Inteligibidade e Evidência

September 19, 2017 | Autor: Luisa Coutosoares | Categoria: Philosophy
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Int e lig ib ilid a d e e e v id ê nc ia O p e rc urs o f ilo s ó f ic o d e F e rna nd o Gil

Ma ria Luís a Co ut o S o a re s U niv e rs id a d e N o v a d e Lis b o a

“U m f iló s o f o d ig n o d e s t e n o me n un c a d is s e s e n ão uma únic a c o is a : e a ind a , p ro c uro u ma is d iz ê - la d o q ue a d is s e v e rd a d e ira me nt e ” – Fe r nando Gil tinha uma pr e fe r ência e s pe c ial por e s ta fr as e de Be r gs on. Ela e x pr ime uma ide ia que , de ce r to modo, r e gulou todo o s e u tr abalho filos ófico e s e r ve por is s o de filão par a o br e ve itine r ár io que me pr oponho s e guir a o longo da vida , pe ns ame nto e obr a de Fe r nando Gil. Não me vou r e s tr ingir ape nas à obr a e s cr ita que nos de ix ou, mas invocar e i também r e cor daçõe s que guar de i na me mór ia do contacto que tive com Fe r nando Gil ao longo de mais de vinte anos : tive - o como P r ofe s s or nos Se minár ios de Me s tr ado, nos a nos 84- 87, be ne ficie i da s ua or ie ntação par a as te s e s de Me s tr a do e Doutor a me nto, do s e u e s tímulo c ons ta nte e da s ua ins pir a ção pa r a o tr a ba lho inte le c tual. T ive o pr ivilégio de c ola bor a r com Fe r na ndo Gil no Cons e lho de Re dacção da r e vis ta A nális e , qe e le fundou e dir igiu dur a nte mais de 20 anos , de par tic ipar na or ga niza ção de a lguns Colóquios , e s obr e tudo muitas ocas iõe s par a um diálogo e s timulante s obr e te ma s de filos ofia , e não s ó: lite r a tur a , a r te , mús ic a . E s obr e cois as da vida.

2

É por is s o c om gr atidão e s audade que vou te ntar r e cor dar a s ua pe s s oa , a s ua inte ligê nc ia fe c unda , a guda , r ápida , o s e u modo de pe ns ar , os s e us e s cr itos . Numa e ntr e vis ta de 2000, publicada e m A ce ntos , à pe r gunta s obr e o que ficar ia de s i, Fe r nando Gil r e s ponde u laconicame nte : “Ah!, nada.” Re s pos ta s ince r a, e s pontâne a, e x pr e s s ão de um pr ofundo s e ntido das r e alidade s , s e m dúvida. E, no e ntanto, tanta cois a ficou... Que m le r com ate nção a obr a de Fe r nando Gil pode e ncontr ar ne la um e x e mplo da fr as e de Be r gs on citada no início: na dive r s idade e var ie dade dos s e us e s cr itos há ide ias for te s , matr iciais , r e cor r e nte s de s de as pr ime ir as publicaçõe s – A prox im ação A ntropológica, A Lógica do N om e – até ao T ratado da Ev idência, A Conv icção e os ultimos e s cr itos dos A ce ntos .

O s e u pe r fil filos ófico mos tr a- o como o pe ns ador infatigáve l da e vidência, da pr ova, da fundação, dos contor nos da r acionalidade . Ate nto não



aos

pr oce s s os

for mais

do

s abe r ,

mas

também

à

s ua

conte x tualização, pe ns ou s e mpr e no de s tinatár io dos dis cur s os r acionais , nos factor e s s ociais , na prax is humana da compr e e ns ão. Inte r e s s ava - lhe s obr e tudo o ponto onde a r acionalidade abr e par a a ‘ir r acionalidade ’, os ‘bur acos ne gr os ’ que os pos itivis tas r e me te m par a a poe s ia e as ar te s 1 . Por is s o, a par da bus ca da r acionalidade e s ua fundação, e ncontr amos e m Fe r nando Gil o humanis ta, apr e ciador da poe s ia, da mús ica e de todas as ar te s . Es tou a pe ns ar por e x e mplo nos be los te x tos s obr e Be r nar dim Ribe ir o, Sá de Mir anda, e Camõe s e m V iage ns do Olhar, no que e s cr e ve u s obr e pintur a e fotogr afia – Me ne z, Jor ge Mar tins , Júlio Pomar , Cas te llo Lope s , e no livr o de par ce r ia com Már io Vie ir a de Car valho A 4 Mãos , s obr e mús ica. Pe r cor r e u as dive r s as e var iadas for mas de r e ve lação do humano e o s e u pe r cur s o inte le ctual foi mar cado pe la ide ia de e x pr e s s ão: 1

Cfr A c e ntos , INCM, 2 0 0 5 , p. 4 9 .

