INTERAÇÃO DO ENSINO TÉCNICO NO DESENHO DO DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO

May 31, 2017 | Autor: J. Gonçalves de C... | Categoria: DESENVOLVIMENTO LOCAL E TERRITORIAL, Agricultura Familiar, Ensino Técnicoe Profissional
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VI ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SISTEMAS DE PRODUÇÃO 20 a 22/10/2004 Aracaju, Sergipe

INTERAÇÃO DO ENSINO TÉCNICO NO DESENHO DO DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO¹

Denyse Chabaribery²; Regina H. V. Petti³; Sônia S. Martins4; Joelson G. de Carvalho5; Ana V. V. M. Monteiro6; Jorge E. Júlio 7; Richard D. Dulley8 1

Este texto é resultado parcial da pesquisa "Estudos de Mercado de Trabalho como Subsídios para a Reforma da Educação Profissional no Estado de São Paulo", parceria do MEC, Fundação SEADE e Instituto de Economia Agrícola (IEA). ² Eng. Agr., Doutora, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola ([email protected]), Av. Miguel Stéfano, 3.900 (Água Funda), São Paulo - SP, CEP: 04.301-903. 3 Eng. Agr., Mestre, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola ([email protected]) 4 Eng. Agr., Doutora, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola ([email protected]) 5 Economista, Mestre, Técnico contratado. 6 Geógrafa, Mestre, Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola ([email protected]) 7 Eng. Agr., Consultor contratado. 8 Eng. Agr., Doutor, Pesquisador do Instituto de Economia Agrícola ([email protected])

“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. As pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo” (Paulo Freire) RESUMO A pesquisa faz uma reflexão sobre a inserção das escolas técnicas agrícolas do Estado de São Paulo nos contextos regionais, tentando avaliar as possibilidades dessas instituições como veiculadoras de programas educacionais que propiciem a construção de projetos próprios para o desenvolvimento da agricultura familiar. Conclui-se que essas instituições de ensino são importantes na articulação de agentes locais buscando novas alternativas, bem como, para a formação de novos quadros para o desenvolvimento da agricultura familiar. Palavras-chave: desenvolvimento local, agricultura familiar, ensino técnico.

1. INTRODUÇÃO O ensino profissionalizante tem sido abordado como forma de priorizar a qualificação dos recursos humanos, através da educação e treinamentos para viabilizar a melhoria das habilidades básicas e o preparo para a gestão das atividades econômicas dos profissionais que atuam no mercado de trabalho, em qualquer nível de escolaridade. No caso da agricultura e da

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agroindústria, o técnico agropecuário sempre atuou como o profissional de nível médio com amplas responsabilidades, dada a natureza eclética das funções que poderia vir a exercer. A política na área da educação no período FHC, tentando adequar-se ao que o governo chamou de nova configuração imposta pela ordem econômica mundial, que se expressaria pela rapidez na substituição de tecnologia de produção, promoveu reforma nas bases legais da Educação Profissional a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (nº 9.394/96) e do seu Decreto regulador (nº 2.208/97). Uma das modificações trazidas pela nova LDB teve como objetivo separar a educação básica da profissional em seu nível médio, pretendendo-se com isso que o ensino técnico de nível médio tivesse organização curricular própria e independente da organização curricular do ensino básico. Portanto, a reorganização dos sistemas estaduais de educação profissional, para atender a esse dispositivo, enfrentou dificuldades no que se refere às Escolas Técnicas Agrícolas Estaduais (ETAEs), para uma pronta adequação às novas regras. Acresce, ainda, que essas unidades não foram beneficiadas pelo PROEP1, cujos recursos foram destinados às escolas para formação de técnicos no âmbito industrial ou de serviços. A criação de mecanismos permanentes de acompanhamento das tendências econômicas e tecnológicas para melhor orientar as decisões sobre a quantidade e estrutura curricular dos cursos está entre as ações previstas pela LDB. Nesse quesito foram encaminhados estudos de mercado para subsidiar a elaboração de propostas que pudessem atender os perfis e competências necessários ao novo mundo do trabalho. No campo das atividades agropecuárias, a pesquisa realizada no Estado de São Paulo para encaminhar a discussão do perfil do técnico de nível médio e do papel das escolas técnicas no desenvolvimento das atividades produtivas, partiu da análise desse setor segundo enfoque dado às tendências mais recentes na regionalização das explorações, no uso de tecnologia e de força de trabalho, nos problemas ambientais relacionados e nas atividades agrícolas e não agrícolas desenvolvidas no meio rural. Surpreendeu positivamente o fato de que muitas das Escolas Técnicas Agrícolas Estaduais de São Paulo apresentam-se com uma rica vida pedagógica, a despeito das restrições orçamentárias, e buscam aliar o ensino da profissão técnica a um bom ensino básico, contrariando as deliberações da atual legislação, trazendo à tona algumas reflexões importantes a respeito do tema. Dentro daquela abordagem setorial e regional, o presente estudo buscou discutir a inserção das escolas técnicas agrícolas do Estado de São Paulo nas suas áreas de influência como forma de avaliar se os programas educacionais adotados podem vir a se constituir de forma a atender as necessidades das regiões em que estão localizadas. As entrevistas realizadas em amplos setores da vida local propiciou que se levantassem algumas questões em relação ao ensino médio, a relação da educação básica com a técnica e quais os problemas enfrentados pelos jovens no mercado de trabalho. Em termos regionais, uma hipótese levantada é que a escola, ao buscar maior inserção no contexto da sociedade local, contribui na construção de um projeto próprio para o desenvolvimento da agricultura a cada região, interagindo com a tendência que as condições e limitações que o entorno econômico propiciam.

