INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E SISTEMA-MUNDO/COLONIAL: uma abordagem sob a perspectiva teórica de Immanuel Wallerstein e Aníbal Quijano

June 30, 2017 | Autor: Cynthia Carneiro | Categoria: International Law, International Migration, Direito da Integração
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INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E SISTEMA-MUNDO/COLONIAL: uma abordagem sob a
perspectiva teórica de Immanuel Wallerstein e Aníbal Quijano


Artigo apresentado no XII Congresso Internacional do FoMerco

Link: http://www.fomerco.com.br/2011/simposio/view?ID_SIMPOSIO=12






RESUMO: artigo analisa a integração regional sul-americana a partir dos
paradigmas teóricos formulados por Immanuel Wallerstein e Anibal Quijano,
autores que cunharam a expressão sistema-mundo/colonial para definir as
relações internacionais hierarquizadas que caracterizam o capitalismo
contemporâneo. Reporta-se à importância da colonização da América para a
estruturação deste modelo econômico, apontando que a idéia de raça, que
surge nesse período, contribui para a precarização das relações de
trabalho. Destaca que a posição subalterna e de exclusão de direitos leva a
ações que promovem, na esfera do Direito, o surgimento de normas que
contrariam a racionalidade do sistema-mundo, fenômeno também observado no
direito internacional. Exemplifica o fenômeno com princípios expressos pelo
direito internacional sul-americano destacados, nos últimos anos, pelos
organismos de integração.


Palavras-chave: integração alternativa ; sistema-mundo/colonial; América do
Sul




INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E SISTEMA-MUNDO/COLONIAL: uma abordagem sob a
perspectiva teórica de Immanuel Wallerstein e Aníbal Quijano

Cynthia Soares Carneiro[1]

1. Introdução
Apresenta-se aqui uma breve reflexão sobre o processo de
integração sul-americano na tentativa de determinar os seus aspectos
sistêmicos ou antissistêmicos em relação à funcionalidade do modelo
capitalista, baseado em mercados internacionais.
Esta questão foi suscitada quando das primeiras declarações
políticas relativas à instituição da União de Nações Sul-Americanas
(UNASUL), originariamente denominada Comunidade Sul-Americana de Nações,
iniciadas em 2004 pelo Grupo do Rio, Cúpula de Presidentes da América do
Sul, em sua terceira reunião, na cidade de Cuzco, Peru.
Naquela ocasião foi emitida a Declaração de Cuzco pela qual se
previa um novo organismo regional criado com o objetivo de efetivar a
integração econômica entre doze Estados da região, além de viabilizar a
convergência das instituições do Mercosul com aquelas da Comunidade
Andina.
As negociações deram, finalmente, origem ao tratado institutivo
da UNASUL, firmado em 23 de maio de 2008, em vigência desde 11 de março de
2011.
A questão que se coloca é se os organismos de integração
instituídos na América do Sul, CAN, Mercosul e Unasul, correspondem à
racionalidade do sistema-mundo moderno, baseado na integração planetária
pelo comércio, ou se os seus objetivos são mais audaciosos, correspondendo
aos preceitos estabelecidos pela Carta da OEA que prescrevem uma integração
capaz de promover o desenvolvimento integral dos povos americanos, isto é,
a busca do bem-estar e a realização plena de direitos sociais.
Tendo em vista que na última década a orientação política dos
governos da região tem procurado alternativas ao liberalismo que
caracterizou a década antecedente, marcada pelos ditames preconizados pelo
Consenso de Washington, o desafio é determinar que medidas podem, de fato,
caracterizar um modelo de integração igualmente alternativo àquele que
vinha sendo propugnado pelos organismos econômicos internacionais de
alcance global, como o FMI, Banco Mundial e OMC.
Para esta análise recorremos às categorias primárias do
capitalismo moderno, que chamamos de categorias sistêmicas, apontadas por
Immanuel Wallerstein e Anibal Quijano, para, então, determinar elementos
antissistêmicos presentes nos instrumentos jurídicos regionais. Como
categorias sistêmicas apontamos, nesta análise, a divisão internacional do
trabalho e produção e a competição internacional daí decorrente. Como
elementos antissistêmicos relacionados a estes aspectos apontamos a livre
circulação de trabalhadores e a função de subsidiariedade dos organismos
regionais na correção de assimetrias entre os Estados sul-americanos.


