma discussão mais aprofundada, cf. Soares & Mathias (2003). 5

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contrário, elas compõem as propostas de desenvolvimento e controle da Amazônia, mesmo com variações ao longo da configuração amazônica, pelo menos desde metade do século passado. Contidas nesse quadro, as cidades da fronteira internacional amazônica são espaços importantes para consecução das políticas públicas de segurança e outras iniciativas de usos do território. Elas estão envoltas pelos movimentos de forças sociopolíticas que conduzem à elaboração e à implementação dessas políticas públicas.

A condição fronteiriça amapaense Zona da tríplice fronteira – Brasil/Guiana/Suriname7 –, o Amapá tem uma condição singular de espaço geográfico que é, simultaneamente, estratégica e periférica (PORTO, 2010). Sua configuração estratégica, por um lado, é decorrente de sua posição fronteiriça com um território francês, a Guiana Francesa, único caso no mundo de interface de um território físico europeu com um sul-americano. Destaque ao recém-lançado “Campus Universitário Binacional”, no Município do Oiapoque, pela Universidade Federal do Amapá, como fruto de sua vinculação geográfica ao Platô das Guianas, da preservação da floresta nativa e da imensa sociobiodiversidade que tal área possui. Outro aspecto importante da condição estratégica é sua posição litorânea com acessibilidade através do rio Amazonas a navios de grande calado ao porto da cidade de Santana, a 30 minutos da capital, Macapá. Todos esses elementos que compõe seu potencial estratégico ganharam ressonância face às estratégias do governo brasileiro de integração física com os países sul-americanos. Sua condição periférica, por outro lado, é fruto da distância dos grandes centros econômicos e políticos nacionais e de seu isolamento geográfico. Neste último caso, considera-se a ausência de acesso rodoviário. Tal condição é agravada pela fragilidade estrutural de sua economia pouco diversificada, cuja base é o extrativismo e a exportação de commodities, numa de suas bases, e na forte presença do poder público na oferta de empregos, na outra base. Essa configuração econômica apresentada permanece com forte atuação na primeira das bases do capital internacional e na outra da forte presença estatal desde pelo menos a organização do extinto Território Federal do Amapá (1943-1988), mesmo que tenham ocorrido tentativas de dinamização do comércio amapaense, por meio da criação de alternativas como a implantação da área de livre comércio de Macapá e Santana (ALCMS). Essa condição se acentua também pela escassez de recursos humanos qualificados, especialmente na área tecnológica, e pelas debilidades de qualificação local. Associam-se a essas características as infraestruturas urbanas subdesenvolvidas e as dificuldades políticas de representação e articulação no cenário nacional dos interesses locais, além da manutenção de práticas clientelistas na administração do Estado e dos Municípios, que comprometem o planejamento em longo prazo e a organização coletiva.

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Mesmo sendo fronteira terrestre, o Amapá não tem ligação rodoviária com o Suriname. 133

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O Estado do Amapá é ainda marcado por características especificas de sua condição de exTerritório Federal. A principal delas diz respeito ao controle de suas terras. Seis esferas institucionais atuam sobre o uso e a ocupação dessas terras: INCRA, Estado Federal, FUNAI, IBAMA, Exército e Marinha. De acordo com os dados levantados junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente em 2013, as terras públicas estão distribuídas entre o controle da FUNAI, 11.498 km2, do IBAMA, 56.453 km2, e do INCRA com 73.764 km2, sendo que apenas 40.605 km2 está sob o controle do Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Amapá, em um total de 143.453,7 km2. Essa divisão implica em que a maior porção das terras públicas está sob a administração de órgãos federais, o que limita consideravelmente a capacidade do Estado do Amapá em promover seu ordenamento territorial. Soma-se a isso o fato de que atualmente 72% do território do Estado são protegidos pela demarcação de terras indígenas (10%) e pela criação de áreas de proteção ambiental estadual, federal e privada (62%) (MAPA 1). Esta característica das terras amapaenses impacta no processo de urbanização do Estado, pois a restrição de ocupação territorial de suas terras impede a população de avançar para essas áreas e promover uma expansão urbana. Mapa 1 – Unidades de conservação no Amapá e a sua faixa de fronteira