2. METODOLOGIA

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O Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) pretendeu ser o principal instrumento de implantação desse novo sistema visando aumentar a oferta e a diversificação da educação vinculada ao setor produtivo. O PROEP foi vinculado ao MEC em parceria com o MTb e com 50% dos recursos originários do BID.

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O Estado de São Paulo caracteriza-se por forte heterogeneidade estrutural no espaço rural. Por um lado, apresenta pólos de modernização agrícola baseados em monoculturas destinadas à exportação e, por outro lado, áreas de extrema pobreza, marginalizadas econômica e socialmente, nas quais o fortalecimento de instituições se faz necessária a um desenvolvimento local e endógeno, sendo que, num campo intermediário, vários sistemas produtivos, principalmente ligados à agricultura familiar, carecem de atenção e de propostas inovadoras que lhes propiciem maior sustentabilidade (CHABARIBERY, 1999). Portanto, a escola técnica agrícola pode ser abordada, mesmo nos moldes atuais, como uma ponte na construção de novas competências para o desenvolvimento rural e em uma nova organização social baseada na interação entre as várias instituições que atuam no contexto local e a criação de sistemas produtivos alternativos. Dadas essas considerações, era importante que os procedimentos metodológicos aplicados dessem conta dessa heterogeneidade estrutural do estado, mas que também, dadas as restrições orçamentárias para uma pesquisa de campo muito ampla, abrangessem as diversas situações para a problemática do ensino técnico agrícola. Sendo assim, a metodologia contida em JULIO; PETTI (2003) considerou três etapas, resumidas a seguir: 1º- Realização de entrevistas qualitativas junto a agentes no âmbito estadual (de segmentos, órgãos e entidades ligados à agropecuária e agroindústria). Elas propiciaram a delimitação de 8 regiões não necessariamente coincidentes com regiões administrativas ou de governo2. 2º- Seleção das escolas com o intuito de aprofundar as questões relacionadas à formação e aos empregos de técnico agrícola. Foram realizadas entrevistas qualitativas com agentes das sociedades locais, dando uma ampla cobertura aos setores da economia e da vida institucional, bem como professores, diretores, alunos e ex-alunos das escolas. 3º- As informações e dados levantados a campo foram cotejados com pesquisas estatísticas e de literatura, no intuito de não permitir que uma informação dada de forma extremamente viesada fosse levada em consideração. Assim, cada contexto fornecido por escola estudada e seu entorno permitiu dar conta de parte do panorama regional e sua interface com o ensino médio profissional agrícola, buscando abranger a diversidade de trabalho pedagógico e a compreensão do papel das escolas no meio em que se inserem. A regionalização do Estado de São Paulo apontada pelos agentes estaduais mostrou-se coerente com as dinâmicas apresentadas em cada região e pode ser assim resumida: 1- Região Oeste: engloba as mesorregiões de Presidente Prudente e de Araçatuba e tem como características fundamentais o predomínio da pecuária de corte, a presença de grandes explorações agropecuárias e a baixa presença de agroindústrias e de outras atividades industriais; 2- Região Centro-Oeste: engloba as mesorregiões de Bauru, Marília e Assis e tem na produção de grãos e de café as principais atividades agropecuárias. As agroindústrias da região estão voltadas à transformação de grãos em óleos e farelos; 3- Região Noroeste: composta pelas mesorregiões de São José do Rio Preto, Ribeirão Preto e Araraquara, é a que concentra a agricultura de maior valor comercial do estado, em particular as atividades dos complexos agroindustriais da cana-de-açúcar e da laranja; 4- Região Nordeste: abrange as mesorregiões de Piracicaba e Campinas, também apresenta uma forte agropecuária diversificada, principalmente ligadas aos complexos agro-industriais da cana-de-açúcar, laranja e pecuária de leite; 2

