Interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários: decifrando diálogos

July 5, 2017 | Autor: Ivar Vasconcelos | Categoria: Sociologia da Educação, Educação, Filosofia da Educacao
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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação

INTERAÇÃO ENTRE EXPERIÊNCIAS SOCIAIS DE JOVENS ESTUDANTES E DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DECIFRANDO DIÁLOGOS

Autor: Ivar César Oliveira de Vasconcelos Orientador: Prof. Dr. Candido Alberto da Costa Gomes Coorientador: Prof. Dr. José Machado Pais

Brasília - DF 2014

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IVAR CÉSAR OLIVEIRA DE VASCONCELOS

INTERAÇÃO ENTRE EXPERIÊNCIAS SOCIAIS DE JOVENS ESTUDANTES E DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DECIFRANDO DIÁLOGOS

Tese apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Doutor em Educação. Orientador: Prof. Dr. Candido Alberto da Costa Gomes. Coorientador: Prof. Dr. José Machado Pais.

Brasília 2014

V331i

7,5cm

Vasconcelos, Ivar César Oliveira de. Interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários: decifrando diálogos. / Ivar César Oliveira de Vasconcelos – 2014. 632 f.; il.: 30 cm Tese (Doutorado) – Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Prof. Dr. Candido Alberto da Costa Gomes Coorientação: Prof. Dr. José Machado Pais 1. Educação. 2. Educação superior. 3. Formação de professores. 4. Juventude. 5. Interação social. 6. Pedagogia dialógica. I. Gomes, Candido Alberto da Costa, orient. II. Pais, José Machado, coorient. III. Título.

CDU 37.014

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

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Tese de autoria de Ivar César Oliveira de Vasconcelos, intitulada “INTERAÇÃO ENTRE EXPERIÊNCIAS SOCIAIS DE JOVENS ESTUDANTES E DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: DECIFRANDO DIÁLOGOS”, requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação, defendida e aprovada, em 28 de outubro de 2014, pela banca examinadora constituída por:

Brasília-DF 2014

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Brasília-DF 2014

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À minha esposa Elizabeth, presença constante, no zelo, o que foi imprescindível para harmonizar vida acadêmica, profissional e familiar. Aos meus filhos Igor, Ivna e Yuri, na sua juventude, sempre inspirando rumos, o que foi fundamental para descobrir becos e saídas do instigante mundo jovem.

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AGRADECIMENTOS

Acima de tudo, agradeço a Deus. Ao Prof. Dr. Candido Alberto da Costa Gomes, orientador que se fez amigo e parceiro nos estudos, meus agradecimentos pelo crescimento humano e intelectual proporcionado. Sem dúvida, construímos uma rica trajetória que articulou informação e formação. Efetivamente, ampliaram-se horizontes rumo à autonomia. Ao Prof. Dr. José Machado Pais, coorientador, agradeço, cabendo destacar as contribuições para entender o cotidiano dos jovens e para montar a hipótese final do trabalho. O incentivo à participação em congressos e seminários mostrou-se fundamental. Por fim, agradeço a acolhida em seu país, Portugal e, assim, incluo-o entre os novos amigos adquiridos durante o período do estágio doutoral. Ao Prof. Dr. Célio da Cunha, meu muito obrigado pelas orientações e importante apoio, desde a elaboração do projeto de pesquisa até a defesa da tese. Ao Prof. Dr. Luiz Síveres, sou grato pelas ricas críticas feitas ao projeto de pesquisa e ao trabalho final e pelo apoio à coleta e geração de dados. À Prof. Dra. Jacira da Silva Câmara, agradeço pela orientação proporcionada ainda

durante

o

mestrado

e

pelos

comentários

detalhados,

contribuindo

particularmente para a melhor definição do tema desenvolvido. Ao Prof. Dr. Geraldo Caliman, obrigado pela atenção e incentivo, desde o mestrado. À Prof. Dra. Maria Teresa Prieto Quezada, agradeço por ter aceitado o convite para participar da banca examinadora. Ao Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão sou grato especialmente pelos retornos oferecidos durante o ensino das epistemologias. Aos estudantes e professoras participantes da pesquisa, muito obrigado pela disponibilidade, confiança no repasse de informações e empenho com que participaram da coleta e geração de dados. Agradecimentos também às diretoras, por abrirem portas dos cursos à investigação científica. Finalmente, agradeço aos colegas doutorandos, com quem aprendi muito. A todos, obrigado!

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À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele (DELORS et al., 1998, p. 89).

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RESUMO

VASCONCELOS, Ivar César Oliveira de Vasconcelos. Interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários: decifrando diálogos. 2014. 632 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

A fragmentação que caracteriza o mundo atual (BAUMAN, 2001, 2004, 2007) tem levado os indivíduos a construírem relações sociais fundamentadas em lógicas de ação dispostas simultaneamente na pluralidade de valores, no intercâmbio de interesses e no desafio de exprimir subjetividades a partir de representações culturais. Este contexto impacta o diálogo intergeracional. De um lado, jovens, que lidam com a multiplicidade de princípios, podem enfrentar problemas na universidade, como os decorrentes da ruptura provocada pela passagem da educação básica para a educação superior. De outro lado, adultos, entre eles os professores, lutam para se reconhecer nessa multiplicidade, tendo que enfrentar problemas reais, como o de estabelecer diálogos efetivos com os estudantes, realizar pesquisas científicas e trabalhar em equipe, num processo de constante experimentação. Neste contexto, estudantes e professores constroem experiências sociais (DUBET, 1994, 1998, 2013) que podem ou não interagir numa universidade que, por sua vez, sofre processos de desinstitucionalização, precisando renovar modos de dialogar. Caso não os renove, atua como instituição racionalizadora da modernidade (TOURAINE, s/d), podendo vivenciar contradições, como a de receber um jovem com quem não dialoga a contento, denotando a pedagogia conteudista e monológica, bancária (FREIRE, 1987, 2009). Com tal cenário, emergem indagações em torno das quais se delineia uma problemática de pesquisa: na sala de aula, há interação entre experiências sociais? Caso haja, como se desenvolve? Quais as lógicas de ação envolvidas? Informação e formação se articulam? Como? Quais as percepções dos participantes a respeito da interação que desenvolvem? Enfim, quais os aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais construídas no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade? Assim, investiga-se esta interação para descobrir seus aspectos relevantes, com o intuito de compreender como concretizar, cada vez mais, a pedagogia dialógica (FREIRE, 1987, 2009) compatível com a necessidade de renovação da universidade. Para obter respostas, optou-se por uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória, realizando-se um estudo de casos múltiplos (YIN, 2010), envolvendo oito estudantes jovens e seis professoras dos cursos de Letras e Pedagogia de uma universidade privada estabelecida em Brasília. Os estudantes valorizam o clima de amizade com colegas e professores, a criatividade e se preocupam com o desinteresse de colegas pelo curso. Eles possuem no horizonte profissional o professor líder e carismático. Para uns, há sobrecarga de informações em detrimento de uma formação mais sólida, mas entendem que os professores contribuem para resolver problemas no mundo atual. Para eles, dialogar pressupõe lidar com conteúdos para além de conceitos. Já as professoras valorizam

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o respeito, sentem-se apoiadas pela instituição e, tal como ocorre com os estudantes, preocupa-lhes o desinteresse destes pelo curso. No horizonte profissional está o docente capaz de articular aspectos informativos e formativos da educação como está proclamado pelos Planos Pedagógicos dos Cursos pesquisados. Para elas, dialogar é levar o mundo real para dentro da sala de aula. Após terem sido obtidas as respostas aos objetivos propostos, elaborou-se uma hipótese, híbrida em sua natureza, pois se caracteriza como investigativa e interpretativa.

Palavras-chave: Educação superior. Formação de professores. Juventude. Interação social. Pedagogia dialógica.

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ABSTRACT

VASCONCELOS, Ivar César Oliveira de Vasconcelos. Interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários: decifrando diálogos. 2014. 632 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

The fragmentation that typifies the world of today (BAUMAN, 2001, 2004, 2007) has led individuals to build their social relations on the basis of action logics divided among the plurality of values, exchanges of interests and the challenge of expressing subjectivities on the basis of cultural representations. That context has an impact on inter-generational dialogue. On the one hand, young people, who have to deal with the multiplicity of principles, may face problems at the university such as those stemming from the rupture brought about by the passage from basic education to higher education. On the other hand, adults, teachers among them, struggle to recognize themselves in the midst of that multiplicity, having to face up to real problems such as how to establish effective dialogue with their students, carry out scientific research and be part of a team; a constant process of experimentation. Against that background, students and teachers construct social experiences (DUBET, 1994, 1998, 2013) that may or may not interact in a university setting where the university itself is undergoing de-institutionalization processes and needs to renovate its ways of conducting dialogue. When it fails to do so, it performs as an institution that merely rationalizes modernity (TOURAINE, n.d.) and may live out contradictions such as receiving a young person with whom it has no satisfactory dialogue, thereby revealing its content-orientated, monologal, banking-type pedagogy (FREIRE, 1987, 2009). In such a scenario, questions arise around which the research problem can be delineated: is there any interaction between social experiences in the classroom? If there is, how does it develop? What action logics are involved? Do information and qualification articulate? How? What are the participants’ perceptions of the interaction they carry out? In short, what are the relevant aspects of the dynamics of the possible interactions among social experiences constructed in the ambit of the educational process developed in the university classroom? In that light, the research targets that interaction to identify its relevant aspects and attempt to gain an understanding of how to effectively materialize a dialogical pedagogy (FREIRE, 1987, 2009) compatible with the university’s need for renovation. To obtain the answers, a qualitative, exploratory approach was used in the form of a multiple cases study (YIN, 2010), involving young undergraduates and six university teachers from the Pedagogy and Language and Literature courses run by a private university in Brasília. The students were found to value the friendly atmosphere among colleagues and teachers and the creativity but are concerned about their colleagues’ lack of interest in the course. Their professional vision is of a teacher at once charismatic and a leader. Some feel that there is an overload of information to the detriment of a more solid qualification but they consider that the teachers do contribute to solving real-world problems. In their

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view dialoguing means addressing contents in a way that goes beyond the limits of concepts alone. The teachers value respect, feel that they have the support of the institution and, like the students, are concerned about the latter’s lack of interest in their courses. On the professional horizon they envision a teacher capable of articulating the informative and formative aspects of education and that is clearly stated in the Pedagogical Plans of the courses targeted by the research. To them, dialoguing means taking the real world inside the classroom. After obtaining the responses to the proposed objectives, an investigative-interpretative, hybrid hypothesis was formulated.

Key words: Higher education. Teacher education. Youth. Social interaction. Dialogical pedagogy.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – O mundo atual: aprofundamento ou rompimento com a modernidade? . 42 Quadro 2 – Obediência nos diversos grupos humanos. ............................................ 46 Quadro 3 – Noções de experiência social e lógicas de ação. ................................... 55 Quadro 4 – Perspectivas da adolescência e suas implicações escolares. ................ 63 Quadro 5 – Perfil, valores e características dos jovens brasileiros. .......................... 77 Quadro 6 – Brasil, perfil do graduando por modalidade de ensino, 2010. ............... 103 Quadro 7 – Brasil, perfil do professor da educação superior, Brasil, 2010. ............. 107 Quadro 8 – Identidades sociais do jovem estudante e do professor universitário. .. 113 Quadro 9 – A desinstitucionalização da escola. ...................................................... 117 Quadro 10 – Conexões entre concepção de ser humano e projeto educativo. ....... 137 Quadro 11 – Experiências sociais de jovens estudantes. ....................................... 161 Quadro 12 – Experiências sociais de professores universitários. ........................... 173 Quadro 13 – Componentes do estudo de casos múltiplos. ..................................... 202 Quadro 14 – Fontes de evidência, técnicas, instrumentos e procedimentos. ......... 211 Quadro 15 – Estratégia geral de análise, níveis das questões e técnicas. ............. 216 Quadro 16 – Fatores de confiabilidade dos temas. ................................................. 222 Quadro 17 – Lógica da integração: uso pelos estudantes. ..................................... 267 Quadro 18 – Lógica da estratégia: uso pelos estudantes. ...................................... 273 Quadro 19 – Lógica da subjetivação: uso pelos estudantes. .................................. 274 Quadro 20 – Lógica da integração: uso pelas professoras. .................................... 276 Quadro 21 – Lógica da estratégia: uso pelas professoras. ..................................... 279 Quadro 22 – Lógica da subjetivação: uso pelas professoras. ................................. 280 Quadro 23 – Formação, interação, pesquisa e extensão: estudantes. ................... 293 Quadro 24 – Formação, interação, pesquisa e extensão: professoras. .................. 294 Quadro 25 – Ensino, pesquisa e extensão: o proclamado e o praticado. ............... 296 Quadro 26 – Articulação entre informação e formação: estudantes........................ 328 Quadro 27 – Articulação entre informação e formação: professoras. ..................... 330 Quadro 28 – Articulação entre informação e formação: proclamado e praticado. ... 332 Quadro 29 – Interação social: estudantes. .............................................................. 352 Quadro 30 – Interação social: professoras. ............................................................. 354 Quadro 31 – Lógicas de ação: temas e valências das experiências sociais. .......... 365 Quadro 32 – Lógica das questões de nível 3. ......................................................... 398 Quadro 33 – Inércia do sistema educacional: a culpa é do outro. ........................... 429 Quadro 34 – Negação parcial do sujeito: a crítica silenciosa. ................................. 442 Quadro 35 – Autoritarismo: a primazia da informação. ........................................... 454 Quadro 36 – Potenciais para a pedagogia dialógica. .............................................. 465 Quadro 37 – Temas, questões de pesquisa, objetivos específicos e técnicas. ....... 571 Quadro 38 – Questões de pesquisa, objetivos específicos e literatura utilizada. .... 573 Quadro 39 – Objetivos específicos e itens dos roteiros. ......................................... 575 Quadro 40 – Itens do roteiro da replicação e participantes. .................................... 587 Quadro 41 – Unidades de contexto e de registro: lógicas de ação. ........................ 593 Quadro 42 – Unidades de contexto e de registro: informação e formação. ............ 601 Quadro 43 – Unidades de contexto e de registro: interação social. ........................ 604 Quadro 44 – Caracterização dos participantes. ...................................................... 610 Quadro 45 – Caracterização dos cursos. ................................................................ 612

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Quadro 46 – Caracterização das disciplinas. .......................................................... 613 Quadro 47 – Caracterização das aulas. .................................................................. 615

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Dissociação na modernidade. .................................................................. 38 Figura 2 – Da ação ao sistema.................................................................................. 56 Figura 3 – Fundamentos do diálogo. ......................................................................... 81 Figura 4 – Ecologia dos saberes e a superação da razão indolente. ...................... 133 Figura 5 – Educação em valores e a superação do carpe diem.............................. 135 Figura 6 – Oportunidades de interação: Letras, estudantes. ................................... 206 Figura 7 – Oportunidades de interação: Letras, estudantes e professoras. ............ 206 Figura 8 – Oportunidades de interação: Pedagogia, estudantes............................. 207 Figura 9 – Oportunidades de interação: Pedagogia, estudantes e professoras. ..... 207 Figura 10 – Modelo lógico da exploração do material: lógicas de ação. ................. 219 Figura 11 – Modelo lógico da exploração do material: ensino-pesquisa-extensão. 220 Figura 12 – Modelo lógico da exploração do material: informação e formação. ..... 220 Figura 14 – Ligações entre grupos de objetivos e contextos da pesquisa. ............. 224 Figura 15 – Percurso metodológico da elaboração de novas questões. ................. 226 Figura 16 – Mapa de apresentação de resultados e análises. ................................ 238 Figura 17 – Estratégias formativas por meio da pesquisa e extensão. ................... 292 Figura 19 – Vinculações entre experiências sociais de estudantes e sistemas. ..... 335 Figura 21 – Lógica da integração: uso pelos estudantes. ....................................... 359 Figura 22 – Lógica da estratégia: uso pelos estudantes. ........................................ 360 Figura 23 – Lógica da subjetivação: uso pelos estudantes. .................................... 361 Figura 24 – Lógica da integração: uso pelas professoras. ...................................... 362 Figura 25 – Lógica da estratégia: uso pelas professoras. ....................................... 363 Figura 26 – Lógica da subjetivação: uso pelas professoras. ................................... 364 Figura 27 – Contribuições da articulação informar-formar para a interação das experiências sociais de estudantes e professores. ................................................. 370 Figura 28 – Capacidade crítica................................................................................ 372 Figura 29 – Estágio supervisionado e Pibid. ........................................................... 373 Figura 30 – Narrativas de experiências a estudantes. ............................................ 374 Figura 31 – Prática de feedbacks. ........................................................................... 375 Figura 32 – Impactos da ausência da articulação informar-formar sobre as experiências sociais de estudantes e professores. ................................................. 376 Figura 33 – Poucas evidências da associação entre ensino-pesquisa-extensão. ... 377 Figura 34 – Ensino atrelado à sala de aula. ............................................................ 378 Figura 35 – Ausência de equilíbrio entre aspectos racionais e socioemocionais. ... 379 Figura 36 – Apelo à educação bancária. ................................................................. 380 Figura 37 – Lógica da elaboração das questões após discutir o corpus da pesquisa. 409 Figura 38 – Paralelismo teoria-empiria-teoria.......................................................... 511

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Estudo e trabalho, brasileiros, 15-24 anos, 2011 (%). .......................... 145 Gráfico 2 – Situação dos brasileiros, até 24 anos, conforme os quintos do rendimento mensal familiar per capita, 2011 (%). ................................................... 150 Gráfico 3 – Óbitos por causas externas, brasileiros, até 29 anos, por grupos de idade e sexo, 2009 (%). .................................................................................................... 150 Gráfico 4 – Abandono escolar, europeus e brasileiros, 18-24 anos, por sexo, 2011 (%). 152 Gráfico 5 – Média de anos de estudo, brasileiros, 18-24 anos, segundo os quintos do rendimento mensal familiar per capita, 2001 e 2011. .............................................. 153 Gráfico 6 – Ocupação do tempo livre, brasileiros, 15-24 anos, fim de semana, 2003 (%). 157 Gráfico 7 – Ocupação do tempo livre, brasileiros, 15-24 anos, semana, 2003 (%). 157

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Duração das observações diretas. ........................................................ 608 Tabela 2 – Duração dos relatos de vida e replicações. ........................................... 608 Tabela 3 – Duração das entrevistas estruturadas. .................................................. 609 Tabela 4 – Duração das análises interpretativas e críticas. .................................... 609

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LISTA DE ABREVIATURAS

abr. – abril. ago. – agosto. art. – artigo. coord. – coordenador, coordenadora. dez. – dezembro. ed. – edição. et al. – e outros (provém do latim et alii). fig. – figura. fev. – fevereiro. graf. – gráfico. h – hora. in – em. jan. – janeiro. jun. – junho. jul. – julho. mai. – maio. mar. – março. min. – minuto. nº – número. nov. – novembro. org. – organizador, organizadora. out. – outubro. p. – página. P – pergunta. R – resposta. S.A. – sociedade anônima. s/d – sem data. s/v – sem volume. set. – setembro. TV – televisão. v. – volume.

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LISTA DE SIGLAS

ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. CAIC – Centro de Atenção Integral à Criança. Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. CFE – Conselho Federal de Educação. CGI – Comitê Gestor da Internet no Brasil. CNE – Conselho Nacional de Educação. CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. CNJ – Conselho Nacional da Juventude. CNS – Conselho Nacional de Saúde. Comped – Comitê dos Produtores da Informação Educacional. CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. DCB – Diseños Curriculares Base. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. EJA – Educação de Jovens e Adultos. Enade – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes. EUA – Estados Unidos da América. ESAV – Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa. Flacso – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais/Brasil. GEA – Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior no Brasil. Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ibope – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. ICS – Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. IES – Instituição de Ensino Superior. INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LL – Licenciatura em Letras. LP – Licenciatura em Pedagogia. MEC – Ministério da Educação. OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. OECD – Organisation for Economic Co-Operation and Development. ONU – Organização das Nações Unidas. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional. Pibid – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais. PPC – Projeto Pedagógico de Curso. PE – Plano de Ensino. PIB – Produto Interno Bruto. PPI – Projeto Pedagógico Institucional. PUC – Pontifícia Universidade Católica. Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.

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Sinaes – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. SM – Salário mínimo. TCC – Trabalho de Conclusão de Curso. TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação. UCB – Universidade Católica de Brasília. UnB – Universidade de Brasília. Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. VNI – Cisco® Visual Networking Index.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 23 CAPÍTULO 1: EXPERIÊNCIA SOCIAL, JOVENS E UNIVERSIDADE .................... 36 1.1. EXPERIÊNCIA SOCIAL NO MUNDO CONTEMPORÂNEO .......................... 36 1.1.1. Introdução ..................................................................................................... 36 1.1.2. A modernidade do mundo atual .................................................................. 36 1.1.3. Lógicas de ação: do clássico à contemporaneidade ................................ 44 1.1.4. Noção de experiência social e vinculações com o sistema ...................... 51 1.1.5. Síntese ........................................................................................................... 59 1.2. JUVENTUDES, DIÁLOGO E EDUCAÇÃO ..................................................... 60 1.2.1. Introdução ..................................................................................................... 60 1.2.2. Sentidos do termo juventude ...................................................................... 60 1.2.3. Fundamentos do diálogo ............................................................................. 77 1.2.4. Oportunidades de dialogar com os jovens ................................................ 83 1.2.5. Novos contextos de diálogo com os jovens na escola ............................. 86 1.2.6. Currículo para a educação dialógica .......................................................... 93 1.2.7. Síntese ........................................................................................................... 99 1.3. UNIVERSIDADE E DIÁLOGO ...................................................................... 101 1.3.1. Introdução ................................................................................................... 101 1.3.2. O jovem estudante universitário ............................................................... 102 1.3.3. O professor universitário ........................................................................... 107 1.3.4. A desinstitucionalização da universidade ................................................ 112 1.3.5. Diálogos estratégicos para a universidade .............................................. 121 1.3.6. Interação social na sala de aula ................................................................ 127 1.3.7. Síntese ......................................................................................................... 138 1.4. INTERAÇÃO ENTRE JOVENS ESTUDANTES E PROFESSORES ............ 140 1.4.1. Introdução ................................................................................................... 140 1.4.2. Identidade social: para uma melhor compreensão ................................. 141 1.4.3. Experiências sociais de jovens estudantes ............................................. 143 1.4.4. Experiências sociais de professores universitários ............................... 161 1.4.5. Interação das experiências sociais ........................................................... 172 1.4.6. Síntese ......................................................................................................... 179 CAPÍTULO 2: A PESQUISA E SEUS COMPONENTES ........................................ 183 2.1. PROBLEMA .................................................................................................. 183 2.2. JUSTIFICATIVA ............................................................................................ 191 2.3. OBJETIVOS.................................................................................................. 196

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2.3.1. Objetivo geral .............................................................................................. 196 2.3.2. Objetivos específicos ................................................................................. 196 2.4. METODOLOGIA ........................................................................................... 197 2.4.1. Definição e descrição do tipo de pesquisa .............................................. 197 2.4.2. Campo da pesquisa e participantes .......................................................... 201 2.4.3. Técnicas, instrumentos e procedimentos ................................................ 209 2.4.4. Análise de dados ........................................................................................ 215 CAPÍTULO 3: RESULTADOS DA PESQUISA....................................................... 227 3.1. CONTEXTOS DA PESQUISA ...................................................................... 227 3.1.1. Introdução ................................................................................................... 227 3.1.2. Universidade: estudante-trabalhador e trabalhador-estudante .............. 227 3.1.3. Atividades de pesquisa e extensão: a herança da indissociabilidade ... 229 3.1.4. Cursos de licenciaturas: o desprestígio ................................................... 234 3.1.5. Sala de aula: para além do ambiente físico, a humanização .................. 236 3.1.6. Mapa dos resultados e análises ................................................................ 238 3.2. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA UNIVERSIDADE .......................................... 239 3.2.1. Introdução ................................................................................................... 239 3.2.2. As lógicas de ação de estudantes e professores .................................... 240 3.2.3. Conclusões ................................................................................................. 266 3.3. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA PESQUISA E EXTENSÃO ........................... 281 3.3.1. Introdução ................................................................................................... 281 3.3.2. Estratégias formativas por meio da pesquisa e extensão ...................... 282 3.3.3. Formação, interação e atividades de pesquisa e extensão .................... 284 3.3.4. Conclusões ................................................................................................. 291 3.4. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NOS CURSOS ................................................... 298 3.4.1. Introdução ................................................................................................... 298 3.4.2. Os processos educacionais enquanto sistemas ..................................... 299 3.4.3. Estratégias formativas dos cursos pesquisados .................................... 303 3.4.4. Articulações entre informar-formar .......................................................... 308 3.4.5. Vinculações causais entre sistemas e experiências sociais .................. 321 3.4.6. Conclusões ................................................................................................. 323 3.5. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA SALA DE AULA ........................................... 338 3.5.1. Introdução ................................................................................................... 338 3.5.2. As interações sociais ................................................................................. 338 3.5.3. Conclusões ................................................................................................. 351 CAPÍTULO 4: DISCUSSÃO DO CORPUS DA PESQUISA ................................... 357 4.1. INTERAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS SOCIAIS.............................................. 357 4.1.1. Introdução ................................................................................................... 357 4.1.2. As relações entre lógicas de ação de estudantes e de professores ...... 357 4.1.3. Contribuições e impactos da (des) articulação informar-formar ........... 368 4.1.4. Interações entre experiências sociais de estudantes e de professores 380 4.1.5. Síntese ......................................................................................................... 384

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4.2. AÇÃO DOCENTE PARA A PEDAGOGIA DIALÓGICA ................................ 387 4.2.1. Introdução ................................................................................................... 387 4.2.2. O tema do interesse dos estudantes pelo curso ..................................... 388 4.2.3. O tema da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão ............. 390 4.2.4. O tema da diversificação das atividades pedagógicas ........................... 391 4.2.5. O tema da articulação dos aspectos cognitivos-socioemocionais ........ 392 4.2.6. O tema da prática de feedbacks ................................................................ 393 4.2.7. O tema da consciência para a condição profissional.............................. 395 4.2.8. Síntese ......................................................................................................... 395 4.3. AÇÃO INSTITUCIONAL PARA A PEDAGOGIA DIALÓGICA ...................... 400 4.3.1. Introdução ................................................................................................... 400 4.3.2. Mais práxis, mais interesse pelo curso .................................................... 402 4.3.3. Mais criticidade, mais pesquisa/extensão e maior consciência ............. 403 4.3.4. Mais realidade, maior diversificação das atividades ............................... 405 4.3.5. Mais comunicação, maior articulação entre razão e emoção ................. 406 4.3.6. Mais diálogo, mais práticas de feedbacks................................................ 407 4.3.7. Síntese ......................................................................................................... 408 4.4. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS E PEDAGOGIA DIALÓGICA.............................. 413 4.4.1. Introdução ................................................................................................... 413 4.4.2. A inércia do sistema educacional: a culpa é do outro ............................ 415 4.4.3. A negação do sujeito: a crítica silenciosa ................................................ 436 4.4.4. O novo-velho autoritarismo: a primazia da informação .......................... 446 4.4.5. O poder transformador da pedagogia dialógica ...................................... 456 4.4.6. Síntese ......................................................................................................... 468 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 471 5.1. RESPOSTAS AOS OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................... 474 5.1.1. Experiências sociais................................................................................... 476 5.1.2. Lógicas de ação .......................................................................................... 479 5.1.3. Informação e formação .............................................................................. 492 5.1.4. Interação social ........................................................................................... 500 5.2. HIPÓTESE.................................................................................................... 508 RECOMENDAÇÕES ............................................................................................... 512 6.1. APROVEITAR POTENCIAIS ........................................................................ 513 6.1.1. A autorresponsabilidade pela maior interação social ............................. 513 6.1.2. A criticidade dos estudantes ..................................................................... 514 6.1.3. A intenção de participar de projetos de pesquisa e extensão ................ 515 6.1.4. As narrativas de experiências pessoais e profissionais ......................... 515 6.1.5. A expectativa da prática sistematizada de feedbacks ............................. 516 6.2. MUDAR CONDUTAS: APROXIMAR-SE DO OUTRO, FORMAR ................ 517 6.2.1. A questão da inércia do sistema educacional ......................................... 517 6.2.2. A questão da negação parcial do sujeito ................................................. 518 6.2.3. A questão da tendência ao autoritarismo................................................. 518

22

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 520 GLOSSÁRIO ........................................................................................................... 550 APÊNDICES ........................................................................................................... 564 APÊNDICE A – PROTOCOLO DO ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS ................. 565 APÊNDICE B – METODOLOGIA: BALIZADORES DA PESQUISA ........................ 571 APÊNDICE C – ROTEIROS .................................................................................... 582 APÊNDICE D – EXPLORAÇÃO DO MATERIAL..................................................... 593 APÊNDICE E – TÉCNICAS: TEMPOS DE APLICAÇÃO ........................................ 608 APÊNDICE F – PERFIS: PARTICIPANTES, CURSOS, DISCIPLINAS E AULAS .. 610 APÊNDICE G – RELATÓRIOS PARCIAIS.............................................................. 616 APÊNDICE H – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE/ESCLARECIDO ........... 630

23

INTRODUÇÃO

O cientista é como o poeta: após descortinar o invisível e embevecer-se com a novidade, constata que o novo agora velho já não passa do óbvio! Por isto mesmo está no poema: Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la... Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado... É estar por ela ou ser por ela [e], por isso, melhor se guarda o voo de um pássaro do que um pássaro sem voos (CÍCERO, 1996, p. 337).

Como os poemas não cabem nas palavras, pois eles são como constelações de signos possuidores de luz própria (PAZ, 1976), que se detenha um pouco o olhar sobre a experiência humana de tomar a realidade como objeto de observação e admiração, independentemente da ideia de distanciamento entre ciência e arte (NISBET, 1962) processada ao longo dos tempos. Ao fazê-lo, considere-se que um objeto observado muda de lugar permanentemente junto com o observador. Constate-se que, apesar disso, o ser humano é capaz de observar o objeto, pois em algum lugar os dois se encontram. Sendo assim capaz, o ser humano já construiu e destruiu ao longo da História diversos edifícios epistemológicos, erguidos para explicar a arte de conhecer. Esta é outra experiência, que já mudou de feição diversas vezes. Outrora e ainda nos tempos atuais, importantes pensadores estiveram a abrigar suas explicações em edifícios, metaforicamente, arquitetônicos, a exemplo da ágora grega ou dos monumentos que perfilaram e perfilam universidades, passando por escolas, que já foram monacais, episcopais e palatinas. Assim tem sido só porque o ser humano consegue levar a termo mais um tipo de experiência: a de dialogar. Para desvelar aspectos destas experiências – observar, explicar e dialogar – poder-se-ia refazer certas trajetórias de pensadores em sua busca por elaborar perguntas sobre a realidade e respondê-las. Entretanto, não é o caso. O empreendimento é mais modesto. O plano é percorrer alguns interstícios da vida acadêmica, aproximando-se de seu cotidiano. O plano se realiza no ambiente da universidade, lugar de múltiplas relações humanas e propício a descobertas, obviamente acompanhado da observação e explicação, amálgamas do diálogo entre pesquisador e leitor.

24

Uma primeira mirada revela que a universidade se envolve ainda hoje nas infindáveis discussões a respeito da transição entre o moderno e o que se convencionou chamar pós-moderno1. Quais contradições e paradoxos emergem das relações

existentes

entre

uma

universidade

atrelada

aos paradigmas da

modernidade2 e outra que se ergue e se renova, exercitando a capacidade de dialogar? Quais nuanças estão por serem observadas e descobertas nos espaços configurados pela interação entre experiências de estudantes e experiências de professores? Ora, vivas ainda estão determinadas controvérsias que gravitam em torno da transição entre o moderno e pós-moderno. Sendo assim, será através da janela aberta por tais controvérsias, geradas por força de um mundo altamente volátil, que será direcionado o olhar do leitor. No final desta introdução, terá captado a problemática da pesquisa, as suas principais dimensões, o seu enquadramento teórico, bem como as opções metodológicas. Tomando então como referência inicial a mencionada transição, recorre-se à constatação de que o mais significativo no pensamento moderno é o que Weber (1984) nomeou como diferenciação das esferas culturais de valores: a distinção entre arte, moral e ciência. Áreas como política, economia, família, trabalho e educação foram demarcadas como consequência de mudanças ocorridas desde o Renascimento europeu, configurando uma relevante característica das sociedades modernas. Como tal diferenciação se expandiu ao longo dos tempos, instalou-se no mundo uma contínua dissociação entre os diversos subsistemas, levando à ideia de que, enquanto a diferenciação seria a dignidade da modernidade, a dissociação seria o seu desastre, pois as esferas se afastaram de tal modo que uma patologia passou a impedir o avanço desses sistemas (WILBER, 2006). Com o intenso processo de fragmentação instalado no mundo (BAUMAN, 2001), dando origem a convenções como pós-modernidade, modernidade tardia, modernidade líquida, dentre outras, as clássicas noções de papel, valor, instituição, socialização, estrato social e função cederam lugar a novas explicações. Ao

1 2

Ver Glossário, termo pós-modernidade. Ver Glossário.

25

contrário da explicação clássica, pela qual as lógicas de ação3 utilizadas pelos indivíduos estariam vinculadas por meio de relações necessárias, agora, o novo modo de explicar indicava que elas seriam aleatórias (DUBET, 1994). Tal processo de fragmentação levou os seres humanos a se orientar e a se relacionar não mais segundo lógicas hierarquizadas, como se houvesse previamente uma espécie de configuração gerada por ação da natureza. As orientações e os relacionamentos passaram a se desenvolver em consonância com uma autonomia construída na pluralidade de valores, no jogo de interesses e na busca por exprimir subjetividades4. As pessoas passaram a vivenciar relações sociais explicadas menos a partir da clássica ideia de ação e mais a partir da noção de experiências sociais5. De acordo com esta noção, as condutas6 individuais e coletivas seriam construídas na pluralidade de princípios e por meio da ação dos indivíduos, agora responsáveis pelo sentido de sua ação em tal pluralidade. Isto caracteriza um arranjo subjetivo dos diversificados tipos de ação, observáveis e analisáveis porque se inscrevem na objetividade dos diversos sistemas (DUBET, 1994)7. Feita esta contextualização, cabe continuar esta introdução inserindo-se um segundo assunto: os jovens. No mundo fragmentado, sumariamente descrito acima, há sinais de que os jovens buscam definir seus percursos biográficos, partindo de vivências traduzíveis em projetos significativos. Eles clamam por intervir, decidir, influenciar e ditar comportamentos nos diversos domínios, difundindo seus gostos e ideias a outras faixas etárias, o que inverte a histórica situação de serem avaliados pelos papéis a desempenhar na vida adulta (PAIS, 2003). O que é a juventude?8 Que vertentes de explicação a tornam visível? Em termos internacionais, os jovens pertencem à faixa da população que vai de 15 a 24 anos (ONU, 1981) e, no Brasil,

3

Ver Glossário. Ver Glossário. 5 Ver Glossário. 6 Ver Glossário. 7 Cabe esclarecer, desde logo, que esse autor, referência central neste trabalho, toma o termo sistema para indicar o espaço no qual ocorrem as experiências sociais, onde residiria alguma objetividade. Seria o estado coletivo que resulta de condutas individuais, passível de observação e análise. Nele localizam-se elementos que compõem a experiência social – como se verá adiante. Segundo o autor, mesmo a rejeição da imagem de um sistema funcional, com sua coerência finalizada, “não pode levar a que se abandonem as ideias de sistema e de determinação da ação” (DUBET, 1994, p. 151), sendo aquilo que se chama sistema social a “combinação de elementos cuja unidade resulta da capacidade política dos atores” (p. 156). Ver Glossário. 8 Ver Glossário, termos jovem e jovem universitário. 4

26

eles fazem parte da população de 15 a 29 anos (BRASIL, 1990, 2005, 2013) – critérios operacionais utilizados para efeito de estratificação de amostras de estudo, como em inquéritos por questionário. Tomada desta maneira, juventude seria o grupo formado por pessoas que fazem parte de uma faixa etária que inicia na adolescência, ou no suposto fim a que esta chega, e avança até à idade adulta, prevalecendo o critério da homogeneidade. No entanto, os jovens participam de classes sociais e situações econômicas de maneira desigual, tendo díspares interesses e mudando rapidamente os modos de se relacionar. Eles experimentam permanentemente novas situações e, assim, constroem suas identidades9. Concebida desta outra maneira, juventude seria o conjunto social formado por pessoas não apenas inscritas no mesmo segmento etário, mas também com pertenças e situações sociais diferenciadas (PAIS, 2003). Assim, torna-se possível falar em juventudes como o conjunto social passível de explicação a partir de múltiplos pontos de vista, prevalecendo o critério da heterogeneidade. Na busca por definir trajetórias de vida, é muito provável que a geração jovem vivencie dificuldades de dialogar com as gerações anteriores, algo recíproco. Este terceiro assunto, o diálogo intergeracional, caracteriza-se pelo seguinte: de um lado, estão os jovens, orientando-se pela multiplicidade de princípios e, de outro, os adultos que, além de vivenciarem esta multiplicidade, encontram obstáculos para se reconhecerem neles. Certamente tal cenário favorece a construção de diálogos, pois uns e outros se aproximam por serem responsáveis pela determinação de sentido e significados impressos no mundo (a noção weberiana de espírito) para o que fazem (WEBER, 2006a; DUBET, 1994). Entretanto, constata-se que recrudescem problemas sociais, como os entraves com os quais se deparam parte dos jovens para ingressar no mundo do trabalho e acessar a habitação, potencializando revoltas, marginalidade, delinquência e consumo de drogas (PAIS, 2003). No âmbito educacional, no qual as relações interpessoais se tornam cada vez mais relevantes, registram-se numerosas dificuldades de se estabelecer o diálogo intergeracional. Como se manifestam, por exemplo, nos problemas da violência

9

Este termo se refere à identidade social, dissociada no seu cerne desde a representação modernista de mundo e construída como um trabalho do ator. Tal noção, assumida neste trabalho, é detalhada mais à frente (Seção 1.4.2).

27

escolar e do desinteresse pela aprendizagem e, consequentemente, problemas de evasão, prevalecendo com frequência a dinâmica curricular na qual alguns jovens não conseguem exercer o protagonismo de sua aprendizagem (GOMES, 2011). Na universidade, de onde se espera uma efervescência de diálogos, existem possibilidades de compreensão das juventudes segundo amplas perspectivas. Nela é possível compreendê-las como conjunto de atores sociais, cada qual tendo características específicas. Nesta perspectiva, as juventudes são concebidas como processo,

como

sequência

de

trajetórias

biográficas

orientadas

por

pré-

estruturações resultantes de ações sociais (PASSERON, 1989). Os jovens são entendidos como indivíduos sujeitos à injunção institucional, a qual se reflete em sua identidade (PAIS, 2003), desde o ingresso na vida universitária até a conclusão de sua formação acadêmica. Desse modo, diversas são as oportunidades de se construírem diálogos10 entre as gerações com a valorização dos aspectos subjetivos presentes nas interações sociais desenvolvidas pelos membros da comunidade universitária. No entanto, a realidade da vida universitária na qual os jovens se inserem é mais complexa do que aparenta. Ao ingressar na universidade, eles enfrentam a tarefa inicial de aprender o ofício de estudante, isto é, aprender a se cuidar para não serem eliminados ou para não se eliminarem porquanto continuem como estrangeiros num mundo que lhes é novo (COULON, 2008). Eles vivenciam uma passagem,

em

termos

etnológicos,

a

ser

considerada

nos

períodos

do

estranhamento, da aprendizagem e da afiliação. Nesta passagem, buscam autonomia em meio aos estudos com outros adultos. Preparam-se para a vida ativa, para o mundo do trabalho. Aprendem a decidir a própria vida. Portanto, uma transição que pode se caracterizar por inquietações que os levam a adotar condutas por meio de estratégias frequentemente despercebidas pela universidade. Por sua vez, os professores vivenciam situações nos âmbitos pessoal e profissional desenvolvidas no cotidiano da prática didático-pedagógica. Constroem identidades nas dinâmicas do exercício da docência, na interação com estudantes e colegas, elaborando novas visões de mundo e de ser humano. Em especial, constroem identidades na sala de aula11, no encontro de vivências, saberes,

10 11

Ver Glossário. Ver Glossário.

28

interesses e problemas conectados com a realidade (MASETTO, 2012), como a quantidade numerosa de alunos por turma, no complexo intercâmbio de vivências valorativas. Experimentam na pele os problemas alusivos à enorme expansão da educação superior presente em todos os continentes – estima-se para mais de 170 milhões de estudantes (UNESCO, 1999; OECD, 2010). Tendo se expandido a educação superior em escala mundial, a universidade passou a receber populações jovens de formações socioculturais as mais diversas, muitos sendo hábeis na arte de dominar não só o currículo12 da sala de aula como também o currículo da rua, socializando-se a seu modo e exercendo protagonismo (GOMES; VASCONCELOS; LIMA, 2012). Assim, cada um à sua maneira, estudantes e professores seguem construindo suas experiências sociais, podendo resultar num processo interativo que torna mais desafiante: para os primeiros, aprender o ofício de estudante; para os segundos, aprender a ser educador na prática. Neste amplo cenário, no qual jovens vivenciam dificuldades e oportunidades para estabelecer diálogos intergeracionais, situa-se a universidade, a qual está a sofrer determinados processos de desinstitucionalização. Tais processos são entendidos, ora como mutação (DUBET, 1994, 1998, 2013; TOURAINE, 1997), ora como crise (SANTOS, 2005). Em comum, podem ser analisados à luz dos problemas que envolvem a discussão a respeito de modernidade e pósmodernidade. Envolvida com esses processos e desafios, parece que à universidade cabe fortalecer com alguma urgência a característica fundamental de ser um espaço de amplo diálogo (MENDES, 1968), concedido a este termo prioritariamente o significado de articulação. Os diálogos estratégicos entabulados por ela podem contribuir para, entre outras coisas: fomentar o sistema contínuo constituído pelos estabelecimentos de educação básica e de educação superior (UNESCO, 1999); buscar formas de aproximar ensino e pesquisa, sem descurar da missão social (BRASIL, 1988, 1996); promover interação entre gerações, com o envolvimento de estudantes e professores; articular aspectos informativos e formativos da educação;

12

Ver Glossário.

29

conectar os diversos tipos de conteúdos na sala de aula; estabelecer vínculos entre concepções de ser humano e de projeto educativo. Caso contrário, a persistir como instituição racionalizadora da modernidade (TOURAINE, s/d), provavelmente a universidade continue a vivenciar contradições. Como ocorre, por exemplo, quando ela recebe um jovem duplamente vencedor, aquele que dominou a multiplicidade de currículos e superou dificuldades para acessar a educação superior (SPOSITO, 2009), e, ainda assim, sobre ele deita um olhar distante anos-luz da lição freireana do respeito à autonomia do ser do educando (FREIRE, 2009). Contradições desta natureza em parte decorrem da manutenção da educação bancária13, da pedagogia monológica (FREIRE, 1987), as quais, por sua vez, embutem uma racionalidade compatível com a modernidade sólida e não líquida (BAUMAN, 2001). Nos termos de Freire (1987), antes de ser pura transmissão de conteúdos, a educação que problematiza o mundo é dialógica, pois considera permanentemente a relação Eu-Tu nesta problematização. Caso seja internalizada esta educação voltada para o diálogo pelas diversas instâncias da universidade, poderá haver uma ressignificação da dinâmica curricular em lugares prioritários, como é caso da sala de aula. Poderá ser priorizado o papel desempenhado pelo professor, este o principal ator na concretização dessa dinâmica, uma vez que o processo educacional se desenvolve efetivamente na sua prática didático-pedagógica (CÂMARA, 1995) – embora frequentemente o professor universitário tenha se limitado a converter informação em conhecimento, conforme evidências

(VASCONCELOS;

CÂMARA,

2011;

VASCONCELOS,

2011a),

sobrepondo-se aspectos informativos aos formativos da educação14, o que contribui para o distanciamento da pedagogia dialógica15 (FREIRE, 1987). Desse modo, se, para o estudante universitário o cerne da vida acadêmica é a interação entre suas vivências e vivências do professor, organizadas em função dos currículos explícito e implícito, evidencia-se a necessidade de se desenvolver e de aprimorar o diálogo na sala de aula, concebido o termo diálogo em sua dimensão

13

Ver Glossário. Ver Glossário. 15 Ver Glossário. 14

30

pedagógica. Ocorreria a educação dialógica (FREIRE, 1987, 2009), o currículo dialógico. Entretanto, se o tema do presente trabalho é o diálogo, independentemente dos âmbitos em que este se situe – no encontro entre gerações, na universidade como um todo ou nos processos educativos –, razoável é tomá-lo como objeto de estudo só se forem consideradas situações práticas, reais. Estas, no mundo atual, apresentam-se de modo fragmentado, em meio à busca dos indivíduos por integração entre os diversos elementos sociais, de modo a determinarem sentido para suas ações, como, de resto, é o que ocorre com a construção de identidades. E, se o recorte deste trabalho toma a sala de aula da universidade como referência, bem como os processos educacionais que nela se desenvolvem, favorável é estudar as experiências sociais construídas neste ambiente, com ênfase nas possíveis interações estabelecidas durante essa construção. Em síntese, a fragmentação do mundo atual (BAUMAN, 2001) tem levado os indivíduos a construírem relações sociais fundamentadas em lógicas de ação não mais configuradas em termos de hierarquia, mas dispostas na pluralidade de valores, no intercâmbio de interesses e na busca por superar obstáculos à realização

de

subjetividades

(DUBET,

1994).

Tal

fragmentação

e

suas

consequências têm impactado o diálogo intergeracional. Por um lado, encontram-se os jovens, que, ao lidarem com a multiplicidade de princípios, enfrentam obstáculos na escola e na universidade, tal como os decorrentes da ruptura provocada pela passagem da educação básica para a educação superior, que os obriga a aprender o ofício de estudante (COULON, 2008). Por outro lado, estão os adultos, entre eles os professores, que, na dificuldade para se reconhecerem na multiplicidade de princípios, vivenciam desafios como, por exemplo, estabelecer diálogos mais efetivos com os estudantes, realizar pesquisas científicas ou trabalhar em equipe, o que resulta na construção de identidades na prática, num processo de constante experimentação (CALDAS; GOMES, 2012; LÜDKE; BOING, 2012). Desse modo, estudantes e professores constroem experiências sociais que podem ou não interagir; escola e universidade sofrem os processos de desinstitucionalização, o que obriga a universidade a fortalecer sua capacidade para dialogar (DUBET, 1994, 1998, 2013; SANTOS, 2005). Caso contrário, sem

31

estabelecer e operacionalizar diálogos estratégicos, a universidade pode mergulhar em contradições, sendo uma delas a de receber um jovem com quem não dialoga a contento. Enfim, na raiz de contradições com tal natureza parece existir a pedagogia conteudista e monológica, bancária (FREIRE, 1987, 1997, 2009), que refletiria na interação entre experiências sociais de estudantes e de professores. Essa síntese sugere algumas indagações em torno das quais se delineia uma problemática de pesquisa: na sala de aula, há interação entre as experiências sociais de estudantes e as experiências sociais de professores? Caso haja esta interação, como se desenvolve? Quais as vinculações causais16 entre as experiências sociais e os diversos sistemas presentes na sala de aula? Quais as lógicas de ação da interação social? Informação e formação se articulam? Como? A possível articulação entre estas duas dimensões da educação favorece a interação entre experiências sociais? Quais as percepções de estudantes e de professores a respeito da interação entre suas experiências sociais? Como percebem os diálogos que estabelecem entre si? Resumindo, quais os aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais de estudantes jovens e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade? Está apresentada, então, a problemática de pesquisa, construída no âmbito de algumas dimensões, tais como: a) Oportunidades de dialogar com os jovens (MORIN, 1977; BOURDIEU, 1983; ORTEGA y GASSET, 1987, 1990; DUBET, 1994; HOBSBAWM, 1995; SPOSITO, 2000, 2009, 2011; PAIS, 2003, 2005, 2008; GOMES, 2005, 2008, 2011; CALIMAN, 2008; CORTELLA; DE LA TAILLE, 2009). b) Novos contextos para dialogar com os jovens na escola (ALVES, 1987; FREIRE, 1987; DUBET, 2008; SPOSITO, 2009; BRASIL, 2012a; LANTHEAUME, 2012; LEÃO, 2012; TENTI FANFANI, 2012; TIRAMONTI, 2012). c) Currículo para a educação dialógica (MENDES, 1968; FREIRE, 1987; HABERMAS, 1990; WEBER, 1999; BAUMAN, 2001, 2004, 2007;

16

Ver Glossário.

32

MACDONALD, 2003; GATTI, 2005; GOODSON, 2007; PACHECO, 2009; PINAR, 2009; SILVA, 2010). d) Desinstitucionalização da universidade (DUBET, 1994, 2002, 2003, 2008; PORTELLA, 1999; GOMES, 2005; SANTOS, 2005; GIOL, 2009). e) Diálogos estratégicos para a universidade (BUARQUE, 1994, 2003; UNESCO, 1999, 2009; SEVERINO, 2007; DEMO, 2009; SÍVERES, 2010). f) Interação social na sala de aula (SIMMEL, 1927; FREIRE, 1987, 2009; MORAIS, 1988; HAIDT, 1994; BRASIL, 1997; MASETTO, 1997, 2012; COLL et al., 1998, 2001; THOMPSON, 1998; VASCONCELLOS, 1999; BOLÍVAR,

2000;

GOFFMAN,

2011,

2012;

GOMES,

2011;

VASCONCELOS, 2012a, 2013). Esta problemática, tomando como arco teórico as noções de experiência social a partir de Dubet (1994) e de pedagogia dialógica a partir de Freire (1987), organiza os objetivos da pesquisa em quatro grupos: 1) experiências sociais desenvolvidas pelos participantes, bem assim as vinculações causais com os sistemas que compõem o processo educacional; 2) lógicas de ação que impulsionam condutas dos participantes, utilizadas aquelas na sala de aula, bem como suas relações; 3) articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, bem como suas contribuições para a interação entre experiências sociais e destas para com o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI; 4) interação social, especialmente a construção da pedagogia dialógica. Assim, baseando-se nas noções de experiência social e pedagogia dialógica, investiga-se a interação entre experiências sociais de estudantes e de professores para descobrir aspectos relevantes dessa interação com o intuito de compreender como concretizar, cada vez mais, uma pedagogia interativa, democrática, compatível com a necessidade de renovação da universidade a qual tem sofrido processos de desinstitucionalização. Trata-se de uma pesquisa com opção metodológica segundo uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória, seguindo-se de perto as metodologias utilizadas por Dubet (1994, 1998, 2003, 2008, 2013) no escopo da sociologia da experiência e por Pais (2003, 2005, 2012) na abrangência da sociologia da vida cotidiana, dentre outras perspectivas. Insere-se, portanto, no horizonte de uma microssociologia na medida em que focaliza relações entre atores sociais nos níveis

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interpessoal ou grupal, considerando papéis, valores, interesses e representações culturais, avançando rumo a uma macrossociologia. Faz isto por meio de análises interpretativas (GOFFMAN, 1971), com ênfase no mundo social face a face em que se constitui a interação social (JOHNSON, 1997). Para tal, e como esta problemática circula em torno de perguntas com ênfase no como e no por quê, a pesquisa delineia-se como estudo de caso. Com este empreendimento científico pretende-se contribuir com discussões a respeito da construção da pedagogia dialógica, do currículo que efetivamente dialogue com estudantes jovens, partindo de situações vivenciadas na sala de aula e em seu entorno. Ao optar pela noção de experiência social como suporte teórico e metodológico, a pesquisa pode contribuir para clarificar concepções advindas da sociologia da experiência, uma área que, dentre outras, apresenta-se relevante para a compreensão dos processos de desinstitucionalização sofridos pela universidade. Pode ainda contribuir com o trabalho de pesquisadores que utilizam o estudo de caso para realizar investigações científicas, pois se evidenciam aspectos da operacionalização de técnicas, procedimentos e demais recursos afetos a este desenho investigativo. Pode contribuir porque estes aspectos são evidenciados no âmbito de um estudo de casos múltiplos, operacionalizado como etnossociológico. Apresentado o tema – em que se explicitam a problemática da pesquisa, as principais dimensões, o enquadramento teórico e as opções metodológicas, bem como se realiza uma sumaríssima exposição das contribuições –, cabe informar que este estudo afina-se com a família das sociologias compreensivas, buscando reunir perspectivas, analisar e interpretar condutas e discursos individuais ou coletivos. Por isto mesmo, pode o leitor, em determinados momentos de sua leitura, deparar-se com a repetição de informações, porém, tal ocorre em compatibilidade com o percurso das explicações, agora dispostas a partir de novo prisma. Na composição do presente trabalho, juntam-se a esta Introdução, a Conclusão, as Recomendações, as Referências, o Glossário e os Apêndices, além dos quatro Capítulos: 1) Experiência social, jovens e universidade; 2) A pesquisa e seus componentes; 3) Resultados da pesquisa; 4) Discussão do corpus da pesquisa. O Capítulo 1 apresenta o conceito de experiência social, de acordo com as formulações de Dubet (1994), contextualizando com discussões a respeito de posicionamentos teóricos relacionados ao que se convencionou chamar de

34

modernidade e pós-modernidade. Segue com explicações sobre os diversos sentidos do termo juventude, as noções de diálogo e as oportunidades de dialogar com os jovens na escola, o que possibilita discutir o tema do currículo dialógico. Estes temas são contextualizados para o ambiente da universidade, a qual tem sofrido

processos

de

desinstitucionalização,

obrigando-se

a

se

renovar

permanentemente por meio do diálogo. No final, apresenta um breve exercício de análise da interação de experiências sociais de estudantes e professores universitários, tomando-se como objeto de observação determinadas vivências do dia a dia desses atores sociais estudadas em inúmeras pesquisas relacionadas à vida estudantil. O Capítulo 2 apresenta um amplo desenho da pesquisa realizada, informando os seus componentes. Nesta parte, oferecem-se explicações sobre a problemática de investigação, a justificativa do empreendimento, o objetivo geral e os específicos, bem como com relação à metodologia. São informados os critérios de escolha do tipo de pesquisa, os critérios de escolha do campo e dos participantes, bem como os relacionados às técnicas, aos instrumentos e aos procedimentos, incluindo as análises de dados. Na sequência, o Capítulo 3 traz as apresentações dos resultados da pesquisa. Optou-se por organizá-las de acordo com os quatro contextos priorizados, isto é: universidade como um todo, atividades de pesquisa e extensão, cursos de licenciatura formativos de educadores e sala de aula. Desse modo, os aspectos da interação entre as experiências sociais de estudantes e professores são apresentados a partir de problemáticas sociais já amplamente discutidas pela literatura especializada. O capítulo compõe-se de seções que iniciam com uma introdução e finalizam com conclusões parciais. Na verdade, estas conclusões se constituem na porta de entrada para a discussão do corpus da pesquisa. Esta discussão é realizada no Capítulo 4, o qual inicia retomando os temas que emergiram com o tratamento dos resultados e prossegue apresentando inferências e interpretações elaboradas com foco nas questões de pesquisa. Assim, constam nesta parte do trabalho os detalhes da interação das experiências sociais17 estudadas, tomados conforme: relações entre lógicas de ação de estudantes e de

17

Ver Glossário, termos interação das experiências sociais e interação das experiências sociais de jovens alunos e de seus professores universitários.

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professores; contribuições da articulação informar-formar para a interação dessas experiências sociais; identidades sociais e vinculações causais entre ação e sistemas. O capítulo apresenta doze questões elaboradas segundo os resultados alcançados, que colocam frente a frente duas perspectivas teóricas que embasam o estudo, ancoradas nos conceitos de experiência social e pedagogia dialógica. Finaliza com explicações sobre os termos que comporão uma hipótese. A Conclusão apresenta respostas aos objetivos da pesquisa e uma hipótese. Finalmente, as Recomendações apresentam as oportunidades de aproveitamento dos potenciais identificados pela pesquisa, bem como as oportunidades oferecidas para a mudança de condutas dos diversos atores envolvidos no processo educacional, a aproximação entre eles e a formação mais humana. Cabe dizer que a apresentação de recomendações teve impulso em duas atitudes do pesquisador: humildade, perante o caráter provisório e circunstancial dos conhecimentos obtidos, e o entusiasmo pela educação, não obstante os riscos inerentes a este posicionamento, ainda mais se forem considerados os enormes desafios enfrentados pela educação brasileira.

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CAPÍTULO 1: EXPERIÊNCIA SOCIAL, JOVENS E UNIVERSIDADE

1.1. EXPERIÊNCIA SOCIAL NO MUNDO CONTEMPORÂNEO Que somos todos diferentes, [este] é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns (...). Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si-próprio com escala pelos outros (PESSOA, 1986, p. 323).

1.1.1. Introdução

Uma experiência social, fenômeno humano da contemporaneidade, remete para diversas concepções de mundo e de ação humana enquanto construções que resultam das relações estabelecidas pelos indivíduos entre si. Considerando-se isto, apresentam-se discussões relacionadas a posicionamentos teóricos sobre a modernidade e a pós-modernidade, explicações com respeito às diferentes lógicas de ação assumidas pelas pessoas, noção de experiência social e vinculações causais entre esta e sistemas.

1.1.2. A modernidade do mundo atual Para Touraine (s/d), a tese da modernidade seria: 1) o ser humano é aquilo que faz. Logo, deve existir uma correspondência entre o que o indivíduo produz e a sociedade, com tal correspondência sendo regulamentada pela lei e pela vida pessoal (esta animada pelo interesse e vontade de se libertar de imposições); 2) como tal correspondência assenta sobre o triunfo da razão, somente se aquela a esta seguir, a humanidade alcançará a abundância, a liberdade e a felicidade. Assim, tal tese admite como agente da modernização a própria razão, do que sobrevém a racionalização como componente indispensável da modernidade. Trata-se de uma ideologia ocidental sedenta por eliminar obstáculos à vitória da razão, com desdobramentos na relação indivíduo-sociedade, bem como nas maneiras de educar:

37

O que é válido para a sociedade é válido para o indivíduo. A sua educação deve ser uma disciplina que o liberte da visão limitada, irracional que lhe é imposta pela sua família e pelas suas próprias paixões, e o desperte para o conhecimento racional e para a participação numa sociedade que organiza a ação da razão. A escola deve ser um local de ruptura com o meio de origem e de abertura ao progresso, através, simultaneamente, do conhecimento e da participação numa sociedade assente em princípios racionais. O professor não é um educador interveniente na vida privada de crianças que devem ser apenas alunos, ele é um mediador entre eles e os valores universais da verdade, do bem e do belo. A escola deve também substituir os privilegiados, herdeiros de um passado rejeitado, por uma elite recrutada através das provas impessoais dos concursos (TOURAINE, s/d, p. 25).

Touraine (s/d) explica que para os modernistas os obstáculos ao triunfo da razão devem ser vencidos, o que contribuiria para a emergência de um mundo habitado por uma nova sociedade e por um novo ser humano. Para uns, esta habitação seria viabilizada pelo socialismo científico; para outros, pelo abandono da moral religiosa e pelo conhecimento das leis da natureza, embora se deixem, neste caso, invadir pelo prazer da submissão à ordem natural das coisas. Segundo o autor, há vigor e até violência na concepção clássica de modernidade, que teria virado as costas para a Idade Média e resgatado dos antigos a confiança na razão – possivelmente por acalentar o sonho de outrora de se chegar à verdade das coisas. Cabe ressaltar que relevante no pensamento moderno é o pressuposto de que o ser humano seria capaz de buscar e alcançar essa verdade – a exemplo do que propunha Descartes (1973), com um plano de ciência enraizada na unidade de raciocínios, e a exemplo da proposta de Hume (1996), com a concepção de filosofia como ciência indutiva da natureza humana mais sensitiva e menos racional. No entanto, conforme Wilber (2006), significativo no pensamento moderno seria a diferenciação das esferas culturais de valores, a noção weberiana que distingue arte, moral e ciência (WEBER, 1984). Uma diferenciação que teria se superado, tendo promovido, com o tempo, uma dissociação dos diversos subsistemas nos âmbitos econômico, social e cultural. Desse modo, a diferenciação seria a dignidade e a dissociação seria o desastre da modernidade, neste processo em que as esferas culturais de valores teriam se afastado, levando a uma patologia desfavorável ao crescimento daqueles subsistemas. Com efeito, o que há de original na palavra modernidade é a separação de seus elementos, conforme Touraine (s/d). Menos a rejeitar uma ideia de modernização da sociedade e mais a discutir esta separação, o autor se posiciona:

38

ao se opor a modernidade à tradição, ela se esvazia. Entra em crise. Enfraquece-se o movimento de libertação proposto inicialmente; perde-se o sentido de toda uma cultura; separam-se sociedade e realidade social. Em tal estado de crise, pergunta o autor: “não temos a impressão de viver num mundo fragmentado, numa não sociedade, uma vez que a personalidade, a cultura, a economia e a política parecem caminhar em direções diferentes (...)?” (p. 121). Embora, como explica o autor, possa existir uma unidade oculta que articularia os componentes das principais ordens desse mundo fragmentado (ver Fig. 1). Indo longe demais a separação dos componentes da modernidade, restou ao tempo atual a dissociação dos subsistemas sociais. Como explica Touraine (s/d), a “dissociação entre as estratégias econômica e a construção de um tipo de sociedade, de cultura e de personalidade operou-se rapidamente, e é ela que designa e define a ideia de pós-modernidade” (p. 221). Para o autor, haveria uma divisão entre mundo objetivo e mundo subjetivo, entre sistema e agentes, sendo necessário reunir o que se separou – sem ceder à nostalgia da unidade perdida do universo. Figura 1 – Dissociação na modernidade. SER INDIVIDUAL

MUDANÇA

Sexualidade

Consumo de mercado

Racionalidade instrumental

COLETIVO

Nacionalismo

Estratégia de empresa

Fonte: Touraine (s/d, p. 126).

Com relação ao termo pós-modernidade, apesar da falta de consenso entre os pensadores quanto ao seu significado, duas posições podem ser identificadas, contribuindo para compreender em que medida o mundo atual ainda é moderno: 1) em sentido amplo, pós-modernidade significaria o não rompimento com a modernidade, um aprofundamento desta, seja como reação, contrapeso ou

39

continuação; 2) em sentido estrito ou técnico, significaria o rompimento com a modernidade, pressupondo-se não mais existir a verdade, mas interpretações construídas socialmente. Inserido na primeira posição, Habermas (1981, 1990) assume a discussão do pós-modernismo, com início pelo tema da diferenciação weberiana das esferas culturais de valores. Segundo o autor, a diferenciação entre arte, moral e ciência passou a significar a autonomia dos segmentos tratados por especialistas, simultaneamente à exclusão, por parte destes, de uma hermenêutica da comunicação. Ao analisar a realidade, diferentemente das explicações com aporte na visão marxista clássica da base econômica determinando a superestrutura, o autor defende que a crise do capitalismo seria o resultado da contradição entre crenças nos valores e realidade. Haveria uma crise cultural do capitalismo passível de ser solucionada a menos se houvesse novo consenso. Conforme Bell (1973), teria se estabelecido uma crise do capitalismo decorrente da substituição dos valores-base por valores contraditórios para então gerar uma sociedade pós-industrial. Conforme o autor, esta nova realidade social estaria determinada por certas mudanças nas relações de trabalho (mais até do que por uma vida política ou cultural), pelo novo papel dos cientistas e técnicos e pelo papel central do conhecimento teórico nas decisões e na elaboração de políticas públicas. O autor explica a sociedade em termos de separação entre as estruturas social, política e cultural, presumidamente vinculadas por um sistema de valores, mas agora fragilizado, pois valores como os da ética protestante do trabalho e os valores mais relevantes da burguesia estariam sendo substituídos por coisas como a ética hedonista ou a liberação da autoexpressão e dos erotismos. Diante da exaustão da cultura moderna e da ausência de crença nos valores, não haveria, de acordo com o autor, respostas para a crise cultural do capitalismo (GOMES, 2005). Com Giddens (1990), o atual período, caracterizado por rápidas mudanças, seria como vincos da modernidade, exigindo dos indivíduos e dos coletivos sociais a reparação da solidariedade perdida e a reinvenção das tradições – a sociedade moderna seria semelhante a um sistema com ação autônoma, mas impulsionador da separação entre o indivíduo e o sagrado. Como explica Touraine (s/d), tal visão significaria uma mescla entre elementos de confiança e elementos de inquietação na

40

modernidade em alta velocidade, o que prolongaria a noção durkheimiana de solidariedade orgânica. De acordo com Gomes (2005), nesta visão, a modernidade estaria caracterizada “pela mudança contínua, abrangente geograficamente e pela natureza intrínseca

das

instituições

modernas,

de

tal

modo

que

prosseguem

as

consequências desta mudança” (p. 79). De um lado, a confiança; de outro, o risco. Desse modo, num jogo dialético em que combina dispersão e tendência a uma interação global, a modernidade tardia estaria mergulhada num oceano de circunstâncias, compreendida somente se forem admitidos os enfoques conflitantes presentes na racionalidade. Fazendo parte da segunda posição (pós-modernidade como rompimento com a modernidade), Lyotard (2000) vale-se do termo pós-moderno para designar o estado da cultura advindo do final do século XIX em decorrência das transformações que interferiram no jogo da ciência, da literatura e das artes. Para o autor, estas transformações ocorreram em meio ao conflito entre as grandes narrativas (legitimadas pela filosofia) e a ciência (legitimada ao recorrer às diversas filosofias). Dispersa em nuvens de elementos linguísticos narrativos instáveis e, por vezes, inenarráveis, as metanarrativas teriam ingressado numa tal incredulidade que teria restado uma sociedade menos newtoniana e mais pragmática. Seria tal incredulidade a que Lyotard (2000) consideraria como pós-moderna. O autor sublinha que o estatuto do saber se altera concomitantemente ao ingresso das sociedades na chamada idade pós-industrial e ao ingresso das culturas na chamada idade pós-moderna – advento que teria iniciado mais ou menos no final dos anos de 1950 quando a Europa finalizava o processo de sua reconstrução. Considerado o saber científico uma classe de discurso, investigado e transmitido em meio aos processos de informatização da sociedade, cairia por terra o princípio da aquisição do saber formativo (Bildung). Nessa sociedade haveria os provedores do saber e os usuários do saber, caracterizando as sociedades mais informatizadas como as mais desenvolvidas, com a circulação de informações e de conhecimentos em grande velocidade 18.

18

Estas preocupações em torno de uma possível segmentação social estão bem representadas em texto produzido para a UNESCO por Bernheim e Chauí (2008, p. 16): “As tecnologias da comunicação estão criando também nova forma de desigualdade, a desigualdade digital (...),

41

Nesta condição, a exteriorização do saber se converte em valor de uso, importando com mais intensidade as realizações do sistema – já que o saber não pertence ao indivíduo. Desse modo, como o conhecimento seria ideológico, sendo originário da fragmentação do sentido e da percepção de sua incerteza, não importariam mais as ideias totalizantes. Entendido que a pós-modernidade significaria a recusa de metanarrativas para explicar as diversas realidades, a legitimação do saber ocorreria com a eficácia, a vendabilidade e o desempenho. Assumindo também a segunda posição, Baudrillard (1995) entendeu que a sociedade atual teria como base o crescimento do consumo, sendo em última instância responsável pela interação entre as pessoas. Se, para a modernidade, relevante teria sido a capacidade para produzir bens com eficiência, para a pósmodernidade o fundamental seria estimular a demanda, cada vez maior, para alcançar mais lucratividade. Para o autor, os processos de informatização estariam contribuindo com este estímulo. Conforme explica Gomes (2005), a respeito das ideias daquele autor, no mundo pós-moderno, os indivíduos encontram sentido para a vida social nas coisas que compram, agora compondo um sistema de signos, o qual seria manipulado pela publicidade. Em lugar da utilidade, estilo; em vez da racionalidade, não racionalidade; substituindo a substância, a imagem. De maneira que o controle dos signos teria passado a compor a nova história, a nova realidade, em detrimento dos elementos de uma cultura de valores, da moral e da estética. Uma realidade caracterizada pela profusão de informações transformadas em solvente de significados. Uma realidade da qual a mídia faz parte e assume papel fulcral, selecionando o que deve ser informado, matando a realidade ao substituir os fatos por notícias. Assim, como explica Gomes (2005), a mídia passou a ser uma agência de manipulação cultural, uma agência de socialização a partir de valores de mercado. Seu papel seria vender ilusões, tomadas estas pelos indivíduos como verdade. Seria realizar a intermediação entre os indivíduos e as experiências. Tendo suas opiniões manipuladas pela mídia, os indivíduos no mundo pós-moderno vivenciariam “experiências vicárias ou substitutas” (GOMES, 2005, p. 84) em lugar de experiências diretas.

expressada na dualidade entre ‘info-ricos’ e ‘info-pobres’, se falamos sobre setores com acesso àquelas tecnologias ou que não as acessam, por razões econômicas e sociais”.

42

Estas ideias podem ser reunidas em grupos de explicação, patenteando as duas posições sobre as mudanças contemporâneas: aprofunda-se a modernidade ou rompe-se com a modernidade. Neste sentido, Gomes (2005) sintetizou as ideias desses autores (Quadro 1). Quadro 1 – O mundo atual: aprofundamento ou rompimento com a modernidade? Posição

Mudanças contemporâneas como aprofundamento da modernidade

Rompimento com a modernidade

Autor

Síntese

Habermas

A crise cultural do capitalismo reside na contradição entre as crenças nos valores e a realidade (crise de legitimidade).

Bell

A crise cultural do capitalismo consiste na substituição dos valores originais de sustentação por outros, que os contradizem. Não há resposta aos desafios das vanguardas culturais.

Giddens

A mudança é inerente à modernidade. Nossa época resulta da mudança acelerada como desdobramento da modernidade. As tendências conflitivas são racionalmente compreensíveis. A reparação das solidariedades desfeitas e a reinvenção das tradições são alternativas propostas.

Lyotard

A criação do conhecimento é ideológica e este é relativo como resultado da fragmentação do sentido e da percepção de que o conhecimento é frequentemente incerto. As ideias totalizantes perdem seu sentido. A legitimação do saber passa a fazer-se por meio da eficácia, vendabilidade e desempenho.

Baudrillard

A base estrutural da pós-modernidade é o crescimento da sociedade de consumo. Por isso, o consumo se torna meio e substância da interação social, levando o estilo a substituir a utilidade, o irracional, o racional. A pletora de informações nos conduz à hiper-realidade, em que não temos noção do fato, mas da sua versão via notícias. A mídia, portanto, comete o crime perfeito de matar a realidade, sem que haja o corpo da vítima ou provas incriminadoras.

Fonte: Gomes (2005, p. 85). Nesta altura, cabe lembrar que Bauman (2001) é por muitos considerado o profeta da pós-modernidade, embora ele não concorde com tal designação. Numa entrevista concedida no início do presente século (PALLARES-BURKE, 2004) o autor fez uma contradistinção: enquanto a pós-modernidade significaria um tipo de condição humana, moderna ainda em suas ambições e modos de operar, o pósmodernismo significaria uma visão de mundo distante da ideia de normatização da comunidade humana, mas sem discutir a sério os modos de vida. Dessa maneira, compreendendo pós-modernidade como modernidade sem ilusões e se recusando à rotulação de intelectual pós-modernista, o autor opta pelo termo modernidade líquida e o faz comparando-a com a modernidade sólida – período histórico em que a razão estaria ensimesmada. A primeira modernidade seria obcecada em seu objetivo de

43

desmontar crenças e subverter tradições para tornar-se sólida outra vez; a segunda modernidade estaria disposta a evitar o congelamento de padrões de conduta em tradições. Segundo Bauman (2001), duas mudanças seriam responsáveis por renovar a atual situação. Na primeira, não existiria mais a ilusão moderna do fim do caminho pelo qual andaria a humanidade. Noutros termos, não existiria mais telos a ser alcançado pela história, não haveria um fio condutor por onde caminhariam os indivíduos até a perfeição. Ao contrário, diferentemente do planejado na modernidade, estaria havendo

desequilíbrio

entre

a

oferta e

a

procura,

deslocamentos e incertezas. Na segunda mudança, teria se fragmentado o que se considerava tarefa da razão humana enquanto propriedade coletiva. O que antes cabia a ela fazer estaria agora a cargo da energia e da administração dos indivíduos no limite de seus recursos. O sólido teria se tornado líquido: esta a metáfora utilizada pelo autor ao estabelecer comparações entre a sociedade do início do século passado e a sociedade do início do século atual, modernas uma e outra, sendo diferentes apenas no modo de ser. Seu entendimento e explicações auxiliam na compreensão do mundo contemporâneo, altamente mutável, caracterizado por relações sociais e culturais marcadas por uma diversidade de princípios. Na sociedade líquido-moderna, princípios diferenciados constituem a arena onde convivem aspectos econômicos, sociais e culturais, fazendo emergir a variedade de papéis individuais e coletivos. As dinâmicas de socialização se tornaram multidirecionais, coexistindo com a pluralidade do universo cultural e com referenciais utilizados pelos indivíduos na atribuição de sentido a comportamentos e interações sociais (ALVES-PINTO, 2008). Sua posição teórica (BAUMAN, 1999, 2001, 2004, 2006, 2007) com relação ao atual período histórico, fragmentado e fluido, contribui para evidenciar o fato de que os indivíduos percebem sentido na vida a partir do que constroem durante o envolvimento em cada situação vivenciada. Como explica o autor, “somente a vida humana individual vê crescer sua durabilidade, enquanto a vida de todas as outras entidades sociais que a rodeiam – instituições, ideias, movimentos políticos – é cada vez mais curta” (PALLARES-BURKE, 2004, p. 324). Suas explicações contribuem para compreender as consequências da pluralidade de sentidos elaborados pelos indivíduos de acordo com as diversas

44

lógicas de ação – as quais não mais seriam entendidas da perspectiva clássica weberiana, passíveis de identificação em sua pureza, mas entendidas conforme explica Dubet (1994) que, com base em Touraine (1997), admite a identificação dessas lógicas só se forem levadas em conta a pluralidade de valores e as rupturas de ação típicas das sociedades contemporâneas. Então, é o caso de assumir a posição teórica de Bauman (1999, 2001, 2004, 2006, 2007): a de que o mundo ainda se encontra sob as asas do pensamento moderno em meio aos processos de fragmentação que caracterizam as sociedades.