Fonte: Ministério do Meio Ambiente. Elaboração: Silva (2013)

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A região fronteiriça da Amazônia setentrional está inserida no contexto político estratégico do Arco Norte, empreendido desde o governo FHC. Nesse eixo se pretendeu potencializar a conexão internacional do Brasil com a América do Sul através da Venezuela, do Suriname, da Guiana e da Guiana Francesa, tendo a expansão dos investimentos em infraestrutura por parte do governo brasileiro, com aporte também dos países citados, como meio de impulsionar a inserção geopolítica e geoeconômica do Brasil nesse subcontinente. Adiciona-se a essa inserção do Brasil na sub-região o fato de a Amazônia Setentrional ser a fronteira com o Caribe, região de baixa presença brasileira e que na última década passou a ser foco da política externa nacional com abertura de embaixadas e com a participação na Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (MINUSTAH). Para a efetivação dessa estratégia, o governo valorizou essa parte do território nacional patrocinando a estruturação de uma rede logística que envolve sofisticados sistemas de comunicação, investimentos no setor energético, pavimentação de rodovias, construção de ponte binacional e modernização de porto e aeroporto. O Mapa 2 apresenta a interligação da rede de energia elétrica entre Tucuruí-Macapá-Manaus, e o Quadro 1 apresenta os investimentos executados ou em andamento Mapa 2 – Proposta de Rede energética Tucuruí-Macapá-Manaus (em execução)

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Quadro 1 – Empreendimentos de infraestrutura logística, energética e transportes no Amapá. Empreendimentos Linha de transmissão de energia elétrica (Tucuruí (PA)-Macapá (AP)-Manaus (AM). Construção da rede de Fibra ótica Guiana Francesa – Amapá Usina hidrelétrica - Ferreira Gomes (AP)

Investimento milhões 832,60

32.

812.

em

Fonte Investimento PAC

do

Estágio Em execução

Previsão/ Conclusão 2014

Público/Privado (OI e Governo do Amapá) Privado/ Concessão de exploração – PAC

Em execução

2014

Em execução

Privado/ Concessão de exploração – PAC Privado/ Concessão de exploração – PAC

Em licenciamento

2014 – 1ª unidade. 2015 – 2ª e 3ª. unidades 2017

Em execução

2014

Usina hidrelétrica - Cachoeira Caldeirão (AP)

670

Usina hidrelétrica – Santo Antônio do Jari (AP/PA)

1.299,90

Pesquisa exploratória de petróleo e gás natural na bacia sedimentar da foz do Amazonas

28,10

Privado/ Concessão de exploração – PAC

Em licitação

2017

Modernização do Porto de Santana (AP)

251,7

Governo Federal/Ministério dos Transportes

Previsão

2015

Construção e reforma do Aeroporto de Macapá

121.80

PAC

Em execução

2015

Pavimentação BR-156/AP: subtrecho CalçoeneOiapoque, lotes 1,2,3.

150

PAC

Em execução

---------

Inauguração da Binacional sobre Oiapoque

114.90

PAC

Concluída

---------

o

Ponte rio

Fontes: http://www.pac.gov.br/estado/ap; http://www.oi.com.br; http://agenciaamapa.com.br; www.transportes.gov.br. Elaboração: Superti (2013).

A construção da infraestrutura de transporte, comunicação e logística nessa parte da Amazônia brasileira atende às diretrizes estratégicas presentes nos ENID’s, indo além da esfera nacional, favorecendo a fluidez do capital internacional por meio das redes técnicas que hoje operam no território dessa porção amazônica, como é o caso da ligação rodoviária (Mapa 3). De modo que, as ações da IIRSA completam esse quadro. Elas estão organizadas em quatro grandes grupos que reúne por áreas de interconexão 20 projetos interligando Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Guiana.

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Mapa 3 – Arco Norte/Planalto das Guianas

Dentre os 20 projetos integração fronteiriça da IIRSA, 6 projetos são de integração binacional ou trinacional nos três setores de atuação. Sendo 4 projetos de transporte, concentrando a maior soma de investimentos, 1 de energia e 1 de comunicação (Quadro 2).