O detalhamento desta delimitação regional está contido no relatório encaminhado ao MEC (PETTI et. al., 2004).

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5- Região do Vale do Paraíba: que compreende a mesorregião de mesmo nome e apresenta importância na produção leiteira e, mais recentemente, no florestamento para a indústria de papel e celulose; 6- Região do Litoral Sul: compreende o Litoral Sul Paulista (mesorregião) que possui pouca expressão na atividade agropecuária, destacando-se a produção de banana nanica e o turismo; 7- Região Centro-Sul: reúne as mesorregiões de Itapetininga e da Macro Metropolitana Paulista e concentra as atividades do cinturão verde do entorno metropolitano e áreas de florestamento do sudoeste, bem como a pecuária de pequenos animais e a bataticultura; 8- Região Metropolitana: não foi abrangida pelo levantamento por não abrigar nenhuma escola agrotécnica. Apresenta alto grau de industrialização e tem participação marginal na agropecuária paulista, com exceção de produtos da horticultura (Figura 1). As 8 (oito) unidades de ensino selecionadas para o estudo (conforme a 2ª etapa da metodologia) situam-se nos seguintes municípios: Jales e Jaboticabal (Noroeste), Rancharia (Oeste), Santa Cruz do Rio Pardo (Centro-Oeste), Itapetininga e Jundiaí (Centro-Sul), Jacareí (Vale do Paraíba) e Iguape (Litoral Sul) (Figura 1). Observe-se que em Jaboticabal o colégio técnico pertence à UNESP e foi escolhido por inserir-se na região de Ribeirão Preto, considerada a de agropecuária mais moderna no Estado de São Paulo. As Escolas Técnicas Estaduais do Estado de São Paulo estão ligadas ao Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” (CEETPS), autarquia atualmente vinculada à Secretaria da Ciência e Tecnologia que foi criada em 1969 para articular, realizar e desenvolver a educação tecnológica. No Brasil, o fluxo de acesso ao ensino profissional (Quadro 1) permite tanto a qualificação e reprofissionalização de pessoas com qualquer nível de escolaridade (inclusive, sem escolaridade), quanto a habilitação e certificação profissional de técnicos nos níveis médio e superior (tecnólogo). É uma estrutura democrática para o acesso, pode-se afirmar, mas que não se efetiva democraticamente pela carência de programas educacionais diversificados e com amplitude para abranger as pessoas que mais precisam. Com relação ao ensino técnico agrícola, não é pouca a responsabilidade de colocar, anualmente, milhares de profissionais em um mercado de trabalho que nem sempre oferece número de postos condizentes com essa oferta. Por um lado, o mercado de trabalho está cada vez mais exigente em conhecimentos, tanto para entender alta tecnologia como para alcançar qualidade na gestão da produção. Porém, por outro lado, dependendo da área de atuação, as características exigidas desse profissional referem-se à habilidade do técnico em adequar seus conhecimentos a uma realidade complexa como a apresentada pela agricultura familiar, com carência de recursos financeiros, de políticas específicas e de tecnologias socialmente apropriadas.

Anais do VI Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção Quadro 1 - Fluxo de Acesso à Educação no Brasil

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL SEM ESCOLARIDADE

NÍVEL BÁSICO (QUALIFICAÇÃO) EDUCAÇÃO BÁSICA

ENSINO FUNDAMENTAL

ENSINO MÉDIO (CURRÍCULO GERAL)

NÍVEL TÉCNICO (HABILITAÇÃO)

(CURRÍCULO DIVERSIFICADO)

EDUCAÇÃO SUPERIOR

Fonte: dados da pesquisa.