3 e s ta r e ve la, e r e ve la- s e por , um e x ce s s o de s e r 2 . Os e x ce s s os , s ó pode m s e r ditos pe la poe s ia, pe la mús ica 3 e pe la ar te . Convocam a ate nção pe lo s e u máx imo de r e alidade , mas não s e de ix am cir cuns cr e ve r nos nos s os pr oce s s os for mais de compr e e ns ão por que os ultr apas s am. São pontos de r otur a que s e m os tram s e dão a ve r ou a vis lumbr ar , mas que s olicitam um outr o modo de olhar , um outr o modo de pe ns ar . Daí o s e u inte r e s s e cr e s ce nte pe la ide ia de e x pr e s s ão – e e ntr e e x pr e s s ão – que Fe r nando Gil r e colhe de Le ibniz 4 - e que foi o te ma de uma das últimas confe r ências que lhe ouvi: “Inte ligibilidade finalis ta, inte ligibilidade e x pr e s s iva”, no Colóquio s obr e Kant. E o livr o que tinha e m mãos nos últimos dias intitular - s e - ia Ex pre s s ão e Obje cto. «cada ponto de vis ta convoca outr os e é comple tado por outr os » Numa das e ntr e vis tas publicadas e m A ce ntos , ao faze r uma r e tr os pe ctiva do s e u pe r cur s o filos ófico, Fe r nando Gil confir ma que o s e u pe ns ame nto s e vai or ie ntando par a uma «inte ligibilidade e x pr e s s iva» e o s e u tr abalho s e conce ntr a na filos ofia da e x pr e s s ão.

“U ma in t e rro g a ç ão s o b re a in t e lig ib ilid a d e ”, palavr as que s e r ve m de e x e r go a Prov as , s e r ia uma outr a for ma de car acte r izar o tr abalho filos ófico de Fe r nando Gil. E ne s te livr o, publica do e m 1986, a s ua inte nção filos ófica mais ime diata é e vide nciar a var ie dade — e a r a cionalidade intr íns e ca—das for mas da jus tificação». 5

2

O e x ame que Fe r nando Gil apr e s e nta das

“Os tr ê s pla nos da e x pr e s s ão: Qua lida de , Se me lha nça , Ha r monia Unive r s a l”, in A. Ca r dos o (or g.), O e nv olv im e nto do infinito no finito, Ce ntr o de F ilos ofia da Unive r s ida de de Lis boa , 2 0 0 6 . 3 Na e ntr e vis ta a Ana Mota Ribe ir o, F e r na ndo Gil c onfide nc ia o que pr e fe r ia c omo e pitáfio: “Se houve s s e a lguma c ois a que pude s s e fa ze dr um e pitáfio me u(...) não s e r ia m pa la vr a s , s e r ia m nota s de mús ic a .” Cfr A c e ntos , p. 4 9 0 . 4 Cfr “Ex pr e s s ão e pr é - c ompr e e ns ão” Modos de Ev idê nc ia, INCM, 1 9 9 8 , pp. 157 e s s . 5 Prov as , INCM, 1 9 8 6 , p. 1 3

4

tr adiçõe s da pr ova conduz ao ce r ne da que s tão da inte ligibilidade como compr e e ns ão, captação das fonte s da pr ópr ia ve r dade : e s ta compr e e ns ão implica e m s i me s ma uma ce r ta cir cular idade 6 : «a pe dr a- de - toque da inte ligibilidade é uma ce r ta tr ans par ência da e x plic ação, por

mais

me dia tizada que

e s ta s e

r e ve le ». e s s a

me diação que e vide ncia e por tanto ime diatiza o que s e pr e te nde pr ova r . A s ituação pa r a dox a l da inte ligibilidade é que e la de ve mante r - s e

s e mpr e

ne s te

e quilíbr io

te ns o

de

um

ime dia to

me diatizado; a pr ópr ia compr e e ns ão da inte ligibilidade de ve mante r e s te

e s tatuto

dis cur s ivo, faze ndo

circular qua lque r

e vidência

pr ime ir a. Numa apr e ciação r e tr os pe ctiva de s ta obr a, (e ntr e vis ta com Rui Cunha

Mar tins

em

A ce ntos ),

Fe r nando

Gil confe s s a - s e

ins a tis fe ito por não te r tr a ta do me lhor a r e la ção da pr ova c om o dir e ito. Mas um dos as pe ctos que figur a já clar ame nte ne s te livr o, e que ante cipa muito do s e u pos te r ior tr a ba lho s obr e a e vidê nc ia , é pr e c is a me nte o valor da os te ns ão, s obr e tudo no Dir e ito. FG r e fe r ilo- á mais tar de , na e ntr e vis ta citada: “Há um jogo e x tr e mame nte inte r e s ante , na te or ia do dir e ito, e ntr e e vidência e pr ova. E é be m ce r to que , ne s s a pe r s pe c tiva, os factos notór ios cons titue m, com o flagr ante de lito, as duas image ns e x tr e mas , as

dua s

e x tr e mida de s

do

a r co

da

pr ova. Ambos

dis pe ns am a pr ova. O flagr ante de lito e a notor ie da de s ão ta lve z o ide a l r e gulador de toda a e s pé c ie de pr ova. T e m a qui uma

6

Cfr ibide m , p. 2 9 .

5

ilus tr a ção,

na

alucinatór ias ...”

e s fe r a

do

dir e ito,

de

e vidê nc ias

funda dor a s

7

Es tão já aqui os te mas for te s do s e u pe ns ame nto: a pr ova, a e vidê ncia, a s ingular idade , a inte ligibilidade , a natur e za e e s tr utur a do c onhe cime nto cie ntífico. Es ta

va r ie da de não é a le a tór ia ne m

cas ual: e la vai e x plor ando ide ias , intuiçõe s convicçõe s , que vêm já da s pr ime ir as obr as de Fe r nando Gil. É cur ios o notar que e m e ntr e vis tas dos últimos anos (v.A ce ntos ) Fe r nando Gil s e r e fe r e e m vár ia s ocas iõe s a um outr o livr o, ante r ior a Prov as : La Logique du nom . E r e fe r e - s e pa r a nota r que muita s da s s ua s «te s e s » e s ta va m já e m gér me n ne s ta obr a que foi a s ua te s e de doutor ame nto na Sor bonne , publicada e m Fr ança no pr incípio dos anos 70. Ao r e le r , pas s ados anos , La Logique du N om , as te s e s ce ntr ais