1.1.3. Lógicas de ação: do clássico à contemporaneidade

A clássica definição de ação social a partir de Weber (1999) vincula a ação ao sentido buscado pelos indivíduos na relação que desenvolvem uns com os outros. Segundo o autor, a ação do indivíduo orienta-se pelo comportamento de outros indivíduos, podendo se referir ao passado, ao presente ou ao que se espera como futuro. Para aquele autor, de acordo com o modo pelo qual os indivíduos orientam suas ações, a ação social poderia ser determinada de quatro maneiras: 1) modo racional referente a fins, em que a ação social teria como fundamento o cálculo racional para estabelecer fins e organizar meios para alcançá-los; 2) modo racional referente a valores, com fundamento na crença consciente no valor, seja ético, estético, religioso, e na ideia de valor em si; 3) modo afetivo, particularmente o emocional, cujo fundamento da ação social estaria nos afetos ou estados emocionais, situada no limite ou para além da ação orientada pelo sentido; 4) modo tradicional, com a ação social definida por tradições e costumes. Assim, cada um dos tipos puros de ação social possuiria fundamento próprio, denotando lógicas específicas do sentido implícito ao comportamento interno do indivíduo o qual, após tudo, orienta-se de acordo com as ações dos outros indivíduos. Cabe ressaltar que uma ação social não é determinada apenas por um dos quatro modos acima mencionados. Como lembra Dubet (1994), os intérpretes da tipologia weberiana da ação social retiveram apenas a ação racional com relação aos meios, pois a apreenderam como o modo mais moderno da ação e mais fácil de compreender – por ser a mais consciente. Para o autor, este recurso interpretativo

45

seria discutível, pois as lógicas de ação reveladas naquela tipologia seriam significativas. Com efeito, conforme se depreende dos textos de Weber (1999), elas seriam perturbadoras para os indivíduos (desencanta-se o mundo, obrigam-se os indivíduos a serem livres), exigindo deles o uso de lógicas de ação diferentes. Para Dubet (1994), a definição weberiana de relação social19 como “o comportamento reciprocamente referido [grifo do autor referenciado] quanto a seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência” (WEBER, 1999, p. 16)20 seria, tal definição, responsável por estabelecer a natureza das relações sociais como componente definidor da ação. Sendo, por conseguinte, uma orientação subjetiva e uma relação. De fato, professor e alunos, por exemplo, agem na sala de aula conforme quaisquer das quatro lógicas de ação acima, mas tão só no contexto das mútuas relações orientadas – o que implica componentes cognitivos, afetivos e comportamentais. Se a ação social relaciona-se com o comportamento de outras pessoas, a relação social refere-se à atitude delas. Portanto, age socialmente o professor preocupado em explicar devagar certo assunto de aula para os alunos e de acordo com a conduta deles; agem socialmente os alunos quando anotam estas explicações. No entanto, haverá relação social (Soziale Beziehung) se o sentido de cada ator se vincular com a atitude do outro, noutras palavras, no nível do costume internalizado pelos indivíduos – âmbito daquilo que Weber (1999) chamou Eingeleitet, ou seja, agir na espontaneidade da tradição (ARON, 2003). Partindo da ideia de vigência como fundamento das relações sociais, Weber (1999) chega ao conceito de poder como probabilidade de o indivíduo impor a própria vontade numa relação social, bem como ao conceito de dominação como probabilidade de encontrar obediência para determinada ordem no contexto do grupo de pessoas. As explicações que se seguem, a respeito dos aspectos envolvidos nesta ideia de obediência no âmbito dos tipos de dominação, contribuirão para situar as explicações de Dubet (1994), mais à frente, com respeito às lógicas

19

Ver Glossário. Isto significa que a relação social só existe se houver compartilhamento de sentido entre os envolvidos na construção dessa relação social. 20

46

elementares das experiências sociais dos atores21. Para Weber (1999), em qualquer dominação há vontade de obedecer – obediência originária do costume, afetividade, material ou ideias. Como exemplifica o autor, a dominação exercida por pais e escolas sobre os jovens ultrapassa a influência sobre os modos de linguagem oral e escrita, considerados ortodoxos, alcançando a formação do caráter destes jovens. Neste sentido, para cada tipo de obediência, tipos diferentes de dominação se fariam presentes. Como o poder se constitui numa relação moldada nas posições sociais, Weber (1999) define as relações sociais em termos de legitimidade. Assim, a crença do indivíduo na legitimidade da ordem estatuída e no direito de mando geraria a dominação legal, de caráter racional; a mística na santidade das tradições e na legitimidade de seus representantes geraria a dominação tradicional; a veneração da santidade, do caráter exemplar ou do poder heroico de uma pessoa, e de suas ordens, daria origem à dominação carismática (Quadro 2). Quadro 2 – Obediência nos diversos grupos humanos. Quem obedece

A quem se obedece

Relação entre quem obedece e aquele a quem se obedece

Porque se obedece

Como se obedece (tipos puros de dominação legítima)

Funcionários

Ordem impessoal

Deveres objetivos do cargo.

Quem obedece pressupõe legitimidade da ordem estatuída e no direito de mando.

Racional-legal

Servidores pessoais

Senhor

Fidelidade pessoal do servidor.

Quem obedece pressupõe santidade das tradições e a legitimidade do seu representante (existente desde tempos remotos).

Tradicional

Adeptos

Líder

Carisma, podendo desvanecer por ser uma graça divinamente concedida.

Quem obedece venera a santidade do caráter exemplar ou do poder heroico de alguém e de suas ordens.

Carismática

Fonte: elaboração do autor, com base em Weber (1999).

21

Neste trabalho, optou-se pela clássica explicação de Weber (1999) porque esta parece ser a mais acabada. O próprio Dubet (1994) afirma que, embora tenha recorrido à tipologia da ação de Touraine (1965), reconhece que este autor é devedor da tipologia weberiana.

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Pelo que antecede, a dominação racional-legal estaria baseada na vigência de ideias entrelaçadas com categorias, princípios e regras bem definidos – mais racionais na medida em que seja forte a qualificação profissional. Assim, a maneira mais racional de dominação seria representada pela administração puramente burocrática, fundamentada na dominação decorrente do conhecimento. Por sua vez, a dominação tradicional se legitimaria na crença por parte do dominado na santidade das ordens e dos poderes do senhor. Nela haveria o duplo reino: a ação do senhor materialmente vinculada à tradição; a ação do senhor independente da tradição (como a benevolência). Não caberiam princípios administrativos mediante estatutos. Por fim, a dominação carismática, consolidada por meio de provas, se legitimaria por intermédio da crença na qualidade pessoal de alguém admitido como mágico, com poderes sobrenaturais, sobre-humanos. Como expõe claramente Weber (1999): A dominação carismática, como algo extracotidiano, opõe-se estritamente tanto à dominação racional, especialmente a burocrática, quanto à tradicional, especialmente a patriarcal e patrimonial ou a estamental. Ambas são formas de dominação especificamente cotidianas – a carismática (genuína) é especificamente o contrário. A dominação burocrática é especificamente racional no sentido da vinculação a regras discursivamente analisáveis; a carismática é especificamente irracional no sentido de não conhecer regras. A dominação tradicional está vinculada aos precedentes do passado e, nesse sentido, é também orientada por regras; a carismática derruba o passado (dentro de seu âmbito) e, nesse sentido, é especificamente revolucionária (...). [Ela] só é ‘legítima’ enquanto e na medida em que ‘vale’, isto é, encontra reconhecimento, o carisma pessoal, em virtude de provas; e os homens de confiança, discípulos ou sequazes só lhe são ‘úteis’ enquanto tem vigência sua confirmação carismática (WEBER, 1999, p. 160).

No entanto, com a fragmentação social na pós-modernidade, noções clássicas de papel, valor, instituição, socialização, estratificação e função deixaram de centralizar a representação da sociedade – qualquer imagem de sociedade e sua evolução, bem como a identificação total do ator com o sistema, foram abandonadas pelas novas posições teóricas (GOMES, 2005). “O vínculo de inclusão do ator e do sistema” (DUBET, 1994, p. 13), ou seja, a total “identidade do ator e do sistema pela via indireta da noção de ação” (p. 50), âmago da representação modernista de mundo, deixou de explicar os diversos conjuntos sociais. Como “a face mais visível da modernidade [seria] a do vazio, de uma economia fluida, de um poder sem centro” (TOURAINE, s/d, p. 242), o movimento pós-modernista leva ao extremo o desfazimento dessa representação, com desprezo à diferenciação entre arte,

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economia e política, bem como ao uso da razão instrumental por parte de cada um destes domínios da vida social. Neste sentido, as tentativas de representar os problemas da sociedade industrial, assim como a busca de reencontrar no bojo da ação coletiva o projeto pessoal dos atores individuais, levaram Touraine (1973) a elaborar um instrumento analítico baseado na clássica ideia da relação necessária entre as lógicas de ação. Segundo o autor, haveria três princípios de interpretação dos movimentos sociais – identidade, oposição e totalidade – os quais seriam capazes de reagrupar no domínio da ação coletiva as dialéticas de criação e controle localizadas no contexto dos problemas da sociedade industrial. No entanto, tal instrumento de análise teria em Dubet (1994) um alcance de interpretação mais largo porque o autor defende que as lógicas de ação no momento intelectual e social contemporâneo não estariam conectadas por meio de relações necessárias, como pressupunha a sociologia clássica, mas por intermédio de relações aleatórias. Para Dubet (1994), infirmada a noção clássica de sociedade como o conjunto social estruturado por um princípio a lhe proporcionar coerência interna, restaria compreender este conjunto sendo composto por três amplos tipos de sistema: de integração, que encontra seu correspondente na ideia anterior de comunidade, podendo ser nacional ou local; de competição, com correspondente na ideia de mercado ou de vários mercados, sendo internacional; cultural, situado para além da tradição e da utilidade, no pressuposto de cultura como pertencente aos indivíduos. Cada um destes sistemas teria lógica própria, o que caracterizaria o conjunto social como construído e não natural. Como resultado, de acordo com a sua concepção de sociedade (a partir de cada sistema), o ator social (individual ou coletivo) adotaria três lógicas de ação: integração, estratégia e subjetivação. Na lógica da integração os mecanismos integradores não se identificariam plenamente com a sociedade. Nela a identidade do ator constituiria apenas o modo pelo qual este teria internalizado os valores institucionalizados na medida do desempenho de papéis no decurso da vida para atender às expectativas de outros atores – desde criança, o indivíduo desenvolveria uma espécie de natureza adaptável aos processos de socialização. A estabilidade de seu ser seria construída com a interiorização de códigos sociais básicos. Segundo Dubet (1994), na

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perspectiva desta lógica, a identidade integradora se mantém na relação entre Eles e Nós, em que o outro é definido pela sua diferença e pela sua estranheza. Segundo esta explicação e, no resgate do pensamento durkheimiano, o autor informa que a identidade integradora pode se fortalecer no conflito na medida em que, ao gerar uma diferença radical, o indivíduo que causa o conflito (poderia, por exemplo, ser o crime) provoca um reforço da consciência coletiva abalada por este. Noutros termos, o conflito torna mais forte o sentimento de pertença dos indivíduos e, paradoxalmente, promove a sua integração, a sua identidade. Construída nestes moldes, a identidade do ator poderia se fragilizar, caso os valores sofram ameaça. Por fim, informa ainda Dubet (1994) que a lógica da integração é bem visível quando se estudam as chamadas condutas de crise, interpretadas ora como falta de integração do sistema, ora como reação dos atores – mobilizados diante da ameaça da desorganização e da mudança social sofrida por sua identidade. Enquanto

na

lógica

da

integração

os motivos

apontariam

para o

fortalecimento, a confirmação e o reconhecimento da pertença, na lógica da estratégia os motivos apontariam para uma racionalidade limitada com fins concorrenciais. Portanto, nesta lógica, o ator definiria sua identidade de acordo com a probabilidade (no sentido weberiano do termo) de exercer influência sobre os outros e os interesses individuais, ou coletivos, por sua vez, definiriam as relações sociais no âmbito da concorrência. Segundo Dubet (1994), a identidade estratégica é construída pelos atores como recurso, sendo a sociedade representada como mercado e não como sistema integrado – seria um sistema de trocas concorrenciais construído na competição para obter bens como dinheiro, poder, prestígio, influência e reconhecimento. Mercados que poderiam ser o conjugal, o escolar, o político, todos se constituindo em relações sociais e detentores do poder como um equivalente universal. Se, por um lado, as lógicas da integração e da estratégia poderiam se manifestar como lógicas positivas, isto é, como realidades, a lógica da subjetivação se manifestaria de modo negativo, isto é, na evidência do ato crítico. Aqui as identidades e as relações sociais seriam explicadas por meio da crítica cognitiva ou normativa (o que pressupõe uma lógica cultural pela qual o ator se distingue das outras lógicas e, neste caso, experimenta a lógica de maneira positiva), mas, seriam explicadas, principalmente, na tensão que o ator vivencia com as outras duas

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lógicas (neste caso, experimenta a lógica de maneira negativa). Seria na negação mútua das duas lógicas que se tornaria manifesta a lógica da subjetivação, sendo o indivíduo a qualquer instante uma representação de modelos culturais. Assim, a identidade seria um empenhamento em modelos culturais definidores da representação do sujeito cultural, sendo este empenhamento vivido na qualidade de algo inacabado, constituindo-se o indivíduo na dimensão ética, situando-se parcialmente fora do mundo. Para Dubet (1994), a identidade subjetiva provoca uma reserva do indivíduo quanto ao papel exercido e à posição ocupada na sociedade, pois a identificação com o sujeito cultural impede a adesão total do indivíduo ao Ego, ao Nós e aos interesses (afasta-se das outras duas lógicas). Dessa maneira, o ator se revela como sujeito na crítica, no empenhamento, no distanciamento22. Nesta lógica, informa ainda Dubet (1994), as relações sociais são percebidas em termos de obstáculos ao reconhecimento e à expressão da subjetividade. Ao construir sua identidade – do modo como explicado antes –, o ator encontra o obstáculo de se identificar com a representação do sujeito definida pelos modelos culturais. Desse modo, a alienação, entendida como ausência de sentido e privação da autonomia (vertente negativa da crítica), daria lugar à ideia de sentimentos como viver sem sentido, impotência e invisibilidade (vertente positiva da crítica), o que configuraria, conforme o autor, um universo emocional que não seria nem multidão (lógica da integração) nem recurso (lógica da estratégia), e sim o momento em que o ator se experimenta como sujeito. Sujeito este construído historicamente pela cultura. Conforme Dubet (1994), estas lógicas de ação definiriam concomitantemente uma orientação pretendida pelo ator e uma concepção das relações sociais. Assim: Na lógica da integração, o ator define-se pelas suas pertenças, visa mantêlas ou fortalecê-las no seio de uma sociedade considerada então como um sistema de integração. Na lógica da estratégia, o ator tenta realizar a concepção que tem dos seus interesses numa sociedade concebida então ‘como’ um mercado. No registro da subjetividade social [a lógica da subjetividade], o ator representa-se como um sujeito crítico confrontado com uma sociedade definida como um sistema de produção e de dominação (DUBET, 1994, p. 113).

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Significa isto que “o estranhamento em relação ao mundo e a si mesmo, torna-se o principal dilema dos sujeitos contemporâneos” (DUBET; MARTUCCELLI, 1997, p. 251).

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Desse modo, resta em Dubet (1994) a clássica ideia de que a orientação da ação e o tipo de relação social vivenciada pelo ator seriam duas faces da mesma realidade. No entanto, o autor amplia extremamente o domínio de explicação. No tempo atual, o indivíduo estaria a orientar sua ação e a vivenciar relações sociais não a partir de lógicas de ação que se hierarquizam segundo o princípio da necessidade; mas ação e vivências seriam autônomas, construídas na pluralidade de valores e na ruptura entre ator e sistema – motivo pelo qual o autor opta, em vez da falar de ação, por teorizar a respeito de experiência social.

1.1.4. Noção de experiência social e vinculações com o sistema

No dia a dia, emprega-se o termo experiência para designar a aquisição de saberes, habilidades e atitudes capazes de possibilitar ao indivíduo a prática de atividades. Mesmo quando considerado como processo científico, o termo conserva esta conotação, como deixa claro o Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, ao definir a experiência como “‘um meio de conhecer’ que consiste em produzir, em provocar os fenômenos, para melhor observá-los, acompanhando-os em sua marcha” (POMBO, 2011, p. 398). No entanto, há outra compreensão para o termo experiência, a qual aprofunda e torna o significado mais adequado à arquitetura social da pósmodernidade. Tal compreensão aparece na obra de Benjamin (1987a), colaborador da Escola de Frankfurt na primeira metade do século passado. Considerado o pensador do fragmentário e do efêmero, sofreu influência da ideia de perda das grandes narrativas advinda com a pós-modernidade, apesar de não ter adotado uma posição definida com relação ao tema da modernidade. Em seu texto Teses sobre o conceito de história (BENJAMIN, 1987a) aquele autor propõe que, em vez de conceber o lugar da história um tempo homogêneo e vazio, seria o caso de concebê-lo saturado de agoras. A consciência das classes revolucionárias, capaz de explodir o continuum da história parece ser o remédio benjaminiano, o que tornaria a história desobediente à lógica linear da modernidade. Seria uma cessão de lugar, por parte dela, à experiência (Erfahrung). Portanto, o autor olha para o presente com o intuito de identificar possibilidades de estruturação de um sentido para o termo experiência, fazendo-o

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com a tomada de dois pressupostos: 1) a modernidade seria algo transitório; 2) as descobertas relacionadas ao passado haveriam de ser consideradas, pois só desta maneira seria possível, com o distanciamento entre presente e passado, emergir a necessidade de interpretar o entorno social em que se insere o indivíduo. Desse modo, a experiência estaria estruturada na tradição e relacionada com a história do entorno afeto ao indivíduo. A partir de uma hermenêutica assentada na crítica, Benjamin (1987b) se perguntou qual estaria sendo o valor do patrimônio cultural humano se a experiência não o vinculava mais aos indivíduos. O vazio da experiência na modernidade (igualmente vazia) decretaria o fim dos valores, da subjetividade, portanto, o fim da própria comunidade, o que levaria a uma nova barbárie – a ser positiva se acaso o indivíduo a utilizasse como força para avançar e a ser negativa se acaso ele se mantivesse pouco tenaz. Assim, o conceito de experiência refere-se à inserção do indivíduo na cultura, pressupondo uma autêntica experiência, circunscrita a determinada temporalidade, à qual pertenceriam várias gerações (crianças, adolescentes e jovens receberiam ensinamentos dos adultos por meio da narrativa). Seria algo diferente da vivência imediata (Erlebnis), desvinculada da tradição (BENJAMIN, 1975). Por sua vez, e também relacionado à pós-modernidade, Dubet (1994) propõe no final do século passado a noção de experiência social para designar as condutas individuais e coletivas perpassadas pela heterogeneidade de seus princípios constitutivos e pela ação de cada indivíduo, responsável este por construir o sentido de suas práticas no interior dessa heterogeneidade. Noutros termos, papéis, posições sociais e culturais não mais estariam definindo componentes estáveis da ação porque as condutas se organizariam na heterogeneidade de princípios culturais e sociais, com os indivíduos trazendo consigo uma multiplicidade de orientações. Como explica aquele autor, o declínio das instituições da modernidade fez dos indivíduos, em cada situação vivenciada, artífices da construção social. Além de possuir esta heterogeneidade de princípios, continua Dubet (1994), a experiência social se caracterizaria pelo distanciamento subjetivo dos indivíduos

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com relação ao sistema sociocultural, sendo uma atitude de reserva23 decorrente da heterogeneidade de lógicas de ação. De acordo com o autor, os indivíduos manteriam este distanciamento porque os valores implicados não estariam necessariamente coerentes em seu interior e sim descolados das diversas personagens desenvolvidas por eles. Os papéis sociais já não seriam claramente definidos, como se explicava por meio de postulados clássicos. Enfim, os indivíduos passaram a se recolher em sua subjetividade tal como um mecanismo de defesa com relação à pluralidade de registros que caracteriza a experiência social. Finalmente, a experiência social estaria caracterizada por uma substituição da clássica ideia de alienação pela noção de construção da experiência coletiva. A dominação social não mais unificaria a experiência coletiva. Ao invés, tornaria esta experiência dispersa em territórios tal como ocorre com a cultura de massa, exclusão econômica, consumo, racismo e participação política. Os indivíduos estariam a sofrer os impactos dos processos de destruição da personalidade, nos tempos atuais, no domínio de lógicas de ação – apesar de não terem sido estas lógicas criadas por aqueles. Este cenário seria, conforme Dubet (1994), o verdadeiro sentido de alienação, pois a dispersão, a separação, torna-se fundamento. No meio escolar, por exemplo, um aluno age, sobretudo, em função de seus grupos de pertencimento, enquanto o professor age exercendo seu poder carismático, pois o papel e a instituição não mais dão conta das novas situações (GOMES, 2005). Tal dinâmica é a combinação de lógicas da ação que aproxima o indivíduo do sistema, mas o mantém distante em termos de subjetividade – os indivíduos não aderem totalmente a papéis e valores, hoje marcados internamente pela incoerência. Na escola, os círculos sociais e as lógicas de ação são múltiplos, com alunos sem viver totalmente imersos na instituição. Eles criam autonomias separadas porque as funções de socializar, educar e distribuir diplomas e qualificações estão dissociadas e, por isto, poucas oportunidades têm de conciliar aspirações, ressentindo-se de um projeto global em torno do qual se articulariam (DUBET, 1994). De acordo com Dubet (1994), haveria experiência social com a articulação das lógicas de ação de integração, estratégia e subjetivação. Se, por um lado, cada

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Com o grifo pretende-se assinalar que esta é uma possibilidade de interpretação.

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lógica geraria posições teóricas controversas mergulhadas na mútua crítica, embora assumissem o papel de representar o conjunto social a partir de uma ideia central; por outro lado, da perspectiva dos atores sociais, não haveria centro algum. Estes atores adotariam diversos pontos de vista, vários tipos de ação, sem a obrigatoriedade de se posicionar. Dessa maneira, Dubet (1994) se afasta da noção corrente de experiência como habilidade originária do exercício contínuo, bem como da concepção de experiência como modo de o indivíduo sentir a si próprio ou a sociedade. Concomitantemente, aproxima-se da perspectiva de Benjamin (1975) com respeito ao assunto, pois, ao teorizar, considera a heterogeneidade de princípios culturais e sociais que envolvem o indivíduo numa multiplicidade de orientações. Ao remeter a experiência para o social, como se procurasse preencher o vazio da experiência na vazia modernidade (BENJAMIN, 1975), Dubet (1994) define a experiência social como modo de construir o real e a vida. Como explica o autor, ela não se constituiria numa esponja, num modo de incorporar o mundo por intermédio de emoções e sensações, mas numa maneira de construir o mundo. Ela fundaria o caráter fluido da vida, possibilitando interpretar como experiência o que os autores alemães chamam mundo vivido (Lebenswelt). Efetivamente, como explica Touraine (1997): O mundo vivido, que François Dubet chama a experiência, deixa de ter unidade; não porque a sociedade contemporânea seja demasiado complexa e mude muito depressa, mas porque se exercem sobre os seus membros forças centrífugas, puxando-as por um lado para a ação instrumental e para a atração dos símbolos da globalidade e de uma modernidade cada vez mais definida pela dessocialização e, por outro lado, para a pertença “arcaica” a uma comunidade definida pela fusão entre sociedade, cultura e personalidade (TOURAINE, 1997, p. 65).

Assim, torna-se possível apresentar um resumo esquemático das noções de experiência social e lógicas de ação (Quadro 3). No entanto, para se tornar um objeto socialmente determinado, a experiência social estaria obrigada a se inscrever na objetividade do sistema – ainda que aquela seja a combinação subjetiva de vários tipos de ação. Se a heterogeneidade de princípios da ação apontaria para aquela objetividade, bem como para a heterogeneidade dos mecanismos determinantes das lógicas de ação, cada ator, por sua vez, construiria de forma autônoma suas experiências utilizando-se de lógicas que não domina.

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Quadro 3 – Noções de experiência social e lógicas de ação. EXPLICAÇÕES E TIPOS

RESUMOS

Explicações

Resumo

Experiência social

Definições

Princípios

Tipos

Lógicas de ação

Integração

Estratégia

Subjetivação

O ator: a) Não está totalmente socializado, não porque escape ao social, mas porque sua experiência é forjada em múltiplos registros incongruentes. Ele constrói sua própria ação sem se obrigar a se adaptar às instituições e à dominação. A experiência social: a) Tem como objeto a subjetividade do ator, não sendo esta entendida na perspectiva da consciência como reflexo e na perspectiva do sentimento como fluxo contínuo, mas na esteira da liberdade de 24 testemunhar a própria experiência e a gestão de várias lógicas . b) É construída, não por uma manifestação de um ser ou de um sujeito puro, mas pelo que se declara a respeito dela. Seu reconhecimento por parte do indivíduo ocorre simultaneamente ao reconhecimento por parte dos outros. c) É crítica, pois os atores sociais têm necessidade de explicar suas práticas. A reflexão a respeito delas torna-se mais intensa no imprevisível e no maior distanciamento do indivíduo quanto à ideia de papel social. Cada ator é capaz de dominar conscientemente sua relação com o mundo. A ação social: a) Não possui unidade, sendo o indivíduo obrigado a lidar com várias lógicas. b) É definida por relações sociais, construindo-se na experiência social. A experiência social: a) Realiza a combinação dos tipos puros da ação (no nível do intelecto), das diversas lógicas (no nível do concreto) e dela própria com o sistema. Resumo A identidade do ator constitui-se apenas na maneira como este internalizou os valores institucionalizados por papéis desempenhados. O Ego se estrutura na relação com o Nós, no reconhecimento da diferença e de seu poder de fortalecer a integração. O ator define sua identidade de acordo com a probabilidade (no sentido weberiano do termo) de exercer influência sobre os outros. As relações sociais se definem no âmbito da concorrência conforme os interesses individuais ou coletivos. As identidades e as relações sociais são explicadas por meio da crítica cognitiva ou normativa, podendo a identidade do ator ser definida como empenhamento nos diversos modelos culturais definidores da representação do sujeito. Nesta lógica, o ator não se reduz aos seus papéis nem aos seus interesses ao adotar pontos de vista diferentes dos adotados nas lógicas da integração e da estratégia. Ele enfrenta obstáculos ao reconhecimento e à expressão de sua subjetividade.

Fonte: elaboração do autor, com base em Dubet (1994).

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“Numa perspectiva sociológica, a subjetividade é entendida como uma atividade social gerada pela perda da adesão à ordem do mundo, ao logos” (DUBET, 1994, p. 101). Ver Glossário.

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Então, Dubet (1994) elabora uma representação dos vínculos entre a experiência social e os sistemas de integração, interdependência e ação histórico, no intuito de evidenciar como as lógicas da integração, estratégia e subjetivação – por meio de processos denominados pelo autor socialização, jogo e dialético – mantêm vinculações de causalidade com esses sistemas (ver Fig. 2). Figura 2 – Da ação ao sistema25. Sistema de ação histórico

“Dialético” Subjetivação EXPERIÊNCIA SOCIAL Estratégia

Integração “Socialização”

Sistema de integração

“Jogo” Sistema de interdependência

Fonte: Dubet (1994, p. 141). Conforme Dubet (1994), a vinculação causal entre a lógica da integração e o sistema de integração ocorreria por meio dos processos de socialização (como a educação e o controle social), instância que faria a intermediação entre as condutas (comportamentos e atitudes) e as condições objetivas (como a cultura, as relações sociais e as normas). Juntamente com as expectativas, com as ambições programadas e os códigos, a socialização explicaria as condutas dos indivíduos para além da racionalidade presente nas opções vinculadas ao social.

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Cabem duas interpretações a respeito dessa maneira de explicar as vinculações causais: o título do gráfico (da ação ao sistema) teria menos a ver com o “modelo de conhecimento sociológico posto em prática que da própria natureza dos mecanismos sociais em questão” (DUBET, 1994, p. 140); por sua vez, as setas utilizadas na figura objetivariam menos a mostrar possíveis direções tomadas pelas vinculações causais (em cada um dos três tipos de processos) que demonstrar o não domínio, por parte dos atores, de elementos mais simples que compõem a experiência social. Para Dubet (1994), em última instância, esses elementos são dados ao ator, preexistindo a ele ou sendo impostos por meio da cultura, das relações sociais, dos constrangimentos de situação ou da dominação.

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Em primeiro lugar, isto ocorreria porque os indivíduos herdariam de uma cultura, de uma sociedade e de uma língua os seus gostos e as suas preferências, o que, no final, resultaria em esquemas corporais que se tornam seus, embora estes esquemas não tenham sido obra deles. Noutros termos, as opções decorreriam de um percurso individual e da mutação coletiva, o que caracterizaria uma experiência da personalidade (explicação da Psicologia). Em segundo lugar, ocorreria porque os indivíduos herdariam normas e modelos dados, sendo possível correlacionar condutas e posições sociais, o que, no final, resultaria em comportamentos e atitudes – noutros termos, o sistema definiria as condutas (explicação epistemológica e metodológica). Por sua vez, a vinculação causal entre a lógica da estratégia e o sistema de interdependência se concretizaria nos constrangimentos da intencionalidade racional e estratégica dos atores, invertendo a causalidade do sistema de integração. Enquanto neste sistema tal vinculação se faria por meio da socialização, no sistema de interdependência ela ocorreria por meio do jogo de escolhas definidas pelos indivíduos e grupos em situações com que se deparam. Tal jogo se limitaria à intencionalidade racional dos indivíduos, com possibilidade de correlacionar essas situações e as ações – sem assumir qualquer favorecimento de uma imagem desta lógica em termos de liberdade total. Como os indivíduos herdam da sociedade um conjunto de oportunidades, suas opções ocorreriam na dependência de melhores condições para atingir seus interesses. De olho nestas oportunidades favoráveis a interesses, os indivíduos agiriam racionalmente ao medir a conveniência de seus atos, fazendo-o como num jogo, num sistema detentor de regras e coações preexistentes, que àqueles se impõe durante as relações sociais. Neste jogo, comportamentos e atitudes definiriam as estruturas (em termos de remodelação) – ainda que a estas não se oponham totalmente as condutas. Por último, a vinculação causal entre a lógica da subjetivação e o sistema de ação histórico estaria assentada nas tensões entre a adesão a valores já estabelecidos e o distanciamento das estruturas. Apesar de tomar distância crítica ao opor valores às relações sociais, o ator assumiria previamente valores da sociedade. Por meio da crítica, aspira a conduzir a própria vida, mas o faz no apelo a valores e na visualização de óbices aos seus objetivos, pois o movimento humano

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de sair do mundo para lhe fazer uma crítica não implica liberdade não social. Como explica Dubet (1994), “a atividade crítica do sujeito não se desenrola nem num vazio cultural nem num vazio social” (p. 152). Assim, o caráter dialético da tensão acima mencionada (comunidade versus mercado) evidencia que as condutas dos indivíduos se situam na fronteira de sua capacidade crítica (entendida como interpretação da realidade, não descoberta ou invenção). Suas opções decorreriam do uso desta capacidade diante de fatos reais com os quais estaria de acordo. Entretanto, um uso que se faz na oposição de determinados valores (com os quais concorda) às relações sociais. Tanto seus comportamentos como o sistema seriam definidos por este uso. A partir dessas explicações, é possível compreender que as vinculações causais constituem-se em mecanismos de ligação entre ação e sistemas os quais, a depender da natureza das relações de causalidade, podem situar-se nos processos denominados por Dubet (1994) como socialização, jogo e dialético. A socialização compreende as condutas individuais ou coletivas para além da racionalidade presente nas opções vinculadas ao social; o jogo abrange os constrangimentos da intencionalidade racional e estratégica dos atores; o mecanismo do tipo dialético se refere às tensões entre a adesão a valores já estabelecidos e o distanciamento adotado com relação às estruturas. De modo que, na socialização, o limite da ação individual ou coletiva está na herança cultural; no jogo, está na intencionalidade racional; no dialético, está na capacidade crítica dos atores. Desse modo, e no pressuposto de que o vínculo entre a ação do ator e os sistemas pela via indireta de cada um desses tipos de causalidade não implicaria unidade do conjunto social, e sim o direcionamento de cada lógica de ação para e em função dos elementos autônomos do respectivo sistema; o argumento teórico conclui que, nos processos de socialização, a ação do ator constitui-se no reflexo das coerções exercidas pelo sistema (como na educação, no controle social, no percurso de vida, nas normas e nos modelos); nos processos de escolha (o jogo), a ação do ator reflete as oportunidades oferecidas pelo sistema; nos processos dialéticos, a ação do ator torna-se reflexo da tensão entre valores e dominação sociais. Ao se vincular cada uma das lógicas de ação ao respectivo sistema, tem-se que o sistema de integração causa as condutas; o sistema de interdependência é

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causado pelas condutas; o sistema de ação histórico e as condutas são causados por uma crítica do ator à realidade (DUBET, 1994).

1.1.5. Síntese

O pensamento moderno compara-se a uma ideologia do triunfo da razão. Neste sentido, quaisquer obstáculos a este triunfo correm o risco de ser eliminados. Sem esta eliminação, o mundo e o ser humano não passariam por um processo de renovação a se dar, segundo alguns autores, por intermédio do socialismo científico e, segundo outros, por meio de um abandono da moral religiosa e do conhecimento das leis da natureza (TOURAINE, s/d). Com o pensamento moderno, diferenciaramse as esferas culturais de valores, a noção weberiana que distingue arte, moral e ciência (TOURAINE, s/d; WEBER, 1984; WILBER, 2006). De todo modo, quaisquer que sejam as explicações, pressupõe-se que o ser humano seja capaz de alcançar a verdade – o que já seria outro pressuposto. Caso estes pressupostos se mantenham, como reação, contrapeso ou continuação, estaria caracterizado o que se convencionou chamar pós-modernidade conforme a ideia de um tempo histórico que não teria rompido com a modernidade. Caso contrário, estaria caracterizada a pós-modernidade segundo a ideia de um período que teria rompido com a modernidade. O ponto de partida seria a noção de que não existe verdade, mas interpretações construídas socialmente, num mundo dominado pelo consumo. Seguindo-se uma ou outra dessas caracterizações, emergem diversas explicações com respeito à ação dos indivíduos. De acordo com a concepção clássica, ao agir, o indivíduo se orienta pelas condutas dos outros, realizadas no passado, presente ou esperadas em termos de futuro. Configuram-se, assim, a ação racional referente a fins, a racional referente a valores, a afetivo-emocional e a tradicional (WEBER, 1999). Já a noção contemporânea admite que o indivíduo, ao agir, orienta-se e vive relações sociais não segundo lógicas de ação hierarquizadas em função de uma necessidade naturalmente imposta, mas a partir da aleatoriedade. A ação e as vivências seriam autônomas, construídas na pluralidade de valores e na ruptura (DUBET, 1994).

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Neste sentido, em vez de ação, experiências sociais. As condutas individuais e coletivas são perpassadas pela heterogeneidade de seus princípios e pela ação de cada indivíduo que, no limite, são responsáveis por construir o sentido de suas ações desenvolvidas no interior desta heterogeneidade. Perdem força as clássicas noções de papel, posição social e cultural na definição de ação social, pois as condutas se organizam na heterogeneidade de princípios socioculturais. Os indivíduos carregam uma multiplicidade de orientações. Tornar as experiências sociais um objeto socialmente determinado, viabilizando sua análise, exige do observador a inscrição delas na objetividade do sistema, ainda que uma experiência social seja a combinação subjetiva de vários tipos de ação (DUBET, 1994). É neste cenário que se desenvolvem as conexões entre juventude, diálogo e educação, próxima abordagem neste trabalho.

1.2. JUVENTUDES, DIÁLOGO E EDUCAÇÃO Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito (FREIRE, 2009, p. 69).

1.2.1. Introdução

Na conexão entre os temas da juventude, diálogo e educação é possível visualizar diversas necessidades dos jovens, entendidos para além da perspectiva homogeneizadora que os coloca numa faixa etária comum, e diversas contribuições da escola na busca de respostas e soluções àquelas necessidades. Neste pressuposto, a presente seção explicita ideias e explicações de diversos autores com respeito aos sentidos do termo juventude, noções de diálogo e oportunidades de praticá-lo com os jovens, inclusive em meio a dificuldades que enfrentam na escola, para finalizar discutindo possibilidades do currículo dialógico.

1.2.2. Sentidos do termo juventude

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No âmbito das definições internacionais, os jovens pertencem à faixa da população com idade entre 15 e 24 anos. No Brasil, eles fazem parte da população de 15 a 29 anos de idade (ONU, 1981; BRASIL, 1990, 2005, 2013). Definições desta natureza, baseadas no critério da idade, servem para elaborar estratégias de atuação em países como o Brasil, por exemplo, cuja legislação prevê a garantia de direitos do cidadão, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à educação, dentre outros (BRASIL, 1988). Tomada desta maneira, juventude seria o grupo de pessoas participantes do período de vida iniciado na adolescência, com avanço para a idade adulta, prevalecendo o critério da homogeneidade. Todavia, os jovens participam de classes sociais e situações econômicas de maneira desigual, têm díspares interesses e mudam rapidamente os modos de relacionamento consigo e com os outros. Concebida deste outro modo (sem qualquer juízo de valor a respeito de uma ou outra maneira de explicar), a juventude seria o conjunto social composto por pessoas de situações sociais diferenciadas, embora pertencendo à mesma faixa etária (PAIS, 2003). Assim, torna-se possível falar em juventude, consoante uma perspectiva homogeneizadora, e de juventudes, como o conjunto social compreensível a partir de múltiplos pontos de vista, com indivíduos que experimentam novas situações num processo contínuo de construção de identidades. A utilização do termo juventude no plural, conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), está embasada na ideia de que “a juventude tem significados distintos para pessoas de diferentes estratos socioeconômicos, e é vivida de maneira heterogênea, segundo contextos e circunstâncias” (UNESCO, 2004, p. 25). A literatura relacionada ao assunto está repleta de definições. Constituem-se de diversificadas explicações os caminhos que caracterizam, definem e conceituam o termo juventude com o objetivo de evidenciar seu sentido – aquilo que constitui a orientação própria, intrínseco e vital para a existência de algo. A polifonia de vozes que tenta caracterizar a juventude envolve opiniões de antigos e de novos pensadores, em épocas pré e pós-angústia cartesiana (BERNSTEIN, 1983; VASCONCELOS; LIMA, 2012), compondo uma textura nos discursos que, a despeito das divergências, possibilita a ideia de haver um sentido para o termo.

62

Encontrar seu sentido, ou sentidos, exige, do olhar curioso, a tomada de decisões, o fazer recortes, pois a complexidade do termo implica aspectos biológicos, históricos, sociológicos, culturais, dentre outros. Assim, Stevens e colaboradores (2007) reuniram alguns aspectos em cinco perspectivas para explicar a adolescência e as consequências educacionais, constituindo-se em recortes que possibilitam desenvolver outros recortes a respeito do termo juventude. Estas perspectivas ou tendências seriam: a) Desenvolvimento: a criança, o adolescente e o jovem são percebidos como deficitários em seu potencial para pensar o complexo, posicionar-se e equilibrar os hormônios, tal como os adultos conseguem fazer; à escola caberia suprir tais deficiências; b) Patologizantes: os adolescentes são percebidos como desviantes com relação ao tipo ideal (modelo) de comportamento de adultos brancos, da classe média e heterossexuais; à escola caberia ajustá-los a este tipo, podendo diagnosticar e encaminhar a especialistas, bem como introduzi-lo na cultura intelectual ocidental dominante; c) Críticas: os jovens são percebidos como ingênuos, mas, rebeldes, agentes de resistência e de transformação social; a escola teria o papel de contribuir para a sua emancipação; d) Pós-modernas: a adolescência é considerada um grupo com relativa homogeneidade, com seus problemas na multiplicidade de situações e riscos, por vezes sem objetivos; a escola teria a função de administrar estes riscos e rebeldia; e) Subjetividade: o adolescente percebido como capaz de conquistar sua identidade, como sujeito inserido no contexto histórico-social e cultural; à escola caberia elaborar e desenvolver práticas favoráveis a que os jovens aprendam e compreendam a sua participação pessoal por um mundo mais justo (Quadro 4). Essas explicações evidenciam que a subjetividade é construída a partir das experiências dos indivíduos e por intermédio da compreensão que eles tenham a respeito destas experiências (DUBET, 2003; GOMES, 2012). Para tratar da identidade dos jovens, torna-se necessário considerar a diversidade da vida social, a qual envolve questões políticas, históricas, econômicas e culturais. Torna-se necessário considerar que as experiências cotidianas, embora repetitivas, são ressignificadas pelos seres humanos ao longo das situações que lhes exigem

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escolhas e posicionamentos relacionados a condutas e valores construídos individual e coletivamente (KEMP, 2000). Quadro 4 – Perspectivas da adolescência e suas implicações escolares. Perspectivas da adolescência e suas implicações escolares

Alunos

Professores

Currículos

Modelo de pessoa

Consequências educacionais

Definições

Desenvolvimento

Patologizantes

Críticas

PósModernas

Subjetividade

Etapa preparatória e transicional da vida humana. Abordagem do déficit.

Etapa preparatória e transicional da vida humana, suscetível a patologias e desvios.

Escola é instituição dominadora, que transmite ideologia, domestica novas gerações. Adolescente é oprimido, rebelde, agente de resistência.

Grupo relativamente homogêneo, rebelde e em risco de não alcançar certos objetivos.

Formação de sujeitos históricosociais e culturais.

Suprir os déficits, superar os impulsos negativos, controle e vigilância.

Formar a pessoa normal, diagnosticar e curar as patologias.

Desvelar a reprodução social, emancipar os alunos por meio de uma pedagogia dialógica.

Administrar riscos em face da rebeldia.

Processo de subjetividade. Contextualizar as experiências vividas dos sujeitos.

Masculino, ocidental, branco, cristão.

Comportamentos adultos, brancos, ocidentais, de classe média, heterossexuais.

Pessoa conscientizada, politizada, transformadora.

Rejeita significados positivistas de conhecimento e verdade.

Construção de um futuro com justiça social e integridade política.

Cultura intelectual ocidental dominante.

Cultura ocidental dominante.

Privilegiam culturas populares e midiáticas, desde que não ideológicas.

Contribuem para viver a vida da melhor maneira.

Práticas pedagógicas para os jovens aprenderem e compreenderem sua participação na vida social.

Vigilância e ordem. Regramento dos tempos, espaços e movimentos.

Cientistas maduros e racionais, capazes de diagnosticar e encaminhar alunos com patologias.

Dissipam a ingenuidade e revelam as estruturas de poder. Guiam o aluno na investigação crítica.

Versões de amigos e terapeutas identificam estudantes em risco e lhes provém apoio.

Orientadores das experiências no contexto.

Passivos (objetos de modelagem para serem adultos).

Passivos (objetos de ajustamento).

Sujeitos de conscientização.

Sujeitos.

Sujeitos, protagonistas.

Fonte: Gomes (2012, p. 35).

64

Desse modo, optou-se aqui por abordar a formação histórico-social e cultural dos jovens, tendo as explicações e as pesquisas de Pais (2003, 2005, 2008) e Savage (2009) como principais referências, acompanhadas por comentários com base em outros autores, e apresentar, ao final desta tentativa de apreender alguns sentidos do termo juventude, o perfil do jovem brasileiro de acordo com resultados alcançados por duas pesquisas. Ao tomar como base as diferenças biológicas elementares (gênero e idade), Ortega y Gasset (1987) entende o ser jovem ou o ser velho como módulos elementares e divergentes da vitalidade resultantes dos plásticos poderes da história. Por isto mesmo, Gomes (2012) sublinha que biologia e ambientes interagem de tal maneira que as idades são conceituadas e reconceituadas nas dimensões dos tempos. Assim, para Ortega y Gasset (1987), no limite, a estrutura social se reduz a dividir os indivíduos em homens e mulheres e dentro de cada uma destas divisões as categorias meninos, jovens e velhos. Cabe acrescentar que, por esta razão, diferenças biológicas como o gênero e a idade aparecem na literatura sociológica como construções sociais. Aparentando estilos diferentes de estar presente em idêntica época histórica, cada uma dessas categorias procura os sentidos da sua própria existência. De todo modo, ao fazer a retrospectiva dos deslocamentos de poder entre essas categorias, Ortega e Gasset (1987) contribui para a compreensão, em quadros amplos, dos diversos sentidos do termo juventude desde os gregos antigos até o início do século passado. Com Ortega y Gasset (1987), compreende-se que na Grécia clássica a luta entre as mencionadas categorias poderia ser representada pela dupla composta por Sócrates e Alcebíades (PLATÃO, 1972). Enquanto o primeiro era o homem maduro a educar e a dirigir, o segundo era o jovem que triunfara sobre a sociedade – apesar de ser o caso de entender, conforme o autor, que graça e vigor juvenil estavam a serviço da norma, da incitação e do freio situados acima da dupla. Já entre os antigos romanos os jovens patrícios e os jovens proletários representavam, respectivamente, os filhos de pais cidadãos e os filhos de alguém desconhecido. O senador, o pai de família, era o modelo cardinal da sociedade. Adiante no tempo, o século XVIII mostrou-se ser o século velho, antiquado, odiento quanto às qualidades juvenis – tempo da peruca empoada, usada para

65

esconder a testa primaveril. Também no século XIX a juventude teria vivido a serviço da madureza, quando então as gerações aspiravam a amadurecer o mais rapidamente possível em meio ao clima de vergonha da própria juventude – até chegar o último quartel do século XIX, período em que teriam iniciado as diversas e conflitantes tentativas para conceber e definir o status do indivíduo jovem (SAVAGE, 2009). Ao realizar uma retrospectiva das tentativas americanas e europeias para definir adolescência, compreendendo esta retrospectiva o período entre 1875 e 1945, Savage (2009) identificou aspectos da formação histórico-social dos jovens da América, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália e Rússia, contribuindo para compreender o sentido do termo juventude. O período que vai do final do século XIX até o primeiro lustro do século XX preocupa-se em formular um conceito de jovem, tendo-se já concebido ser inadequado pensar a idade adulta como fase imediata à infantil. Aquele tempo viveu as controvérsias de lançar os jovens no serviço militar; conviver com as gangues de crianças e adolescentes abandonados à própria sorte nas metrópoles; assistir à imigração maciça do campo para as cidades europeias, à prostituição e à delinquência juvenil. Eventos estes incomparáveis aos vividos por crianças americanas ao embarque nos sonhos de O Mágico de Oz, no Natal de 1900, obra literária que, para alguns, ajudaria na educação da criança moderna. Era o tempo em que para os americanos valiam a energia e a instantaneidade,

e

não

a

linha

temporal

passado-presente

vivida

pelos

contemporâneos europeus. Por isto, “se o bom condicionamento físico e saúde eram desejáveis para a sociedade americana, então a juventude, que naturalmente personifica estas qualidades, passou a ser o ideal sedutor para todas as idades” (SAVAGE, 2009, p. 71). Naquela virada de século emergia a ideia de que a juventude poderia alçar voo como fase distinta de vida. Foram escritas obras voltadas para as possibilidades de concretização das promessas de juventude, transitórias ou eternas (SAVAGE, 2009). Em tal momento histórico-social, G. S. Hall (1904) cunhou o termo adolescência para definir o longo hiato entre a infância e a vida adulta. A propósito, na primeira metade do século XX, Ortega y Gasset (1987) escreveu que os jovens pareciam donos da situação e, sem se preocupar

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minimamente com as outras idades, habitavam sua juventude de tal maneira resoluta e com denodo, despreocupados e seguros, que até parecia terem mergulhado suas existências neles próprios. Admitindo dúvida noutro trecho da obra referenciada, o autor revela não saber se este triunfo da juventude seria fenômeno transitório ou atitude assumida pela vida humana com perspectiva de qualificar uma época ainda por vir – para o autor, seria necessário decorrer algum tempo para ter respostas para este prognóstico. Para os ingleses da primeira década daquele século, “o futuro do Império Britânico estava na sua juventude” (SAVAGE, 2009, p. 101), mas havia a ideia de que os jovens estavam abaixo dos padrões físicos e, assim, seria por culpa da vida urbana e seus males (os vícios) ou da cultura (levaria ao homossexualismo). Fortalecia-se o escotismo dos anos 1920 em diante. Na América em afirmação como potência financeira e industrial procurava-se domar os jovens para o mundo dos negócios. Desse modo, contrapunham aos jovens do norte da Europa, programados para lutar na guerra, os jovens americanos educados inclusive nas escolas para o ideal

dos

negócios



processo

auxiliado

pela

Psicologia

comercial,

concomitantemente ao movimento contra o trabalho infantil. Em paralelo, a sociedade americana se preocupava com a delinquência e a rebeldia juvenil. Buscava soluções. Tratou de dividir os processos educacionais em educação orientada para os clássicos e educação voltada para a instrução vocacional, sob a resistência de pais e professores, no contexto da evasão escolar ocasionada prioritariamente pelo preenchimento de vagas de trabalhos temporários e com baixos salários. Enquanto isto, na Alemanha, o Wandervogel (pássaro errante) ajudava os jovens a fugirem dos limites da escola e da cidade rumo ao mundo aberto. Logo antes da Primeira Guerra Mundial quaisquer jovens parisienses poderiam representar bem a rejeição ao sistema liberal e tecnológico adotado por seus pais, caracterizando um choque de gerações em que, de um lado, estavam filhos conservadores; do outro, pais progressistas. Os jovens europeus (os americanos em menor quantidade), situados no campo de batalha ideológico, vivenciaram os horrores daquela Guerra e saíram diferentes dela, não sendo mais obedientes aos mais velhos de uma maneira automática como antes ocorria. Ao buscar fugir das neuroses do pós-Guerra (muitos sem escola, com pais envolvidos

67

na guerra, ficaram à deriva), concentraram-se no presente. Meninas foram recrutadas para a prostituição associada às drogas. Na Rússia de 1918 explodiam greves, motins e rebeliões. A vontade de construir novo ciclo, por parte da sociedade, devia-se em parte à Guerra gerada por ela, tendo se brutalizado “a nova sociedade de massa da juventude” (SAVAGE, 2009, p. 186). Com isso, “o Velho Mundo fora destruído e o Novo Mundo entrou correndo” (p. 196), enquanto o adolescente era lançado no limbo de um mundo incerto. Ao transpassar o chamado drama do pós-Guerra, vários jovens cresceram sem pais e estudos, compensados apenas por um sentimento de liberdade que não viveram. Chegava ao mundo uma adolescência social e politicamente poderosa, pronta para ajustar contas com a geração mais velha, pois se sentia traída por ela. Medrava o mercado jovem americano, seguindo-se os problemas da cultura de massa. O consumismo americano invadia a Europa e em meio à busca de prazer, jovens trabalhadores e jovens burgueses dividiam-se nos grandes salões de baile. Pouco mais tarde na Alemanha, já no contexto de instalação da Segunda Guerra Mundial e atrocidades do Holocausto (dirigido não só aos judeus), evocavase uma abstração da juventude como símbolo de mudança por meio do conflito, da ação e do espírito de pertencimento – naquele país, os jovens passaram a ter poder político como não houvera ocorrido, mas, ressalte-se, sem direito de negar culto ao ditador Hitler (SAVAGE, 2009). Jovens atingidos pela crise iniciada com a Depressão de 1929 sofriam suas consequências: “Na América, os jovens desempregados iam para a estrada (...). Na Alemanha, [eles] eram a matéria bruta para a arregimentação fascista disfarçada de autogoverno. No Reino Unido, se tivessem ânimo, iam fazer caminhadas” (SAVAGE, 2009, p. 321). Apesar da Depressão, ser cidadão americano bem sucedido significava ter poder aquisitivo (com as devidas consequências para a Europa). E isto incluía divertir-se, para o que o swing se mostrou fundamental – não apenas como estilo musical, mas como representante da liberdade em todos os sentidos (igualmente, com seus desdobramentos na Europa). Isto ocorria paralelamente à obrigatoriedade que os jovens americanos tinham de frequentar a escola secundária – em 1940 por volta de 75,0% dos jovens com idade entre 14 e 17 anos estavam na escola.

68

No entanto, a obrigatoriedade passou a ser outra após o envolvimento da América na Segunda Guerra Mundial: era preciso trabalhar. Além disso, da noite para o dia, meninos e meninas obrigaram-se a virar adultos – eles viveram racionamentos como os da gasolina, dos chicletes e do açúcar. Em 1942, jovens abandonavam a escola e iam trabalhar. Por outro lado, o ataque a Pearl Harbor, caro a milhares de japoneses de origem americana (deportados e postos em campos especiais), passou a gerar postos de trabalho na indústria bélica (SAVAGE, 2009). Na Alemanha daquele ano aprovou-se a solução final e diversos jovens foram separados de suas famílias, tendo levado a indagadora e inquieta Anne Frank a escrever em seu diário: “muitos amigos judeus e conhecidos estão sendo levados em bando (...) mulheres e crianças têm a cabeça raspada” (SAVAGE, 2009, p. 454). Diferentemente dos jovens alemães, os jovens americanos viviam o gosto pela novidade, excitação e autoidentificação – um jeito diferente, um conjunto de padrões comportamentais denominados por Parsons (1942) como cultura juvenil. Em 1944, os adolescentes foram designados como teenagers, a partir de sua definição como ideal e como mercado. Quando, em 1º de agosto daquele ano, Anne Frank escreveu em seu diário “tenho medo que as pessoas que me conhecem descubram que tenho outro lado, um lado melhor e mais bonito, tenho medo que zombem de mim” (FRANK, 2001), suas palavras ressoavam como o oposto do ideal de jovem americano representado pelas palavras da revista Vogue em julho de 1945, ao se referir à revolução dos teenagers: “ela [a revolução] desenvolveu para si mesma um estilo quase tão perfeito quanto possível neste mundo imperfeito [fazendo] da sua juventude uma bandeira” (SAVAGE, 2009, p. 495). Cabe acrescentar que naquele período histórico, do outro lado do mundo, a China sofria as consequências da invasão japonesa, incluindo o chamado massacre de Nanquim. Os chineses avaliam que cerca de 300 mil pessoas foram mortas na onda de assassinatos, estupros e destruições perpetrada por militares japoneses entre dezembro de 1937 e fevereiro de 1938. Para a China, teria aquele massacre assumido dimensão trágica análoga à da explosão das bombas americanas lançadas em agosto de 1945 sobre Hiroshima e Nagasaki (THOMAS; WITTS, 1977; CHANG, 1997; CHINA COMEMORA..., 2012).

69

Durante os próximos cinquenta anos após a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se a ideia do teenager, tendo representado a combinação psíquica de uma época – o viver o presente, a busca de prazer, a fome por produtos –, o que personificou a nova sociedade global (SAVAGE, 2009). Conforme descreve Dick (2003), nos anos de 1950, com mais autonomia, os jovens viveram os chamados anos dourados. Na década de 60 falou-se com frequência da juventude em tempos de revolta e dos movimentos hippies. Já nos anos de 1970, a juventude estava insatisfeita com a apatia da sociedade. Nos anos de 1980, sem ideologias, presenciava o consumo exacerbado. Nos idos de 1990, com o surgimento da geração zapping, caracterizada pelo saltitar desordenado entre o fazer isso, fazer aquilo, ela vivenciou a ênfase dada à articulação e ao raciocínio, bem como o culto ao corpo e ao prazer. Dessa maneira, o século XXI recebeu um jovem que possivelmente pela primeira vez na história não estava conseguindo visualizar seu futuro com clareza. Se antes ele conseguia perceber seu papel na sociedade com alguma nitidez, ainda sem concluir sua formação, agora isto se tornou praticamente inviável. Hoje, ele vê o futuro um tanto nebuloso. Neste sentido, oportuno é estabelecer comparações entre as histórias de duas jovens, uma que viveu e morreu no século XX e outra que vive no século XXI. Uma era alemã e se chamava Anne; a outra é paquistanesa e se chama Malala. De diferente, citem-se suas necessidades imediatas, os modos de viver, as culturas de seu povo. A primeira morreu assassinada pelas forças nazistas quando tinha 15 anos de idade por ser judia. A segunda, com igual idade, sofreu atentado das forças talibãs porque, sendo mulçumana, não poderia frequentar escolas, conforme aquelas. De semelhante, vários aspectos, mas em essencial o sonho de presenciar um mundo em paz. As palavras de uma e de outra, por si, indicam a esperança de um mundo melhor. Em seu diário, Anne escreveu: Para mim é totalmente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento e morte. Vejo o mundo ser lentamente transformado numa selva, ouço o trovão que se aproxima e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E mesmo assim, quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão (FRANK, 2001, p. 306).

70

Por sua vez, Malala, em discurso realizado para cerca de 500 jovens provenientes de todas as partes do mundo e para autoridades mundiais, declarou: Sou apenas uma jovem entre muitas outras. Eu falo não por mim mesma, mas por todos os que não têm voz. (...) Vamos pegar nos nossos livros e nas nossas canetas. Eles são as nossas mais poderosas armas. Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. A educação é a única solução. A educação em primeiro lugar (informação 26 verbal) (MALALA ESTEVE..., 2013, tradução nossa).

E, mais tarde, ao comentar este seu discurso, realizado na sede da ONU, revelou: Queria atingir as pessoas que vivem na miséria, as crianças forçadas a trabalhar e aquelas que sofrem com o terrorismo e a falta de educação. No fundo do meu coração eu esperava alcançar toda criança que pudesse ganhar coragem com as minhas palavras e se levantar por seus direitos 27 (MALALA, 2013, p. 324) .

Este breve volver à formação histórico-social dos jovens, até chegar aos dias atuais, contribui para identificar significados do termo juventude. Na líquida sociedade moderna (BAUMAN, 2004), na qual, independentemente das dicotomias entre experiência e vivência imediata (BENJAMIN, 1975), os indivíduos constroem experiências a partir de lógicas impostas por diversos sistemas de socialização (DUBET, 1994), os jovens buscam definir percursos biográficos aptos a se traduzir, com seus resultados, em projetos significativos. Desejam intervir, decidir, influenciar e estabelecer comportamentos nas diversas províncias do mundo social, disseminando gostos e ideias aos não jovens, assim, invertendo o cenário histórico de serem avaliados conforme os papéis a desempenhar na vida adulta (PAIS, 2003). Tomando-se a ideia de passagem para um novo período de vida, duas explicações para o termo juventude são razoavelmente visíveis, envolvendo, de um lado, a tradição francófona e, de outro, a anglo-saxônica. Como representante da primeira tradição, Galland (1997) inaugurou o conceito pós-adolescência28 para designar o período de vida durante o qual o indivíduo alterna momentos de independência e de dependência à família na qual iniciou sua socialização. É o

26

Pronunciado na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em 12 de julho de 2013. A jovem tem se tornado um símbolo da luta a favor da educação para todos. 27 Juntamente com o indiano Kailash Satyarthi, Malala Yousafzay ganhou o Nobel da Paz de 2014 pela luta contra a supressão de crianças e jovens e pelo direito de todos à educação. Com apenas 17 anos, tornou-se a mais jovem personalidade a ganhar tal prêmio (MALALA AND..., 2014). 28 Ver Glossário.

71

período em que ele conclui sua formação acadêmica, inicia sua vida profissional, sai da casa dos pais e constitui nova família. Por sua vez, como representante da segunda tradição, Arnett (2004) cunhou o conceito adultez emergente29 para designar um período em que o indivíduo vivencia incertezas, exploração de possibilidades no amor e no trabalho, tempo de grandes esperanças e sonhos, interstício entre o casamento e a paternidade, sendo algo sem precedentes na história das juventudes em sociedades industrializadas. Conforme Arnett (2004), o jovem do século XXI ainda quer se casar, ter filhos e ter sua própria residência. No entanto, se, por um lado, não assumir esta situação poderia representar para ele segurança e estabilidade, por outro, assumi-la poderia fechar-lhe portas à independência, espontaneidade e possibilidades. Está em jogo a liberdade jamais experimentada por ele – obviamente, caso este jovem tenha condições de desfrutá-la, pondera aquele autor. Desse modo, vivendo a adultez emergente, caracterizada em termos de exploração de identidades, instabilidade, foco em si próprio, sentimento de transição e abertura a possibilidades, o jovem prolonga a passagem para a vida adulta quanto mais entenda não estar ainda capacitado para assumir determinadas responsabilidades. Ou seja, o jovem decide conforme sua subjetividade e não mais segundo o que lhe determinam os adultos – na verdade, conclui aquele autor, este é o período no qual o indivíduo entende não ser ainda autossuficiente, sentindo-se dependente, pois não consegue assumir responsabilidades, decidir sozinho e ter independência financeira. Diante dessas explicações, cabe lembrar que, para Bourdieu (1983), seria abuso de linguagem querer subsumir, num só conceito, universos sociais sem coisa alguma em comum. E, como salienta Reguillo (2007), a enorme diversidade admissível na categoria jovem (como os estudantes; as bandas; os punks; os filhos da modernidade, das crises e do desencanto) e a pluralidade de mundos e concepções presentes no atual contexto social (globalizado, com tecnologias da comunicação

e

desencantado

em

termos

políticos)

constituiriam

tamanha

complexidade que seria impossível articular um só campo de representações dessa

29

Ver Glossário.

72

categoria – o sentido do termo juventude estaria frequentemente sendo, armando-se num continuum simbólico. Ao

discutir

as

juventudes,

admitindo-as

como

categoria

construída

culturalmente, aquela autora recorre a discursos pertinentes ao tema para então apontar os diversos cenários das culturas juvenis. Trajetória intelectual realizada também por outros autores, a exemplo de Pais (2003), em pesquisas sobre essas culturas – com resultados relevantes para identificar possíveis significados do termo juventude e perfis atribuídos aos jovens. Ao estudar as ideias daquele autor, Vasconcelos (2012b) explica que ele propõe na obra Culturas juvenis um olhar voltado para o assunto a partir de dois eixos semânticos: a juventude percebida como aparente unidade (fase de vida) e a juventude percebida como diversidade (atributos sociais como fatores de distinção). O autor passa de um eixo a outro, concebendo não haver uma maneira exclusiva de transição para a vida adulta, mas várias, como várias seriam as maneiras de ser jovem (conforme a origem social, o sexo, o habitat, dentre outras) ou de ser adulto. Tal transição possui descontinuidades evidenciadas nas transformações socioeconômicas, nos modos de vida e nas mobilidades geracionais no contexto da reprodução. Neste pressuposto, aquele autor analisou a transição para a vida adulta, considerando a juventude não apenas um conjunto social a mudar de fase de vida, e sim detentor de atributos diferenciadores – e, como o autor afirmaria mais tarde, noutra obra, crucial é desmascarar a ilusória homogeneidade traduzida no termo juventude, uma ilusão que leva a pensar numa realidade nominal com tendência a anular as distinções existentes entre os jovens (PAIS, 2008). Assim, após rever a literatura a respeito do assunto, o autor propõe duas vertentes de explicação: a corrente geracional e a classista. Segundo

Pais

(2003),

a

corrente

geracional

concebe

os

conflitos

intergeracionais como disfunções na socialização dos jovens, tomados em termos de fase de vida – a transição para a vida adulta ocorreria com a reprodução social de itens relevantes para as gerações mais velhas. O autor critica a forte tendência desta corrente de representar a juventude como unidade homogênea. Para a corrente classista, por sua vez, a transição para a vida adulta baseia-se nas desigualdades sociais, seja quanto à divisão sexual do trabalho (mulher sem emprego fica em casa para ser esposa e mãe) ou com relação à condição social

73

(filho de operário é operário). Para o autor, o erro desta outra corrente é querer encaixar a realidade numa concepção a respeito dela, pois deixa de fora da análise científica itens alheios à resistência. Menos interessado em se posicionar diante dessas correntes explicativas da juventude e mais interessado em compreender as culturas juvenis, Pais (2003) entende que valores, crenças, símbolos, dentre outros, compartilhados pelos jovens seriam inerentes tanto à fase de vida como também seriam derivados ou assimilados de gerações precedentes ou de classes nas quais eles se inscrevem. Isto posto, e pressupondo que os diferentes sentidos incorporados pelo termo juventude são paradoxos da juventude, o autor realizou pesquisa com 64 jovens com idades de 13 a 29 anos, de três comunidades portuguesas: Rio Cinza, típica de classe operária; Dorninha, perfil de classe média; Coutada, típica de classes médias e altas superiores. À maneira weberiana, o autor buscou compreender o fenômeno da transição para a vida adulta com a atenção voltada para o sentido atribuído pelos jovens às suas ações. Com base nos resultados da pesquisa, o autor caracterizou as culturas juvenis e as modalidades de passagem para a vida adulta. Dentre outras, a identidade grupal revelou-se no simbolismo presente no vestuário, nas éticas de consumo, no gosto por teatro e na linguagem – envolvendo fortemente o lazer num processo dialético de singularização e dependência na construção de identidades. Conforme aquele autor, a transição para a vida adulta envolve as orientações axiológicas relacionadas ao percurso escola-trabalho, bem como ao namoro e ao casamento. O autor identificou nos pesquisados duas orientações correspondentes a tipos ideais weberianos: uma, com foco no futuro, em que o jovem faz uma aposta em táticas de mobilidade social capazes de promover integração em consonância com estilos de vida projetados; outra, voltada para o presente, em que o jovem pouco valoriza o risco do estigma social. Relativamente às culturas escolares, aquele autor identificou quatro tipos etnometodológicos reveladores de posturas diferenciadas com respeito à escola e às normas do sistema educativo: marrões, enfiados em livros; graxas, pouco dispostos a se sacrificar para alcançar boas classificações; bacanas, apreciadores da convivialidade e da excitação permanente; baldas, alheios ou repulsivos ao sistema escolar. Cada um dos tipos apresentou um olhar diferente para o canudo (o

74

diploma), ora a representação da recompensa pelo esforço e gosto de estudar (marrões), ora a certificação do aprendizado (graxas) ou ainda a posse de algo desejado (bacanas) ou de algo irrelevante (baldas). Assim, após interpretar estes tipos estudantis a partir da apreensão e da análise sociológica, o autor concluiu que a escola é um mosaico de culturas no qual estão mergulhados os mais variados matizes de comportamentos e reações. Além do estudo das culturas escolares, o autor quis saber acerca das vivências dos jovens portugueses com relação ao namoro, casamento e estratégias conjugais. O sentimento e o erotismo envolvem com intensidade o ter e o econômico. No entanto, ao considerar que a varinha do amor não une os jovens por acaso, o autor descobriu três modelos definidores das relações amorosas e conjugais: os jovens orientam-se para o casamento (originários do meio operário), para o bom casamento (classes sociais mais elevadas) e para o amor experimental e curtição (classes médias). Descobriu ainda a influência das famílias sobre os jovens, pois elas os controlam quanto aos namoricos, à reputação, ao apoio econômico e à filtragem das amizades. Quanto ao mundo do trabalho, a escola e o emprego se distanciariam não em decorrência da inadequação da escola ou da falta de adaptação dos jovens à atividade laboral, mas em função das reações diferenciadas dos jovens no tocante ao trabalho, ao emprego e ao desemprego. Conforme a pesquisa, jovens oriundos do meio operário percebem o trabalho como obrigação moral de ajudar no orçamento familiar, enquanto jovens pertencentes às classes médias e altas o concebem como o lugar da realização pessoal e profissional. Ou seja, emprego e desemprego poderiam ser explicados na comparação com as estruturas sociais ou com o esforço individual. Noutra pesquisa, Pais (2005) entrevistou 14 jovens (distribuidor de pizas, estudante universitária, disc-jóquei, arrumadores de supermercado e de carros, prostitutas, toxicodependentes e reclusos). Concluiu o autor que jovens mal sucedidos,

em

virtude

de

educação formal

desacreditada,

estabeleceriam

estratégias de se desenrascarem para ganhar a vida com a entrega de si a atividades profissionais precárias (biscates) ou ilícitas (ganchos) ou ganhando ocupação por intermédio de influências pessoais (tachos).

75

Em situações de forte precariedade, algumas estratégias para ganhar dinheiro corresponderiam a opções arriscadas, dentre outros perigos oferecidos pela sociedade moderna. Por exemplo, o envolvimento em atividades ilícitas para arranjar dinheiro. Sendo suas vidas já um risco, jovens com dificuldades de inserção profissional poderiam ser arrastados para formas de vida que acentuariam ainda mais a sua vulnerabilidade social. Neste labirinto de vida, os jovens negariam a realidade com a projeção de utopias. Envolver-se-iam, conforme Pais (2005), em trajetórias ioiô. Tais trajetórias seriam as voltas, e meias voltas, a retratarem as atuais rotinas juvenis nas quais o culto da sensação multiplicada desenvolvido por eles os levaria à relativização exagerada. Seriam cotidianos em rodopios situados nos interstícios de tempos monocromáticos

e

tempos

policromáticos

os

quais,

respectivamente,

institucionalizariam (família, escola e trabalho) e socializariam (voltas mágicas no carrossel da vida). A relação com os progenitores, o amor, o consumo, a escola, o trabalho e a família são situações vividas pelos jovens que caracterizariam a ética da geração ioiô – o domínio do aleatório, como numa deambulação em que, no cruzamento das setas do tempo com o tempo cíclico, os jovens estariam investindo no dia a dia, com suas sociabilidades hedonísticas ou seus jogos de informática a proporcionar o exercício do poder. Desse modo, as explicações aqui apresentadas estiveram relacionadas com contribuições de diversas formações histórico-sociais, numa breve alusão a jovens gregos, romanos, britânicos, franceses, alemães, americanos, italianos, russos, chineses, japoneses e paquistaneses; com contribuições de diversas formações culturais, numa alusão aos jovens portugueses em função do vínculo históricosocial-cultural com jovens brasileiros; passando pelas noções de pós-adolescência (GALLAND, 1997) e adultez emergente (ARNETT, 2004). Certamente, quaisquer tentativas para identificar o perfil da juventude brasileira, por exemplo, precisam considerar aspectos como formação históricosocial, diferenças regionais, desigualdades sociais, dentre outros. Assim é que, no Brasil, a pesquisa Perfil da juventude brasileira, realizada em 2003 pela Criterium Assessoria em Pesquisas (ABRAMO; BRANCO, 2011), em parceria com o Instituto de Hospitalidade e com o Serviço Brasileiro de Apoio às

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Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), envolvendo 3.501 brasileiros de 15 a 24 anos, contribuiu para identificar um amplo perfil da juventude brasileira – a despeito dos contrastes que marcam o país. Com base nesta pesquisa, Lassance (2011) buscou identificar semelhanças e diferenças entre os participantes e concluiu ser possível referir-se a este perfil. Conforme identificou o autor, os jovens pesquisados convergem no perfil demográfico em termos de regiões (diferindo ao se compararem centro e periferia, cidades grandes, médias e pequenas, zonas rural e urbana) e em termos de satisfação com a família/educação/autoimagem, bem como por se preocuparem com o desemprego. Identificou que eles divergem com relação às expectativas para melhorar de vida nos bairros onde residem, pensando de modos diferentes o mundo e as estratégias para ocupar postos de trabalho. Também contribuiu para identificar diferentes perfis dos jovens brasileiros a pesquisa Dossiê Universo Jovem MTV5, realizada pela MTV Brasil em 2010 com 2.154 brasileiros de 12 a 30 anos de idade (MTV DO BRASIL, 2010). Segundo os resultados, os jovens valorizam a união familiar, a carreira e a vida numa sociedade que, para eles, poderia ser mais segura. Eles tendem ao maior consumismo, à socialização e ao hedonismo, com destaque à vontade de possuir independência financeira e amigos, divertir-se e aproveitar a vida, possuir mais liberdade e mais beleza física. Conforme a pesquisa, seis seriam os perfis dos jovens brasileiros (Quadro 5). Como se constata, à vista das explicações e pesquisas apresentadas, os sentidos e os perfis da juventude são diversos. Para Catani e Gilioli (2008), a urbanização levou diversos setores sociais a se preocuparem com os jovens, com destaque para temas como educação, delinquência e trabalho. Segundo os autores, no âmbito do consumo e da indústria cultural, as novas tecnologias e a expansão dos meios de comunicação contribuíram para o protagonismo jovem nos mercados da moda, da música e do esporte, por exemplo, cabendo ter presente que, como as pesquisas relativas à juventude estão por completar um século de tradição consolidada, a percepção das manifestações das culturas juvenis como resultado desse protagonismo ainda é recente.

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Quadro 5 – Perfil, valores e características dos jovens brasileiros. Perfis

Valores e características dos jovens

Hedonistas

Valores: ter amigos, boa formação, carreira e independência financeira. Características: próximos das mídias tecnológicas e pagam para tê-las. Desinteressados quanto ao que ocorre à sua volta. Internet é a melhor maneira de se atualizar. Ficar em casa on-line é divertido, mas praticam esporte coletivo.