2. A América e a formação do sistema-mundo/colonial


A expressão sistema-mundo/colonial foi cunhada conjuntamente por
Immanuel Wallerstein e Aníbal Quijano. Wallerstein conceituou e analisou o
modelo econômico que, a partir da Europa, interligou todo o mundo pelo
comércio, denominando-o de "moderno sistema-mundo" (WALLERSTEIN:2001).
Aníbal Quijano introduziu o conceito de "colonialidade do poder" em seu
artigo "Colonialidad y modernidad/racionalidad", publicado originalmente na
Revista del Instituto Indigenista Peruano.[2] Posteriormente os autores
publicaram, em conjunto, o artigo "Americanity as a concept or the
Americanism in the Modern World System".[3]
Nesses estudos os autores constatam que a conquista europeia sobre
o território e povos americanos foi o grande evento que possibilitou tanto
o surgimento como o desenvolvimento do capitalismo. Este fenômeno, pela
primeira vez na História, conferiu centralidade ao continente europeu,
possibilitou a concentração de riqueza e renda nos recém criados Estados e
inaugurou uma estratificação internacional baseada no acúmulo de capital e
na natureza das atividades econômicas preponderantes. Esta diferenciação
hierarquizada promovida pelo sistema capitalista também estaria na origem,
segundo Quijano, da divisão social dos povos, estratificados em raças.
A conquista da América no século XVI, portanto, configura-se como
parte de um fenômeno revolucionário, pois foi essencial ao processo de
desconstrução das estruturas feudais europeias e das relações econômicas
que definiam suas características. Nesse processo, instituições políticas e
jurídicas consolidadas sofreram abalos em sua estrutura, embora fossem
definitivamente superadas apenas no final do século XVIII e início do XIX,
período marcado pela reacomodação dos Estados hegemônicos, consolidando-se
a centralidade britânica sobre a espanhola e portuguesa, e por violentas
rupturas durante o qual "tudo que era sólido se desmancha no ar"
(MARX:2001).
O novo arranjo europeu também alterou a organização política e
territorial na América iniciando-se o processo de autonomia dos nascentes
Estados americanos. Mudança, porém, que não implicou em ruptura com as
instituições paradigmáticas da moderninadade e sequer abalou os
tradicionais laços comerciais estabelecidos em três séculos de relação
colonial. A diferença era que, a partir de então, as relações comerciais se
estabeleceram com as novas nações coloniais: Inglaterra, França e Alemanha.
A manutenção do modelo agro-exportador completamente desvinculado
das demandas de consumo internas foi a opção política da elite criolla que
dele auferia vantagens. O isolamento dos novos Estados em relação aos seus
vizinhos foi consequência dessa opção, que revigorou e consolidou os
vínculos comerciais com os centros de produção ainda situados no continente
europeu.
As relações internacionais entre os Estados europeus e os Estados
americanos passaram a ser firmadas sobre a base jurídica de tratados que
conferiam preferências tributárias às manufaturas europeias, principalmente
de origem inglesa, estimulando as trocas entre as ex-colônias ibéricas e os
novos centros de economia industrial, que, nestes termos, puderam
igualmente consolidar e ampliar o seu alcance comercial. Em contrapartida,
as recém-declaradas soberanias concentraram sua produção em bens primários
consolidando o papel que lhes havia sido reservado no processo de
colonização.
Durante o século XIX, a acirrada disputa entre empresas européias
pelo mercado consumidor interno impunha a manutenção, pelos países centrais
da economia capitalista, dos liames comerciais com a América. Naquele
momento interessava à Inglaterra e França a autonomia política de cada um
desses novos Estados. Atribuir-lhes personalidade internacional significava
conferir-lhes a capacidade jurídica para firmar tais tratados
preferenciais.
Em razão desta estratégia, perfeitamente compatível com a
racionalidade sistêmica, ou seja, com o modus operandi do sistema-mundo
moderno, foram abortadas as tentativas de integração política inicialmente
engendradas, inviabilizando também qualquer tentativa de complementariedade
no âmbito do mercado interno americano.


2. As bases teóricas do pensamento de Wallerstein e Quijano


A transição do século XIX para o século XX é caracterizada pela
reconfiguração do espaço econômico no sistema-mundo/colonial.
Enquanto na Europa tratados firmados entre Estados fronteiriços
buscavam estabelecer zonas econômicas integradas e fortemente protegidas
por uma união aduaneira, projeto que possibilitaria aos Estados signatários
tanto a complementariedade produtiva intrarregional, como a diminuição da
concorrência em relação aos produtos extrarregionais, na América as mesmas
propostas eram incompatíveis com o papel que lhes havia sido reservado na
divisão internacional da produção, revelando-se, portanto, como
antissistêmicas.
Nesse contexto, uma Alemanha politicamente descentralizada integrou-
se economicamente pela instituição do Zollvenrein, aprofundando o processo
de integração política em curso que viria a se efetivar em 1870. Essa
integração política e econômica foi estimulada, ideologicamente, por um
radical discurso nacionalista.
Foi neste contexto que viveu Karl Marx, pensador ávido por
compreender as transformações que testemunhava.
A incursão de Marx nos estudos da Economia, que passou a priorizar
em relação ao Direito e a Filosofia, seus campos originários, deu-se,
justamente, pela percepção do caráter eminentemente econômico dos fenômenos
de natureza política e jurídica que estava assistindo.[4]
A importância das relações econômicas internacionais para a
estruturação do modelo capitalista, destacada por Wallerstein como
principal categoria sistêmica, é apontada por Marx desde os seus primeiros
escritos, quando jovem. Apontamos, aqui, a clássica passagem do Manifesto
Comunista sobre o poder revolucionário das relações internacionais da
burguesia[5] e seus estudos preparatórios para O Capital, quando relaciona
os caracteres definidores do capitalismo.[6]
A formação do Estado nacional e sua rearticulação, no século XIX,
como Estado de Direito, justamente para a superação jurídica de privilégios
nobiliárquicos, foram fenômenos necessários à estruturação do sistema-mundo
moderno. O Estado militar westfaliano legitimou-se pela ideia de nação.
Portanto, conceitos relativos à nacionalidade são produtos ideológicos, ou
seja, um povo se compreende como nação por intervenção estatal. Esta
proposição, abordada por Marx (MARX; ENGELS. 135., foi desenvolvida por
Quijano na sua análise das conseqüências sociais do colonialismo na
América.