do livr o r e me te m- nos

pa r a um c onjunto de

noçõe s

e x plor adas e de fe ndidas e m a lgumas da s obr a s ma is ta r dias de Fe r na ndo Gil, nome adame nte o T ratado da Ev idência e A Conv icção – a pr e s s upos ição da r e fe r ê nc ia fa z pe ns a r na a luc ina ção c omo ope r ador da e vidência, te s e tão car a a Fe r nando Gil e c e ntr a l no T ratado; e a te or ia da r e fe r ê ncia dos nome s pr ópr ios que Fe r nando Gil de fe nde ne s te livr o faz pe ns a r na doutr ina do de s igna dor r ígido de Kr ipke , que e m ce r ta me dida nos le va também par a a ide ia de alucinação. As s im, r e le r a Lógica do Nome , de pois de s tas obr as , pode s e r um e x e r cíc io de r e c ons tr ução ou de r e tr os pe c tiva que mos tr a a ge ne alogia das te s e s pr incipais s obr e a e vidência: nome a da me nte , o s is te ma pe r ce pção- linguage m como fundame nto

7

A c e ntos , p.8 6 .

6

ou ponto de

par tida par a a de dução da e vidência, os

s e us

ope r ador e s , a alucinação ligada à e x is tência, e x is tência que s e pr e nde ine ludive lme nte c om o individual. A e x pe ctativa abe r ta por e s ta hipóte s e de gr e lha de le itur a foi inte ir a me nte pr e e nchida (par a us a r ainda um pa r de noçõe s c ar a s a Fe r na ndo Gil, e x pe ctativa e pr e e nchime nto), ao vê- la confir mada pe lo autor : e m A ce ntos , r e fe r indo- s e a La Logique du N om , Fe r na ndo Gil afir ma que já ne s s a altur a andava à pr ocur a das s uas hipóte s e s pos te r ior e s : “O nome de nota a e x is tê ncia individua l, e a e x is tê ncia individua l não pode de ix ar de s e r «a luc inada » pe lo dis c ur s o (é o que por ve ntur a c ons titui ta mbé m o núc le o da e s tr a nha doutr ina da de s ignação r ígida de

Kr ipke ): «pr e s s upos ição da

r e fe r ência» e r a a minha mane ir a de o e x pr imir ...” . 8 Or a, e s ta «e s tr anha» ide ia de Kr ipke não par e ce e s tar longe do que A Lógica do N om e ainda não diz ou não pe ns a, mas já m os tra e ante cipa : a cr ítica à «ide ologia» de Fe r nando Gil, ou à «ontologização»

dos

autonomia do dis cur s o

cor r e latos

e x tr a- linguís ticos

r e for ça

a

como bas e da pre s e nça com puls iv a que

manife s ta a e vidência. Ape s ar da auto- avaliação que Fe r na ndo Gil fe z da s ua Lógica do Nome – “uma utopia cr ítica” - , par e ce s e r clar o que alguns dos s e us pr oble ma s e s tão já pr e s s e ntidos ne s te livr o.

Em Modos da Ev idência, r e s ponde ndo a que s tõe s pos tas por P atr ice Lor aux , Fe r nando Gil r e fe r e o s e u inte r e s s e antigo pe la «pr oto- pos ição da pos itivida de », a proto- cre nça

8

Cfr A c e ntos , p. 6 6 .

de Hus s e r l, que

7

r e monta à Lógica do nom e e a ide ia ce ntr al de Fr e ge de que o nome pr ópr io pr e s s upõe a r e fe r ê nc ia . Es ta pr e s s upos ição da r e fe r ê ncia , cons ide r a Fe r nando Gil, te m muito a ve r com a pr oto- cr e nça hus s e r liana. O inte r e s s e pe la Urglaube

do tr abalho s obe a

e vidê ncia pr e s s e nte - s e já ne s te livr o: pr e s s upos ição da r e fe r ê nc ia do nome pr ópr io, o e x is te nte individua l, de nota do pe lo nome , pos itividade or iginár ia de s e ntido ne s te «ac r és c imo de s e r » que va i pa r a a lé m da me r a s ignific ação e que é pre s upos to e não pos to no acto de nome a r . 9 e ntr e e vidênc ia

A r e lação íntima e ntr e unidade e e x is tência,

pa s s age m ao infinito e s tá be m c la r a na r e la ção

s e mântic a da r e fe r ê nc ia : os pos s íve is nome s ou modos de de s igna r o me s mo indivíduo s ão infinitos , s e m nunca o e s gotar totalme nte , mas c ada nome te m, no e ntanto, a for ça par a de s ignar a unidade individual.

A

r e fe r ência

dos

nome s

pr ópr ios

e x e r cita

or iginar iame nte o ope r ador da e vidência que , na e x pr e s s ão de Fe r na ndo Gil, “cons is te talve z numa localização do infinito na e x is tê ncia individua l”. Há uma nítida e e s tr e ita c one x ão e ntr e as ide ia s pr incipais de s te livr o e duas das te s e s funda me ntais do s e u tr abalho s obr e a e vidê ncia: 1) a e x is tência individual como concr e ção do infinito e locus e x e mplar da «pa s s age m ao limite » que é a r e ndição do pe ns ame nto ao e x is te nte ir r e cus áve l; 2) a alucinação como ope r ador da e vidência incoativame nte pe ns ada na noção da pr e s s upos ição da r e fe r ê nc ia .