Antenados

Valores: relacionamento amoroso, atividade física, poder de compra, ter emprego público, ter liberdade e beleza física. Características: conectados com todas as mídias, utilizam os recursos oferecidos pela internet. Culturalmente ativos (cinema, teatro, shows, leituras, viagens). Gostam de conversar com os amigos por meio de redes de relacionamento. Preocupam-se com o que ocorre ao seu redor, gostam de oferecer opiniões, apesar de não considerarem muito a opinião dos outros na hora de decidir. Dizem ser dependentes da web, da música e da TV.

Tradicionais

Valores: união familiar, carreira e profissão. Características: nem tanto tecnológicos, eles não pagam pela modernidade (sem curiosidade por informações da internet, mas curiosos quanto às da TV). Têm escassa vida social, sendo mais focalizados na família e nos amigos, mas passam muito tempo em sítios de relacionamento. Desinteressados em se informar quanto ao que ocorre no mundo, não gostam de opinar. Despreocupam-se com a aparência.

Baladeiros

Valores: beleza física, liberdade, fé. Características: interessam-lhes a moda, as celebridades e as fofocas. Preocupam-se com a própria imagem. Possuem intensa vida social, com foco nos amigos e relacionamentos (gostam de ir aos shoppings, festas e baladas). São íntimos do celular para falar com os amigos (mensagens de texto, internet, rádio e câmera).

Humanizados

Valores: ter fé, viver numa sociedade segura e com mais relacionamentos afetivos. Têm consciência de mundo e se informam bem. Características: equilibram vida social com familiar; têm vida social e cultural moderada; frequentam shoppings e igrejas; viajam. Preocupam-se com: relacionamentos pessoais, evitando mensagens de texto e redes de relacionamentos; alimentação; aparência. Priorizam produtos tecnológicos, mas ecologicamente corretos, pagando mais por isso. Usam as funções básicas do celular e navegam pouco pela internet.

Batalhadores

Valores: viver numa sociedade menos desigual e consumista, ter fé. Características: são muito conscientes das diferenças sociais porque as vivenciam. Assumem responsabilidades decorrentes do contexto de dificuldades em que vivem. Usam as mídias convencionais porque estão distantes das mídias mais modernas. Interessam-lhes temas sociais e notícias a respeito do Brasil e do mundo. Não frequentam bem cinemas, bares, shows, baladas e shoppings. Gostam de ler. Viajam pouco. Mesmo em casa, as atividades de lazer são mais escassas (sem tempo para assistir à TV).

Fonte: elaboração do autor, com base em MTV DO BRASIL (2010). Assim, vale lembrar, com esta juventude o mundo atual precisa dialogar. Por isto, apresentam-se a seguir noções aprofundadas a respeito do significado do termo diálogo.

1.2.3. Fundamentos do diálogo

Uma fundamentação do diálogo tem sido objeto de reflexões de vários autores, dentre eles Buber (1982, 2004, 2009) e Freire (1987, 1997, 2009), sendo

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relevante para compreender as conexões entre juventudes, diálogo e educação. Com Buber (2009) ocorreu radical descoberta favorável à compreensão do diálogo. Na obra Eu e Tu, o autor apresenta como identificou duas atitudes humanas diante do ser e do mundo, representadas pelas palavras-princípio Eu-Tu e Eu-Isso. A primeira seria a atitude de encontro entre dois parceiros que, por se reportarem um ao outro, se confirmariam (uma atitude ontológica). A segunda seria a experiência e a utilização (atitude cognoscitiva), portanto, uma atitude objetivante. Considerado um profeta da relação (encontro), Buber (2009) representa por intermédio da face ontológica de sua obra “um dos exemplos do verdadeiro vínculo de responsabilidade entre reflexão e ação, entre práxis e logos” (p. 5). Para ele, a experiência existencial de estar presente no mundo ilumina as reflexões. Desse modo, pode-se dizer que o Eu-Tu seria o esteio para a vida dialógica e o Eu-Isso o locus da experiência. Segundo o autor, ao lado do diálogo técnico, proposto apenas para atender a um entendimento objetivo, e do monólogo, um simulacro de diálogo no qual indivíduos se encontram e cada um deles fala apenas com ele próprio porque os discursos são tortuosos, está o diálogo autêntico, plasmado quando cada participante visa ao outro ou aos outros para estabelecer uma vívida relação mútua. Este diálogo, autêntico, pode ser interpretado como o momento que capta o logos de um pelo outro e o do outro pelo um (MENDES, 1968). Que, como já mencionado, une logos e práxis, conforme explica Buber (2009), com as influências recebidas por ele, sejam de Feuerbach (2007), o qual não via o ser humano enquanto indivíduo, mas como relação entre Eu e Tu; sejam de Kant (1996), que não concebia o ser humano como meio, mas como fim30. Em Do diálogo e do dialógico, de autoria de Buber (1982), o tradutor explica que: Buber distingue entre o genuíno diálogo – “que não necessita de nenhum som, nem sequer de um gesto” – e o monólogo disfarçado de diálogo. “O mais ardoroso falar de um para o outro não constitui uma conversação”. O encontro, o diálogo verdadeiro, se dá quando “cada um em sua alma voltase-para-o-outro de maneira que, daqui por diante, tornando o outro presente, fala-lhe e a ele se dirige verdadeiramente... As palavras que nos são transmitidas traduzem-se para nós no nosso humano voltar-se-para-ooutro” (BUBER, 1982, p. 8).

30

De acordo com a filosofia buberiana, dialogia e monologia seriam princípios fundantes da ontologia humana (BUBER, 2009).

79

E acrescenta o tradutor daquela obra: O que Buber chama de dialógico não é apenas o relacionamento dos homens entre si, mas é o seu comportamento, a sua atitude um-para-como-outro, cujo elemento mais importante é a reciprocidade da ação interior. Numa situação dialógica, o homem [sic] que está face a mim nunca pode ser meu objeto; eu “tenho algo a ver com ele”. “Talvez eu tenha que realizar algo nele; mas talvez eu apenas tenha que aprender algo e só se trata do meu ‘aceitar’... o que importa agora é unicamente que eu me encarregue deste responder” (BUBER, 1982, p. 8).

Desse modo, compreendendo que a palavra enquanto diálogo é fundamento ontológico do inter-humano, Buber (2009) concebe a relação como fato primitivo. O autor busca explicitar a vida em diálogo, recorrendo a diversas categorias, dentre elas a palavra e a relação. Para ele, diálogo é relação, uma atitude existencial do encontro face a face. No entanto, se a palavra constitui o fundamento da existência humana, ela encontra sua eficácia em duas fontes: na relação Eu-Tu e no relacionamento Eu-Isso. Tal ocorre porque “não é somente um outro homem [sic] que se torna um Tu para mim” (BUBER, 1982, p. 8), mas todas as coisas que existem no mundo, pois coisa alguma pode se recusar a servir de recipiente à palavra. Seria de dizer, conforme Gusdorf (1970, p. 84), que “o ponto de partida para o uso da palavra, portanto, não é o monólogo, mas o diálogo”. Se, para Buber (1982, 2004, 2009), a palavra princípio Eu-Tu seria a base para a vida dialógica e a palavra princípio Eu-Isso o locus da experiência, do conhecimento e da utilização, com Freire (1987, 1997, 2009) a relação entre os seres humanos e entre estes e o mundo nasceria com a experiência da abertura, fundante do ser inacabado, o ser recém-consciente de sua incompletude. Tal como em Buber (2009), no conhecimento ou na experiência, a atitude é considerada um tornar-se presente ao ser e com o ser. O Eu como pessoa e o Tu como outro estariam presentes na relação dialógica. Para Freire (2009), “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História” (p. 136). Desse modo, tanto as explicações buberianas como as freireanas trazem profunda esperança no ser humano. No caso da juventude, trazem uma profunda esperança de concretização da autonomia – cabendo ressaltar que, para Galland (1997) e outros cientistas, inicia-se na juventude a busca da autonomia por meio da construção de identidade e de atitude de experimentação. Para Freire (1987), cujas

80

ideias se vinculam à compreensão da dialética hegeliana das relações entre senhor e servo, mas, sobretudo, vinculam-se às explicações buberianas a respeito das relações Eu-Tu e Eu-Isso, “o diálogo é este encontro dos homens [sic], mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, assim, na relação Eu-Tu” (p. 78). Para o autor, o diálogo não ocorreria se, ao estar o indivíduo diante do outro, este outro fosse considerado um mero isto. Os elementos constitutivos desse diálogo seriam: amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico. Para o autor, o indivíduo dialoga apenas quando ama o mundo, ama a vida, ama o ser humano. Portanto, o amor seria a primeira característica do diálogo. Entretanto, o indivíduo só dialoga quando admite a superação de si, a contribuição do outro, a humanidade do outro, a sua ignorância e a do outro. Logo, a humildade seria a segunda característica. Dialoga o indivíduo se possuir intensa fé na vocação humana de ser mais, fé na capacidade de fazer e se refazer, bem como na capacidade humana de superar quaisquer impedimentos à ação transformadora do mundo. Desse modo, a fé se tornaria a terceira característica. O indivíduo dialoga quando tem esperança, porque se reconhece imperfeito e, por isto, parte em eterna busca de ser mais na companhia dos outros. Sabe que apenas na esperança será possível estabelecer o encontro que possibilitará para ele ser mais humano. Sairia daí, então, a quarta característica do diálogo, a esperança. Por fim, quem dialoga reconhece a solidariedade entre os indivíduos, pois pensa criticamente a relação entre os indivíduos e entre estes e o mundo. Pensa a realidade como processo, banha-se continuamente de temporalidade. Esta seria a quinta e última característica, o pensar crítico31. Desse modo, viabiliza-se uma figura representativa das principais ideias de Buber (1982, 2009) e Freire (1969, 1987, 1997a, 1997b, 2009), relacionadas com o tema do diálogo e termos correlatos (ver Fig. 3).

31

Esta caracterização do diálogo – amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico – fortalece a perspectiva de uma relação horizontal entre os indivíduos, sedimentando a confiança de uns nos outros, o que guarda uma profunda correspondência com algumas características humanas, a saber: pensar, sentir, agir e transcender.

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Figura 3 – Fundamentos do diálogo. Diálogo Buber É relação, que ocorre quando cada um em sua alma volta-se-para-o-outro. É a confirmação da condição humana.

Freire

É encontro entre seres humanos. É a atitude de tornar-se presente ao ser e com o ser (BUBER, 1982, 2004, 2009; FREIRE, 1987, 1997, 2009).

Quanto mais se confirma a condição humana, mais se dialoga.

É atitude humana ontológica. É esteio da vida dialógica. É atitude humana cognoscitiva. É utilização do mundo. O diálogo é relação dialógica que aponta para o sentido da existência humana.

Assim, o DIALÓGICO é atitude de um para com o outro. É comportamento. Buber retoma a Paideia grega na medida em que busca, por meio de uma antropologia filosófica, apreender o ideal dos antigos gregos de formação humana, enquanto aspecto interior da vida. O autor o faz, elevando o conceito de cultura, antropológico e descritivo, para o “ideal de cultura como princípio formativo” (JAEGER, 2001, p. 8).

É palavra, que ocorre na ação e reflexão (práxis).

É forma autêntica de existir. É um ato de criação.

É palavra verdadeira, a que transforma o mundo (não é verbalismo, nem ativismo).

É amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico. “E, se ele [o diálogo] é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes” (FREIRE, 1987, p. 79).

Assim, a DIALOGICIDADE é a essência da educação como prática de liberdade. Freire retoma a Politeia grega na medida em que busca, por meio de uma filosofia da educação, apreender dos antigos gregos o ideal de civilidade, enquanto sonho de vida harmônica, fraterna. Isto é, apreender o ideal de Bem comum (PLATÃO, 1997). Assim, não é nem tanto uma questão existencial, pessoal, da existência humana que preocupa Freire, mas muito mais um projeto de sociedade, um projeto de educação, o que se situa numa dimensão política.

A conexão dessas ideias e propostas sugere um rearranjo da Paideia e Politeia gregas, numa dinâmica em que o diálogo é compreendido como o encontro face a face entre indivíduos. Por ser dialética, essa dinâmica se constitui fundamento da pedagogia dialógica, capaz de desmontar continuamente os processos que priorizam dados, informações, aspectos cognitivos que relegam para o segundo plano uma formação mais abrangente dos estudantes em termos de humanização.

Fonte: elaboração do autor, com base em Buber (1982, 2004, 2009) e Freire (1987, 1997, 2009).

82

Em síntese, o autêntico diálogo, ao qual Buber (2004) se refere, não ocorre, por exemplo, por meio da educação bancária (FREIRE, 1987). Ou, ainda não, por meio dos relacionamentos virtuais, fáceis de extinguir, pois na atual sociedade, mergulhada nos encontros computadorizados, o indivíduo pode a qualquer momento apertar a tecla deletar e os relacionamentos construídos por intermédio de conexões desaparecerem. Em vez disso, o diálogo autêntico ocorre por intermédio de relacionamentos reais, pautados nos compromissos assumidos pelos indivíduos entre si, por isto mesmo capaz de melhorar o convívio no líquido cenário da vida moderna (BAUMAN, 2004). É relação, testemunho, do qual se origina e finaliza a existência humana – relação, inclusive, com o significado weberiano de comportamento reciprocamente referido quanto ao sentido dos conteúdos elaborados por dois ou mais agentes (WEBER, 1999). Não se baseia Freire (2009) noutras noções, senão, nestas, para postular que “ensinar exige [do educador] disponibilidade para o diálogo” (p. 135). No entanto, este diálogo precisa ser viabilizado e, no âmbito educacional, isto ocorrerá, segundo o autor, se houver espírito de abertura por parte do educador. O autor menciona a boniteza que há na viabilidade do diálogo proporcionada pela abertura aos outros e ao mundo. Uma abertura que ocorre quando o educador se insere no contorno geográfico e social dos educandos; quando ajuda os educandos a aprender com vistas à mudança do mundo. Assim, consoante Freire (1997a), a relação dialógica não anula a possibilidade do ato de ensinar, mas, ao contrário, funda este ato e, conforme o autor, ela não equaliza, mas demarca posições democráticas, envolvendo tanto o objeto cognoscível como o modo por meio do qual o educador o expõe para o educando. Por isto, Freire (1987) explica que, para demarcar tais posições democráticas, isto é, transformar a concepção de diálogo autêntico como prática de liberdade, o educador precisa se perguntar o que vai dialogar com os educandos, fazendo-se esta pergunta antes do próprio ato de dialogar. Em vez de preocupar-se com o programa, preocupar-se com o conteúdo do diálogo. O que geraria a educação autêntica, dialógica, aquela que se faz de educador com educando, mediatizados pelo mundo, e não de educador para educando ou de educador sobre educando.

83

Enfim, o diálogo ao qual se refere aqui, pressuposto da educação dialógica (FREIRE, 1987, 1997, 2009), evidencia-se como o diálogo do qual necessitam os jovens no tempo atual, cabendo, portanto, identificar quais oportunidades e dificuldades para sua concretização.

1.2.4. Oportunidades de dialogar com os jovens

As preocupações afetas ao diálogo com os jovens percorrem a história do pensamento humano desde os antigos. Na Antiguidade, enquanto os sofistas encantavam os jovens gregos com sua oratória, Sócrates deles se aproximava, valendo-se da maiêutica. Por sua vez, Plutarco já alertava os jovens a respeito do valor do aprender a ouvir (REALE; ANTISERI, 1990; LEVI; SCHMITT, 1996a; PLUTARCO, 2003). Com os romanos, destacam-se pensadores como Lucrécio, Cícero, Sêneca e Quintiliano, defensores das influências da deusa Juventa sobre as mudanças sociais (PENSADORES, 1985). Mais adiante no tempo, contribuíram Espinosa (1997), com reflexões acerca de aspectos teológicos, e Rousseau (1997), com suas preocupações a respeito da renaturalização do ser humano. Na contemporaneidade, os estudos de Morin (1977), Bourdieu (1983), Ortega y Gasset (1987, 1990), Dubet (1994), Hobsbawm (1995), Sposito (2000, 2009, 2011), Pais (2003, 2005, 2008), Gomes (2005, 2008, 2011) e Caliman (2008), dentre outros autores, preocupam-se fundamentalmente com a questão do diálogo com o conjunto social denominado juventude. No tempo atual, este conjunto social, heterogêneo e dinâmico, vivencia crises e contradições, mas, a despeito, aprecia e necessita dialogar. Afora outros desafios, ele esquia sobre a camada de gelo fino na qual se transformou a sociedade na modernidade líquida (BAUMAN, 2001). Se parar de correr, naufraga. Ainda assim, em meio à velocidade dos tempos e vivendo o contexto moderno do declínio dos ritos de passagem, bem como situações propícias do período de vida chamado pósadolescência (GALLAND, 1997) ou adultez emergente (ARNETT, 2004), os jovens precisam dialogar porque vivem dilemas, como, por exemplo, os decorrentes da polarização entre a lógica do carpe diem, herdada do mundo romano (CORTELLA; DE LA TAILLE, 2009), e as lógicas de ação (DUBET, 2003), as quais, em oposição àquela, obrigam os jovens a atribuir sentido a suas próprias práticas sociais.

84

Neste contexto, pesquisas realizadas nos últimos anos descortinaram vivências favoráveis à construção de uma vida dialógica, apesar da provisoriedade dos resultados alcançados em face da volatilidade do atual momento histórico. Tais pesquisas evidenciaram situações que podem se tornar canais propícios ao diálogo com os jovens, os quais, a despeito do olhar ambíguo de desencanto e de fascínio dirigidos a eles pela sociedade, ainda assim denotam uma profunda crença nas próprias capacidades. Eles têm também expectativas, como evidenciou a pesquisa Juventude brasileira e democracia: participação, esferas e políticas públicas, concluída em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis) (RIBEIRO, 2005). Com a participação de oito mil jovens de 15 a 24 anos de idade residentes em oito regiões metropolitanas brasileiras, aquela pesquisa evidenciou expectativas dos jovens relativamente à educação, ao trabalho, à cultura e ao lazer, possíveis espaços que abrigam oportunidades de desenvolver diálogos. Na área da educação, os jovens clamam por melhorias nos currículos, nas metodologias e no material didático, bem como por mais atividades extrassala, a exemplo de passeios, visitas, palestras

interessantes

e

laboratórios



solicitam

aos

professores

maior

aproximação, cabendo a estes adaptarem-se ao seu modo de ser. Há expectativas com relação ao trabalho, pois se espera mais abertura ao trabalho por parte do mercado, menos dificuldades para conseguir o primeiro emprego e menos preconceito por ser jovem e inexperiente – cabendo informar a existência de jovens que condenam a estruturação das relações de trabalho norteada pelos relacionamentos pessoais. Finalmente, há expectativa no plano da cultura e do lazer, pois na pesquisa os jovens expressaram a seguinte lógica: se não há escola de qualidade, não há emprego; logo, falta dinheiro para acessar a cultura e o lazer (RIBEIRO; LÂNES; CARRANO, 2005). Envolvendo o binômio educação/trabalho, destacam-se alguns resultados da pesquisa Perfil da juventude brasileira, já mencionada (ABRAMO; BRANCO, 2011). Como lembra Sposito (2011), ao comentar os resultados daquela pesquisa, torna-se impossível não mais considerar a influência das desigualdades econômicas sobre as ações dos jovens relacionadas à escola e ao trabalho.

85

Dados da

pesquisa

acompanham

outros

estudos

que

invalidam

a

imprescindibilidade da relação causa e efeito representada pelo par mais escolaridade, mais emprego. No Brasil, o percentual de jovens que estudam e trabalham aumentou de 15,4% para 21,0% no período de 1981 a 2001 (SPOSITO, 2011), mas este nível permaneceu em 19,0% ao longo da primeira década do século atual se considerados os jovens de 15 a 24 anos. Na outra ponta, com relação àqueles jovens sem estudar e sem trabalhar, dos 18 aos 20 anos de idade, o percentual aumentou de 22,5% em 2001 para 24,1% em 2009 (FRAGA, 2010). Se educação e trabalho, respectivamente, constituem-se no primeiro e segundo assuntos de maior interesse pessoal dos jovens participantes daquela pesquisa, constatam-se, diante destas informações, oportunidades de construir diálogos com a juventude. Quanto às questões no âmbito da dupla cultura/lazer – com frequência, localizadas em espaços onde se manifestam opiniões, aspirações, angústia e dilemas – a pesquisa Juventude, juventudes: o que une e o que separa, realizada em 2004 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) com 10.010 brasileiros com idade entre 15 e 29 anos, constatou que 75,0% dos entrevistados não têm o hábito de ir a teatros ou a museus. Quanto à frequência aos cinemas, às bibliotecas e aos locais de esporte, o percentual cai para menos de 50,0%. Por sua vez, 95,0% declararam assistir a programas de TV como meio de lazer (ABRAMOVAY; CASTRO, 2006). Estes dados se assemelham aos resultados da pesquisa Perfil da juventude brasileira (ABRAMO; BRANCO, 2011), já mencionada, para a qual 85,0% dos jovens não participam de quaisquer atividades de associação ou cultura de lazer – embora tenham manifestado a aspiração de participar de trabalhos vinculados a educação, esporte, cultura, lazer, antirracismo e direitos do consumidor, o que abriria canais de diálogo com os demais grupamentos da sociedade. Além dessas categorias – educação, trabalho, cultura e lazer –, cabe mencionar as questões relacionadas com as diversas mídias. Pesquisas voltadas para a construção de identidades dos jovens realizadas em cursos brasileiros de pós-graduação, no período de 1999 a 2006 (SPOSITO, 2009), são perpassadas por preocupações com os impactos das mídias sobre os jovens e adolescentes, em especial em virtude de seu estado de vulnerabilidade. Os resultados revelaram um

86

novo jovem, sendo capaz de conviver com a diversidade de situações no mundo em rede e de exercer autocrítica, bem como de aproximar-se dos outros e de tirar o melhor aproveitamento das novas mídias – a despeito da imagem desfavorável passada pelas velhas mídias (especialmente a TV) quanto à juventude. Essas situações, portanto, se constituem em oportunidades para construção de um efetivo diálogo com os jovens. Cabe apresentar então quais possíveis contextos relacionados à escola se apresentam como potenciais pontos de partida para a construção de efetivo diálogo com os jovens. 1.2.5. Novos contextos de diálogo com os jovens na escola32

Se existe um tempo histórico que exige diálogo entre os indivíduos seria ele o designado como pós-modernidade, com caminhos abertos para a construção de sujeitos histórico-sociais e culturais em sua subjetividade. Embora não cumpridas, as promessas de liberdade, igualdade e solidariedade feitas pela modernidade permanecem como aspiração de povos do mundo inteiro (SANTOS, 2007). Para Gatti (2005), diante da suspeita quanto ao cumprimento de tais promessas, restaria melhorar as relações interpessoais. A autora explica que Habermas (1990), ao partir da noção de modernidade não superada, defendia que dentro da própria modernidade estariam as condições para escapar de uma racionalidade fechada desde que se utilize a razão comunicacional – a razão dialógica. Seria o diálogo o ponto de apoio da racionalidade voltada para a consciência reflexiva das expressões humanas. No âmbito da educação, em escolas onde a racionalidade da modernidade sólida (BAUMAN, 2001) continua a se fazer presente, os conhecimentos estruturados como verdades incontestáveis transmitidos aos jovens convivem com normas e hábitos advindos da modernidade. No entanto, também nestas escolas as pessoas que a constroem buscam compreender e agir na tentativa de compatibilizar lógicas de ação diferentes (DUBET, 1994; GATTI, 2005). Para Freire (1987), antes de ser apenas transmissão de conteúdos, a educação é problematizadora, portanto,

32

Ver Glossário.

87

dialógica e, por ter o diálogo em sua essência, considera a relação Eu-Tu e o mundo nesta relação. Com Alves (1987), antes de ser a educação algo a se desenvolver nos espaços da instituição, das classes e das grandes unidades estruturais, ela ocorre no espaço invisível e denso estabelecido nas relações educativas entre aluno e professor, admitida a individualidade de cada aluno, sua história, tristezas e esperanças construídas com a utilização de diferentes lógicas de ação. Dessa maneira, a escola continua a ser espaço de diálogo que se constrói em meio aos processos de transição entre uma racionalidade fechada e outra que se abre para a consciência capaz de refletir a respeito de comportamentos, atitudes, interesses e valores de seus membros, a iniciar na relação aluno-professor. Um lugar decisivo na construção desse diálogo é aquele em que se situam, de um lado, os alunos que vivenciam os processos educacionais desenvolvidos nos diversos contextos presentes na escola do ensino médio33 e, de outro, a instituição formal, pública ou privada, que se volta para estes alunos e se preocupa em consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos por eles no ensino fundamental; preparar para o trabalho e a cidadania; aprimorar o educando como pessoa humana e relacionar teoria à prática em cada disciplina (BRASIL, 1996). Oportuno esclarecer que, embora tal lugar decisivo esteja apresentado como duas realidades (aluno e escola), estas não se separam de fato, pois os alunos fazem parte da escola – e como estão no ensino médio, logo vivenciarão na educação superior processos educacionais desenvolvidos nos diversos contextos presentes em universidades, faculdades e institutos superiores de educação34. Cabe, portanto, apresentar contextos que precisam ser considerados na construção de efetivo diálogo com os jovens na escola do ensino médio. Entretanto,

33

Uma leitura conjugada dos art. 32 e 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL, 1996) leva à interpretação de que o aluno do ensino fundamental pertence à faixa etária entre seis e 15 anos e o do ensino médio terá a idade máxima de 18 anos. 34 No Brasil, conforme a legislação pertinente, o sistema educacional compõe-se de educação básica e educação superior, pressupondo a articulação das duas esferas entre si (BRASIL, 2009a). A educação básica se organiza em três níveis: educação infantil (para a faixa etária de 0 a 5 anos); ensino fundamental (de 6 a 14 anos de idade) e ensino médio (de 15 a 17 anos de idade). O sistema operacionaliza-se de modo descentralizado, com a educação infantil e o ensino fundamental sob a responsabilidade dos municípios; ensino médio, em princípio, sob a responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal; educação superior sob o comando do governo federal, que se obriga a prestar assistência técnica e financeira aos governos estadual e municipal para garantir o melhor nível de equidade quanto aos recursos destinados às Unidades da Federação (BRASIL, 2012e).

88

antes de apresentar alguns desses contextos, torna-se oportuno mencionar duas situações vivenciadas por professores, que atuam no ensino médio, embora não seja exclusividade deste nível de ensino, que têm interferido nesse diálogo. A primeira situação se refere ao sentimento de impotência diante dos problemas vividos cotidianamente por docentes não apenas da América Latina, como também por professores da Europa. As dificuldades para exercer a profissão docente têm levado à impressão de perda de dignidade e de sentido do trabalho bem feito, constituindo-se tal cenário, como lembra Lantheaume (2012) no tocante aos docentes da Europa, numa espécie de desprofissionalização. Este autor pesquisou professores do collège e do lycée35 para identificar suas dificuldades, bem como consequências, e o tratamento que têm recebido da escola. A pesquisa constatou que esses professores vivenciam um desgaste moral e sofrem algumas patologias que decorrem da obrigatoriedade de eles próprios resolverem isoladamente problemas com que se deparam durante sua atuação. Vivenciam cada solução como fracasso pessoal acompanhado de vergonha e silêncio – embora permaneça o prazer de ensinar. A segunda situação remete ao sentimento de invasão do privado pelo público, quando docentes se obrigam a levar problemas do ambiente de trabalho para casa. O sombreamento entre vida pessoal e profissional tem se constituído num dilema para os professores em seu objetivo de desenvolver atividades a contento. Embora devam a responsabilidade profissional e a responsabilidade moral dos professores circunscreverem-se à sala de aula e à permanência deles na escola (MARCHESI, 2008), não é isto o que ocorre no dia a dia. Lantheaume (2012) constatou que professores

da

educação

básica

têm

vivenciado,

cada

vez

mais,

uma

permeabilidade entre os universos pessoal e profissional. Seria um constante desassossego, com atuação em diversas tarefas na escola (tais como ensino, orientação, projetos, avaliações, articulação com os pais, exames e socialização dos alunos) e, com isto, praticamente se obrigando a levar “os problemas da classe para casa” (LANTHEAUME, 2012, p. 372-373).

35

No sistema educacional francês o collège e o lycée equivalem, respectivamente, às séries finais do ensino fundamental e ao ensino médio do sistema educacional brasileiro (PERRENOUD, 2000; CHARLOT, 2000).

89

Mencionadas estas situações, passa-se aos contextos. Apresentam-se a seguir algumas hipóteses da literatura, tendo sido extraídas de conclusões a que chegaram diversos autores, em recentes pesquisas, as quais evidenciam os modos de contraposição entre uma espécie de muro da comunicação, presente no cotidiano escolar, e o efetivo diálogo com os jovens neste cotidiano. Tal contraposição coloca em risco a possibilidade de qualquer educação. São estas as hipóteses: 1) haveria na escola outras identidades além do aluno; 2) existiria dissociação entre a cultura contemporânea e o ethos na escola; 3) a escola apresentaria vulnerabilidades distanciadoras dos anseios e das capacidades dos alunos jovens; 4) haveria certo distanciamento entre jovens e professores no âmbito do uso de ferramentas tecnológicas no processo educacional; 5) haveria perda de sentido da escola para os jovens estudantes. Esta última hipótese parece enlaçar as demais, se for considerado que a perda de sentido decorrente do declínio da instituição, e o mal-estar, se aprofundam à medida que a educação básica e a educação superior se democratizam (DUBET, 2008). A primeira hipótese, a de que haveria na escola outras identidades além do aluno, originou-se das análises realizadas por Tenti Fanfani (2012) com respeito às relações entre o crescimento dos sistemas educativos latino-americanos e a atual identidade dos alunos. Para o autor, os mais novos demoram a se ajustar ao modelo institucional da escola desenhado num mundo não mais existente e ao distanciamento entre expectativas e vivências – neste caso, dos alunos e dos professores. Como anões em ombros de gigantes, os indivíduos de hoje não mais veem o mundo como antes o viam. Onde estaria agora a linha divisora entre as velhas e as novas gerações? Segundo aquele autor, se antes a ideia de progresso dava sentido e direção ao devenir histórico, hoje, na pós-modernidade, a cultura produtora dos meios de comunicação de massa e do tempo apontaria para o presente. O passado não estaria mais dizendo tanta coisa. O futuro estaria agora incerto. Entre adolescentes e jovens de quaisquer classes sociais predominaria a ideia de tempo presente, dominador e excludente. No entanto, sem saber do passado e sem horizonte, como construir projetos de vida? De acordo com Tenti Fanfani (2012), o aplainamento do tempo, concentrado no presente, contrapõe-se à psique sana consciente do passado,

90

atenta ao presente e aberta ao futuro. A ausência de interesse dos alunos pelo passado estaria a exigir das ciências sociais uma pedagogia apta para articular o tempo histórico em suas três dimensões. Esses anões em ombros de gigantes, explica o autor, vivenciam a modernidade líquida (BAUMAN, 2001, 2007) e, como tal, se adaptam ao recipiente. Porém, neste tempo, não há mais gigantes em cujos ombros haveria segurança quanto ao presente e ao futuro. Assim, os perdedores estariam sofrendo hoje as consequências negativas da flexibilidade laboral, da falta de confiança, da debilidade das instituições sociais, dentre outras, embora as novas gerações alberguem frutos da modernidade líquida, como o consumo de novos produtos. A segunda hipótese, a de que existiria uma dissociação entre a cultura contemporânea e o ethos na escola, resultou também das análises no âmbito dos estudos afetos à relação da escola com as identidades dos alunos nos sistemas educacionais latino-americanos. Para Tiramonti (2012), no ethos da escola haveria um distanciamento entre subjetividades e conteúdos culturais – estes com regras e lógicas diferenciadas, compartimentação de saberes e hegemonia do livro. Lembra o autor que, enquanto ocorre a mutação cultural destruidora de fronteiras entre disciplinas, como público/privado e real/virtual, a geração pós-alfa despede o mundo do pensamento logocêntrico e sequencial por meio do qual se interpretava o entorno. As novas gerações se recusam a imigrar no tempo (como o fizeram adultos nascidos antes da Segunda Guerra Mundial) e se recusam à subordinação simbólica, manejando códigos desvinculados do universo simbólico da escola. Neste cenário, continua Tiramonti (2012), a invariabilidade do formato da escola derivado da Europa moderna e transplantada para a América Latina teria originado um núcleo fixo. Situada entre a proposta igualitarista do ideário moderno e as exigências de seleção da sociedade organizada, a escola estaria sofrendo uma decadência institucional, vivendo a diferenciação entre cultura e economia inerente à modernidade flexível. Seus programas institucionais, concebidos como parte de um modelo de socialização, estariam em declínio. Com formação precária, o corpo docente teria ficado sozinho diante de situações sociais e culturais inéditas ainda

91

pressupondo a possibilidade de separar conteúdos e práticas de ensino da subjetividade dos alunos. A terceira hipótese, a das vulnerabilidades da escola frente aos anseios e às capacidades dos alunos jovens, emergiu de pesquisas realizadas no Brasil, no período de 1999 a 2006, conforme levantamento realizado por Sposito (2009). A primeira vulnerabilidade se refere à educação para valores. Conforme as pesquisas, a escola não possuiria mecanismos capazes de gerar identificação dos jovens com a cidadania, constituindo-se em ambiente onde as noções de justiça e autoridade são frágeis; não socializa, sem disciplinar os alunos (mais na escola pública), construtores de suas identidades em meio à crise social e econômica, à desigualdade

de

oportunidades

e

direitos

e

à

dissolução

de

vínculos

intergeracionais. A segunda vulnerabilidade mantém vínculo com a educação para o trabalho. De acordo com aquelas pesquisas, a escola não informaria suficientemente os alunos a respeito do assunto, deixando-os desamparados quanto à tomada de decisão. Em decorrência, haveria desde dificuldades de acessar a educação superior por meio de políticas de ação social até a frágil formação nos níveis fundamental e médio, passando pelo problema da evasão escolar. A terceira e última vulnerabilidade da escola envolve o tema da sexualidade. Pesquisadores têm procurado saber os motivos pelos quais as mudanças sociais e as profundas alterações na vida das mulheres não têm alterado casos de gravidez precoce. Eles concluíram por um desconforto de várias instituições escolares ao tratar do assunto, estando despreparadas tecnicamente para abordar o tema. Haveria silêncio quanto ao assunto, carência de programas de educação sexual e elaboração de projetos de permanência de jovens grávidas ou mães nas escolas. A quarta hipótese, a de que haveria distanciamento entre os jovens e os seus professores no âmbito do uso de ferramentas tecnológicas no processo educacional, constituiu-se de informações recolhidas de pesquisas realizadas no Brasil. Apesar de haver expressivo avanço da presença das tecnologias da informação e comunicação nos lares brasileiros, e de seu uso pela população (BRASIL, 2012a), ainda existe enorme desafio de incorporá-las ao cotidiano de professores e alunos. Por um lado, há carência de infraestrutura (apenas 4,0% das escolas públicas e 21,0% das escolas privadas têm, respectivamente, computador nas salas de aula),

92

embora os professores, em especial os mais jovens, utilizem computador em aulas expositivas (24,0% dos docentes de escolas públicas, à semelhança da frequência das atividades realizadas com os alunos nas escolas privadas) (BRASIL, 2012b). Por outro lado, os próprios docentes admitem saber menos em comparação com os discentes a respeito do uso das tecnologias e da internet: dois terços dos 1.822 professores entrevistados na pesquisa TIC Educação 2011, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), reconheceram menor domínio das tecnologias da informação e comunicação em comparação com os alunos (TIC) (BRASIL, 2012b)36. Ainda no Brasil, as pesquisas de Leão (2012) refletiram a respeito do sentido da escola para os jovens estudantes. De seus resultados extraiu-se a quinta hipótese, a de que haveria perda desse sentido para eles. Se, por um lado, as recentes reformas favoreceram a universalização da escola, inclusive a expansão da educação básica e superior para famílias com pais sem acesso à educação básica nos últimos anos, por outro, trouxe novos reptos com a introdução de elementos advindos da presença dos estratos populares, caracterizando uma pedagogia da precariedade. As motivações e os sentidos com respeito à escola são diversos: existem, entre os alunos brasileiros, sentimentos como retribuição à família, garantia de lugar no mundo do trabalho e ser alguém na vida. Para Leão (2012), embora a diversidade de projetos de vida seja uma expressão dos conflitos de uma sociedade favorável à escolarização, isto estaria ocorrendo em contextos de desigualdade social geralmente mais consumista. Em tal sociedade, com trajetórias sociais individualizadas, as pessoas são submetidas a provas: na escola, o aluno fracassa, mas a responsabilidade estaria sendo apenas dele. Assim, para reduzir a distância entre a esperança (dos jovens) e a ação (da escola), seria necessário pensar a justiça para os estratos populares. No entanto, finaliza o autor, as respostas serão válidas se os jovens forem considerados em suas especificidades e identidades, o que possibilitaria a abertura a diálogos.

36

Além dos professores, foram entrevistados 606 coordenadores pedagógicos, 640 diretores e 6.364 alunos. Conforme resultados, a integração das tecnologias no currículo escolar se encontra mais avançada nas escolas privadas do que nas públicas, sendo, respectivamente, de 50,0% e 25,0% a proporção do uso de computador e internet na grade curricular.

93

Como mencionado, das hipóteses apresentadas a mais abrangente e impactante parece ser a última. A perda de sentido, que não seria só do aluno com relação à escola, mas também desta para com aquele, parece atravessar desde a cegueira da escola no que tange às suas identidades (uma escola é feita, dentre outros componentes, por alunos, funcionários e pais que divergem em diversos aspectos) até a concretização de programas institucionais que separam as subjetividades dos conteúdos culturais. Desvelam-se vulnerabilidades de uma instituição aparentemente já desvinculada das expectativas acalentadas pela sociedade para que a educação ande junto com o aluno, dialogando com e entre os jovens na escola. Com

efeito,

segundo

Dubet

(1994,

2002,

2003,

2008),

com

a

desinstitucionalização da escola em meio à separação entre as suas funções de socializar, educar e distribuir diplomas e qualificações, o estudante prestes a ingressar na educação superior sente dificuldades de conciliar seus interesses intelectuais com os sociais, acima de tudo, “quando o insucesso não tem outra causa perceptível pelos atores que não seja a sua própria incapacidade” (1994, p. 18). O que indica a necessidade de apresentar algumas proposições teóricas relacionadas às possibilidades do currículo voltado para a educação dialógica.

1.2.6. Currículo para a educação dialógica

Na atual sociedade, caracterizada por diversas lógicas de ação (DUBET, 1994) e na qual os jovens se envolvem em questões relacionadas à educação, trabalho, cultura, lazer e mídias, dentre outras, a capacidade de dialogar com eles emerge como aspecto basilar do processo educacional compatível com uma racionalidade voltada para a consciência capaz de refletir a respeito das expressões humanas (HABERMAS, 1990). As relações entre alunos e professores exigem da escola novas formulações curriculares. Por um lado, o professor não possui mais o monopólio do conhecimento. A imprensa propiciou um processo de democratização ampliado pelas tecnologias da informação e comunicação nas sociedades em rede (CASTELLS, 2008). Por outro lado, a escola continua presa à transmissão de conteúdos e informações apesar de tantas posições em contrário, inclusive do Relatório Delors (DELORS et al., 1998).

94

Desse modo, torna-se necessário construir a educação dialógica (FREIRE, 1987), o currículo dialógico – intento por vezes não concretizado, conforme constatações de especialistas. Na mira de tal ideia de educação, apresentam-se a seguir aproximações de uma possível definição para o termo currículo, a partir de Pacheco (2005), e algumas contraposições entre o currículo que dialoga e o que não dialoga com o aluno, a partir das explicações de Freire (1987), Macdonald (2003), Goodson (2007) e Pinar (2009). Segundo Pacheco (2005), o currículo é definido por sua complexidade e ambiguidade. Para o autor, provavelmente, quaisquer tentativas de defini-lo pouco congregaria as inúmeras ideias com respeito à estruturação das atividades educativas. Assim, por um lado, a conceituação do termo currículo é problemática e sem consenso. Por outro lado, de acordo com aquele autor, haveria consenso quanto ao objeto de estudo, o qual estaria ligado à educação, e quanto à metodologia, que teria uma natureza interdisciplinar. Por isto mesmo, por ser um objeto construído na interdisciplinaridade, ou seja, desenvolvido na multiplicidade de práticas que se voltam para a educação, a questão da definição do termo currículo não se constituiria em preocupação de primeira linha. Em lugar de preocupação assim, dever-se-ia questionar o currículo como esforço profissional, considerando as diversas perspectivas quanto à concepção, desenvolvimento e avaliação de um projeto formativo. Nesta perspectiva, aquele autor aproxima-se de uma possível definição do termo currículo ao afirmar que ele deve ser concebido como projeto formativo que envolve conteúdos, valores/atitudes e experiências, sendo construído desde a multiplicidade de micropráticas conectadas pelas decisões tomadas em vários planos, como o social, o cultural, o político, o ideológico e o econômico. Seria um programa, mas, além disso, seria uma práxis sobre um conhecimento controlável tanto no contexto social em que este conhecimento é concebido e produzido como na maneira como é traduzido ao ser utilizado num certo ambiente educativo. Desse modo, distante da tradição técnica que concebe o currículo como o conjunto de experiências planificadas (a aprendizagem vinculada a planos de instrução) e, estando próximo da tradição filiada à perspectiva prática e

95

emancipatória

(a

aprendizagem

como dependente

das condições em

se

desenvolve), o autor postula: Não se conceituará currículo como um plano, totalmente previsto ou prescritivo, mas como um todo organizado em função de propósitos educativos e de saberes, atitudes, crenças e valores que os intervenientes curriculares trazem consigo e que realizam no contexto das experiências e dos processos de aprendizagem formais e/ou informais (PACHECO, 2005, p. 33).

Tal tentativa de definição abre possibilidades de identificação de um currículo que dialoga e outro que não dialoga com os jovens. Goodson (2007) defende a conversão do currículo prescritivo no currículo narrativo, o que marcaria o novo futuro social. O autor parte das ideias de Bauman (2001) relacionadas com as crises do currículo e da educação37, as quais estariam mais presentes na fragmentação da vida no mundo atual do que na negligência do pedagogo profissional e nas teorias da educação. O currículo prescritivo é definido por Goodson (2007) nos termos das relações estabelecidas entre uma presumível estabilidade de cursos, dos assuntos ensinados, das maneiras de ensinar, dentre outros aspectos – algo compatível com as estruturas escolares modernistas, conforme Macdonald (2003) – e os interesses de grupos dominantes que elaboram e executam políticas públicas educacionais. De acordo com o autor, subjaz ao desenvolvimento do currículo prescritivo a ideia equivocada de educação meramente equiparada às diversas situações educacionais e à aceitação de fenômenos educacionais básicos como fatos estabelecidos – a exemplo da cristalização da prática de separação entre as disciplinas tradicionais e o recurso dos exames acadêmicos. Goodson (2007) cita o desenvolvimento histórico das disciplinas na Inglaterra do final do século XIX para o início do século XX como exemplo para mostrar de que maneiras elas se incorporaram à gramática da escolarização como mecanismo de exclusão social – o conhecimento teórico abstrato predominante nos níveis mais

37

Cabe acrescentar que esta crise é reconhecida na educação básica, a exemplo das recentes pesquisas realizadas por Giol (2009), e na educação superior, como explicitaram os participantes da Conferência Mundial sobre Ensino Superior (UNESCO, 1999), em torno da ideia de uma escola que continuou moderna com relação aos seus valores e práticas, numa sociedade secularizada e plural, bem como em torno da noção de ineficácia de políticas educativas por se basearem numa ideologia de igualdade.

96

altos das escolas privadas inglesas (onde os alunos são tidos como mais competentes em comparação com os da escola pública) estaria separado do mundo do trabalho e da vida cotidiana do estudante. Pior ainda, segundo o autor, um padrão de conhecimento disciplinar fundamentado na exclusão por meio de processos seletivos teria se tornado um dos pilares dos currículos ofertados nas escolas públicas inglesas, onde os alunos são percebidos menos competentes. Dessa maneira, como instrumento de reprodução das relações de poder na sociedade, o currículo prescritivo seria um poderoso meio de exclusão das pessoas. Já o currículo narrativo é definido por Goodson (2007) nos termos das relações entre aprendizagem e utilização desta aprendizagem nas situações reais de vida. Este tipo de currículo baseia-se no que o autor chama de aprendizagem narrativa, desenvolvida na elaboração e manutenção de uma narrativa de vida ou identidade – envolvendo o trajeto, a busca e o sonho. A partir de projetos desenvolvidos, o autor explica que a compreensão da aprendizagem dentro do contexto de vida contribui para captar sentidos do engajamento com a aprendizagem – em geral, o aprendiz aprende a se tornar um ser social num determinado ambiente, aprende quanto a si e define um projeto identitário. Oposta aos tradicionais percursos seguidos pela aprendizagem ao longo do tempo, a aprendizagem narrativa tornou-se o ponto de partida do conceito de capital narrativo desenvolvido pelo autor. Tal currículo teria a oportunidade histórica de substituir o currículo prescritivo à vista do novo mundo das organizações de trabalho flexível – em que o poder já encontra enorme tarefa. Desse modo, partindo da ideia de crise, na transição de uma sociedade segura para uma sociedade instável, com reverberações no dia a dia da escola (BAUMAN, 2001; MACDONALD, 2003; GATTI, 2005), Goodson (2007) entende os esboços relativos a uma aprendizagem narrativa como o início de uma nova especificação para o currículo. Um currículo comprometido com as “missões, paixões e propósitos que as pessoas articulam em suas vidas” (p. 251). Com tais definições, parece claro que o currículo prescritivo, com raízes em estruturas escolares modernistas, não dialoga com os jovens como o faz o currículo narrativo, mais coerente com o ideal pós-moderno.

97

Como lembra Macdonald (2003), reformas curriculares têm sido praticadas de acordo com concepções moldáveis a estruturas escolares modernistas, excluindo a possibilidade de diálogo de quaisquer políticas de currículo com os jovens. Estas alterações seriam do tipo top down, minimizando a influência do professor nas reformas curriculares, reduzido a cumprir papel subsidiário. Este tipo originou-se na América do Norte e no Reino Unido nos anos de 1960 e permanece em escolas da França e, como ressalta Goodson (2007), na Inglaterra também. Estas alterações seriam também do tipo bottom up que, ao invés daquelas, maximizaram a influência do professor e da escola na elaboração das reformas. Com bastante penetração na Austrália, nos anos de 1970 e 1980, este tipo resvalou em descuidos em termos de visão sistêmica e, em consequência, priorizou o currículo fora da escola formal. Por último, conforme Macdonald (2003), as alterações seriam do tipo partnerships, com priorização da ideia de parceria, envolvendo relações de colaboração entre administradores, desenvolvedores de currículo, associações profissionais, pesquisadores, pais, professores e seus formadores. Como se percebe, este modelo de alteração conta com a colaboração de escolas, bem como com a formação docente e com a participação da comunidade e do aluno. Para

aquele

autor,

no

entanto,

quaisquer

destas

modalidades

de

alteração/reforma ainda estão mergulhadas no pensamento modernista, sendo favoráveis à marginalização do aprendizado dos jovens, com aparente carência de diálogo. Ainda segundo o autor, o currículo pós-moderno precisa avançar no sentido de um sistema aberto, com fluxo constante e interações complexas. Precisa exigir, dos atores sociais, quadros interativos e holísticos que resultem a favor de uma aprendizagem em nome do conhecimento produzido e não consumido por alunos. Precisa transformar, em vez de incrementar mudanças – com a valorização do erro, do caos e da incerteza das ações dos alunos e não o controle burocrático. Na contramão desta proposta, conforme o autor, a institucionalização do conhecimento por meio de disciplinas e assuntos gera barreiras à autonomia de professores e alunos em prejuízo à elaboração de conexões significativas através da escolaridade. Diante do logro da escola em seu papel de viabilizar o projeto modernista de contribuir para o alcance do maior potencial individual por parte dos alunos, o

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currículo escolar reproduz os desequilíbrios econômicos e culturais – o diálogo entre os jovens e o currículo se tornou a relação de consumidor para com produto, podendo inclusive ser preterido por jovens, caso o considerem irrelevante. Desse modo, segundo aquele autor, uma emancipação dos jovens exige da escola o currículo construído em novos espaços de aprendizagem, eficaz e envolvente, provavelmente para além do planejamento curricular formal e dos projetos de reforma. Deve-se considerar seriamente o necessário conhecimento a respeito dos jovens e da maneira como aprendem. Assim, tanto as propostas de Goodson (2007) como as de Macdonald (2003) aproximam-se das preocupações relacionadas à construção da educação dialógica, conforme proposta de Freire (1987).

A construção curricular de acordo com a

concepção freireana – desde o levantamento preliminar da realidade local até a preparação das atividades didático-pedagógicas na sala de aula – pressupõe a educação dialógica, considerando conteúdos e modos de o educador desenvolver estes conteúdos com os educandos (FREIRE, 1987). Inevitavelmente, cabe estabelecer comparações entre os entendimentos de currículo aqui apresentados e as ideias e conceitos elaborados por Freire (1987). O currículo prescritivo, com raízes na modernidade sólida (BAUMAN, 2001, 2007), compromete-se com a educação monológica; o narrativo, que considera as incertezas e as ambivalências de uma modernidade líquida, compromete-se com a educação dialógica. Infelizmente, no dia a dia de muitas universidades ainda se desenvolve o currículo prescritivo, com base na educação monológica. São currículos cuja operacionalização, inclusive, sai muito cara ao sistema educacional. Com efeito, para Palazzo e Gomes (2014): O conteudismo ainda é uma praga que nos acomete: currículo ainda é, para muitos, uma soma de programas de conteúdos especializados. Quanto mais se compartimentam currículos e se acrescentam componentes especializados, mais cara é a formação de educadores, maior é o ônus de promover a comunicação entre os componentes curriculares e, sobretudo, de manter aceso o interesse dos alunos (PALAZZO; GOMES, 2014, p. 31).

Conforme Freire (1987), “para o ‘educador-bancário’, na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente, não é a propósito do conteúdo do diálogo, que para ele não existe, mas a respeito do programa sobre o qual dissertará a seus alunos” (p. 83). Coisa alguma deixa mais clara a ideia de currículo baseado no diálogo: a pergunta,

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o questionamento, a inquietação originam visões diferentes a respeito do mundo. E contrapõe o autor: “para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos...” (p. 83-84). O currículo para a educação dialógica, do qual necessitam os jovens, se concretiza na intersubjetividade do conhecimento, na intercomunicação viabilizadora da educação mútua entre educador e educando situados no mundo. Esta perspectiva fenomenológica freireana, em que o currículo se assume como processo de conscientização, exerce influência sobre as ideias de Pinar (2009). Este autor, segundo Pacheco (2009), tem lutado continuamente no sentido de contribuir para que professores e alunos reflitam com respeito a suas vivências pessoais no âmbito das opões educacionais e curriculares. Tais vivências contribuiriam para a construção do currículo, o qual seria, conforme Pinar (2009), uma experiência, currere. Valendo-se do conceito de experiência na sequência da ideia husserliana de Lebenswelt38 (PACHECO, 2009), Pinar (2009) buscou desvelar a essência da educação e do currículo e, renovando o sentido original da palavra curriculum como pista de corrida, propôs compreendê-lo como atividade não limitada à vida escolar do docente, mas cobrindo toda a vida (SILVA, 2010). A proposta de Pinar (2000), então, coloca o indivíduo no centro da discussão, convertendo currere num método curricular, com natureza autobiográfica, o que possibilitaria ao docente estabelecer conexões entre o conhecimento escolar, sua história de vida e o desenvolvimento intelectual e profissional (PACHECO, 2009; SILVA, 2010). Ao discente, por sua vez, a autobiografia emerge como alternativa interessante a ser utilizada em conjunto com outras abordagens – apesar da escassa clareza da literatura com relação ao seu uso na educação de crianças e jovens (SILVA, 2010). 1.2.7. Síntese

38

Trata-se de compreender a experiência como um contato imediato com o concreto, com dados imediatos. Seria o contato com a essência de fenômenos tão evidentes dos quais nada poderia ser negado (REALE; ANTISERI, 1991).

100

Seja a juventude entendida a partir de uma perspectiva homogeneizadora (pessoas participam de igual período de vida, com início na adolescência e avanço até à idade adulta), seja a partir de uma perspectiva heterogeneizadora (pessoas vivenciam situações sociais diferenciadas), os jovens mais do que antes necessitam estabelecer diálogos. Não o diálogo efêmero, passageiro, sem compromisso; mas aquele em que, no encontro entre duas ou mais pessoas, permite captar o logos de um pelo outro e o do outro pelo um (MENDES, 1968); que une logos e práxis (BUBER, 2009). Diálogo como relação, como testemunho, do qual é originária a existência humana – relação no sentido weberiano do termo, de comportamento reciprocamente referido quanto ao sentido dos conteúdos elaborados pelos envolvidos nesta relação (WEBER, 1999). Diálogo que funda relacionamentos reais, com pessoas compromissadas entre si, com melhoria da convivência na modernidade líquida (BAUMAN, 2004). Diálogo que, no plano da escola, torna-se a essência da educação

não

redutível

à

transmissão

de

conteúdos,

mas

a

educação

problematizadora, pois considera a relação Eu-Tu e o mundo nesta relação (FREIRE, 1987). Em tal educação, tendo em conta tanto os conteúdos como as estratégias de atuação do professor (FREIRE, 1987), concretiza-se o currículo dialógico, com início no ato de perscrutar a realidade e finalização na sala de aula. Tal perspectiva fenomenológica de explicar a educação, e seu desenvolvimento, gera um currículo que se assume como processo de conscientização. Motivo pelo qual contribui para a ideia de currículo como experiência, como currere (PINAR, 2009). As experiências pessoais, no âmbito das opões educacionais, contribuem para a construção do currículo. Um currículo prescritivo, escolar, fundamenta-se na educação que admite os eventos educacionais básicos como fatos estabelecidos, a exemplo da cristalização da prática de separar disciplinas tradicionais e do recurso aos exames acadêmicos. Já um currículo narrativo, compatível com o mundo pós-moderno, dá curso a uma aprendizagem durante a construção e a manutenção de narrativas de vida ou de identidade (GOODSON, 2007). Configura que, enquanto o currículo prescritivo possui raízes na modernidade sólida (BAUMAN, 2001, 2007), comprometendo-se com a educação monológica, o

101

currículo narrativo considera as incertezas e as ambivalências da modernidade líquida, comprometendo-se com a educação dialógica. Numa ponta do espectro situa-se o currículo escolar, reproduzindo desequilíbrios sociais, econômicos e culturais: aqui o diálogo entre jovens e currículo se torna uma relação de consumidor para com o produto. Na outra ponta situa-se o currículo pós-moderno, que avança para um sistema aberto, com permanente fluxo e permeado por complexas interações: aqui o diálogo entre jovens e currículo exige da escola quadros interativos e holísticos, num processo de aprendizagem voltado para um conhecimento

produzido

e

não

um

conhecimento

consumido

por

alunos

(MACDONALD, 2003). Com estes entendimentos, apresentam-se a seguir informações e discussões da literatura sobre o diálogo na universidade, compreendido como as diversas interlocuções presentes neste espaço educativo, desde as articulações que se realizam, enquanto estabelecimento de educação superior, com os demais estabelecimentos da educação básica até as que ocorrem na sala de aula entre estudantes e professores.

1.3. UNIVERSIDADE E DIÁLOGO Vejo em nossas instituições o mesmo brilho das constelações que os astrônomos nos dizem ter morrido há muito tempo (SERRES, 2013, p. 30).

1.3.1. Introdução

Estudantes e professores universitários têm vivenciado dramas relacionados aos processos de desinstitucionalização da universidade, os quais são apresentados nesta seção da perspectiva das transformações sociais que distanciaram as funções escolares de seleção, educação e socialização e a partir das crises de hegemonia e legitimidade (DUBET, 1994, 1998, 2013; SANTOS, 2005). No entanto, identificado que esses processos poderiam ser concebidos ou como mutação ou como crise, o pano de fundo desses dramas estaria vinculado aos problemas relacionados à modernidade e à pós-modernidade. O que levaria a pressupor a necessidade de um permanente renovar da universidade por meio do diálogo. Por isto, na perspectiva de uma macrovisão, apresentam-se também nesta

102

seção

algumas

possibilidades

de

diálogos,

considerados

estratégicos

no

estabelecimento de uma dinâmica que contribua para essa renovação. Ao final, na perspectiva de uma microvisão, esta seção aborda aspectos da interação social na sala de aula. Oportuno esclarecer que, no Brasil, educação na universidade não se confunde com educação superior. A legislação pertinente prevê que as instituições de educação superior, de acordo com sua organização e respectivas prerrogativas acadêmicas,

sejam

credenciadas

como faculdade,

centro

universitário

e

universidade (BRASIL, 2006b), podendo ainda caracterizar-se como instituto federal de educação, ciência e tecnologia ou como centro federal de educação tecnológica (BRASIL, 2007). Essas prerrogativas, às quais a Lei se refere, exonera a obrigatoriedade de manter a indissociabilidade entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão, exceto para as universidades. Vale acrescentar que tal formato institucional possibilitou a muitas instituições de educação superior gozar as prerrogativas da autonomia universitária sem, contudo, ter de cumprir pressupostos legais elaborados com foco nas universidades.

1.3.2. O jovem estudante universitário No Brasil, o estudante da graduação mais frequentemente é do sexo feminino e estuda numa instituição privada. Caso estude em cursos presenciais, é do período noturno, tem 21 anos de idade quando se matricula, sendo de 19 anos de idade os ingressantes e de 23 anos de idade os concluintes. Caso estude em cursos a distância, o estudante com maior frequência tem 29 anos de idade quando se matricula, 28 anos de idade ao ingressar e 31 anos de idade ao concluir o curso. Quando cursa o presencial opta pelo bacharelado, com a preponderância de mulheres nas áreas de Educação; Humanidades e artes; Ciências sociais, negócios e direito; Saúde e bem-estar social; Serviços. Quando cursa a educação a distância opta por cursos de licenciatura formativos de educadores (Quadro 6) (BRASIL, 2012c). Caracterizações assim são úteis para situar os jovens graduandos que estudam na educação superior, dentre eles os universitários – neste caso o jovem brasileiro. Porém, elas não significam muito por si próprias, assim como não dizem

103

muito as percepções negativas a respeito dos estudantes, sem respaldo em observações acuradas. Por exemplo, já foram constatadas percepções negativas em frases pronunciadas por professores da educação superior a respeito de estudantes, os quais seriam, segundo aqueles, “mimados, indisciplinados, preguiçosos, imaturos, falantes, dependentes, não leem, escrevem mal, têm valores frágeis, estudam pouco, não se esforçam” (ROGGERO, 2007, p. 167). Quadro 6 – Brasil, perfil do graduando por modalidade de ensino, 2010. Atributo

Modalidade de ensino Presencial

A distância

Feminino

Feminino

Privada

Privada

Bacharelado

Licenciatura

Noturno

...

Idade (matrícula)

21

29

Idade (ingresso)

19

28

Idade (concluinte)

23

31

Sexo Categoria administrativa Grau acadêmico Turno

Fonte: BRASIL, 2012c, p. 55.

Seja como for, caracterizações ou percepções negativas, refere-se aqui a máscaras nominais sob as quais se escondem representações da juventude, verdadeiros estatutos passíveis de ser internalizados por jovens que, às vezes, até os materializam ou ratificam (PAIS, 2008). Desse modo, torna-se necessário fazer uma complementação de dados oficiais (QUIVY, 2005) ou esclarecer percepções e definições precipitadas, fazendo isto por meio de textos de análise e interpretação de identidades. Como aqui se refere à apresentação de explicações de identidade dos indivíduos construídas socialmente, três concepções de Stuart Hall (2011) a respeito do termo identidade constituem relevantes pontos de referência: 1) a do indivíduo único, autônomo e autossuficiente, idêntico a si. Sua identidade estaria em seu interior, embora se desenvolvendo no decurso da vida – este é o sujeito do Iluminismo; 2) a do indivíduo relacional, interativo com as pessoas que lhe são importantes, mediando valores, sentidos e símbolos do mundo. Sua identidade se construiria nos interstícios do espaço interior e exterior, alinhando o subjetivo ao objetivo – este é o sujeito sociológico; 3) a do indivíduo histórico, criador de sua

104

própria narrativa de vida na multiplicidade dos sistemas culturais. Sua identidade seria uma celebração móvel, pois com esta característica e multiplicidade de sistemas não seria possível falar em identidade fixa-essencial-permanente – este é o sujeito pós-moderno, o qual assume identificações contraditórias originárias dos sistemas de significação e representação cultural multiplicadas na sociedade pósmoderna, e que impele com frequência o indivíduo para direções diferentes. Assim, no atual momento histórico, fluido (BAUMAN, 2001), as identidades dos indivíduos são fragmentadas e contraditórias (HALL, Stuart, 2011) e se relacionam dialeticamente com as instituições que as delineiam (GIDDENS, 2002), envolvendo, além das definições em leis ou advindas de percepções (do próprio indivíduo sobre si ou de outrem), as condições para a existência do indivíduo e a construção de experiências sociais. Com estas características, as identidades de jovens universitários podem ser apresentadas conforme as condições exógenas e endógenas envolvidas em sua construção. As primeiras se referem às definições legais do ser do estudante universitário e aos aspectos estruturais de seu ingresso e permanência na universidade e as segundas se referem às suas vivências no cotidiano universitário – evidenciando que não se trata de apresentar aspectos de uma identidade psíquica do estudante universitário, mas aspectos de uma identidade social39. No Brasil, o estudante universitário, assim como os demais estudantes da educação superior, obriga-se a ter concluído o ensino médio (ou equivalente) e, se for estudante da graduação, obriga-se a ter sido classificado em processo seletivo, conforme o art. 44 da LDBEN (BRASIL, 1996). Cabe ressaltar, a legislação brasileira não fixa a idade mínima de ingresso na educação superior, nem a máxima para saída, apenas se presumindo que o jovem ingressará por volta dos 18 ou 19 anos de idade. Conforme leitura conjunta dos art. 32 e 37 da LDBEN, o aluno do ensino fundamental terá a idade entre seis e 15 anos e o aluno do ensino médio terá o máximo de 18 anos de idade. Acima destes limites, fará os cursos e os exames supletivos enquadrados nas regras da Educação de Jovens e Adultos. O estudante universitário, bem como quaisquer outros da educação superior, obriga-se também a superar barreiras estruturais, prioritariamente, para acessar este

39

Ver Glossário e estudos apresentados na seção 1.4.2.

105

nível da educação. Num país como o Brasil, o baixo índice de 20,7% de jovens com idade entre 18 e 29 anos na educação superior (CORBUCCI et al., 2009) serve como alerta quanto à elaboração de políticas educacionais. Apesar de estar claro que cabe ao Estado e ao sistema educacional brasileiro em sua totalidade preocupar-se com a redução das desigualdades de acesso ao ensino médio (BRASIL, 1996) e consequente ingresso na educação superior, estudos têm evidenciado que se torna necessário haver mais atenção a questões como orçamento, distribuição de livros didáticos, merenda escolar e formação de professores (BRASIL, 1996, 2009a). Relacionado ao problema da frequência na educação superior, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) constatou que, no Brasil, entre os jovens de 18 a 24 anos de idade, a taxa oscila de 5,6%, para quem têm rendimentos mensais per capita de meio a um salário mínimo (SM); até 55,6%, para quem se situa na faixa de cinco SM ou mais. Constatou ainda que 17,5% dos jovens com residência nas áreas metropolitanas frequentavam a educação superior, em 2007, e apenas 3,2% dos que moravam em áreas rurais a frequentavam (BRASIL, 2009b). Quanto às condições endógenas, relacionadas mais às vivências do estudante em seu cotidiano acadêmico, pesquisas realizadas por um grupo de especialistas franceses com o objetivo de introduzir a reforma dos primeiros ciclos universitários naquele país, na década de 80, resultaram em descobertas relacionadas à condição de estudante do jovem que ingressa na vida universitária. Para Coulon (2008), um autor daquelas pesquisas, a tarefa inicial do estudante ao acessar a universidade é aprender o ofício de estudante, isto é, aprender como não ser eliminado ou se eliminar só porque continuou a ser estrangeiro naquele espaço que, para ele, seria novo. O autor analisou o ingresso nesse mundo como passagem, no sentido etnológico do termo (VAN GENNEP, 1978), momento em que o jovem vivencia o tempo do estranhamento, da aprendizagem e da afiliação. Então, segundo o autor, para não fracassar, ele precisaria afiliar-se institucional e intelectualmente à universidade. Nesta passagem do ensino médio para a universidade, diante das várias rupturas simultâneas, o jovem vivencia inquietações. Como lembra Vieira (2010b), o jovem universitário ingressa num universo regido bem mais pelo currículo oculto do que pelos níveis escolares precedentes. Ele enfrenta incertezas decorrentes da

106

diversidade de tarefas e das expectativas quanto aos resultados e reajusta-se em função dos efeitos da transição de nível escolar, os quais, frequentemente, são acompanhados do sentimento de descontinuidade identitária. De acordo com Coulon (2008), o jovem vivencia, durante tal passagem, a busca da autonomia (estuda agora com outros adultos) e a busca da preparação para a vida ativa (trabalho, por exemplo). Vivencia tensões relativas à necessidade de decidir seu próprio destino, inclusive estudar na universidade. Dentre outras rupturas, há um rompimento psicopedagógico originário da redução de tempo da relação entre professor e estudante, comparativamente ao que ocorria no ensino médio. O aluno sai da tutela e entra no anonimato, inclusive com os colegas, o que vem a gerar novos comportamentos. Tendo identificado uma escassez, no Brasil, de investigações científicas relacionadas à condição juvenil40, Sposito (2002) debruçou-se sobre este tema, vinculando-o ao da vida universitária. A autora desenvolveu levantamentos de pesquisas realizadas no período de 1980 a 1998 voltadas para questões situadas na confluência dos dois temas. Assim, ela notou que o foco das pesquisas permaneceu no ambiente institucional, apreendendo o jovem mais como estudante de uma instituição, menos como sujeito cultural. Constatou que os estudos focalizaram mais a matriz psicológica, menos para saber como pensa, sente a age o jovem quanto às determinações deste ambiente. Ainda assim, Carrano (2002), um autor daquelas pesquisas, identificou situações vivenciadas pelo jovem universitário. Caso estude no período noturno, enfrenta dificuldades, em especial para conciliar trabalho profissional e estudo. Ele se ressente de conectar as aprendizagens teóricas com as práticas de trabalho. Assim como os colegas da educação superior, o estudante acessa este nível educacional não mais exclusivamente por intermédio de concursos vestibulares. Sua permanência caracteriza-se pela superação de barreiras materiais e simbólicas da interdição social. E sua satisfação com a formação recebida constitui-se em elemento decisivo para o seu bom desempenho.

40

Cabe ressaltar que também os fenômenos da ociosidade e da evasão têm sido pouco pesquisados, conforme o Relatório Desafios e Perspectivas da Educação Superior Brasileira para a próxima década 2011-2020 (SPELLER; ROBL; MENEGHEL, 2012).

107

Noutros levantamentos, em pesquisas realizadas no Brasil no período de 1999 a 2006, Sposito (2009) constatou que os jovens sentem falta de informações úteis à tomada de decisão quanto ao curso e à profissão. Que eles têm enfrentado dificuldades de acesso à universidade e o estigma por acessá-la por intermédio de políticas de ação social. Que passam por uma frágil formação recebida no ensino fundamental e no médio. Neste sentido, tais constatações guardam alguma coerência com os resultados da pesquisa Perfil da juventude brasileira (ABRAMO; BRANCO, 2011), antes mencionada, segundo a qual, dentre os escolarizados, a população universitária é o conjunto mais insatisfeito no quesito entender os jovens (SPOSITO, 2011) – uma dificuldade que, certamente, passa pela discussão a respeito da identidade do professor universitário.

1.3.3. O professor universitário No Brasil, o típico professor da educação superior41 pertence ao sexo masculino, independentemente da categoria da instituição, quer a pública, quer a privada. Na primeira categoria ele possui 45 anos de idade, título de doutor e atua no regime de trabalho em tempo integral. Na segunda, tem 33 anos, título de mestre e atua como horista (Quadro 7). Quadro 7 – Brasil, perfil do professor da educação superior, Brasil, 2010. Categoria

Atributo

Pública

Privada

Sexo

Masculino

Masculino

Idade

45

33

Doutorado

Mestrado

Tempo integral

Horista

Escolarização/Titulação Regime de Trabalho

Fonte: BRASIL, 2012c, p. 53.

Em 2010, do total de 214 mil atuações na função docente, ocorridas nas instituições privadas, 97,2% estiveram na graduação presencial. Do total de 130 mil

41

Ver Glossário, termo professor universitário.

108

atuações nas instituições públicas, este percentual chegou a 93,2% (BRASIL, 2012c)42. Estes dados oficiais são frios, cabendo fazer uma complementação (QUIVY, 2005) a partir de informações colhidas em textos que analisam e interpretam a identidade do atual professor universitário. Sendo um indivíduo histórico que assume identificações contraditórias e, por isto mesmo, impelido frequentemente para diferentes direções (HALL, Stuart, 2011), o professor da época pós-moderna vivencia situações sociais pessoais e profissionais no fluxo e refluxo das relações construídas no seu cotidiano, no âmbito individual ou coletivo. Desse modo, o estudo da identidade do docente envolve não apenas a análise de dados oficiais, mas a análise das condições de sua existência e das suas experiências sociais. A leitura articulada de diversos artigos da LDBEN possibilita extrair uma possível identidade do professor universitário com atuação no Brasil, o que caracteriza as condições exógenas de sua existência do ponto de vista legal. Sendo uma instituição pludisciplinar, que forma o profissional de nível superior, de pesquisa, de extensão, de domínio e do cultivo do saber humano, a universidade se preocupa em ter em seus quadros professores capazes de elaborar estudos sistemáticos de temas e problemas de realce científico e cultural (art. 52). Para isto, e no exercício de sua autonomia, contrata e dispensa professores (art. 53). Assim como os demais docentes da educação superior, o professor universitário precisa estar diante do estudante (exceto nos programas de educação a distância) e, caso atue em instituições públicas, obriga-se a permanecer o mínimo de oito horas semanais na sala de aula (art. 47 e 57). Análogo aos demais professores do sistema educacional brasileiro, algumas condições precisam ser atendidas (a serem cumpridas pelo professor): participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; zelar pela aprendizagem dos estudantes; estabelecer estratégias de recuperação para os estudantes de menor rendimento; ministrar os dias letivos e

42

As outras áreas de atuação docente mencionadas no documento tomado como referência são: graduação a distância, extensão, gestão, pós-graduação a distância, pós-graduação presencial, sequencial e pesquisa (BRASIL, 2012c). Cabe ressaltar, referindo-se ao art. 67 da LDBEN, que tais mensurações abrangem somente a função de magistério relacionada ao exercício da docência, portanto, não considera as funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico (BRASIL, 1996).

109

horas-aula

estabelecidos,

além

de

participar

dos

períodos dedicados

ao

planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (art. 13) (BRASIL, 1996). Dentre as condições exógenas, relacionadas ao ingresso e à permanência do professor nos quadros da universidade (operacionalização a cargo do sistema de ensino), cabe mencionar que a legislação brasileira não o diferencia dos demais professores: ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; piso salarial profissional; progressão funcional baseada na titulação, ou habilitação, e na avaliação do desempenho; período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; condições adequadas de trabalho (art. 67). Vale destacar que, segundo a legislação brasileira, as autoridades responsáveis devem prezar por uma relação adequada entre o número de alunos por professor e por uma carga horária e condições materiais do estabelecimento da educação básica (art. 25), mas não há dispositivos legais sobre o assunto relacionado à educação superior (BRASIL, 1996). Respeitante à formação do professor universitário, a legislação brasileira é omissa. Não existe amparo legal relacionado à sua formação pedagógica. No máximo, a LDBEN estabelece que a formação dos profissionais da educação tenha como fundamentos: a presença de sólida formação básica capaz de propiciar conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; a associação entre teorias e práticas mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades (art. 61) (BRASIL, 1996). Esdrúxula é a situação em que, para atuar na educação superior, não é condição legal que o professor passe pela sala de aula (art. 65), como ocorre com o professor que atua na educação básica que, ao concluir sua formação, obriga-se a passar pela prática de ensino mínima de 300 horas. Como exigência legal a ele imposta, este professor terá apenas que se preparar para o exercício do magistério superior em nível de pós-graduação, com prioridade em programas de mestrado e doutorado. Desse modo, razoável é dizer que tal definição legal restringe a formação

110

do professor universitário com sérias consequências, dentre outras, para o desenvolvimento das interações sociais entre os estudantes e entre estes e o professor na sala de aula43 (BRASIL, 1996). Quanto às condições endógenas, relacionadas mais de perto com a ação docente no cotidiano da prática didático-pedagógica, podem ser destacados alguns aspectos da identidade do professor, mas fazendo-o a partir de três eixos colocados às universidades como indissociáveis pela legislação brasileira: ensino, pesquisa e extensão. Assim, em primeiro lugar, na universidade, o professor condiciona-se a compreender que o ensino se volta para a formação do estudante para além do aspecto cognitivo, abrangendo o desenvolvimento de competências e habilidades requeridas para o profissional, bem como para o comprometimento com a cidadania (VASCONCELOS; CÂMARA, 2011; VASCONCELOS, 2011a; MASETTO, 2012). Neste sentido, é uma condição compreender que a função ensino, na universidade, espalha-se pelos interstícios dos cursos e pelas oportunidades de aprender, pois o ensino que especifica cada um desses cursos, oportunidades ou departamentos converte-se em educação mediante processos fundamentalmente pedagógicos (MENDES, 1974). É condição saber que “ser profissional é, sobretudo, saber permanentemente aprender; o que mais é mister na universidade é esta habilidade, ou seja, de saber pensar e aprender” (DEMO, 2009, p. 85). Compreensões estas constituintes da prática consciente do professor quanto à sua profissão na universidade. Em segundo lugar, para ser professor universitário, o profissional da educação condiciona-se a internalizar que a atividade de pesquisa implica o debate de questões atualizadas como, por exemplo, com relação à ecologia, à ética, ao analfabetismo, ao movimento dos sem-terra, ao desemprego e à globalização. Ou internalizar ainda a pesquisa como atividade que busca descobrir aspectos da realidade, partindo do pressuposto de que esta não se revela na superfície, havendo com frequência algo para além dos esquemas explicativos (DEMO, 2010). Nesta perspectiva, de acordo com Severino (2007), a atitude investigativa deve ancorar a

43

Cabe ressaltar que, a exemplo do ocorrido com a formação inicial de professores franceses (THURLER; PERRENOUD, 2006), evidencia-se no Brasil maior preocupação com os saberes a ensinar do que com as práticas sociais ou outras emergentes – o que seria um fato histórico na educação brasileira (ROMANELLI, 2003). Considerado este cenário, seria o caso de refletir a respeito da prática didático-pedagógica de professores da educação superior, que vivem o risco de ensinar por meio de modelos arcaicos com os quais eles mesmos sofreram durante sua formação.