TÉCNICO DE NÍVEL SUPERIOR

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No caso das Escolas Técnicas Agrícolas Estaduais (ETAEs), vários elementos podem ser apontados para configurar a sua importância econômica e social. Nos moldes como vinha atuando fornecia um ensino básico (nível médio) de qualidade no qual os filhos de pequenos agricultores tinham mais fácil acesso. Neste sentido, tornava-se uma das raras formas do jovem de humilde origem rural conseguir ter acesso a educação básica complementada por uma formação profissional, ou seja, oportunidade de inserção no mundo do trabalho de modo qualificado. As ETAEs são escolas públicas que formam técnicos de nível médio nos assuntos rurais, com as opções para as áreas de pecuária, agricultura, floresta, gestão ambiental e turismo. Após a Reforma da LDB de 1.996, todos os cursos técnicos são realizados em três semestres e têm como pré-requisito o fato de o aluno estar cursando o segundo ano do ensino médio, na própria escola ou não, ou a conclusão do ensino médio. Com a redução do período de formação técnica de três para um ano e meio, necessária para a adaptação da escola às novas diretrizes, a orientação para a escolha de grupos de cursos pré definidos dificultou a opção concomitante das áreas de agricultura e pecuária. Além disso, ocorre a orientação para que a direção das escolas abram mão do curso básico médio, que era um grande diferencial de qualidade em várias escolas. No Estado de São Paulo, as ETAEs3 são em número de 35, espalhadas por todas as regiões (Figura 1) com leve concentração ao Oeste, Noroeste e Centro-Oeste, provavelmente para atender demandas políticas em áreas mais carentes.

3. BREVE REVISÃO SOBRE A EDUCAÇÃO BÁSICA E O ENSINO TÉCNICO AGRÍCOLA Dentro da psicologia educacional a teoria da “aprendizagem significativa” (AUSUBEL, 1965) está interessada nas prioridades da aprendizagem que possam estar relacionadas com meios eficazes de levar à mudança na estrutura cognitiva. O princípio fundamental da teoria é: “o fator isolado mais importante influenciando a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe. Determine isto e ensine-o de acordo”. No estudo do processo de aprendizagem é imprescindível considerar o mundo onde o aprendiz se situa, ponto de partida para uma aprendizagem significativa. Contrariamente à posição behaviorista, a teoria de Ausubel é cognitiva e rejeita a premissa de que somente o estímulo e a resposta (o comportamento observável) é que deve ser objeto de estudo. Os conceitos se constituem num aspecto fundamental da teoria de Ausubel, pois conceitos relevantes já existentes na estrutura cognitiva das pessoas facilitam a aprendizagem significativa de novos conceitos e proposições. No processo de aprendizagem, novas informações interagem com as já existentes e disponíveis na estrutura cognitiva, conforme forem relevantes para esta. “À medida que se reconhece, então, a educação como um fenômeno social que depende do meio em que ela se desenvolve e não como um processo que ocorre de maneira isolada e autônoma, devemos também nos reportar à escola brasileira que defende a idéia de educação conscientizadora da qual o pioneiro é Paulo Freire. É ela que abre ao educador a possibilidade de, juntamente com a leitura, a aritmética e as ciências, instrumentalizar o educando com certo tipo de conhecimentos que permitirão o surgimento de uma consciência crítica, ou melhor, a elevação dos níveis de consciência já existentes nas pessoas, ampliando suas possibilidades de participação na sociedade em que vive, dando assim à educação uma dimensão transformadora da realidade, portanto, transformadora do processo produtivo, emprestando dessa forma uma ênfase libertadora e moderna a essa linha da pedagogia” (BRANT et. al., 1986:32-33). No caso da escola técnica 3

É preciso esclarecer que também existem algumas escolas técnicas agrícolas federais e outras ligadas a universidades, mas são em menor número.

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agrícola, a integração no trabalho produtivo com a participação da comunidade são fatores imprescindíveis para o desenvolvimento.