3. Sistema-mundo e integração regional


A racionalidade e a dinâmica das estruturas econômicas conferem-lhe
estabilidade, ou seja, dificultam o desenvolvimento das condições e a
consolidação dos elementos antissistêmicos que possibilitariam sua
suprassunção. Neste sentido, a integração sócio-econômica entre Estados que
sofreram o processo de colonização moderna, desde suas primeiras
tentativas, tem encontrado dificuldades para se efetivar, já que contrariam
a lógica estabelecida pela funcionalidade do sistema-mundo moderno. O que
se espera é que os Estados colonizados se mantenham preferencialmente
vinculados à sua antiga metrópole ou à outra que a tenha substituído.
De fato, o que pode ser observado é que os organismos de integração
regional sul-americanos atendem, efetivamente, apenas aos interesses de
empresas multinacionais atuantes na região. Neste sentido, a finalidade de
um organismo de integração é uniformizar o ordenamento regulatório
intrarregional de maneira a conferir garantias jurídicas aos negócios,
harmonizando suas normas com padrões internacionais fixados segundo
interesses de empresas que atuam no mercado global.
Os projetos anteriores frustraram em seus objetivos. A tentativa
bolivarista, a integração comercial projetada pela União Panamericana e,
posteriormente, os projetos cepalistas não se efetivaram. No entanto,
recentemente, os organismos regionais de integração têm enfrentado questões
que são potencialmente antissistêmicas como a livre circulação de
trabalhadores no interior do espaço intrarregional e a função de
subsidiariedade da organização regional em relação aos Estados Membros, o
que possibilita a correção de assimetrias e o desenvolvimento equilibrado
de todo o bloco.
O desenvolvimento institucional destes dois aspectos deve ser
criteriosamente acompanhado para que se analise a efetiva dimensão de seus
efeitos.
A livre circulação de trabalhadores pode, de fato, desencadear
brechas disruptivas no sistema-mundo organizado pelos Estados, diluindo
suas fronteiras, mas também pode recrudescer seus aspectos colonialistas
traduzindo-se no aumento da precarização das relações trabalhistas.
A função de subsidiariedade pode, por sua vez, diluir a divisão
internacional da produção e a estratificação estatal, estabelecendo uma
efetiva cooperação internacional, como pode também viabilizar a intervenção
dos organismos internacionais em relação aos Estados Membros do bloco de
integração, no interesse do capital financeiro internacional.
3.1. Livre-circulação e precarização do trabalho
Desde a origem do Estado moderno e, consequentemente, do sistema-
mundo, o estigma do outro, o diferente e inferior, vem sendo reforçado.
A ideia de nação, vetor ideológico de uniformização das relações
internas ao Estado, tem como efeito o recrudescimento da xenofobia,
cerrando tanto as fronteiras materiais como as imateriais entre os povos.
Das regiões colonizadas, periféricas e subdesenvolvidas provém um povo e,
portanto, um trabalhador, de segunda categoria. A divisão internacional da
produção, aspecto categórico ao sistema-mundo, também se sustenta nesta
precarização sócio-racial do trabalho.[7]
Na América, o trabalhador autóctone sofreu, primeiramente, a
opressora onda migratória européia para, posteriormente, sofrer o estigma
da bestialização em razão da ideia de raça desenvolvida pela antropologia
positivista. Conseqüentemente, quando hoje opta pela migração inversa,
continua submetido, no país de sua escolha, à condições ainda mais
discriminatórias do que as do seu lugar de origem. Nos Estados de
imigração, o trabalhador estrangeiro integrará a denominada superpopulação
relativa, e se sujeitará a condições de trabalho diferenciadas,
permanecendo marginalizado do sistema de direitos arduamente conquistados.
Garante-se, assim, pressão permanente, por exemplo, por salários baixos,
tanto para a população local, como também, e principalmente, para o
trabalhador migrante.[8]