111

atividade de ensino e, certamente, o professor universitário encontra nela uma condição de sua existência. Em terceiro e último lugar, para Severino (2007), a universidade não pode desenvolver suas atividades de ensino e pesquisa a distância da sociedade. O professor universitário se faz também na condição de compreender que a extensão é exigência intrínseca feita à educação superior, pois conhecimento e educação se encontram comprometidos com a sociedade. Pressupondo atendidas essas condições, enquanto profissional da educação, o professor universitário obriga-se a ter algumas competências (UNESCO, 1999; PERRENOUD, 2000; MARCHESI, 2008; MARTÍN GARCÍA; MARIA PUIG, 2010; LANTHEAUME, 2012; MASETTO, 2012). Nesta perspectiva, ao tomar o conceito de competência relacionado com uma série de aspectos desenvolvidos em conjunto, tais como os saberes, os conhecimentos, os valores, as atitudes e as habilidades (PERRENOUD, 2000), Masetto (2012) propõe três competências básicas do docente universitário: 1) competência em determinada área de conhecimento: pressupõe a realização de cursos em nível da educação superior, o exercício profissional e a atividade de pesquisa; 2) domínio da área pedagógica: pressupõe a compreensão do processo educacional, currículo, integração das disciplinas, relação professor-estudante

e

estudante-estudante,

teoria

e

prática

da

tecnologia

educacional, processos avaliativos e planejamento; 3) exercício da dimensão política da docência universitária: tem como requisito fundamental a compreensão dos tempos atuais. Do professor universitário também tem sido exigido saber conviver com a diversidade de públicos decorrente da democratização do acesso à educação superior. Ele vivencia situações relacionadas com as novas diversidades introduzidas no passo com que se abre o leque de acesso à educação superior, sendo levado a lidar com a heterogeneidade do corpo discente, com a diversidade de

vivências

socioculturais,

em

turmas

cada

vez

mais

numerosas.

Tal

democratização tem gerado uma identidade profissional composta por dimensões e relações que precisam integrar o sentimento de pertencimento a determinada comunidade com os percursos de aprendizagem (MARCHESI, 2008). Portanto, a identidade do professor universitário, mais focalizada em aspectos de uma identidade social do que em aspectos da identidade psíquica, é menos

112

definida por leis ou meras percepções e mais pelo complexo de vivências relacionadas com a democratização da educação superior no contexto da sociedade pós-moderna, bem como relacionadas à interação com os estudantes. Ela se desenvolve no terreno da intersubjetividade, no desafio de lidar com os conflitos e as carências da educação escolar. Como explica Marcelo (2009), sua identidade precisa ser considerada uma realidade em evolução, desenvolvendo-se individual e coletivamente; sem ser possuída, mas desenvolvendo-se ao longo da vida. Segundo o autor, ela é um fenômeno relacional por meio do qual o professor interpreta (e reinterpreta) a si próprio, tendo sido enlaçado por determinado contexto. Depreende-se que sua identidade é construída nas dinâmicas do exercício da docência, nas interações com os estudantes e com colegas e demais funcionários da instituição. Reconstrói-se ao gerar reflexões que alteram visões de mundo e de ser humano, numa relação dialética com a instituição em sua totalidade (GIDDENS, 2002). Estas compreensões da identidade do professor universitário, se colocadas lado a lado com as relativas à identidade do jovem universitário, ensejam um quadro sintético das definições, condições exógenas e endógenas (Quadro 8). Tal desenho sintético sinaliza a importância de aprofundar a compreensão sobre os processos de desinstitucionalização presentes no dia a dia das universidades – tema analisado, com apresentações dos estudos no momento que se segue. 1.3.4. A desinstitucionalização da universidade Desde a sociologia durkheimiana, o termo instituição denota a conversão de valores em normas e papéis, com efeitos sobre a personalidade dos indivíduos. Conforme Durkheim (1999), na solidariedade mecânica a consciência coletiva exerce plenamente o poder sobre os indivíduos, enquanto na solidariedade orgânica os indivíduos têm mais autonomia, sendo o controle social definido em códigos de conduta explicitados na forma de leis. Estas duas modalidades de organização social, por meio das quais os indivíduos se mantêm coesos, fundamentam a ideia de instituição como possibilidade de proceder à transição valores-normas-papéispersonalidade.

113

Condições endógenas

Condições exógenas

Definições

Quadro 8 – Identidades sociais do jovem estudante e do professor universitário. Jovem universitário

Professor universitário

O jovem universitário brasileiro, em sendo estudante da graduação, pode ser representado majoritariamente por uma aluna de instituição privada que ingressa na educação superior com 19 anos de idade, no curso presencial noturno, tendo optado pelo bacharelado (BRASIL, 2012c), e que conclui com 23 anos de idade. Pode ser percebido por professores como mimado, indisciplinado, preguiçoso, imaturo, falante, dependente, com deficiência de leitura e escrita, com valores frágeis, que pouco estuda e não se esforça (ROGGERO, 2007).

O professor da educação superior, inclusive o universitário, pode ser representado majoritariamente por um indivíduo do sexo masculino. Tem 45 anos, é doutor e trabalha em tempo integral caso atue numa instituição pública. Tem 33 anos, é mestre e horista se atua em instituição privada (BRASIL, 2012c).

Obriga-se a concluir o ensino médio (independentemente de sua idade) (BRASIL, 1996); ser aprovado em processo seletivo para ingressar na educação superior (BRASIL, 1996); conseguir superar barreiras estruturais (BRASIL, 1996, 2009a, 2009b).

Obriga-se a participar da elaboração da proposta pedagógica. Elaborar e cumprir plano de trabalho. Zelar pela aprendizagem dos estudantes. Buscar a recuperação de estudantes com menor rendimento. Ministrar dias letivos e horas-aula. Participar dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional. Colaborar com a articulação entre escola, famílias e comunidade. Ser aprovado em processo seletivo, se ele quiser ingressar na educação superior (capaz de elaborar estudos sistemáticos de temas e problemas relevantes de realce científico e cultural).

Ao ingressar na universidade, tem o desafio de aprender a se defender para não se eliminar ou ser eliminado (COULON, 2008). Ele vivencia rupturas, inquietações (adota novas condutas). Busca autonomia (estuda agora com adultos). Prepara-se para a vida ativa e para a decisão. Vivencia o rompimento psicopedagógico (menor tempo da relação com o professor). Chega o anonimato, inclusive com os colegas, gerando novos comportamentos (COULON, 2008). Já definido como estudante universitário, ele vivencia as dificuldades de conciliar trabalho profissional com estudos (em especial quando estuda no noturno). Barreiras materiais e simbólicas da interação social. Se satisfeito com o curso, tende ao bom desempenho. Sofre estigmas por acessar a universidade via políticas de ação social e por ter frágil formação no ensino fundamental e médio (CARRANO, 2002).

Desafio de concretizar tarefas relacionadas com as funções básicas da universidade (ensino, pesquisa extensão), se ele quiser permanecer na educação superior (BRASIL, 1996). Desafio de compreender que o ensino articula aspectos cognitivos, desenvolvimento de competências/ habilidades profissionais e comprometimento com a cidadania (VASCONCELOS, 2011a; MASETTO, 2012); a função ensino espalha-se pela universidade (converte-se em educação mediante os processos pedagógicos) (MENDES, 1974); ser profissional é saber aprender (DEMO, 2009); a atividade de pesquisa implica o debate de questões atualizadas (DEMO, 2010). Precisa dominar determinada área de conhecimento e área pedagógica e de exercitar a dimensão política da docência universitária (MASETTO, 2012). Levado a lidar com a heterogeneidade do corpo discente na diversidade de vivências socioculturais.

Fonte: elaboração do autor, com base na literatura especializada.

114

Para Dubet (1994), uma instituição teria a função de “transformar valores em normas e em papéis que, por seu turno, estruturam a personalidade dos indivíduos” (p. 170). Segundo o autor, as organizações, os costumes, os hábitos, as regras de mercado, as religiões constituem uma instituição. Assim, conforme o autor, as instituições se constituem em “maneiras de ser, objetos, maneiras de pensar” (DUBET, 2013, p. 30). Toda a vida social seria um conjunto de instituições. Por sua vez, o entendimento de desinstitucionalização acompanha, neste trabalho, a explicação de Touraine (1997), para quem o termo significa o “enfraquecimento ou o desaparecimento das normas codificadas e protegidas por mecanismos legais e, mais simplesmente, o desaparecimento dos juízos de normalidade, que se aplicavam às condutas regidas por instituições” (TOURAINE, 1997, p. 59). Como informa Dubet (1994), a desinstitucionalização seria a perda da capacidade de integração funcional em torno de valores axiais. Isto se traduz no entendimento de que velhas formas de institucionalização estão com seus dias contados. No âmbito da educação, os processos de desinstitucionalização têm impactado escolas e instituições de educação superior de maneira semelhante, a iniciar pelo fato de que a educação básica e a educação superior pertencem ao mesmo sistema contínuo (UNESCO, 1999). Uma escola funda-se no encontro entre educadores e educandos que, na troca de vivências, se desenvolvem em diferentes áreas, sendo a cognitiva, a afetivo-emocional, a motora, a social e a profissional (MASETTO, 1997). Uma universidade, além disso, funda-se no encontro mais amplo com o mundo, no cotidiano construído por gerações de estudantes e professores, na colaboração de funcionários, na ação contextualizada com o meio onde se insere (BUARQUE, 1994). À parte as diferenças de amplitude dos saberes que elas produzem, a escola da educação básica e a universidade têm sido impactadas de maneira análoga pelos processos de desinstitucionalização na medida em que estes são originários de problemas relacionados à modernidade e à pós-modernidade. Concebidas como instituições, à escola ou à universidade caberia ensinar aos indivíduos como efetivamente se tornar membros da sociedade. A educação seria “a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social” (DURKHEIM, 1965, p. 41). Portanto, o processo educacional contribuiria com aquela transição, transmitindo costumes e

115

regras, bem como com a geração de condições para a melhor convivência entre os indivíduos adultos e os mais novos. Tal contribuição ocorreria, conforme explica Dubet (1994), com a garantia do cumprimento harmônico das funções escolares de educar, selecionar e socializar – compatível com a concepção de escola como instituição edificadora da personalidade e inclinada a promover coesão entre sociedades nacionais no contexto da racionalidade produzida pelo ideal iluminista (GOMES, 2005). Ao estudar o percurso histórico da escola francesa nas últimas quatro décadas do século passado, o autor constatou a relativa harmonia do processo de concretização daquelas funções: 1) a educação ocorreu com a priorização, por parte do lycée, da grande cultura e humanidades, num abandono à economia e à técnica (guerra escolar entre educação e instrução); 2) a seleção ocorreu na medida em que o sistema educacional era constituído pela justaposição de escolas correspondentes às divisões sociais; 3) a socialização se deu em meio ao pouco interesse da escola pela criança e adolescente, exceto nas aquisições destes com relação ao mundo do adulto e do racional. Dessa maneira, conforme o autor, a educação, a distribuição de qualificações e a cultura escolar compunham uma totalidade que guardava alguma harmonia. Com o tempo, este cenário se alterou. Em contraposição a esta visão exógena, e sim do ponto de vista dos atores nela implicados, as funções educar, selecionar e socializar não mais estão a guardar a relativa harmonia que as integrava. Para Dubet (1994). “a instituição [escola] surge, não já como um bloco [grifo do autor referenciado] de funções integradas, mas como uma construção relativamente instável, como um arranjo” (p. 171). A escola não mais seria uma instituição se, sendo assim denominada, for concebida como determinada instância com forte capacidade de integrar funcionalmente aspectos relacionados a valores importantes. Com efeito, como explica Gomes (2005), enquanto solução da modernidade para os problemas da modernidade, a escola entrou em declínio, pois suas estruturas burocráticas se desatualizaram diante das mudanças e da estruturação das culturas juvenis no contexto de fragmentação da pós-modernidade. E, como lembram Almeida e Vieira (2006), a escola hoje é massificada e perpassada por contrastes e particularidades, com a presença, por exemplo, de coortes de alunos de

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idades, etnias e gêneros diversificados, advindos de meios sociais e familiares diferentes. Por sua vez, ao estudar a crise na educação francesa, Giol (2009) constatou que: 1) seria necessário gerar condições para que a escola pudesse acolher diversidades relacionadas, por exemplo, às mentalidades, aos níveis sociais e às psicologias, pois a escola única não tem mais lugar. Insistir nesta tecla resultará em problemas de socialização e de encolhimento do sistema educativo no âmbito da seleção; 2) haveria vantagem da instrução sobre a educação decorrente do alargamento das funções da escola, o que teria provocado uma profunda crise de identidade da escola; 3) seria o caso de as questões educativas subsumirem as dimensões planetárias (ecológicos e sociais) ou administrativas da sociedade do conhecimento. Noutros termos, as exigências feitas à escola pela sociedade fragmentada provocaram mudanças numa instituição que, se antes era enrijecida em modelos de educação que zelavam por funções bem definidas, agora se obriga a remodelar-se (ou até não adotar modelos). Assim, da modernidade à pós-modernidade, os modelos educativos e os fins da escola teriam perdido sua relativa homogeneidade (DUBET, 1994). De uma situação em que “a cultura escolar, a distribuição das qualificações e a educação formavam um todo” (p. 173), passa-se à situação em que a escola até a universidade define-se “menos pelos seus valores ou pelas suas funções que pela sua capacidade de produção de ação combinada” (p. 177). Tal transição teria ocorrido em função dos seguintes processos: 1) massificação da escola; 2) aumento do número de diplomas, o que lhe mudou o valor relativo; 3) fragmentação das fronteiras entre educação e instrução; 4) dispersão dos modelos educativos e os consequentes ajustamentos parciais (Quadro 9). Segundo Dubet (1994), no collège e no último ano do lycée, bem como nos primeiros ciclos da universidade, intensificam-se os problemas relacionados à heterogeneidade dos públicos, à estranheza dos alunos quanto às normas escolares, ao desconforto dos professores frente ao nível dos alunos, enfim, à angústia dos alunos. Nesses níveis de ensino, definindo-se não mais em termos de valores ou funções que desempenha, mas por sua capacidade de combinar ações, a escola caracterizaria o fim do modelo de organização compreendido como instrumento de institucionalização de valores.

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Quadro 9 – A desinstitucionalização da escola. Funções

Modernidade

Os processos de desinstitucionalização

Pós-modernidade

Selecionar

Seleção social originária da justaposição de escolas correspondentes às divisões sociais (forjada à montante da escola).

Massificação da escola. Inflação dos diplomas.

Seleção originária das pequenas diferenças e desvios de pequena monta (forjada durante a escolarização).

Educar

Educação que prioriza a grande cultura e as humanidades em detrimento da economia e da técnica.

Fragmentação das fronteiras entre educação e instrução.

Educação que se preocupa com o ser humano capaz de viver coletivamente, aprender responsabilidades por meio de exercícios não escolares, articulando informação e formação.

Socializar

Socialização interessada em ajustar expectativas de alunos, professores e famílias a valores encarnados pela escola, implicando numa forte segregação social, fecho da escola sobre si mesma e distanciamento entre alunos e professores.

Dispersão dos modelos educativos. Ajustamentos parciais (estabelecimento ou classe).

Socialização concretizada por: 1 – Escola independente, que privilegie desempenhos, afirmando regras e hierarquias escolares ou que dê aos alunos o que a família e a sociedade não lhes podem oferecer. 2 – Escola aberta à sociedade e à economia, útil e eficaz, ou que assuma um papel social e integrador.

Fonte: elaboração do autor, com base em Dubet (1994). Especificamente com respeito à universidade, uma das possibilidades de analisar os percursos de sua desinstitucionalização refere-se à ideia de terceira universidade, conforme Portella (1999). Para o autor, ela teria assumido três modelos desde a primeira modernidade até a baixa modernidade: 1) a da consciência, apadrinhada pela razão e dona da certeza; 2) a voltada para o trabalho, geradora da entronização do diploma; 3) a contestadora das certezas, favorável à inscrição do cidadão nos sistemas abertos. Segundo o autor, na terceira universidade, embora remanescendo aspectos da primeira modernidade, a gestão funcionalista se choca com os valores morais

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(em detrimento das subjetividades), os processos e os procedimentos se confundem (numa estrutura confusa, burocrática e falsificadora), havendo pouco debate relacionado com a dicotomia consciência versus trabalho. Para Portella (1999), seria o caso de abandonar o ideal da certeza, um resquício do mundo unificado, e buscar compreender as dificuldades da baixa modernidade para preencher o vazio relacional da educação superior decorrente da dissociação entre subjetividade e objetividade. Assim, pode-se interpretar que, na terceira universidade, a associação entre as funções de selecionar, educar e socializar envolve o compartilhamento de responsabilidades, sendo um desafio compatível com a educação superior, e mais especificamente com a universidade, que tem provado sua viabilidade e capacidade para se transformar e promover mudanças e progressos nas sociedades (UNESCO, 1999). Da responsabilidade compartilhada de estudantes, da universidade em sua totalidade e da sociedade depende o sucesso acadêmico (SAINT-PIERRE, 1999). Se, para Dubet (1994, 1998), o processo de desinstitucionalização da escola, do 1º ciclo do ensino secundário até à universidade, não se constitui propriamente numa crise, mas no fim de uma organização concebida com o fito de institucionalizar valores, para Santos (2005), por sua vez, “as múltiplas crises da universidade são afloramentos da crise do paradigma da modernidade” (p. 223). O que coloca os dois autores em idêntica perspectiva. Na verdade, enquanto a desinstitucionalização, nos termos de Dubet (1994), carrega na sua origem aquilo que se poderia denominar como o fazer da escola (o autor admite utilizar um conceito estrito de instituição, algo capaz de integrar funcionalmente

valores

fulcrais),

o

processo

de

desinstitucionalização

da

universidade, nos termos de Santos (2005), refere-se ao que se poderia chamar vocação da universidade44. A vocação, ou a inclinação da universidade, refere-se, mormente a partir do século XIX, a três instâncias da universidade: a produção de conhecimentos, as pessoas a quem se destinam estes conhecimentos e o poder de decisão da universidade para decidir como produzir estes conhecimentos. Para Santos (2005), desde a década de 70 do século passado a universidade enfrenta três tipos de crises, que corresponderiam, respectivamente, a cada uma

44

Este termo não possui aqui o significado de chamado externo, como se a universidade fosse um ser escolhido para cumprir determinada tarefa.

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das instâncias mencionadas. Assim, numa crise de hegemonia estaria em causa a exclusividade dos conhecimentos produzidos e transmitidos pela universidade e, por consequência, intermináveis discussões vinculadas às dicotomias entre alta cultura e cultura popular, entre educação e trabalho, bem como entre teoria e prática. Numa crise de legitimidade estariam em causa os perfis sociais dos destinatários dos conhecimentos produzidos, envolvendo, assim, a democratização dos processos de transmissão de conhecimentos. Numa crise institucional, por último, estariam em causa a autonomia e a peculiaridade organizacional da universidade enquanto instituição, o que levaria a universidade a sofrer a imposição de modelos organizativos utilizados por outras instituições admitidas como eficientes. Para o autor, estas crises têm como origem as contradições entre produção de alta cultura e produção de padrões culturais médios; hierarquização de saberes e democratização/igualdade de oportunidades; autonomia na definição de valores/objetivos institucionais e submissão a critérios de eficácia/produtividade nos termos das empresas. De acordo com Santos (2005), a crise institucional sofre os reflexos da crise de hegemonia e da crise de legitimidade e mergulha no período histórico do capitalismo desorganizado. No entanto, para o autor, aquela crise teria como base duas outras. A primeira estaria relacionada com a crise do Estado-Providência que, em meio a reestruturações orçamentárias, convive com a deterioração das políticas sociais de habitação, saúde e educação e, paralelamente, convive com a mudança da condição de produtor para comprador de bens de serviços. E este é um ponto a se ressaltar. Se na Europa do período analisado por Santos (2005) a universidade pública já sofria com o corte nos orçamentos, a partir da crise de 2008 a situação piorou: fortaleceram-se práticas como a seleção de universidades só após sua investigação, a avaliação das universidades por meio de critérios estranhos ao seu métier e a busca de alternativas de financiamento. A segunda crise, sobre a qual se basearia a crise institucional, estaria relacionada, conforme Santos (2005), com a desaceleração da produtividade industrial que, ao convocar a universidade à maior participação para o seu aumento, levou-a a se defender, com apelos à sua hegemonia sobre o conhecimento produzido.

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No entanto, o cenário tornou-se desfavorável porque, com o corte orçamentário e a pressão das empresas, restou à universidade entrar no jogo da maior produtividade e, por consequência, tornou-se refém de processos de avaliação do desempenho – o que contribuiu para a valorização dos títulos escolares. Como lembra Vieira (1995), o sancionamento de competências cada vez mais técnicas, reconhecido ao sistema de ensino, tornou “os títulos escolares, particularmente os superiores, bens com importância não desprezível na atualidade” (p. 316). Portanto, a crise institucional envolve também a submissão da universidade a critérios de desempenho definidos pelos poderes constituídos, uma crise justificada por Lyotard (1988) pela erosão interna do princípio da legitimação do saber. Para este autor, embora o reconhecimento de determinadas autonomias à universidade, após a crise do final dos anos 60 do século passado os professores pouco têm participado das decisões relacionadas com os orçamentos destinados àquela instituição, restando-lhes apenas repartir o montante a ela destinado e, ainda assim, só no final de seu percurso. De maneira que passou a ser relevante a eficácia performática, o que pode ser equiparado neste caso a uma universidade performática – impondo aos estudantes, ao Estado e à própria universidade saber não mais o que é verdadeiro, mas o que é vendável. De todo modo, para Santos (2005), enquanto crise porque crise do paradigma da modernidade, a desinstitucionalização da universidade envolveria alternativas relacionadas à resolução desta segunda crise; envolveria reconhecimento dos múltiplos curricula presentes na universidade; incluiria ações a serem concretizadas por meio de comunidades interpretativas que contariam com a participação dos jovens universitários. Como explica Estevão (2014, p. 123), a respeito das soluções apontadas por Santos (2005), seria o caso de “criar outra institucionalidade, por tornar a universidade um verdadeiro fórum público de debate, de participação, de abertura às pressões sociais compatíveis com suas funções”. Certamente, incluindo a presença dos jovens universitários.

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Neste aspecto, cabe lembrar que, com a expansão em escala mundial da educação superior45, que não para de crescer, a universidade acolheu e continua acolhendo populações jovens das mais diversificadas origens socioculturais, com impacto nos currículos – a sociologia anglo-saxã anuncia que ser aluno significa dominar o currículo da sala de aula e ser adolescente e jovem significa transitar por corredores dos currículos da rua (GOMES; VASCONCELOS; LIMA, 2012). Neste sentido, a universidade parece viver a contradição de receber um jovem que venceu os múltiplos currículos enquanto cursava a educação básica e superou as dificuldades de acesso à educação superior (SPOSITO, 2009), mas, a este, a universidade lança olhar distante da lição freireana do respeito à autonomia do ser do educando (FREIRE, 2009). Às vezes, alguns professores o percebem como indivíduo mimado e imaturo (ROGGERO, 2007). Sob o efeito de tal contradição, a universidade corre o risco de selecionar o tipo de cultura que será desenvolvida para o estudante e a partir disso priorizar padrões culturais médios (SANTOS, 2005) com foco na formação para o trabalho – para priorizar em seguida o credenciamento de competências. Num processo dialético em que as decisões e aquela contradição se retroalimentam, a própria universidade parece fortalecer contradições que terminam por sustentar, senão, fundar, as crises de hegemonia e de legitimidade, as quais, conforme Santos (2005), repercutem na crise institucional. Parece então que à universidade caberia desenvolver esforços no sentido da construção de diálogos estratégicos. Isto impõe que se apresentem possibilidades desta construção.

1.3.5. Diálogos estratégicos para a universidade

Entre os gregos antigos, em especial Sócrates e Platão (1997), dialogar significava captar o logos, uma concepção que, de algum modo, esmaeceu nos séculos seguintes. Embora, vale ressaltar, no jogo de perguntas e respostas, com suas dúvidas e revelações surpreendentes, a maiêutica socrática tenha prosseguido

45

De acordo com estatísticas da UNESCO e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), possivelmente já existem mais de 170 milhões de estudantes na educação superior (UNESCO, 1999; OECD, 2010). No Brasil, de acordo com o Censo da Educação Superior 2012, existem mais de sete milhões de estudantes (CENSO..., 2013).

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nas escolas medievais de uma maneira ou de outra com os famosos diálogos platônicos46. No início do século VI, com o fim das chamadas escolas e culturas pagãs, iniciou-se uma cultura influenciada pelas escolas monacais, episcopais e palatinas – sob a condução da Igreja. Desde o século XII, estas escolas vinham assumindo-se como universidade – parecendo evidenciar uma espécie de consciência histórica do valor do diálogo, da conversatio existente entre os antigos gregos, em que a Paideia e a Politeia faziam parte da mesma harmonia (MENDES, 1968; REALE; ANTISERI, 1990). Ao surgir, o termo universidade indicava mais uma espécie de corporativismo, menos um centro de estudos. Iniciam com Bolonha e Paris nos séculos XI e XII, respectivamente, os modelos de organização nos quais se inspiraria a maioria das universidades. Prosseguindo nos tempos, gera-se como efeito que a tarefa de ensinar a doutrina revelada seria compartilhada com leigos e que o ingresso de mestres e estudantes originários de quaisquer camadas sociais seria permitido na universidade parisiense. Crescendo juntamente com a civilização medieval, a universidade possuía pessoas criativas em sua composição, geralmente dotadas de enorme capacidade de crítica e de agudeza lógica (REALE; ANTISERI, 1990). Como lembra Síveres (2006), ela nasceu como espaço de liberdade no qual a corporação de seres humanos considerados livres poderia gerar pensamentos e elaborar conhecimentos. Por volta do século XVI, tornou-se refúgio da atividade intelectual e fator de progresso social, numa Europa vivendo o confronto de culturas e de situações favoráveis à mobilidade das pessoas, às ideias e às descobertas (JOSPIN, 1999). Feita esta rápida retrospectiva, pode-se inferir que o termo universidade embute a ideia de diálogo, mais ainda se for conferido a este termo o significado estrito de articulação. Hoje, isto é mais válido porque a discussão a respeito da universidade é menos a possibilidade de seu funcionamento e mais a necessidade de sua constante invenção (BUARQUE, 1994) – como no diálogo, que se inventa a cada dinâmica que o elabora –, o que pressupõe a capacidade para estabelecer parcerias profícuas, autocrítica e elaboração de estratégias de atuação. Segundo Síveres (2006, 2010), para ser expressiva à sociedade contemporânea, a educação

46

“Os escritos de Platão chegaram até nós em sua totalidade” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 127).

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superior precisa dialogar com os diversos saberes, sejam universais ou locais, tribais ou globais, técnicos ou éticos, estabelecendo uma relação articulada entre eles e apontando para o novo, o diferente, o inovador. Neste sentido, podem ser citados alguns exemplos de diálogos estratégicos construídos pela e na universidade. Um deles se refere à ideia de organicidade do sistema educativo do qual participa a universidade no momento em que se articula com a escola da educação básica, envolvendo os mais diversos aspectos do processo educacional, considerado em toda a sua extensão, desde a inclusão do indivíduo no sistema educacional até ou depois da formação acadêmica. Como lembraram os participantes da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, os estabelecimentos de educação superior fazem parte de um sistema contínuo a ser fomentado por ela, “começando tal sistema com a educação infantil e primária e tendo continuidade no decorrer da vida” (UNESCO, 1999, p. 22), cabendo à educação superior articular esses estabelecimentos com os demais da educação básica, contribuindo com pesquisas aplicadas, formação inicial dos professores, preparação qualificada dos cidadãos e realização de consultorias, bem como com estudos relacionados com pedagogias e qualidade do ensino em geral 47. Tal incumbência teve confirmação durante a Conferência Mundial sobre Ensino Superior 2009, que conclamou a educação superior para a responsabilidade social de, entre outras coisas, promover o diálogo intercultural na sociedade (UNESCO, 2009). Vale ressaltar que esta incumbência baseou discussões promovidas pelo fórum Universidade e a Educação Básica: políticas e articulações possíveis, realizado em Brasília em 2011. A par da relevância de reduzir a distância entre a universidade e a educação básica, aquele fórum concluiu pelas seguintes responsabilidades da educação superior, dentre outras: realizar pesquisas educacionais na articulação com a prática pedagógica; vincular o currículo da formação inicial com os conteúdos e habilidades necessárias à atuação dos professores da educação básica; proporcionar aos professores da educação básica um melhor conhecimento sobre as características socioculturais de estudantes e deles próprios; proporcionar oportunidades para que o conhecimento produzido na

47

Conforme os anais da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, referenciada pelas conferências regionais de Havana, Tóquio, Beirute e Estados Árabes realizadas na segunda metade dos anos de 1990 (UNESCO, 1999, p. 213).

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universidade faça sentido para a escola e vice-versa (CUNHA, Célio da; SOUSA; SILVA, 2012). Desse modo, os processos educativos, seja qual for o nível de ensino, se fortalecem efetivamente com a presença do diálogo nos estabelecimentos educacionais, repercutindo no relevante papel da universidade de prestar serviços à sociedade no contexto em que ela se situa (SEVERINO, 2007). De acordo com as conclusões convergentes entre os participantes do Fórum Nacional de Educação Superior, realizado em Brasília em 2009, nos países latino-americanos e caribenhos a dissociação entre as instituições de educação superior e as demais instâncias sociais tem produzido consequências, como a desigualdade e a exclusão histórica de indivíduos, grupos sociais e países (BRASIL, 2009a). Outro exemplo do diálogo estabelecido pela e na universidade – estratégico ao ter como intento perpassar toda a universidade, uma casa da formação (DEMO, 2009) – refere-se à associação entre as áreas de ensino, pesquisa e extensão. Conforme o art. 207 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), a universidade deve obedecer ao princípio da indissociabilidade entre essas três áreas e, conforme o art. 52 da LDBEN (BRASIL, 1996), a universidade é pluridisciplinar, tendo o objetivo de formar profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. Em que pesem as controvérsias acerca da caracterização daquelas áreas como funções da universidade (SEVERINO, 2007) – por exemplo, a extensão seria meramente exercício do ensino e da pesquisa (BOTOMÉ, 1996), um método de ensinar e pesquisar (BUARQUE, 1994), a má consciência de uma instituição que não sabe como evidenciar-se importante em seu processo educacional formativo (DEMO, 2007) ou, ao contrário, seria processo atuante e aprendente na universidade (SÍVERES, 2010) – e, apesar dos desafios para concretizar o que preconizam os dispositivos legais antes mencionados (ROMANELLI, 2003), a universidade considera e procura se concretizar também na associação entre aquelas três áreas. Isto configura que, no limite, a universidade precisa praticar e renovar sua capacidade de dialogar. Neste sentido, ainda que o foco se restrinja à relação ensino-pesquisa, há que se considerar essa necessidade de dialogar: se se educa por meio da pesquisa,

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contribuindo com o objetivo da universidade de formar para a cidadania (DEMO, 2007, 2009), quebrar esse diálogo significaria perder autonomia. Ao redor dos dois tipos de diálogos mencionados desdobram-se outros, também estratégicos, presente a preocupação de fortalecer a autonomia da universidade. Na Conferência Mundial sobre o Ensino Superior ficou explícito que esta autonomia reveste-se de atuação com liberdade para, dentre outras, escolher seu pessoal, seus estudantes e os temas de pesquisa, bem como determinar os programas de ensino e as normas, tudo isto sendo acompanhado das mínimas condições financeiras e do espírito empreendedor. Naquela Conferência também se explicitou que o cumprimento das funções fundamentais da universidade deve ter “a participação mais ampla possível dos estudantes, do corpo docente e da administração na tomada de decisões” (UNESCO, 1999, p. 216)48 – recomendações reforçadas pela Conferência Mundial sobre Ensino Superior 2009 ao ser lembrado que a “autonomia é uma exigência [feita pelos novos tempos à universidade] necessária para satisfazer as missões institucionais, através da qualidade, relevância, eficiência, transparência e responsabilidade social” (UNESCO, 2009, p. 2). De fato, conforme Santos (2005), a universidade precisa reivindicar autonomia e especificidade organizacional, haja vista que o diálogo com a sociedade ocorrerá à medida que ela articule e crie comunidades interpretativas extramuros e intramuros por meio de ações voltadas para a interlocução entre professores, estudantes, funcionários e demais componentes da sociedade. Se for descaracterizada como instância autônoma, perdendo seu papel articulador, aumenta a já existente crise em que ela se encontra (PORTELLA, 1999; SANTOS, 2007). Uma crise que será resolvida, ainda de acordo com Santos (2005), só com uma anarquia organizada que considere, por exemplo, que, “se os mais jovens, por falta de experiência, não podem dominar as hierarquias científicas, devem poder, pelo seu dinamismo, dominar as hierarquias administrativas” (p. 225). Tal esperança de autonomização, baseada na rebeldia da ação dos jovens, já floresceu incontáveis vezes na história da universidade. Apenas como exemplo, e no

48

Informação conforme os anais da mencionada conferência, que, neste caso, referenciou-se pelas conferências de Tóquio, Dacar, Beirute e África, realizadas também na segunda metade da década de 90 (UNESCO, 1999, p. 215-216).

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âmbito da América Latina, cite-se a inquietação estudantil que eclodiu com a Reforma Universitária de Córdoba em 1918. Naquele momento histórico, desencadearam-se atos contra a administração universitária, com a exposição de aspectos pontuais revelados pelos protestos de estudantes das faculdades existentes (Medicina, Engenharia e Direito). De tal monta se revelaram a inquietação e a participação dos jovens que resultaram no manifesto La juventud argentina de Córdoba a los hombres libres de Sud América que, aquela reforma, tem permanecido no imaginário latino-americano até os dias atuais (FREITAS NETO, 2011). Presente este espírito de inquietação e rebeldia, cabe lembrar as opiniões de Buarque (2003) a respeito da crise global da universidade, em especial com relação à brasileira, na confluência com a esperança nos jovens. Segundo o autor, ao compartilhar com a sociedade o dilema de escolher entre continuar mergulhada na modernidade técnica ou construir uma modernidade ética alternativa, a universidade, a despeito da crise de identidade, pode contar com a “ânsia de estudar e aprender dos jovens que saem do ensino médio, que se manifesta agora com uma intensidade nunca antes vista” (BUARQUE, 2003, p. 44). Do seguinte modo é a expressão daquele autor a respeito do assunto, traduzida em forma de convite aos jovens: Por favor, assumam o papel que sempre lhes coube ao longo de toda a história. Sejam rebeldes (...). Vocês são a primeira geração para quem um diploma universitário não significa um passaporte automático para o sucesso, e a primeira geração cujo diploma estará obsoleto muito antes de a aposentadoria chegar (...). Na defesa dos interesses de uma geração, vocês têm o direito à rebeldia. Exijam mudanças nas universidades em que estudam e pratiquem a tradicional generosidade dos jovens (BUARQUE, 2003, p. 63-64).

Que, sem esquecer também de apelar aos professores, convida-os a aceitarem o risco de ser professor no momento histórico em que o conhecimento muda continuamente e que os obriga a acompanhar as mudanças. Convida-os a aceitarem a audácia de tal risco, sendo criativos, independentemente da efemeridade que possa acompanhar as novas maneiras de conhecer. Dentre estes posicionamentos, destaca-se o de Savater (2010, p. 37), para quem “é necessário que, aqueles que ensinam saibam apreciar as virtudes de uma certa insolência por parte dos neófitos”.

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Dessa maneira, a universidade mantém como fundamento o diálogo e conta com a ação dos jovens para se renovar. Neste sentido, ao assumir o ideal grego de diálogo como captação do logos e ao valorizar a criatividade e a inquietude das novas gerações, Mendes (1968) explica que professores universitários erram ao não entenderem que o jovem possui seu logos. Cometem erro ao não compreenderem que somente a partir do logos será possível ao jovem engrenar a sua verdadeira comunicação com o logos do professor. Erram ainda ao não apreenderem que o logos do estudante é válido por si próprio, e não por mera complacência dos adultos. Segundo aquele autor, se a universidade é o lugar do diálogo e se os jovens têm, em geral, a característica da indagação, então a eles deve-se atribuir: O direito de colocar no diálogo, que é o fundamento da universidade, a novidade de sua indagação, a exigência de sua visão com novas raízes, a originalidade de sua apercepção (no sentido herbartiano do termo) na qual os elementos projetados de dentro são mais poderosos que os elementos 49 internalizados de fora (MENDES, 1968, p. 4) .

Com efeito, como explica a literatura especializada, a autonomia da universidade ocorrerá se for acompanhada de alto grau de responsabilidade e de responsabilização dos diversos públicos de interesse (UNESCO, 1999), tendo como causa e consequência o ato educativo implicado pela presença da relação face a face mantida pelo professor e seus alunos. O que proporciona a oportunidade de apresentar o ambiente da sala de aula como referência fundamental na elaboração e execução de diálogos estratégicos na universidade.

1.3.6. Interação social na sala de aula

Por um lado, constitui-se a sala de aula em qualquer espaço físico no qual se encontram face a face alunos e professor, mediados pelo mundo (FREIRE, 1987), podendo este espaço ter paredes (a própria sala em si, laboratório, museu ou biblioteca) ou não (uma quadra, uma praça ou uma rua), desde que o núcleo do encontro seja o fenômeno da educação escolar (VASCONCELLOS, 1999). Para além da ideia de lugar no qual o aluno absorve informações arremessadas pelo professor, constitui-se a sala de aula no local em que dialogam

49

Ver Glossário, termo diálogos com os jovens na universidade.

128

ideias e vivências (MORAIS, 1988), em que se realizam atividades, onde se lê e se escreve. Onde se conversa. Ela é o lugar onde se negocia e se executa a maior parte do currículo, formal e informal, tanto que as leis e regulamentos fixam horasaula presenciais e a distância. É onde os elementos mais significativos do processo educacional se fazem presentes. Portanto, é o lugar onde, de modo interativo, com foco na formação para a integralidade humana, professor e alunos desenvolvem conhecimentos, atitudes e valores. Por outro lado, concebido o termo interação como influência recíproca de dois ou mais indivíduos na constituição dos grupos humanos em que o comportamento de cada indivíduo se torna estímulo para o outro e, concebido o termo social como tendência para viver em sociedade (INTERAÇÃO..., 2009; SOCIAL..., 2009), podese afirmar que a interação social50 se expressa de forma cristalina como determinada sequência de diálogos face a face, com a qual os envolvidos nestes diálogos se posicionam, apresentam e defendem interesses, tendo como parâmetro a situação projetada uns diante dos outros. Menos a partir de uma perspectiva da Psicologia, mas aproximando-se de uma explicação da Sociologia, a interação a que se refere toma como palco certos aspectos estruturais na relação entre as pessoas, como o são os sistemas, os princípios e as normas, e sua interferência na construção da identidade social desses atores e da relação entre eles – tendo-se a precaução de não sair de um reducionismo psicológico e cair noutro de cunho sociológico. Na verdade, toma-se como referência a perspectiva de Goffman (2012), em que a interação é entendida como alguma cena da qual tomam parte dois ou mais atores que se influenciam mutuamente, mas considerando propriedades gerais dos indivíduos que compõem o grupo. Assim se pronuncia esse autor: Eu pressuponho que o estudo apropriado da interação não é o indivíduo e sua psicologia, e sim as relações sintáticas entre os atos de pessoas diferentes mutuamente presentes umas às outras. Ainda assim, já que são atores individuais que contribuem com os materiais mais básicos, sempre será razoável perguntar quais propriedades gerais eles precisam ter se quisermos esperar esse tipo de contribuição deles (GOFFMAN, 2012, p. 10).

50

Ver Glossário, termo interação social na sala de aula.

129

Caracteriza-se então a interação social na sala de aula pelo mútuo conhecimento que alunos e professor estabelecem entre si durante uma conversação – uma condição a priori da relação social (SIMMEL, 1927) – e pelo consentimento do direito ao tratamento adequado (valorização), bem como pela preocupação com a coerência expressiva diante dos objetivos visados (GOFFMAN, 2011). Oportuno acrescentar que, para Thompson (1998), a interação social é passível de ser classificada em três tipos: 1) face a face, dialógica, tradicional na maneira pela qual interagem os envolvidos; 2) mediada, também dialógica, possibilitada pelos meios de comunicação, a exemplo do telefone; 3) quase mediada, monológica, mais ampla em comparação com os padrões tradicionais, possibilitada por meios de comunicação como os livros, a TV, o rádio e o computador. Para aquele autor, ao se desenvolverem as sociedades modernas, o Eu se tornou mais reflexivo e aberto, pois os indivíduos se cercaram de diversos materiais simbólicos – o que parece compatibilizar melhor com a definição de interação social como determinada sequência de diálogos face a face. Desse modo, a interação social desenvolvida na sala de aula (HAIDT, 1994) será mais e mais do tipo face a face (THOMPSON, 1998) quanto mais se queira atingir rapidamente os interesses que permeiam a conversação. Neste tipo de interação o tempo e o espaço se conectam entre si com maior vigor do que no tipo que se desenvolve nos chamados ambientes de aprendizagem virtuais – a interatividade não suplanta a presença maiêutica do professor (DEMO, 2009; VASCONCELOS, 2013). Na relação face a face, a interação social é imediata, cabendo ressaltar que, os processos de interação social precisam considerar, além da exposição de falas, momentos de silêncio (LAPLANE, 2000). Efetivamente, como lembra Freire (2009), o intercâmbio comunicativo ocorre na possibilidade da fala com e em silêncio, em que o educador democrático aprende a falar, escuta e amplia oportunidades de realização do pensar, sentir e agir humanos. Isto, obviamente, ao lado da postura do aluno que, orientado pelo professor, deve ser também de valorização do silêncio. Com efeito, como já lembrou Maréchaux (2003, p. VI), a primeira dificuldade vivida pelo professor, a ser resolvida por ele, “é fazer o discípulo ávido de frases e

130

que sucumbe à vertigem das palavras compreender a necessidade formadora do silêncio”. De modo que o encontro entre alunos e professor no ambiente da sala de aula pode: Representar a vivência de situações novas, de momentos de crise e de ruptura com antigos valores e conhecimentos. Ao mesmo tempo, pode significar a revisão do programa da disciplina, realizada juntamente com os alunos, ressaltando os objetivos educacionais (conhecimentos, habilidades e atitudes) em vez de exigir apenas características estáticas, fossilizadas e há muito definidas (MASETTO, 1997, p. 37).

Com isto, caracteriza-se a sala de aula como o lugar educacional privilegiado para a concretização do projeto educativo que contribui para desenvolver alunos e professores em sua integralidade humana – seres que pensam, sentem e agem. Certamente, terá que ser um projeto que articule aspectos informativos e formativos da educação, bem como conhecimentos, habilidades e atitudes, tudo isto passível de ser visualizado e compreendido na dispersão com que alunos e professores constroem experiências sociais – como se apresenta a seguir.

1.3.6.1. A interação social e a articulação informar-formar

O projeto educativo que considera permanentemente o ser humano em sua capacidade de pensar, sentir e agir articula o melhor possível os aspectos informativos e formativos da educação. No

atual

momento

histórico,

o

ser

biopsicossocial anda confuso com a imensa quantidade de informações a circular pelo mundo. Anda pressionado, disperso, muitas vezes gerando o iletrado diplomado (TAVARES, 1996). Vive-se, como explica Alarcão (2008), numa sociedade complexa, marcada por enorme riqueza de dados – com os quais as pessoas têm dificuldade de lidar – que se entrecruzam com ideias, desafios, ameaças e oportunidades. Este é o mundo da informação fragmentária. Uma sociedade com o pendor para o saber desorganizado e problemático. Um contexto que ajuda a estabelecer um processo educacional propenso a acumular conhecimentos em detrimento de uma formação mais ampla. Nos termos de Freire (1987), o educador entenderia ser possível depositar conhecimentos nos educandos, intentando transformá-los em recipientes de conteúdos.

131

Como explica Luckesi (2012, p. 30), “a educação institucionalizada que compõe a nossa circunstância histórica está, aparentemente, destinada à transmissão, quase que exclusiva, de conteúdos dos diversos âmbitos”. Parece evidente a necessidade de se elaborar e consolidar percursos educacionais capazes de articular conhecimentos teóricos e desenvolvimento humano, integrando saber e consciência. Concretizar-se-ia

a reforma do

pensamento proposta por Morin (2008a), cuja prática possibilitaria aos indivíduos superar um dilema muitas vezes presente no tempo atual, que é o de decidir entre absorver uma imensa quantidade de informações ou reter delas o inteligível. Com a reforma do pensamento, por não ser compreendido, o erro não seria desprezado. O autor postula que, em vez do acúmulo de saberes, seria o caso de bem utilizar princípios que os organizem, que lhes dê sentido, bem como aptidões gerais para colocar e tratar problemas. Diante dessas explicações, neste trabalho, conceitua-se articulação informarformar51 como a ação educativa capaz de aproximar conhecimentos teórico-práticos e desenvolvimento humano, portanto, sem restringir a formação à construção de conhecimentos, tendo como pano de fundo a integração entre saber e consciência, a ser realizada por meio do uso de princípios que organizam os saberes, de modo a evidenciar sentidos e gerar competências para propor e tratar problemas. Não se trata, pois, de contrapor informação e formação, instrução e educação, mas, pelo contrário, promover uma aproximação entre estas dimensões, compositivas do propósito de educar – ato este considerado como aquele que mais humaniza, dentre todos os propósitos humanos. Assume-se, aqui, o posicionamento de Savater (2010) sobre o assunto: A contraposição, educação versus instrução, parece hoje notavelmente obsoleta e bastante enganadora. Ninguém se atreverá a sustentar seriamente que a autonomia cívica e ética de um cidadão possa formar-se na ignorância de tudo aquilo que é necessário à sua própria valorização profissional; e a melhor preparação técnica, desprovida do desenvolvimento básico das capacidades morais ou de uma disposição mínima de independência política, nunca potenciará a afirmação de pessoas de parte inteira, mas apenas a reprodução de autômatos assalariados. Sucede ainda que separar a educação da instrução se mostra não só indesejável, mas igualmente impossível, uma vez que não se pode educar sem instruir, e vive-versa (SAVATER, 2010, p. 16).

51

Ver Glossário.

132

O

conceito

aqui

proposto,

acompanhado

desse

posicionamento,

é

considerado uma das chaves do desenvolvimento integral do indivíduo. Tal articulação, sendo estratégica para este desenvolvimento, possibilita às pessoas entender, sentir, relacionar-se, intervir e sobreviver num mundo em permanente mudança (TAVARES, 1996). Tal articulação ocorre a partir de experiências coletivas e polissêmicas conferidas pelo processo educativo capaz de contribuir para o desenvolvimento de alunos e professores, em sua integralidade, enquanto seres capazes de pensar, emocionar-se e agir, bem como contribuir para a construção de significados na relação que uns e outros estabelecem entre si. O desenvolvimento cujo lugar possivelmente se relaciona com três explicações de autores contemporâneos, que se fazem acompanhar por outros, envolvendo: 1) a ecologia dos saberes (SANTOS, 2004, 2007); 2) a educação em valores (MARIA PUIG, 2007); 3) o equilíbrio entre emoção e razão (CASASSUS, 2009). A formação integral exige dos atores educacionais a instauração de uma epistemologia adequada, a ecologia dos saberes, expressão que considera a pluralidade de conhecimentos e valoriza o diálogo entre o saber científico e o humanístico. Para Santos (2004), tal instauração leva o conhecimento científico a se comparar com outros tipos, reequilibrando a relação entre ciências naturais e práticas sociais, desnivelada na modernidade. Segundo o autor, é preciso combater a razão indolente, preguiçosa, a qual se considera única e exclusiva, com desperdício da inesgotável diversidade epistemológica e, consequentemente, com a produção de realidades ausentes. A razão indolente se manifesta metonímica porque toma o todo pela parte, sendo a totalidade composta por partes homogêneas, não interessando o que permanece fora dela. Manifesta-se como proléptica porque sabe qual é o futuro: o progresso. Assim, conforme esta explicação, a razão metonímica contrai o presente e a razão proléptica expande o futuro. O autor propõe uma ecologia dos saberes, uma estratégia oposta: expandir o presente e contrair o futuro (ver Fig. 4).

133

Figura 4 – Ecologia dos saberes e a superação da razão indolente.

Situação atual Razão indolente

Situação proposta Ecologia dos saberes Futuro contraído

Presente contraído Futuro expandido

Presente expandido

Fonte: elaboração do autor, com base em Santos (2004, 2007). Instaurar uma prática favorável ao desenvolvimento integral do indivíduo implica, também, na educação em valores. Segundo Maria Puig (2007), educar em valores pressupõe a existência de um núcleo comum entre os indivíduos, constituído por duas vertentes complementares: as pessoas compartilham a necessidade de pertencer a uma maneira particular de entender o mundo e estão abertas à geração de laços comuns entre elas. Para o autor, as vias capazes de expressar valores representativos dessas vertentes são: interpessoal, curricular e institucional. A via interpessoal, focalizada nas relações estabelecidas entre professor e alunos, incentiva intensamente a formação do modo de ser do educando; a via curricular, centralizada na elaboração de instrumentos cognitivos, permite ao aluno estabelecer pontos de vista pessoais diante de situações controvertidas; a via institucional, situada na cultura moral escolar, incide sobre o comportamento do educando, configurando hábitos e virtudes. Desse modo, uma prática que favoreça o desenvolvimento integral do indivíduo implica num aprendizado para a vida na pluralidade, em meio a várias culturas. Aprender a viver significa, para Maria Puig (2007), prepará-lo para aprender a ser, a conviver, a participar e a habitar num planeta diversificado moralmente. Desse modo, a educação contribui para formar integralmente o indivíduo quando prioriza o aprendizado para a vida na relação que ele mantém com o mundo. Por sua vez, para Martín García e Maria Puig (2010), ajudar os indivíduos a aprender a viver é o principal objetivo da educação em valores. O foco é ajudar os indivíduos a aprender

134

a escolher como querem viver, portanto, a adotarem um modo de vida sustentável. Dessa maneira, o fazer humano envolve a relação inteligente que os indivíduos estabelecem entre si num presente que se projeta para o futuro. Nesta perspectiva, ensinar a viver não se restringe a informar ou a passar conhecimentos. Não significa transmitir saberes, mas um saber fazer, pois importante é ter habilidades, capacidades ou virtudes necessárias à vida consciente. Neste sentido, Cortella (2009) explica que à escola falta se preocupar com o fato de que os indivíduos, atualmente, vivem a ansiedade de aproveitar o presente, o carpe diem, sem elaboração de um projeto de vida para o futuro. E, como salienta Pais (2006), surge entre os jovens “uma forte orientação em relação ao presente, já que o futuro fracassa em oferecer possibilidades de concretização das aspirações que em relação a ele se desenham” (PAIS, 2006, p. 10). Com efeito, para existir o humano, não se guardam só os sentidos – como em Caeiro, ou Fernando Pessoa, que nega todos os valores, todas as ideias, para depois se perguntar e se responder: “não fica nada? Fica tudo, limpo de todos os fantasmas e teias de aranha da cultura. O mundo existe porque os sentidos me dizem: e ao dizê-lo, dizem-me que eu também existo” (PAZ, 1976, p. 209). Isto é louvável para ressaltar o poético, privilegiado, pois gera a prerrogativa do abandono perante qualquer consciência. No entanto, e especialmente entre os jovens, a “desfuturização do futuro e o investimento no presente” (PAIS, 2006, p. 10) pode conduzir o indivíduo ao abandono de promissores projetos de vida, ao abandono do fazer-se enquanto cidadão que participa da vida de seu país, cidade ou bairro. Pode conduzir ao abandono de alguma moralidade que, no dia a dia, poderá fazer muita falta. Assim, tal desfuturização poderia ser comparada à noção de aproveite o dia, uma noção que teria, conforme Cortella (2009), base numa lógica condutora de parte da juventude a um nível de exaustão da vitalidade, prejudicial à moral. Desse modo, no campo da educação em valores, parece substantivo contrair o presente e expandir o futuro (ver Fig. 5). Finalmente, como sublinha Casassus (2009), os seres humanos são racionais e físico-corporais, mas também emocionais. E, embora se reconheçam neles o espiritual e a supraconsciência, ninguém mais discorda de que os seres humanos se compõem destes três aspectos. Com efeito, como afirma Beust (2000), emoção e

135

razão fazem parte da tessitura complexa composta por elementos internos e externos, atuantes sobre o indivíduo, originando o agir moral. Figura 5 – Educação em valores e a superação do carpe diem.

Situação atual

Situação proposta Educação em valores

Carpe diem

Futuro expandido

Presente expandido Futuro contraído

Presente contraído

Fonte: elaboração do autor, com base em Cortella e De la Taille (2009). Neste sentido, desenvolver o ser humano pressupõe a construção do ser e do fazer moral, valendo-se tanto dos aspectos emocionais como dos racionais. Como lembram Gomes e colaboradores (2008), a educação enriquece a capacidade de ação e reflexão do indivíduo quando ele aprende, isoladamente ou em parceria com outros seres. O ato de educar é a integração entre o sentir, o pensar e o agir. É, conforme explicam, “acima de tudo a integração entre razão e emoção; é o resgate dos sentimentos visando à restauração da incerteza humana e paradoxalmente da multidimensionalidade do ser” (p. 45). Desse modo, a educação voltada para a integralidade humana não prescinde de metodologias favoráveis ao equilíbrio entre o sentir e o pensar. Tal é o caso da metodologia sentipensar, definida por Moraes (2008) como ativação simultânea do sentimento e do pensamento, da emoção e da razão, evidenciando o quanto o emocional, os sentimentos e as crenças perpassam o cognitivo. Segundo Moraes e De la Torre (2004), esta metodologia manifesta experiências traduzidas na interligação entre o sentir e o pensar, entre eventos profundos da existência do indivíduo e os ocorridos em seu entorno, durante a construção do conhecimento (MORAES, 2008).

136

1.3.6.2. A interação social e a articulação entre os tipos de conteúdo

Pela interação social na sala de aula pode passar a concretização do projeto educativo cujo processo educacional articula conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais – a conhecida divisão tripartida dos conteúdos presente, dentre outros, nos Diseños Curriculares Base (DCB) (BOLÍVAR, 2000; COLL et al., 1998, 2001) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997). Neste sentido, a interação social contribui para a formação integral do indivíduo. Por meio dela, podem ser articulados conhecimentos teóricos com o desenvolvimento humano, bem como o saber com a consciência, num processo contínuo de conexão entre conhecer, fazer e querer conhecer-fazer. Com os conteúdos conceituais constrói-se o potencial intelectivo para operacionalizar símbolos, ideias, imagens e representações, numa dinâmica de aprendizagem que envolve a memorização de fatos e a organização da realidade (é o saber). Com os procedimentais, o aluno aprende a decidir e a realizar ações sequenciadas, ordenadas, com foco no alcance de metas (é o saber-fazer). Com os conteúdos atitudinais, na totalidade dos conhecimentos e na interação social desenvolvida na escola, geram-se atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade (é o querer-conhecer-fazer) (COLL et al.,1998, 2001; VASCONCELOS, 2012a). Desse modo, a interação social na sala de aula contribui com o diálogo currículo-aluno, favorecendo a coautoria e o protagonismo da aprendizagem (GOMES, 2011), bem como a construção de sentido, por parte do aluno, na heterogeneidade de princípios que caracteriza a sociedade contemporânea (DUBET, 1994). No limite, interconectam-se a concepção de ser humano e o projeto educativo (Quadro 10).

1.3.6.3. A interação social na sala de aula e as experiências sociais

A interação social face a face desenvolvida na sala de aula e compatível com as necessidades de alunos e professores numa sociedade pós-moderna, em rede, exige deles a capacidade para dialogar em meio às suas experiências sociais construídas tanto no ambiente interno da escola como no externo. Ela se

137

fundamenta no diálogo capaz de mixar as condições sociais dos indivíduos (GOFFMAN, 2011) com os diversos percursos escolares. Neste sentido, Masetto (1997) considera relevante “relacionar os temas estudados com as vivências dos alunos” (p. 57) a fim de que a atuação do professor possa favorecer a interação social na sala de aula com trabalhos em equipe, participação e criatividade.

Quadro 10 – Conexões entre concepção de ser humano e projeto educativo. Ser humano

Projeto educativo

Quem é:

Como se manifesta:

Que é:

Como se manifesta:

Possui, pela sua natureza biológica, capacidade para:

Evidencia sua existência, dentre outros, ao:

Possui a função de contribuir para o desenvolvimento integral do ser humano, pois promove a articulação entre informação e formação (VASCONCELOS, 2011a), podendo abranger:

Evidencia sua função quando o processo educacional, dentre outros, articula conteúdos:

Raciocinar

Conhecer

A ecologia dos saberes (SANTOS, 2004, 2007).

Conceituais

Fazer

A educação em valores (MARIA PUIG, 2007).

Procedimentais

Querer conhecerfazer

O equilíbrio entre razão e emoção (CASASSUS, 2009).

Atitudinais

Agir Emocionar-se

Fonte: elaboração do autor, com base em Vasconcelos, 2012.

Na verdade, relevantes são as vivências de alunos e de professores. Redefinidas na interação social, elas são ricas de desafios, mas também de alegria, satisfação e convivência profícua (MASETTO, 1997, 2012). Por relacionar componentes internos e externos à sala de aula, favorecem a compreensão e a colaboração, componentes necessários numa escola agradável à aprendizagem e acolhedora, capaz de considerar o intelectual e o emocional (MORAIS, 2008). Como ensina Freire (1987), na educação autêntica, educandos e educador são mediatizados pelo mundo, que os impressiona e os desafia para gerar, em seguida, pontos de vista a respeito dele no espaço pedagógico construído com alegria e esperança.

138

Na sala de aula da universidade, por exemplo, a interação redefine experiências sociais em momentos decisivos: 1) no ingresso dos estudantes na instituição, quando vivem rupturas; na permanência na instituição, quando buscam conciliar trabalho com estudos, quando se ressentem da ausência de informações ou quando se dispersam; no final de curso, quando já vislumbram o mundo do trabalho; 2) na atuação didático-pedagógica do professor, quando este busca conhecer, ensinar e exercitar a dimensão política da docência. Assim, essas experiências sociais constituem a matéria-prima por meio da qual se pode visualizar a interação social na sala de aula. Esta pode ser identificada por meio da análise das lógicas da integração, estratégia e subjetivação (DUBET, 1994). Na relação face a face, alunos e professores constroem maneiras próprias de internalizar valores, reconhecendo diferenças. Buscam concretizar interesses, podendo articular o saber, o como fazer e o querer conhecer-fazer num contexto de mútua influência. Empenham-se com os modelos culturais estruturantes das relações sociais. De maneira que essa interação envolve os modos pelos quais alunos e professores internalizam valores que configuram as experiências sociais construídas na sala de aula, mas impactadas pela enorme quantidade de informações e estímulos que circulam na sociedade em rede (CASTELLS, 2008). Envolve interesses através dos quais eles se mobilizam, em cada encontro, na luta pelo reconhecimento e expressão de subjetividades.

1.3.7. Síntese

No Brasil, o perfil do jovem universitário pode ser representado por uma estudante de instituição privada, desde os 19 anos de idade, em curso presencial noturno de bacharelado (BRASIL, 2012c). Por vezes, o universitário é percebido por professores como mimado, indisciplinado, preguiçoso, imaturo, falante, dependente, que não lê, escreve mal, com valores frágeis, estuda pouco, não se esforça (ROGGERO, 2007). Após ingressar na educação superior, pois conseguiu concluir o ensino médio, ser aprovado em processo seletivo (BRASIL, 1996) e superar barreiras estruturais (BRASIL, 1996, 2009a, 2009b), o estudante brasileiro passa a vivenciar,

139

a exemplo de seus colegas, os jovens universitários franceses, os dramas da sobrevivência na instituição, presenciando o rompimento psicopedagógico, o anonimato (COULON, 2008). Presenciando as dificuldades de conciliar trabalho profissional com estudos, barreiras materiais e simbólicas da interação social e consequências da frágil formação no ensino fundamental e médio (CARRANO, 2002). Já o professor universitário brasileiro pode ser representado por um indivíduo do sexo masculino e, caso trabalhe numa instituição pública, tem 45 anos, é doutor e trabalha em tempo integral. Caso trabalhe numa instituição privada, tem 33 anos, é mestre e horista (BRASIL, 2012c). Por exigência legal, à qual se obriga a cumprir, ele participa da elaboração da proposta pedagógica, elabora e cumpre plano de trabalho, zela pela aprendizagem dos estudantes, busca a recuperação daqueles com menor rendimento escolar, desenvolve tarefas relacionadas com as funções básicas da universidade (ensino, pesquisa e extensão) (BRASIL, 1996). Por exigência do ofício, que a ele se impõe, compreende que o ensino articula os

aspectos

cognitivos,

o

desenvolvimento

de

competências/habilidades

profissionais e o comprometimento com a cidadania (VASCONCELOS, 2011a; MASETTO, 2012). Compreende que o ensino na universidade espalha-se pelos diversos âmbitos, convertendo-se em educação mediante processos pedagógicos (MENDES, 1974). Que ser profissional é saber aprender (DEMO, 2009) e que a atividade de pesquisa implica o debate de questões atualizadas (DEMO, 2010). Portanto, no seu dia a dia, o professor universitário desafia-se a dominar determinados conteúdos, algumas estratégias pedagógicas e a exercitar a dimensão política da docência universitária (MASETTO, 2012). Obriga-se a dialogar. Tal obrigação contextualiza-se diante dos processos de desinstitucionalização da universidade, concebidos ora como mutação (DUBET, 1994), ora como crise (SANTOS, 2005). Envolvida em crises e contradições, a universidade concretiza sua vocação de produzir conhecimentos direcionados a determinados públicos no exercício de seu poder de escolha dos modos de produzir estes conhecimentos. À crise institucional juntam-se as crises de hegemonia e de legitimidade, um sinal de que a universidade precisa construir diálogos favoráveis a um permanente renovarse.

140

Neste sentido, o diálogo do qual precisa a universidade para se renovar envolve a finalidade da educação superior de articular os diversos saberes (SÍVERES, 2006). A universidade articula-se com as escolas da educação básica nos variados aspectos do processo educacional e busca tornar indissociáveis o ensino, a pesquisa e a extensão. Ela é pluridisciplinar (BRASIL, 1996). Ela é lugar do diálogo (MENDES, 1968). Por isto, sendo os jovens em geral sinônimos de curiosidade, indagação e articulação, a eles deve-se atribuir o direito de inserir no diálogo o que têm de novidade. No compasso dos diálogos estabelecidos com os estudantes, consolida-se a interação social. Uma interação social que, sendo desenvolvida na sala de aula, caracteriza diálogos face a face. Aqui os indivíduos marcam posicionamentos à base de situações que eles projetam uns diante dos outros, tendo por garantido um tratamento entre eles que lhes pareça e, efetivamente, seja adequado (GOFFMAN, 2011, 2012). Para ser compatível com as necessidades de estudantes e professores da sociedade pós-moderna, a interação social do tipo face a face (THOMPSON, 1998) exige deles próprios, bem como das instituições envolvidas no fazer educativo, capacidade para dialogar. Esta interação considera as experiências sociais de uns e de outros, que dialogam entre si, sejam estas experiências internas ou externas ao ambiente escolar. Desse modo, num jogo dialético, as experiências sociais são redefinidas pelas interações sociais, no dia a dia da sala de aula, envolvendo os processos de construção de identidades. Experiências sociais que podem (ou não) interagir, conforme apresentações da seção seguinte.

1.4. INTERAÇÃO ENTRE JOVENS ESTUDANTES E PROFESSORES O mundo, na verdade, é uma reunião (GOFFMAN, 2011, p. 41).

1.4.1. Introdução

Neste trabalho, entende-se por interação das experiências sociais toda e qualquer aproximação entre condutas individuais ou coletivas que, por se objetivarem em sistemas relativamente autônomos, são passíveis de análise, e que

141

mostra algum sequenciamento, sendo viabilizada por meio da inter-relação de valores, interesses e representações culturais que mobilizam os envolvidos na construção dessas condutas. Os aspectos alusivos a tal interação, no domínio das experiências sociais de jovens estudantes e professores52, apresentam maior visibilidade nos processos de construção de identidades, bem como nos processos por meio dos quais se vinculam as lógicas de ação e os sistemas. Assim, tais processos são identificáveis em situações concretas, vivenciadas pelos indivíduos, seja no ambiente da sala de aula ou fora dele, como, por exemplo, na participação em projetos de pesquisa e extensão. No entanto, entende-se que o ambiente da sala de aula representa lugar privilegiado para a intermediação entre educando e educador, constituindo, portanto, ricas oportunidades para identificar aspectos daquela interação. Considerando

estes

entendimentos,

esta

seção

apresenta

algumas

experiências sociais de jovens estudantes e professores universitários, com base em diversas pesquisas, para, em seguida, realizar um exercício de análise das interações entre elas. Antes, cabe deixar claro o que se compreende por identidade social, um assunto já mencionado ao longo deste trabalho.

1.4.2. Identidade social: para uma melhor compreensão

A ideia de identidade, considerada neste trabalho, afasta-se da noção de sujeito do Iluminismo, cuja identidade terá sido representada pela ideia de indivíduo único, autônomo e autossuficiente, idêntico a si; para aproximar-se do sujeito sociológico, cuja identidade é representada pelo indivíduo relacional, interativo, que medeia valores e sentidos; para aproximar-se, também, do sujeito histórico, criador de sua própria narrativa de vida, na multiplicidade de sistemas culturais (HALL, Stuart, 2011). No nível explícito, identidade social é a ação do indivíduo que interage com os outros ao lançar mão de valores e sentidos, em meio a diversos sistemas culturais. No nível implícito é o autoconceito construído pelo indivíduo com base nos status sociais ocupados por ele (JOHNSON, 1997).

52

Ver Glossário, termos experiências sociais do jovem universitário e experiências sociais do professor universitário.

142

A identidade aqui é tida como celebração flexível, compatível com o momento histórico atual, fluido (BAUMAN, 2001), em que as identidades dos indivíduos são fragmentadas e contraditórias (HALL, Stuart, 2011). É construída no ir e vir dialético mantido com as instituições, que terminam por delineá-las (GIDDENS, 2002). Tal identidade, aqui considerada, configura-se no decorrer da construção de experiências sociais, portanto, a partir da utilização de lógicas de ação pelos indivíduos. No balanceamento destas lógicas, constroem-se as experiências sociais, que, ao serem fixadas pelos indivíduos, constituem-se em percurso biográfico que pode ser comparado a uma identidade. Assim, cada uma das identidades, integrativa, estratégica ou subjetiva, pode assumir função relevante nesse percurso biográfico. Algumas situações podem ser tomadas como exemplo. A propósito da identidade de adolescentes, Gomes (2012) chama a atenção para o fato de que o adolescente pode ser percebido como capaz de conquistar sua identidade como um sujeito que se insere no contexto histórico-social e cultural. A propósito da identidade dos jovens, torna-se mais interessante (e coerente) falar em juventudes, e não juventude, pois este conjunto social, se considerados os múltiplos pontos de vista, constitui-se de indivíduos que experimentam inúmeras e novas situações num processo contínuo de elaboração de identidades (PAIS, 2003). Assim, considerar o contexto histórico-social e cultural significa, no caso dos jovens, compreender que, neste século XXI, eles constroem sua identidade vivenciando uma adultez emergente (ARNETT, 2004), prolongando a passagem para a vida adulta. Significa compreender que a identidade grupal dos jovens revelase, inclusive, por exemplo, no vestuário, nas éticas de consumo, no gosto por teatro e linguagens (PAIS, 2003). No âmbito das relações estabelecidas por alunos e professores entre si, aproximar-se do sujeito sociológico e do sujeito histórico, visando a lidar com o tema da identidade social, significa compreender que o aplainamento do tempo, e foco no presente, contribui para o desinteresse de alunos quanto ao passado, fazendo com que eles busquem se adaptar ao recipiente da modernidade líquida (TENTI FANFANI, 2012; BAUMAN, 2001, 2007). Significa apreender que, no ethos da escola, existe um hiato entre subjetividade e conteúdos culturais (TIRAMONTI, 2012). Além disso, significa compreender que a escola se encontra vulnerável diante

143

dos anseios e capacidades dos alunos jovens, tanto com relação a valores quanto com relação à educação para o trabalho (SPOSITO, 2009). Implica em apreender que há um distanciamento entre jovens e professores no plano do uso de tecnologias (BRASIL, 2012b). Por fim, entender que há uma crise de sentido da escola para os jovens estudantes (LEÃO, 2012). Especificamente quanto aos professores, as identidades têm sido construídas no exercício da docência, na interação com estudantes e colegas de trabalho. Especialmente na sala de aula, desenvolvem saberes, interesses e problematizam as diversas realidades (MASETTO, 2012) – com turmas numerosas, tornando mais complexo o intercâmbio de vivências valorativas. Portanto, a construção de identidades ocorre na prática, na experimentação (CALDAS; GOMES, 2012; LÜDKE; BOING, 2012). Desse modo, e como vem sendo posto ao longo do presente trabalho, identidade social se expressa na ação do indivíduo que interage com os outros ao lançar mão de valores e sentidos, em meio a diversos sistemas. Efetivamente, sistemas de integração, competição e cultural. Desse modo, tal identidade caracteriza-se pela fragmentação e contraditoriedade, ora predominando valores que se constituem numa herança cultural, ora interesses que sofrem os constrangimentos de uma intencionalidade racional ou ainda representações culturais, que têm limite na capacidade de crítica dos indivíduos (DUBET, 1994).

1.4.3. Experiências sociais de jovens estudantes

As experiências sociais de jovens estudantes são passíveis de apresentação, tendo-se como referência situações vivenciadas externa e internamente ao espaço da universidade, os processos de construção de identidades, bem como as vinculações entre experiências sociais e sistemas nos quais estas são construídas. São vivências e experiências sociais que podem situar-se nos diversos âmbitos, como o mundo do trabalho, a cidadania, o lazer, a violência escolar e as tecnologias.

1.4.3.1. Experiências sociais relacionadas com o mundo do trabalho

144

Conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os seres humanos devem ser reconhecidos como capazes para usufruir direitos e liberdades, independentemente da espécie, raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (UNESCO, 1998). Citem-se dois direitos: o direito ao trabalho e o direito à educação. No entanto, ainda distante dos valores proclamados, a prática tem evidenciado que as experiências sociais de jovens relacionadas com o mundo do trabalho conectam-se, dentre outros aspectos, com o problema da precarização e com a condição educacional. Dados oficiais brasileiros informam, com relação aos rendimentos da população brasileira em 2011, que, entre os adolescentes e os jovens trabalhadores com idade de 16 a 24 anos, 17,0% deles tinham rendimentos de até meio SM e 54,3% tinham rendimentos superiores a um SM, sendo que, destes, somente 13,1% possuíam rendimentos superiores a dois SM. Como se constata, um percentual significativo destes jovens possuía rendimento inferior ao piso salarial estabelecido em lei (BRASIL, 2012f), o que patenteia a precarização e a informalidade do trabalho. Com relação ao trabalho formal e informal, os dados evidenciam que, apesar do aumento da formalidade entre os jovens com idade a partir de 16 anos no período de 2001 a 2011 (45,3% para 56,0%), ainda são 44,2 milhões de brasileiros a trabalhar na informalidade. Um quarto dos jovens brasileiros com idade entre 15 e 24 anos possui jornada de trabalho semanal acima de 45 horas. Ao buscarem o primeiro emprego, sob a alegação dos empregadores de não terem vivenciado o mundo do trabalho, obrigam-se a aceitar postos sem carteira de trabalho assinada e a se ocupar de atividades com pouca perspectiva de formalização, bem como a assumir jornada de trabalho além das oito horas previstas na legislação (BRASIL, 2012f). Quanto à condição educacional, os números daquele período explicitam uma tendência à redução da quantidade de jovens com idade entre 15 e 24 anos que estudam e trabalham (de 18,0% para 15,0%). Cabe observar que os jovens egressos desta condição não aumentaram fileiras dos que não estudam nem trabalham, e sim se distribuíram entre os que só estudam (de 29,9% para 30,9%) e os que só trabalham (32,0% para 34,6%) (ver Gráf. 1).