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Algumas questões, que foram levantadas durante a pesquisa, serão discutidas preliminarmente. Uma delas aponta a dificuldade em encontrar um ponto de equilíbrio nos currículos escolares que atenda, de um lado, ao que FOUCAULT (apud MARTINS, 2004) referiu-se como a normalização dos indivíduos no espaço e no tempo ou, até mesmo, a sujeição destes indivíduos para garantir uma eficiência ao Aparelho Ideológico do Estado. Este enfoque chamaria para uma “desterritorialização” da escola, da educação, da cultura e do conhecimento. De outro lado, a necessidade que as regiões apresentam, principalmente as mais pobres, de desenvolver conteúdos programáticos que dêem subsídios às suas próprias demandas na busca de alternativas econômicas. Na prática, é como se existissem dois mundos: um que requer alta especialização, portanto cada vez mais enquadrada na globalização, e outro que busca um aprendizado que, apesar de holístico, deve enraizar-se nas condições locais. Talvez, o mais difícil para o conteúdo desta última proposta seja o fato de que nela está embutida a idéia de distribuição das oportunidades para a inclusão econômica e social dos pequenos produtores. Por esse lado do problema, claramente foi feita uma opção nas escolas estudadas: há uma tendência em especialização nas instituições de ensino localizadas em regiões com entorno econômico mais dinâmico. Já nas regiões economicamente menos dinâmicas, ocorre uma programação pedagógica que busca uma interação com a sociedade local, principalmente ligada à agricultura familiar. Obviamente, além desses, existem os casos de uma certa precariedade na inserção regional, principalmente em regiões estagnadas do ponto de vista agropecuário, porém com outras alternativas também interessantes, como o turismo e a gestão ambiental. Essas questões acabam remetendo ao perfil do técnico agrícola formado e se a qualificação adquirida está de acordo com as necessidades do mercado de trabalho e até que ponto as regiões conseguem absorver esses profissionais. Novamente uma dicotomia se estabelece, pois as regiões com maior dinamismo econômico proporcionam empregos em número suficiente para absorver uma boa parte dos jovens formados anualmente. Outras regiões dependeriam mais de programas públicos de atendimento à agricultura familiar ou outras formas de trabalho. Poucas regiões vêem conseguindo formas alternativas para a empregabilidade de técnicos agrícolas.

4.1. AS CONFORMAÇÕES DOS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA Não é difícil prever que a zona do “corredor citrícola” e da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo - os dois complexos agro-industriais que dominam a agropecuária paulista - formada pelas regiões Nordeste, partes da Noroeste e da Centro-Oeste, apresenta um padrão de inserção do seu principal colégio técnico (o de Jaboticabal, ligado à UNESP) relativamente moldado a atender grandes empresas agropecuárias, não só da região como de outros Estados, e até de outros países, como confirmou o próprio diretor. Com o ensino voltado para as tecnologias de ponta da agropecuária, tem na própria universidade, à qual é praticamente agregado, um campo experimental dos mais avançados do país em várias especialidades, conformando um intenso trabalho de cooperação e integração dos alunos da escola técnica e os professores das faculdades de agronomia e de medicina veterinária. Sendo assim, é bastante comum o aluno conseguir indicação para um emprego logo após a formatura. Além disso, a existência de um trabalho realizado por um professor do colégio que, por ser procurado por várias empresas em busca dos técnicos agropecuários formados,