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Quadro 2 – Projetos Binacionais e Trinacionais do Eixo Escudo das Guianas – IIRSA Título do grupo

Países envolvidos

G1 – Interconexão Brasil Brasil-Venezuela Venezuela

Projetos

Setor

Execução

Linhas de fibra ótica ou outra tecnologia Concluído apropriada, que interconectem Caracas (Venezuela) Comunicação e ao Norte do Brasil

Valor (US$)

Não informado

Recuperação da rodovia CaracasTransporte Manaus (BR714/AM/RR) Ponte sobre o rio G2 – Interconexão Brasil e Guiana Takutu Transporte Brasil-Guiana

Parcial (em execução)

407.000.000

Concluído

10.000.000

Rodovias de conexão Venezuela (Ciudad Guayana)-Guiana (Georgetown)Transporte Suriname (ApuraZanderijParamaribo) Gasoduto VenezuelaEnergia Guyana-Suriname Construção da ponte Transporte sobre o rio Corentine Melhoramento da rodovia GeorgetownAlbina e da rodovia e Transporte Macapá-Oiapoque: trecho Ferreira Gomes-Oiapoque

Parcial (em execução)

300.800.000

G3 – Interconexão Venezuela, Venezuela, Guiana e Guiana e Suriname Suriname

G4 – Interconexão Guiana, Guiana, Suriname, Suriname Guiana Francesa e Venezuela Brasil.

Não iniciado Não informado Não iniciado 1.000.000 Parcial (em execução)

350.100.000

Fonte: http://www.iirsa.org/proyectos/Index.aspx. Elaboração: Superti (2013)

Dos projetos de caráter binacional ou trinacional do eixo do Escudo das Guianas (Mapa 4), dois estão concluídos, três estão parcialmente concluídos (em execução) e dois não foram iniciados. O percentual de implantação dos projetos da IIRSA nesse eixo, nos projetos bi ou trinacional, é de 66%, somando – excluindo os projetos não iniciados e de valor não informado – o montante de investimento da ordem de US$1.068.900,00. No Amapá, a perspectiva de integração com o Escudo das Guianas tem acentuado uma nova dinâmica econômica com o acirramento do mercado de terras, a abertura de áreas com cultivos