145

Gráfico 1 – Estudo e trabalho, brasileiros, 15-24 anos, 2011 (%). 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

32,0

29,9 30,9 18,7

34,6

19,4 19,0 15,5

Só estudam

Estudam e trabalham

2001 2011

Só trabalham Nem estudam nem trabalham

Fonte: elaboração do autor, com base em Brasil, 2012f. Estudos anteriores a essas quantificações já continham análises relacionadas com a precarização do trabalho. As interconexões nos âmbitos da educação e trabalho foram estudadas por Sposito (2009) quando esta autora compilou resultados de pesquisas brasileiras realizadas em nível de pós-graduação. Seus estudos contribuíram para tornar claros os contornos das experiências sociais de jovens relacionadas com a inserção no mundo do trabalho e com os cuidados contra a precarização. Apesar dos diversos programas de qualificação profissional para incluir adolescentes e jovens no mundo do trabalho, no Brasil esses programas são plenamente bem sucedidos se forem direcionados para trabalhos temporários e, em geral, se ocorrerem à base do personalismo (depende das pessoas e dos grupos). As análises evidenciaram também o trabalho de crianças e adolescentes em total descumprimento das normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), o que, para os pesquisadores, pode estar relacionado com a ideia generalizada de trabalho como meio para disciplinar as crianças e os adolescentes pobres e, assim, afastá-los dos perigos da rua. Possivelmente estas situações vivenciadas pelos jovens relacionadas ao mundo do trabalho interferem nas experiências sociais no ambiente universitário. Por exemplo, referenciam definições e percepções dos estudantes a respeito de um possível perfil profissional. Ao realizar pesquisa com 53 universitários brasileiros, concluintes de diversos cursos, Gondim (2002) constatou que eles passam por

146

dificuldades para mencionar habilidades requeridas pelo mundo do trabalho, o que se restringe a uma descrição fragmentada e isolada. Os próprios universitários não conseguiram informar a respeito de habilidades e competências a serem desenvolvidas ou aprimoradas durante o curso, tendo recorrido a informações veiculadas pelos meios de comunicação para visualizar um perfil. Além disso, eles não foram claros quanto ao papel profissional a ser desempenhado nas atividades de trabalho, que cada vez mais exige dos trabalhadores capacidade de conviver com a diversidade. Para Gondim (2002), há necessidade de se estabelecerem mais diálogos intrauniversidade com o intuito de discutir alternativas para integrar a formação científica com a profissional, bem como reavaliar intersecções e limites profissionais entre as diversas áreas (em geral, isoladas entre si). Outro exemplo de interferência nas experiências sociais no ambiente universitário, desta feita situado em Portugal, pode ser evidenciado nos resultados de pesquisa alcançados por Pais (2005). Ao estudar as relações entre educação e trabalho no domínio da educação superior, o autor identificou aspectos que contribuem para a ideia de profissionalização como solução do desemprego – comum entre a maioria dos jovens universitários, dentre outros conjuntos sociais. O autor explica que, apesar das altas expectativas de mobilidade social em face da massificação do ensino e da generalização dos estudos universitários, os jovens têm se frustrado por não poderem desfrutar de status sociolaboral correspondente aos títulos acadêmicos obtidos. Acrescenta o autor que tais vivências abatem profecias como falta formação profissional aos jovens e a escola não prepara adequadamente os jovens para o mundo do trabalho53. Na verdade, finaliza o autor, estas profecias possivelmente até geram ideologias que fundam leis em torno da panaceia da profissionalização do sistema educacional que não oferece solução para sérios males. O que leva o autor a indagar: não haveria seleção social a impulsionar a problemática? Com efeito, analise-se o problema do abandono escolar e do seu principal fator de risco, a baixa renda familiar, e será constatado o quanto permanecem insuficientes ações de

53

Observe-se que esse estudo foi realizado antes da crise iniciada na Europa em 2008, a partir do que as taxas de desemprego entre os jovens europeus chegaram a altíssimos níveis, apesar dos títulos acadêmicos obtidos pela imensa população desempregada.

147

profissionalização como alternativa para solucionar o problema do desemprego juvenil. Estas vivências, definições, percepções, expectativas e frustrações se entrelaçam com os processos de construção de identidades dos jovens no ambiente universitário, podendo ser analisadas e explicadas à luz da sociologia da experiência (DUBET, 1994). Da perspectiva da lógica da integração, que revela a construção da identidade na medida da internalização de valores institucionalizados e no desempenho de papéis, parece evidente que o jovem universitário submetido a precárias condições de trabalho e à necessidade de trabalhar enquanto estuda (ajuda em casa ou se mantém, ou ambos) constrói sua identidade enquanto aprende a conviver com outros jovens. Estes, às vezes, nem são universitários. Eles ocupam postos de trabalho, formais, que remuneram com salários compatíveis com as atribuições (um trabalho digno). Nesta convivência, o jovem universitário se compara. Ao comparar-se, identifica elementos que podem contribuir para construir sua identidade. Da perspectiva da lógica da estratégia, na qual o indivíduo constrói sua identidade influenciando pessoas com quem se relaciona, o jovem universitário passa a compor sua identidade na dinâmica de concorrência envolvida nos diversos interesses. Como num jogo já regulado. Submetendo-se à precarização do trabalho, enquanto segue com sua formação, o jovem faz desta submissão um recurso para se relacionar, competindo, fazendo alianças e resolvendo conflitos. Sem escapar às condições e às necessidades antes mencionadas, parece evidente que o jovem universitário constrói sua identidade na luta para ficar de fora desse circuito de vivências. No entanto, ao se submeter ao trabalho precário durante sua formação, o jovem universitário não reduz sua ação ao desempenho de papéis ou à concretização de interesses. Ele faz críticas cognitiva e normativa da situação vivida e, na medida em que adere à representação de modelos culturais, revela-se como sujeito construído historicamente pela cultura. Neste caso, sua ação fundamenta-se na lógica da subjetivação. Apesar de terem relativa autonomia na construção dessas identidades, construídas com as experiências sociais, jovens universitários não têm ascendência sobre as lógicas subjacentes a tal construção (DUBET, 1994). Ocorre à maneira

148

como explica Stuart Hall (2011), para quem as identidades dos indivíduos da pósmodernidade são construídas por eles próprios, como narrativas de vida, nos múltiplos sistemas culturais. São contraditórias, multiplicam-se e direcionam a ação dos indivíduos para diversos sentidos dentro dos diversos sistemas. Como essas lógicas de ação se inscrevem nos sistemas (de integração, de interdependência e de ação histórico) nos quais os jovens estão inseridos, estes alimentam a expectativa de ocupar um posto de trabalho após a profissionalização ou alimentam a expectativa de melhorar sua situação sociolaboral após obter certificação da universidade. No entanto, tais jovens vivenciam um abandono, um engodo, caso estas expectativas não se efetivem. Portanto, estão envolvidos aspectos para além da racionalidade presentes nas decisões que tomam. Este seria o lugar onde a experiência social se vincula com o sistema de integração, cuja base está na socialização entre condutas e condições objetivas, em meio a expectativas, ambições e códigos (DUBET, 1994). Para diversos universitários jovens, relevante é se formar para o trabalho – oportuno lembrar o art. 7º da Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI a respeito da cooperação com o mundo do trabalho (UNESCO, 1999) –, apesar da dificuldade de alguns para se informar a respeito das habilidades e competências fundamentais do curso, o que resulta na formação de opiniões mais pelo que dizem as mídias e menos pelo que orienta a instituição (GONDIM, 2002). A vinculação das experiências sociais relacionadas ao mundo do trabalho com o sistema (processo educacional, universidade, cidade, país) ocorre no momento em que os jovens universitários herdam a cultura já implantada na universidade, a qual postula que eles precisam se formar para o mundo do trabalho, favorecendo a formação de esquemas corporais que passam a ser deles, embora tais esquemas não tenham sido gerados por eles. Ocorre também porque eles herdam normas e modelos relacionados a esta cultura – o que torna visível a correlação entre condutas e posições sociais –, resultando em comportamentos e atitudes. Como tais comportamentos e atitudes ocorrem nas relações mútuas estabelecidas entre si pelas ações individuais, a vinculação das experiências sociais relacionadas ao mundo do trabalho com o sistema de interdependência ocorre quando os jovens entram no jogo da concorrência, buscando oportunidades sob o

149

domínio de regras constituídas. Diferentemente do que se verifica no sistema de integração, as situações e as ações vinculam-se por intermédio das escolhas ligadas a estas situações. Quanto à vinculação com o sistema de ação histórico, à ausência de diálogo nas situações em que os estudantes desconhecem o papel a desempenhar após sua formação, eles vivenciam constrangimentos relacionados à conquista de sua autonomia. Como esta vinculação se situa na dialética entre os valores do ator e os valores absorvidos previamente, quando buscam os jovens um poder de decisão o fazem com críticas à priorização da universidade para a formação focalizada no trabalho, mas paralelamente se mantêm vinculados a condutas preocupadas com o mundo do trabalho.

1.4.3.2. Experiências sociais relacionadas com a cidadania

Outro direito fundamental estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos refere-se à garantia dos seres humanos de terem nível de vida que assegure saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, bem como ter segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em caso de perda dos meios de subsistência (UNESCO, 1998). Na verdade, vários direitos à cidadania estão implicados, estabelecidos também em constituições de diversos países. Entre os brasileiros, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estatui em seu art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Apesar desta determinação na Lei Maior do país, bem como obrigações em outros dispositivos legais e normativos, como resoluções e pareceres, tem-se verificado na prática a violação de direitos. Tome-se como exemplo a distribuição percentual de brasileiros por quintos do rendimento mensal familiar per capita. Em 2011, faziam parte de famílias com o menor poder aquisitivo (aqueles entre os dois

150

primeiros quintos da distribuição) 60,8% das pessoas com até 14 anos de idade e 43,5% das pessoas de 15 a 24 anos de idade (ver Gráf. 2). Gráfico 2 – Situação dos brasileiros, até 24 anos, conforme os quintos do rendimento mensal familiar per capita, 2011 (%).

9,8 12,2 17,2 25,7 35,1

15,7

5. quinto

20,9

4. quinto

19,9

3. quinto

21,9

2. quinto 1. quinto

21,6

0 a 14 anos

15 a 24 anos

Fonte: elaboração do autor, com base em Brasil, 2012f.

Outro exemplo de violação dos direitos humanos refere-se à saúde e à violência. No Brasil, as causas externas (acidentais, como morte no trânsito ou quedas fatais; violentas, como homicídios ou suicídios) têm se constituído na principal causa de morte das pessoas com menos de 30 anos de idade. Só quanto às pessoas com idade entre 10 e 19 anos, bem como às de 20 a 29 anos de idade, estas causas representaram cerca de 70,0% dos óbitos em 2009 (ver Gráf. 3). Gráfico 3 – Óbitos por causas externas, brasileiros, até 29 anos, por grupos de idade e sexo, 2009 (%). 80 70 60 50 40 30 20 10 0

68,1%

70,8%

45,1% 35,7% 23,2% 2,5% 0 a 29 Menor 1 a 4 anos de 1 ano anos

5a9 anos

10 a 19 20 a 29 anos anos

Fonte: elaboração do autor, com base em Brasil, 2012f.

151

Ao se cruzarem dados da saúde com os da violência, a vitimização de jovens brasileiros por causas externas tem endereço certo: sexo masculino, de 15 a 24 anos, moradores de áreas urbanas, com baixo rendimento e afrodescendentes – muito envolvendo o comércio ilegal de armas e a transnacionalização do crime organizado (GOMES; LIMA; VASCONCELOS, 2013). Num país como o Brasil, com taxa de homicídios de jovens ao redor dos 50,0% (sexto lugar dentre 83 países selecionados) (RAMOS, 2011), este cenário leva a pensar nas interferências sofridas por crianças no convívio da família e escola e, no caso de jovens, também no convívio do trabalho54. Com respeito ao direito à educação, por sua vez, os números também têm denunciado violação dos direitos universais do ser humano. Por exemplo, em 2007, apenas 20,7% de jovens brasileiros com idade entre 18 e 29 anos frequentavam a educação superior (inclusive mestrado e doutorado) (CORBUCCI et al., 2009). Em 2011, eram de 38,0% e 37,0% as taxas de abandono escolar entre os jovens de 18 a 24 anos de idade (homens e mulheres, respectivamente). Na comparação com alguns países europeus, o Brasil ainda possui taxa média de abandono escolar precoce quase três vezes maior (ver Gráf. 4). Tal abandono, nessa faixa etária que vai dos 18 aos 24 anos, evidencia a enorme desigualdade social se os dados relativos ao abandono escolar forem cruzados com os relativos ao rendimento familiar per capita. As análises das taxas de abandono escolar de jovens nesse período de vida, registrado em 2011, evidenciam o abandono precoce para além dos 50,0% de jovens pertencentes ao quinto do rendimento familiar per capita mais pobre da população brasileira contra apenas 9,6% de jovens pertencentes ao quinto mais rico (BRASIL, 2012f). Certamente, isto sombreia o fato positivo de ter havido aumento na média de anos de estudo dos jovens naquela faixa etária no período de 2001 a 2011 (que passou de 7,9% para 9,6%) (ver Gráf. 5). Se os adolescentes e os jovens propriamente ditos têm a centralidade de suas vidas no seio da família de origem, com a configuração das vivências relacionadas ao estudo, ao trabalho e à diversão de acordo com as desigualdades

54

Acrescente-se a esta informação o fato de que o Brasil é “o segundo país do mundo, em números absolutos, em homicídios de brasileiros com até 19 anos. [Na frente do país], apenas a Nigéria, vítima de guerra civil” (ALEXANDRE GARCIA..., 2014).

152

de idade, gênero e classe (ABRAMO, 2011), firma-se como relevante a investigação científica das experiências sociais de brasileiros que têm idade de zero a 24 anos e que pertencem aos 40,0% das famílias mais pobres no país (BRASIL, 2012f). Gráfico 4 – Abandono escolar, europeus e brasileiros, 18-24 anos, por sexo, 2011 (%).

12 11

Alemanha Áustria

9

8

Bélgica

15

10

BRASIL 12

Bulgária Chipre

8

Dinamarca Eslováquia

5

5

Eslovênia

14 15

12

7

6

3

Espanha Estônia Finlândia

11

8

14

França

10

Grécia

10 12 10 13

Hungria Irlanda

9

16

Homens

Islândia

22

17

Itália Letônia

Mulheres

21

15 16

8 11

5

Luxemburgo

31

22

13

9

Lituânia

38

27

6

8 39

Malta

28

Noruega

20

13

Paises Baixos Polônia

11

7 7

4

Portugal

28

18 16

Reino Unido República Tcheca

4

14

5

19

Romênia Suécia

5

Suíça

6 0

5

17

8 7 10

15

20

25

30

35

Fonte: elaboração do autor, com base em Eurostat, 2012b.

40

45

153

Gráfico 5 – Média de anos de estudo, brasileiros, 18-24 anos, segundo os quintos do rendimento mensal familiar per capita, 2001 e 2011.

11,7 10,3 9,6

9,4 8,6

7,9

7,7

10,7

9,0

7,6 2001

6,2

2011

5,3

Total

1º quinto

2º quinto

3º quinto

4º quinto

5º quinto

Fonte: elaboração do autor, com base em Brasil, 2012f.

Ainda com relação ao direito à educação, confunde-se a opinião da família, inclusive, no que tange ao papel da escola como instância favorável à formação para a cidadania. Por exemplo, já existe intenção por parte de escolas localizadas em Brasília, a capital brasileira, de preparar crianças a partir do primeiro ano letivo do ensino fundamental para ingressar no serviço público (TEMÓTEO, 2012). Independentemente de algumas controvérsias – o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê para os pais a prioridade de escolher o gênero de instrução a ser ministrada aos filhos (UNESCO, 1998) – num país com elevadas taxas de abandono escolar, como é o caso do Brasil, parece temeroso à formação cidadã priorizar conteúdos para o mundo do trabalho, na tenra idade, sem garantir a concretização do currículo mínimo exigido às escolas pelo Ministério da Educação (o que, sozinho, já não finaliza a educação, a qual não se reduz à escola formal). Razoável é afirmar que tal priorização pode aumentar a distância entre as disciplinas e os conceitos de cidadania, podendo comprometer a formação cidadã do jovem no presente e logo ali à frente, no tempo, na universidade, na medida em que, nesta, ele ingressa já estimulado desde a infância para uma só direção: o mundo do trabalho.

154

Em escala mundial, exemplos evidenciam, entre os jovens, certo mal-estar relacionado à cidadania. Recentemente, jovens deflagraram a chamada Revolução dos Pinguins, a intitulada Primavera Árabe, o movimento Ocupa Wall Street e as revoltas em periferias londrinas. Em comum, estes movimentos tiveram além do apelo às chamadas redes sociais virtuais, a vontade de promover mudanças – apesar das explicações histórico-culturais e julgamentos que os definem como promotores de quebraquebra, de turbulência, de vandalismo. No Brasil, citem-se alguns exemplos desse mal-estar, recentes e atuais na história brasileira. Pode ser citado o movimento estudantil que ficou conhecido como Caras Pintadas, envolvido no impeachment de um presidente da República. A chamada Marcha Contra a Corrupção, que movimentou milhares de pessoas em diversos locais, num feriado de sete de setembro (data da comemoração da independência do país). Pode ser citado também o chamado Passe livre, a favor do fim da cobrança de taxas de ônibus para estudantes, e que deflagrou a onda de manifestações no país pelo fim da corrupção e pela melhoria dos serviços públicos em áreas como saúde, educação e segurança55. Nestas vivências, os jovens universitários constroem identidades, o intrincado manejo de experiências sociais. Inúmeros deles vivenciam situações relacionadas ao estudo, ao trabalho e ao lazer, desenhadas em meio a desigualdades de idade, gênero e classe (ABRAMO, 2011). No entanto, diversos colegas e professores com os quais eles se relacionam não necessariamente vivenciam tais desigualdades. Então, parece evidente que a construção de identidades segundo a lógica da integração – na qual o limite da ação do indivíduo relaciona-se a uma herança cultural – ocorre em meio à dúvida, podendo se desenvolver um processo de internalização de valores em que a maioria dos jovens se consideraria naturalmente incapaz para reverter o quadro de desigualdade.

55

Podem ser incluídas as manifestações populares ocorridas em junho de 2014, em algumas capitais brasileiras, movidas pelo descontentamento com a educação, saúde, segurança, dentre outras alegações.

155

E, como os jovens encontram as regras do jogo prontas (jovens de diversas origens sociais competem para concretizar interesses, em que vale quase tudo para alcançá-los), parece que eles constroem sua identidade, à vista da lógica da estratégia – na qual o limite da ação do indivíduo relaciona-se com uma intencionalidade racional –, em meio à ideia de autossuperação, não estando descartada a possibilidade de recorrer a situações ilícitas para atingir objetivos. Mas o contrário também pode ocorrer, ou seja, após se superar, apresenta-se como oportunidade aos colegas para mudar as regras do jogo. Entretanto, como muitos jovens têm evidenciado altos níveis de insatisfação com a questão cidadã (revoluções e manifestações têm surgido em várias partes do mundo), sua identidade, a partir da lógica da subjetivação – na qual o limite da ação ocorre em função da capacidade de crítica cognitiva ou normativa –, parece ser construída na busca de um modelo ideal de cidadão, de ser humano. Os processos de socialização que vinculam experiências sociais desses tipos ao sistema de integração traduzem-se na esperança dos estudantes de que as instituições de educação superior eduquem para que eles se tornem, cada vez mais, cidadãs e cidadãos informados, motivados e capazes de pensar o mundo criticamente e de analisar os problemas da sociedade (conforme o art. 9º da Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI) (UNESCO, 1999). Muitos se socializam em meio à ameaça da evasão escolar; outros, com o olhar para uma só direção: o mundo do trabalho. Situando-se para além de processos racionais, portanto, limitando sua ação ao que herdou culturalmente, estudantes buscam compatibilizar condutas individuais às condições objetivas da instituição, socializando expectativas, desejos e máscaras (PAIS, 2008). Desse modo, ocorre a vinculação entre as experiências sociais e o sistema de integração no contexto das dificuldades para conciliar estudo e trabalho, dos desafios de pagar a mensalidade ou dos problemas para acompanhar o curso (geralmente os das camadas sociais menos aquinhoadas passam por uma frágil formação na educação básica). Além disso, os jovens buscam se superar no jogo dos constrangimentos entre a intencionalidade racional e as estratégias utilizadas, bem como no jogo das regras e coações do cotidiano da vida acadêmica.

156

Nesse aspecto, vinculam-se as experiências sociais ao sistema de interdependência em meio às dificuldades relacionadas à infraestrutura da universidade, à rigidez excessiva e a greves de professores, à assistência socioeducacional. Ou, ainda, envolvendo dificuldades referentes à vocação equivocada, à conciliação estudo/trabalho e até às dificuldades pessoais relacionadas ao casamento ou a outras obrigações sociais (PAREDES, 1994). Por fim, ao vivenciarem os processos de desinstitucionalização da universidade, os jovens procuram entrelaçar os valores desenvolvidos pelo processo educacional com os valores já adquiridos, na dialética que caracteriza o sistema de ação histórico (DUBET, 1994). A vinculação entre as experiências sociais e esse sistema poderá ocorrer devido a reivindicações dos estudantes à melhoria de condições da universidade, portanto, no exercício da crítica.

1.4.3.3. Outras experiências sociais: lazer, violência escolar e tecnologias

A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece o direito dos seres humanos “à vida, à liberdade e segurança pessoal” (art. 2º), ao “repouso e lazer...” (art. 24) e de “participar do processo científico e de seus benefícios” (art. 27) (UNESCO, 1998). Estes são direitos relevantes na construção de identidades e relações sociais dos jovens na medida em que, nos tempos livres e nos lazeres, eles elaboram e concretizam normas e manifestações culturais e modos de ser. À parte o cenário de escassez de dados e de indicadores relacionados ao tempo livre, lazer e cultura, a pesquisa Perfil da Juventude Brasileira (ABRAMO; BRANCO, 2011), já mencionada, destaca-se por fornecer informações expressivas relacionadas à ocupação de jovens brasileiros com idade entre 15 e 24 anos (ver Gráf. 6 e 7). Esta pesquisa também foi analisada por Brenner, Dayrell e Carrano (2011), cujos resultados são úteis para compreender as experiências sociais de jovens com relação ao lazer.

157

Gráfico 6 – Ocupação do tempo livre, brasileiros, 15-24 anos, fim de semana, 2003 (%). LAZER E ENTRETENIMENTO (sair com amigos, namorar, passear,…

45

ATIVIDADES DENTRO DE CASA (música, TV, descansar)

22

ATIVIDADES ESPORTIVAS (futebol, atletismo etc.)

18

VISITAR PARENTES/AMIGOS

6

ATIVIDADES RELIGIOSAS

5

ATIVIDADES CULTURAIS (leitura, cinema)

4 0

10

20

30

40

50

Fonte: elaboração do autor, com base em Brenner, Dayrell e Carrano (2011). Gráfico 7 – Ocupação do tempo livre, brasileiros, 15-24 anos, semana, 2003 (%)56.

ATIVIDADES DENTRO DE CASA…

59

LAZER E ENTRETENIMENTO (sair…

15

ATIVIDADES ESCOLARES

6

ATIVIDADES ESPORTIVAS (futebol,…

6

ATIVIDADES CULTURAIS

5

VISITAR PARENTES/AMIGOS

2

ATIVIDADES RELIGIOSAS

1

NÃO TEM HORA LIVRE/TRABALHA

1

NÃO FAZ NADA

2 0

50

100

Fonte: elaboração do autor, com base em Brenner, Dayrell e Carrano (2011). Ao analisar os dados da citada pesquisa, Brenner, Dayrell e Carrano (2011) destacam alguns resultados. Segundo respostas espontâneas dadas pelos jovens, o lazer e o entretenimento nos fins de semana estão presentes mais nas cidades de pequeno porte (52,0%), menos nas cidades de grande porte (36,0%). Jovens de 15

56

Apesar de totalizarem apenas 97,0%, os dados são confiáveis, sendo provenientes da pesquisa Perfil da Juventude Brasileira (ABRAMO; BRANCO, 2011).

158

a 17 anos de idade praticam mais esportes (23,0%) em comparação com os de 21 a 24 anos de idade (13,0%). Poucas mulheres com idade entre 15 e 24 anos praticam algum tipo de esporte em seu tempo livre (3,0%). Entre os homens, quanto mais idade, mais tempo dedicado ao lazer e entretenimento e menos às atividades esportivas. Entre as mulheres, quanto mais idade, mais tempo elas reservam para visitar parentes e amigos e menos tempo para lazer e entretenimento. Durante a semana, as mulheres ocupam menos tempo com o lazer e o entretenimento (13,0%) em comparação com os homens (17,0%). Cabe ressaltar que a mencionada pesquisa não traz informações com respeito ao uso de computadores pelos jovens como ocupação de tempo livre, tanto nos fins de semana como durante a semana, apesar de ser cada vez maior a tendência ao seu consumo não só por parte de jovens, como também por parte de adultos57. Noutra perspectiva de análise, mas de algum modo tangenciando esta questão do consumo de bens, Brenner, Dayrell e Carrano (2011) destacam que os jovens são atingidos pela estética das mercadorias, o que opera decisivamente na construção de subjetividades, tendo acesso a elas só se tiverem poder aquisitivo; a faixa de renda reduz o acesso aos bens e espaços culturais e perspectivas de viagens. Com relação à violência escolar, as vivências de jovens envolvem desde casos de trote realizados por estudantes até casos mais graves de violência psicológica e física contra professores (ALMEIDA JR; QUEDA, 2006), com ocorrências em várias partes do mundo, sendo, o primeiro tipo, uma violência sobre a qual parece haver certo descontrole. Em Portugal, a tradição do trote (a praxe) iniciou em Coimbra, tendo se expandido para Porto e Lisboa no início da década de 80. Desde 2008, autoridades portuguesas têm se preocupado em legislar a respeito do assunto (MOREIRA, 2012). Em 2014, o assunto esteve em alta nas mídias, em função de suspeita de morte de jovens universitários por causa de trote.

57

Cisco® Visual Networking Index (VNI) prevê que em 2017 haverá cerca de 3,6 bilhões de usuários de internet, o que corresponderia a mais de 48,0% da projeção demográfica mundial (7,6 bilhões). No Brasil, está previsto que naquele ano mais da metade da população (52,0%) terá acesso à internet (ESTUDO DA CISCO..., 2013).

159

No Brasil, também se registram diversos casos, envolvendo estudantes de universidades localizadas em todas as regiões. Não é diferente em países como os Estados Unidos da América (EUA). Preocupados em legislar sobre o assunto, alguns países são bem sucedidos, como na França, onde pesadas punições são aplicadas aos responsáveis por trotes e jornadas de integração entre novos estudantes e veteranos têm substituído práticas humilhantes e violentas (GOULART, 2011). Ou no Brasil, com casos de desligamento e suspensão de estudantes (CONSELHO UNIVERSITÁRIO ANALISA..., 2014). Além dos trotes, outras violências psicológicas e físicas que vitimam estudantes e professores foram definidas por Almeida Jr. e Queda (2006) como envolvendo não somente os âmbitos antropológico, psicológico e político, mas também o âmbito institucional. De acordo com os autores, estas violências implicam relações estudante-professor-instituição. De fato, como lembra Prieto Quezada (2011): Desde la educación primaria hasta niveles superiores, la violencia es una constante en la vida de los alumnos, y es identificada por los investigadores como un fenómeno multicausal que afecta su entorno educativo (...). Como resultado, entre los alumnos se producen sentimientos de inferioridad, depresión, timidez o angustia (PRIETO QUEZADA, p. 27-28).

Por sua vez, vivências de jovens relacionadas às tecnologias podem ser identificadas em estudos realizados por Sposito (2009). Segundo a autora, pesquisas desenvolvidas no Brasil concluem pela vulnerabilidade de jovens, com a apreensão de conteúdos por meio das mídias tecnológicas e a influência destas sobre aqueles. Com frequência, há um impacto em comportamentos, pois eles estão na fase mais intensa da construção de suas identidades. Ainda assim, constata-se alguma autonomia dos jovens. Dentre as velhas mídias, o uso da TV aparece combinado com o uso de outras tecnologias, evidenciando alta capacidade cognitiva por parte dos jovens. Dentre as mídias mais novas, como o computador, não se confirma a ideia a respeito dos jovens usuários de internet como indivíduos aficionados e viciados, pois simultaneamente, eles desenvolvem outras atividades de lazer e cultura. Por meio do internetês, os jovens combinam símbolos orais e escritos, o que, frequentemente, se torna uma linguagem-suporte de novas culturas e identidades, demonstrando o

160

aproveitamento das novas mídias como meio para ampliar possibilidades de reflexão a respeito de si e dos outros. Com efeito, ao analisar 11.000 mensagens de textos trocadas entre si por participantes de uma pesquisa, transmitidas por meio de telemóveis/telefones celulares, Tagg (2009) constatou que, por meio destes equipamentos, seus autores utilizam modos diferentes de linguagem para expressar emoções e atitudes, definindo relações, construindo identidades na informalidade, na concisão, no desvio. Conforme a autora, ao transmitir torpedos (mensagens transmitidas via telemóveis/telefones celulares) os participantes estariam a valer-se da criatividade, da manipulação da linguagem, num processo análogo à interação que emerge com a fala, podendo evidenciar efetivo diálogo entre os interlocutores. Tal criatividade, no âmbito da educação, parece contribuir para desenvolver o discurso falado de alunos, pois ocorre uma conexão entre língua e linguagem e, por consequência, mais conscientização das vivências, sendo razoável afirmar que transmitir e receber mensagens de texto podem se tornar parte do processo educacional. Observe-se que nessas vivências, relacionadas com o lazer, violência escolar e tecnologias, os jovens constroem suas identidades a partir da internalização de valores que vão se consagrando (pelo mercado, escolas ou mídias) em meio a mútuas influências (a exemplo dos trotes e das relações juventudes/mídias) e aos impactos sofridos em sua subjetividade (estética das mercadorias, ação institucional para debelar a violência e ação das mídias). Durante a elaboração de experiências sociais, que se inscrevem em sistemas, os jovens, numa espécie de sedução pelo prazer de consumir, pela violência do trote e pelas novas tecnologias, socializam comportamentos de acordo com as condições objetivas da universidade e tentam impor seus interesses no intercâmbio de valores. Assim, referenciando-se em experiências sociais elaboradas pelos jovens, conforme vivências relacionadas com o mundo do trabalho, cidadania, lazer, violência escolar e tecnologias, um resumo esquemático é apresentado a seguir, o qual explicita aspectos da construção de identidades e de vinculações causais (Quadro 11).

161

1.4.4. Experiências sociais de professores universitários

Análogo ao ocorrido entre os estudantes, experiências sociais de professores universitários se mostraram passíveis de apresentação. O espaço de análise foi o encontro entre vivências, dentro e fora da universidade, e processos de construção de identidades e/ou vinculações causais entre experiências e sistemas. Quadro 11 – Experiências sociais de jovens estudantes.

Trabalho: constrói identidade ao se comparar com colegas que não trabalham enquanto estudam. Cidadania: idem com relação às atividades de lazer. Pode internalizar a ideia de incapacidade natural para reverter situações de desigualdade. Lazer, violência escolar, tecnologias: as identidades são construídas com a internalização de valores institucionalizados, seja pelo mercado, escolas e mídias.

Trabalho: luta para sair do trabalho precário. Faz dessa luta um recurso para se relacionar, competindo, construindo alianças e resolvendo conflitos. Cidadania: se para ele a regra do jogo é se superar, pode construir identidade recorrendo a extremos (crime). Pode contribuir para a mudança de regras. Lazer, violência escolar, tecnologias: identidades construídas conforme as influências recebidas e emitidas com relação ao lazer, violência escolar (desde os trotes, por exemplo) e vulnerabilidade diante das mídias.

Continua.

Vinculações experiências sociaissistemas Sistema de integração Trabalho: a vinculação ocorre ao herdar a cultura já implantada na universidade da formação para o mundo do trabalho, resultando em esquemas corporais que passam a ser deles. Cidadania: na espera de uma ação institucional que o ajude na educação para a cidadania. Sentem a ameaça da evasão escolar. Possibilidades de olhar só para o mundo do trabalho. Dificuldades para conciliar estudos e trabalho, pagar a mensalidade e acompanhar o curso. Lazer, violência escolar, tecnologias: no gosto pelo consumo, brincadeiras e violência nos trotes, bem como no fascínio pelas novas tecnologias. Sistema de interdependência Trabalho: ao constatar oportunidades, a partir de regras dadas a eles. As situações e as ações vinculam-se por intermédio das escolhas concretizadas no contexto destas oportunidades. Cidadania: ocorre quando vivencia problemas de infraestrutura da universidade, de rigidez de professores, de assistência socioeducacional ou relacionados à escolha equivocada do curso e não concilia bem estudos com trabalho e a vida familiar com outros aspectos. Lazer, violência escolar, tecnologias: o tempo livre e o lazer, as violências psicológicas e físicas, bem como as influências das mídias sobre comportamentos constituem-se em espaços de interesses (individuais e coletivos), interferindo na vida acadêmica.

VC

Jogo

Estratégia

Identidade social

Socialização

Integração

L

162

Trabalho: como não tem sua identidade reduzida a papéis ou interesses, o jovem universitário se envolve nos modelos culturais, com dificuldades de expressar e ter sua subjetividade reconhecida. Cidadania: se não se apega a papéis desempenhados e a posições ocupadas na sociedade, pode construir sua identidade apelando para modelos de cidadão. Lazer, violência escolar, tecnologias: sujeitos à estética das mercadorias, à ação institucional para eliminar a violência escolar e à ação das mídias, o jovem sofre impacto em sua subjetividade.

Sistema de ação histórico Trabalho: à ausência de diálogo nas situações em que os estudantes desconhecem o papel a desempenhar após sua formação, eles vivenciam constrangimentos relacionados à conquista de sua autonomia. A vinculação causal se manifesta quando os jovens universitários, buscando poder de decisão, criticam a priorização da universidade para a formação voltada só para o mundo do trabalho, mas mantendo-se preocupados com a ocupação de postos. Cidadania: vivencia a desinstitucionalização da universidade, buscando entrelaçar valores construídos no dia a dia com os já adquiridos. A vinculação causal poderá ocorrer em manifestações reivindicatórias de melhoria dos sistemas educacionais. Lazer, violência escolar, tecnologias: em faixa etária crítica para construir autonomia, fica em dúvida quanto aos valores a seguir – se adota os adquiridos nas experiências de lazer, nas violências experimentadas e nas combinações de símbolos na universidade ou se adota os já assimilados antes de ingressar na educação superior.

Dialética

Subjetivação

Continuação do Quadro 11

Fonte: elaboração do autor. Legenda: L – Lógicas. VC – Vinculações causais. Assim, segue a apresentação dessas experiências nos âmbitos do trabalho, do desenvolvimento pessoal e profissional, da violência escolar e das tecnologias conforme identificado em estudos e pesquisas.

1.4.4.1. Experiências sociais relacionadas com o trabalho

No Brasil, a profissão docente delineia-se legalmente, como as demais, a partir do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que, na busca de garantias à igualdade das pessoas perante a lei, estabelece a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ressalvado que o indivíduo

163

precisa estar qualificado profissionalmente (BRASIL, 1988)58. Caracteriza-se, portanto, como profissão. Neste sentido, Marchesi (2008) explica que, sendo a atividade realizada por professores um trabalho remunerado, pois se presta serviços à sociedade e, sendo este trabalho passível de regulamentação, então essa atividade incluir-se-ia no que cotidianamente se chama profissão. No entanto, continua o autor, esta inclusão não se atrela ao conceito corriqueiro de profissão. Isto porque tal atividade profissional caracteriza-se por: 1) ser um serviço que beneficia a sociedade em sua plenitude, normatizado de maneira específica; 2) ter autonomia limitada ao cumprimento de normas de garantia à educação dos estudantes e à oferta do serviço de modo equitativo; 3) exigir do profissional o zelo pela relação pessoal, envolvimento afetivo e comprometimento pessoal. Para aquele autor, o ofício de professor, além de ser uma atividade-trabalhoprofissão, seria uma atividade técnica, pois exige, do profissional, conhecimentos elaborados e estratégias diferenciadas, e seria uma arte, pois exige do professor o conhecimento de cada estudante no contexto em que aprendem e a capacidade para adaptar métodos de ensino às necessidades deles. No contexto brasileiro, o professor universitário desenvolve seu trabalho num sistema de educação complexo e de diversas modalidades, em instituições públicas e privadas estabelecidas nas cinco regiões do país, altamente diferenciadas em termos socioculturais e desiguais em termos econômicos. Desse modo e, à vista da dispersão de características e exigências imputadas ao professor universitário, as apresentações que se seguem tomam como fio condutor vivências de professores no âmbito do trabalho e atividades de ensino, pesquisa e extensão. Quanto ao ensino, apresentam-se vivências do professor universitário, identificadas por este pesquisador em investigação científica junto a cursos de Licenciatura em Pedagogia e de Administração. Os participantes evidenciaram dificuldades de estabelecer diálogo mais efetivo com os estudantes, envolvendo a articulação entre os aspectos informativos e os formativos da educação. Vivendo as pressões diárias da instituição para o cumprimento da grade curricular, os

58

No Brasil o exercício da atividade docente na educação superior não exige a inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional (conforme o art. 69 do Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006) (BRASIL, 2006b).

164

professores pesquisados afirmaram que gostariam de possuir mais tempo e mais oportunidades para refletir a respeito de suas visões de mundo e de ser humano; desenvolver melhor uma pedagogia capaz de articular informação e formação, o que humanizaria e tornaria mais prático o processo educacional; concretizar tal pedagogia, considerando não só o cognitivo, mas a afetividade envolvida no processo educacional (VASCONCELOS; CÂMARA, 2011; VASCONCELOS, 2011a). No âmbito da pesquisa, destacam-se as conclusões de Carlos e Chaigar (2012), obtidas em investigação científica que envolveu docentes de instituições da educação superior, públicas e privadas (diversos cursos). Em sua maioria, os participantes estavam afastados da prática de pesquisa, embora a valorizassem e a entendessem como relevante na produção de conhecimentos (segundo afirmaram). Distinguindo ensino e pesquisa, eles informaram que percebiam possibilidades de existir o bom professor sem ser um pesquisador acadêmico. Afirmaram que, apesar das poucas pesquisas que realizaram, tal fato os auxiliou a ter melhor atuação didático-pedagógica. Com efeito, como norteador metodológico, a prática da pesquisa auxilia os docentes a pensar, a duvidar, a compreender (CARLOS; CHAIGAR, 2012). Por fim, no plano da extensão, mencionam-se as vivências de professores que têm atuado no Projeto de Alfabetização e Comunidade Educativa da Universidade Católica de Brasília (VIEIRA, 2012). Estes professores têm vivenciado, desde 2001, um efetivo diálogo com a comunidade Riacho Fundo II, localizada próximo à capital brasileira. Ouvindo os moradores, com seus problemas, os professores e outros membros da Universidade propuseram, por meio de uma metodologia dialógica, desenvolver consciência do potencial cultural em prol da maior capacidade de autogestão. Estas vivências, apresentadas de maneira compartimentada de acordo com o ensino, a pesquisa e a extensão, parecem evocar outro tipo de vivência, a que se refere ao trabalho em equipe, em sua dinâmica de cooperação entre estudantes, professores e demais membros da universidade. No âmbito do ensino, Sarramona López (2012) explica que o trabalho em equipe poderia até certo ponto compensar a carência da formação docente. A colaboração favoreceria o aprendizado de técnicas auxiliares na lida com a diversidade e com os recursos disponibilizados na sala de aula, ambiente onde o professor vivencia os desafios da socialização em meio à

165

multiplicidade de valores e à explosão de informações. No entanto, conforme Thurler e Perrenoud (2006), “a cooperação entre profissionais está mais presente no discurso do que nas práticas” (p. 357), estando as instituições universitárias estruturadas de maneira desfavorável à cooperação profissional de alto nível, com impacto negativo para a formação dos professores. No plano da pesquisa, ao contrário, já se presencia uma dinâmica de colaboração. Cada vez mais, torna-se rara a figura do pesquisador solitário, anos a fio debruçado sobre um objeto de estudo à espera do momento mais propício para divulgar resultados e conclusões. Em vez disso, toma lugar entre os pesquisadores uma prática de trabalho em equipe, a interação colaborativa, a produção e a troca de informações, seja nacional ou internacionalmente, ou a participação em congressos e seminários, ou ainda a publicação em meios de divulgação científica (KENSKI, 2012). Também na esfera da extensão, professores universitários vivenciam, desde a influência das mídias até as orientações internas de suas respectivas instituições, certas exigências de interação colaborativa com diversos segmentos sociais (como organizações não governamentais, igrejas e empresas), com frequência, em favor da inovação e de um planeta sustentável. Embora as vantagens e os avanços advindos com o trabalho em equipe sejam reconhecidos, professores vivenciam dificuldades para concretizar tal modo de trabalhar com estudantes, colegas e diretores. As dificuldades identificadas por Barrère (2005) na escola secundária francesa podem ser estendidas às vivenciadas por professores universitários. Entre eles, geralmente são escassas, institucionais e fastidiosas as reuniões realizadas entre membros da escola (professores, diretores, pais, dentre outros), levando-os a se perceberem fora da prática do trabalho em equipe. É comum serem pontuais e frágeis os trabalhos com projetos (viagens e saídas culturais) devido às diversas mudanças. É raro o compartilhamento entre os professores (preparar aulas, trocar impressões com relação a métodos, avaliação e relacionamento com os estudantes). Ou, ainda, as dificuldades estariam relacionadas à gestão: há barulho entre as salas de aula; há uma conversão dos problemas de autoridade em problemas pessoais; há recusa de auxílio aos colegas, pois isto seria humilhação; há um obscurecimento dos reais problemas pelos relatos de sucessos perante alunos

166

difíceis na sala de aula. Para Barrère (2005), as dificuldades para trabalhar em equipe residem menos na resistência corporativista do professor ou de poderes hierárquicos do que na falta de atuação dos gestores, os quais não explicitam os desafios do trabalho em equipe, mas, ao contrário, dão-lhes uma conotação de constrangimento e de algo a mais para fazer. Desse modo, na complexidade da associação entre ensino, pesquisa e extensão e no contexto em que se desenvolve (ou não) o trabalho em equipe, os professores elaboram experiências sociais, constroem identidades, passíveis de identificação segundo os conceitos de lógicas da integração, da estratégia e da subjetivação (DUBET, 1994). Na medida em que o professor tem suas experiências sociais elaboradas em múltiplos registros, já sem a obrigação imediata de se adaptar às instituições e à sua dominação (ele joga com a liberdade de testemunhar sua própria experiência social e fazer a gestão de lógicas de ação), ele se obriga a dialogar, a buscar constantemente novas respostas e a contribuir, com o seu trabalho, para a maior autonomia da comunidade onde a universidade se insere. De acordo com as vivências apresentadas e considerando que a construção de identidades do professor passa pela maneira como este internaliza valores institucionais e desempenha papéis, parece evidente que muitos professores constroem sua identidade sendo pressionados pela obrigação de cumprir a grade curricular, sem articular aspectos informativos e formativos da educação, bem como distanciando-se da prática de pesquisa e de projetos de extensão. Muitos professores poderiam estar construindo identidades por intermédio de processos de socialização que carecem de trabalho em equipe e trabalho com projetos. Se assim for, estas condições objetivas se vinculariam às condutas dos professores via processos de socialização e expectativas, denotando nuanças das experiências sociais situadas para além da racionalidade e revelando a vinculação entre condutas e sistema (processo educacional) forjada na herança de modelos dados pela universidade ao professor. Também de acordo com as vivências apresentadas e tendo em conta que a construção de identidades do professor passa pela probabilidade de exercer influência sobre aqueles com quem ele se relaciona, para satisfazer a interesses individuais e coletivos, é possível que os professores estejam construindo

167

identidades às voltas com a aspiração de um maior compartilhamento de opiniões com os colegas de trabalho. Nesta construção, a intencionalidade racional é o limite, com as ações dos professores circunscritas a um jogo em que reduzidas são as oportunidades de trabalhar em equipe. De acordo ainda com as situações relatadas e em meio a críticas cognitivas e normativas dessas situações (reclamam da escassez de reuniões, fragilidade de projetos educacionais e barulho nas salas de aula), os professores teriam dificuldades para se identificar com os modelos culturais definidos pela universidade.

1.4.4.2. Experiências sociais relacionadas com o desenvolvimento pessoal e profissional

Segundo a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI (art. 10) (UNESCO, 1999), as instituições de educação superior devem praticar políticas claras de desenvolvimento de seus docentes. Os professores precisam aprender a aprender, estar aptos a formar indivíduos que saibam tomar decisões e não reduzam sua prática à mera transmissão de informações. Para isto, as instituições precisam desenvolver práticas políticas favoráveis à pesquisa pelos docentes, à atualização e à melhoria das habilidades pedagógicas. Assim, segundo aquela Declaração, as instituições devem renovar constantemente currículos e métodos de ensinoaprendizagem em condições profissionais e financeiras apropriadas. Situadas no cenário brasileiro de rara legislação voltada para a formação do professor universitário (BRASIL, 1996), estas orientações concretizam-se só parcialmente. Há programas de desenvolvimento de pessoal. No entanto, frequentemente, desenvolvimento e aprendizado de novos métodos de ensino e modos de agir têm ocorrido na interação social da sala de aula. Nas universidades, podem ser analisadas vivências da perspectiva do ensino, pesquisa e extensão. Como no Brasil os programas voltados para a formação do professor universitário constituem ainda iniciativas mais isoladas do que oficiais 59, a prática de ensino na sala de aula e em atividades de pesquisa e extensão afigura-se como o

59

Oficialmente, encontra-se em vigor a Política Nacional de Formação de Professores do Magistério da Educação Básica (BRASIL, 2009c), sem alcançar diretamente professores da educação superior.

168

âmbito mais adequado para apresentar essas vivências. Não é de agora, sabe-se, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2009, p. 23). O autor de tal afirmação, aliás, dizia que buscava extrair de sua prática educativa os saberes que proclamava. Se o lado reflexivo apresenta-se imprescindível para a formação de professores (DEWEY, 1959), será na prática que os formandos conhecerão as possibilidades e os limites da profissão docente (LÜDKE; BOING, 2012). Na esteira das conclusões de Labaree (2004), Lüdke e Boing (2012) defendem que, nas vivências do dia a dia de sua atuação, o professor aprende que necessita: obter a participação e a colaboração de seu cliente (sic); lidar com a carga emocional presente na interação com os estudantes; socializar dificuldades com colegas; lidar com a ideologia da facilidade de ser professor para ultrapassar a ideia de que é fácil ministrar aulas. Da perspectiva da pesquisa, citam-se vivências identificadas por este pesquisador

em

investigação

científica

da

qual

participaram

estudantes

universitários. Teve como objetivo avaliar em que medida os conteúdos atitudinais podem contribuir para superar dificuldades de professores e estudantes no desenvolvimento de trabalhos monográficos no final de curso (VASCONCELOS, 2012a). Os resultados evidenciaram a necessidade de desenvolver estratégias favoráveis à aquisição de conhecimentos em termos de processo e não de produto (SEVERINO, 2007). Ficou evidente também a necessidade de maior articulação entre professores e diretores de cursos, envolvendo o tema, visando à melhor formação para a integralidade humana. Verificou-se que, embora o processo de pesquisa e elaboração de monografias se desenvolva a partir da articulação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (o que já é complexo) (COLL et al.,1998, 2001), os professores, os estudantes e a direção dos cursos precisam falar a mesma língua, entendido isto como canalização de esforços favoráveis ao desenvolvimento integral dos envolvidos. Ou seja, a investigação concluiu que, durante os processos de elaboração de trabalhos científicos, professores e estudantes têm passado por um esforço de reconstrução pessoal em que a mudança de atitudes se torna fator importante.

169

Neste esforço, envolvem-se não só os estudantes, mas professores e demais componentes dos cursos. Da ótica da extensão, citam-se vivências do já mencionado Projeto de Alfabetização Comunidade Educativa. Baseadas na proposta freireana de comunidade educativa e pedagogia dialógica, as vivências têm contribuído para a formação de alfabetizadores, produção de material pedagógico e sistematização do conhecimento construído (VIEIRA, 2012). Entretanto, não se beneficiam só os membros da comunidade. Há na extensão, conforme Síveres (2010), uma especificidade ao colaborar com a formação dos envolvidos nos trabalhos. Passa a circular entre eles maior compreensão ético-política, uma reflexão significativa e uma ação aprendente. O autor menciona efeitos positivos desse tipo de atividade na formação dos professores envolvidos, iniciando pela “compreensão do docente de que não só ensina, mas pode aprender a partir dos outros” (p. 114). Nos contextos em que a extensão se faz presente, o professor aprende a valorizar eventos de aprendizagem como participação, transparência, democracia e protagonismo. Há, conforme o autor, uma contribuição para a formação integral da pessoa humana, não somente com relação aos estudantes, mas também quanto aos professores, que podem refletir a respeito de condutas, tendo como abrangência o contexto no qual se inserem (SÍVERES et al., 2012). Observadas as lógicas de ação presentes nessas vivências, verifica-se que, quando ensinam, os professores constroem identidades à medida que internalizam a participação e a colaboração dos estudantes, à medida que lidam com os conflitos na sala de aula e compartilham soluções. Nos trabalhos de pesquisa, internalizam os mecanismos que ajudam a ressignificar procedimentos e atitudes. Na extensão, atualizam identidades simultaneamente à dinâmica de internalização de valores apreendidos durante a operacionalização de projetos desenvolvidos junto à comunidade. Enfim, constroem experiências sociais que passam a fazer parte do modo de ser nos âmbitos pessoal e profissional. São experiências sociais vinculadas aos diversos sistemas que vão se construindo no próprio dia a dia de estudantes e professores. Assim, buscam socializar modos de agir, pensar e sentir. Nesta dinâmica, colocam-se frente a frente condições objetivas do ambiente de ensino e a base teórica e metodológica

170

adquirida pelos professores na formação inicial, bem como capacidade para indagar e aprender no convívio com comunidades onde a universidade se insere. 1.4.4.3. Outras experiências sociais: violência escolar e tecnologias

Gomes e colaboradores (2013) identificaram situações de violência na sala de aula narradas por professores da educação superior. Em pesquisa realizada em instituições privadas localizadas na cidade brasileira de São Luís, capital do Estado do Maranhão, os autores distinguiram entre indisciplina/incivilidades (grosserias) e atos de violência (quebra de limites e ruptura hierárquica a exemplo da invasão dos direitos do professor por parte de estudantes). Os professores pesquisados relataram conflitos caracterizados como violência simbólica e física, como o desrespeito à sua pessoa, ameaça à integridade física, briga entre estudantes e entre estes e professores, sendo, com frequência, conflitos decorrentes da discordância de notas atribuídas em avaliação e decorrentes de registros de faltas às aulas. Eles declararam que presenciam trotes e admitem a indisciplina/incivilidade como parte do cotidiano das salas de aula da educação superior. Estes são conflitos que prejudicam o processo educacional ao interferir no desenvolvimento dos planos de aula e ao gerar desestímulo e frustração para grande parte dos professores. Ao fazerem uma autocrítica, os participantes daquela pesquisa se disseram despreparados emocionalmente para enfrentar diversas situações de conflito. Para eles, os grandes vilões da violência na educação superior são a influência dos meios de comunicação (16,7%), a carência de projeto de vida (20,8%), a falta de respeito entre os jovens (33,3%), a adoção de novos valores por parte destes (33,3%) e a ausência de diálogo na família (41,7%). Esta seria responsável por grande parte dos conflitos, vivenciados por professores, decorrentes de condutas inadequadas dos estudantes. Ainda segundo os participantes, os novos valores advindos com as mudanças sociais e históricas passaram a nortear as relações interpessoais e as hierarquias sociais, o que inclui estudantes e professores. Estes, por sua vez, também desencadeiam violências, sendo grosseiros. Com frequência, não percebem a

171

diversidade de perfis na sala de aula, como ocorre em função do turno em que a disciplina é ministrada. Os autores daquela pesquisa concluíram pela relevância de “refletir sobre alterações na formação inicial e continuada de docentes de nível superior, bem como atividades que facilitem a aprendizagem do papel de estudante” (GOMES et al., 2013, p. 50). Concluíram ser necessário repensar com urgência a instituição de educação superior, a qual, para eles: Deve integrar e operacionalizar, de forma menos tensa, a relação com seus alunos, estando atenta aos problemas relacionais e educacionais, já que possui uma participação significativa de pós-adolescentes, ou melhor, de pessoas que pelas injunções socioeconômicas, prolongam a adolescência, por isso com características específicas e também conflituosas (CALDAS; GOMES, 2012, sem página).

O amplo cenário de vivências de professores universitários inclui ainda a questão tecnológica. Diante dos novos modos de interação das pessoas, advindos com o uso de novas tecnologias, e com interferência no processo educacional, os professores presenciam a ampliação de possibilidades de formação integral dos estudantes. Obriga-se a relacionar cada vez mais a formação à missão da universidade de produzir conhecimentos. Neste sentido, Kenski (2012) adverte que laboratórios digitais e ambientes virtuais de aprendizagem são pouco utilizados na construção de uma cultura de aprendizagem mediada na universidade. Para a autora, a instituição de educação superior contemporânea, com suas salas de aula equipadas com computadores e laboratórios (aparentemente mais a divulgação de uma imagem), não corresponde às estruturas do processo educacional desenvolvido por professores: A despeito das amplas condições de intercomunicação oferecidas pelas tecnologias digitais, predominam ainda, nas salas de aula da maioria das IES [instituições de ensino superior], as mais tradicionais práticas docentes, baseadas na exposição oral do professor. Mediadas por vídeos, apresentações em PowerPoint e uso dos ambientes virtuais (como “cabides” de textos), o ensino não se renova (KENSKI, 2012, p. 116).

Segundo

Kenski

(2012),

paradoxalmente,

em

geral

os

professores

universitários utilizam recursos tecnológicos para pesquisar, bem como em suas vidas fora da instituição, mas não os utilizam plenamente nas salas de aula. Conforme explica, haveria já um salto tecnológico na ação do professor universitário,

172

enquanto pesquisador, mas não existiria um salto do laboratório à sala de aula. De acordo com a autora, este fato estaria a comprometer o processo educacional. Tal cenário fortalece a argumentação da autora de que, anacronicamente, a universidade ainda estaria a se organizar em função do professor preocupado em se garantir por meio de uma bagagem intelectual, detendo informações acumuladas durante seu processo de escolarização. Argumenta que o professor envolve-se ainda com a ideia de que “das salas de aula e das palestras dos professores [emanam] os saberes que [orientam] a formação plena do graduado” (KENSKI, 2012, p. 117). Para a autora, enquanto alberga frutos com o uso das tecnologias, a universidade deveria expandir a lógica das vivências dos grupos de pesquisa para a lógica das ações de ensino. Esta expansão seria urgente, mas não simples, por envolver a redefinição das condições de trabalho, os currículos dos cursos, os espaços físicos de atuação do professor e do aluno, dentre outros. Tal expansão contribuiria, inclusive, para retirar a universidade de isolamentos tecnológicos, promovendo a aproximação com os demais âmbitos sociais. Assim, encerra-se esta seção com um resumo esquemático que apresenta aspectos da construção de identidade dos professores e da vinculação causal, tomando-se como base experiências sociais relacionadas ao mundo do trabalho, desenvolvimento pessoal/profissional, violência escolar e tecnologias (Quadro 12).

1.4.5. Interação das experiências sociais

1.4.5.1. Elementos de uma possível análise da interação

É possível realizar a análise da interação das experiências sociais de estudantes e professores no âmbito das vinculações entre estas experiências e sistemas. Aquelas se objetivam nestes (DUBET, 1994). Com efeito, no âmbito destas vinculações, é possível apreender reais sequências de diálogos entre comportamentos, atitudes e escolhas, bem como interferências destes sobre os sistemas. E, se o objetivo é visualizar interações na sala de aula, torna-se relevante priorizar a relação face a face. Nesta, estudantes e professores marcam posições de acordo com interesses e nível de coerência entre discursos e condutas.

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Quadro 12 – Experiências sociais de professores universitários. Identidade social

VC

Estratégia

Trabalho: constrói identidade em meio às dificuldades de exercer cooperação profissional de alto nível, embora a figura do pesquisador solitário se torne cada vez mais rara. Reconhece o valor da parceria da universidade com a sociedade. Desenvolvimento pessoal e profissional: reconhece o valor da articulação entre os colegas professores, em especial quanto ao ensino das metodologias de pesquisa aos estudantes. Violência escolar e tecnologias: entende a família como responsável por grande parte dos problemas de indisciplina dos estudantes.

Sistema de interdependência Trabalho: a vinculação ocorre ao vivenciar constrangimentos de uma profissão não claramente legislada. Num jogo com poucas oportunidades de trabalhar em equipe, tendo pouco para escolher. Desenvolvimento pessoal e profissional: dá-se quando vivencia o jogo do aprender na prática. Violência escolar e tecnologias: ao reconhecer o próprio despreparo para lidar com a violência escolar. Reconhece a necessidade de conexão entre a formação integral dos estudantes, no contexto das novas tecnologias, e a missão da universidade de ser vanguarda na produção de conhecimentos.

Jogo

Subjetivação

Trabalho: constrói identidade simultaneamente à obrigação de cumprir a grade curricular, sem articular aspectos informativos e formativos da educação e sem participar de projetos de pesquisa e de extensão. Ressente-se de trabalhos em equipe. Desenvolvimento pessoal e profissional: internaliza a prática como meio de se formar, inclusive em atividades de extensão. Pode internalizar que diretores de curso não necessitam dialogar sobre a atividade de pesquisa. Violência escolar e tecnologias: admite a indisciplina como parte do cotidiano das salas de aula.

Vinculações experiências sociaissistemas Sistema de integração Trabalho: a vinculação ocorre ao herdar modelos e normas de conduta para as quais ele se obriga a determinar sentido. Desenvolvimento pessoal e profissional: ocorre ao esperar da universidade políticas claras de desenvolvimento com foco em: aprender a aprender, pesquisas, habilidades pedagógicas. Espera renovação de currículos e métodos de ensino e aprendizagem em condições profissionais e financeiras satisfatórias. Violência escolar e tecnologias: ocorre ao defender que a universidade deveria integrar e operacionalizar a relação com os estudantes de modo mais tranquilo.

Socialização

Integração

L

Trabalho: vivencia a divisão do trabalho, com a ideia de grade curricular, um individualismo reforçado pelos modos de gestão da carreira. Reclama da escassez de reuniões, da fragilidade de projetos educacionais e até do barulho entre salas de aula. Desenvolvimento pessoal e profissional: esforça-se para se reconstruir pessoal e profissionalmente durante processos de elaboração de trabalhos científicos. Violência escolar e tecnologias: entende que professores também são grosseiros.

Sistema de ação histórico Trabalho: ocorre quando o professor sente dificuldades de se identificar com o modelo cultural definido pela universidade. Desenvolvimento pessoal e profissional: ao vivenciar processos de desinstitucionalização da universidade, buscando a articulação de ideias e opiniões com princípios da universidade. Violência escolar e tecnologias: vivenciando intensamente as mudanças sociais e históricas, norteadoras das relações interpessoais e das hierarquias sociais. Utiliza recursos tecnológicos para pesquisar na vida privada, mas não plenamente nas salas de aula.

Dialética

Fonte: elaboração do autor. Legenda: L – Lógicas. VC – Vinculações causais.

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Desse modo, pode-se conceituar a interação das experiências sociais como toda e qualquer aproximação entre condutas individuais ou coletivas que, por se objetivarem em sistemas relativamente autônomos, são passíveis de análise, e que mostram certo sequenciamento, viabilizada por meio da existência de valores, interesses e representações culturais que mobilizam os envolvidos na construção dessas experiências. A análise que se segue toma como base vivências de estudantes e de professores antes apresentadas. No entanto, deliberadamente, limita-se às interações das experiências sociais relacionadas com o mundo do trabalho. Teve como objetivo realizar um exercício de análise da interação das experiências sociais de estudantes e professores, com replicação segundo dados coletados e gerados apresentada mais à frente (Seção 4.1.4). Entre os jovens universitários, o exercício de análise focaliza as pressões com a vida profissional, que perpassam de modo intenso a formação acadêmica. Entre os professores universitários, focaliza a atuação na sala de aula, frequentemente envolvida nas preocupações relacionadas com o planejamento das aulas, operacionalização do currículo, avaliação de estudantes, dentre outras. Desse modo, a análise prioriza opções e condutas de estudantes e professores, decisões do processo educacional e aspectos da socialização. Constitui-se na quebra de elementos, sendo um artifício, com o objetivo de oferecer melhor compreensão de como se constrói a interação entre experiências sociais, considerando aspectos da identidade social de estudantes e professores e as vinculações entre ação e sistemas relativamente autônomos (DUBET, 1994) que compõem o processo educacional desenvolvido principalmente na sala de aula. 1.4.5.2. Aspectos da interação das experiências sociais de estudantes e professores Tomando como base experiências sociais de estudantes e professores, antes apresentadas e esquematizadas (Quadros 11 e 12), evidencia-se que, durante o período de vida no qual se forma na universidade, o jovem estudante compreende e internaliza um processo de profissionalização o qual, a seu ver, contribuiria para ocupar postos de trabalho. Para ele, com o diploma a receber, haveria mais oportunidades de melhorar sua situação sociolaboral.

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Quando ocorre de modo diferente, com a frustração de tais expectativas, o jovem universitário sente-se abandonado. Durante sua formação, realiza também escolhas dos melhores temas e assuntos a estudar (segundo sua própria capacidade de escolha) de acordo com as oportunidades surgidas, isto é, escolhe no contexto das estruturas culturais da universidade. Durante o período de sua formação, o jovem faz críticas, discordando de procedimentos, regras e normas da instituição, mas resguarda certos valores já identificados quando ingressou. Por sua vez, o professor universitário sente-se pressionado pelas regras da instituição e frequentemente frustra-se porque não consegue ampliar horizontes quanto ao desenvolvimento da pedagogia dialógica. Ele não consegue articular, ao seu gosto, aspectos informativos da educação com aspectos formativos, na intensidade e oportunidades visualizadas por ele. Sofre com a indefinição legal de sua profissão. Finalmente, apesar do distanciamento da prática da pesquisa, ainda assim considera-a relevante para a atuação do professor. Tomadas estas experiências sociais, e tendo como suporte teórico a sociologia da experiência (DUBET, 1994), constata-se que a decepção por não conseguir ocupar postos de trabalho após a conclusão do curso poderá ser internalizada pelo jovem em termos de golpe, traição, vergonha, embaraço, pois no fundo tem o objetivo de satisfazer algo para além da racionalidade, mas vinculado ao contexto, às respostas para suas ambições programadas. Também o professor, ao experimentar uma decepção por não atingir o objetivo de exercer atividade de trabalho vislumbrada, pode internalizar o sentimento de frustração, sentir-se fora, adaptar-se ou desviar-se do desempenho ambicionado. Tanto num caso como no outro, com estudantes e professores, as opções ocorrerão não por escolha direta deles, mas advindas do sistema onde as experiências sociais se inserem. Portanto, na sala de aula, tais experiências sociais podem interagir a segundo processos de socialização situados entre as condutas e as condições objetivas nas quais se desenvolvem os diversos diálogos. Por exemplo, a partir dos contextos informados pelas pesquisas referenciadas neste trabalho, pode-se concluir pela realização de estudos relacionados com o mundo do trabalho e com a futura profissão dos graduandos, bem como relacionados com a profissão docente, reunindo compreensões para estabelecer quadros comparativos. Processos assim socializam, abrindo perspectivas de diálogo

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entre estudantes e professores. Certamente, ainda assim, podem uns e outros adotarem condutas polarizadas. Por um lado, pode-se cultivar a ideia de atividade docente como bico. Pode-se acalentar a ideia de relação professor-aluno com uma relação de tia (FREIRE, 2009). Ou, ainda, incorporarem-se comportamentos e atitudes como os de reclamar dos azares da vida. Por outro lado, pode-se optar por estabelecer processos interativos favoráveis à pedagogia pautada na alegria e esperança, em que juntos, educandos e educadores, passem a aprender, a ensinar, a inquietar-se, para superar obstáculos. Constata-se também que estas experiências sociais são interdependentes com aspectos da realidade social anteriores às opções dos estudantes. Estes se mobilizam na universidade por meio da utilização de recursos escolares e sociais disponibilizados antes da opção de estudar os assuntos desenvolvidos. Por sua vez, os professores se mobilizam de acordo com os limites impostos por indefinições no âmbito da lei relacionadas à sua atividade profissional. No entanto, se uns e outros adotam condutas impulsionadas por lógicas não criadas por eles, com regras impostas por um jogo com as quais são obrigados a jogar, ainda assim estudantes e professores têm liberdade de medir vantagens e desvantagens de suas ações. As experiências sociais de uns e de outros terão interagido conforme o jogo de interesses, perfeitamente cabíveis, pois aquelas se desenvolvem no encontro de pessoas cada uma com projetos de vida diferentes. Os estudantes querem se formar para ingressar no mundo do trabalho. Os professores vivem os constrangimentos de uma profissão que poderia ser mais bem definida em termos legais. Na sala de aula, as preocupações sobre a insegurança com relação ao trabalho, ao invés de se constituírem em elementos de destruição da interação das experiências sociais, podem ser oportunidades para aproximá-las. Por exemplo, e, com base nos contextos informados pelas pesquisas utilizadas neste trabalho, pode-se discutir o tema da greve de professores universitários ou, ainda, o aumento do desemprego em diversos países, principalmente após a crise de 2008. A interação entre as experiências sociais de uns e de outros, em discussões como esta, pode constituir-se em comportamentos e diálogos ricos de sentido para os envolvidos, que, assim, se perceberão capazes de problematizar o mundo (FREIRE, 1987, 2009).

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Por último, constata-se que as tensões que envolvem a adesão a certos valores da universidade e o distanciamento das estruturas sociais levam estudantes e professores a vivenciarem uma dialética que pode favorecer a interação. Ao criticar procedimentos, regras e normas da universidade, o estudante evidencia capacidade ou aspiração de resolver a própria vida, mas o faz no apelo a valores já internalizados. Ele interpreta a situação vivenciada, elege obstáculos, decide. Processos análogos são vivenciados pelo professor. Embora opte por não realizar pesquisas, valoriza-as. Ele considera a investigação científica como um relevante elemento na vida docente, mas tão somente decide os caminhos a seguir ou não. A interação entre as experiências sociais do estudante e as experiências sociais do professor, no caso dessas tensões, pressupõe a adesão a valores internalizados, podendo ser comuns a uns e outros, apesar da diferença de interesses. Ao aproveitar essas vivências, estudantes e professor podem, por exemplo, mapear valores e estruturas sociais, buscando identificar aspectos convergentes e divergentes. Tal iniciativa contribui para a emergência de diálogos na sala de aula, favorecendo a capacidade de “comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper” (FREIRE, 2009, p. 33). Desse modo, tomadas estas constatações e, com base na sociologia da experiência (DUBET, 1994), chega-se a três tipos de vinculações entre experiências sociais (vinculadas ao mundo do trabalho) e sistemas (presentes no processo educacional desenvolvido na sala de aula): 1) processos de socialização ao pesquisar o mundo do trabalho, contribuindo para o diálogo que estabelecem entre si estudantes e professor, que passam juntos a procurar soluções para os obstáculos identificados; 2) processos de escolhas, como num jogo, em que possivelmente se discutam temas como o da greve de professores universitários e o desemprego, com o estabelecimento de diálogos que tenham sentido para eles ao problematizar o mundo; 3) processos dialéticos, com a possível identificação de valores e opiniões comuns, bem como diferentes, contribuindo para que, no diálogo, estudantes e professor desenvolvam e aprimorem a capacidade crítica e o respeito às diferenças. Oportuno ressaltar que tais processos não implicam uma unidade do conjunto social (DUBET, 1994), mas tão só constituem elementos autônomos do processo educacional desenvolvido na sala de aula, com origem nas lógicas de ação de

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estudantes e professor, incluindo possibilidades para estabelecer a pedagogia dialógica. Em tal pedagogia, apesar de não serem donos das lógicas de ação que impulsionam suas condutas, estudantes e professores são autônomos na construção de experiências sociais, podendo ocorrer uma articulação entre aspectos informativos e formativos da educação. Na pedagogia dialógica, “os educadores (...) não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas, [constituindo-se em] verdadeiros amantes da sabedoria, os filósofos de que nos falava Sócrates” (GADOTTI, 2000, p. 9). O professor universitário que promove, juntamente com os estudantes, a articulação entre os conteúdos específicos da disciplina e as situações reais vivenciadas, incluindo nisto questões éticas no contexto da universidade, contribui para concretizar o processo educacional em que as experiências sociais interagem. Contribui na medida em que ajuda as pessoas que fazem a universidade a encontrarem sentido em suas ações: são estudantes e professores, gestores, funcionários, parceiros e especialistas responsáveis pela elaboração de políticas públicas. Contribui para concretizar “a experiência da abertura [ao outro e ao mundo] como experiência fundante do ser inacabado que terminou por se saber inacabado” (FREIRE, 2009, p. 136).

1.4.5.3. A interação das experiências sociais pode espelhar os quatro pilares da educação para o século XXI

Como pano de fundo da interação antes apresentada, identificam-se os quatro pilares da educação para o século XXI, compreendidos como aprendizagens fundamentais ao longo de toda a vida. Embora destinado à educação básica, em sua essência, o Relatório Delors se aplica também, nas condições contemporâneas e realizadas as devidas adequações, à educação superior, pois envolve a renovação contínua do conhecimento (DELORS et al., 1998). Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser constituem (DELORS et al., 1998) pilares da educação que considera a necessidade ontológica de intercambiar experiências. Necessidade que assume novos matizes, no mundo atual, em que os indivíduos são compelidos e responsabilizados por

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determinar o sentido de suas ações em meio à diversidade de princípios e valores (DUBET, 1994). Portanto, pilares que consideram a necessidade humana de trocar experiências entendidas como condutas que convirjam para a busca de porquês e modos de existir. Com efeito, como declara o coordenador daquele Relatório: Para dar bons resultados, a educação deve evidentemente responder a necessidades específicas, ensinar habilidades e preparar os indivíduos para desempenharem um papel na economia. Mas, seja qual for o nível, uma educação centrada unicamente em objetivos utilitários estreitos será das mais incompletas e, no final das contas, não será capaz sequer de cumprir razoavelmente seus objetivos (DELORS et al., 2005, p. VII).

Como se constata, seria o caso de estabelecer a educação que se converta na última justificativa da sociedade e de seus componentes. Como ocorria entre os gregos antigos, sendo o conhecimento e a inteligência localizados no ápice do desenvolvimento dos indivíduos (JAEGER, 2001). No entanto, o conhecer e o saber o que fazer com o conhecimento se constroem nas relações que os indivíduos realizam. Torna-se necessário compreender que a educação envolve as relações sociais que os indivíduos estabelecem entre si, portanto, respondendo a necessidades humanas de cada um daqueles componentes, surgidas no decurso da vida, abarcando os mais variados aspectos destas relações.

1.4.6. Síntese

De um lado têm-se experiências sociais de jovens universitários (trabalho, cidadania, lazer, violência escolar e tecnologias) e, de outro, experiências sociais de professores universitários (trabalho, desenvolvimento pessoal e profissional, violência escolar e tecnologias). Tais experiências constituem, para uns e outros, a malha de recursos dos quais se apropriam para construir identidades. Tais experiências constituem, para o pesquisador, aspectos importantes que ajudam a explicar a vinculação entre elas e os sistemas de integração, de interdependência e de ação histórico (DUBET, 1994). Muitos jovens universitários constroem suas identidades submetendo-se à precarização do trabalho, buscando adaptar-se aos diversos contextos e lidando com colegas que não vivenciam o trabalho precário e os baixos salários. No entanto, jovens lutam para sair deste circuito de vivências, jogando o jogo regulado da

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concorrência de interesses. Envolvem-se em modelos culturais para construir uma subjetividade frequentemente posta diante de obstáculos à sua expressão. Constroem identidades nos desafios inerentes ao processo de desenvolvimento da cidadania, se suas experiências são delineadas de acordo com as desigualdades de idade, gênero e classe, e na lida com colegas e professores mais aquinhoados socialmente. Se originários de várias esferas sociais, obrigam-se a competir para fazer valer seus interesses. Constroem identidades ainda nas vivências relacionadas ao lazer, à violência escolar e às tecnologias, pois internalizam valores institucionalizados pelo mercado, escolas e mídias. Com impactos na subjetividade, sofrem a ação dos trotes, ficam vulneráveis diante das mídias, encontram-se à mercê da estética das mercadorias e à ação institucional para eliminar a violência escolar. A vinculação das experiências sociais com o sistema de integração ocorre em meio à expectativa de ocupar postos de trabalho após a conclusão do curso. Ocorre na espera da ação institucional que eduque para ser cidadão atualizado, motivado e crítico, mas pode ocorrer de olharem apenas para o mundo do trabalho. No gosto pelo consumo, nas brincadeiras e nas violências do trote, no fascínio pelas novas tecnologias, ocorre a socialização de comportamentos. Com alguns jovens, a vinculação com o sistema de interdependência ocorre na elaboração de estratégias de atuação racionais, embora as estruturas sejam culturais. Há jovens que vivenciam os problemas de infraestrutura da universidade, a rigidez de professores, a falta de assistência socioeducacional ou as consequências da escolha inadequada do curso. O tempo livre e o lazer, as violências psicológicas e as físicas, bem como as influências das mídias sobre comportamentos constituem espaços de interesses que impactam a vida acadêmica. Quanto ao sistema de ação histórico, a vinculação ocorre em meio à busca de decisões tomadas de forma Isolada. Os jovens elaboram críticas, apesar de recorrer a valores antes absorvidos. Vivenciam a desinstitucionalização da universidade no entrelaçamento entre valores que se desenvolvem no dia a dia e os já adquiridos. Há dúvida, por parte deles, quanto aos valores a serem seguidos, se serão os adquiridos nas experiências de lazer, violências, dentre outras, ou se serão os já encontrados na universidade.