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funciona como um “departamento” de recursos humanos, indicando jovens de acordo com a aptidão que este apresentou durante o curso. Apesar de uma certa informalidade no trabalho desenvolvido, vem funcionando com grande proveito para as partes envolvidas. Nas regiões que abrangem os colégios técnicos agrícolas de Itapetininga, Rancharia, Santa Cruz do Rio Pardo e Jales situados, respectivamente, nas regiões Centro-Sul, Oeste, CentroOeste e Noroeste (Figura 1), firmou-se o ideário da agricultura familiar e o conteúdo programático das escolas técnicas agrícolas está voltado para a viabilização dessa categoria de produtor rural. Este resultado tem correlação direta com o fato de que nessas escolas a grande maioria dos jovens estudantes é filho de pequeno produtor rural, com a intenção de retornar à propriedade levando uma bagagem de conhecimentos que permita desenvolver projeto próprio. Antecipando esse objetivo, a escola de Rancharia adota a alternância como proposta pedagógica de ensino, envolvendo os filhos de agricultores familiares, inclusive muitos com origem em assentamentos de reforma agrária. Ressalte-se que 85% dos alunos são originários de assentamentos da região do Pontal do Paranapanema, distantes até 500 km de Rancharia. A alternância possibilita ao aluno permanecer 15 dias na escola e 15 dias na propriedade dos pais, não somente para não desfalcá-la da sua força de trabalho, como também com o intuito de que o jovem inicie um projeto aplicado à sua realidade enquanto pode ser monitorado pelos professores. “No regime de alternância os alunos passam quinze dias na escola, assistindo as aulas dos cursos médio e profissionalizante e desenvolvendo atividades práticas de agricultura, pecuária e comercialização e quinze dias com a família, trabalhando na propriedade e desenvolvendo os projetos da seção família, que são acompanhados por um professor monitor. A ETAE tem quatro professores que visitam pelo menos uma vez por mês as propriedades, atendendo a todos os alunos. Há sempre duas turmas de alunos, de modo que quando uma está na propriedade, a outra está na escola. Esse sistema possibilita à escola o conhecimento da realidade das famílias dos alunos e das questões que mais lhe interessam para o desenvolvimento de suas atividades produtivas e comerciais, o que viabiliza a estruturação de um currículo adaptado às questões de maior importância e interesse. A experiência dos pais é valorizada e o aluno é induzido a atividades como o mapeamento da propriedade e a descrição das explorações agropecuárias dos pais, acabando por se sentir motivado a participar ativamente das atividades agropecuárias da família, levando aos pais os conhecimentos adquiridos na escola. Segundo os professores, a escola busca promover o melhor relacionamento entre os alunos e seus pais produtores, de forma que o conhecimento adquirido na escola possa ser aplicado na prática da atividade rural da família” (PETTI et. al., 2004). Apesar de o CEETPS ter no regime de alternância uma das metas para toda a rede de escolas, nem todos os diretores e professores entrevistados concordaram com essa meta, alegando tratar-se de uma forma de cortar gastos mais do que visando propriamente a melhoria do ensino. Os principais argumentos contra a alternância referem-se ao tempo que o jovem fica distante dos estudos causando sua dispersão e, também, ao fato de que muitos alunos são pobres e moram distante, o que seria um peso alto no orçamento para o deslocamento quinzenal. Os próprios alunos entrevistados colocaram-se contra a alternância nas escolas que concentram estudantes vindos de maior raio de distância, como foi o caso de Itapetininga, Iguape e Jaboticabal, pois inviabilizaria qualquer projeto que pudesse ser realizado nas terras paternas. Porém, outra questão levantada foi o fato de que o jovem nem sempre é filho de produtor rural e assim teria que buscar outras propriedades para encaminhar um estágio, inviabilizando um projeto pessoal. O que pode-se inferir dos argumentos dados é certa dificuldade para esses estudantes e professores entenderem que a pedagogia do regime de alternância não está totalmente preocupada com projetos pessoais, mas com uma educação conscientizadora, de aprendizagem com a realidade buscando transformá-la com consciência crítica.

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Nesta visão, pode-se apontar a experiência da ETAE do município de Jales (Região Noroeste) como de interesse para essa discussão, apesar de esta escola não ter adotado ainda o regime de alternância. A proposta da diretoria é a formação do técnico - cidadão e, em termos mais gerais, o papel que a instituição pode desempenhar no desenvolvimento econômico regional. Em função disso, estabelecem-se relações com outros agentes locais/regionais para viabilizar projetos como o “Ensino Agrotécnico: protagonista da mudança no meio rural”, financiado por uma associação civil e que propiciou a montagem dos laboratórios de análise de solo e de informática na escola. Com relação à formação dos alunos, foi implementado o “Curso de Especialização em Agricultura Familiar”, que teve origem a partir da separação programática entre agricultura e pecuária, aproveitando o hiato temporal entre a conclusão do ensino técnico seis meses antes do ensino básico médio. Os alunos têm como premissa um projeto de viabilidade técnica de uma propriedade, sendo acompanhados por um professor e utilizando softwares específicos. Essa especialização também foi possível com recursos de uma associação civil. Com uma preocupação de melhorar a formação dos produtores rurais, a escola de Jales realiza o “Curso de Qualificação Profissional Básica em Agronegócios” que visa fornecer elementos para a elaboração de um projeto em suas respectivas propriedades, tentando adequá-las a novos padrões com atenção à necessidade de agregação de valor. Todas essas iniciativas da escola aumentou sobremaneira as inter-relações locais formando uma importante rede de interação, inclusive com o poder público municipal. Em Santa Cruz do Rio Pardo (Região Centro-Oeste) na época da pesquisa de campo, a direção da escola também pretendia implantar (como já implantou) um curso técnico em agricultura familiar, com três módulos independentes, destinados preferencialmente aos filhos de agricultores familiares ou assentados. Trata-se de um projeto piloto planejado em conjunto com outras escolas agrotécnicas do Estado.