9

A c e ntos , pp. 3 5 9 - 3 6 0 .

8

Confir ma- s e a s s im a a finida de c om Be r gs on: um filós ofo que s e pr e za de ve pe ns a r uma s ó cois a toda a s ua vida . “À minha e s c a la – diz Fe r nando Gil - , pe ns o que é algo que aconte ce comigo. Julgo da r - me conta, à luz das minhas hipóte s e s de hoje , de que andava já à pr ocur a de las ne s s e livr o com vida r e catada” (A ce ntos , p. 66). O r e cato de ve u- s e a o fa c to de , s e r um livr o contr a a cor r e nte filos ófica analítica da época: contr ar iame nte às cor r e nte s de moda nos a nos 70, s obr e a ar bitr a r ie da de dos s ignos e s ua inde pe ndência e m r e lação a o s ignific a do, F. Gil de fe nde uma r e lação s e manticame nte for te e ntr e nome e indivíuo de s ignado, com a noção de pre s s upos ição de re fe rê nc ia. “Es s a pr e s s upos ição é, por as s im dize r , um e fe ito induido do r e fe r e nte individual do nome pr ópr io s obr e e s te pr ópr io nome que o de s igna (...) O nome pr ópr io pr e s s upõe a e x is tência por que a e x is tê nc ia individual não pode de ix ar

de

ser

«pr e s s upos ta»,

s e gundo

uma

c ir c ula r ida de

cons tr inge nte e não pe caminos a: e s tá- s e a qui no f un d o

do s

f un d o s d o d iz e r. ” 10 A s e mântica do nome é mis te r ios a, e s tá e nvolvida numa ne blina que tor na qua s e ir r e a l e s s a r e la ção e ntr e o nome e o que e le r e fe r e . “Os nome s de s igna m ape na s a quilo que é e le me nto da r e alidade . Aquilo que não pode s e r de s tr uído; o que pe r mane ce imutáve l”.

11

Mas e s s e s e le me ntos não nos s ão r e ve lados na

e x pe r iência. Em Wittge s nte in, e le s s ão uma e x igê ncia a priori, tr ans ce nde ntal da pr ópr ia conce pção da anális e . No conte x to da obr a de Fe r nando Gil, e le s r e ve lam

o car ácte r «alucinatór io» da

r e fe r ência. 10 11

A c e ntos , p. 6 7 Wittge ns te in, Inv e s tigaçõe s Filos ófic as , F unda ção C. Gulbe nkia n, 1 9 8 5 , §5 9 .

9

A e s tr anhe za da te s e de Kr ipke , o car ácte r mis te r ios o da s e mântic a do nome que toc a no «fundo dos fundos do dize r » r e me te m par a e s s e «fundo ir r acional da e vidência». 12 É ta mbé m, ou é s obr e tudo is s o que inte r e s s a a Fe r nando Gil: “o ponto onde a r acnalidade abr e par a a «ir r acionalidade », os limite s , os e nigmas .

. Em S inn und Be de utung, Fr e ge e ncar a a obje cção céptica e ide a lis ta s obr e c omo s abe r s e o nome «Lua » pos s ui uma r e fe r ê ncia ? “Re s pondo – e s cr e ve Fr e ge – que a nos s a inte nção (A bs icht) não é falar da nos s a r e pr e s e ntação da Lua, e tão- pouco nos s atis fa ze mos com o s e u s e ntido; mas pre s s upom os a re fe rê nc ia.” É ne s ta pa s s a ge m que Fr e ge a lude à pr e s s upos ição da r e fe r ênc ia, s e m da r lhe mais impor tância. Mas a alus ão é impor tante . Ela e s tá e m cons onância com a r e cor r e nte cr ítica de Hus s e r l à dis tinção r e al e ntr e obje ctos “me r ame nte imane nte s ” ou “inte nciona is ” por um lado,

e

obje ctos

“tr ans ce nde nte s ”,

actuais

que

lhe s

pode m

cor r e s ponde r , por outr o. “É um e r r o dis tinguir e ntr e o s igno ou ima ge m r e a lme nte pr e s e nte na c ons c iê ncia e a cois a que a ima ge m r e pr e s e nta, ou s ubs tituir pe lo “obje cto imane nte ” algum outr o dado r e al da cons ciência, um conte údo, por e x e mplo. (...) Na apr e s e ntação, o obje cto inte ncional é o pr ópr io obje cto r e al, e na ocas ião é o s e u pr ópr io obje cto e x te r no; é abs ur do

12

A c e ntos , p.4 9 .

10

dis tinguir os dois . Se s e dá o obje c to inte nc iona l

a inte nção, a

r e fe r ênia, não e x is te s ózinha , a cois a r e fe r ida e x is te também.”