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agrícolas para exportação, como é o caso da soja8, que já começa a ser cultivada no Estado, e um novo ritmo das relações comerciais com os mercados internacionais com densidade para minérios – principalmente ferro, ouro e cromo – e também produtos do extrativismo vegetal, como arroz, que possui tradição histórica nas exportações do Amapá. Novas expectativas se formam, ainda, com a possibilidade de exploração de petróleo, que está sendo prospectado na costa litorânea do Amapá. Esse movimento tende a impor ao Estado e aos seus municípios a implantação e a reestruturação de suas infraestruturas, bem como suas logísticas para assegurar sua efetiva participação no movimento do capital. Esse conjunto de obras envolve o asfaltamento, a construção e a recuperação de vias de comunicação (ferrovias e rodovias estaduais e municipais), além da ampliação e modernização de bens e serviços públicos, como saúde, educação, urbanização, saneamento básico, dentre outros. Vale lembrar que a fronteira setentrional não se refere somente à conexão física com a América do Sul. A proximidade física com a Guiana Francesa tem estimulado acordos de cooperação entre Brasil e França, ou seja, entre um país europeu e um sul-americano. Esta conexão dos dois países representa para o Brasil a interação com a zona do Euro; a conexão com o espaço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); e a proximidade com uma área científica de ponta, pela estação espacial de Kourou na Guiana Francesa, que é integrante de estratégias científicas da União Europeia. Sob esse aspecto, a região é influenciada pelas políticas de desenvolvimento, coesão econômica e social destinadas pela União Europeia às suas regiões ultraperiferias9, condição na qual está enquadra a Guiana Francesa. Dentre elas, vale destacar o Programa Operacional Amazônia (POAmazônia) e o INTERREG IV (SANTOS, 2013). Aprovado pela Comissão Europeia em 2008, o POAmazônia, por um lado, tem por objetivo estratégico a cooperação transfronteiriça com os parceiros franceses na América do Sul, ou seja, Suriname, e os Estados brasileiros do Amapá, do Amazonas e do Pará. O INTERREG IV, aprovado para o período de 2007 a 2013, tem, por outro lado, foco em três eixos: 1) projetos transfronteiriços; 2) projetos transnacionais e 3) projetos inter-regionais. Este último contempla diretamente as interações com o Amapá na promoção da cooperação, na criação de redes e de troca de experiência entre entidades regionais e locais. É sugestiva também a busca de aproximação científica entre Amapá e Guiana Francesa, com o financiamento binacional de projetos de pesquisa. É preciso somar a essa reflexão o fato de o Amapá ser também um espaço litorâneo, com uma estrutura portuária capaz de receber embarcações de 11 metros de calado – semelhante aos principais portos da América do Sul. A exploração desse potencial tem se acentuado com a formação de uma nova rota marítima ligando a cidade de Santana no Amapá a cerca de 150 países, reduzindo o custo do transporte e provocando queda nos preços dos produtos vendidos no Estado. A nova rota é iniciativa da companhia francesa CMA CGM e da Companhia Norte de Navegação e Portos (CIANPORT), eliminando a necessidade de mercadorias importadas e exportadas passarem pelo Pará. A operação começou em 2013, com os principais produtos da De acordo com a Cooperativa de Agricultores do Cerrado Amapaense, a produção de grãos no Estado, em 2013, contabilizou 18000 toneladas de soja, 8000 toneladas de milho, 22000 toneladas de arroz e 700 toneladas de feijão (Entrevista com Tobias Laurindo, Presidente da Cooperativa, em 17/04/2013). 9 O conceito de Ultraperiferia, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, refere-se a 10 territórios ultraperiféricas: os quatro Departamentos Ultramarinos da França, três coletividades ultramarinas francesas (Saint Martin, Saint Barthélemy e Mayoette), as regiões autônomas portuguesas dos Açores e da Madeira e a comunidade autônoma espanhola das Ilhas Canárias. 8

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pauta de exportação do Amapá, como caulim, madeira, açaí e principalmente minério de ferro. Para Riano Valente, presidente da Companhia Docas de Santana, existe a possibilidade de transformar a nova rota em uma via para escoar a produção agrícola. Assim, “Não se pode esquecer-se dos nossos exportadores que, pelo fato de ter uma nova rota mais próxima dos grandes centros consumidores de commodities, terão uma melhor competitividade no mercado mundial”10. A exploração do potencial estratégico do Amapá não elimina, contudo, sua condição periférica, mas aprofunda sua vinculação com as redes internacionais e com o grande capital, incluindo aquele Estado da federação no contexto das políticas de defesa e segurança nacional. Tais políticas, representadas principalmente pelo Programa Calha Norte (PCN) e pelo Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), dão continuidade a um conjunto de empreendimentos que buscam o controle do espaço amazônico e a defesa do território nacional. A atuação desses programas confirma a existência de um padrão de apropriação da região amazônica, que se utiliza da organização de meios burocráticos e recursos financeiros para dar respostas a pendências históricas da região. Segundo Nascimento (2010, p. 184), “o PCN é a tentativa de reviver no presente a tradição do poder central de controlar a Amazônia, especialmente a faixa de fronteira norte, por meio da estratégia do desenvolvimento regional”. A estratégia, segundo Silva (2013), é ultrapassar a tradicional vigilância aérea, marinha e terrestre e viabilizar mecanismos de controle por meio da implantação de empreendimentos que garantam a ocupação da fronteira. Nesse sentido, a execução de projetos federais junto às prefeituras municipais possui clara intenção de dinamização estratégica da região, agindo de forma determinada para que os municípios localizados na faixa de fronteira cumpram o papel na guarda da fronteira nacional. Coerente com essa estratégia, o PCN divide os investimentos realizados entre as vertentes militar e a civil. Na primeira vertente, concentram-se as aplicações de recursos no próprio programa e nos demais postos a ele vinculados. A segunda vertente garante investimentos na implantação de infraestrutura básica ou complementar nos municípios, assim como na aquisição de equipamentos, como forma de contribuição para o desenvolvimento local. No Amapá, a vertente civil do PCN atuou, entre 1996 a 2011 (BRASIL, 2013), em 6 municípios, a saber: Calçoene, Ferreira Gomes, Laranjal do Jari, Oiapoque, Pracuúba e Serra do Navio. Os investimentos somam R$17.328.550,66 e foram destinados a equipamentos urbanos como escolas, creches, centros esportivos, além de pavimentação de vias públicas e demais obras de urbanização. Apenas um investimento foi realizado em infraestrutura produtiva no Município de Serra do Navio. Considerando o período de 15 anos (1996-2011), o valor de investimento é pequeno (aproximadamente R$1.155.000,00 por ano), que, pulverizado entre os municípios, possui baixo impacto para o desenvolvimento urbano. Contudo, considerando o painel socioeconômico das pequenas e médias cidades, as obras são relevantes no cotidiano dos munícipes, já que qualquer política territorial instalada, principalmente nas pequenas cidades, altera as práticas espaciais dos moradores.