4.2. O PERFIL DO TÉCNICO AGRÍCOLA FORMADO Diante da implantação de cursos em módulos estabelecidos pela Lei Federal 9.394/96 – LDB, o perfil do técnico formado em apenas três semestres (3 módulos) foi um fator apontado como sendo restritivo para sua absorção pelo mercado de trabalho. Em algumas regiões os alunos entrevistados alegaram que aqueles formados no curso existente anteriormente, o de Técnico em Agropecuária, colocavam-se melhor no mercado, pois a formação era mais completa e possibilitava que no diploma fosse especificada a formação em agropecuária. Atualmente as empresas querem um funcionário mais eclético, de formação mais ampla, que entenda de pecuária e de agricultura, dada a complementaridade entre ambas e a exploração das duas atividades pela maioria das propriedades. Para as escolas, a orientação pela escolha de grupos de cursos pré definidos dificulta a opção concomitante pelas duas áreas (agricultura e pecuária) pois, se escolhe pecuária, o segundo curso deverá ser turismo ou gestão ambiental, mas não é comum que seja agricultura por imposição das diretrizes do CEETPS. Apesar disso, há um esforço das equipes educadoras em suprir a lacuna em determinada área na grade curricular com a complementação necessária nas disciplinas correntes e na forma de estágios, dias de campo e palestras. Devido à expressiva diversidade nas agropecuária regionais, os agentes acham que para atender a todas as demandas o bom técnico agrícola precisaria entender de pecuária (de pequeno e grande portes), de agricultura, abrangendo fruticultura, olericultura, grãos e reflorestamento, bom conhecimento em solos, pragas e doenças, administração, custo de produção, planejamento, informática e ser capaz de avaliar que tipo de cultura traria maior lucro para o produtor.

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Vários agentes entrevistados acreditam que, para as empresas, interessa um técnico com um perfil polivalente, pois muitas empresas são diversificadas e podem, por exemplo, trabalhar com citros em uma área e com pecuária em outra. O trabalho do professor é motivar o aluno para se interessar por várias disciplinas. Uma justificativa é que a formação do técnico no Brasil não deve ser muito específica, porque o mercado de trabalho não está preparado para receber um técnico extremamente especializado em uma só área. Nos Estados Unidos ele pode ser especialista em hortaliça que encontrará colocação. É muito difícil formar um técnico para entender de manutenção e outros aspectos das máquinas agrícolas, pois as empresas importam maquinário extremamente sofisticado que a escola não possui para os alunos treinarem. Por isso os treinamentos nessa área acabam sendo dados pelas empresas. Pelo contrário, outros agentes estaduais, crêem que os técnicos devem ser muito especializados para poderem manejar os modernos equipamentos e máquinas que tendem a ser usados na agricultura brasileira, principalmente no caso das lavouras de citrus e cana, e a melhor escola de formação de técnicos para a agricultura seria alguma coisa parecida com o Senai, onde há forte conteúdo de mecânica na formação do profissional. Porém, na perspectiva de atender o que diz a LDB: que a educação básica tem por finalidade assegurar, ao educando, a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, formação esta que deveria ter como características o domínio do conhecimento básico e a capacidade de aprender a aprender, ou seja, a capacidade de saber pensar (artigo 22), defende-se que o ensino técnico deve ser acoplado a um bom ensino básico, pois é ele que fornece o alicerce para que o jovem possa ser plenamente educado. Neste sentido foram quase unânimes a idéia que refere-se à necessidade de uma formação ampla um método que ensine a pensar ou que estimule a interação com a comunidade. Aspectos relacionados à organização de produtores, políticas governamentais, gestão da empresa (que inclui de contabilidade ao estudo de mercado) e as questões que ocorrem fora da propriedade (mercado, embalagem, legislação) foram citados como aspectos a serem trabalhados na formação do técnico dentro de um programa de integração com a comunidade local. Apesar de praticamente todos os entrevistados terem destacado a necessidade do técnico para dinamizar as diversas regiões, não se verifica um ritmo de contratação de técnicos compatível com esse objetivo, especialmente no que se refere à agricultura familiar. Como sugestão para conseguir inserir-se no mercado de trabalho regional, os técnicos devem organizar-se (em cooperativas ou micro-empresas) para ofertar serviços que sejam interessantes e viáveis para o produtor. Outros entrevistados destacaram inúmeras demandas por serviços técnicos que, no entanto, só encontrarão mercado em um novo modelo de desenvolvimento, em que os produtores rurais se organizem contratando, mediante associações e cooperativas, ou programas governamentais que tenham como prioridade solucionar problemas que afetam tanto o produtor, como os consumidores e o meio ambiente. Neste ponto, muitos produtores alegaram a necessidade de políticas que abrangessem todos os segmentos da produção até o consumo, que beneficiassem a agricultura familiar, muitos deles citando programas de assistência técnica que ocorrem em outros Estados (Santa Catarina, por exemplo) em que a pequena propriedade é vista como um todo, um sistema produtivo, e as alternativas de melhoria devem estar ao alcance do produtor.