13

É a qui que a s e mântic a s e tr a duz c omo m ons tração e s e e nc ontr a com a ope r ação da e vidê ncia. A ope r ação- A, de Fe r nando Gil, conduz à apre s e ntação do inte ligív e l e o corpus da e vidência cons titui- s e

s obr e

a

mons tr ação



“apr e s e ntativa,

não

r e pr e s e ntativa, par a de novo e vocar mos a dis tinção de Hus s e r l” 14 . A dis tinção e m Hus s e r l e ntr e a mos tr ação apr e s e ntativa e r e pr e s e ntativa é r e cor r e nte no T ratado da Ev idência. 15 A e vidência é a autodoação – e m que s ão dada s «‘e las pr ópr ia s ’, as cois a s e la s pr ópr ia s » -

e o juízo e vide nte é a

pa s s a ge m ao acto e à e x is tência . A pr e s s upos ição da r e fe r ência não é, como s e dis s e , a pos ição da e x is tência, não pr e s s upõe por tanto ne nhum juízo de e x is tê nc ia . Ma s o s e u s olo é a “fé pr imor dial na e x is tê ncia”, que s ubjaz ao juízo de e x pe r iê ncia . A fé pr imor dia l cons is te

na

“pos ição

pr é - r e fle x iva

do

mundo”,

uma

cr e nça

or iginár ia, proton, um Urglaube . 16 São as ce r te zas gr amaticais de Wittge ns te in

– “r e fe r ência

última

de

toda

a

dis tinção

e ntr e

ve r dade ir o e fals o”, 17 “o s ubs tr ato de tudo o que e u pr ocur o e afir mo”

(162). Não

r e gis tamos

um

s ão

obje cto

Urphänom e non. 18

de N’A

uma

e x plicação, ape nas

Conv icção,

no

capítulo

de dic a do a Wittge ns tn, Fe r na ndo Gil fala da «intimação da r e gr a» que é a voz de um me s tr e , a nte r ior à voz inte r ior da r a zão: “A s ua for ça pr obatór ia r e s s oa na pe dis pos ição do e s pír ito a admitir , ou 13 14 15 16 17 18

Hus s e r l, Inv e s tigaçõe s Lógic as V, (tr a d. ingl . N. F indla y, p. 5 9 5 .) Cfr T ratado da Ev idê nc ia, INCM, 1 9 9 6 ,p. 2 3 7 . Cfr ibide m pp. 1 0 7 - 1 0 8 , 1 3 9 , 1 4 2 , 2 1 8 , 2 3 3 , 2 3 7 . T ratado da Ev idê nc ia, p. 1 9 . Da Ce rte z a, Ediçõe s 7 0 , 1 9 9 0 , 9 4 . Cfr Inv e s tigaçõe s Filos ófic as , 6 5 4 .

11

s e ja a pôr a lgo c omo ve r da de ir o, c onfia r . A r e s s onânc ia de pe nde da faculdade , s e não me s mo da te ndência par a dar o s e u acor do. Ela pa r tic ipa do fundo e ne r gético, tanto pas s ivo como activo, da convicção.”

19

O car ácte r de actividade é aqui fundame ntal par a

compr e e nde r a pre s s upos ição da r e fe r ência: com e la, a s ignifica ção apr opr ia - s e

dos

obje c tos

r e fe r idos ,

ta l

c omo

“a

a c tivida de

cognitiva s e apr opr ia dos obje ctos intuicionando a s s uas pr ópr ia s cons tr uçõe s ”. Só compr e e nde mos , s ó e s tamos ce r tos daquilo que nós pr ópr ios fa ze mos , a a c tivida de e a a c tua lida de do c onhe c ime nto s ão pa la vr a s - chave par a A Conv icção: a c ons tr ução e s tá no c e ntr o da noção de inte ligibilidade , por que “o s uje ito de s cobr e a ve r da de no s e u a gir , que é igua lme nte um c ons tr uir ”. A e ne r gética do conhe cime nto vis a r e conquis tar no fim e s ta e vidê ncia natural e or iginár ia induzida ta mbé m pe la pre s s upos ição do obje cto de r e fe r ência. De modo que todo o pr oce s s o pa r te de uma e vidê nc ia da da ( a pa r te da s ubmis s ão, da pa s s ivida de ) pa r a uma outr a e vidê nc ia fina l, fr uto da c ons tr ução e da a c ção do s uje ito. Sta

ide ia

e s tá

be m

pr e s e nte

em

Hus s e r l:

“..o

e s for ço

de

conhe cime nto (...) vai mais longe , até e s s a outr a clar e za, até à e vidê ncia onde s e pos s ui ‘e le pr ópr io aquilo que é pre s um ido – o que cons titui e ntão o obje c tivo fina l.”

20

A e vidência s ignifica a pe r fe ita compr e e ns ão do obje cto na s ua

tota lida de 21 .

Ela

é

por

cons e quência

um

«vivido

da

concor dância» da inte nção com o «obje c to pr e s e nte e le pr ópr io que

19 20 21

A Conv ic ção,, Ca mpo da s Le tr a s , 2 0 0 3 , p. 2 1 1 . Form ale und T rans c e nde ntale Lógik , §1 6 b) c it. T ratado da Ev idê nc ia, p. 1 0 9 . Cfr T ratado da Ev idê nc ia, p. 2 4 8 .

12

e la vis a». 22 “P or is s o, o obje cto vis ado s e dá e m pe s s oa não s e «dá» s imple s me nte , ta l c omo a s c ois a s r e pr e s e nta da s s ão da da s na r e pr e s e ntção.” 23

A me táfor a da e vidência é a da vis ão, não a do s imple s contacto. Um nome toca no obje cto, nas não o dá a ve r . É o que aconte ce com os e le me ntos or iginár ios e últimos de P latão, no T e e te to. Os s toic he ia s ão alogoi , ir r acionais e incognos cíve is e m s i me s mos . De le s ape nas pode mos dar o nome – de s igná- los , r e fe r ilos , como s e os tocás s e mos com o de do, numa incidação os te ns iva. Mas , como r e fe r e Fe r nando Gil, é um tocar m udo.