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Entrevista de campo concedida em 05/03/2013. 140

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O SIPAM11 também está presente na fronteira setentrional. No Amapá, estão instalados 22 terminais de usuários remotos (TUR). Destaca-se o Município de Oiapoque na fronteira internacional com a Guiana Francesa (Mapa 4), possuindo dez terminais, o que indica a importância da fronteira para o SIPAM em sua estratégia de integração dos atores sociais e governamentais.

Mapa 4 – Municípios da Bacia do rio Oiapoque e espaço urbano da cidade de Oiapoque

A presença militar é outro componente relevante dessa configuração da fronteira amapaense. O Estado conta com um Comando de Fronteira e o 34º. Batalhão de Infantaria de Selva na capital. No Oiapoque, com um Batalhão de Infantaria de Selva; em Clevelândia do Norte com um Pelotão de Fronteira, em Vila Brasil. O efetivo será reforçado com a implantação da Brigada de Selva pelo SISFRON no Amapá, em 2014. A configuração da fronteira da Amazônia Setentrional está, assim, diretamente ligada aos movimentos de (des)construção e (des)territorialização; à grande atuação de políticas estatais, porém com fraca fiscalização; à criação/construção de estruturas econômicas voláteis dos mais variados modelos para exploração de recursos naturais e construção de corredores de exportação; à existência, à configuração e à intensidade de articulação das redes existente, as quais expressam reflexos de cenários internacionais; às expectativas de integração com a Guiana Francesa; às suas restrições espaciais; ao potencial de seu ambiente natural; à sua posição na economia-mundo como fornecedora de commodities e consumidora de produtos 11SIPAM.

Sistema de proteção da Amazônia. Relatório de Gestão. Disponível em: http://www.sipam.gov.br/. Acessado em 12 de maio de 2013. 141

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industrializados; e, por fim, à fragilidade da organização burocrático-administrativa municipal, associada à precariedade da estrutura urbana. Esse último aspecto da configuração fronteiriça amapaense impõe uma séria limitação, pois as instituições político-administrativas municipais se constituem, por vezes, nas únicas presenças efetivas do Estado em vastas porções do território. As cidades representam o locus por excelência das múltiplas articulações comunitárias, das sedes das empresas voltadas à exploração dos recursos naturais, das forças de atração dos fluxos migratórios. Elas (cidades) são também o lugar de concentração de considerável parcela da população e dos mais agudos problemas sociais e ambientais. Na fronteira internacional, palco dos processos de transfronteirização, esse aspecto é agudizado. Nesses espaços, o conceito de defesa e segurança passa a ser diretamente ligado ao desenvolvimento, conforme observamos nos documentos PND e END, mas também nos deparamos com a fragilidade das políticas públicas face aos seus objetivos.