181

Quanto aos professores, muitos constroem identidades na pressão do cotidiano da universidade, às vezes, aspirando a possuir mais oportunidades de diálogo com os estudantes, com os colegas de trabalho e com a comunidade. Diversos já internalizaram ser mais viável formar-se na prática do que nos cursos oficiais e outros aproveitam trabalhos realizados no âmbito da extensão. Vivenciando a separação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, vários deles admitem a indisciplina já como componente do dia a dia das salas de aula. Constroem identidades também nas dificuldades de exercer cooperação profissional de alto nível. Reconhecem o quanto tem valor a parceria entre universidade e sociedade. Reconhecem o valor da articulação entre colegas professores (no ensino das metodologias de pesquisa) e concebem a família como parcialmente responsável por problemas de indisciplina dos estudantes. Constroem identidades ainda na vivência da divisão do trabalho, da ideia de grade curricular, do individualismo. Reconstroem-se em conjunto com os estudantes durante o processo de elaboração de trabalhos científicos. Entre eles, há os grosseiros com os alunos. A vinculação das experiências sociais com o sistema de integração ocorre na pressão para cumprir regras da universidade, por isto, pode ocorrer de se frustrarem ao perceber que não conseguem alargar horizontes ou praticar a pedagogia capaz de articular melhor a informação com a formação. Esperam da instituição políticas de desenvolvimento compatíveis com o ensino voltado para um aprender a aprender; políticas de pesquisa; melhoria das habilidades pedagógicas; renovação de currículos e métodos de ensino e aprendizagem em condições profissionais e financeiras justas. Para muitos, a universidade deveria melhorar a relação com os estudantes. Quanto ao sistema de interdependência, a vinculação se desenvolve em meio a constrangimentos de uma profissão não bem definida, nestes termos, pela legislação pertinente. Aprendendo na prática, muitos reconhecem seu despreparo para lidar com a violência escolar e entendem que a formação integral dos estudantes, no contexto das novas tecnologias, não se conecta com a missão da universidade de ser produtora de conhecimentos. Na vinculação das experiências sociais com o sistema de ação histórico, os professores vivenciam o distanciamento da prática da pesquisa, embora

182

reconheçam sua relevância. Vivem o processo de desinstitucionalização da universidade ao tempo em que buscam uma conexão entre suas ideias e opiniões e os princípios institucionais. Vivenciam ainda as mudanças sociais e históricas que passaram a nortear as relações interpessoais e as hierarquias sociais. Apesar de utilizarem recursos tecnológicos em suas pesquisas, os professores não os utilizam plenamente na sala de aula. Nos termos de Dubet (1994), tomadas somente vivências relacionadas ao trabalho, a interação entre as experiências sociais de estudantes e as de professores ocorre por meio de três tipos de processos que se constituem em vinculações causais entre estas experiências (trabalho para estudantes e professor) e sistema (processo educacional desenvolvido na sala de aula). Estes processos são denominados por aquele autor como: 1) Socialização; 2) Jogo; 3) Dialético. Os processos de socialização podem ocorrer, por exemplo, ao pesquisar o mundo do trabalho, o que possibilitaria diálogos estudantes-professor-estudantes na busca de soluções para os obstáculos que enfrentam relacionados ao assunto. Os processos de escolhas relacionadas à profissão, isto é, os processos caracterizados como jogo, podem contribuir para discutir temas como greves de professores universitários, o que favoreceria diálogos entre estudante e professor numa dinâmica de problematização do mundo. Os processos dialéticos, favoráveis à identificação de valores e opiniões comuns e diferentes, podem contribuir para que aqueles desenvolvam e aprimorem sua capacidade crítica. Desse modo, abrem-se oportunidades para desenvolver a pedagogia dialógica.

183

CAPÍTULO 2: A PESQUISA E SEUS COMPONENTES

2.1.

PROBLEMA

A enorme teia em que se transformou o mundo, fragmentado e dissolvido na modernidade líquida (BAUMAN, 2001, 2007), pode ser explicada somente a partir de diversas perspectivas. Com a fragmentação social, na pós-modernidade, as clássicas noções de papel, valor, instituição, socialização, estrato social e função não mais centralizam as representações da sociedade. Esta não é mais explicada em consonância com a ideia de identificação entre ator e sistema, que poderiam estar vinculados indiretamente por meio da ação. Explicam-se as conexões entre as lógicas de ação envolvidas nas relações sociais menos em termos de necessidade primordial, mais em termos de aleatoriedade. Os indivíduos se orientam e vivenciam estas relações menos segundo lógicas hierarquizadas e mais conforme uma autonomia construída na pluralidade de valores e na ruptura. Desse modo, em vez da clássica ideia de ação, o mundo atual pode ser explicado pela noção de experiência social – condutas individuais e coletivas construídas na pluralidade de princípios e na ação dos indivíduos, responsáveis pelo sentido de sua ação (DUBET, 1994) –, um evento que, apesar de resultar do arranjo subjetivo dos vários tipos de ação, inscreve-se na objetividade dos sistemas. Neste

cenário,

encontram-se

questões

relacionadas

ao

diálogo

intergeracional. Jovens e não jovens vivenciam múltiplas maneiras de existir – enquanto os primeiros mergulham nessas múltiplas maneiras, os segundos, muitos deles, não se reconhecem nessa multiplicidade. A adolescência se antecipa e se prolonga por períodos mais longos, ensejando a maior influência da socialização horizontal que resulta da ampliação de oportunidades de convivência: numa ponta, a adolescência começa mais cedo, com a aparente antecipação cada vez maior da puberdade; na outra ponta, as dificuldades de inserção na vida adulta, em especial no mundo do trabalho, conduzem ao aparecimento de uma nova etapa, a pósadolescência (GALLAND, 1997). Um prolongamento que poderia ser uma parte da juventude. Com a multidirecionalidade de sentidos e a pluralidade do universo

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cultural, os jovens atribuem motivo aos seus comportamentos e às interações sociais em meio à busca de conexão entre estes sentidos (ALVES-PINTO, 2008). No convívio com e na adequação a múltiplas lógicas de ação que a todos envolvem, os jovens adotam condutas favoráveis ao pertencimento a diversos grupos e ao entendimento dos por quês de suas vivências. Adotam comportamentos individuais ou coletivos marcados pela heterogeneidade de princípios e ações, o que, ao modo como ocorre com os adultos, leva à obrigação, entre os jovens, de construir sentido para suas ações nesse espaço heterogêneo (DUBET, 1994, 1998, 2013). Se, por um lado, esta configuração polissêmica pode favorecer a ocorrência de diálogos com os jovens, o que estimularia a criatividade, a construção de saberes e a atuação local e global; por outro lado, parece ser esta configuração o seio de problemas sociais envolvendo jovens, a exemplo das dificuldades de ingressar no mundo do trabalho e de acessar a habitação (inúmeros coabitam mais tempo com os pais, embora casados ou unidos informalmente), resultando mesmo em revolta, marginalidade e delinquência, às vezes até associadas ao consumo de drogas (PAIS, 2003). No

âmbito

educacional,

problemas

como

violência,

aborrecimento/desinteresse dos adolescentes e jovens com relação à escola, analfabetismos e evasão constituem apenas alguns dos graves problemas. Emergem, como grande desafio, a busca de soluções, por parte da sociedade como um todo e por parte da escola em particular. Paralelamente, como os currículos pouco falam aos jovens (GOMES, 2011), a duras penas estes conseguem (aqueles que conseguem) exercer o protagonismo da sua aprendizagem. Nesta situação, a escola é convocada a se lembrar da emergência do protagonismo jovem como nova característica do cenário escolar na moldura da pós-modernidade. Por sua vez, a universidade – que ao longo dos séculos provou sua viabilidade e capacidade para se transformar e promover mudanças e progressos nas sociedades (UNESCO, 1999) – obriga-se a renovar-se, permanentemente, devendo se constituir num lugar capaz de conceber as juventudes segundo quadros mais amplos. Deve ser capaz de entendê-las como uma constituição de sujeitos sociais e, assim, considerar a diversidade de características individuais.

185

Nesta perspectiva, as juventudes são entendidas como um processo. São compreendidas como uma sequência de trajetórias biográficas orientadas por préestruturações resultantes de ações sociais (PASSERON, 1989), sujeitas à injunção institucional, com reflexos nas identidades pessoais (PAIS, 2003), desde o seu ingresso na vida universitária até os momentos finais de sua formação acadêmica. Dessa maneira, valorizam-se os aspectos subjetivos da conexão Eu-Tu (BUBER, 2009) construída por estudantes e professores, dentre outros membros da comunidade escolar. Ameniza-se a crescente fragmentação dos indivíduos num mundo em que o Eu não tem mais unidade (TOURAINE, 1997). Num mundo em que as pessoas se obrigam a opor esta pretensa unidade à diversidade constitutiva das lógicas de sua ação (DUBET, 1994). Se, a tarefa inicial do estudante ao acessar a universidade consiste na aprendizagem do ofício de estudante, isto é, aprender a cuidar-se para não ser eliminado ou para não se eliminar só porque permaneceu como estrangeiro num espaço para ele novo, o seu ingresso pode ser considerado uma passagem, no sentido etnológico do termo (VAN GENNEP, 1978), quando então o jovem vivencia o tempo do estranhamento, da aprendizagem e da afiliação (COULON, 2008). Na passagem para a educação superior, diante da simultaneidade de rupturas, o jovem busca autonomia (estuda agora com outros adultos); prepara-se para a vida ativa (trabalho, por exemplo); aprende a decidir a própria vida (inclusive estudar na universidade). Nestas condições, está presente para os estudantes o rompimento psicopedagógico respeitante às vivências do ensino médio (menos interações entre estudante e professor, sem tutela, no anonimato). A inquietação dos recémchegados ao mundo acadêmico leva-o a adotarem condutas estratégicas para sua sobrevivência,

frequentemente

despercebidas

no

âmbito

institucional,

com

evidências de que tais condutas os acompanham até a conclusão do curso. No Brasil, por exemplo, estudantes do período noturno têm dificuldades para conciliar estudos com trabalho profissional e para associar teorias à prática profissional. Eles se ressentem de informações mais amplas para decidir melhor a

186

respeito do curso e da profissão. Evadem-se, muitos, em decorrência da frágil formação recebida na educação básica (CARRANO, 2002)60. Já o professor universitário vivencia situações pessoais e profissionais no fluxo e refluxo das relações construídas no seu cotidiano, seja no plano individual ou coletivo. Tendo dificuldades de estabelecer efetivo diálogo com os estudantes, pode não articular a contento os aspectos informativos e os formativos da educação (VASCONCELOS; CÂMARA, 2011; VASCONCELOS, 2011a), não sendo raro internalizar que é mais viável formar-se na prática do que nos cursos oficiais (LÜDKE; BOING, 2012; LABAREE, 2004) ou que a indisciplina faz parte do dia a dia das salas de aula (GOMES et al., 2013). Desse modo, constroem identidades no exercício da docência, na interação com estudantes e colegas, gerando novas visões de mundo e de ser humano, com muitos desses professores a atuar em turmas numerosas – relacionado, mas, não necessariamente, com a intensa expansão da educação superior nas últimas décadas. Neste aspecto, longe da previsão do século passado de que haveria 100 milhões de estudantes na educação superior em 2025 (JOSPIN, 1999), já em 2004 havia 132 milhões e, se consideradas as taxas de crescimento previstas pela Unesco e pela OCDE, pode-se estimar já havendo para mais de 170 milhões de estudantes (UNESCO, 1999; OECD, 2010). No Brasil, eles são mais de seis milhões (BRASIL, 2012c), valendo ressaltar que, com o advento da chamada Lei das Cotas (BRASIL, 2012d), a ser implementada até 2016, as instituições federais de educação superior brasileiras deverão destinar 50,0% das vagas oferecidas em cursos de graduação a estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, devendo a metade destas vagas ser reservada aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 SM per capita e, independentemente da renda familiar, aquele percentual de 50,0% deverá reservar um mínimo de vagas para estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas61.

60

Em 2009, a taxa de escolarização bruta dos jovens brasileiros na faixa etária de 18 a 24 anos, educação superior, ficou em 26,7% (BRASIL, 2012c). O atual Plano Nacional de Educação define a meta de 50,0% para essa taxa (BRASIL, 2014). 61 Segundo a Lei das Cotas, esta reserva mínima será definida conforme a proporção de pretos (sic), pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde a instituição estiver instalada.

187

Intensificam-se as preocupações relacionadas à heterogeneidade dos públicos; à estranheza dos estudantes com relação às normas escolares; ao desconforto dos professores diante do nível dos estudantes; às novas diversidades introduzidas à medida que se abre o leque de acesso; à angústia dos estudantes. Com a expansão da educação superior em escala mundial, a universidade passou a acolher populações jovens de diversificadas formações socioculturais. Ser aluno significa dominar o currículo da sala de aula e ser adolescente e jovem significa transitar por corredores dos currículos da rua, podendo ser os pátios e as cercanias da escola e da universidade, onde eles se socializam e exercem protagonismo (GOMES; VASCONCELOS; LIMA, 2012). Assim, de alguma maneira, estudantes e professores seguem construindo, a seu modo, experiências sociais que podem ou não interagir. Este quadro impõe à universidade se definir menos em termos de valores a transferir ou de funções a desempenhar e mais em termos de capacidade para produzir ações combinadas, realçando um modelo organizacional não mais concebido como instrumento para institucionalizar valores. Com as profundas transformações sociais intensificadas a partir das duas últimas décadas no século passado, entraram em curso importantes processos de desinstitucionalização de escolas e universidades, explicados ora como mutação (DUBET, 1994, 1998, 2013), ora como crise (SANTOS, 2005). Se explicados como mutação, esses processos envolveriam a massificação da escola, a inflação dos diplomas, a fragmentação das fronteiras entre educação e instrução, a dispersão dos modelos educativos, dentre outros, contribuindo para aprofundar a separação entre as funções escolares de selecionar, educar e socializar. Se explicados como crise, e referindo-se particularmente à universidade, os processos de desinstitucionalização envolveriam a perda da exclusividade dos conhecimentos produzidos e transmitidos por ela, a diversificação dos perfis sociais dos destinatários destes conhecimentos e a perda da peculiaridade organizacional da universidade, caracterizando as chamadas crises de hegemonia, legitimidade e institucional. Este contexto parece convocar a universidade a realçar sua característica fundamental de ser lugar de diálogos (MENDES, 1968). Parece exigir da universidade o estabelecimento de diálogos estratégicos que contribuam, dentre

188

outros, para: fomentar um sistema educacional contínuo no qual se situam os estabelecimentos de educação básica e superior (UNESCO, 1999); tornar indissociáveis o ensino, a pesquisa e a extensão (BRASIL, 1988; 1996); promover a interação intergeracional, envolvendo estudantes e professores; articular aspectos informativos e formativos da educação; conectar os diversos tipos de conteúdos na sala de aula; estabelecer, na prática, vínculos entre concepções de ser humano e de projeto educativo. Caso contrário, poderá gerar distanciamento gradativo, com prejuízos não só no âmbito interno da universidade, mas no âmbito da relação mantida com a sociedade.

Nos

países

caribenhos

e

latino-americanos,

por

exemplo,

o

distanciamento entre instituições de educação superior e demais instâncias sociais tem produzido consequências como desigualdade e exclusão histórica dos indivíduos, grupos sociais e países (BRASIL, 2012f). Assim, diante de uma crise institucional da universidade como reflexo das crises de hegemonia e de legitimidade (SANTOS, 2005), seria o caso de considerar o quanto se torna necessário à universidade estabelecer diálogos para que enfrente melhor os processos de desinstitucionalização. É certo que a crise institucional envolve o declínio do Estado nacional, compreendido como o quadro político e cultural atrelado às sociedades modernas (DUBET, 2004; SANTOS, 2005; TOURAINE, 1997); envolve o fracasso do Estado-Providência, que, com suas reestruturações orçamentárias, frequentemente contribui para deteriorar políticas de habitação, saúde, educação, dentre outros tipos; envolve a pressão sofrida das empresas para que a universidade se faça mais presente no aumento da produtividade, o que leva ao desenvolvimento de múltiplos curricula e, junto com isto, à perda da autonomia (SANTOS, 2005). Tal é a rede de cenários em que se situa a universidade, parecendo fundamental a necessidade de estabelecer diálogos profícuos. Uma

mirada

estratégica

evidencia

que,

ao

atuar

como

instituição

racionalizadora da modernidade, a universidade vivencia contradições, como, por exemplo, quando recebe o jovem que, embora tenha dominado a multiplicidade de currículos e superado dificuldades de acesso à educação superior (SPOSITO, 2009), tem sido tratado à revelia da lição freireana a respeito da autonomia do ser do educando (FREIRE, 2009). Com tal contradição, desenvolve-se no estudante o tipo

189

de cultura voltada para a formação com foco no trabalho, para vincular, em seguida, à priorização do credenciamento de “competências gerais transferíveis”, visando a atender necessidades de empregadores (FIELDEN, 1999, p. 434). Dialeticamente, essa contradição se alimenta de decisões cotidianas, fortalecendo o problema da hegemonia e da legitimidade que, noutra rodada dialética, repercute na crise institucional (SANTOS, 2005). Contradições de tal natureza em parte decorrem da educação bancária, da pedagogia conteudista e monológica (FREIRE, 1987), compatível com o ideal da escola moderna, onde ressoa a racionalidade da modernidade sólida (BAUMAN, 2001). Nela existe algo não coetâneo da modernidade líquida, ou pós-modernidade, pois, simultaneamente à convivência dos conhecimentos estruturados como verdades incontestáveis transmitidos aos jovens com as normas e hábitos advindos da modernidade, as pessoas buscam compreender e compatibilizar lógicas de ação diferenciadas (DUBET, 1994; GATTI, 2005). Com Freire (1987), antes de ser apenas transmissão de conteúdos, a educação é problematizadora, portanto, dialógica e, por ter o diálogo em sua essência, considera a relação Eu-Tu e o mundo nesta relação. Tais entendimentos, se internalizados por diversos âmbitos da universidade, ressignificam a dinâmica curricular da sala de aula, pondo em relevo o papel desempenhado pelo professor, ator principal na concretização desta dinâmica – o processo educacional inicia e finaliza efetivamente na prática didático-pedagógica (CÂMARA, 1995). Embora até concebendo o currículo como projeto voltado para o desenvolvimento humano no âmbito de conteúdos, valores, atitudes e experiências, ou como uma construção que iniciaria na multiplicidade de práticas interrelacionadas por meio de decisões tomadas nos contextos social, cultural, político, ideológico e econômico (PACHECO, 2009), por vezes, o professor universitário parece reduzir sua atuação à conversão de informações em conhecimento. Há evidências de que, para ele e para a universidade, tornou-se difícil articular informação e formação (VASCONCELOS; CÂMARA, 2011; VASCONCELOS, 2011a). Desse modo, os aspectos informativos, e não a sua articulação com os formativos estariam sendo priorizados, com impactos na interação entre as experiências sociais de estudantes e de professores, distanciando o processo

190

educacional dos quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). Lembre-se que, além de tornar informação em conhecimento e consciência crítica, os professores podem contribuir para formar pessoas (GADOTTI, 2000). Ora, se o cerne da vida acadêmica está na interação entre vivências de estudantes e de professores organizadas para a operacionalização do currículo, seja explícito ou implícito, evidencia-se a relevância do diálogo, passível de identificação, análise e entendimento no âmbito da interação entre as experiências sociais de estudantes e de professores. Um importante lugar onde esta interação ocorre é a sala de aula. É um espaço onde se constrói o encontro de vivências, saberes, interesses e problemas conectados com a realidade (MASETTO, 2012), ou seja, lugar do complexo intercâmbio de experiências valorativas. Um lugar propício a ser o ponto de partida e de chegada para a construção de diálogos estratégicos na universidade, uma vez que oportuniza fundar a pedagogia dialógica, a educação dialógica (FREIRE, 1987, 2009), o currículo dialógico – intenção nem sempre concretizada. Diante dessas explicações, emergem as seguintes indagações: a) Existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula? Quais as manifestações mais correntes dessa interação? Caso exista essa interação, quais seriam as vinculações causais entre as experiências sociais e os sistemas que compõem o processo educacional? Quais seriam as semelhanças e as dessemelhanças entre essas vinculações causais? Em que medida essa possível interação atenderia aos quatro pilares da educação para o século XXI? b) Quais as lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes e professores na sala de aula? Como ocorre a conexão entre elas? c) Existe articulação entre os aspectos informativos e os formativos da educação na sala de aula e, em existindo, como se manifesta e em que medida contribui para a interação entre as experiências sociais de jovens estudantes e de professores? d) Quais as percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito da interação entre as experiências sociais, de uns e de outros,

191

construídas por eles na sala de aula? E como percebem os diálogos desenvolvidos na sala de aula? Em síntese, a presente pesquisa buscará identificar: quais os aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade?

2.2. JUSTIFICATIVA

Os avanços científicos e tecnológicos sem precedentes vivenciados pela atual sociedade

têm

provocado

mudanças

nos

planos

cultural,

existencial

e

socioeconômico. Para atender aos apelos e às exigências de um mundo que muda a uma velocidade estonteante, diversos países promovem debates com o objetivo de promover alterações em seus sistemas de educação superior, envolvendo o incentivo a novas formas de aprendizagem e produção, gestão e desenvolvimento de conhecimentos (SPELLER; ROBL; MENEGHEL, 2012). Dos professores se exigem novos valores, habilidades e conhecimentos para não se perder de vista o sentido das práticas educativas (CUNHA, Célio da; SOUSA; SILVA, 2012). Dos alunos se exige capacidade para aprender o ofício de estudante (COULON, 2008). Neste contexto, torna-se relevante investigar e apresentar aspectos dessas práticas educativas e modos de aprender, priorizando oportunidades que se oferecerem, durante a investigação, à construção de identidades de alunos e de professores no complexo intercâmbio de experiências sociais desenvolvidas no ambiente da sala de aula da universidade. Tal priorização, por si só, já contribui para descobrir como estudantes e professores conseguem lidar com a heterogeneidade de princípios que caracteriza o mundo atual. Nesta heterogeneidade, estudantes e professores interagem segundo lógicas de ação inscritas num processo educacional composto por sistemas relativamente autônomos,

configurados

à

semelhança

dos

sistemas

de

integração,

de

interdependência e de ação histórico, explicados pela sociologia da experiência (DUBET, 1994). A identificação dessas lógicas enquanto se desenrolam os papéis sociais, à medida que o processo educacional se desenvolve, esteve presente nesta

192

pesquisa com o fito de contribuir para tornar evidentes valores, interesses e subjetividades presentes nas interações sociais existentes na sala de aula. Tais lógicas se vinculam aleatoriamente e não segundo uma espécie de necessidade natural (DUBET, 1994), sendo suporte da construção de experiências sociais ocorrida na pluralidade de valores e na ruptura. Ao descobrir se há interações entre essas experiências, no ambiente da sala de aula e, caso existam, descobrir de que maneira elas se desenvolvem, a pesquisa apresenta-se como uma iniciativa favorável ao estabelecimento de um processo educacional atualizado com as estruturas sociais de um mundo fragmentado e dissolvido na modernidade líquida (BAUMAN, 2001, 2007). Um mundo que não mais se explica a partir da ideia de mera identificação do ator com o sistema. Com estas descobertas, identificar as vinculações causais entre as experiências sociais e os sistemas relativamente autônomos, compositivos do processo educacional, poderá contribuir para que este se atualize, por isto mesmo, porque há certa autonomia de sistemas implícitos e diversas são as lógicas de ação utilizadas por estudantes e professores durante as interações sociais. Isto tudo num mundo que exige, cada vez mais, da educação, processos formativos direcionados para a integralidade humana. Que exige da educação uma prática em que seus aspectos informativos e formativos sejam articulados, tornandose esteio para a concretização das orientações do Relatório Delors com relação aos quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). Um relatório que, apesar de estar voltado para a educação básica, em sua essência, aplica-se à educação superior porquanto prioriza a renovação contínua do conhecimento; a necessidade de relacionar teorias e práticas na formação profissional; o trabalho cooperativo e em rede que considera as diversidades; a ética geral profissional. Desse modo, ao se constatar nesta pesquisa a existência da articulação informar-formar, bem como em que medida ela contribui para a interação entre experiências sociais desenvolvidas na sala de aula, ficam mais evidentes aspectos relacionados à concretização dos quatro pilares da educação para o século XXI – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Com efeito, como afirmam Delors e colaboradores (DELORS et al., 1998), o aprender a ser envolve o desenvolvimento total da pessoa: espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, responsabilidade pessoal e espiritualidade.

193

Neste sentido, aspectos relacionados aos diálogos construídos na sala de aula, evidenciados pela pesquisa, podem fazer parte de estratégias favoráveis à solução de problemas como violência escolar, aborrecimento e desinteresse dos alunos quanto à escola como um todo e quanto à universidade em particular 62. Portanto, podem contribuir para a elaboração de políticas públicas, pois apresenta aspectos que se desdobram do nível micro para o nível da macroexistência do fenômeno educativo. Políticas públicas que, certamente, incluem os processos de formação de professores. Questões relacionadas à educação, ao trabalho, à cultura, ao lazer e às mídias, dentre outras, emergem e evidenciam-se na sala de aula, especialmente na universidade. Por isto, a partir destas evidências, a pesquisa apresenta-se como um contributo para a concretização da pedagogia dialógica, que pode situar-se no detalhe da ação docente e no âmbito global. Neste âmbito, o institucional refere-se tanto ao ato educativo como à elaboração de leis, normas e pareceres. Neste sentido, a pesquisa pode auxiliar o professor empenhado na busca por falar aos estudantes, simultaneamente à prática da escuta de indagações e dúvidas, com estes exercitando o direito de dizer sobre a cultura do seu grupo e sobre seus ideais, refletindo num processo educacional que valoriza a efetiva comunicação na sala de aula. Com as descobertas aqui apresentadas, tal professor poderá visualizar oportunidades de acessar os saberes dos estudantes, sendo levado a refletir com eles a respeito dos porquês destes saberes na relação com o mundo. Ou ainda oportunidades de crescer com eles na diferença, no respeito mútuo às respectivas autonomias enquanto seres humanos (FREIRE, 2009) – tudo isto favorável à elaboração e execução de projetos voltados para a efetiva escuta do jovem. Desse modo, por ter construído argumentações úteis à construção de diálogos entre estudantes e professores, a pesquisa poderá contribuir com reflexões a respeito de uma universidade que se renova e oferece respostas à sociedade, que se democratiza, pois admite a crítica, sobretudo, dos estudantes. Com efeito, o exercício da argumentação refina conteúdos acadêmicos ensinados (RIBEIRO, 2006). Neste aspecto, ao contribuir para aprimorar ou desenvolver a capacidade crítica, abrirá perspectivas de observação em favor da ação docente e ação

62

Ver Glossário, termo escola e universidade.

194

institucional, resultando em que estudantes, professores e demais componentes da instituição se assumam como efetivos responsáveis pela solução de problemas relacionados com a educação. A pesquisa poderá contribuir também para compreender os processos de desinstitucionalização da universidade (DUBET, 1994; SANTOS, 2005), o que fortalecerá a fundamental característica da universidade de ser um lugar de diálogo (MENDES, 1968). Com isto, serão construídos diálogos estratégicos favoráveis à integração de um sistema educacional do qual fazem parte estabelecimentos de educação básica e superior; tornar-se-á mais estreita a associação entre ensino, pesquisa e extensão; promover-se-á maior interação intergeracional; se articularão aspectos informativos e formativos da educação, portanto, viabilizando-se a concretização dos quatro pilares da educação para o século XXI no âmbito da universidade; haverá maior articulação entre os diversos tipos de conteúdos desenvolvidos pelo professor na sala de aula e se estabelecerão vínculos entre concepções de ser humano e de projeto educativo. Desse modo, a pesquisa apresenta-se como uma contribuição para o aprimoramento do processo de adaptação da universidade à heterogeneidade de públicos proporcionada pela expansão da educação superior, podendo amenizar a estranheza de estudantes quanto às normas escolares e o desconforto de professores diante do alegado nível daqueles. Portanto, numa primeira perspectiva, a pesquisa possui a potencialidade de favorecer discussões sobre a construção da pedagogia dialógica na universidade, bem como do currículo capaz de dialogar com o jovem estudante a partir de vivências e oportunidades que se desdobram ou são criadas na sala de aula. Isto auxilia a universidade a lidar melhor com determinadas contradições que emergem com os processos de desinstitucionalização. Auxilia a se renovar, a situar os estudantes e suas necessidades no centro de sua atenção (UNESCO, 1999), bem como a promover uma cooperação internacional baseada na solidariedade e no respeito mútuo, além de promover valores humanísticos e o diálogo intercultural (UNESCO, 2009). Numa segunda perspectiva, ao resgatar as formulações teóricas da sociologia da experiência, a pesquisa evidencia o potencial contributivo de, inicialmente, clarificar, confirmar ou não e, depois, se for o caso, enriquecer as concepções a

195

respeito desta sociologia (DUBET, 1994). Isto porque agrega informações e explicações conectadas com as diversas realidades relativas à vida cotidiana de estudantes e professores em sua interação social. Constatou-se a ausência de pesquisas com o objetivo de investigar a dinâmica de interação entre as experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade, tendo presentes os processos de desinstitucionalização sofridos por ela. Neste sentido, a pesquisa apresenta aspectos que podem contribuir para a formulação de teorias relacionadas a regras que organizam as atividades de estudantes e professores voltadas para a construção de identidade social, retalhada a partir da modernidade63. Cabe ressaltar que, para realizar suas pesquisas, Dubet (1994, 1998, 2003, 2008, 2013) tem utilizado bastante os contextos da França, um país desenvolvido, porém, com profundos contrastes sociais e grandes dificuldades com a juventude e a adolescência. As situações escolares estudadas pelo autor, em grande parte, transcendem à realidade imediata daquele país e pertencem ao mundo global, incluindo os conceitos de adolescência e juventude nas globalidades. Portanto, são estudos transnacionais. Em geral, os estudantes estão descontentes, desinteressados, querendo participar de decisões e realidades do tempo atual. Assim, os objetos de reflexão daquele autor a respeito destas realidades emergem da globalização, que não correspondem mais às explicações das teorias clássicas. Suas teorizações tornam cristalina a ação humana num mundo globalizado, fragmentado, na dispersão de comportamentos e atitudes mergulhados em processos de racionalização. Ele estuda os processos de desinstitucionalização, componentes de uma dinâmica que se faz presente tanto na França como no Brasil e em outros países, exigindo de universidades de várias partes do mundo, cada vez mais, o exercício do diálogo em seu dia a dia. Portanto, as questões de fundo deste trabalho pertencem ao mundo globalizado e fragmentado, independentemente do país onde as teorias que o fundamentam tenham sido formuladas.

63

Para Dubet (1994, p. 183) falta estabelecer uma teoria da gramática dessas atividades, que seria “o objeto de uma sociologia da experiência” .

196

Numa terceira perspectiva, a pesquisa tem o potencial de contribuir para as metodologias de investigação científica, pois oferece a visualização de nuanças na utilização de técnicas, procedimentos e demais trajetórias que têm caracterizado o estudo de caso como delineamento de investigação. Tendo sido um estudo etnossociológico, tratado como estudo de casos múltiplos, do ponto de vista metodológico a pesquisa pode contribuir para compreender os rigorosos percursos que o caracterizam. A partir de inúmeras interrogações elaboradas durante o desenvolvimento de tal método e deixadas como conclusão – em itinerário que vai do como ao porque –, a pesquisa desmistifica algumas ideias, como a de que o estudo de caso serve apenas como ferramenta de pesquisa preliminar ou como mera estratégia exploratória de uma investigação. Desse modo, tendo como foco a interação de experiências sociais desenvolvidas na universidade e contando com um método abrangente que inclui a lógica do projeto, as técnicas de coleta/geração e a análise de dados, a pesquisa apresenta-se como um contributo para o uso do estudo de caso – um empreendimento considerado ainda desafiador para as ciências sociais (YIN, 2010).

2.3. OBJETIVOS

2.3.1. Objetivo geral

Investigar aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade.

2.3.2. Objetivos específicos

a) Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. b) Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula.

197

c) Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade. d) Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade. e) Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade. f) Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade. g) Verificar se existe articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. h) Verificar como se desenvolve a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. i) Averiguar em que medida a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, desenvolvida na sala de aula da universidade, contribui para a interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores. j) Averiguar em que medida a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores atende aos quatro pilares da educação para o século XXI. k) Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade. l) Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito de diálogos desenvolvidos por eles na sala de aula da universidade. Para melhor compreensão, criou-se um quadro com as questões de pesquisa, objetivos específicos e literatura utilizada (Apêndice B, Quadro 38), bem como uma figura que apresenta a localização de resultados e análises, neste trabalho, na confluência com os objetivos específicos (ver Fig. 16). 2.4. METODOLOGIA 2.4.1. Definição e descrição do tipo de pesquisa

198

A investigação é de natureza qualitativa e exploratória. Sendo qualitativa, perpassa disciplinas, estudos e problemas subjetivos, cercando-se por termos, conceitos e suposições – desse modo, aspectos como vivências pessoais, histórias de vida e artefatos envolvidos na cultura mostraram-se relevantes porque possibilitaram descrever e interpretar o cotidiano dos participantes com base em significações oriundas destes aspectos (DENZIN; LINCOLN, 2000). Sendo exploratória, buscou transcender ao já descrito por outras pesquisas relacionadas ao tema. Com esta natureza, buscou familiaridade com os problemas relacionados à pesquisa para explicitá-los, aprimorar ideias, o que propiciou oportunidades de construir uma hipótese (GIL, 2002). A matéria-prima com a qual se trabalhou constituiu-se de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes presentes nas rotinas dos participantes (MINAYO, 2009). Com essas características, ficou favorecido o alcance dos objetivos da investigação científica, pois se realizaram descobertas no campo da educação relacionadas com as interações sociais dos indivíduos, as concepções de mundo, de ser humano e de escola – ambiente social distinto, onde discentes e docentes vivenciam processos comuns de socialização, de concretização de interesses e de manifestação de subjetividades. De acordo com Gatti (2005), as novas pesquisas educacionais têm abandonado a visão moderna de que as ações dos docentes explicariam plenamente a relação educativa. Segundo estas investigações, as rotinas e as rupturas do processo educacional, suas normas externas e os consensos nos grupos, além da imposição e negociação, da lição e interpretação, do código culto geral e códigos locais, todos estes aspectos têm marcado presença nas relações escolares

que

resultam em alternativas de

convivência

e aprendizagem,

frequentemente sem padrões definidos. Para a autora, os estudos mais recentes em educação têm priorizado saber em que medida os currículos têm atuado em milhares de escolas e salas de aula nas quais as pessoas criam de maneiras diferenciadas os modos de ser e de entender o seu mundo e o mundo em geral. Seguindo esta trilha interpretativa, quaisquer epistemologias positivistas ficam rejeitadas por pretenderem uma separação entre pesquisador e participantes, entre teoria e prática, entre indivíduo e sociedade. Conforme sua concepção de eficácia

199

metodológica, esta existiria somente em havendo um distanciamento cognitivo entre cientista e objeto de investigação (DURKHEIM, 2006). A pesquisa não se ateve a uma sociologia crítica, que, embora tenha caráter denunciador, reforça a visão positivista por pressupor a exclusividade do sociólogo na descoberta de fatos, via regularidades estatísticas, gostos e comportamentos dos participantes. Para manter coerência com o seu objetivo, esta pesquisa fez, nos termos de Dubet (1994), uma diligência compreensiva. Tencionou uma investigação das “relações estabelecidas entre o sentido definido pelos atores [os participantes] e aquele que os sociólogos [os pesquisadores] podem reconstruir” (p. 235). Nesta perspectiva, utilizou o modelo operatório ternário das três lógicas teorizado por Dubet (1994) como ponto de partida para coletar e gerar dados, bem como para proceder às análises. As definições do autor a partir da sociologia da experiência foram compatíveis com os objetivos da presente pesquisa, pois tal sociologia visa a aprofundar a questão da subjetividade, do trabalho desenvolvido e da autonomia dos indivíduos, interpretando condutas e falas por meio dos materiais construídos nas categorias banais do dia a dia. Além disso, tal área do conhecimento considera que as argumentações recíprocas entre pesquisador e participantes constituem material passível da investigação científica e não resíduos ou óbices ao conhecimento. Este fato levou esta pesquisa a ser uma análise sociológica credível ao remeter às vivências dos atores, bem como a comportamentos e atitudes. Levou esta pesquisa a ser verossímil aos olhos dos participantes, presente o diálogo que se construiu entre estes e o pesquisador, todos concebidos como capazes de conhecer e refletir. Compatíveis com esta pesquisa foram também os itinerários de investigação elaborados por Pais (2003) em seus estudos a respeito das culturas juvenis. Foram adequados porque, de acordo com a filosofia do conhecimento ali assumida, “é a própria realidade que nos obriga a transitar de uns a outros dos seus aspectos e, paralelamente, de uns conceitos a outros” (p. 65). Em seus estudos, aquele autor partiu dos mecanismos infinitesimais dos modos de vida dos participantes, estratégias e táticas cotidianas. Para abrir possibilidades, o autor optou por descalçar luvas teóricas, costumeiramente tomadas para captar fatos ajustados a determinadas teorias. Dessa maneira, ao considerar o cotidiano dos jovens, os estudos de Pais (2003) se situaram no âmbito da etnografia,

200

desprendendo-se do fluxo e refluxo de correntes explicativas do tema estudado (as culturas juvenis). Assim, como esta pesquisa possui caráter qualitativo com foco em experiências sociais, assumiu-se posição epistemológica aberta à construção do diálogo entre pesquisador e interlocutores no seu dia a dia, favorecendo a descoberta de continuidades e descontinuidades dos diálogos realizados entre eles – captou-se ao modo weberiano o sentido da realidade cotidiana para os participantes. No entanto, descalçar luvas teóricas não implica abrir mão de determinadas proposições teóricas, efetivamente reflexos das questões de pesquisa e das preocupações com a revisão da literatura (YIN, 2010). Por isto, tornou-se necessário elaborar e seguir um plano capaz de ligar estas questões, os dados coletados e gerados e as conclusões (ROBSON, 2011), na conexão entre o fazer do pesquisador e o interesse quanto à educação. Este plano constituiu-se no delineamento capaz de expressar num amplo espectro o desenvolvimento da investigação. Assim, optou-se pelo estudo de caso. Isto porque as questões de pesquisa enfatizaram o como e o por quê, portanto, referiram-se mais a vínculos operacionais do que a frequências (YIN, 2010). Além disso, os dados foram fornecidos mais por pessoas e menos por papéis em eventos contemporâneos reais sobre os quais o pesquisador tinha pouco controle (GIL, 2002; STAKE, 1995)64. Na busca de uma ampla visualização do problema, ou identificação de aspectos influentes sobre este, ou vice-versa (GIL, 2002), o estudo de caso apresentou-se adequado ao objetivo da pesquisa. Portanto, deteve-se sobre um conjunto de relações para logo à frente organizar e preservar “o caráter unitário do objeto social estudado” (GOODE; HATT, 1975, p. 422). Além disso, sendo um estudo de caso, obteve-se visão ampla e articulada de uma unidade social complexa, o que poderá favorecer a expansão das experiências do leitor, liberando o pesquisador de esquemas teóricos fechados e contribuindo para a solução de problemas da prática educacional (ANDRÉ, 2005).

64

Cabe informar que, dentre os participantes, duas professoras eram conhecidas do autor.

201

Do ponto de vista epistemológico, aproximou-se de um estudo de caso etnossociológico, pois enfatizou o conhecimento singular. Nos termos de Bertaux (2005), contribuiu com o estudo de determinado fragmento da realidade históricosocial, com foco, dentre outros componentes, nas suas lógicas. Para André (2005), recomenda-se o uso do estudo de caso etnográfico no âmbito da educação quando se busca conhecer alguma instância em particular, em sua complexidade e totalidade, para retratar o seu dinamismo o mais próximo possível da realidade. Segundo André (2005), certos requisitos da etnografia não precisam ser cumpridos pelo pesquisador de questões educacionais porque, no primeiro caso, o principal interesse está na cultura e, no segundo, no processo educacional. Se, por exemplo, com Pais (2003), tornou-se conveniente partir de algum conceito de cultura compatível com a perspectiva metodológica adotada, nesta pesquisa tornou-se crucial partir da ideia de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores em processos educativos claramente definidos e desenvolvidos em períodos de tempo e circunstâncias também claramente definidos. Como recurso metodológico, a pesquisa constituiu-se num estudo de caso instrumental, pois a curiosidade norteou a busca da compreensão global do tema. Constituiu-se também num estudo de caso coletivo, pois estudos individuais giraram em torno dessa compreensão global (STAKE, 1995). Tal se configurou o trabalho, em que os casos foram estudados na perspectiva de conjunto. O pesquisador explorou em profundidade amplas situações, generalizáveis às proposições teóricas, não às populações ou aos universos da pesquisa (YIN, 2010). Identificou por meio do estudo da interação das experiências sociais certos aspectos do diálogo desenvolvido por jovens estudantes e professores na dinâmica da sala de aula e, subsidiariamente, no desenvolvimento de projetos de pesquisa e de extensão. E como se tornou necessário replicar as oportunidades desta identificação, realizada em função deste interesse, justificou-se a utilização do estudo de casos múltiplos (YIN, 2010).

2.4.2. Campo da pesquisa e participantes

O campo da pesquisa e os participantes foram organizados em função da escolha pelo estudo de casos múltiplos. Para facilitar o entendimento, elaborou-se

202

um quadro (Quadro 13) seguido por explicações. Mais à frente, apresentam-se as justificativas das escolhas dos componentes do estudo de casos múltiplos, com prioridade a construção de diálogos na sala de aula da universidade. Cabe ressaltar que a organização e as escolhas projetadas constituíram um esboço provisório (HERNÁNDEZ SAMPIERI; FERNÁNDEZ COLLADO; BAPTISTA LUCIO, 2013) que, durante o processo de execução do projeto, sofreram pequenos ajustes. Quadro 13 – Componentes do estudo de casos múltiplos. Campo da pesquisa Universidade

Cursos

Casos únicos (unidades de análise) 65

Número

Componentes

Licenciatura em Letras (LL)

1

Interações entre experiências sociais construídas por A1, A2, A3, A4, P1, P2 e P3

Licenciatura em Pedagogia (LP)

2

Interações entre experiências sociais construídas por A5, A6, A7, A8, P4, P5 e P6

2 cursos

2 casos

14 participantes

Privada

1 universidade

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7 e A8 – Alunos. P1, P2, P3, P4, P5 e P6 – Professoras.

O campo da pesquisa constituiu-se numa universidade. Isto porque esta se propõe a educar a educação básica ao formar profissionais que nesta atuarão. Como a educação superior exerce função relevante na educação para toda a vida (DELORS et al., 1998), uma universidade constitui componente essencial num sistema contínuo iniciado na educação infantil (UNESCO, 1999)66. Além disso, este tipo de instituição de educação superior preocupa-se com o ensino, pesquisa e extensão, propondo-se a desenvolver mediações pedagógicas nos currículos escolares e na interação educacional que, no limite, sejam capazes de concretizar um diálogo entre os diversos atores que compõem o conjunto educacional. Por último, cabe acrescentar que, no Brasil, em 2011, apesar de representar apenas 8,0% do total de instituições da educação superior, as universidades participaram com o percentual 53,8% das matrículas realizadas em cursos de

65

Por questão estética, neste trabalho, as siglas LL e LP servirão para designar, respectivamente, os cursos de Licenciatura em Letras e Licenciatura em Pedagogia. 66 Apesar de ser voltado para a educação básica, o Relatório Delors, aqui aludido, aplica-se à educação superior na medida em que prioriza a contínua renovação do conhecimento ao propor os quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et. al, 1998).

203

graduação, sendo que, do percentual de participação, 42,4% das matrículas foram realizadas nas universidades públicas e 57,5% nas universidades privadas (BRASIL, 2012e). A universidade escolhida é privada, confessional67, porque este tipo de instituição de educação superior se apoia fundamentalmente em referenciais teóricos que sustentam, dentre outros, uma formação para a integralidade humana e profissional que prioriza o diálogo entre o corpo docente e o discente – conforme se verificou no Projeto Pedagógico Institucional (PPI), no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e no Regimento de algumas universidades com este perfil. Tendo essa natureza, propõe-se a contribuir para a concretização de amplo diálogo entre os atores que compõem o sistema educacional brasileiro até alcançar as interações sociais de docentes e discentes. Desse modo, por sua própria natureza confessional, a universidade escolhida assume publicamente em seus documentos estratégicos um compromisso educacional global com o estudante, envolvendo, de um lado, uma estruturação ética da subjetividade e, de outro, uma formação humanística e a capacitação científico-tecnológica que confere ao estudante competência e compromisso social. Tal universidade localiza-se em Brasília, cidade com enorme diversidade sociocultural de populações advindas de diversas regiões do Brasil (estudantes ou suas famílias), o que, ao fim e ao cabo, amplia possibilidades de identificação de aspectos relacionados ao objeto de pesquisa. O campo da pesquisa limitou-se a dois cursos de licenciatura, Letras e Pedagogia (Apêndice F, Quadro 45) os quais, respectivamente, tiveram, entre 2007 e 2009, 79,0% e 74,0% de estudantes trabalhadores (RISTOFF, 2013). Escolheu-se o primeiro porque ele se propõe a evidenciar a relação dialética entre o pragmatismo da atual sociedade e o cultivo de valores humanistas, simultaneamente à busca pela promoção, dentre outros, da associação entre ensino, pesquisa e extensão, com

67

A Constituição da República Federativa do Brasil 1988 (BRASIL, 1988) estabelece, em seu art. 207, que as universidades obedeçam ao princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisaextensão e, em seu art. 209, que o ensino seja livre à iniciativa privada – desde que autorizado pelo Poder Público e se cumpram as normas gerais da educação nacional. Já a LDBEN (BRASIL, 1996) estabelece, em seu art. 20, que as instituições privadas de ensino sejam enquadradas como particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, cabendo ressaltar que, exceto quando for particular em sentido estrito, elas poderão receber recursos públicos, conforme prevê o art. 213 da dita Constituição (BRASIL, 1988).

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base no conceito de currículo como construção cultural capaz de propiciar a aquisição do saber de maneira articulada (BRASIL, 2001). Escolheu-se o segundo curso por ser ele multimodal, com cinco modalidades formativas (BRASIL, 2006a). Além disso, estudantes e professores do curso se comprometem com um processo educacional que prioriza aspectos relevantes para a pesquisa que gravitam em torno da construção de amplo diálogo na universidade, tais como: a) Articulação entre conhecimentos científicos e conhecimentos culturais (sic), valores éticos e valores estéticos, presentes nos processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo envolvendo diferentes visões de mundo. b) Aplicação ao campo da educação de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. c) Pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos que se consolidam no exercício da profissão de professor, fundamentados em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. De maneira que os dois cursos, voltados para a formação de formadores, foram escolhidos em função de seu efeito germinativo: 1) LL forma professores para a comunicação, altamente sensível ao capital cultural dos estudantes; 2) LP forma os chamados especialistas de educação, além de professores para educação infantil e ensino fundamental. Cabe ressaltar que a formação de formadores requer a articulação entre informação e formação, bem como o preparo para o diálogo por meio do diálogo. Os participantes, por sua vez, foram estudantes e professoras desses dois cursos, tendo sido escolhidos estes grupamentos humanos por oferecerem amplas oportunidades de descortinar aspectos da interação social entre eles e decifrar diálogos implícitos ao processo educacional. Neste sentido, por um lado, foram identificados e escolhidos estudantes com perfis diferenciados, o que ampliou oportunidades de estabelecer padrões das possíveis descobertas, segundo critérios como idade e participação em projetos de pesquisa e projetos de extensão. Por sua vez, as professoras foram escolhidas porque têm perfis diferenciados dos demais

205

professores dos cursos, seguindo-se critérios como formação, trajetória acadêmicoprofissional, área de conhecimento das disciplinas ministradas, tempo de ensino e idade. Os participantes foram selecionados dentre um universo de 693 estudantes matriculados nos dois cursos. Assim, seguem informações sobre o universo de estudantes, por curso e por conjunto de disciplinas que participaram da pesquisa: 1) 416 do curso de LL, com 56 matriculados nas disciplinas Prática de Análise da Linguagem III, Prática de Análise da Linguagem IV e Sintaxe e suas Interfaces; 2) 277 do curso de LP, com 96 matriculados nas disciplinas Matemática e seu Ensino e Estágio Supervisionado I – Prática no Ensino Fundamental (duas professoras participantes nesta disciplina). Para a identificação e escolha dos participantes contou-se com a colaboração da direção dos cursos e com as informações dos curricula vitae dos docentes, constantes da

Plataforma Lattes coordenada pelo Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência de Tecnologia. Oportuno ressaltar que, como participantes da pesquisa, os estudantes e as professoras se submeteram às definições do Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A), fazendo-o de forma esclarecida e voluntária (Apêndice H), sendo respeitados em sua condição sociocultural e faixa etária, tudo de acordo com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – haja vista se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos (BRASIL, 2012g). Tendo a pesquisa assumido o desenho de estudo de caso etnossociológico, com características do estudo de caso instrumental e coletivo (STAKE, 1995), foram pesquisadas interações das experiências sociais dos participantes organizadas em dois conjuntos, o corpo discente e o corpo docente, com foco na construção de diálogos, priorizando-se a sala de aula, mas estendendo-se os fatos relatados a outras atividades, tais como pesquisa e extensão. Considerando que o campo da pesquisa limitou-se a dois cursos, tal desenho possui dois casos únicos (YIN, 2010). Os casos únicos foram construídos a partir daquelas interações, ocorridas durante o período em que se realizou a pesquisa. Foram efetivados mapeamentos de oportunidades de interação. No primeiro caso único, mapearam-se interações

206

presentes entre: 1) os quatro estudantes do curso de LL (ver Fig. 6); 2) os quatro estudantes do curso de LL e as três professoras daquele curso (ver Fig. 7). Figura 6 – Oportunidades de interação: Letras, estudantes. P1

A2

A1

P3 P3 P1

P1

P1

P3

P1 P1

A4

A3

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A1, A2, A3 e A4 – Alunos. P1 e P3 – Professores. Figura 7 – Oportunidades de interação: Letras, estudantes e professoras.

A1

P3

A2

P1

A3

P2

A4

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A1, A2, A3 e A4 – Alunos. P1, P2 e P3 – Professores.

Já no segundo caso único, mapearam-se interações presentes entre: 1) os quatro estudantes do curso de LP (ver Fig. 8); 2) os quatro estudantes do curso de LP e as três professoras daquele curso (ver Fig. 9). De modo que, reunidos, os dois casos únicos compuseram o estudo de casos múltiplos.

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Figura 8 – Oportunidades de interação: Pedagogia, estudantes.

A8

A5 P4

P4

P4, P5

P4

P4 A6

A7

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A5, A6, A7 e A8 – Alunos. P4 e P5 – Professores. Figura 9 – Oportunidades de interação: Pedagogia, estudantes e professoras. P5

A5

P6

A6

P4

A7

A8

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A5, A6, A7 e A8 – Alunos. P4, P5 e P6 – Professores. As Figuras 6, 7, 8 e 9 representam as oportunidades de interação dos participantes ocorridas durante o período da pesquisa. Cada seta representa um conjunto dessas oportunidades, envolvendo os participantes por ela apontados68. Cada oportunidade, uma aula. As setas preenchidas representam os conjuntos de aulas das professoras que participaram da pesquisa; as setas pontilhadas, os conjuntos de aulas de professores do mesmo curso que não participaram da

68

Durante a pesquisa, estudantes e professores se encontraram uma vez por semana em quatro aulas seguidas, sendo as duas primeiras separadas das duas últimas por um intervalo de 10 minutos, conforme caracterização a seguir: a) turno matutino, de 8h00 às 9h40 e de 9h50 às 11h30; b) noturno, de 19h20 às 21h00 e de 21h10 às 22h50.

208

pesquisa. Nas Figuras 6 e 8, próximo às setas se situam as convenções utilizadas para as professoras participantes, cujas aulas contaram com a presença dos estudantes que participaram da pesquisa – servem para mostrar que aquelas aulas foram dadas por aquela determinada professora. Assim, considerando que os estudantes mantiveram encontros conforme as respectivas turmas (vinculações apresentadas nas Figuras 6, 7, 8 e 9), que as cargas-horárias das disciplinas eram diferentes e que o total destas cargas-horárias, por cursos, totalizaram, respectivamente, 240 e 410 aulas no semestre letivo (Apêndice F, Quadro 46), tem-se que: 1) os estudantes do curso de LL tiveram 540 oportunidades para interagir entre si em aulas dos professores participantes e 80 oportunidades em aulas de um professor que não participou da pesquisa (ver Fig. 6); 2) os estudantes do curso de LL tiveram 640 oportunidades para interagir com as professoras participantes e outras 320 oportunidades com professores que não participaram da pesquisa69; 3) os estudantes do curso de LP tiveram 780 oportunidades para interagir entre si em aulas das professoras participantes e 1.560 oportunidades em aulas de três professores que não participaram da pesquisa (ver Fig. 8); 4) os estudantes do curso de LP tiveram 910 oportunidades para interagir com as professoras participantes e outras 1.430 oportunidades com quatro professores que não participaram da pesquisa70. Desse modo, totalizam 6.260 oportunidades de interação dos participantes no semestre em que se realizou a pesquisa71. Portanto, os casos únicos corresponderam a unidades de análise, considerando-se que a pesquisa se constituiu num estudo de casos múltiplos, tendo reunido aspectos das interações entre estudantes e respectivos professores no âmbito de cada um dos cursos. Isto possibilitou coletar e gerar dados relacionados a temas presentes no cotidiano escolar. Estes temas estiveram relacionados com os recursos dos quais os participantes lançavam mão para construir suas identidades e com recursos que 69

Oportunidades não representadas na Figura 7 por mera questão estética, contabilizadas a partir de dados coletados junto aos alunos participantes. 70 Idem, em relação à Figura 9. 71 Obviamente, este não é o universo de oportunidades aproveitadas pela pesquisa, pois o período da coleta e geração de dados foi apenas o início do semestre. De todo modo, fica demonstrado o potencial de pesquisa nos casos em que poucos são os participantes. O fulcro está em que se refere o empreendimento científico à busca de informações pela via da investigação qualitativa e não quantitativa.

209

possibilitaram identificar vinculações causais entre experiências sociais e sistemas com os quais estas mais se relacionaram (integração, interdependência e ação histórico) (DUBET, 1994). Finalmente, cabe ressaltar dois aspectos. Em primeiro lugar, apesar de ser possível estabelecer comparações entre os casos estudados, a primeira ênfase recaiu na compreensão de cada caso com o objetivo de particularizar e não generalizar (STAKE, 1995). Com efeito, o método pressupõe a concentração de estudos num conjunto de pessoas que vivenciam ou vivenciaram situações sociais distintas (BERTAUX, 2005). Noutros termos, embora as interações estudadas possam apresentar convergências e divergências, tomou-se cada caso em sua singularidade (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Em segundo lugar, no que se refere ao número de participantes (uma universidade, dois cursos, oito estudantes e seis professoras): 1) em estudos de natureza qualitativa, em vez dos participantes em si, pretende-se evidenciar as representações, os conhecimentos, as práticas, os comportamentos e as atitudes (DESLANDES, 2009); 2) o foco da investigação científica não recaiu sobre a universidade ou sobre os cursos em si, mas tomou como referência as oportunidades oferecidas para um estudo exaustivo dos aspectos envolvidos nas interações que, em conjuntos distintos, constituíram as duas unidades de análise (STAKE, 1995; YIN, 2010); 3) adotou-se a lógica da replicação (YIN, 2010), configurando maior consistência, pois não se tratou de uma amostra estatística, e sim de um estudo em que se determinou a posteriori o chamado ponto de saturação dos dados coletados e gerados. Neste sentido, a acumulação de informações ao longo do processo de pesquisa mostrou-se determinante para estabelecer o momento de parar a coleta e geração de dados. 2.4.3. Técnicas, instrumentos e procedimentos Para Yin (2010), “o processo de coleta de dados para o estudo de caso é mais complexo do que os usados nos outros métodos de pesquisa” (p. 152), exigindo do investigador uma versatilidade metodológica e capacidade para seguir certos procedimentos formais.

210

Diante disto e como o estudo de caso não se constitui numa investigação por amostragem (STAKE, 1995; YIN, 2010), no sentido de uma miniaturização da realidade para fazer generalizações clássicas, utilizou-se mais de uma fonte de evidência. Inicialmente, duas fontes de evidências foram definidas, em caráter provisório, haja vista ter ocorrido em função do primeiro recorte e da consequente seleção de aspectos julgados relevantes à pesquisa (ANDRÉ, 2005). Entendeu-se imediatamente que à observação e à entrevista poderia ser acrescentada a análise documental. À frente, de acordo com a respectiva fonte de evidência, procedeu-se à escolha das técnicas – tendo sido observadas suas conexões com os temas, as questões de pesquisa e os objetivos específicos (Apêndice B, Quadro 37) – e aos respectivos instrumentos de coleta e geração de dados, bem como aos procedimentos cabíveis (Quadro 14). Desse modo, a observação, a entrevista e a análise documental constituíramse nas fontes de evidência utilizadas nesta pesquisa. Utilizou-se a observação porque esta é uma fonte pela qual se captam situações durante sua ocorrência, sendo necessária em coletas de dados relacionados a comportamentos e condições ambientais, à disposição do pesquisador, em simultaneidade à utilização de outras técnicas (YIN, 2010). Utilizou-se a entrevista porque a opção metodológica recaiu sobre o estudo de casos múltiplos, método favorável a diferenciadas possibilidades de compreensão. Para Stake (1995), esta é a principal via para as realidades múltiplas e, de acordo com Yin (2010), é uma fonte de informação das mais relevantes para o estudo de caso. Conforme André (2005), a entrevista se constitui numa das principais fontes de evidência no estudo de caso etnográfico em seu objetivo de desvelar significados que os entrevistados atribuem a alguma situação. Por fim, utilizou-se a análise documental porque se buscou captar a riqueza de detalhes também sem o contato com os participantes (GIL, 2002), obtendo informações em documentação selecionada, de modo a atender aos objetivos predeterminados, e formatando-as convenientemente para, ao fim, representá-las de modo diferente ao encontrado (BARDIN, 2009).

211

Quadro 14 – Fontes de evidência, técnicas, instrumentos e procedimentos. Fontes de evidência

Observação

Instrumentos de coleta e geração de dados (Apêndice C)

Procedimentos

Observação direta

Roteiro de observação direta.

Técnica utilizada com 24 aulas, sendo quatro aulas de cada uma das seis professoras participantes. Tendo cada aula 50 minutos, totalizaram 1.200 minutos, sendo 600 minutos no curso de LL e 600 minutos no curso de LP (Apêndice F, Quadro 47; Apêndice E, Tabela 1), o que gerou uma média de: 1) 200 minutos de observação por professor (independente do curso) e 2) 150 minutos por estudante, sendo 75 minutos por estudante do curso de LL e 85 minutos por estudante do curso de LP (ver Fig. 5 a 8; Apêndice E, Tabela 1).

Relato de vida

Roteiro do relato de vida (alunos e professoras) e Roteiro da replicação (alunos e professoras).

Técnicas utilizadas 27 vezes, sendo duas vezes com sete estudantes, uma vez com um estudante e duas vezes com as seis professoras. Os relatos de vida e suas replicações com os estudantes duraram 499 minutos e com as professoras 367 minutos. Portanto, totalizaram 866 minutos, sendo 457 minutos no curso de LL e 409 minutos no curso de LP (Apêndice E, Tabela 2).

Roteiro da validação de resultados.

Técnica utilizada duas vezes com dois grupos de participantes, sendo cada grupo constituído por um estudante e uma professora do mesmo curso. As duas entrevistas duraram 49 minutos, sendo 12 minutos no curso de LL e 37 minutos no curso de LP (Apêndice E, Tabela 3).

Roteiro da análise documental.

Técnica utilizada oito vezes, sendo uma vez no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de LL, uma vez no PPC de LP, bem como uma vez em cada um dos seis Planos de Ensino (PE) das disciplinas ministradas pelas professoras participantes. Foram analisadas 128 páginas do PPC do primeiro curso e 101 páginas do segundo; 11 páginas dos PEs do primeiro curso e 11 do segundo, o que totalizou 251 páginas analisadas. As análises interpretativas e críticas duraram 556 minutos com os PPCs e 60 minutos com os PEs. Portanto, totalizaram 616 minutos, sendo 320 minutos no curso de LL e 296 minutos no curso de LP (Apêndice E, Tabela 4).

Técnicas

Entrevista

Entrevista estruturada

Análise documental

Análise interpretativa e crítica

Fonte: elaboração do autor. Considerando estas fontes de evidência, a primeira técnica utilizada constituiu-se na observação direta, para estar o mais próximo possível das interações sociais desenvolvidas pelos participantes. Revelou-se útil, pois serviu

212

também como preparo para as entrevistas, contribuindo para: 1) compreender preliminarmente as interações ocorridas entre as experiências sociais de estudantes e de professores na sala de aula; 2) aprimorar o tópico inicial das entrevistas; 3) evidenciar lacunas a serem preenchidas pelas perguntas realizadas após as primeiras respostas durante as entrevistas (BAUER; GASKELL, 2008). Durante a utilização da técnica fizeram-se anotações de relatos informais de estudantes e professores que serviram para indicar caminhos a serem seguidos durante as entrevistas. Utilizou-se instrumento observacional (Apêndice C), tendo em conta a conexão entre os objetivos específicos da pesquisa e os itens do roteiro utilizado (Apêndice B, Quadro 39). A segunda técnica aplicada recaiu sobre o relato de vida, compatível com a opção epistemológica da pesquisa, pois se buscou identificar aspectos do cotidiano dos participantes. De acordo com Bertaux (2005), esta técnica é uma modalidade de entrevista em que uma parte da experiência de vida do narrador passa a ser objeto de exame, podendo mesmo, conforme lembram Bauer e Gaskell (2008), ser comparada a uma entrevista semiestruturada enriquecida por relatos de vida. Como nesta pesquisa as entrevistas assumiram o caráter de diálogos, incentivou-se cada participante a levar em conta suas vivências através de perspectivas eleitas pelo pesquisador. Como se estas fossem filtros (BERTAUX, 2005) coerentes com a agenda da pesquisa. Por meio de tais filtros, em seu papel de ativar o esquema da história, o pesquisador provocou relatos, conservando-os em andamento conforme planejado e traduzindo questões do seu interesse em questões de interesse do participante. Por seu turno, os entrevistados foram considerados mais no papel de informantes do que de respondentes (BERTAUX, 2005; BAUER; GASKELL, 2008; YIN, 2010), com entrevistas em profundidade realizadas em mais de uma ocasião (YIN, 2010). Dessa maneira, às vezes assumindo uma pedagogia investigativa72 (MARTINS, 1997), foram utilizados instrumentos para geração de dados (Apêndice C), tendo em conta a conexão entre os objetivos específicos da pesquisa e os itens de cada roteiro (Apêndice B, Quadro 39).

72

Técnica “em que o pesquisador desencadeia a investigação a partir das perguntas que o grupo estudado lhe faz, perguntando através de respostas para obter novas perguntas” (MARTINS, 1997, p. 14).

213

Após os relatos de vida, os quais sucederam às observações, elaborou-se um relatório parcial, conforme previra o projeto de pesquisa, tendo sequência em toda a fase de coleta e geração de dados. Tal relatório compôs-se de informações relacionadas com: 1) a caracterização dos participantes, cursos, disciplinas e aulas; 2) as estratégias para coleta e geração de dados; 3) a obtenção de dados além dos gerados com os relatos de vida; 4) as anotações do diário de pesquisa (Apêndice G). O relatório mostra fatos relevantes e resultados parciais do desenvolvimento da pesquisa (BRASIL, 2012g). Evidencia matizes do percurso que se seguiu da observação direta até às análises interpretativas e críticas de documentos institucionais da universidade onde ocorreu a pesquisa. Passa pelas replicações das entrevistas realizadas até ocorrer saturação teórica, fortalecendo constatações e acrescentando dados (YIN, 2010). Para aplicação e replicação dos relatos de vida foram utilizados três roteiros (Apêndice C): 1) Relato de vida com os alunos; 2) Relato de vida com as professoras; 3) Replicação com alunos e professoras. Na utilização dos roteiros considerou-se permanentemente a conexão entre seus itens e os objetivos da pesquisa (Apêndice B, Quadro 39), tendo-se cumprido o projeto de pesquisa para que se incluísse nos roteiros informações advindas das observações diretas73. A terceira técnica constituiu-se na entrevista estruturada, tendo servido para validar resultados obtidos, uma validação realizada por alguns participantes (BARDIN, 2009) escolhidos porque, dentre todos, mantiveram a maior frequência de encontros uns com os outros. Para aplicação desta técnica utilizou-se um roteiro específico (Apêndice C). A quarta técnica, análise interpretativa e crítica de documentos, auxiliou a consecução dos objetivos da pesquisa, pois possibilitou reunir informações relacionadas aos aspectos do processo educacional conforme previsto nos PPCs dos cursos e nos PEs das disciplinas. Assim, para verificar se existia e como se desenvolvia a interação das experiências sociais tornou-se necessário utilizar técnicas de observação direta e relatos de vida. Para identificar vinculações causais entre experiências sociais e sistemas tornou-se necessário analisar criticamente aqueles documentos, tendo sido

73

Além disso, conforme previsto no projeto de pesquisa, foram observadas as quatro fases de uma entrevista narrativa de acordo com a proposta de Bauer e Gaskell (2008): iniciação, narração central, perguntas e fala conclusiva.

214

reunidas informações que caracterizassem (ou não) o processo educacional como um sistema social (ver Objetivo Específico c). Para identificar lógicas de ação utilizadas pelos participantes recorreu-se à observação direta e ao relato de vida. Para estabelecer relações entre estas lógicas utilizou-se a análise crítica, tendo sido reunidas informações dos PPCs e PEs relacionadas à construção destas lógicas (ver Objetivo Específico f). Para verificar se existia e como se desenvolvia a articulação entre aspectos informativos e formativos da educação foram utilizados a observação direta e o relato de vida. Para averiguar de que modo esta articulação contribuía para a interação entre as experiências sociais e, de que modo atendia aos quatro pilares da educação para o século XXI, utilizou-se a técnica análise interpretativa e crítica, tendo sido reunidas informações relacionadas a possíveis direcionadores de uma prática didáticopedagógica capaz de promover aquela articulação (ver Objetivos Específicos i e j). Quanto à utilização desta última técnica, vivenciaram-se as dificuldades de traçar limites entre a fase da coleta e/ou geração de dados e a da análise da pesquisa. No entanto, considerando que documentos aportam informações diretamente, coube fazer triagens, criticá-los e julgar sua pertinência para a pesquisa (LAVILLE; DIONNE, 1999). Procedeu-se à associação de ideias expressas nos PPCs e PEs com ideias conhecidas pelo pesquisador sobre o tema da pesquisa (MARCONI; LAKATOS, 2010), de modo a reunir informações favoráveis à consecução dos objetivos específicos c, f, i e j. De maneira que os roteiros para utilização das quatro técnicas, acima mencionadas, foram desenvolvidos como parte do Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A). Este se tornou um recurso útil para guiar a coleta e a geração de dados. Sendo mais do que um questionário ou um instrumento, mas contendo os próprios instrumentos, bem como procedimentos e regras gerais, tal recurso configurou-se como imprescindível à realização do estudo de casos múltiplos. Confirmou as orientações de Yin (2010), para quem não se pode abrir mão do protocolo para desenvolver estudos do tipo, pois seu uso eleva a confiabilidade da pesquisa e orienta o pesquisador na coleta e geração de dados. Finalmente, cabe destacar três aspectos. Em primeiro lugar, para a coleta e a geração de dados obedeceu-se a três princípios: 1) uso de múltiplas fontes de evidência, triangulando-as, de modo a relacionar aspectos identificados; 2) uso de

215

uma base de dados do estudo de caso, contendo anotações em diário de pesquisa, folders, registros em sítios eletrônicos, documentos, tabelas e narrativas; 3) encadeamento de evidências, indo das questões de pesquisa até o relatório final ao modo do Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) (YIN, 2010). Em segundo lugar, apesar de ser o projeto de pesquisa passível de alteração, os procedimentos resguardaram as preocupações e os objetivos teóricos originais, que permaneceram intactos e guardaram consonância com as diretrizes do estudo de casos múltiplos (YIN, 2010). Em terceiro e último lugar, no que coube, pois se tratou de uma pesquisa qualitativa, estes procedimentos foram submetidos a teste74.

2.4.4. Análise de dados

Conforme Yin (2010), a análise de evidências se constitui na etapa mais difícil da realização de um estudo de caso. Nesta pesquisa, esboçou-se inicialmente uma estratégia analítica a partir de alguma organização e de escolhas, mas sujeitas a alterações (HERNÁNDEZ SAMPIERI; FERNÁNDEZ COLLADO; BAPTISTA LUCIO, 2013). De fato, alterou-se porque as análises iniciaram desde a coleta e a geração de dados, um procedimento justificado porque se tratou de uma investigação etnossociológica e, conforme a literatura, quando se realiza a geração de dados em vários encontros com o mesmo grupo ou indivíduos, o processo de análise pode iniciar logo depois do primeiro encontro. Desse modo, tal estratégia inicial contribuiu para encaminhar as atividades que estavam a se suceder, descobrir lacunas de informação, incluir pontos não abordados e/ou relevantes e aperfeiçoar procedimentos de pesquisa (Apêndice G). Os resultados alcançados incorporaram-se àquela estratégia provisória, gerando-se uma linha evolutiva das entrevistas, que passaram a considerar as informações da análise interpretativa e crítica dos documentos estudados, tendo sido enriquecidas já pelas análises iniciais (BERTAUX, 2005). Do que resultou a elaboração de uma estratégia geral e definição de técnicas (YIN, 2010), compatíveis com os níveis das questões de pesquisa descritas no Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) (Quadro 15).

74

Foram entrevistadas uma aluna e uma professora do curso de Licenciatura em Pedagogia de uma universidade privada localizada em Brasília. O teste contribuiu para alinhar procedimentos.

216

Quadro 15 – Estratégia geral de análise, níveis das questões e técnicas. Estratégia geral de análise de dados

Níveis das questões de pesquisa

Técnicas

1e2

1. Análise de conteúdo (BARDIN, 2009). 2. Valência das experiências sociais (a partir de DUBET, 1994).

3e4

3. Síntese cruzada de casos (STAKE, 1995; YIN, 2010).

Proposições teóricas que levaram ao estudo de casos múltiplos (YIN, 2010)

Fonte: elaboração do autor. A estratégia geral de análise de dados utilizada tomou como base as proposições teóricas que levaram ao estudo de casos múltiplos – as quais refletiram as questões de pesquisa e a revisão da literatura. Esta estratégia é muito utilizada em estudos de caso. Sua relevância está em que o pesquisador dirige sua atenção a certos dados, bem como contribui para organizar informações e análises, tendo como foco questões do tipo como e por quê – como é o caso desta pesquisa (YIN, 2010)75. Visando a confirmar a pertinência da escolha da estratégia geral, seguiu-se o que Yin (2010) chama brincar com os dados, tendo sido útil para visualizar os modos de analisar os dados, tendo servido mesmo como prelúdio na sistematização do que seria analisado. Os dados foram coletados e gerados no âmbito dos objetivos da pesquisa classificados como lógicas de ação, informação e formação e interação social (Apêndice G), tomados inicialmente para testar a pertinência da estratégia geral, o que levou a confirmar, inclusive, o previsto no Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) de que a cada nível de questão haveria de corresponder técnicas de análises diferentes. Assim, para analisar os dados relacionados às questões de níveis 1 e 2 utilizaram-se a análise de conteúdo e a valência das experiências sociais (BARDIN, 2009; DUBET, 1994). Para analisar os dados atinentes às questões de níveis 3 e 4 utilizou-se a síntese cruzada de casos (STAKE, 1995; YIN, 2010). Subsidiariamente, para os dados relativos a todas as questões, utilizaram-se os percursos metodológicos que valeram resultados às pesquisas de Pais (2003, 2005) e 75

Yin (2010) menciona quatro estratégias gerais: 1) Contando com proposições teóricas; 2) Desenvolvimento da descrição do caso; 3) Uso de dados qualitativos e quantitativos; 4) Pensando sobre explanações rivais. Nesta pesquisa, utilizou-se a primeira delas.

217

Vasconcelos (2011a, 2012), bem como as orientações de Bauer e Gaskell (2008) e Bertaux (2005). Cabe ressaltar que a interpretação dos relatos de vida, nesta pesquisa, não assumiu caráter de linearidade. Com efeito, para Pais (2005, p. 85), “interpretar um relato de vida não é dar-lhe um sentido de linearidade mais ou menos fundamentado, mas apreciar a pluralidade de que a vida é feita”. Por último, oportuno informar que se elaborou um relatório parcial, conforme previsto no projeto de pesquisa. Nele constam informações relacionadas aos resultados e discussão do corpus da pesquisa, bem como anotações do diário de pesquisa (Apêndice G).