24

T ocam- s e s e m

ve r , is to é, s e m lhe s captar o s e ntido. Por is s o Wittge ns te in afir ma que c om um nome , não da mos a inda ne nhum la nc e no jogo da linguage m. 25 Dos e le me ntos ape nas s e pode dar o nome , mas a pa r tir

de s te s

nome s

nada

se

pode

cons r uir

pois ,

s e ndo

impr e s cindíve is pa r a a cons tr ução da pala vr a, não configur a m o s e u s ignific a do, e s te e me r ge no todo do s igno. Não há qua lque r ar ticulação, qualque r e s tr utur a, no s imple s a cto de nome ar , os nome s s ão c omo «pontos ge omé tr ic os ide a is »,

26

for a ou aquém de

qua lque r c onte x to e s pa c ial ou r e la ção e s tr utur a l. A s e mântic a do nome é mis te r ios a , e s tá e nvolvida numa ne blina que tor na qua s e ir r e al e s s a r e lação e ntr e o nome e o que e le r e fe r e . “Os nome s de s ignam ape nas aquilo que é e le me nto da r e a lida de . Aquilo que

22 23 24 25 26

Cfr Cfr Cfr Cfr Cfr

Hus s e r l, Inv e s tigaçõe s Lógic as , II, § 1 0 . T ratado da Ev idê nc ia, p. 2 4 8 . ibide m , p. 1 4 0 . Inv e s tigaçõe s Filos ófic a §4 9 . T rac tatus 3 .1 4 4 .

13

não pode s e r de s tr uído; o que pe r ma ne c e imutáve l”. 27 Mas e s s e s e le me ntos não nos s ão r e ve la dos na e x pe r iênc ia. Em Wittge s nte in, e le s

s ão

uma

e x igênc ia

a

priori,

tr ans ce nde ntal da

pr ópr ia

conce pção da anális e . No conte x to da obr a de Fe r nando Gil, e le s r e ve lam o car ácte r «alucinatór io» da r e fe r ência.

Schlick for mula a mais s e ve r a cr ítica à e vidência da intuição, contr a Be r gs on e Hus s e r l

28

: uma cois a é a e x pe r iência intuitiva,

dir e c ta e ime diata, pe la qua l tomo c ons c iê nc ia de um c onte údo – e s ta ma ncha de cor - , outr a cois a é conhe ce r , s abe r o que é a e s s ênc ia

da

s imple s me nte

cor . Na dado,

intuição, obs e r va não

compr e e ndido.

Sc hlic k, o obje cto é É

me r a

e x pe r iê ncia,

contacto com o obje cto dado, mas e s ta apr e e ns ão dir e cta não e nvolve ainda conhe cime nto ne m c ompr e e ns ão. É a c onfus ão e ntr e dua s noçõe s de conhe cime nto – Ke nne n e Erk e nne n – que e s tá na r aíz de toda a filos ofia da intuição. O conhe cime nto pr opr iame nte dito implica r e conhe cime nto (Erk e nne n), não ba s ta «toc a r » a s cois as par a as conhe ce r , é ne ce s s ár io pe ns ar , r e lacionar , compar ar , or de nar . “A ciência – e s cr e ve Schlick – não nos «põe e m c onta c to» com os obje ctos ; e ns ina - nos a c ompr e e nde r , a a ba r c a r tudo o que já conhe ce mos , e is s o é que s ignifica s abe r .” A r e pr e s e ntação intuitiva re figura, re trata as cois as na cons ciência, mas ao fazê - lo, alte r a- as ; o conhe cime nto, pe lo contr ár io de ix a as cois as intocáve is e ina lte r áve is , tal como o s igno que de s igna o obje cto de ix ando- o tal como é. Em contr as te com Hus s e r l, par a Schlick, a intuição não r e aliza nunca o s e u de s ide ratum – dar - nos a s c ois a s e x a c ta me nte 27 28

Cfr Inv e s tigaçõe s Filos ófic as §5 9 . Cfr T ratado da Ev idê nc ia, p. 2 4 2 .

14

como s ão e m s i me s mas . 29 O acto de de s ignar , pe lo contr ár io dános o c a r ác te r únic o e a s ingula r ida de do obje cto de s ignado, s e m o tr ans for mar ou condicionar pe lo nos s o ponto de vis ta.

“O nome de nota a e x is tência individual, e a e x is tência individual (...) não pode de ix a r de s e r «alucina da» pe lo dis c ur s o (é o que por ve ntur a c ons titui também o núc le o da e s tr anha doutr ina da de s ignação r ígida de Kr ipke ): «pr e s s upos ição da r e fe r ê nc ia » e r a a minha mane ir a de o e x pr imir ...” É c onhe c ida a c é le br e de s ignador e s

r ígidos , por que

30

te s e

de

Kr ipke : os

nome s

s ão

de s igna m o me s mo obje c to e m

qua lque r mundo pos s íve l. Não e x ige m que o obje cto de s ignado e x is ta e m todos os mundos pos s íve is – tr atar - s e - ia e ntão do s e r ne c e s s ár io - , mas o nome e s tabe le ce uma r e lação r e fe r e ncial r ígida com o me s mo obje cto e m todos os mundos pos s íve is nos quais e le e x is ta . Não s e tr ata de uma me r a que s tão s e mântic a: o nome te m ce r tame nte um car ácte r conve ncional, utilizando o e x e mplo de Kr ipke , Nix on pode r ia não s e chamar «Nix on»; o que não é conve ncional ne m continge nte , é o facto de o nome pr ópr io r e fe r ir um me s mo obje c to. Es ta pos s ibilida de não s e de r iva de um