3.2 Supranacionalidade e subsidiariedade
A permanência do caráter concorrencial e colonialista inerentes ao
sistema mundial econômico evidencia-se nos procedimentos estabelecidos
pelos organismos econômicos financeiros de alcance global, que atendem, na
prática, aos interesses das grandes empresas sediadas nas zonas centrais do
capitalismo mundial.
Também podem ser constatada pelo fato de que a ampla mobilidade do
capital não implica na sua desnacionalização e distribuição e na percepção
de que o avanço tecnológico que levou à facilitação dos negócios e redução
das distâncias veio, igualmente, acompanhado da desindustrialização e
aumento das reservas de mão-de-obra nas regiões centrais, o que tem levado
à desconstituição de direitos sociais.
Este é o contexto em que se desenrola a terceira tentativa de
integração econômica entre os Estados sul-americanos.
A primeira tentativa deu-se quando da reorganização das hegemonias
europeias, em meados do século XIX. A segunda foi empreendida um século
depois, no pós-guerra, também em meio a uma nova reacomodação das forças
produtivas. Em 1960, sob inspiração da Comissão Econômica para a América
Latina (CEPAL), formada no âmbito das Nações Unidas, foi instituída a
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC).
Frustradas as tentativas de sua institucionalização, a ALALC foi
sucedida, em 1980, pela Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e
Integração (ALADI), um projeto mais ambicioso do que o originário.
Na ALADI foram negociados e instituídos os acordos parciais que
criaram a Comunidade Andina (CAN) e a Organização dos Estados Centro-
Americanos (ODECA), que alteraram sua arquitetura institucional em tratados
negociados a partir da década de 1990, que resultaram no Sistema de
Integraçãoa Andino e no Sistema de Integração Centro-Americano (SICA).
Neste contexto também foi criado o MERCOSUL.
Neste terceiro momento, o projeto de integração dos Estados sul-
americanos em tudo parecia corresponder ao modelo de integração regional
sistêmica. Sua dinâmica e moldura institucional correspondia estritamente
aos objetivos propugnados pelos organismos econômicos globais, também
rearticulados no decorrer das décadas de 1980 e 1990, período em que foram
estabelecidos os Planos de Ajuste Estrutural implantados em razão de
acordos firmados entre os governos da região e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), com o suporte Banco Mundial.
Assim é que a integração instituída na década do denominado
Consenso de Washington finalmente desencadeou o processo de
institucionalização dos organismos regionais, adequando-os aos preceitos
estabelecidos pelos organismos finaceiros mundiais. Desta feita, a
governança global exercida pela recém aperfeiçoada tríade FMI, Banco
Mundial e OMC estabeleceu uma centralidade capaz de criar modelos e regras
que tem harmonizado instituições regionais e estatais, estabelecendo uma
base normativa necessária às atividades econômicas transnacionais.
O sistema-mundo, de fato, sempre necessitou de um direito
internacional responsável por sua regulação. Por isso, o desenvolvimento de
um e de outro é concomitante (WALLERSTEIN:2001).
Um sistema jurídico-econômico unificado justifica-se pela
necessidade de se conferir segurança jurídica aos contratos comerciais
firmados no âmbito interno e no âmbito extraterritorial e pela necessidade
de harmonização tributária e consolidação, em nível global, de tarifas
únicas de importação e exportação, o que garante a efetivação do livre-
comércio, principal objetivo das organizações internacionais econômicas,
conforme expresso nos seus tratados institutivos.
A racionalidade sistêmica dos tratados que instituem zonas de livre-
comércio, uniões aduaneiras e espaços de mercado comum é garantida,
justamente, pela centralização das decisões econômicas em órgãos de caráter
supranacional, na esfera dos quais orbitam os organismos regionais de
integração instituídos na América do Sul. Uma centralização que, vista sob
perspectiva de um processo histórico de longa duração, confere continuidade
e estabilidade à centralização e unificação jurídica iniciada com a
formação dos Estados modernos.
A União Européia, paradigma para a integração de Estados sul-
americanos, já evidencia os limites sistêmicos do fenômeno. Com o
alargamento e ingresso dos Estados periféricos europeus evidenciou-se a
concentração de capital, os limites das políticas de correção de
assimetrias implantadas nos países periféricos do capitalismo europeu e a
precarização de direitos, observada nas relações de trabalho e no sistema
previdenciário. A crise que acomete os Estados pobres da União faz com que
suas instâncias reavaliem tanto os mecanismos de correção de assimetrias
como a efetivação da livre circulação de trabalhadores intrabloco.
Neste sentido, um sistema de integração econômica que tem como
efeito prático a concentração do capital em uma ponta com concomitante
precarização de direitos sociais em outra confere permanência à
funcionalidade do sistema-mundo moderno, além de demonstrar a atualidade da
teoria econômica proposta pro Karl Marx, reformulada por pensadores como
Wallerstein e Quijano.[9]
Aliás, crises desta natureza são inerentes e necessárias à
funcionalidade do sistema-mundo. Em seu Manifesto Comunista Engels e Marx
já escreviam: "Como a burguesia supera as crises? De uma parte, pelo
aniquilamento forçado de um enorme contingente de forças produtivas; de
outra, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais acirrada dos
antigos. Por intermédio de quê? Preparando crises mais extensas e mais
violentas e reduzindo os meios de preveni-las."[10]