Fronteira internacional da Amazônia Setentrional com a Guiana Francesa: a cidade do Oiapoque. Na fronteira internacional do Amapá, o Oiapoque é o Município com maior intensidade de ações de interface com o outro lado do limite internacional, contando com a presença dos equipamentos militares de defesa e segurança no seus espaço, sendo o único que possui sede e cidade-gêmea na linha de fronteira. O Município foi criado em 1945, ainda na época do Território Federal, sendo sua condição de fronteira internacional com o território francês determinante para a ocupação por meio da colonização induzida por políticas e estratégias geopolíticas de segurança e defesa nacional, como a construção da BR 156. A estrada foi de grande importância para garantir a presença brasileira na região. A partir de um posicionamento geopolítico, o Estado nacional buscou integrar a fronteira do extremo Norte, garantindo um processo de povoamento, com a presença militar – concentrada em Clevelândia do Norte – e a ligação da região ao centro dinâmico da economia amapaense, concentrado na capital Macapá. Contudo, passado mais de meio século de criação, a precariedade da infraestrutura da cidade é um fato incontestável. As vias públicas do núcleo urbano, em sua maioria, não são asfaltadas, as construções habitacionais são precárias e irregulares e o saneamento básico inexiste. Os serviços públicos de saúde, educação e segurança pública são débeis e refletem a fragilidade do poder local em atender às necessidades básicas da população. O Município é o quarto maior do Estado, com população de 20.509 habitantes, de acordo com o censo de 2010 do IBGE. Mesmo com a obrigatoriedade legal, Oiapoque não possui um plano diretor12. O poder municipal ainda sofre pela virtualidade de sua capacidade de gestão territorial, pois suas terras (22.625,00Km 2) estão sob jurisdição federal e separadas entre áreas de proteção ambiental, como o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT) e o Parque Nacional do Cabo Orange (PNCO), além das terras indígenas Galibi, Juminá (Galibis e 12

O Plano Diretor é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes, como é o caso de Oiapoque. 142

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Karipunas) e Uaçá (Karipunas). Restam, para real domínio admirativo do Município, apenas 6.437,00 km2. O movimento de integração da fronteira com a Guiana Francesa, simbolizado principalmente pela construção da ponte binacional sobre o rio Oiapoque e pelo asfaltamento da BR-156, tem impactado de modo significativo o núcleo urbano. A interação espontânea que marca a identidade e a vida das duas cidades na linha fronteiriça está se alterando, sendo a especulação imobiliária um dos sinais da mudança. Segundo Tostes (2012, p. 186), o investimento imobiliário por estrangeiros através de “laranjas” ou “testas de ferro” já é algo comum, e o fato de não haver uma legislação urbanístico-imobiliária facilita esse tipo de especulação. Na área comercial da cidade – perímetro da beira-rio e adjacências –, por exemplo, é impossível encontrar lotes à venda. A cidade cresce desordenadamente no sentido da BR-156, onde lotes com títulos definitivos concedidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) são parcelados de forma irregular e vendidos pelos proprietários. Ao longo da BR-156, é comum encontrar construções residenciais precárias dividindo espaço com pontos comerciais de pequeno porte. A prefeitura de Oiapoque não dispõe de áreas livres para implantação de projetos habitacionais. As áreas oficialmente vazias estão nas mãos de particulares. A economia também é fortemente determinada pelo movimento da fronteira. A vantagem da moeda Euro em relação ao Real incentivou o crescimento do comércio, principalmente de bares, restaurantes, pousadas e hotéis de baixo padrão. O crescimento desses setores tem também íntima ligação com a exploração da prostituição. Outra atividade relevante para a economia da cidade, e que se vincula às dinâmicas da fronteira, é a extração de ouro. Se por um lado é tensa a presença dos garimpos ilegais na Guiana Francesa, explorados por brasileiros, por outro, a fabricação artesanal de joias de ouro e pedras preciosas é um segmento importante do comércio no Oiapoque e dinamizado pela presença de pequenas e microempresas reunidas numa Associação Comercial com relativa importância política. Os serviços públicos, municipais, estaduais e federais, também são relevantes na composição do painel econômico do Oiapoque, como empregadores da mão de obra local. A inauguração da Ponte Binacional abre possibilidades para o desenvolvimento econômico e social do Município, ressaltando suas atividades comerciais e permitindo novas oportunidades com o aproveitamento de seu potencial turístico. Contudo, as políticas públicas de instalação das infraestruturas transfronteiriças não vislumbram a inserção de mecanismos de desenvolvimento urbano em escala local. Desse modo, se existem perspectivas positivas, elas só serão viabilizadas por políticas estruturais socioeconômicas fomentadas a partir do contexto local; caso contrário, a cidade de Oiapoque pode ainda se tornar simples rota de passagem, com seu atual centro comercial isolado pelo posicionamento do ramal de acesso que liga a ponte diretamente à BR-156, sem passar pelo núcleo urbano, ou ainda o surgimento de uma nova cidade sob a influência do fluxo entre a rodovia e a ponte (Mapa 4 ). O enfrentamento dos impactos engendrados pelas novas dinâmicas fronteiriças na escala local não é instrumentalizado pelas políticas públicas federais ou estaduais. O Município de Oiapoque é que tem se debatido para articular sua inserção no novo cenário. No entanto, frágil