29

Cfr Sc hlic k, Ge ne ral T he ory of Know le dge , T r a d. A. E. Blumbe r g, La Sa lle Illinois , Ope n Cour t, 1 9 8 5 , p. 8 9 . Ente nda - s e be m o que Sc hlic k que r dize r c om a dis tinção e ntr e ima ge m, intuição e s igno: uma ima ge m não a pr e s e nta o obje c to à c ons c iê nc ia ta l c omo e le é , por que e s te é da do s ob uma c e r ta pe r s pe c tiva , pos ição e s e gundo o pr ópr io a ge nte ; a de s igna ção, pe lo c ontr ár io, de ix a c a da obje c to ta l c omo é . Se ja qua l for o r e fe r e nte , fe nóme no ou c ois a e m s i, o que é de s igna do é a pe na s a pr ópr ia c ois a ta l c omo é . Conhe c e r , por is s o, c ons is te num a c to – o de de s igna r – que , de fa c to, de ix a a s c ois a s ina lte r a da s e intoc a da s . O s igno dá- nos tudo o que lhe é r e que r ido, a unic ida de da c oor de na ção. 30 Cfr A c e ntos , p.6 6 .

15

pr oc e s s o de ide ntific a ção do indivíduo de s ignado a tr a vé s dos mundos : Nix on foi o P r e s ide nte dos USA nos anos 70, foi o que ve nc e u Humphr e y nas e le içõe s , foi o indigita do no ca s o Wa te r ga te , e tc ... É o me s mo Nix on. Ma s «Nix on» não é uma a br e via tur a ou r e s umo de todas as pos s íve is de s cr içõe s de Nix on; o nome te m a for ça de r e fe r ir rigidam e nte o me s mo indivíduo – que pode r ia não te r s ido P r e s ide nte , ne m te r ve ncido as e le içõe s , ne m te r s ido s uje ito a o c a s o Wa te r ga te . Ma s s e e x is te – e m todos os mundos e m que e x is te , o que não pode é de ix a r de s e r Nix on. O que é induzido for te me nte pe la r e fe r ência é a r e lação e m dir e c to com o indivíduo e le m e s m o, e le próprio, não pe la via de algum dos múltiplos as pe ctos pe lo qual e s s e indivíduo s e apr e s e nte , não

tange ncialme nte

atr avés

de

alguma

das

cir cuns tâncias

pa r tic ula r e s pe las qua is pos s a te r pas s a do. Rigidam e nte apr ox imas e a qui da pr e s s upos ição do r e fe r e nte , de um e x is te nte individua l que os nome s «a lucinam», na me dida e m que e s tá par a a lém de toda a pe r ce pção ou notíc ia que de le pos s a mos r e c e be r . É pa r tic ula r me nte r e le va nte a dis tinção de Kr ipke e ntr e «da r o s e ntido» e «fix a r o r e fe r e nte »31 : s e o r e fe r e nte de um nome for da do por uma de s c r ição ou c onjunto de de s c r içõe s , e s e o nome s ignific a o m e s m o que e s s as de s cr içõe s , não é um de s ignador r ígido. Não de s igna ne ce s s ar iame nte o me s mo obje cto e m todos os mundos pos s íve is , pois outr os obje ctos pode r iam pos s uir e s s as me s mas pr opr ie dade s noutr os mundos pos s íve is . Se “Ar is tóte le s ” s ignific a “o ma ior home m que e s tudou c om P la tão”, é e vide nte que num outr o mundo pos s íve l e s s e home m pode r ia não te r e s tuda do 31

Cfr N am ing and N e c e s s ity , Ca mbr idge Ma s s . Ha r va r d Unive r s ity P r e s s , 1 9 9 8 , p. 5 7

16

com P latão e outr o s e r ia Ar is tóte le s . Mas s e us ar mos a de s cr ição pa r a fix ar o re fe re nte , e ntão e s s e home m s e r á o r e fe r e nte de «Ar is tóte le s » e m todos os mundos pos s íve is . O us o da de s c r ição te r á s ido par a “apanhar ” (pick out) a que le me s mo home m que que r e mos r e fe r ir . É “e s tr a nha ” a te s e de Kr ipke ? P os s ive lme nte . Como é e s tr a nho o fas cínio alucinante da r e fe r ê ncia dos nome s . Ma s não e s ta r ão ambas as te s e s e m cons onânc ia ? Que pode r e s tr a nho te m o dis c ur s o de «fix ar o r e fe r e nte »? Ve jamos o conce ito de «r igide z» e de r e fe r e ncialidade . 32

A

função dos nome s pr ópr ios , s e gundo Kr ipke é a de r e fe r ir um obje cto inde pe nde nte me nte das pr opr ie dade s que e le pos s a te r de modo que tor na pos s íve l de s ignar e s s e obje cto me s mo e m r e lação aos mundos pos s íve is nos quais o obje cto não te nha e s s as pr opr ie dade s . Is to s ignific a que a r e la ção r e fe r e nc ial s e e s tabe le c e a par tir do pr ópr io s igno par a o s e u r e fe r e nte , e não do obje cto de s ignado par a o e mpr e go do s igno. Não é pe la via de um s e ntido, de um pos s íve l a s pe cto ou modo de da r - s e do obje c to que s e e fe c tua a r e fe r ê ncia, e s ta é «e s tipulativa », não «qua lita tiva ». A r e fe r e ncialidade – tanto dos nome s como de algumas de s cr içõe s de finidas – implica r igide z: um te r mo r e fe r e ncial é r ígio de jure , s e gundo a s pa la vr a s de Mill, “e s tá liga do a o pr ópr io obje c to”, inde pe nde nte me nte das s ua s pr or ie dade s , e por is s o não pode falhar a de notação do me s mo obje cto e m todos os mundos pos s íve is , por que o que muda de um mundo par a o outr o, s ão as s ua s pr opr ie da de s c ontinge nte , não o pr ópr io obje c to e a s ua 32