4. Elementos disruptivos no direito de integração


Marx constatou que o Direito, apesar de atender à estrutura
funcional sócio-econômica, também é capaz de estabelecer instituições
hábeis a pressionar a racionalidade do modelo de produção. [11]
Normas antissistêmicas são positivadas quando a pressão do
movimento social é suficiente para repercutir nas instituições políticas.
Portanto, o Direito, como superestrutura, ao mesmo tempo que
organiza e regula o modelo econômico, também expressa, por meio de seus
dispositivos, o conflito de interesses no âmbito de uma sociedade.
Se o fenômeno ocorre no plano interno, ocorrerá também, em
condições específicas, na sociedade internacional que compõe o sistema-
mundo. Neste sentido, a análise do direito regional sul-americano, desde
sua origem, é reveladora.
A expressão jurídica da solidariedade e cooperação internacional,
princípios formulados desde os seus primórdios, no século XIX, são
exemplos de reação à lógica sistêmica e vem reiterados pela Carta de
Bogotá, convenção que, em 1948, criou a Organização dos Estados Americanos
(OEA).
Na América, a grande emigração promovida pela conquista europeia
resultou em uma sociedade complexa e multicultural. Neste processo,
conferiu-se aos brancos portugueses e espanhóis um estatuto de igualdade
racial que implicou, por outro lado, na subordinação socio-econômica das
populações originárias, que, embora diversas entre si, foram igualmente
unificadas e identificadas no conceito genérico de populações ou
comunidades indígenas.[12]
Da mesma forma que ocorreu na América, primeiro produto histórico do
sistema-mundo/colonial, a racionalidade sistêmica também levou à
classificação e estratificação dos demais povos do planeta[13], o que
definiu uma configuração étnica para a pobreza, fenômeno identificado como
uma colonização racial interna manifesta nas relações econômicas e expressa
no ordenamento jurídico.[14]
Estados como a Bolívia e o Peru, na América do Sul, e Guatemala,
Haiti, República Dominicana, Granada, Jamaica, na América Central, que tem
a maior parte da população constituída por indígenas ou negros, são também
os mais pobres da região.[15]
Mais, regiões majoritariamente formadas por afro-descendentes são, até
hoje, mantidas com o status jurídico de "possessões ultra-marinhas"
administradas por um Governador-Geral nomeado pela Rainha da Inglaterra, ou
seja, ainda permanecem com o status jurídico de colônias. É o caso das
ilhas caribenhas Antigua e Barbuda, cuja população de cerca de 81 mil
habitantes é composta por 91,3% de negros; das Bahamas, arquipélago que
liga Cuba à Flórida, com uma população de 323 mil pessoas, 86% delas
negras; Belize, micro-estado colonial com apenas 22,8 km2 situado entre o
México e a Guatemala, que chegou a ter, até1970, uma única empresa
controlando 50% do seu território, a Belize State Co.[16]
Mesmo nos pólos de concentração do capital financeiro, como Bermudas e
Bahamas, a população negra somente foi incorporada ao processo político à
partir da década de 1950, e, invariavelemente, ainda ocupam postos de
trabalho subalternos. Nos centros de prestação de serviço, sofrem com o
desemprego crônico, evidenciando sua carência de qualificação básica. Em
Bahamas, somente na década de 1980, os principais partidos políticos
passaram a se constituir majoritariamente por negros. São também as maiores
vítimas do projeto econômico implantado pelos governos da região à partir
da década de 1990 e que resultou na instituição dos organismos de
integração regional vigentes.
Conforme constatado pelas próprias organizações internacionais
responsáveis pelo monitoramento dos Planos de Ajuste Estrutural, o projeto
implantado na América do Sul só fez acirrar suas desigualdades. A conclusão
é dos técnicos do Banco Mundial.[17]
A incorporação deste contingente de pessoas ao processo político já se
manifesta na formação dos governos da região. Fato que, associado à
falência do projeto liberal implantado nas últimas décadas, tem também
possibilitado a reformulação dos preceitos orientadores dos organismos
regionais.


Conclusão


O protagonismo da América do Sul no processo de constituição do
moderno sistema-mundo/colonial possibilita ao observador do desenvolvimento
do direito de integração identificar nos tratados e instituições regionais
normas que estabeleceram princípios antinômicos à funcionalidade do modelo
econômico.
O preceito jurídico de solidariedade regional, permanentemente
ratificado em atos de natureza jurídica ou em declarações oficiais de
Chefes de Estado, tem se manifesto numa arquitetura de organismos de
integração para o desenvovimento integral dos países da região, o que
requer tanto instituições eficazes como ações concretas para a correção das
assimetrias regionais.
Solidaridade e cooperação para o desenvolvimento integral constituem
os princípios e propósitos expressos pelo direito regional de integração.
Tem sido assim desde as primeiras conferências internacionais do século
XIX.
O principio da solidariedade traduz-se na função de subsidiariedade
das diversas instâncias jurídicas que tem se materializado em organismos de
integração desde a União Panamericana até ser expesso pela Carta da OEA. A
OEA, por sua vez, estabele a base da ALALC, CAN, ALADI, MERCOSUL e UNASUL.
Apesar da unidade conferida pela história comum de inserção no
processo histórico de formação do capitalismo (WALLERSTEIN:1989 ), a
complexidade cultural e heterogeneidade estrutural nesse vasto território
tem também possibilitado uma radical descentralização do poder, o que vem
acompanhado de mecanismos jurídicos de reconhecimento e emancipação de
grande parcela da população históricamente excluída com instituição de
mecanismos de participação popular que desconfiguram o modelo de Estado
centralizado e formalmente representativo, pilar do sistema-mundo moderno.
É nesse sentido que avança no constitucionalismos sul-americano e,
especialmente, nas recém promulgadas Constituições do Equador e da Bolivia,
mas também nas Constituições da Venezuela e Colômbia, normas de natureza
disruputiva, antissistêmicas ao modelo global moderno. O Estado
plurinacional é a síntese e o melhor exemplo de instituição disruptiva.
A abordagem desses fenômenos juridicos sul-americanos, sob a
perspectiva das categorias previamente estabelecidas por Hegel e Marx e
posteriormente desenvolvidas por Wallerstein pemite-nos dimensionar o
impacto real das trasformações pelas quais passam suas instituições
políticas e a natureza do processo de integração em curso.