1.4.4.1. Análise dos dados relacionados às questões de níveis 1 e 2 A análise de conteúdo, denominada nesta seção meramente técnica (Quadro 15), constitui-se efetivamente num composto de técnicas, tendo se mostrado adequada

à

pesquisa

porque

se

aplica

a

discursos

diversificados,

independentemente da natureza dos códigos e suportes implicados, sejam linguísticos, icônicos ou semióticos (BARDIN, 2009) – presentes nos diálogos mantidos entre participantes e pesquisador e identificados nas observações e nos documentos que passaram por uma interpretação e crítica. Sendo um conjunto de técnicas de análise das comunicações, com procedimentos específicos de acordo com os objetivos a serem alcançados, a análise de conteúdo possibilita ao pesquisador compreender os significados implícitos na linguagem dos participantes (ORLANDI, 2005), mas altera o olhar do investigador, pois velhos e novos significados se encontram em jogo. Neste sentido, esse conjunto de técnicas compatibilizou com a análise sociológica desenvolvida porque tanto esta quanto a análise de conteúdo se constituem no problema das relações entre o sentido endógeno da ação (os participantes, alcançando pessoas que elaboraram PPCs e PEs) e o sentido reconstruído (o pesquisador). Esta fusão de horizontes proporcionou a interpretação das entrevistas ao juntar “estruturas de relevância dos informantes com as do entrevistador” (BAUER; GASKELL, 2008, p. 107).

218

Para Bardin (2009), a análise de conteúdo se desenvolve a partir de três polos cronológicos: 1) A pré-análise, momento de leitura flutuante de textos, seguida pela escolha de documentos, formulação das hipóteses (se houver), objetivos e elaboração de indicadores (quando houver hipótese) e preparação do material; 2) A exploração do material, momento da codificação, decomposição ou enumeração; 3) O tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Nesta pesquisa, as proposições teóricas refletidas em componentes da classificação adotada para os objetivos específicos (Apêndice G) deram entrada à exploração do material, o que resultou na diferenciação das unidades de contexto e unidades de registro implícitas àquelas proposições. O recorte dos dados concentrou-se na identificação dos núcleos de sentido, exigindo do pesquisador a evidenciação de modelos lógicos, representados aqui por desenhos (ver Fig. 10, 11, 12 e 13) elaborados à raiz das transcrições das falas até alcançar as sentenças sintéticas (BAUER; GASKELL, 2008). Desse modo, viabilizou-se a comparação entre os temas em emergência (BERTAUX, 2005). Cada uma das Figuras 10, 11, 12 e 13 está composta por um retângulo grande e outro estreito, à direta, separados por setas. Cada um dos retângulos grandes se organiza da seguinte maneira, indo da esquerda para a direita: à esquerda, um retângulo contém um grupo de objetivos (podendo ser lógicas de ação, informação/formação ou interação social) e a problemática da associação entre ensino, pesquisa e extensão. No centro de cada uma das figuras (vinculados àquele retângulo por meio de linhas), outros retângulos, no interior dos quais se inserem componentes do respectivo grupo de objetivos. À direita (vinculados ao anterior por meio de linhas), diversos retângulos mais alongados, no interior dos quais se encontram as unidades de contexto. Já os retângulos estreitos, localizados cada um após a seta, contêm a expressão unidades de registro e se prestam a situar os temas emergentes (Apêndice D, Quadros 41, 42 e 43).

219

Figura 10 – Modelo lógico da exploração do material: lógicas de ação.

Unidades de contexto relacionadas às lógicas de ação

Identidade integradora: os valores adquiridos fora da universidade Identidade integradora: os valores adquiridos na universidade Identidade integradora: valores que diferenciam dos colegas Lógica da integração

Pertencimento ao grupo: valores buscados Tensões entre os seus valores e os dos outros: valores dos quais procura se afastar

Interesses Lógicas de ação

Lógica da estratégia

Uso do poder de influência para concretizar interesses Limites da intencionalidade racional: o que concorre com seus interesses

Críticas normativas

Lógica da subjetivação

Críticas cognitivas Tensões entre os componentes da herança cultural e os componentes da intencionalidade racional Identidade subjetiva: empenhamento em modelos culturais Dificuldades para se empenhar em modelos culturais: obstáculos à expressão da subjetividade

Fonte: elaboração do autor, com base em Dubet (1994).

Unidades de registro

Identidade estratégica: poder de influenciar os colegas

220

Figura 11 – Modelo lógico da exploração do material: ensino-pesquisa-extensão.

Unidades de contexto relacionadas à indissociabilidade

Ensino

Associação

Pesquisa

Extensão

Unidades de registro

Estratégias de formação por meio da pesquisa e extensão Formação, interação social e indissociabilidade Estratégias de formação por meio da pesquisa e extensão Formação, interação social e indissociabilidade Estratégias de formação por meio da pesquisa e extensão Formação, interação social e indissociabilidade

Fontes: elaboração do autor.

Figura 12 – Modelo lógico da exploração do material: informação e formação.

Unidades de contexto relacionadas à articulação informar-formar

Carga de informações

Formar

Aptidões para resolver problemas

Informação e formação

Razão e emoção: metodologias favoráveis ao equilíbrio Articulação

Articulação entre os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais Projetos de pesquisa e extensão

Fonte: elaboração do autor.

Unidades de registro

Informar

221

Figura 13 – Modelo lógico da exploração do material: interação social.

Unidades de contexto relacionadas à interação social Conceito de interação e possibilidades

Abertura para a interação social Projetos de pesquisa e extensão

Interação social

Conceito de diálogo e possibilidades Diálogo

Atuação didático-pedagógica

Unidades de registro

Atuação didático-pedagógica Interação

Abertura ao diálogo Projetos de pesquisa e extensão

Fonte: elaboração do autor. Caracteriza-se, assim, que as componentes de cada um daqueles grupos de objetivos76 (não os próprios objetivos específicos, em si, mas as componentes das proposições teóricas envolvidas) serviram como critério de recorte para definir as unidades de contexto, tendo sido útil para proporcionar melhor compreensão do significado destas unidades. Segundo Pais (2005, p. 94), as unidades de contexto “revelam-se como marcos interpretativos que ajudam a por em relevância as unidades de registro”. Com relação ao critério de recorte para estabelecer as unidades de registro, optou-se por defini-lo como semântico e não linguístico. Portanto, buscaram-se temas, compreendidos estes como “elementos a fazer parte de um conjunto previamente constituído pela diferenciação, [podendo ou não ser] reagrupados de acordo com o gênero e os critérios já definidos” (VASCONCELOS, 2011a, p. 60; BARDIN, 2009).

76

A problemática da associação entre ensino, pesquisa e extensão é mencionada aqui separadamente dos grupos de objetivos porque as questões relacionadas a ela foram identificadas só com os primeiros relatos de experiências sociais pelos participantes.

222

Tendo sido decidido que as unidades de registro77 seriam temas – portanto uma análise temática – optou-se pela regra da presença ou ausência deles nos dados coletados e gerados como o critério de enumeração (BARDIN, 2009). Buscou-se garantir também maior confiabilidade aos temas, haja vista a diversidade de afirmações dos participantes. Para isto, cruzaram-se informações, tendo sido considerados certos fatores a partir das caracterizações dos participantes e demais informações obtidas (Quadro 16). Quadro 16 – Fatores de confiabilidade dos temas. Fatores

Fontes de evidência

Oportunidades de interação entre estudantes e professores (ver Fig. 6, 7, 8 e 9). Participações em projetos de pesquisa e extensão (Apêndice F, Quadro 44). Afirmações de participantes sobre resultados da pesquisa (Apêndice C).

Entrevistas e observações

Afirmações de participantes a respeito de colegas (Apêndice C). Constatações durante as observações na sala de aula (Apêndice C). Contatos informais com estudantes.

Observações

Fonte: elaboração do autor.

Em função da diversidade de aspectos identificados, optou-se por não categorizar as unidades de registro, que permaneceram como material utilizado para identificar e explicitar a identidade social dos participantes, as caracterizações do processo educacional e as descrições das interações sociais, bem como as constatações da pesquisa que emergiram como especificidades dos casos estudados. Com efeito, para Bardin (2009), “a divisão das componentes das mensagens analisadas em rubricas ou categorias não é uma etapa obrigatória de toda e qualquer análise de conteúdo” (p. 145). Como explica a autora mais à frente na obra referenciada, “classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com outros” (p. 146)78. No caso desta pesquisa, buscou-se

77

Cabe, então, distinguir entre unidade de contexto, unidade de análise e unidade de registro. Nesta pesquisa, a primeira é um marco interpretativo, a segunda é cada caso único e a terceira é o tema, tudo reunido ao redor dos aspectos relevantes da dinâmica de interação das experiências sociais dos participantes. 78 Em princípio, poder-se-ia entender que, nesta pesquisa, as unidades de contexto seriam as categorias. No entanto, como esta pesquisa tem natureza exploratória, sem a apresentação de

223

identificar pontos convergentes e divergentes, gerados com as entrevistas, procedendo-se a uma triangulação com a observação direta e a análise interpretativa e crítica. Assim, após a exploração do material e tratamento dos resultados (Seções 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5), passou-se à realização de inferências e interpretações (Seção 4.1), cabendo realçar que só neste momento então se utilizou a técnica denominada aqui de valência das experiências sociais. Tal técnica resulta da adaptação dos conceitos de valência forte ou fraca conforme foram atribuídos por Dubet (1994) às lógicas de ação identificadas em pesquisas realizadas com estudantes. Este autor tipifica as experiências sociais, hierarquizando-as conforme o tipo de oferta educativa e organizando os dados em função dos objetivos de suas investigações. Para realizar essa tipificação, aquele autor considerou que teriam valência forte ou fraca as lógicas de ação que impulsionam (ou contribuem para) condutas que se aproximam para mais ou para menos, respectivamente, das noções de comunidade,

mercado

ou

sistema

cultural,

conforme

caracterizações

pré-

estabelecidas. Assim, o autor utiliza conceitos de lógica forte ou fraca para analisar aquela oferta, considerando aqueles aspectos. Nesta pesquisa não interessou tipificar experiências sociais identificadas, mas apontar aquelas que, nos relacionamentos estabelecidos entre os participantes, contribuem ou impactam a maior articulação entre aspectos informativos e formativos da educação; a interação social entre eles; a associação entre ensino, pesquisa e extensão na medida em que sejam capazes de favorecer esta articulação, esta interação social e esta associação. Dito de outro modo, forte ou fraco são conceitos utilizados para significar, respectivamente, a aproximação ou o distanciamento de condutas que contribuem para a ocorrência daquela articulação, daquela interação social e daquela associação.

1.4.4.2. Análise dos dados relacionados às questões de níveis 3 e 4

hipóteses, não caberia estabelecer previamente um critério de organização do material (BARDIN, 2009).

224

Para elaborar as questões de níveis 3 e 4 realizou-se a síntese cruzada de dados, utilizando-se a estratégia geral de análise dos casos. Esta técnica recorre a tabelas de palavras-chave para reunir aspectos comuns dos casos únicos considerados – o que exige do pesquisador menos o uso de tabulações numéricas e mais uma forte interpretação argumentativa. Desse modo, visando à qualidade necessária à obtenção de um conjunto de conclusões de cross-case, a análise de dados buscou aproveitar exaustivamente as evidências. Focou com prioridade aspectos da interação das experiências sociais discentes e docentes, tendo como suporte a revisão da literatura (YIN, 2010). Sem se deixar enclausurar por determinadas teorias, manteve-se na perspectiva de ultrapassar quaisquer significados imediatamente oferecidos, mas com base nas proposições teóricas geradoras das questões de pesquisa (YIN, 2010). Não perdeu de vista o objetivo geral que norteou a investigação científica. Tal objetivo consubstanciou-se em objetivos específicos. O recurso da classificação desses objetivos em quatro grupos (lógicas de ação, informação e formação, experiências sociais e interação social), bem como com a inclusão de novo grupo (pesquisa e extensão), serviu não só para realizar a exploração do material e tratamento dos resultados, mas para fazer inferências e interpretações. Tornou-se útil para realizar relevantes vinculações entre os aspectos investigados. Enfim, possibilitou identificar pontos de conexão entre aspectos e contextos da pesquisa (universidade como um todo, atividades de pesquisa e extensão, cursos de licenciatura, sala de aula) (ver Fig. 14). Figura 14 – Ligações entre grupos de objetivos e contextos da pesquisa. Lógicas de ação Informação e formação

Universidade Atividades de pesquisa e extensão Cursos de licenciatura

Fonte: elaboração do autor.

Experiências sociais

Sala de aula Interação social

225

Na Figura 14, os retângulos abrigam os grupos de objetivos, os círculos os contextos em que se situaram as experiências sociais identificadas e as setas representam a direção principal tomada pelos objetivos na relação com os contextos – sem a pretensão de rígida separação entre os componentes, desde os aspectos investigados até os contextos, mas tão só para facilitar os trabalhos. A classificação dos objetivos em grupos, bem como o grupo relativo a atividades de pesquisa e extensão, serviu também para verificar contribuições e impactos, respectivamente, da presença e ausência da articulação informar-formar sobre o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). Isto resultou na elaboração de seis questões de nível 3 (Seções 4.2.2 a 4.2.7), o que, em seguida, à frente com as análises, levaram à elaboração de seis questões de nível 4 (Seções 4.3.2 a 4.3.6). O percurso metodológico seguido, e que conduziu à elaboração destas questões, está presente numa figura que também representa a ponta da estratégia geral de análise dos casos estudados (YIN, 2010). Tal representação não se sustenta em rígida separação entre aspectos, mas tão só apresenta possibilidades de localizá-los melhor do contexto da pesquisa (ver Fig. 15). Na Figura 15, o retângulo da esquerda representa as contribuições de experiências sociais, que resultam da articulação entre informar-formar, para o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). O retângulo da direita representa os impactos da ausência desta articulação sobre este cumprimento. Os círculos no centro representam os quatro pilares, estando unidos por um círculo de linha preenchida. As setas indicam a direção principal das contribuições para e a direção principal dos impactos sobre cada um deles. Enlaçando toda a figura está um círculo maior, de linha pontilhada, o qual representa as relações entre as lógicas de ação e os mecanismos da interação das experiências sociais. Assim, cada pilar liga-se a uma contribuição e a um impacto, todos mergulhados no contexto dessas relações e desses mecanismos, tendo, tudo isso, gerado a possibilidade de formular 12 novas questões, sendo seis de nível 3 e seis de nível 4.

226

Figura 15 – Percurso metodológico da elaboração de novas questões.

Quatro pilares

Aprender a fazer

Aprender a conviver

Impactos

Contribuições

Aprender a conhecer

Aprender a ser

Relações entre lógicas de ação e Mecanismos da interação das experiências sociais

Questões de nível 3 (com resposta, a partir da empiria)

Questões de nível 4 (sem respostas, para futuros estudos)

Fonte: elaboração do autor.

227

CAPÍTULO 3: RESULTADOS DA PESQUISA

3.1.

CONTEXTOS DA PESQUISA

3.1.1. Introdução

Esta investigação científica problematiza a interação das experiências sociais construídas por estudantes e professores no ambiente de uma universidade, partindo de algumas questões: Há interação entre as experiências sociais? Caso haja, como se desenvolve? Como se vinculam experiências aos sistemas que compõem o processo educacional? Quais as lógicas de ação que impulsionam os envolvidos? Como se articulam os aspectos informativos aos formativos da educação e como esta articulação favorece a interação das experiências sociais? Quais as percepções de estudantes e de professores a respeito da interação? Como percebem os diálogos que desenvolvem? O contexto é o de uma universidade, tendo sido estabelecido o objetivo de investigar aspectos relevantes da dinâmica de interação entre aquelas experiências, construídas enquanto se desenvolvem os processos educacionais de dois cursos de licenciatura, isto é, cursos voltados para a formação de educadores: Letras e Pedagogia. Toma-se como locus de investigação a sala de aula, mas amplia-se a busca de aspectos relacionados àquela dinâmica ao âmbito em que se desenvolvem atividades de pesquisa e extensão. Uma ampliação que se deu na medida dos relatos e observações desenvolvidos ao longo dos processos de geração e coleta de dados. Configura que, se o foco da pesquisa é aquela interação, os contextos em que elas são construídas são diferentes. Trata-se de identificar aspectos afetos à interação a partir de quatro contextos: a universidade, os projetos de pesquisa e extensão, os cursos de licenciatura e a sala de aula. Desse modo, antes de apresentar os resultados, vale destacar aspectos de determinadas problemáticas sociais situadas nestes contextos.

3.1.2. Universidade: estudante-trabalhador e trabalhador-estudante

228

Diante da expansão da educação superior em escala mundial, as instituições a ela vinculadas passaram a acolher e continuam acolhendo populações de diversificadas origens socioculturais, com impacto, por exemplo, em políticas educacionais, currículos e práticas didático-pedagógicas. A intensa expansão da educação superior, principalmente nas últimas décadas, é uma realidade, não sendo diferente no Brasil, cujo Plano Nacional de Educação em vigor estabelece, dentre outras, metas para o aumento da oferta de matrículas na educação superior, bem como na educação profissional técnica de nível médio (BRASIL, 2014). Segundo estatísticas da Unesco, a quantidade de estudantes em todo o mundo passou de 13 para 65 milhões, de 1960 a 1991 (FIELDEN, 1999). No final do século passado, estimou-se que haveria 100 milhões de estudantes na educação superior em 2025 (JOSPIN, 1999). Em 2004, já havia 132 milhões. Considerando as taxas de crescimento previstas pela Unesco e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pode-se estimar a existência para mais de 170 milhões de estudantes na educação superior (UNESCO, 1999; OECD, 2010). Se tomados como referência somente os jovens com idade entre 20 e 24 anos, nos países que compõem a União Europeia, cerca de 19,5 milhões de pessoas estão na educação superior (EUROSTAT, 2012a). Só no Brasil, o Censo da Educação Superior 2010 já registrara 6,3 milhões de estudantes, sendo 74,2% de matriculas nas instituições privadas e os demais nas públicas (BRASIL, 2012c) para chegar, conforme o Censo da Educação Superior 2012 (CENSO..., 2013), a mais de sete milhões. Relacionado ao assunto, no Brasil, o atual Plano Nacional de Educação estabelece metas a serem alcançadas em todos os níveis da educação até 2024. Para a educação superior, a meta 12 daquele Plano estabelece a elevação da taxa bruta de matrícula para 50,0% e a taxa líquida para 33,0% da população de 18 a 24 anos, tendo que se assegurar a qualidade da oferta. Para a educação profissional técnica de nível médio, a meta 11 determina a triplicação das matrículas, também com garantia da qualidade da oferta (BRASIL, 2014). Em face da democratização da educação superior, em grande parte, as universidades mantêm estudantes-trabalhadores e trabalhadores-estudantes. Como já mencionado neste trabalho, do total de 30 milhões de brasileiros que se

229

encontravam na faixa etária de 15 a 24 anos, de 2001 a 2011, os que só trabalhavam aumentaram de 32,0% para 34,6% (BRASIL, 2012f). Se considerados apenas estudantes da educação superior, no período de 2007 a 2009, o percentual dos que trabalhavam e estudavam ficou em 56,0%, conforme estudo elaborado pelo Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior no Brasil (GEA), da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais/Brasil (Flacso) (RISTOFF, 2013). No estudo realizado, foram utilizados como base os questionários obrigatórios a que se submeteram estudantes que realizaram as provas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) naquele período, com o objetivo de construir o perfil socioeconômico. Os dados do estudo evidenciaram que, daquele percentual, 27,0% recebiam ajuda para se sustentar, 10,0% afirmaram que se sustentavam com seu trabalho, 13,5% declararam que se sustentavam e contribuíam para sustentar a família e 5,5% informaram ser o principal responsável pelo sustento da família. Quando o foco do estudo recaiu sobre os cursos analisados, verificou-se que apenas 28,0% deles contavam com estudantes que não trabalhavam, sendo em sua maioria cursos da área da Saúde, cabendo destacar que os cursos com os menores percentuais de estudantes trabalhadores foram Medicina (8,0%), Odontologia (15,0%) e Medicina Veterinária e Zootecnia (20,0%). Verificou-se, ao contrário, que a maioria dos cursos contava com estudantes que trabalhavam, sendo em sua maioria cursos de licenciatura, isto é, que formam professores (quase a metade dos cursos), cabendo destacar que Pedagogia e Letras tiveram, respectivamente, 79,0% e 74,0% de estudantes trabalhadores (RISTOFF, 2013). Esta é uma das muitas perspectivas do cenário, muito amplamente apresentada, em que estudantes e professores universitários constroem suas experiências sociais.

3.1.3. Atividades de pesquisa e extensão: a herança da indissociabilidade

Ao fazer um levantamento dos problemas da universidade contemporânea, Clark (1995) reuniu numa obra chave da literatura internacional – Places of inquiry: research and advanced education in modern universities – resultados de estudos

230

que envolviam o percurso histórico dos sistemas de educação superior alemão, inglês, francês, americano e japonês. As experiências nacionais relatadas nos estudos estiveram vinculadas ao desenvolvimento de estruturas de pós-graduação na lida com a investigação universitária. Para esta pesquisa, interessam imediatamente os resultados do levantamento realizado por Clark (1995), relacionados aos sistemas alemão e americano. Isto porque estes sistemas caracterizam fortes influências para o sistema educacional brasileiro no tocante à ideia de associação entre ensino-pesquisa-extensão. Para realizar o estudo, o autor se fez algumas perguntas: 1) Em que medida os contextos nacionais e internacionais se unem na execução da investigação acadêmica

voltada

para

o

preparo

de

futuras

gerações

de

estudantes,

pesquisadores e até de profissionais?; 2) Quais são as condições primárias que se encontram nas universidades modernas, especialmente nas suas estruturas organizacionais, capazes de proporcionar um vínculo sólido entre pesquisa, ensino e estudo?; 3) Quais instituições externas, se é que existem, por conta própria ou em conjunto com as universidades, proporcionam uma relação produtiva trilateral? 4) Como efetivamente os sistemas de educação superior alteram a instituição e o financiamento da investigação com o fito de levar os estudantes a um nível mais avançado? Clark (1995) explica que, desde a reforma da universidade alemã vinculada ao nome de Humboldt, no início do século XIX, estabeleceu-se a ideia de unidade entre pesquisa, ensino e estudo, sendo uma ideologia que ultrapassou séculos: “a formulação humboldtiana de 1810 é sem sombra de dúvida a maior influência ideológica acadêmica dos últimos dois séculos” (p. 50). Alhures, tal ideologia se estendeu, vinculando até os dias atuais a pesquisa à produção e à disseminação de conhecimentos. Assim, do lado do professor universitário, no seu papel de ensinar, a atividade de pesquisa se transformou ao longo dos anos num modo de instrução. Do lado do estudante universitário, no seu papel de aprender, esta atividade se transformou num modo de estudar. Sendo colegas de pesquisa, no esforço comum de encontrar a verdade (o novo conhecimento), professores e estudantes passaram a fortalecer cada vez mais o compromisso de avançar o conhecimento. Formara-se, assim, o nexo pesquisa-ensino-estudo.

231

Conforme aquele autor, o sistema alemão assumiu a característica de universidade de institutos, organização que se efetivou para tornar concreta a vinculação entre pesquisa, ensino e estudo. Como explica o autor, pequenos institutos passaram a constituir unidades institucionais voltadas para a pesquisa, não obstante resistências oferecidas por professores e em meio à expansão das universidades. Com a universidade de massa, a atividade de pesquisa necessitou de maior diferenciação institucional. De todo modo, conforme Clark (1995), o princípio humboldtiano influenciou profundamente o desenvolvimento da educação superior na maioria das nações avançadas, particularmente universidades alemãs e norte-americanas. A partir da ideia de educação por meio da ciência – ou educação fundada na investigação – levou-se a pressupor a obrigação de professores de despender um terço ou metade de seu tempo com pesquisas e a perceber como avançados os estudantes que investem em pesquisa – desde o objetivo de construir teses de doutorado. Com outro matiz, o sistema americano de educação superior veio a se caracterizar

pela

descentralização,

diversificação,

competitividade

e

empreendedorismo. Conforme explica Clark (1995), trata-se de um sistema em que centenas de universitários e seus colegas competem, imitam, divergem. Neste sistema de universidades verticais, a busca competitiva por pesquisas e prestígio tem aumentado, por décadas, entre os estudantes dos programas de doutorado – restando às escolas de graduação praticar um ensino que, em geral, não se vincula à pesquisa. Assim, em seu estudo, Clark (1995) explica que identificou entre as universidades de pesquisa americanas o ideal de unidade entre pesquisa, ensino e estudo, agora na forma moderna de ser das universidades. Ao repassar a história dos diversos sistemas de educação americanos – percebidos frequentemente por observadores externos como beneficiadores da educação superior em vez da básica – Clark (1995) explica que a revolução acadêmica que se processou nos EUA no último quartel do século XIX impactou as estruturas das universidades americanas de dois modos: 1) estabeleceu uma escola de graduação de segundo estrato, tendo combinado com o tradicional college; 2) criou departamentos como unidades básicas operacionais capazes de organizar os conteúdos verticalmente – numa universidade com relações predominantemente verticais.

232

No entanto, acrescenta o autor, passou a marcar profundamente o sistema de educação superior americano a notável diversidade de canais de financiamento. Após contextualizar com relação às transformações históricas envolvidas, e a explosão de fontes de financiamento, Clark (1995) passa a esclarecer que, se houve possibilidade de caracterizar o vínculo pesquisa-ensino-estudo na universidade moderna alemã como universidade de institutos, no caso da americana, poder-se-ia caracterizar este vínculo no contexto de uma universidade de departamentos. Desse modo, seria essa a receita de uma universidade que promove aquele vínculo com o acesso, por meio da competição, a fontes de financiamento em favor do sistema como um todo. Estas ideias, que pressupõem a autogeração de receitas pela universidade, chegaram ao Brasil, presentes, inclusive, na Reforma Universitária advinda com a Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968 (BRASIL, 1968). No entanto, se, entre os americanos, cabe referir-se à produção de receitas, entre os brasileiros, cabe referirse a conhecimentos que, nas intenções, visam à emancipação e à inclusão social. Noutros termos, a extensão universitária é originária dos EUA, mas assume novas cores no Brasil. Assim, de um lado, os americanos, conscientes de que o conhecimento está ligado à economia, ao poder civil e ao poder militar, idealizaram e executaram a extensão rural para melhorar a agricultura com o objetivo de torná-la a melhor do mundo num prazo de 50 anos. De outro lado, os brasileiros que, no contexto da América Latina, construíram uma extensão universitária voltada para questões sociais, mantendo-se atrelada diretamente ao desenvolvimento da cidadania das pessoas participantes dos diversos projetos e programas (JANTKE; CARO, 2013)79. De todo modo, no Brasil, a Reforma Universitária de 1968 consagrou definitivamente o estatuto legal relativamente à obrigatoriedade das universidades de promover cursos de graduação, pós-graduação, extensão, aperfeiçoamento e especialização e, com relação à pesquisa, pelo menos em termos legais, consolidou-se o princípio humboldtiano da pesquisa como uma função da

79

Nesta passagem da extensão com foco na geração de receitas por meio da melhoria da agricultura para a extensão com foco na questão social, é emblemático o trabalho desenvolvido pela Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV) desde os primóridos da extensão no Brasil. Localizada no Estado de Minas Gerais, a instituição iniciou atividades em 1927 para prestar serviços, fazendo-o sob a influência do modelo norte-americano (COSTA-RENDERS; SILVA, 2013).

233

universidade, integrando pesquisa, ensino e estudo. Com aquela Reforma Universitária, instituía-se em lei a intenção de estabelecer um modelo que tinha em vista a Universidade de Berlim de 1810 e o adotado pelos EUA, com as devidas tentativas de adaptação à realidade brasileira. No entanto, faltou, e ainda falta, uma estrutura real de recursos capaz de concretizar a exigência feita à universidade de vinculação entre ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, ao analisar a Reforma Universitária de 1968, Romanelli (2003) explica que sequer os mecanismos de ordem administrativa são capazes de possibilitar tal vinculação: o tempo integral e a dedicação exclusiva, criados com o objetivo de garantir aquela vinculação, não contam, por parte da maioria dos professores, com a abertura necessária para utilizar o tempo remunerado em pesquisas sérias, sem que esses professores assumam “maiores responsabilidades em relação ao ensino e à pesquisa” (ROMANELLI, 2003, p. 230). Conforme a autora, o problema passa pela questão cultural: A dependência cultural tem evoluído com a importação de modelos de pensamento e os “modismos” pontificam, mais que a originalidade, nos meios docentes. Nesse sentido, processaram-se as mudanças sem que estas tivessem ajudado a criar condições para a formação de um padrão intelectual mais autêntico, mais autônomo (ROMANELLI, 2003, p. 230).

No Brasil, apesar de os cursos voltados para a docência serem realizados, sobretudo, nas universidades80, há dúvidas quanto à geração de conhecimentos por intermédio de pesquisas no nível pretendido. Como afirmam Gatti e Barreto (2010, p. 59), o sucesso empresarial que se seguiu às iniciativas de transformação das universidades privadas em grandes empresas “parece não ter sido acompanhado de um correspondente amadurecimento acadêmico e do desenvolvimento efetivo da capacidade de criação de conhecimentos novos por meio de pesquisa”. No âmbito da extensão universitária, as dificuldades são inúmeras. Neste aspecto, cabe citar na íntegra a seguinte preocupação: A extensão não tem ainda seu lugar reconhecido no interior da organização acadêmica e somente de alguns anos para cá é que ela vem recebendo financiamento de alguns órgãos de fomento, a exemplo das bolsas de extensão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

80

Conforme Censo da Educação Superior de 2007, entre 2001 e 2006, as universidades brasileiras ofereceram 63,3% das matrículas em cursos de licenciatura (GATTI; BARRETO, 2010), portanto, voltados para a docência.

234

Tecnológico (CNPq). Há universidades que mantêm atividades de extensão à custa de seu orçamento interno, sustentadas pelos alunos e, por isso, com ínfimos valores para cobrir apenas pequenas quantidades de tempo de seus professores e algumas bolsas para os alunos. Contudo, a dificuldade na implementação da extensão universitária não reside apenas no financiamento da extensão, mas, sobretudo, nas concepções que a orientam, em termos práticos e concretos (SILVA, 2013, p. 112).

Ainda assim, mesmo diante dessas e de outras dificuldades (ROMANELLI, 2003; GATTI; BARRETO, 2010; SILVA, 2013), a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) fez constar, em seu art. 207, que a universidade deve obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensinopesquisa-extensão. Além disso, conforme o art. 52 da LDBEN (BRASIL, 1996) – que revogou a Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968 (BRASIL, 1968) – a universidade possui caráter pluridisciplinar, pois visa à formação de profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. Desse modo, está caracterizado em grandes linhas mais um contexto em que se situam as experiências sociais de estudantes e professores universitários.

3.1.4. Cursos de licenciaturas: o desprestígio

Os cursos de licenciatura têm como principal objetivo preparar profissionais para atuar como professores na educação básica (BRASIL, 2010b). Assim, podem contribuir para o desenvolvimento humano de crianças, jovens e adultos na medida em que este nível de educação visa a assegurar aos brasileiros, com idade de quatro a 17 anos, a formação indispensável para o exercício da cidadania e proporcionar meios que garantam o progresso no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996). Tal assertiva, assim construída, vincula visceralmente a educação básica à educação superior, particularmente os cursos de licenciatura. Exige da educação superior, dentre outros, processos educacionais moldados continuamente na perspectiva de uma práxis, com teoria e prática sendo construídas de braços dados. Portanto, processos educacionais que tornam uma peça só aquilo que o estudante faz e estuda no presente com o que fará e estudará após sua formatura. No entanto, no Brasil, estes cursos de uma maneira geral não têm se voltado para preparar o profissional da educação, sendo desenvolvidos em meio à dicotomia entre o que se ensina neles e o que se exige do professor na educação básica. Com

235

tal distanciamento entre educação básica e educação superior, estabelece-se uma formação desvinculada da escola, inclusive, que contribui para desvalorizar a profissão de professor (CUNHA, Célio da, 2012; SILVA, 2012). Na verdade, as licenciaturas, no Brasil, guardam até hoje resquícios de sua criação pelas faculdades de filosofia, na década de 30. Elas se constituíram segundo a fórmula 3 mais 1, por meio da qual as disciplinas pedagógicas, com duração de um ano, se agregavam às disciplinas de conteúdo, totalizando quatro anos de duração. Conforme a literatura educacional, nesta fórmula, revela-se a visão do professor técnico, especialista em aplicar regras capazes de fornecer o conhecimento científico e pedagógico (PEREIRA, 1999). Bem ao estilo do que se convencionou chamar racionalidade técnica81. Assim, prática de um lado; teoria de outro. Uma das consequências imediatas: desprestígio dos cursos de licenciatura, desvalorização da profissão de professor. Silva (2012) chama a atenção para o estado de desvalorização e pauperização da profissão de professor, no Brasil, a trabalhar em condições precárias, sem projeção na carreira e sem salários dignos. Para a autora, vivências como estas desestimulam o trabalho docente e a pretensão de jovens talentosos de ingressar nos cursos de licenciatura. Assim, buscam cursos considerados de alto prestígio, os chamados cursos seletos, em oposição aos populares (SETTON, 1999). Por sua vez, Palazzo e Gomes (2012) lembram que a elevada procura por cursos de alto prestígio social esteve historicamente vinculada, no Brasil, à escolha de profissões capazes de elevar o indivíduo a cargos nobres, de maneira a suprir a propriedade da terra e os privilégios de nascimento. Era uma época em que “as profissões liberais serviam como um elevador social, enquanto as atividades manuais e mecânicas eram reservadas a camadas sociais inferiores da população” (PALAZZO; GOMES, 2012, p. 880). No entanto, se a profissão docente ao longo dos tempos perdeu o prestígio na medida em que o papel dos docentes sofreu alteração (PALAZZO; GOMES, 2012), a tradicional oportunidade antes oferecida pela educação superior como mobilidade

81

Torna-se interessante observar como a racionalidade técnica perdurou nas ideias educacionais, chegando aos tempos mais recentes. Por exemplo, considere-se a seguinte passagem da década de 60: “a élite tem de formar-se a nível muito mais alto do que o da licenciatura e deve ser uma élite científica (SOUSA, 1968, p. 250).

236

social ficou reduzida (ROMANELLI, 2003). A chamada democratização da educação superior, ao contrário de muitos discursos, contribuiu e ainda contribui para esta redução: a crise da inflação educacional acentuou as desigualdades que têm acompanhado a democratização da educação superior, “em que as pessoas de nível socioeconômico mais elevado tendem a ingressar em cursos e instituições de mais alto prestígio e vice-versa” (PALAZZO; GOMES, 2012, p. 884). Assim, configura-se mais uma perspectiva, também muito sumariamente apresentada, em que estudantes e professores desenvolvem suas experiências sociais no meio universitário.

3.1.5. Sala de aula: para além do ambiente físico, a humanização

A sala de aula constitui-se, sobretudo, num lugar de humanização. Se o termo lugar for compreendido como uma construção histórico-social, portanto, entendido a partir de uma abordagem que considera o ser humano como um ser social por excelência (SANTOS, 1997) e, se o termo humanização for compreendido como a possibilidade de proporcionar oportunidades de desenvolver precipuamente o humano, ou pelo menos considerado exclusivo do ser humano (PLATÃO, 1997), tem-se que a sala de aula constitui-se em espaço onde os envolvidos desenvolvem ou aprimoram valores, buscam interesses ou elaboram representações culturais em meio a processos que envolvem afetividades, julgamentos e tomadas de decisão. Portanto, a aula envolve uma multiplicidade de dinâmicas que ultrapassam o próprio ambiente da sala onde ela se desenvolve, mas presentes profundamente no sentir, pensar e agir dos envolvidos no processo educativo. Constitui-se num complexo feixe de aspectos e, por isto mesmo, a aula deve ser percebida pelos docentes não como um mero espaço físico onde se situa um grupo de discentes aos quais se destinam conteúdos acompanhados por técnicas de transmissão de informações (MASETTO, 2012), mas como lugar de encontros entre seres humanos, com suas valorizações, objetivos e anseios. Tal explicação possibilita afirmar que na aula deve-se valorizar não apenas a matéria e o conteúdo do ensino, assimilados de modo racional e cognitivo, pois estes podem ser esquecidos. Para além, deve-se valorizar, “o clima das aulas, os fatos alegres ou tristes que nelas se sucederam, o assunto das conversas informais,

237

as ideias expressas pelo professor e pelos colegas, a forma de agir e de se manifestar do professor” (HAIDT, 1994, p. 56). Conforme Masetto (2012), mais do que uma sala com número próprio onde estaria um grupo de alunos a esperar pelo professor, a aula se constitui numa equipe de pessoas que se postam diante de si para desenvolver um processo educativo. Seria “um relacionamento que permite a professores e alunos trazer suas experiências, vivências, conhecimentos, interesses e problemas, bem como análises das questões para ser interpretadas e discutidas” (MASETTO, 2012, p. 86). Portanto, não se refere a qualquer relacionamento, mas, conforme o autor, aquele que possibilita ao professor, dentre outros, deslocar-se de sua mesa, sentar-se com os alunos, pesquisar e construir conhecimentos. Sendo a aula um espaço de vivência da realidade na companhia do professor e colegas, o relacionamento deles exige algo mais que o domínio do conhecimento. Por isto mesmo, a partir de resultados de pesquisas, Masetto (2012) reuniu algumas características do professor que marca a vida das pessoas, na medida em que a sala é compreendida como convivência humana. Estas características estão enumeradas a seguir, na totalidade como expõe aquele autor, dada a importância de que se revestem para a apresentação e análise de dados desta pesquisa. Para o autor, o professor que marca a vida das pessoas incentiva a pesquisa; abre a cabeça das pessoas para outros campos, ciências e visões de mundo; ajuda a ser crítico, criativo, explorador da imaginação; manifesta respeito para com os alunos, interesse e preocupação com eles, disponibilidade em atendê-los, esclarecer dúvidas, orientá-los em decisões profissionais; evidencia honestidade intelectual, coerência entre o discurso de aula e a sua ação, bem como o desejo de cultivar amizade. Assim, ao definir a aula como espaço de relações pedagógicas, Masetto (2012) defende que a aula deve sair de seu formato mais convencional. Para isto, deve-se cuidar do espaço físico da aula, dado que se reflete nas propostas de aprendizagem; da redefinição dos objetivos da própria aula, deixando de ser lugar de transmissão oral de informações para ser de debates e análises; da implantação e técnicas participativas, reduzindo-se ou abandonando-se a aula expositiva para adotar uma relação de corresponsabilidade e de parceria professor-aluno; do

238

processo de avaliação, deixando de ser um castigo para o aluno para se integrar à aprendizagem – por meio de feedbacks. Portanto, este é mais um contexto em que se desenvolvem experiências sociais de estudantes e professores universitários na relação pedagógica que mantêm entre si.

3.1.6. Mapa dos resultados e análises

Após contextualizações, apresentam-se resultados nas seções seguintes. Sem configurar um aprisionamento das explanações, elaborou-se uma figura para melhor visualizar a localização das informações a respeito dos resultados (Seções 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5) e análises (Seção 4.1), com foco nos objetivos específicos da pesquisa, considerando os vínculos de dependência estabelecidos entre eles (ver Fig. 16)82.

Figura 16 – Mapa de apresentação de resultados e análises.

Fonte: elaboração do autor. Legenda: a – Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. b – Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. c – Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade.

82

Cabe apontar imediatamente a repetição dos objetivos b e j na parte inferior da Figura 16. Isto possui significado especial apresentado com detalhes nas inferências e interpretações constantes da discussão do corpus da pesquisa (Seção 4.1).

239

d – Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade. e – Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade. f – Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade. g – Verificar se existe articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. h – Verificar como se desenvolve a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. i – Averiguar em que medida a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, desenvolvida na sala de aula da universidade, contribui para a interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores. j – Averiguar em que medida a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores atende aos quatro pilares da educação para o século XXI. k – Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade. l – Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito de diálogos desenvolvidos por eles na sala de aula da universidade.

Na parte superior da Figura 16, uma seta à esquerda aponta para quatro paralelogramos, no interior dos quais se inserem os grupos de objetivos (Apêndice G). Vinculados aos paralelogramos por meio de linhas verticais, e na parte central, estão três retângulos de extensões diferentes, no interior dos quais se inserem sete objetivos (d, e, g, h, c, k e l) e as respectivas seções do presente trabalho (3.2, 3.4 e 3.5), escritas para apresentar os resultados da coleta e geração de dados. Vinculado a esses três retângulos por meio de linhas com setas, e na parte inferior, está um retângulo mais alongado, no interior do qual estão cinco objetivos (f, i, j, a e b), sendo que dois objetivos se repetem (j e b), e a seção 4.1. As linhas com setas servem para indicar que o cumprimento dos objetivos presentes na parte central se constitui em condição para o cumprimento dos objetivos presentes na parte inferior. Um círculo, na parte central, contém o assunto pesquisa e extensão, vinculado a um retângulo com a respectiva seção (3.3), o qual remete para objetivos cumpridos com a discussão do corpus da pesquisa (Seção 4.1). Proporcionada esta visualização, passa-se a apresentar e discutir os resultados. 3.2. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA UNIVERSIDADE 3.2.1. Introdução Tendo como referência o modelo lógico da exploração do material antes mencionado (ver Fig. 10), esta seção apresenta aspectos da construção de

240

experiências sociais dos participantes da pesquisa, organizados de acordo com os casos estudados. As informações resultaram da identificação de lógicas de ação utilizadas pelos participantes em interações estabelecidas durante o desenvolvimento do processo educacional. Desse modo, fizeram-se cumprir, com a utilização de entrevistas e observações, os objetivos de identificar estas lógicas na interação social desenvolvida entre estudantes e entre estes e seus professores na sala de aula da Universidade pesquisada. Com

estas

identificações,

tornou-se

possível

estabelecer

relações

importantes entre as diversas lógicas de ação, estando apresentadas mais à frente, na discussão do corpus da pesquisa (Seção 4.1).

3.2.2. As lógicas de ação de estudantes e professores

Tendo como referência os relatos dos participantes, explicitam-se, a seguir, comportamentos e atitudes de estudantes e professores construídos no convívio que estabelecem entre si – a maior parte das vezes na sala de aula, outras vezes em projetos de pesquisa e extensão ou nos diversos ambientes da instituição.

3.2.2.1. Caso 1: Letras 3.2.2.1.1. Alunos83

O inquérito explicitou que os estudantes do curso de LL percebem a Universidade

como

um

ambiente

de

públicos

diversificados,

propício

ao

amadurecimento – o que se confirmou até no discurso de algumas professoras, como afirmou P1: “quando o menino ingressa na educação superior, com raras exceções, ele não tem muita certeza do que quer fazer, porque entra muito novo, até com 17 anos”.

83

Neste trabalho, o termo estudante foi utilizado para designar o indivíduo que estuda na educação superior, como o fazem boa parte dos países. Já o termo aluno foi utilizado frequentemente nas seções 3 e 4 por ter sido priorizado pelos participantes durante as entrevistas. De todo modo, este trabalho não entra na infindável discussão (para o autor, inútil) sobre as possíveis diferenças entre estes dois termos. A distinção, quando se faz notar, é tão só para facilitar a compreensão do trabalho como um todo.

241

Segundo relatos dos estudantes, se a Universidade consegue aliar o lado humano de ensinar ao objetivo de construir conhecimentos, favorece a superação de problemas, preocupações, contrariedades. Ela seria um lugar onde podem apreender o real valor do conhecimento. Em geral, os estudantes valorizam o desafio, a luta pela vida, o trabalho, a atitude, a liderança e a coragem, bem como o ensino, a confiança, o respeito, a inovação, a justiça. Portanto, num clima de amizade entre eles e entre eles e os professores e de favorecimento à criatividade. O que denota esta intenção por mais amizade e, quase por consequência, de maior cultivo da criatividade no espaço da interação é aquilo que Freire (2009) designa como necessidade de querer bem aos educandos. É um aspecto da experiência pedagógica que faz parte do horizonte de expectativas dos estudantes do curso de LL (e de LP, como se apresenta mais à frente). Bem como lembra aquele autor, “é digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido” (FREIRE, 2009, p. 142). Nesta esfera da integração, em que se constroem experiências sociais, um participante se considera diferente dos colegas porque, mesmo vivenciando tratamento um pouco diferenciado, por professar a religião evangélica em meio à maioria dos colegas que professam outras religiões (ou não professam por se dizerem ateus), consegue superar tal diferenciação por possuir iniciativa, capacidade de agir e disposição para falar e ajudar as pessoas. Em geral, o fato de os estudantes se perceberem diferentes dos demais colegas relaciona-se com outra percepção: sendo jovens, conseguem conviver bem com colegas de faixas etárias diversas que, inclusive, em alguns casos, até já vivenciam a experiência do casamento. Percebem-se diferentes também por se considerarem capazes de se entregar ao que gostam e de recusar o que não gostam de fazer. Ou, como afirmou um participante (A4), porque, diante das explicações das professoras, compreende melhor o que elas dizem do que a maioria dos colegas. Ou porque gosta de ler. Ou, ainda, porque, ao contrário da maioria, não se considera pouco firme nos posicionamentos adotados em situações vivenciadas na Universidade. Se, para se perceberem cada vez mais como membros do grupo, uns buscam fazer amizades, ser simpáticos com todos da Universidade e dialogar com os

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colegas; para se sentirem bem, outros rejeitam o desinteresse pelo curso por parte de estudantes, as aulas expositivas sem participação e a injustiça – esta traduzida em ações do professor, como não fazer a chamada oral dos alunos, atribuir notas coletivas e não ter com frequência conversas individuais com os alunos. Com os relatos, evidenciou-se a presença de um estudante que valoriza o clima de amizade e a criatividade, como mencionado, mas preocupado com o pouco interesse pelo curso por parte de colegas. Simultaneamente, estabeleceu-se pelos relatos uma vinculação com o excesso de aulas expositivas. Ora, segundo Freire (2009), “um educador com muito pouco de formador, com muito mais de treinador, de transferidor de saberes, de exercitador de destrezas” (p. 143) faz da educação uma técnica fira, incapaz de problematizar o mundo. Esta seria a educação que, em vez de favorecer um clima de amizade, favorece a promoção de um futuro desproblematizado. Portanto, a situação encontrada pela pesquisa renova a discussão a respeito da aula expositiva, um método de ensino dos mais antigos e tradicionais, sem necessariamente ser dogmático, mas, sim, podendo ser dialogado (HAIDT, 1994). Desse modo, configuraram-se alguns limites dos processos de socialização, mais evidenciados nas seguintes situações: mais provável seria, conforme declarou um participante, distanciar-se dos colegas por ser um evangélico de igreja minoritária, que segue preceitos rigorosos, mas, ainda assim, conseguir aproximarse deles; mais provável seria, para outro participante, reconquistar amizades perdidas, haja vista o clima de confiança que existe entre os colegas, mas, ainda assim, ser difícil recuperá-las; a vontade de expressar a criatividade, embora exista, limitada à carência de habilidade para concretizá-la. Outra percepção da Universidade refere-se à ideia de um lugar que oferece oportunidades para realizar objetivos: para uns, ser docente; para outros, ser escritor. No entanto, ao ingressar no curso, alguns entendiam como objetivo ser um profissional da tradução e intérprete ou ainda um profissional da revisão. Depois, ao perceberem tratar-se de um curso de licenciatura, passaram a priorizar a formação docente84, como afirmou um participante: “No começo eu ficava em dúvida; mas o

84

Constatou-se que alguns não queriam atuar como professores após concluir o curso: “eles querem ser revisores de texto; os que trabalham no inglês querem trabalhar na área de tradução e não querem entrar em sala de aula. [Assim,], o curso de Letras teria que dar abertura para atuar na

243

interesse de estudar línguas me levou a fazer Letras (...). Como o ser humano fala? Então, depois eu falei: nossa! Eu fui gostando. É esse o curso mesmo!” (A1). Ou como afirmou outro participante: Eu queria fazer o curso de Direito na [Universidade tal]. Eu falei: ‘ô, eu faço lá, se eu não passar, eu vou fazer Letras na [Universidade pesquisada]. Direito por influência do meu pai e Letras porque eu gosto de escrever e tava escrevendo na época um livro e pensei que, se tivesse uma formação em Letras, seria mais fácil publicar. Então, quando entrei, descobri que, embora eu ainda quisesse publicar um livro, na verdade queria também ir para a sala de aula (A4).

Estas constatações corroboram estudos a respeito do desprestígio do magistério no Brasil, como o realizado por Palazzo e Gomes (2012). Tendo reunido informações da literatura, estes autores explicam que, ao longo do tempo, a profissão docente perdeu o status social que detinha historicamente, pois o papel tradicional dos docentes manteve-se em alteração. Para eles, “as profissões mais valorizadas socialmente tendem a ser aquelas associadas ao recebimento de altos salários, conduzindo à perda de prestígio social do magistério” (PALAZZO; GOMES, 2012, p. 882). De todo modo, com relação aos estudantes que optaram por português, os que escolheram o inglês evidenciaram maior consciência da escolha do curso: “Muitos deles já dão aulas de inglês nas escolinhas; muitos estão em várias escolas, de menor visibilidade, porque as de maior exigem geralmente que o professor já seja licenciado” (P3). Nesse ambiente de interesses diversificados, geralmente os estudantes não se percebem como indivíduos a se influenciarem mutuamente, tendo sido dito que a idade proporciona a cada um a sua própria identidade. Apesar disso, um participante declarou que exerce alguma influência sobre outros estudantes ao atuar na monitoria, ficar à frente dos trabalhos escolares, falar com desenvoltura, demonstrar coragem para se formar. No entanto, se essas capacidades contribuem para concretizar o objetivo de se formar para a docência, evidenciou-se entre os estudantes a preocupação com tradução, na revisão textual, na secretaria bilíngue; teria que ser mais abrangente” (P1). Ou, ainda, apesar da alta rejeição dos alunos quanto a ser professor: “a gente está num curso de licenciatura, esperava que a grande maioria quisesse fazer licenciatura, o que não é verdade; essa é uma constatação que a gente faz e, caso fosse perguntado na sala de aula quem gostaria de seguir a carreira de professor, poucos levantariam a mão” (P3).

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os baixos salários dos professores; com o preconceito contra a profissão e até com a própria impaciência com os alunos (para os casos em que já atuam como docentes). Assim, assumem que serão professores, mas com ressalvas, como constatam as declarações a seguir: P – O que o (ou a) preocupa? R – É a questão financeira. Aqui em Brasília, principalmente, a galera quer trabalhar menos e ganhar mais. Só que professor, não! Professor tem que trabalhar muito mais, para ganhar mais. Então, você vai ter que trabalhar horas extras (A1). P – Desde cedo, você já se identificava com o curso? R – Sim. Mesmo sendo a licenciatura criticada – perguntam-me: você será professora? Mas é o que eu quero! E sempre quis! Mesmo com esse preconceito da sociedade... (A3). P – Do que mais lança mão para concretizar o objetivo de ser professor? R – É estudar (...). Eu dou aula pra EJA. Eu não queria ser professor de ensino médio. Nem no ensino fundamental; porque eu não tenho paciência (...). Acho que seria mais fácil atuar em cursinho ou faculdade (...). Mas, ensino médio é muito complicado (A4).

Esta é uma consciência do cenário profissional que os espera: ser professor da educação básica. Uma consciência acompanhada por outras críticas: não se deixam levar pela desvalorização da linguística, pela carência de pesquisas na área das ciências humanas, pelo desinteresse de colegas, pela irresponsabilidade deles com relação ao próprio aprendizado. Não se deixam levar pela ostentação de alguns colegas decorrente da maior habilidade para falar inglês e pela ausência de criatividade da escola como um todo. Neste aspecto, vale destacar crítica relacionada aos processos de matança da criatividade do aluno pela escola, independentemente do nível de ensino: P – Você afirmou que a sala de aula é local que faz perder a criatividade. Por favor, comente isto. R – É, sim, porque te limita. Aquele negócio dos normativos. Enchem-lhe de normas. É tal como se diz na disciplina chamada Literatura Infantil, que estuda exatamente isso: até a criança entrar no colégio, ela é cheia de criatividade, inovação; então quando ela ingressa no colégio, lá estão as normas, tudo agora é normatizado, regras e tal, e ela, a criança, começa a se limitar cada vez mais. E eu acho que acontece desde há muito até na sala de aula. Minha criatividade! Aqui [na Universidade] você estuda autores, mas você não é ensinado a ser autor. Muito ao contrário disso. Você estuda sobre autores, você estuda os períodos [romantismo, barroquismo...], parece que você fica menos criativo! (A4).

Se, como já mencionado, essa matança da criatividade denotou certa relação com a dificuldade de se estabelecer um processo educacional menos atrelado à

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técnica da aula expositiva, aqui aparece o discurso de que ela está relacionada com o excesso de normas, em detrimento da maior descontração, e à formação para o espírito ilustrado, em detrimento do espírito criador (ROMANELLI, 2003). E, assim, constataram-se tensões envolvendo valores e interesses presentes nos processos de socialização: 1) incentivo da família, amizade na escola e busca de conhecimentos na Universidade; 2) iniciativa, liderança e coragem, que vieram do ensino fundamental; 3) gosto pelo ensino, que veio da família, tudo isto frente ao objetivo de ter um salário justo quando atuar como docente; 4) confiança, amizade, respeito e lado humano do ensino frente ao anseio de fazer um curso mais dinâmico (viagens e pesquisas fora da Universidade); 5) criatividade, inovação, conhecimento, justiça e valorização do conhecimento diante do interesse de se tornar autor e professor universitário criativo. Para fugir às diversas tensões em meio a esses valores e interesses, os participantes abandonam certos papéis sociais e assumem alguns modelos culturais. Projetam a atividade docente conforme padrões que aprenderam a admirar: docente amigo, que ensina e passa experiências de vida, ainda que, na relação com os discentes, obrigue-se a manter certo distanciamento; docente que inova, capta a atenção dos alunos e fala a sua língua, desenvolvendo conteúdos extraescolares; que tem bom humor; que é criativo. Portanto, constata-se uma admiração pelo professor carismático, líder, que influencia seus alunos, numa espécie de obediência, ao modo da explicação weberiana, em que aquele que obedece venera o exemplo daquele que manda (WEBER, 1999). No entanto, como se está no tempo da fragmentação social, em que se abandonou a clássica identificação total do ator com os sistemas (TOURAINE, s/d; DUBET, 1994), constatou-se a presença de estudantes envolvidos em dificuldades para concretizar tais modelos. Isto seria, no dizer de Dubet (1994), a construção de uma identidade subjetiva provocada pela reserva do indivíduo quanto ao papel social exercido e à posição ocupada na sociedade. Os estudantes constroem suas relações sociais, percebidas como obstáculos ao reconhecimento e à expressão da subjetividade. Eles elaboram projeções a partir de uma realidade que, para eles, apresenta dificuldades. Por exemplo, veem-se diante do pouco incentivo à pesquisa na área da linguística; das críticas de colegas à aproximação com alguns professores; da

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expectativa de alta exigência que lhe serão feitas pelos futuros alunos em termos de criatividade. Veem-se diante também do pouco cultivo da criatividade e, como afirmaram, mais cultivo entre os professores de gramática, menos entre os de literatura; da restrição dos estudos a cada linha de ideias, se o estudo se refere a escritores, o que limitaria a criatividade do estudante que almeja ser escritor. E aqueles que trabalham e estudam queixam-se da falta de tempo para se dedicar mais às atividades acadêmicas: “Eu queria mais tempo para estudar, ler e tal. E até quando tenho tempo, às vezes, estou tão cansado que não consigo... É preferível tirar um cochilo de quinze minutos que, na verdade, duram quatro horas, do que estudar” (A4). Esta é uma constatação que vem se juntar aos resultados de pesquisas realizadas no Brasil a respeito da problemática do trabalhador estudante (ou estudante trabalhador), como os alcançados por Carrano (2002), após compilação de conclusões de teses e dissertações elaboradas no Brasil ainda nas duas últimas décadas do século passado. Se bem que as constatações do autor à época da compilação circulavam em torno do ensino noturno, envolvendo estudantes com dificuldades para conciliar trabalho profissional e estudo e ressentindo-se de uma melhor conexão entre as aprendizagens teóricas e as práticas de trabalho, constatam-se, com esta pesquisa, dificuldades semelhantes com estudantes do curso diurno. Além dessas dificuldades, cabe destacar a percepção de que o curso prioriza a transmissão de conteúdos e não sua articulação com a formação para o cultivo de uma relação mais humana. Uma percepção construída até com a contribuição de professoras, conforme relato de participante: As professoras dizem que “a gente sai daqui da Universidade formadas para passar o conteúdo”; o lado humano é o dia a dia, é você trazer de sua vida meio que pessoal os seus valores para conseguir lidar com o ser humano! Porque você não sai preparado para relação humana (A3).

Tal influência sobre as percepções dos estudantes a respeito do curso pode ser lida à luz da explicação freireana para o ato de ensinar como exigência estética e ética feita ao educador. Neste sentido, ainda que o educador deva promover a passagem da ingenuidade à criticidade – no caso desta pesquisa as professoras alertam que a Universidade forma para transmitir conteúdos – o relato acima propõe uma reflexão ao modo freireano de refletir: “Transformar a experiência educativa em

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puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (FREIRE, 2009, p. 33). O relato parece evidenciar que o professor não consegue unir as duas pontas do processo de formação humana: além do técnico, o racional, haveria que trabalhar o estético e o ético. Ou seja, assumindo o avesso da lição freireana, as professoras citadas pelos estudantes poderiam estar a corporificar as palavras pelo exemplo na medida em que reforçam a situação para a qual alertam.

3.2.2.1.2. Professoras

Conforme relatos, as professoras do curso de LL percebem a Universidade como um ambiente de confiança e segurança. Um lugar pelo qual mencionaram a palavra gratidão. Um lugar no qual o exercício da docência levou-as a desenvolver valores como humildade (para saber que erraram, para permitir ao estudante oferecer retorno), simplicidade, afetividade, diálogo (professora e educadora capaz de dialogar). Um lugar onde, no relacionamento com os estudantes, desenvolveram o respeito pela diversidade. Entre elas, predominou a palavra respeito da Universidade para com os professores. Cabe destacar que esta primeira ampla expressão das professoras sobre a Universidade, a de uma instituição que integra os professores por meio do respeito a eles e por meio de outros valores, caracteriza bem o que Brunsson (2007) considera como uma peculiaridade da cultura ocidental. Segundo o autor, estabeleceu-se no ocidente a ideia de que existiria entre os diversos atores de uma organização certa união, coerência, coordenação e que as organizações seriam capazes de se pronunciar, tomar decisões e agir por meio destes atores. Estes, no fundo, teriam controle sobre suas ações. No entanto, finaliza o autor, tais pressupostos não se verificam na realidade, pois as incongruências dos atores são muito mais frequentes e problemáticas do que aparentam. Portanto, este primeiro discurso das participantes precisa ser contextualizado, o que se faz mais à frente. Segundo as professoras, a Universidade seria um lugar onde se aprendeu a lidar com o confronto de ideias e com o aprendizado contínuo. Em geral, disseram valorizar o respeito à diversidade e ao ser humano, a informalidade, bem como a tolerância – inclusive linguística e étnica. Houve também quem mencionasse a

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valorização da obediência e paciência, relacionando estes valores com o respeito à pessoa humana. Como se verifica, identificou-se uma oscilação entre valores que admitem a incongruência de ações e modos de ser dos atores – base das explicações de Brunsson (2007) – e valores que admitem (e até difundem) comportamentos e atitudes dos estudantes no sentido de alguma passividade, podendo aqui ser representada pela palavra paciência, que se faz acompanhar do termo obediência – o que de algum modo baseia algumas explicações de Freire (2009). Para este autor, a presença do indivíduo “no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere” (FREIRE, 2009, p. 54). Portanto, torna-se importante cuidar para que os indivíduos (no caso, os educandos) não sejam levados a renunciar à participação, ao não cumprimento da chamada vocação ontológica de intervir no mundo. Neste ambiente heterogêneo, as professoras jogam com seus valores e os dos estudantes, refazem-se o tempo todo, reposicionam-se: Vamos pensar: eu sou professora, eu sou mãe, eu sou esposa, eu sou catequista. Então, eu tenho que falar a minha verdade; também não é só minha a verdade. E tem hora que é difícil você mostrar os seus valores numa sala, nesse mundo tão modificado, tão heterogêneo, tão cheio de complicações, de problemas. Então, para você ser você mesma, às vezes, até se omite – o que eu acho um absurdo! (P2).

Esta é uma autorrepresentação compatível com a ideia de modernidade líquida, conforme Bauman (2001, 2007), ou ainda com a noção de pós-modernidade – à qual Dubet (1994) admite teria aderido se “não fosse a confusão que anda ligada a esta noção” (p. 156). Na verdade, ao relatar que desempenha vários papéis, num mundo heterogêneo, tendo às vezes que se omitir diante de algumas situações para não anular subjetividades, P2 manifesta bem o que aquele autor designa como viver em vários mundos ao mesmo tempo. No entanto, há uma destruição da própria personalidade, conforme Dubet (1994), porque, diante das inúmeras representações, os indivíduos dominam a diversidade de lógicas de ação que os orientam. Assim, à semelhança do que o autor encontrou entre os alunos dos liceus, que atuavam em vários registros autônomos, também esta pesquisa constatou que as atividades das professoras pesquisadas não se constituem em papéis definidos: “os atores têm poucas

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probabilidades de conciliarem os seus interesses intelectuais e os seus interesses sociais” (p. 18). Na autorrepresentação, as professoras se percebem distintas umas das outras ora porque, ao interagirem com os estudantes, terão mantido até agora uma relação diferenciada, afetiva, sem perder a posição de professora; ora porque, mesmo sendo rígidas (que cobram), acolhem (como uma mãe). Há a percepção de que dominam e desenvolvem bem os conteúdos. Percebem-se ainda como professoras capazes de dialogar com os estudantes, bem como de observar detalhes da interação com eles. Quanto ao relacionamento entre si, percebem que isto ocorre com certa tranquilidade. Elas rejeitam a intolerância sexual (apesar de haver uma discordância com relação a comportamentos explícitos de homossexualidade), bem como a indiferença, a pouca participação de estudantes, a omissão (apesar de se omitirem, às vezes, o que lamentam). Além disso, desprezam o pouco comprometimento de estudantes (não entrega de trabalhos e exercícios, poucas leituras, pouco retorno) e o questionamento infundado aos professores (são testados). Dentre estes aspectos, ressalte-se que a preocupação com o pouco comprometimento de alunos emergiu entre as professoras do outro curso e entre os estudantes dos dois cursos. Portanto, este é um ponto em comum nos diversos relatos, percebido de diversos ângulos pelos participantes. O certo é que essa miscelânea de valores e preocupações, quando organizados lado a lado, apresenta alguns limites no dia a dia da atuação das professoras: rejeitar comportamentos homossexuais explícitos poderia afastá-las de estudantes; defender a gramática enquanto disciplina poderia confundir com alguém ultrapassado e situado numa área de conhecimento pouco flexível, sendo incompatível com a velocidade do mundo atual; simplificar demais a aula visando a facilitar a compreensão dos estudantes poderia ser um equívoco, pois, a priori, a reflexão é deles e não do professor85. Referem-se aos cuidados que devem ter ao expor determinados valores que defendem. Houve quem chamasse isto a atitude politicamente correta.

85

Cabe ressaltar que esta organização lado a lado resulta diretamente das opiniões dos participantes, elaborada de acordo com os referenciais teóricos da pesquisa, sem constituir-se em conclusões do autor. Obviamente, confluem para o momento das inferências e interpretações.

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No entanto, houve quem declarasse que a defesa de valores como obediência, paciência e respeito não representam limites à atuação docente. Segundo informaram, valores iguais a estes não se concretizam plenamente porque eles estão na fronteira da natureza humana. Seria humano não obedecer, seria humano não ter paciência e seria humano não respeitar. Assim, de um lado, seriam exigidas das professoras atitudes politicamente corretas para não se afastar dos estudantes; de outro lado, não seria possível adotar atitudes mais flexíveis, o que repercutiria na interação com os estudantes. Outro amplo modo de perceber a Universidade apresenta-a como um lugar favorável à sequência da atividade docente, independente se esta atividade é considerada ou não como uma vocação. As professoras que disseram atuar por vocação pretendem continuar no ensino porque isto contribui com o aprendizado dos alunos. Aquelas que não se incluem neste grupo, atuam porque buscam satisfazer o amor que sentem pelo conhecimento de línguas. De todo modo, elas se sentem apoiadas pela Universidade. Novamente constata-se, entre as professoras, o discurso relacionado a uma instituição que apoia a ação docente, sendo que desta feita não mais na vertente de um sistema de integração, mas de competição (DUBET, 1994). O enorme mercado em que se desenvolvem os diversos interesses é percebido pelas participantes como patrocinador de suas carreiras. No entanto, enumeram alguns obstáculos à atuação docente. Segundo relataram, há concorrentes à concretização de objetivos como contribuir com o aprendizado dos alunos e satisfazer o amor que sentem pelo conhecimento de línguas. Situando no âmbito do mundo dos estudantes, citaram como obstáculos: pouca importância atribuída ao estágio supervisionado (alguns professores estariam contribuindo para este fato), pouca valorização a certas disciplinas e o despreparo para ser estudante da educação superior (escreveriam mal e isto é grave). Parece evidente que, a partir da ideia de que os estudantes desvalorizam o estágio supervisionado e algumas disciplinas, bem como de seu despreparo para assumir a vida acadêmica, alimenta-se a intenção de compartilhar com eles a responsabilidade por não serem alcançados certos objetivos da atividade docente. Neste sentido, corre-se o risco de se construírem representações carregadas de ideologia, como já alertara Mello (2003), ainda na década de 80 do século passado, na esteira das teorias reprodutivistas. Para esta autora, “o peso de uma experiência

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prática da realidade escolar (...) seria o respaldo sobre o qual se ancorariam expectativas e representações vazadas em elementos ideológicos” (MELLO, 2003, p. 78). Assim, expectativas e representações com respeito aos estudantes podem ser originárias de uma inversão da realidade que, por sua vez, pode ter fonte em percepções aligeiradas pelo dia a dia da atividade docente. Não é rara a priorização do cumprimento de planos de ensino, sem oportunidades de refletir e aprofundar sobre os porquês de um possível desinteresse pelo estágio e disciplinas ou o alegado despreparo dos estudantes. Cabe ainda mencionar outro risco, com base naquela autora: alguma tendência para imputar responsabilidade ao aluno pelos insucessos do processo educacional, podendo iniciar desde o âmbito da dinâmica planejada para uma aula até a execução de determinado projeto ou, ainda, por toda a vida acadêmica. Se há sucesso (aprovação, por exemplo), situações como as mencionadas pelas participantes (desvalorização do estágio supervisionado e de algumas disciplinas ou o despreparo de estudantes) não evidenciam imediatamente elementos ideológicos. No entanto, se há insucesso escolar (reprovação, por exemplo), rapidamente evidencia-se “o padrão explicativo conservador, que se utiliza da estratégia de culpar a vítima para explicar o fracasso escolar” (MELLO, 2003, p. 79)86. Assim, ao refletirem as professoras a respeito de valores e interesses presentes em sua atuação, reafirmaram o objetivo de continuar ensinando, apesar das dificuldades e preocupações. Elas admitem continuar na docência para contribuir com o aprendizado dos estudantes, mas preocupam-se com a desvalorização do estágio supervisionado e de algumas disciplinas. Até admitem a aproximação entre os seus e os interesses dos estudantes, porém, entendem que um professor nem sempre acerta. Muito se equivoca, enquanto pensa estar correto. De todo modo, elas não se abatem diante das dificuldades. Na verdade, vivem tensões situadas entre certos valores e certos interesses. Ao tempo em que convivem com a valorização da diversidade, informalidade, confiança, segurança e respeito, convivem com o anseio de contribuir, por vocação, para o aprendizado dos discentes. Ao tempo em que valorizam a humildade, a

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Apesar de os estudos dessa autora serem focados na educação básica, suas conclusões se aplicam, com limites, à educação superior em face de sua democratização e consequente diversificação de perfis dos estudantes.

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simplicidade, a afetividade, as conversas com os estudantes e o respeito à diversidade das turmas, convivem com a diversidade de interesses. Às vezes, resistem a papéis sociais que as definiriam como professoras ultrapassadas, que ministram disciplina rejeitada, ou a papéis que as definiriam como professoras omissas. E miram modelos culturais representativos da professora que se compraz com o aprendizado do aluno, que se atualiza permanentemente e busca contribuir para a seu desenvolvimento integral. Como se constata, dentre os aspectos mencionados, encontra-se no horizonte das professoras a imagem do docente que articula informação com formação, corroborando o proclamado no PPC de LL, como se verá mais à frente.

3.2.2.2. Caso 2: Pedagogia

3.2.2.2.1. Alunos

Os depoimentos evidenciaram um discurso que apresenta a Universidade como um lugar de contestação, de denúncia. Tal como os colegas do outro curso, os estudantes de LP a percebem como um espaço de amadurecimento. Para eles, isto ocorre com uma grande contribuição dos professores. Segundo informaram, a Universidade seria um lugar onde estes se aproximam mais dos alunos do que quando se está no ensino médio. Um local de convivência com pessoas mais velhas e onde os hábitos podem ser alterados: Aqui é um ambiente jovem adulto; um ambiente mais maduro, onde entrei com dezessete anos. Foi também uma forma de me levar a amadurecer. Porque antes falava, agia como uma adolescente no ensino médio (A6).

Para eles, na Universidade aprendem a ter uma atitude crítica – mais do que no ensino médio –, a ter firmeza nos posicionamentos, a lidar com metodologias de ensino, a contribuir para o desenvolvimento humano. Nela exercitam a autoavaliação para não serem incoerentes, conscientizando-se com relação ao mundo. Capacitamse para a síntese de valores adquiridos antes de ingressar na educação superior, bem como para elaborar visões a respeito da educação. Informaram que, na Universidade, aprende-se a relativizar pontos de vista. Aprende-se a refletir a respeito não só da educação, mas quanto à instituição como

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um todo. Aprende-se a formular juízos sobre esta. A ter consciência da função social do professor. A alimentar motivações em favor da mudança da educação (percebida como muito rígida). Para eles, a Universidade seria um lugar onde a convicção da escolha do curso de LP pode fortalecer-se paulatinamente. Neste sentido, registraram-se alguns relatos que põem em evidência aspectos do processo de descoberta dos motivos para realizar o curso. Uma participante declarou que não seria por vocação para a docência, mas sim em decorrência do convívio, ainda na educação básica, com professores críticos em face das injustiças sociais e em consequência da participação no estágio supervisionado e em projetos de extensão: Não era aquele negócio de vocação! As pessoas costumam falar que isso era desde criança. Nunca quis. Isto nunca me passou pela cabeça. Nunca tive esse desejo de ser uma profissional desde criança. Fui construindo isso (...). [No ensino médio] havia nos professores um lado muito de esquerda – o que é muito comum nessa área de ciências humanas. Então, tem esse negócio de denunciar as mazelas da sociedade, as injustiças; há que se fazer isso e aquilo, eu fui me identificando com isso. Só que depois, quando entrei na Universidade, foi decorrendo o curso, e acho que fui entendendo mais porque que queria [ser professora]. Isso é engraçado porque quando entrei queria, mas não sabia explicar. Quando as pessoas perguntavam por que havia escolhido o curso de Pedagogia, eu dizia “porque eu queria”; mas eu não sabia explicar de fato o porquê da escolha. Isso [a consciência] ficou mais forte depois que comecei a fazer trabalhos [estágio e extensão universitária] em escola pública. Isso melhorou muito, muito, muito assim a minha concepção a respeito do porquê de meu desejo de ser um docente (A5).

Outro participante declarou que uma universidade constrói uma pessoa, tendo o curso contribuído para desenvolver e aprimorar a capacidade de autocrítica por parte dos estudantes: Eu acho que é tudo o que a gente estudou, é tudo o que a gente ouviu, é tudo o que a gente leu. Vai aprimorando, vai pincelando as nossas ideias. Tanto que eu, a pessoa que aqui entrou, lá no primeiro semestre; olho para trás, como era boba (...). Eu pensava pouco (...). A universidade tem isso, ela constrói uma pessoa. Antes de entrar aqui no curso eu não pensava como professora, eu não pensava o que é ser professor.Acho que isso é uma crítica essencial que a gente tem que fazer como estudante de Pedagogia. A gente tem sempre que criticar, pensar o que é ser professor! Acho que o curso me ajudou muito nisso. A gente discute muito sobre isso (A7).

Enquanto isto, outro participante situou seu discurso tanto na função social do professor como na vocação para a docência: Se você me pedisse para dizer o motivo [pelo qual teria optado pelo curso], fazendo este pedido antes da minha entrada na Universidade, eu não

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conseguiria dizer. Mas hoje consigo, talvez, com um conceito: a função social do professor para mim é muito importante! [No entanto], para fazer pedagogia, tem que amar a educação! Tem que gostar da área de educação! (A8).