Sobr e a s te s e s de Kr ipke , c fr Re c a na ti, F . Dire c t Re fe re nc e . From Language to T hought , Bla c kw e ll, 1 9 9 7 , pp. 7 - 1 3

17

ide ntidade . Uma de s cr ição ma te mática, pe lo contr ár io, s ó é r ígida de facto: c omo qualque r de s cr ição, de nota o obje cto que ca i s ob um de te r minado conce ito; s ó que ne s te c as o, a conte ce que o conc e ito aplica - s e a o me s mo obje c to e m todos os mundos pos s íve is 33 . O as pe cto que nos inte r e s s a s alie ntar aqui na te s e de Kr ipke é o s e guinte :os nome s s ão de s ignador e s r ígidos de jure , is to é os nome s de s igna m r igida me nte o s e u r e fe r e nte me s mo nos cas os e m que fa lamos de s ituaçõe s c ontr a fa c tua is na s qua is o r e fe r e nte pode r ia não e x is tir . A r igide z do nome não implica que o obje c to de s ignado e x is te e m todos os mundos pos s íve is ; o que implic a , is s o s im, é que o nome r e fe r e r igida me nte e s s e obje c to, que r e x is ta que r não! Se e u dis s e r “s upõe que Bus h nunc a na s c e u”, ne s te c a s o “Bus h” r e fe r e aqui, ainda r igidame nte alguma cois a que não te r á e x is tido na s ituação contr afa ctual que e s ta mos a e s c r e ve r . É e s te as pe cto da te or ia de Kr ipke que caus a mais e s tr anhe za. O de jure indic a aqui um dir e ito pr ópr io do nome pa r a s e a pode r a r do s e u r e fe r e nte e me s mo, pode mos dize r , par a «alucinar » o obje cto de s ignado: me mo que não e x is ta, me s mo que não e s te ja lá, o nome r e fe r e is s o m e s m o. Or a, e s ta «e s tr a nha » ide ia de Kr ipke não pa r e c e e s ta r longe do que A Lógica do N om e ainda não diz ou não pe ns a, mas já m os tra e ante cipa : a cr ítica à «ide ologia» de Fe r nando Gil, ou à «ontologização»

dos

autonomia do dis cur s o 33

cor r e latos

e x tr a - linguís ticos

r e for ça

a

como bas e da pre s e nça com puls iv a que

P e ns e - s e por e x e mplo na de s c r ição “ a r a íz c úbic a de 2 7 ”: e la de nota o obje c to que te m a pr opr ie da de que a de s c r ição c onota , a de s e r um núme r o ta l que x 3 =2 7 . A r e la ção e ntr e a de s c r ição e a s ua r e fe r ê nc ia é tipic a me nte “qua lita tiva ”, de pe nde do a tr ibuto do obje c to. E no e nta nto, a pe s a r de a de s c r ição não s e r r e fe r e nc ia l, é r ígida . A r e fe r e nc ia lida de implic a r igide z ma s o inve r s o não é ve r da de .

18

manife s ta a e vidência. Ape s ar da auto- avaliação que Fe r na ndo Gil fe z da s ua Lógica do Nome – “uma utopia cr ítica” - , par e ce s e r clar o que alguns dos s e us pr oble mas e s tão já pr e s s e ntidos ne s te livr o. O dir e ito pr ópr io do nome par a s e apode r ar do s e u r e fe r e nte anuncia já os te r mos com que Fe r nando Gil de s cr e ve a e vidência: alucinação, e x as pe r ação, e x e s s o. “A e vidência da pe r ce pção e da linguage m tr ans for ma- s e , por uma e s tr a nha a lquimia , na e vidê nc ia conce ptual. É e s ta última que é e x c e s s iva, num duplo s e ntido. Epis te mologicame nte , na me dida e m que s e vê a s i me s ma como intr ins e came nte ve r ídica, inde x v e ri. Pode have r aqui e fe ctivame nte ilus ão. Mas há a lém dis s o um e x ce s s o e pis té mic o, e nte nde ndo- s e por e s te te r mo a pos ição do s uje ito fa ce a o c onhe cime nto. Eidênc ia s ignific a a gor a pr e s e ntific a ção do s e ntido e da ve r da de c omo a utos ufic ie nte s e a utopos ic iona ndo- s e , c omo s uge r e a e x pr e s s ão inde x s ui. Uma ve r dade índice de s i me s ma é e x ce s s iva por natur e za.” 34 As gr ande s inte r r ogaçõe s s obr e a e vidê nc ia , a c e r te za , a convicção for am s inais luminos os que guiar am de s de os s e us inícios o pe r cur s o filos ófico de Fe r nando Gil. De ce r to modo e le as s umiu inte ir a me nte o dita me de Be r gs on que c iámos no iníc io. Fie l às s ua s intuiçõe s or iginár ia s , tr abalhou- as ao longo de um tr aje cto que , vis to r e tr os pe ctivame nte , mos tr a uma continuida de na va r ie da de e um fio c ondutor que pe r c or r e os livr os que nos de ix ou e s c r itos . Ne le s pode mos continuar a tr ilhar os caminhos do pe ns ame nto que Fe r nando Gil de ix ou as s ina la dos e , a o nos s o modo, dar - lhe s continuidade .

34

A c e ntos , p. 8 1 .

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