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________. O fim do mundo como o concebemos: ciência social para o século
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________. Após o liberalismo: uma busca da reconstrução do mundo.
Petrópolis: Vozes, 2002.
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[1] Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo e em Direito pela Faculdade de Direito
de Franca, mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca, e
doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais. Atualmente é Professora de Direito Internacional
da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, USP.
[2] Revista Del Instituto Indigenista Peruano n. 13 (29), Lima, 1992, p. 11-
20
no International Journal of Social Sciences, n. 134, Paris:Unesco/Eres,
nov., 1992, p. 617-627.
[3] International Journal of Social Sciences, n. 134, Paris:Unesco/Eres,
nov., 1992, p. 617-627.

[4] "As deliberações do Parlamente renano sobre o roubo de madeira e
parcelamento da propriedade fundiária, a polêmica oficial que o Sr. Von
Schaper, então governador da província renana, abriu com a Gazeta Renana,
sobre a situação dos camponeses do Vale do Mosela, e finalmente os debates
sobre o livre-comércio e proteção aduaneira, deram-me os primeiros motivos
para ocupar-me de questões econômicas". (MARX. Para a crítica da economia
política.
[5] No Manifesto, em 1848, registra: "Pressionada pela necessidade de
mercados sempre mais extensos para seus produtos, a burguesia conquista a
terra inteira. Tem que se imiscuir em toda a parte, instalar-se em toda a
parte, criar relações em toda parte. Pela exploração do mercado mundial, a
burguesia tornou cosmopolita a produção e o consumo de todos os países.
Para grande pesar dos reacionários, retirou da indústria sua base nacional.
As antigas indústrias nacionais foram aniquiladas e ainda continuam a ser
nos dias de hoje. São suplantadas por novas indústrias cuja introdução se
torna uma questão de vida ou morte para todas as nações civilizadas: essas
indústrias não empregam mais matérias-primas locais, mas matérias-primas
provenientes das mais longínquas regiões, e seus produtos acabados não são
mais consumidos somente in loco, mas tem todas as partes do mundo, ao mesmo
tempo. As antigas necessidades, antes satisfeitas pelos produtos locais,
dão lugar a novas necessidades que exigem, para sua satisfação, produtos
dos países e dos climas mais remotos. A auto-suficiência e o isolamento
regional e nacional de outrora deram lugar a um intercâmbio generalizado, a
uma interdependência geral entre as nações. Isso vale tanto para as
produções materiais quanto para as intelectuais. Os produtos intelectuais
de cada nação tornam-se um bem comum. O espírito nacional tacanho e
limitado torna-se cada dia mais inviável, e da soma das literaturas
nacionais e regionais cria-se uma literatura mundial. Pelo rápido
desenvolvimento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações
infinitamente facilitadas, a burguesia impele todas as nações, mesmo as
mais bárbaras, para a torrente da civilização. Os preços baixos de suas
mercadorias são a artilharia pesada que derruba todas as muralhas da China,
que obriga os bárbaros xenófobos mais renitentes a capitularem. Obriga
todas as nações, sob pena de arruinarem-se, a adotarem o modo de produção
burguesa; obriga-as a introduzirem em seu seio a chamada civilização, isto
é, compele-as a tornarem-se burguesas. Em suma, plasma um mundo à sua
própria imagem". (MARX; ENGELS. Manifesto do partido comunista: 1948.
ob.cit. p. 29-32.)
[6] Segundo Marx: "(...) 2º. as categorias que constituem a articulação
interna da sociedade burguesa e sobre as quais se assentam as classes
fundamentais. Capital, trabalho assalariado, propriedade fundiária. Seus
relacionamentos recíprocos. Cidade e campo. As três grandes classes
sociais. O intercâmbio entre elas. A circulação. O sistema de crédito
(privado); 3º. Sintese da sociedade burguesa na forma de Estado.