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administrativa e economicamente, o Oiapoque tem dificuldades em encontrar caminhos viáveis. Segundo Silva (2013, p. 195), nem para a própria prefeitura está claro como enfrentar os possíveis impactos decorrentes da construção da ponte e do asfaltamento da BR-156, que criam pendências a serem resolvidas, tais como a atividade informal dos operadores das catraias13 e a livre circulação das pessoas para o desenvolvimento de suas atividades diárias. A questão dos catraieiros que fazem a travessia na fronteira entre as cidades gêmeas de Oiapoque e Saint-Georges é outro impacto previsto pela construção da ponte, na medida em que suas funções poderão ser reduzidas. Cerca de 200 famílias subsistem dessa atividade 14, cujo fomento do turismo de aventura e do ecoturismo tem o potencial de absorver esse setor e poderia ser importante indutor do desenvolvimento endógeno. Contudo, o que se assiste é a intensificação do trabalho dos catraieiros para o transporte de cargas e pessoas que se dirigem para o garimpo ilegal na Guiana Francesa e também para o transito de pessoas entre Vila Vitória e Saint-Georges15. O aglomerado urbano, que também faz face ao lado francês, encontra-se em plena expansão e é indiferente à presença da ponte, onde a fiscalização deverá ser intensa. O fluxo fluvial entre Vila Vitória e Saint-Georges se constrói, assim, à revelia dos interesses de conexões trasnfronteiriças oficiais. Tal fluxo é uma resposta dos processos de interações transfronteiriças locais extraoficiais 16. A construção dos caminhos extraoficiais/legais de interação se explica pelo fato de que os investimentos infraestruturais que visam à integração interna e externa do Brasil são implantados sem dialogar ou pactuar com ações, programas ou políticas que reconheçam as especificidades da realidade das populações fronteiriças. A articulação das políticas públicas de integração econômica ocorre acima das instâncias institucionais municipais, notadamente dos entes fronteiriços (Amapá no lado brasileiro e a Guiana Francesa no lado francês). O pressuposto de que a cooperação transfronteiriça faz parte de uma política de integração física com objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social não encontra correspondência quando se trata das ações vinculadas à sociedade local. Os procedimentos e as estratégias organizados no âmbito da integração física se desenvolveram alheios à participação dos atores sociais locais. Decorrente disso, na análise de Correa (2012), parte dos sujeitos da zona de fronteira impactados buscam meios alternativos para sobreviver economicamente, ou ainda tais atores podem passar a ter a percepção de que o processo de cooperação e os projetos integradores representam uma ameaça à sua segurança, entendida aqui a partir de uma visão abrangente.