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CONCLUSÕES Os esforços que as Escolas Técnicas Agrícolas Estaduais vêm promovendo tem sido importante, em várias regiões do Estado de São Paulo, para a formação de novos quadros e competências para o desenvolvimento da agricultura familiar. A pesquisa mostrou a possibilidade das escolas técnicas agrícolas no Estado de São Paulo realizarem uma inserção regional de forma intensa, colaborativa, abrangente e criativa. Intensa porque as inter-relações entre as instituições regionais se dá no dia a dia, contínua e solidariamente. Colaborativa e abrangente porque cobre os vários segmentos da sociedade local, sempre buscando atuar em conjunto com as várias entidades e instâncias de poder. E muito criativa, pois em muitas escolas sempre foi possível encontrar pelo menos um projeto inovador junto a comunidade. Várias escolas técnicas, por se inserirem em regiões com predominância da agricultura familiar, estão encampando projetos pedagógicos e de atuação regional que procuram atender as especificidades desta categoria de produtor rural, alicerçando as ações em metodologias e práticas do ensino técnico menos convencionais. Entre esses projetos destacam-se propostas em que as instituições locais, através de articulações e parcerias, ou propostas baseadas no regime de alternância, atuam na promoção do desenvolvimento, objetivando a sustentabilidade da agricultura familiar e da região. De qualquer forma, para cada escola tem sido de suma importância a busca de se consolidar como um centro de formação e difusão de ensino técnico agrícola, abrindo-se para propostas inovadoras e descentralizadoras na veiculação do conhecimento, tarefas que requerem apoios das várias instituições da comunidade regional, bem como, dos órgãos de governo. Constata-se uma expectativa muito grande com relação a atuação das ETAEs nas regiões, pois os agentes locais entrevistados enfatizam sugestões nas quais as escolas deveriam organizar projetos de assistência técnica para a agricultura, promover pesquisas, realizar dias de campo, entre outras ações. Vê-se que é a ausência de políticas públicas, mais consistentes para a agricultura familiar, de extensão e assistência técnica rural, de tecnologias socialmente apropriadas e de apoio creditício, os fatores que fazem com que as propostas de atuação para a escola junto à comunidade sejam elaboradas de forma a suprir diretamente as carências das estruturas governamentais e sociais e não para atender as necessidades educacionais de formação técnica e a sua ligação orgânica com o desenvolvimento da região. Isso remete a outra importante constatação: a de que os governos, nos três níveis de poder, não empregam técnicos agrícolas ou afins, em que pese a necessidade destes profissionais em várias áreas de atuação do Estado, pois carecem de políticas voltadas para a agricultura familiar. As escolas técnicas são importantes para o desenvolvimento da agricultura das regiões e mostraram que a qualidade do ensino oferecido promove a capacitação das pessoas que, mesmo não encontrando colocação no mercado de trabalho relacionada com a área de formação, educam-se como cidadãs, tornam-se mais preparadas para o exercício profissional, melhorando seu conhecimento e suas condições de inserção social.

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