Considerado em seu relacionamento consigo mesmo. As classes 'improdutivas'.
Os impostos. A dívida pública. O crédito público. A população. As colônias.
A imigração; 4º. Relações internacionais de producão. A divisão
internacional do trabalho. O intercâmbio internacional. A exportação e a
importação. A cotização do câmbio; 5º. O mercado mundial e as crises."
(MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. 4. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1987, p. 22-23. (Os pensadores: Marx I). E ainda: "Considero o
sistema da economia burguesa nesta ordem: capital, propriedade fundiária,
trabalho assalariado; Estado, comércio exterior, mercado mundial". MARX,
Karl. Prefacio [à Introdução à Crítica da Economia política]. 4. ed. São
Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 27. (Los pensadores: Marx I).
[7] Sobre a origem do Estado Nacional europeu Aníbal Quijano observa: "A
Coroa, isso é, os Habsburgos, donos coloniais das colossais riquezas que a
América produzia e do inesgotável trabalho gratuito dos 'negros' escravos e
de criados 'indios' , persuadiram-se de que se tivessem o controle dessas
riquezas poderiam expulsar os 'mouros' e os 'judeus' sem perda maior e, ao
contrário, com efetivo ganho no controle do poder. Isso os levou a des-
democratizar pela violência a vida social das comunidades independentes e a
impor sobre as outras identidades nacionais (catalães, bascos, andaluzes,
galegos, navarros, valencianos) um colonialismo interno." (QUIJANO, A. Os
fantasmas da América Latina. IN: NOVAES, A. (org.) Oito visões da América
Latina. SP: Senac, 2006, p. 54-55).
[8] Segundo Quijano: "O novo sistema de dominação social teve como elemento
fundamental a idéia de raça. Essa é a primeira categoria social da
modernidade. Já que não existe previamente – não há rastros eficientes
dessa existência -, não tinha então, como tampouco tem agora, nada em comum
com a materialidade do universo conhecido. Foi um produto mental e social
específico desse processo de destruição de um mundo histórico e de
estabelecimento de uma nova ordem, de um novo padrão de poder, e emergiu
como um modo de naturalização das novas relações de poder impostas aos
sobreviventes desse mundo em destruição: a idéia de que os dominados são o
que são, não como vítimas de um conflito de poder, mas sim como inferiores
em sua natureza material e, por isso, em sua capacidade de produção
histórico-cultural. Essa idéia de raça foi tão profunda e continuamente
imposta nos séculos seguintes sobre o conjunto da espécie, que para muitos,
lamentavelmente muitos mesmo, ficou associada não só à materialidade das
relações sociais, mas à materialidade das próprias pessoas." (QUIJANO, A.
ibdem. ibdem. p. 62.)
[9] "Uma vez que a divisão social do trabalho consistia na associação
conjunta de todas as formas historicamente conhecidas em um único sistema
de produção de mercadorias para o mercado mundial, e em exclusivo benefício
dos controladores do poder, ninguém, nenhum indivíduo da espécie, em nenhum
lugar do planeta ficava à margem desse sistema. Poderiam mudar de lugar
dentro do sistema, mas não ficar fora dele. Emergia, pois, também o
primeiro sistema global de exploração da história: o capitalismo mundial.
Por outro lado, esse novo padrão de poder que se baseava na articulação dos
novos sistemas de dominação social e de exploração do trabalho se
constituía e configurava como um produto central da relação colonial
imposta na América. Sem ela, sem a violência colonial, não teria sido
possível a integração entre esses povos. Assim, a colonialidade era – é – o
traço central inerente, inescapável, do novo padrão de poder que foi
produzido na América. Nisso se baseava e se baseia sua globalidade."
(QUIJANO, A. ob.cit. p. 69-70).
[10] ENGES; MARX. Manifesto. ob.cit. p. 34.
[11] ENGELS; MARX. Manifesto. ob.cit. p. 40. "aproveita-se das divisões
internas da burguesia para forçá-la a reconhecer, sob forma de leis, certos
interesses particulares dos operários."