Catraia e uma pequena embarcação motorizada, que transporta pessoas e pequenas cargas entre Oiapoque (Brasil) e SaintGeorges (Guiana Francesa). 14 Informação obtida junto a Cooperativa Mista Fluvial de Catraieiros do Oiapoque (COMFCOI), em maio de 2013. 15De acordo com Tostes (2012), Vila Vitória foi a alternativa que os brasileiros encontraram para contornar a repressão policial francesa. 16 O aumento do fluxo pela via fluvial saindo de Vila Vitória foi observado em trabalho de campo realizado em maio de 2013. 13

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A questão da clandestinidade e do garimpo ilegal é outra temática de tensão, que tem se agravado no âmbito das relações transfronteiriças. A expectativa de vida em melhores condições ou a busca pelo “El Dorado” atrai brasileiros das camadas empobrecidas para a região. A partir desse contexto, as autoridades francesas reforçaram a presença militar no combate à extração ilegal do ouro e à clandestinidade. Por seu lado, o governo brasileiro organiza grandes ações como as operações Anaconda, Harpia e Ágata, que integram o Plano Estratégico de Fronteira (PEF) sob a coordenação do Ministério da Defesa. No ano de 2012, por exemplo, 2 militares franceses e um civil brasileiro foram mortos no combate ao garimpo ilegal, o que demostra a gravidade da situação. Para além dessa questão, no mapa dos crimes 17, a área de fronteira amapaense aparece marcada principalmente pelo contrabando, pela evasão de divisas, pelo tráfico de pessoas, pela exploração sexual infantil, pelo turismo sexual, pelos crimes ambientais dentre outros, que denotam a complexidade e o frágil controle sobre a fronteira, apesar da presença militar. Os equipamentos militares na fronteira do lado brasileiro estão focados em Clevelândia do Norte e um pelotão de fronteira em Vila Brasil. O Exército realiza ações ordinárias conjuntas, mas as dimensões da fronteira de sua porosidade dificultam a fiscalização. Além disso, dada a presença no Oiapoque da Polícia Federal e de instituições de fiscalização ambiental como IBAMA, ICMBio e outros, o poder de polícia concedido ao Exército para o combate aos ilícitos transfronteiriços é compreendido como uma ação subsidiária de responsabilidade compartilhada. As ações das políticas de defesa em sua vertente civil para incentivar o desenvolvimento local, como estratégia de defesa e segurança, são quase inexistentes no contexto do Oiapoque. O PCN nos últimos 10 anos executou uma única obra em 2003, em Clevelândia do Norte. O principal motivo é a inadimplência do Município de Oiapoque, que o impede de acessar os recursos do programa e a desqualificação dos servidores na condução do processo burocrático/administrativo. Mesmo diante desse quadro, Oiapoque tem importância na integração internacional, sendo importante do ponto de vista da defesa e da segurança. O Município promove ainda a ocupação da fronteira e é responsável pela manutenção ordinária das relações econômicas e sociais, que vivificam e garantem a soberania nacional na área lindeira. Contudo, recolhida à sua realidade, a cidade do Oiapoque se depara com a fragilidade do poder público em articular nas três esferas – Federal, Estadual e Municipal – o enfrentamento dos desafios para o seu desenvolvimento e o atendimento de suas necessidades básicas de vida.

Considerações Finais As reflexões apresentadas permitem indicar a ambiguidade presente nas políticas publicas para a fronteira, quando confrontadas com as reais condições socioeconômicas do Município de Oiapoque e a condição periférica do Estado do Amapá. Parte dessa ambiguidade fica evidente quando se confrontam os objetivos de desenvolvimento presentes nas políticas estatais com a carência da população local, no que concerne a políticas públicas resultantes de 17O

GLOBO. Mapa dos Crimes. Forças Armadas: modernização custa R$38 bi. 04/06/2011. 145

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ações articuladas entre instituições, atores e processos capazes de promover o atendimento emergencial em setores fundamentais, tais como saúde, educação e infraestrutura urbana, bem como a geração de emprego e renda. O que esse fato explicita é que os valores sociais, culturais e as necessidades locais não apresentam ascendência na organização do poder. As ideias que sustentam a nova arquitetura no campo estatal nacional em relação às fronteiras, no caso aqui, a fronteira Amapá-Guiana Francesa, não remetem ao desenvolvimento efetivo de novas estratégias e mecanismos participativos que contemplem os atores sociais locais. Mantêm-se, desse modo, as contradições entre desenvolvimento regional e crescimento econômico nacional.

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