[12] "A produção histórica da América Latina começa com a destruição de
todo um mundo histórico, provavelmente a maior destruição sociocultural e
demográfica da história que chegou ao nosso conhecimento. Esse é,
obviamente, um dado conhecido por todos. (...) permitam-me apenas recordar
que se trata, primeiro, da desintegração dos padrões de poder e de
civilização de algumas das mais avançadas experiências históricas da
espécie. Segundo, do extermínio físico, em pouco mais de três décadas, as
primeiras do século XVI, de mais da metade da população dessas sociedades,
cujo total, imediatamente antes de sua destruição é estimado em mais de 100
milhões de pessoas. Terceiro, da eliminação deliberada de muitos dos mais
importantes produtores, não apenas portadores, daquelas experiências, seus
dirigentes, intelectuais, engenheiros, cientistas, artistas. Quarto, da
continuada repressão material e subjetiva dos sobreviventes, durante os
seguintes séculos, até submete-los à condição de camponeses iletrados,
explorados e culturalmente colonizados e dependentes. Ou seja, até o
desaparecimento de qualquer padrão livre e autônomo de objetivação de
idéias, imagens, símbolos. Em outras palavras, de símbolos, alfabeto,
escrita, artes visuais, sonoras e audiovisuais. Uma das mais ricas heranças
intelectuais e artísticas da espécie não foi só destruída, como também e
sobretudo sua parte mais elaborada, mais desenvolvida e avançada ficou
inacessível para os sobreviventes desse mundo. Mais adiante, e até não há
muito, esses sobreviventes não poderiam ter ou produzir sinais e símbolos
próprios senão nas distorções da clandestinidade ou nessa peculiar
dialética entre a imitação e a subversão, característica do conflito
cultural, principalmente nas regiões andino-amazônica, meso e norte-
americanas. (...) A vasta e plural hsitória de identidades e memórias (seus
nomes mais famosos são conhecidos de todos: maias, astecas, incas) do mundo
conquistado foi deliberadamente destruída, e a toda a população
sobrevivente foi imposta uma única identidade racial, colonial e
derrogatória - ´índios'. Assim, além da destruição de seu prévio mundo
histórico-cultural, a esses povos foi imposta a idéia de raça e uma
identidade racial, como emblema de seu novo lugar no universo do poder. E,
pior, durante quinhentos anos foram ensinados a se olhar com o olho do
dominador." (QUIJANO, A. ob.cit. p. 60-62)
[13] "Durante a expansão do colonialismo europeu, novas identidades
históricas, sociais e geoculturais serão criadas sobre os mesmos
fundamentos. De um lado a 'índios', 'negros' e 'mestiços' se acrescentarão
' amarelos', 'oliváceos' ou 'azeitonados'. Por outro lado, começará a
emergir uma nova geografia do poder, com sua nova nomenclarura: Europa,
Europa ocidental, América, Ásia, África, Oceania, e de outro modo,
Ocidente, Oriente, Oriente Médio, Extremo Oriente e suas respectivas
'culturas', 'nacionalidades' e 'etnicidades'. (QUIJANO, A. ob.cit. p. 66)
[14] Corroborando os argumentos de Aníbal Quijano, informações coletadas no
verbete sobre a Bolívia na Enciclopédia Contemporânea da América Latina e
do Caribe: "Um elemento decisivo para entender as características da
posterior institucionalidade republicana encontram-se no fato de que os
setores populares ficaram à margem da sua formação. No caso dos povos
indígenas, que constituíam 90% da população total, suas elites políticas
foram destruídas após a tentativa de emancipação e de formação de uma
república indígena aimará, dirigida pelo caudilho Tupac Katari, em 1781. Em
outros setores populares de pequenos proprietários que haviam participado
da guerra de guerrilha contra os espanhóis, de mais de cem líderes
regionais, só três ficaram com vida para participar do momento da fundação
do Estado. (...) Não obstante ter sido discutida a questão dos direitos
políticos dos indígenas, até 1952, os índios não podiam votar nem ser
eleitos para funções públicas, devido à vigência de um sistema 'censitário'
que excluía desses direitos os que não sabiam ler ou escrever, os que não
tinham uma renda mínima e estavam em relação de servidão, isto é, os
índios.". (SADER, E; JINKINGS, I.: 2006, p. 189 e 190).
[15] O PIB per capita na Bolívia, em dados de 2003, é de U$ 939,4; no Peru,
US$ 2.430,6; na Guatemala, US$ 1.573,9; no Haiti, US$ 411,6; na República
Dominicana, de US$ 2.120,00; em Granada, de US$ 3.970,1 e, finalmente, na
Jamaica, de US$ 2.504,8. (SADER, E; JINKINGS: 2006)
[16] Os dados estão referenciados nos relatórios elaborados pelo Banco
Mundial (FERRANTI, D.; PERRY, G.E.;FERREIRA, F.H.G; WALTON, M. Inequality
in Latin América: breaking with history? Washington D.C: World Bank, 2004,
p. 77-83; complementados pelos indicadores encontrados nos verbetes
correspondents da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.
[17] "Sin embargo, no solo se esperaba que la globalización y las reformas
de 'primera generación' aumentaran las tasas de crecimiento económico, sino
que además disminuyeran de manera significativa la pobreza y la inequidad.
De hecho, se confiaba en que el flujo de capital y el crecimiento de las
exportaciones promoverían el desarrollo de los sectores con un uso
intensivo de mano de obra. Esto no ocurrió. Las reformas efectivamente
hicieron disminuir los índices de pobreza, pero esta evolución más bien
parece haber sido consecuencia de la disminución de las tasas de inflación
y de un modesto crecimiento y no de las consecuencias redistributivas de la
liberalización financiera y comercial. En especial, este resurgimiento del
crecimiento no estuvo asociado a una fuerte demanda por mano de obra en el
sector formal (en muchos países aumentó ya sea el desempleo formal o el
empleo informal; el crecimiento de las exportaciones ha estado concentrado
en los sectores de uso intensivo de recursos naturales; y la brecha
salarial entre la mano de obra calificada y no calificada parece haber
aumentado. Por consiguiente, los problemas de distribución de ingresos no
han mejorado en muchos países y han empeorado en otros, generando índices
de pobreza que se mantienen a niveles inaceptablemente altos. Más aún, la
inseguridad económica para los pobres y la clase media, vinculada a la
inseguridad laboral y la volatilidad de los ingresos, ha tendido a crecer."
(BURKI, S.J.; PERRY, G.E; et.al. Más allá del consenso de Washington: a
hora de la reforma institucional. Washington D.C: Banco Mundial, 1998, p. 1-
2.)
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