Neste percurso de descobertas de motivos, pelos quais realizam o curso, em geral, os estudantes valorizam aspectos como a iniciativa e o poder de decisão. Tal como os colegas do curso de LL, valorizam a justiça, a coragem, a amizade, a tolerância e a novidade. Valorizam a persistência e a formação consistente que contribuam para o seu desenvolvimento, o da sociedade e o da educação como um todo. Segundo relataram, consideram-se diferentes dos colegas pela capacidade de se organizarem mentalmente, por isto desenvolvem boa argumentação antes de por em prática alguma tarefa escolar. Consideram-se diferentes pela criatividade, a capacidade crítica e a participação nas aulas e projetos. Sentem gosto pela educação e, não necessariamente, o gosto por crianças. Engajam-se em causas políticas em prol da educação. Identificam-se aqui as valorizações à amizade e à criatividade, tal como constatado entre os pares do curso de LL, apesar de serem valores vinculados à preocupação com uma função social do professor: aquele que se preocupa em contribuir com o desenvolvimento dos futuros alunos e se engaja em causas políticas a favor da educação. Entretanto, conforme relatos de algumas professoras, os estudantes do curso teriam pouca vivência cultural, isto é, capital cultural, no sentido de Bourdieu e Passeron (1964). Percebem um desnível cultural na comparação com os professores, o que, para aquelas, fragilizaria a visão de mundo deles, constituindose, inclusive, em potencial gerador para situações de desrespeito entre eles e para com os professores. Assim se expressaram: “Eles têm pouca vivência cultural – algo para além da própria cultura, outras formas de cultura, sendo importante que a tivessem. Eu acho que isso diminui muito a capacidade de leitura de mundo” (P6). “Eles têm uma carência cultural e social. Não sei bem se carência seria a palavra adequada. Uma diferença cultural e social em relação a nós que estamos dando aula! Algo gritante” (P4). Este é um cenário já amplamente constatado pela literatura e que, mais uma vez, põe em relevo as teorias reprodutivistas. Com efeito, para Mauger (2012), a herança vinculada à origem social continua a explicar as variações nos percursos

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escolares e as diferenças de capital cultural. Para o autor, o sistema educativo, embora aberto a todos, mas reservado a poucos, continuaria a proporcionar peso a este capital. Para pertencer cada vez mais ao grupo, há estudantes que cultuam a boa participação nas aulas e em projetos de extensão. Citou-se o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid)87 como um contributo à maior aproximação entre colegas de turmas diferentes por gerar um círculo virtuoso em torno de valores como mobilização, assertividade, capacidade crítica, abertura, cooperação, empatia, amizade, capacidade de ouvir e respeito a opiniões diferentes. Paralelamente, eles rejeitam a atitude de pouco interesse de colegas pelo curso, o que, segundo afirmaram, poderia ser consequência da frágil cultura de autorresponsabilidade pela formação ou o resultado de equívocos quanto ao real valor do curso (que se voltaria para a educação como um todo e não só para a formação de crianças). Rejeitam a pouca exigência de determinados professores, feita aos alunos (seria em termos de conteúdos, por exemplo), o escasso diálogo com os estudantes e os trabalhos em grupo mal desenvolvidos (de pouco aproveitamento). Rejeitam a ideia de licenciatura como curso mais barato e de menor qualidade na comparação com outros cursos – apesar de entenderem que pouco se aprofunda e não se prepara para a maior consciência docente – assim como não aceitam que o curso seja tão curto. Cabe ressaltar que, análogo ao outro curso, entre os participantes há uma rejeição à atitude de colegas desinteressados. No entanto, chama atenção o fato de que eles atribuem isto a uma frágil cultura de autorresponsabilidade pela formação, o que, em termos freireanos, estaria a contribuir mais para fortalecer os argumentos de autoridade na interação entre educandos e educadores do que o diálogo entre eles (FREIRE, 1987). De todo modo, nos dois cursos, incomoda aos participantes o desinteresse de colegas na formação recebida dos cursos. Além dessas rejeições, foram mencionados alguns receios. Eles receiam que, apesar de ser necessário à boa formação, o discurso bem articulado (organizado)

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O Pibid é um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), criado para fomentar a iniciação à docência, favorecendo o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e a melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira (PIBID..., 2014). O programa se propõe a incentivar, aprimorar, valorizar o magistério e a formação docente para a educação básica por meio da concessão de bolsas a estudantes dos cursos de licenciatura e a professores com participação nas atividades.

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pode não ter consequências práticas. Receiam que a participação na sala de aula possa constranger e afastar colegas pouco participativos e que a luta em favor de causas políticas da educação leve ao afastamento entre colegas e entre estes e professores – receios que exerceriam influência sobre o aproveitamento escolar. De onde advirão esses receios? Têm razão de ser? Em sua base podem se encontrar as diferenças sociais entre estudantes – independentemente das divergências de explicação entre os pesquisadores, pois, para uns, o funcionamento meritocrático da sociedade superaria a reprodução social e, para outros, a educação reforçaria as desigualdades sociais (GOMES, 2005). A propósito, as diferenças sociais podem se encontrar também na raiz de outro problema educacional que, fundamentalmente, se relaciona com esta questão dos receios. Este problema é o aproveitamento escolar. Após ter reunido resenhas de pesquisas realizadas em nível mundial, na América Latina e no Brasil, Gomes (2005) demonstrou que uma parcela majoritária das diferenças do aproveitamento escolar depende das origens sociais e do ambiente familiar dos alunos. O autor informa ser grande o peso das influências sociofamiliares, como, por exemplo, em casa, eles podem ter tido contato com livros ou recursos educacionais e culturais; ou, a desfavorecer-lhes, podem ter vivenciado a desagregação familiar. Pesam inclusive as questões de gênero. Segundo aquele autor, as vantagens das meninas sobre os meninos, às vezes, é ilusória. Por exemplo, a feminilização nos níveis ulteriores ao ensino fundamental não seria uma conquista das mulheres, mas a consequência do desprestígio e da baixa remuneração do magistério no contexto da massificação do ensino. Enfim, essas rejeições e receios evidenciam aspectos da socialização de estudantes, moldando percepções a respeito da dimensão integrativa

da

Universidade. Noutra perspectiva, entretanto, esta aparece como um ambiente efetivamente favorável à formação dos pretensos professores. O efetivo interesse de ser professor (por vocação ou não) apareceu como recurso viabilizador da educação capaz de contribuir para uma sociedade mais justa, para o desenvolvimento de crianças, para aprender e refletir a respeito da educação, para concretizar a função social do professor – apesar das pressões sofridas contra a formação para a profissão de professor baseadas em argumentos como baixos salários e fazer concursos públicos para outras profissões.

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Nessa diversidade de interesses, os estudantes se percebem influenciandose mutuamente. Os centrados, com visão mais ampla da realidade, escrevem mais e melhor (inclusive projetos de pesquisa), sendo capazes de organizar bem o seu relato e articular a sua fala, além de evitar reclamar de dificuldades. Uns falam muito, mas com pertinência (pensam sobre a aula, depois se pronunciam). Outros pensam a respeito da educação de forma mais ampla e mais politizada. Em vez de reclamar, engajam-se na causa educacional, reivindicando respostas a problemas (reitoria e direção do curso, por exemplo). Outros ainda se julgam abertos a ouvir (uma competência adquirida no curso). Relataram outras influências mútuas. Contribuiriam para o processo formativo influências como capacidade de focalizar aspectos importantes da formação, respeito à diversidade, isenção de preconceitos, objetividade e incentivo a ter uma visão mais ampla de mundo. No entanto, informaram que esse processo torna-se difícil de ocorrer. Segundo relataram, a impaciência diante das dificuldades de expressão de alguns colegas e professores seria uma dificuldade: eles seriam lentos quando pensam e falam. Relataram que seria outra dificuldade a frustração diante do planejamento não cumprido, até a mais simples atividade (cumprir tarefa ou reunir colegas para trabalhos de grupo). Assim, por mais que se influenciem positivamente, se deparam com dificuldades. Seguindo

o

rol

de

dificuldades,

houve

quem

mencionasse

certos

comportamentos e atitudes de professores que ameaçam o interesse de seguir a carreira docente: pessimismo e queixas contra os baixos salários; tentativas errôneas de tornar o curso mais prático ao tratar estudantes como crianças (infantilização do curso); incoerência entre fala e ação (dentro e fora da Universidade); entendimento de que licenciatura é forma de ascensão social (educador é mais) e que o estudante pode se transformar num mero ganha-pão (fonte de renda). Conforme percepções, a falta de liberdade dos professores provocaria uma rotinização das aulas. A Universidade estaria engessada. Para eles, tornar-se-ia necessário repensar o modelo de universidade. Portanto, paralelo ao intento de se formar para a docência, denunciam certa superficialidade e a curta duração do curso. Mencionaram alguma dificuldade para lidar com diferenças (pessoas que se expressam mal) e concepções de educação a seu ver erradas (atuação restrita ao universo infantil). Para alguns, o modelo

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educacional estaria completamente errado, com sérias consequências sobre o sucesso escolar – cabendo acrescentar que as críticas dos participantes também foram influenciadas por vivências na educação básica. Neste sentido, pesquisa realizada no Brasil em dez Unidades da Federação buscou saber a percepção sobre o sucesso e o insucesso escolar, sendo de um lado, a opinião de professores, gestores e alunos do ensino fundamental e, de outro, a opinião de pais. Mais uma vez se constatou que estas duas faces do mesmo processo são construídas ao longo da vida do aluno, no âmbito institucional, cultural, social, relacional e pessoal. Conforme o relatório final da pesquisa, a melhoria do desempenho extrapola os muros da escola, pois provavelmente estará excluído da sociedade o aluno que, ao longo de seu percurso de vida escolar, não conseguiu desenvolver determinadas habilidades que possibilitem enfrentar problemas e exigências impostos a ele pela sociedade e pelo mundo do trabalho (IRELAND, 2007). Com tal presença crítica, entretanto, os estudantes deixaram evidente que não se abatem pela lamentação, pelo imediatismo (refletem sobre o contexto), pelo desinteresse de muitos colegas, pelo comodismo, pela preguiça. Não se deixam vencer pela carência de diálogo, imobilismo e incapacidade de crítica; pelos comportamentos e atitudes de alguns professores que, segundo informaram, não refletem sobre sua prática (caem na sombra da rotina diária), são incoerentes ou percebem o estudante com um ganha-pão. Enfim, em geral, os estudantes não se deixam dominar pela ideia de Universidade engessada (rígida). Não perdem o sonho de mudar o mundo. Tensões como estas, envolvendo valores e interesses, ficaram evidenciadas ao colocarem diante de si os seguintes aspectos: 1) justiça social, consciência de mundo, disposição para contestar e denunciar, bem como convicção da escolha do curso, considerando o objetivo de ter uma formação com professores exigentes e que contribuam efetivamente para que o estudante desenvolva cada vez mais habilidades voltadas às questões humanas; 2) iniciativa, resolução, coragem, amizade, tolerância, abertura ao novo, proximidade entre professor e estudantes diante do objetivo de ser um professor que gosta e tem interesse de trabalhar com crianças; 3) persistência para se formar (sob a influência da família) e gosto por uma boa metodologia na perspectiva de ser um professor otimista e consciente da

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amplitude do curso; 4) formação consistente que contribua para o desenvolvimento dos estudantes, da sociedade e da educação como um todo a partir da consciência da função social do professor. O relato a seguir exemplifica algumas tensões vivenciadas por estudantes relacionadas ao que pretendem e ao que encontram no contexto da formação inicial: P – O que mais a incomoda em sua experiência como aluna do curso de Pedagogia? R – Coisas que me incomodam são perceber que existem pessoas com a falta de compromisso com o curso (talvez porque pensem ser fácil ingressar no curso) (...); a falta de exigência dos professores (para possuir mais qualidade) (...). Que você tem que se preparar para ter sua formação, isso eu sei! Só que a gente tem que se preparar para manter uma consciência desse tipo depois que sair daqui [da Universidade] e atuar na sala de aula. Nas escolas por onde passei – principalmente particulares – notei que muitos professores haviam feito o curso porque era a possibilidade que tinham de fazer um curso superior mais barato, e o que vi, às vezes, eram professores que ajudavam a manchar o nome da Pedagogia! [A ideia] de que [ser professor] é só cortar papel! É oba-oba! É brincadeira (...). Outra coisa que me incomoda é a duração do curso! Acho que é curta para o tanto de coisas que a gente tem que aprender. A prática é muito pouca também. Porque o negócio na sala de aula é muito complexo! Não é só você saber o conteúdo. Exigem muito mais coisas de ti! Está envolvido o aspecto cognitivo do aluno. O emocional. A questão da família. A sua postura de respeito, de ética. São várias as situações dentro da sala de aula, às vezes, nada daquilo que você viu [durante a formação inicial]. Acho que no curso a gente vê coisas de forma muito, muito básica! Você poderia até falar, “não, mas é só a formação inicial do professor, ele pode fazer depois”. Só que não deveria essa formação inicial ser mais sólida? Acredito nisso. Deveria ser [mais sólida], possuir mais tempo, se exigir mais dos alunos. Exigir livros. Que leiam livros, não capítulos apenas (...). É a sua formação! Você é 88 responsável por ela! [grifo do autor ]. Só que sabemos existirem pessoas que não são assim. Tem que existir um pouco disso para que a gente crie essa cultura dentro da Pedagogia, que num tem muito (A5).

Para lidar com tensões desse tipo, de acordo com relatos obtidos, os estudantes abandonam posições sociais relacionadas ao imediatismo, à dificuldade de crítica por parte de colegas, ao pessimismo, ao nível de exigência e incoerência de professores, aspectos inseridos num modelo educacional que estaria errado. Em seguida, empenham-se em modelos culturais como o de um docente líder, que domina os conteúdos e os articula com uma formação mais voltada para o lado humano; que desperte para a maior consciência de mundo; que se relacione bem com os estudantes (ajudando-os a amadurecer); que incentive o espírito crítico, a expressão e tenha competência técnica; que seja otimista e consciente do valor do

88

O que de alguma forma retoma o comentário a respeito da frágil cultura de autorresponsabilização pela formação, por parte dos alunos, mencionada pelos participantes.

260

curso; que contribua para formar pessoas reflexivas, diferentes; que seja consciente da função social do magistério. Dessa maneira, o empenhamento em modelos culturais, do modo como explica Dubet (1994), caracteriza-se pela inserção dos estudantes em realidades por eles percebidas. Ao modo freireano, seria um engajamento na realidade que se desvelou para eles durante a formação. As entrevistas e as observações realizadas deixaram claro que os estudantes do curso de LP que participaram da pesquisa conseguem

problematizar

situações

que

vivenciam

no

período

formativo.

Configurou-se um pensar crítico, pelo qual, como afirma Freire (1987), “os homens [sic] se descobrem em ‘situação’” (p. 101-102). Mesmo durante as entrevistas, em sintonia com o processo de geração de dados, os estudantes evidenciaram capacidade de problematizar situações vivenciadas. Procederam como se “da imersão em que se achavam, [emergissem], capacitando-se para se inserirem na realidade que se [ia] desvelando” (p. 102). Com efeito: Só na medida em que [a situação descoberta pelos seres humanos] deixa de parecer-lhes uma realidade espessa que os envolve, algo mais ou menos nublado em que e sob que se acham, um beco sem saída que os angustia e a captam como a situação objetivo-problemática em que estão, é que existe o engajamento” (FREIRE, 1987, p. 102).

Por fim, os participantes admitiram dificuldades para concretizar tais modelos: superficialidade ou até desorganização do curso, turmas numerosas ou formadas por alunos com perfis altamente diferentes (geraria barulho e descontrole do professor sobre o processo educacional desenvolvido na sala de aula).

3.2.2.2.2. Professoras

Conforme identificado, as professoras do curso de LP percebem a Universidade como um lugar em que se exercita a empatia, o companheirismo e a autorreflexão, bem como um espaço para aprender a lidar com o rigor das regras (necessário para não ser percebida como professora boazinha). Ficou evidenciado o sentimento de respeito da Universidade para com o seu trabalho. Seria análogo ao que ficou identificado também com as professoras do outro curso, isto é, a internalização da organização como capaz de falar por meio de seus membros –

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estes considerados como atores que teriam poder sobre suas próprias ações (BRUNSSON, 2007). Na Universidade, conforme as professoras declararam, elas passaram a compreender que os estudantes não detêm uma cultura intelectual, mais aprofundada, ao ingressar na educação superior. De modo geral, elas valorizam o compromisso, a responsabilidade, a ética, a compreensão, o zelo, o olhar sensível. Elas valorizam a subjetividade do estudante, o acordo com ele e a coragem para expor as próprias fragilidades. Algumas se consideram diferentes das colegas porque exercitariam mais o diálogo com os estudantes. Outras se veem diferentes porque estariam a perceber a diferença cultural entre eles e a professora, porque cuidam deles (apesar da intenção de mudar esta postura) e por ter muita energia na lida com a atividade docente, vitalidade e criatividade. Na busca por pertencer cada vez mais ao grupo, procuram participar de reuniões, encontros com colegas fora da Universidade e eventos promovidos por ela; buscam dialogar entre si para trocar ideias sobre os estudantes, aprender. Valorizam a colaboração e a parceria. Por outro lado, alardeiam que não toleram o comodismo, o pouco comprometimento e a irresponsabilidade de estudantes, o desânimo e a traição (quebra de expectativas quanto a determinados relacionamentos entre professor e aluno). Neste jogo, valores assumidos encontram resistência. Respeito, compromisso e responsabilidade encontram barreiras frente ao desinteresse. O hábito de dialogar (nalguns casos, vindo da família da professora), acompanhado de sugestões para melhorar o desempenho, seria encarado como humilhação pela maioria dos estudantes e, por isto, muitos são agressivos quando recebem retorno – “e isso cansa um pouco” (P4). Estes aspectos são passíveis de comentário a partir das explicações de Freire (2009) a respeito da mútua formação entre educando e educador, passível de ocorrer só com liberdade. Nesta pesquisa, identificou-se que, de um lado, os estudantes participantes imputaram a falta de compromisso de colegas à frágil cultura de autorresponsabilidade pelo processo formativo, já mencionado. De outro lado, professoras participantes imputaram esta falta de compromisso, dentre outros fatores, à ausência de uma cultura intelectual mais aprofundada.

262

Ora, como explica Freire (2009), somente se houver superação da contradição entre educador-educando – exequível por meio da educação problematizadora – será possível realizar-se a educação como prática da liberdade. De modo que o tão alegado descompromisso dos estudantes com o curso não se caracteriza nesta pesquisa como um problema restrito ao seu mundo, mas sim uma situação que deve ser superada por estudantes e professores, o que ocorrerá somente por meio da pedagogia dialógica e não monologal – como ensina Gusdorf (1970, p. 84), “o monólogo é o começo da loucura, o enfrentar outrem é o começo da sabedoria”. Segundo as professoras, às vezes, o cuidado com o estudante seria mal compreendido e, por isto, valorizam o uso da hierarquização: “usar o meu poder como docente para que ele me compreenda, porque, se eu usar os cuidados, meus valores, ele não me entende como profissional, como professora” (P5). A abertura e a compreensão teriam limites, pois poderia ser percebida como professora boazinha. Por sua vez, relatou-se que a intenção de ser docente justo não se concretiza com maior frequência em função do modelo de avaliação: “uma coisa que impede muito é a avaliação, que impõe uma barreira muito artificial na relação entre alunos e professor” (P6). Observa-se claramente que as participantes distinguiram entre questões afetas ao exercício do poder e questões relativas ao modelo avaliativo. No primeiro caso, não se recusam a desempenhar o papel para o qual lhe fora atribuído poder, uma recusa que seria um abandono do exercício de poder (FURLANI, 2000). A pesquisa não identificou isto. No segundo caso, admitiram um prejuízo na formação porque a avaliação artificializaria a interação estudante-professor. Assim, apesar de não se recusarem a exercer o papel determinado pela Universidade de realizar balanços periódicos do desempenho dos estudantes (PERRENOUD, 2000), entendem por avaliação algo além do mero instrumento para cumprir a função credenciadora da Universidade, devendo fazer parte do conjunto mais amplo no esforço de educar e socializar o estudante (DUBET, 1994). Neste sentido, para Perrenoud (2000), o professor competente, aquele que administra a progressão das aprendizagens, dentre outros aspectos, observa e avalia desempenhos durante a aprendizagem com vistas à formação do indivíduo. Conforme o autor, isto significa não separar avaliação e ensino, e sim tomar cada

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situação de aprendizagem como fonte de informações a serem utilizadas em prol da formação. Com efeito, para Steen (2012), a utilização de testes reflete a escola que pensa em curto prazo. Para o autor, a valorização de resultados de testes e resultados mensuráveis resulta da ênfase no ensino de disciplinas cognitivas relacionadas, por exemplo, com o estudo da língua e da matemática. O autor defende a necessidade de oferecer espaço às crianças – com a devida ressalva, podendo ser realizada uma digressão e estender aos jovens adultos – para que desenvolvam sua criatividade e competências na busca de propósitos, construção de identidades e desenvolvimento pessoal. Em geral, as professoras não realizaram críticas ao apoio institucional para realizar seu trabalho. Em vez disso, mencionaram que percebem a Universidade como possibilidade de realizar objetivos, como o de trabalhar aspectos culturais da educação; tornar melhor o seu público-alvo, como pessoas e como profissionais; mantê-lo informado a respeito do que é universidade. Mencionaram que a Universidade as apoia na formação de professores e no desenvolvimento de propostas de trabalho compartilhadas. Enfim, relataram que ela apoia no objetivo de contribuir com a formação de gente muito boa para a educação; no objetivo de fazer o olho brilhar. Neste aspecto, veja-se o exemplo a seguir: P – O que mais a incentiva a atuar no curso de Pedagogia? R – Os desafios! Não se tem uma só aula igual! É algo diferente! Cada turma que se tem é um recorte de identidades próprias daquela turma. Por mais que o conteúdo seja igual, a aula sempre será diferente. Então, [o que me incentiva] é esse desafio de chegar ao aluno e mostrar o que de fato acontece numa universidade, na educação (...). Possibilitar a elaboração de conceitos, a mudança. Mostrar até que ponto você pode ser protagonista ou transformar a realidade. Acho que é isso que mais me chama a atenção (P5).

São objetivos que, de algum modo, mantêm vinculadas as relações de influência entre as professoras. Algumas reconhecem seu poder de influenciar colegas, que poderia decorrer do hábito de propor atividades didáticas práticas; de confeccionar materiais de controle, modelos, fichas de autoavaliação. Ser colaborativa influencia (e o faz com essa intenção). Além disso, demonstrações de coragem de falar, desapego (entrar de cabeça, mas aceitar sair). Reconhecem que outras influências mútuas estariam a contribuir para alcançar objetivos: usar a capacidade de desenvolver projetos, planejar e executar

264

atividades; ter ideias diferentes; resolver problemas; trabalhar questões culturais; mostrar confiança no que se faz – fatos importantes para destrancar portas, janelas há muito fechadas, para a maior compreensão de mundo; mostrar experiências exitosas sem ocultar conflitos e problemas da área da educação, bem como o fracasso da escola como instituição. Para concretizar esses objetivos, as professoras estariam a enfrentar alguns obstáculos. Com relação a uma parte dos estudantes: a origem social (gostam de panelinhas, não detêm cultura intelectual mais aprofundada), o estranhamento quanto à prática de feedbacks, a tendência de reclamar, a indecisão quanto à escolha do curso, a inquietação (não param, dialogam ou refletem) e, finalmente, as surpresas indesejáveis advindas da interação (traem a confiança do professor). Com relação a uma parte dos colegas professores: a utilização distorcida da técnica de seminários na sala de aula (delegam o papel de professor aos alunos, que realizam meras exposições), pouca abertura para compartilhar ideias e socializar propostas de trabalho. Quanto à escola como um todo: a ausência de estratégias para desenvolver processos de empatia entre os envolvidos no processo educacional. Vale destacar trecho de relato que enfatiza o objetivo de contribuir com a formação de pessoas e de profissionais cada vez melhores: P – Quais desafios você enfrenta para mostrar aos alunos oportunidades de serem melhores como pessoas e melhores no que fazem? R – Acho que o maior desafio é conseguir fazer isso de uma forma amorosa. Isto porque, em geral, quando a gente se propõe a fazer isto, os alunos ficam muito arredios. Às vezes, agressivos. Eles querem muitas vezes continuar no lugar em que estão. Quando você propõe esta reflexão, esta mudança, muitas vezes eles não aceitam muito bem. Para se defender, dizem que “a culpa é da educação básica; a culpa é da mãe; a culpa é do pai” (P4).

Esse emaranhado de valores e interesses leva as professoras a refletirem sobre seu papel. Paralelo à adesão à docência, admitem certa impaciência com a chamada crise de valores, em especial com a falta de respeito por parte de estudantes. Admitem a intenção de deixar de lecionar na educação superior, priorizando a educação básica por oferecer mais acesso aos alunos. Apesar da intenção de contribuir para desenvolver a prática reflexiva por meio da valorização dos processos, ao invés de resultados, fazem justamente o contrário, que é apelar para a força da prova. Segundo declararam, os alunos têm valorizado mais o resultado do que o processo. Apesar de quererem que os estudantes percebam a

265

face real da educação, como possibilidades em meio a conflitos, entendem que eles precisam se jogar a favor dessa percepção – o que não estaria a ocorrer. Tais críticas cognitivas fazem-se acompanhar de críticas normativas, para o que não se deixam levar pela ideia de docente que, apesar de ler muito e teorizar, não diversifica atividades na sala de aula; não se deixam levar pela ideia de professor que não compartilha projetos de trabalho e não se deixa levar pela moda da avaliação. Assim, foram identificadas tensões envolvendo valores e interesses. O respeito, o compromisso e a responsabilidade se deparam com as dificuldades de ser uma professora que contribui para a maior consciência dos estudantes e melhor desempenho didático. O respeito, a compreensão, o cuidado, a atenção ao olhar sensível e o rigor (na Universidade) se deparam com os obstáculos de desenvolver propostas de trabalho compartilhadas com os estudantes. A coragem para reconhecer fragilidades e trabalhar com companheirismo se deparam com os empecilhos para atuar como uma professora capaz de estabelecer diálogos. Diante disso, com o abandono de determinados valores e interesses, resistem a papéis sociais que as definiriam como professoras mais vinculadas à teoria do que à prática ou como professoras arrastadas pela cultura de massa (imediatismo sem reflexão) ou ainda como professoras encaixotadas pela grade curricular. Assim, elas utilizam modelos culturais em que o docente é capaz de mostrar oportunidades aos indivíduos como serem pessoas e profissionais melhores. Um docente que entende ser cada pessoa responsável pela própria felicidade. Que promove reflexão junto aos alunos. Que dialoga com discentes e colegas. Que contribui para o desenvolvimento integral deles. Que incentiva. Que age. Que entende ser cada um responsável pela felicidade do outro. Desse modo, constata-se, a exemplo das professoras do outro curso, o ideal de professor capaz de articular aspectos informativos e formativos da educação, conforme enfatiza o PPC de LP – a ser apresentado mais à frente. No entanto, admitem certas dificuldades, desafios, para concretizar tais modelos. Junto aos estudantes, percebem empecilhos para atuar com amorosidade; lidar com a cultura de massa, contexto que não permite àqueles não parar e muito menos realizar reflexões; lidar com a avaliação, tal como é praticada, pois impede a expressão do professor que dialoga com e incentiva; lidar com a falta de coragem

266

dos envolvidos na educação, que precisariam quebrar grades colocadas pelo currículo, escola e universidade. Neste sentido, se ficou claro que a pedagogia freireana se encontra presente nesses modelos culturais, evidenciou-se que o modelo de avaliação tem impedido a concretização deles. A avaliação como tem sido realizada seria o reflexo da estrutura opressora da escola como um todo, o que, inclusive, estaria causando angústia às professoras, como explicita o seguinte depoimento: P – Qual seria a maior dificuldade para praticar a pedagogia freireana? R – É a nota! É a nota! Tudo que eu [vejo] na educação formal de muito fraco justamente são as grades que prendem o professor e o aluno; as grades institucionais: ter que registrar presença, atribuir notas, ter isso, ter aquilo, ter aquilo outro (...). Porque avaliação, ela tem que estar no processo para mostrar o que você [o aluno] tem que fazer e não para carimbar a pessoa [o aluno] com uma nota depois do que ela fez. Acho estúpido isso (P6).

3.2.3. Conclusões89

As informações da seção precedente estão organizadas em quadros sintéticos (Quadros 17 a 22), apresentadas conforme a seguinte classificação: 1) Primeiro nível: alunos e professoras dos dois cursos, o que possibilitou fazer as primeiras

comparações

estudantes-estudantes

e

professoras-professoras;

2)

Segundo nível: lógicas de ação, o que possibilitou realizar uma contradistinção de aspectos relacionados com a socialização e com a subjetivação dos participantes. Com tal organização, chegou-se às convergências e às divergências, o que favoreceu a realização de conclusões parciais. Desse modo, cumprem-se certos objetivos da pesquisa, com dados analisados pormenorizadamente mais à frente (Seção 4.1). Oportuno lembrar que os resultados advêm da mera presença dos temas (não da frequência) identificados durante a coleta e a geração de dados (BARDIN, 2009), tendo sua legitimidade fortalecida com o cruzamento de informações (Quadro 16).

89

A apresentação de conclusões constitui já a discussão do corpus da pesquisa, tendo sido apresentadas antes do capítulo referente a esta tão só para facilitar a compreensão por parte do leitor. Em termos metodológicos, considerando a técnica da análise de conteúdo, estas conclusões parciais abrangem figuras e quadros de resultados que “condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise” (BARDIN, 2009, p. 127). É a fase de tratamento dos resultados, retomada logo desde o início daquele capítulo, no qual se apresentam inferências e interpretações.

267

3.2.3.1. Alunos: Letras e Pedagogia

Passa-se a apresentar algumas conclusões relacionadas a aspectos relevantes da dinâmica de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores, identificados da perspectiva dos alunos participantes dos dois cursos. Tomaram-se convergências e divergências, identificadas e apresentadas na seção anterior, mas agora sintetizadas. A amizade, a criatividade e o interesse pelo curso emergiram como temas que aproximam as percepções e as preocupações dos participantes, ponderadas divergências relativas aos modos como são vivenciados nos processos de integração e busca de objetivos (Quadro 17). Quadro 17 – Lógica da integração: uso pelos estudantes. Cursos e lógica da integração

Comparações estudantes-estudantes

Letras: Valorização do desafio. Percepção das diferenças individuais. A amizade como força integrativa. Rejeição ao desinteresse pelo curso. Intolerância a aulas expositivas sem participação de estudantes. Medo da rejeição dos colegas, quando praticam religião diferente. Medo de não recuperar amizade perdida. Intenção de adquirir habilidades para praticar a criatividade.

Convergências: A amizade como força integrativa. O desenvolvimento da criatividade como meio para obter objetivos planejados. Rejeição ao desinteresse de colegas pelo curso.

Pedagogia: Valorização do poder de resolução, justiça, coragem, amizade, tolerância e abertura ao novo, bem como persistência e formação capazes de contribuir para desenvolver alunos e sociedade e construir uma educação melhor. A participação nas aulas e em projetos de extensão teria o poder de inserir melhor no grupo de colegas. Condenação a: cultura disseminada do desinteresse de colegas pelo curso, pouca exigência de parte dos professores, escasso diálogo com os estudantes, ideia de curso barato e de pouca qualidade. Preocupação quanto à diferença entre discurso bem articulado e prática, quanto ao possível distanciamento entre colegas em face de maior ou menor participação nas aulas ou em função do engajamento em causa política a favor da educação – neste caso, até professores se afastam.

Divergências: Atitude autocentrada (LL) versus atitude sociocentrada (LP), uma contraposição relacionada a: a) Amizade: receio de rejeição ou perda de amizade dos colegas (LL) e gosto por maior disseminação da prática da extensão universitária, o que levaria à maior integração entre colegas (LP). b) Criatividade: desenvolvimento da criatividade para realizar objetivos pessoais (LL) e seu desenvolvimento para construir a educação a favor de uma sociedade melhor (LP). O desinteresse pelo curso percebido como resultado do excesso de aulas expositivas (LL) ou como resultado da frágil cultura de autorresponsabilidade pela formação (LP).

Fonte: elaboração do autor. Em primeiro lugar, a amizade emergiu como força integrativa. Para os participantes, ser amigo é sentar-se à mesa, conversar, manter uma interação

268

descontraída e bem humorada. Como declarado por estudante do curso de LL, “é uma questão de criar laços” (A1). Esta expressão, sendo compreendida a partir dos gregos antigos, pode representar o desejo profundo de se tornar uma pessoa virtuosa e feliz, autocontrolada e em paz consigo mesmo (PLATÃO, 1972). Não parece, esta expressão, ser a falsa amizade no sentido explicado por Bauman (2004) ao analisar as diferenças entre o que ele denomina relacionamentos reais e relacionamentos virtuais. Vive-se no mundo das redes de relacionamento propiciado pelas novas tecnologias. Nele muitas vezes a amizade pode estar por um clique, no sentido em que explica aquele autor: Diferentemente dos “relacionamentos reais”, é fácil entrar e sair dos “relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. (...) Um jovem de 28 anos da Universidade de Bath apontou uma vantagem decisiva da relação eletrônica [a que leva ao namoro pela Internet]: “Sempre se pode apertar a tecla de deletar” (BAUMAN, 2004, p. 12-13).

A amizade à qual a pesquisa se refere não parece ser de tal natureza. Suspeita-se que ela aponta, ainda que palidamente, para a possibilidade de junção entre Paideia e Politeia – como o fez originalmente Aristóteles (1996). De todo modo, independente dessas suspeitas, anotadas a partir de Bauman (2004), os dados coletados e gerados informaram que os estudantes têm a expectativa de interagir com os professores no sentido de uma aproximação mais afetiva. Possuem a expectativa de que os professores conheçam e compreendam suas motivações, interesses e necessidades, proporcionando uma aprendizagem significativa (LIBÂNEO, 2004). Com efeito, para Casassus (2009), a escola converte-se numa “comunidade de relações e de interações orientadas para a aprendizagem, [a qual] depende principalmente do tipo de relações que se estabelecem na escola e na classe” (p. 204). A expectativa dos estudantes consiste em serem tratados pelos professores, considerando-se plenamente suas carências e na liberdade de expressarem sua humanidade – o que também é um anseio dos professores. Como relatou um participante ao se referir à atuação de um docente: “A professora M. ajuda muito a

269

pensar” (A7), sendo especial porque mostra “um lado mais humano, amigo, mais próximo. Uma relação bem estreita. Ela num fica num patamar: eu sou professora, vocês são alunos”. Reflete-se aqui a lição freireana a respeito da necessidade de ser o educador humilde para revelar suas carências. Do seguinte modo se expressa Freire (2009, p. 67): “Como posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo revelar o meu desconhecimento?”. A par dessas convergências, identificou-se que, entre os estudantes do curso de LL, as preocupações com o fazer amizade estiveram, com frequência, voltadas para o alcance de objetivos pessoais; voltadas ao para que me aproximar desse ou daquele professor ou colega. Já entre os participantes do curso de LP, aquelas preocupações se voltaram, com alguma frequência, para o alcance de objetivos sociais; voltados ao desenvolvimento de estudantes e da sociedade como um todo, bem como para construir uma educação melhor – tendo sido citado que gostariam de presenciar mais atividades de extensão, pois isto aproximaria estudantes interturmas. Em segundo lugar, emergiu como tema a criatividade como meio para obter objetivos, sejam pessoais ou sociais. Para os participantes, criatividade é potencial humano que faz emergir o que a pessoa efetivamente é. Ficou evidenciado que, para eles, ser criativo é manifestar a própria intimidade. É manifestar a imaginação. Embora tenha ficado evidenciado também que, para uns, ela pode até ser o resultado de construções bem elaboradas de raciocínios. Ao ter declarado quase como um grito que “aqui [na Universidade] você estuda autores, mas você não é ensinado a ser autor” (A4), um participante do curso de LL remeteu sua preocupação para questões já identificadas por Romanelli (2003) no contexto da formação histórico-social e cultural do povo brasileiro. A autora estudou as consequências advindas com a transferência de produtos acabados da cultura europeia, como os produtos da cultura intelectual, o que teria marcado a herança cultural brasileira, sobretudo a relacionada com a transmitida pelas escolas. Para aquela autora, os produtos da cultura intelectual transferidos para o contexto de uma realidade complexa, como é a realidade brasileira, levou as

270

instituições educativas a serem mais transmissoras do que transformadoras: “o gesto criador que resulta do fato de o homem ‘estar-no-mundo’ e com ele relacionarse” (p. 23) teria dado lugar ao “gesto comunicador que o homem (sic) executa, transmitindo a outrem os resultados de sua experiência” (p. 23). Assim: A escola, neste caso, é utilizada muito mais para fazer comunicados do que para fazer comunicação e este papel é desempenhado tanto mais eficazmente, quanto mais o que se pretende com a ação escolar é formar o espírito ilustrado, não o espírito criador (ROMANELLI, 2003, p. 23).

Portanto, pode ser que naquela declaração o estudante esteja gritando contra os resquícios de uma herança cultural marcada pela imitação de modelos culturais importados90, como o que se deu na América Latina e particularmente no Brasil. Uma importação que, segundo Teixeira (1962), teria gerado uma duplicidade de propósitos das instituições escolares brasileiras, enraizando uma profunda dicotomia entre os valores proclamados e os valores reais, com consequências nefastas para o processo educativo até os dias atuais. Que o jovem tem sido percebido como símbolo da criatividade e da inovação, isto não é recente na história humana (PLATÃO, 1972; ORTEGA Y GASSET, 1987; SAVAGE, 2009). Parece presente nos relatos dos estudantes o desejo de estudar numa escola contextualizada com as mudanças que repercutem na pedagogia. Esta tem sofrido completas mudanças ao longo dos tempos. Neste sentido, Serres (2013, p. 28-29) defende uma mudança decisiva e urgente no ensino. Para o autor, vive-se “um período comparável ao da aurora da Paideia”, mas agora diferente, pois, simultâneo às transformações advindas com as técnicas, “o corpo se metamorfoseia, o nascimento e a morte mudam, assim como o sofrimento e a cura, as profissões, o espaço”.

90

Esta é uma preocupação que extrapola o âmbito dos educadores brasileiros. Em recente entrevista, o educador português José Pacheco, criador da Escola da Ponte (localizada em Portugal), afirmou: “O essencial seria que o Brasil compreendesse que não precisa ir ao estrangeiro procurar as suas soluções (...). Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky, Piaget? Não vejo um brasileiro. Mas podem dizer: E Paulo Freire? Não vejo Paulo Freire em nenhuma sala de aula. Fala-se, mas não se faz” (HARNIK, 2013).

271

Conforme aquele autor, o ser no mundo está a sofrer mudanças. Desse modo, por estar no mundo (HEIDEGGER, 1996) e por ter o direito ontológico de querer mudar, o jovem que usa sua criatividade não quer ser tratado como um objeto a ser preenchido com pedaços de seu jeito de ser (FREIRE, 1987). Pareceu já estar cansado o estudante que vivencia o trabalho docente como o ato de “imitar o mundo (...), o de ‘encher’ os educandos de conteúdos (...) o de fazer depósitos de ‘comunicados’” (p. 63). Em terceiro e último lugar, emergiu como relevante a rejeição dos estudantes ao desinteresse de colegas pelo curso, independente das divergências relacionadas com as causas percebidas: seria excesso de aulas expositivas ou a predominância de uma cultura que retira do estudante a responsabilidade final por sua formação. Constou entre os participantes o discurso de que cada aluno é senhor de sua formação, precisando ter uma postura de protagonista do desenvolvimento acadêmico. “Você é responsável por ela!” (A5), relatou um participante, apesar de reconhecer dificuldades de colegas de cumprir esta responsabilidade: “Sabemos que existem pessoas que não são assim”, mas “é necessário criar uma cultura dentro da Pedagogia, que não existe bem” (A5). Como despertar o interesse dos estudantes pelo curso? De dificílima resposta, com grande complexidade, autores se dedicaram à procura de aspectos relacionados a esta questão. Para

Perrenoud

(2000), com

a

democratização,

alunos que

antes

ingressavam diretamente no mundo do trabalho tiveram a oportunidade de estudar nas escolas. Se antes, o desafio dos professores era lidar, com frequência, com a preguiça e a desordem organizada – única resistência dos chamados herdeiros, segundo o autor – , agora, com a democratização, os desafios se ampliam exponencialmente. Fala-se muito em sentido, ou projeto de vida do estudante. Para aquele autor, a ênfase no projeto pessoal não deve iludir, pois muitos alunos sequer têm um projeto ou, ainda, difícil é propor-lhes um. Para ele, não repousa sobre os ombros dos professores a responsabilidade do sentido. No entanto, o próprio autor admite que a competência exigida aos professores está na ordem didática, epistemológica e relacional: é preciso envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho (PERRENOUD, 2000).

272

Entretanto, se o caminho da construção de interesses do estudante pelo curso passa por essa ou outras competências, será, conforme Freire (2009), somente por meio da afirmação da curiosidade do educando que os educadores efetivamente afirmarão a experiência formadora. Neste sentido, evidenciou-se, de acordo com os relatos dos estudantes, que há expectativas de maior dinamização das aulas. Conforme Freire (2009):

Estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de respostas [grifo do autor referenciado] a perguntas que não foram feitas. Isto não significa realmente que devamos reduzir a atividade docente em nome da defesa da curiosidade necessária, a puro vai-e-vem de perguntas e respostas, que bucraticamente se esterilizam. A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe a fala do objeto (FREIRE, 2009, p. 86).

No âmbito da lógica da estratégia não foram obtidas informações relevantes que caracterizassem maior convergência de aspectos na construção das experiências sociais dos participantes, senão pelo fato de que, na etapa do curso em que estavam os estudantes entrevistados, já havia foco na formação para atuar como professor. As informações caracterizaram mais uma dispersão de interesses, ainda que tenham advindo de participantes que, em comum, tinham o fato de cursar licenciaturas (Quadro 18). Neste sentido, vale destacar que algo favorável à formação de professor seria, para os estudantes do curso de LL, a monitoria, o que levaria à prática docente na sala de aula e, para os do outro curso, os projetos de extensão, pois, neste caso, estariam a contribuir para ampliar a visão de mundo.

273

Quadro 18 – Lógica da estratégia: uso pelos estudantes. Cursos e lógica da estratégia

Comparações estudantes-estudantes

Letras: Interesse de ser professor ou escritor, apesar das alterações dos interesses iniciais, como ser tradutor, revisor ou intérprete. Pouca influência mútua, valendose da monitoria, da capacidade de organização, da iniciativa e da coragem como recursos para se formar.

Convergências: Atuar como professor. Divergências: Monitoria, organização, iniciativa e coragem (LL) ou respeito à diversidade, isenção de preconceitos, objetividade e ampla visão de mundo (LP) como recursos que auxiliam na formação. Mútua influência entre os colegas (LL) em contraposição à ausência de percepções nesse sentido (LP).

Pedagogia: Quer ser professor. Utilização da capacidade de foco, respeito à diversidade, isenção de preconceitos, objetividade e incentivo à visão mais ampla de mundo.

Fonte: elaboração do autor. Segundo Masetto (2012), apesar de pouco frequente nas salas de aula, o monitor é uma figura colaborativa de realce para a interação entre estudantes e entre estes e o professor. Para o autor, além de aprofundar estudos a respeito do conteúdo da disciplina, o monitor assume posição em que prioriza a observação e enfatiza a: A ação pedagógica propriamente dita, [com] mais oportunidade de refletir sobre o ensino e a educação, pela convivência assídua com o professor e pela constante troca de feedbacks entre ambos, bem como entre ele e a classe (MASETTO, 2012, p. 66).

Para Severino (2007), por ser ligada ao ensino, a atividade de extensão enriquece o processo pedagógico porque envolve

discentes, docentes e

comunidade numa dinâmica de aprendizagem que, no final, concretiza o sentido mais profundo da universidade, a ser entendida, conforme o autor, como uma entidade que, sendo funcionária do conhecimento, existe para prestar serviços à sociedade. Assim, em meio ao emaranhado de regras e interesses em que se situam nos cursos, os participantes conseguem divisar, dentre outros, o valor da monitoria, do estágio supervisionado e dos projetos de extensão como alternativas que contribuem para a formação docente. Já no âmbito da lógica da subjetivação, identificaram-se críticas ao desinteresse de colegas com relação ao curso – já comentado –, bem como aspectos relacionados à idealização do professor carismático, líder, capaz de influenciar os estudantes (Quadro 19).

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Quadro 19 – Lógica da subjetivação: uso pelos estudantes. Cursos e lógica da subjetivação

Comparações estudantes-estudantes

Letras: Críticas aos baixos salários dos professores, fato percebido como obstáculo para seguir a carreira de professor; à desvalorização da linguística; à carência de pesquisas na área das ciências humanas; ao desinteresse ou irresponsabilidade de colegas pelo curso e pelo próprio aprendizado; à ostentação de alguns colegas que falam inglês, outros não. Modelos culturais assumidos: professor amigo que ensina e passa experiências de vida, inovador, carismático, bem humorado e criativo. Dificuldades para concretizar esses modelos: pouco incentivo à pesquisa em linguística; críticas de colegas à maior aproximação com alguns professores; expectativa de exigências a serem feitas pelos futuros alunos; formação voltada para a transmissão de conteúdos, não uma relação mais humana; menor criatividade por parte dos professores de gramática na comparação com os de literatura; estudos restritos dos escritores abordados.

Convergências: Críticas ao desinteresse e a pouca responsabilidade pelo próprio aprendizado, bem como ao comodismo e à preguiça de colegas. Desejo de ser um professor carismático, líder, que exerça influência sobre os alunos.

Pedagogia: Críticas a certa superficialidade e curta duração do curso; à falta de exigência de uma parte dos professores; à ideia de curso restrito ao trabalho com crianças; ao modelo educacional, que estaria errado; à atitude de lamentação por parte de alguns colegas e à atitude de levar-se pelo imediatismo; ao desinteresse de muitos, ao comodismo e à preguiça; à falta de diálogo, ao imobilismo e à incapacidade de crítica; à falta de reflexão e incoerência de alguns professores, à rigidez da Universidade. Modelos culturais assumidos: professor líder, que conhece os conteúdos e contribui para a formação humana; que desperta os estudantes para o mundo; que sabe se relacionar com eles e conduzi-los de modo a se tornarem (mais) críticos e competentes tecnicamente; que seja consciente de sua função social. Dificuldades para concretizar esses modelos: superficialidade do curso; desorganização ao juntar turmas de alunos com perfis diferenciados; existência de turmas numerosas, o que contribui para o barulho e o descontrole do professor sobre os alunos.

Fonte: elaboração do autor.

Divergências: Críticas aos baixos salários de professores, desvalorização da linguística, carência de pesquisas na área de ciências humanas (LL), que não aparecem no outro curso (LP); à ostentação de colegas (LL), sem igual evidência no outro curso (LP); à superficialidade do curso e curta duração, pouca exigência dos professores, a concepções sobre o curso, ao modelo educacional (LP), sem manifestação no outro curso (LL); à atitude de lamentação de colegas e à incapacidade de crítica (LP), sem similares no outro curso (LL); à falta de reflexão e incoerência de alguns professores, bem como à rigidez da Universidade (LP). Desejo de ser um professor inovador e bem humorado (LL) ou conhecedor dos conteúdos, voltado para a formação humana, que bem interaja com os estudantes, despertando-os para questões sociais e contribuindo para que sejam competentes tecnicamente e conscientes de sua função social (LP). Obstáculos para concretizar modelos de professor passam pelo pouco incentivo a pesquisas em linguística, críticas de colegas à aproximação maior com os professores, receio de alta exigência pelos futuros alunos em termos de conteúdos (por exemplo), priorização dos aspectos informativos da educação em detrimento dos formativos e restrição de conteúdos relacionados aos escritores estudados (LL); superficialidade e percepção de desorganização do curso, embora pouco evidenciado, e turmas numerosas (LP).

275

Esta idealização pareceu basear-se no exemplo de alguns professores mencionados pelos estudantes nas entrevistas ou, em alguns casos, uma idealização elaborada a partir de contraexemplos – isto é, a partir do que não gostariam de assumir como professor após concluírem a formação. A dominação carismática a que se refere legitima-se na crença na qualidade pessoal de cerros professores: “O professor que mais conversa com os alunos é o professor W. porque ele dá dicas” (A1), “interajo bem com o professor W., que incentiva a gente a pesquisar mais” (A2), “a professora N. tem modos de perceber educação que me atraem muito” (A8), “o mais forte de todos os professores é a N. porque ela é muito engajada na causa da escola pública, quer que a gente pense” (A5). Para

Weber

(1999),

a

dominação

carismática

ocorre

em

eventos

extracotidianos no grupo ao qual pertencem o dominado e o dominador, opondo-se à dominação racional e à tradicional, duas formas de dominação peculiarmente cotidianas. Para o autor, a carismática legitima-se na medida em que encontra reconhecimento em virtude de provas, eliminando o passado dentro de seu âmbito. Parece relevante que os exemplos tomados pelos participantes para demonstrar o ideal de professor sejam tomados como casos extraordinários. Ora, se consideradas orientações legais e análises de especialistas, conversar com os alunos, incentiválos a pesquisar ou a pensar a educação em consonância com ações em prol da escola pública constituem ações a serem tomadas como parte do dia a dia dos professores e não como eventos extraordinários.

3.2.3.2. Professoras: Letras e Pedagogia

A seguir, apresentam-se conclusões parciais, relacionadas a aspectos que se mostraram relevantes na dinâmica de interação entre as experiências sociais, identificados segundo a perspectiva das professoras dos dois cursos. Para apresentá-las, tomaram-se convergências e divergências apresentadas na seção anterior, sendo agora sintetizadas. O respeito para com os professores emergiu como tema nas entrevistas (Quadro 20), tendo o termo, entre as participantes, o significado de valorização do trabalho docente, traduzida, dentre outros, no cumprimento de orientações e

276

solicitações relacionadas aos assuntos em desenvolvimento no curso, tais como: fazer leituras prévias e realizar tarefas na sala de aula. Se tal não ocorre, as professoras tomam isto como descompromisso de uma parte dos estudantes pelo curso. Quadro 20 – Lógica da integração: uso pelas professoras. Comparações professorasprofessoras

Cursos e lógica da integração Letras:

Convergências:

Valorização da humildade, simplicidade, afetividade, diálogo e tolerância com os alunos. Esperam que os estudantes obedeçam e respeitem os professores e tenham paciência.

Valorização do respeito ao professor.

A recepção como membro do grupo percebida como uma construção tranquila. Rejeição à intolerância sexual, mas também comportamentos explícitos de homossexualidade.

a

Rejeição à indiferença, a pouca participação de discente, à omissão e ao comportamento rígido. Rejeição à falta de comprometimento de estudantes, bem como ao questionamento infundado aos professores por parte daqueles. Entre alguns, a defesa de determinados valores apresenta certos limites: rejeitar comportamentos explícitos de homossexualidade, defesa ferrenha da gramática como disciplina ou a simplificação demasiada da aula podem gerar distanciamento dos estudantes ou prejuízo ao aprendizado. Pedagogia: Valorização do respeito, compromisso, responsabilidade, ética, compreensão; do zelo, olhar sensível; da subjetividade do estudante; do acordo com ele e coragem para expor as próprias fragilidades. A autopercepção como membro do grupo fortalece-se com a participação em reuniões e eventos da Universidade, bem como com o encontro informal com colegas fora da Universidade; com o diálogo trocado entre elas a respeito da atuação de estudantes. Há rejeição ao comodismo, à falta de comprometimento, à irresponsabilidade de alunos, ao desânimo e à frustração com relacionamentos com estes. Preocupação com certos comportamentos e atitudes que podem afastar dos estudantes como, por exemplo, estabelecer diálogos com o objetivo de melhorar o desempenho (pois isto seria interpretado como humilhação), cuidar do aluno, com abertura e compreensão (pois isto seria interpretado como atitude de professora boazinha).

Fonte: elaboração do autor.

Rejeição à falta de comprometimento dos estudantes. Divergências: Enquanto as professoras do curso de LL valorizam humildade, simplicidade, afetividade, diálogo e tolerância com os alunos, bem como obediência, respeito e paciência destes com relação aos professores; as professoras do curso de LP valorizam zelo, sensibilidade, aspectos subjetivos do aluno, negociação e coragem para expor-se, bem como compromisso, responsabilidade, ética e compreensão, por parte dos alunos. Enquanto as professoras do curso de LL não percebem maior necessidade de se esforçar para pertencer ao grupo de colegas, as professoras do curso de LP entendem que precisam participar de reuniões e eventos da Universidade, bem como de momentos informais entre elas (até fora da Universidade) para trocar ideias. As do curso de LL rejeitam o questionamento infundado de alunos e entendem que podem se afastar dos alunos, caso manifestem a rejeição ao homossexualismo ou defendam com vigor a gramática. Por sua vez, as professoras do curso de LP, rejeitam a irresponsabilidade e o desânimo de alunos, entendendo que podem se afastar deles, caso priorizem o retorno à sua postura e desempenho escolar ou os trate com muita abertura e compreensão, pois, nesse caso, podem ser mal interpretadas.

277

Entretanto, as professoras ampliaram o sentido de falta de respeito que, para elas, teria causas para além dos muros da Universidade: Em geral, na sala de aula, passo várias atividades. No entanto, o aluno espera pelo professor. Se eu sair, sentir-me mal e for embora, não adianta eu passar trabalho pra eles. Eles vão embora! Isso me incomoda muito! Essa falta de compromisso, de responsabilidade do aluno! E hoje em dia parece ser mais agravante, que é a falta de respeito! Mas esta falta de respeito não é uma coisa que vem com o professor. É a forma como as pessoas lidam hoje em dia. As pessoas, de uma forma geral, não respeitam mais os outros: uma mulher chega ao ônibus, mas as pessoas não levantam, não oferecem para segurar a sacola. Então, isso contamina a sala de aula também. Percebo essa falta de respeito entre eles [os alunos] e com a gente, os professores (P4).

Observa-se o esforço para elaborar aulas dinâmicas, capazes de atrair a atenção dos estudantes. Segundo Morais (1988), o bom profissional cria situações dinâmicas, como num jogo, com o objetivo de facilitar o aprendizado dos alunos de forma que a aula não se torne cansativa. Para a autora, o segredo é tornar prazeroso o aprendizado, afastando a ideia de obrigação. No entanto, os depoimentos das professoras evidenciaram que só isto não basta para atrair e manter a atenção dos estudantes. Considerando que alguns estudantes declararam sentir-se cansados para estudar porque trabalham, sendo que gostariam de aproveitar mais o curso, o não fazer leitura prévia e o não realizar tarefas na sala podem resultar de tais situações. As dificuldades dos que estudam e trabalham, sendo ou não estudantes de cursos noturnos (CARRANO, 2002), sofrem influências da labuta enfrentada, muitas vezes, permeada pela submissão a trabalhos precários, conforme análise a seguir: Informalidade e salários baixos são as características predominantes no mercado de trabalho que os jovens entre 15 e 24 anos encontram no país, mesmo com a maior oferta de vagas nos últimos anos, decorrentes do crescimento econômico. Não bastasse esse quadro desolador, uma parcela enorme dessa população abandonou a escola e passou a priorizar um emprego, mesmo que precário, devido à desmotivação em relação ao que se aprende na sala de aula (D’ÂNGELO, 2012).

Este é um cenário que compatibiliza com o perfil dos estudantes que participaram da pesquisa, cuja média de idade esteve em 20 anos (Apêndice F, Quadro 44) e participação em estágio remunerado da ordem de 50,0%. Portanto, já tendo vivenciado a prática de ensino na sala de aula. De modo que pareceu apressada

a

percepção

das

professoras

de

que

os

estudantes

são

278

descomprometidos com os cursos. Não seria uma percepção que mistura papéis e tarefas, originada provavelmente do cansaço diário da profissão? O depoimento de uma delas leva a esta suspeita: Eu estou com muita vontade de voltar para a educação básica! No ano que vem estarei novamente na sala de aula no ensino superior, mas... Uma das razões é exatamente essa coisa da dificuldade mesmo na relação. Isso me cansa um pouco, sabe... (P4).

Por exercerem uma profissão submetida a amplas exigências sociais, algumas professoras podem estar ingressando em processos de exaustão que podem deslanchar no que a literatura psicológica, educacional e profissional chama burn out, como esclarece Marchesi (2008). Para o autor, esta é uma experiência global e profunda que interfere na motivação, projetos e atuação do professor, levando-o a perder ou a reduzir seriamente a sua capacidade de interação ou o interesse pela situação educacional. No âmbito da lógica da estratégia, cabe destacar o fato de que as participantes se sentem apoiadas pela Universidade para desenvolver seu trabalho (Quadro 21), apesar de terem mencionado obstáculos à sua atuação, relacionados com a esfera institucional. Simultaneamente às declarações de apoio, as participantes informaram que têm sido obstáculos à consecução de objetivos planejados certos comportamentos e atitudes de estudantes, e até de colegas professores, bem como ausência de algumas estratégias da Universidade. Neste sentido, elas informaram existir alguma desvalorização do estágio supervisionado, distorções no desenvolvimento de seminários na sala de aula, ausência sistematizada da prática de feedbacks e de estratégias para desenvolver empatia entre os envolvidos no processo educacional. Desse modo, pelo menos nos aspectos considerados, caracterizou-se uma discordância entre o discurso de apoio à ação docente e o discurso sobre a prática vivenciada no dia a dia. Uma discordância que reforça as explicações de Brunsson (2007) a respeito da hipocrisia organizacional. O que se constatou, com a pesquisa, comprova a força da visão ocidental, conforme o autor, de que uma organização é capaz de integrar seus membros ao redor de estratégias e perspectivas que, no limite, possibilitam àquela decidir e agir por meio deles. A organização parte do pressuposto de que seus integrantes são capazes de controlar plenamente suas próprias ações, mas, na verdade, aqueles se encontram mergulhados no discurso

279

institucional e já têm consciência de que o proclamado não será praticado (TEIXEIRA, 1962). Quadro 21 – Lógica da estratégia: uso pelas professoras. Cursos e lógica da estratégia Letras: Percepção de apoio institucional à continuação do trabalho docente. As participantes que declararam possuir uma vocação para serem professoras sentem-se apoiadas pela Universidade no trabalho de contribuir para o aprendizado dos estudantes. As participantes que declararam não possuir tal vocação sentem-se apoiadas no amor pelo conhecimento da língua. Paralelamente a esse apoio institucional, declararam que encontram obstáculos na desvalorização, por parte dos estudantes, das atividades do estágio supervisionado e de algumas disciplinas, bem como no despreparo deles para estar na educação superior. Pedagogia: Percepção de apoio institucional à continuação do trabalho que desenvolvem. Sentem-se apoiadas nas atividades que visam ao desenvolvimento de aspectos culturais da educação e nas relacionadas à formação para a docência e às propostas de trabalho compartilhadas. No entanto, prejudicariam o alcance de objetivos: frágil cultura intelectual dos alunos; falta de costume com a prática de feedbacks; hábito de reclamar; indecisão; inquietação e decepções no relacionamento com alunos; distorção no desenvolvimento de seminários na sala de aula e pouco compartilhamento de ideias com colegas; ausência de estratégias para desenvolver empatia. Neste contexto, foram identificadas algumas influências recíprocas que ajudam a concretizar objetivos planejados: hábito de propor atividades práticas aos alunos; elaboração de materiais de controle, modelos, fichas de autoavaliação; espírito colaborativo e demonstração de coragem para falar, bem como o desapego a coisas materiais; capacidade de planejar e executar atividades, bem como desenvolver projetos; apresentar ideias diferentes e habilitar os alunos para resolver problemas; demonstrar confiança no que faz e relatar experiências exitosas, sem esconder dificuldades.

Comparações professorasprofessoras Convergências: Percepção de apoio institucional ao trabalho docente. Divergências: Entre as professoras do curso de LL, a percepção de que não se fazem presentes influências mútuas capazes de contribuir para atingir objetivos, ao contrário do que ocorre no curso de LP. Para as professoras do curso de LL, a desvalorização do estágio supervisionado pelos alunos e alguns colegas, bem como o despreparo geral do aluno para cursar a educação superior, emergiram como aspectos impeditivos à concretização de seus objetivos enquanto professoras. Para as do curso de LP, diversos são os impedimentos. Do lado dos alunos os obstáculos seriam a frágil cultura intelectual, a falta de costume com a prática do retorno, o hábito de reclamar, a indecisão, a inquietação e decepções no relacionamento com eles. Do lado dos colegas, seriam a distorção no desenvolvimento de seminários na sala de aula e o pouco compartilhamento de ideias. No âmbito da Universidade, seria a ausência de estratégias para desenvolver empatia entre os envolvidos no processo educacional.

Fonte: elaboração do autor.

Por sua vez, no âmbito da lógica da subjetivação, apesar de terem convergido suas críticas para as condutas de estudantes e de professores do curso, as professoras divergiram quanto ao objeto criticado (Quadro 22).

280

Quadro 22 – Lógica da subjetivação: uso pelas professoras. Cursos e lógica da subjetivação

Comparações professoras-professoras

Letras: Críticas à desvalorização de algumas disciplinas e ao estágio supervisionado, à arrogância de professores, a discursos moralistas e à desatualização. Idealizam o professor que se alegra com o aprendizado do aluno, atualiza-se e articula informação com formação. Tem impedido a concretização desse ideal, do lado do aluno, a imaturidade, o desinteresse, a desvalorização do profissional ao não fazer leituras recomendadas, os testes aos conhecimentos do professor e o preconceito contra professores. Do lado do curso, o não preparo do aluno para a docência e o elevado número de alunos nas turmas.

Convergências: As críticas convergentes, realizadas pelas professoras de cada curso, aproximam-se apenas quanto aos sujeitos envolvidos (alunos e professores), sem priorizar aspectos específicos. As professoras idealizam o docente capaz de articular informação e formação, isto é, contribuir para o desenvolvimento integral dos alunos.

Pedagogia: Críticas à chamada crise de valores, à falta de respeito dos alunos para com os professores, à dificuldade de acesso aos alunos na comparação com os da educação básica, ao foco nos resultados e não no processo (provas) e ao desinteresse de alunos. Críticas também à falta de diversificação das atividades na sala de aula, à pouca abertura ao trabalho em parceira pelos colegas. Ideal de professor que respeita alunos e professores, que se compromete com o fazer educativo e contribui para a maior consciência dos alunos; que evidencia as próprias fragilidades com o intuito de se aprimorar enquanto professor; que busca o companheirismo e estabelece diálogos. Idealizam o professor que: mostra aos alunos as oportunidades para serem melhores como pessoas e melhores no que fazem; entende ser cada pessoa responsável pela própria felicidade; promove reflexão junto aos alunos; que dialoga com alunos e colegas; contribui para o desenvolvimento integral do aluno; incentiva, age, entende que cada um é responsável pela felicidade do outro. São obstáculos à concretização desse ideal as dificuldades para realizar uma prática de amorosidade com os alunos, a cultura de massa (alunos não param para refletir), a avaliação enquanto instrumento de vigilância sobre alunos, a falta de coragem para enfrentar grades colocadas pelo currículo, escola e universidade.

Fonte: elaboração do autor.

Divergências: As professoras do curso de LL dirigiram suas críticas à atuação de alunos, que, em geral, estariam a desvalorizar o estágio supervisionado e as disciplinas ditas da gramática normativa. Dirigiram suas críticas também à atuação de determinados colegas, que estariam a desvalorizar o estágio supervisionado e, às vezes, a assumir atitude arrogante ou discursos moralistas e desatualizados. As professoras do curso de LP dirigiram suas críticas à atuação dos alunos, que, em geral, estariam a desrespeitar os professores e a se preocupar com os resultados, sendo desinteressados. Dirigiram suas críticas também à atuação de colegas, que não estariam a diversificar atividades com os alunos, sendo pouco abertos ao compartilhamento de projetos. Apesar da similitude quanto ao ideal de professor que articula aspectos informativos e formativos da educação, as professoras dão ênfase a aspectos diferentes nessa idealização. As do curso de LL referiram-se apenas ao professor que se compraz com o aprendizado dos alunos, enquanto as do curso de LP referiram-se a diversos aspectos a fazerem parte do ser do professor que articula informação e formação (comprometimento com a atuação didático-pedagógica e outros). Como obstáculos à concretização de modelos de professor, as professoras do curso de LL culpam os alunos, por agirem conforme a maioria dos aspectos já mencionados; o curso, por não preparar os alunos para a docência; a Universidade, por estabelecer elevado número de alunos nas turmas. Já as professoras do curso de LP, às vezes, incluem-se como responsáveis por aquela não concretização, como, por exemplo, quando lhes falta ação mais ativa para contribuir com alterações no currículo e na Universidade como um todo.

281

Assim, as professoras distribuem as causas das dificuldades, indo da desvalorização do estágio supervisionado e disciplinas pelos estudantes, até a superlotação de turmas, dentre outras. São explicações racionais que têm seus riscos, conforme a literatura especializada. Segundo Perrenoud (2000), uma das competências do professor é saber analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação durante a aula. O autor explica que as abordagens psicanalítica, didática ou psicossociológica da classe indicam que os atores implicados no processo educativo desenvolvido na sala de aula não sabem com exatidão o que fazem. De acordo com seu entendimento, é impossível que a relação construída com os alunos seja dominada racionalmente,

pois

diversos

níveis

da

personalidade

do

professor

são

desenvolvidos enquanto ele atua no ambiente da sala de aula. Neste sentido, o autor explica que a primeira competência de um professor é aceitar a complexidade desse ambiente, pois “sedução, chantagem afetiva, sadismo, amor e ódio, gosto pelo poder, vontade de agradar, narcisismo, medos e angústias jamais estão ausentes da relação pedagógica” (PERRENOUD, 2000, p. 151). Este é um alerta com relação às tergiversações frequentemente rejeitadas, porém, fazem parte dessa complexidade. Assim é que, apesar de terem convergido para o ideal de professor capaz de articular informação e formação, as professoras distanciaram percepções a respeito dos aspectos envolvidos na efetiva articulação destas duas dimensões da educação.

3.3. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA PESQUISA E EXTENSÃO

3.3.1. Introdução

Tendo em vista que as experiências sociais identificadas nos relatos dos participantes estiveram situadas também no âmbito externo à sala de aula, tornou-se necessário apresentar o papel atribuído pelos cursos às atividades de pesquisa e extensão na formação dos estudantes, bem como as percepções dos participantes a respeito das contribuições dessas atividades para a maior interação entre eles. Como já mencionado, segundo o art. 207 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), uma universidade tem por

282

obrigatoriedade associar ensino, pesquisa e extensão e, conforme o art. 52 da LDBEN (BRASIL, 1996), tem o objetivo de formar profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. Assim, considerando estes cenários, esta seção apresenta, em primeiro lugar, o que se encontra definido pelos cursos em termos daquela associação como contributo à formação dos estudantes; em segundo lugar, o que pensam e o que dizem os participantes a respeito desta contribuição, voltando-se para aspectos relacionados à interação social entre eles e entre eles e os professores (ver Fig. 11); em terceiro e último lugar, estão comparações entre o proclamado pela Universidade e o praticado pelos cursos.

3.3.2. Estratégias formativas por meio da pesquisa e extensão

Apresentam-se, a seguir, os compromissos dos cursos relacionados às atividades de pesquisa e extensão na perspectiva de uma formação que articule aspectos informativos e formativos da educação.

3.3.2.1. Caso 1: Letras

O curso visa à operacionalização de um processo educacional capaz de promover a associação entre ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, após se referir à intenção da universidade de desenvolver de forma indissociável estas três vertentes de atuação, conforme determinado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), o curso se compromete a potencializar “competências e habilidades do estudante”, de modo a atingir “as finalidades mais significativas da educação” (PPC LETRAS, 2010, p. 37) no âmbito da atuação na educação básica: A indissociabilidade do ensino com as atividades de pesquisa e de extensão deverá criar as condições necessárias para a formação de um professor comprometido com o trabalho de inscrição efetiva de seus estudantes da Educação Básica no mundo da escrita, de textualidades e discursividades distintas e, às vezes, conflituosas e contraditórias (PPC LETRAS, 2010, p. 37).

O compromisso com a prática da pesquisa com foco nessas competências e habilidades, de modo a formar o profissional docente para a educação básica, está

283

explícito, sendo algo que se firma constantemente. Segundo informa o PPC, um “trabalho árduo” (PPC LETRAS, 2010, p. 38) tem sido desenvolvido para introduzir a atividade de pesquisa como item do cotidiano acadêmico de modo a concretizar um processo de investigação interdisciplinar no curso, “criando condições para a produção acadêmico-científica dos docentes e discentes e sua circulação” (p. 38). Neste trabalho árduo, a iniciação científica é anunciada como um recurso que auxilia o estudante a aprender a conhecer, pois, conforme explicitado, aproxima problemas da profissão dos problemas da sociedade. O curso considera importante esta estratégia, sendo capaz de desenvolver aptidões que levem o estudante a reunir numa só perspectiva o conhecido e o desconhecido. Considera que isto capacita o estudante “para reinventar processos e soluções necessárias a um mundo em permanente mudança” (p. 38). Para concretizar esta estratégia, ao reformular seu projeto pedagógico, o curso situou a sala de aula como um lugar privilegiado: Nesta reformulação do Projeto Pedagógico, ao concebermos a Matriz Curricular, visamos intensificar essa relação ensino-pesquisa, buscando transformar a sala de aula em um verdadeiro laboratório de trabalho com a linguagem, ao propormos as disciplinas que constituem o Núcleo Específico de cada Ênfase (PPC LETRAS, 2010, p. 38).

Com relação às atividades de extensão, o PPC anuncia que as propostas de ação e reflexão têm sido no sentido de “contribuir para fazer uma extensão verdadeiramente comprometida com os diferentes grupos sociais que integram a nossa sociedade” (PPC LETRAS, 2010, p. 39).

3.3.2.2. Caso 2: Pedagogia

Ao tomar como referência o Projeto Pedagógico Institucional da Universidade e a obrigatoriedade de associar ensino, pesquisa e extensão, determinado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), o curso se propõe a desenvolver atividades, nesta perspectiva, de modo que o estudante seja formado para promover transformações sociais. Neste sentido, o PPC deixa claro que a pesquisa é a mola propulsora dessa associação: O Curso de Pedagogia compreende que para se vivenciar a indissociabilidade é preciso trabalhar na perspectiva da integração. Neste

284

caso, o que dá um caráter integrador ao projeto do curso é a pesquisa, que somada com o ensino e a extensão, promove uma dimensão qualitativa e resulta em uma nova dinâmica do curso (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 32).

Especificamente quanto à extensão, o curso se compromete a desenvolvê-la por meio da articulação entre teoria e prática, como está claro no trecho a seguir: O eixo horizontal da integração entre teoria e prática, possibilita, de forma mais explícita, visualizar o princípio estruturante da extensionalidade na medida em que se orienta o estudo para resolver situações emergentes da realidade educacional e suas implicações com a vida social (p. 33).

O texto do PPC finaliza o assunto, com a informação de que: O Curso de Pedagogia legitima essa indissociabilidade, por meio de um currículo onde esses processos de aprendizagem estão contemplados, buscando uma formação científica, ao mesmo tempo em que se preocupa com que o conhecimento gerado e sistematizado seja acessível à sociedade, colaborando também na formação social e ética dos nossos estudantes (p. 33).

Desse modo, assim como no curso de LL, encontra-se implícito o compromisso de desenvolver atividades de pesquisa e extensão na perspectiva de uma formação que considera a articulação entre aspectos informativos e formativos da educação.

3.3.3. Formação, interação e atividades de pesquisa e extensão

A seguir, apresentam-se opiniões dos participantes a respeito das atividades de pesquisa e extensão, como contributos da formação, na confluência com os processos interativos.

3.3.3.1. Caso 1: Letras

3.3.3.1.1. Alunos

Considerando que nenhum dos estudantes do curso de LL estava em atuação em projetos de pesquisa e, como só um deles tinha atuação em projeto de extensão, as constatações se basearam no que emergiu dos relatos afetos aos trabalhos de monitoria, grupos de estudos, trabalhos de conclusão de curso (TCC), bem como às aspirações e decepções.

285

Os trabalhos de monitoria foram citados como oportunidade para uma melhor formação, pois ajudam os estudantes a interagir com alunos do ensino médio nas situações em que o participante precisa substituir o professor. Constituem-se em oportunidades de interagir também com colegas do curso e com o professor em face da troca de informações e experiências: Devido à monitoria, tenho que atuar na sala de aula como professora substituta. Os alunos têm aquela sede de conhecimento, é o algo próximo. Você passa quatro horas por dia com o aluno, por exemplo. Então, você passa muito tempo que nem passam com o filho, um pai ou uma mãe! Os meninos chegam com problemas e dizem: “professora, assim, assim, assim”. E você tem que dá incentivo! E como lá [na escola da substituição do professor] o segmento é pré-vestibular, qualquer coisinha desanima. Mas você tem que ficar incentivando: “você vai conseguir” (A1).

Foi relatado que o envolvimento com grupos de estudos constitui oportunidade para interagir com professores e colegas de curso. Obteve-se relato entusiasmado: “A gente tem um aprofundamento maior com ele [o professor coordenador do grupo], que nos ajuda a escrever artigos. [Assim], nossa interação é maior com ele. Portanto, não é só o professor universitário! É além!” (A2). Outro participante, embora empolgado com a possibilidade de descobrir coisas novas no âmbito da linguística – o que para ele contribuiria com um melhor ensino e maior interação com colegas e professores –, opinou sobre dificuldades de realizar pesquisas: Meu Deus! É surreal! Ninguém dá valor a isso [à linguística]. Eu queria mais que se valorizasse! Que houvesse mais pesquisas na área. Por exemplo, Ciência sem Fronteiras não tem na nossa área de linguística. Pibid também não! Tem mais na área de Química, Física, Engenharias. Só isso que vai aumentar a renda, o PIB do Brasil? Acho que não. Porque, com aprendizagem assim da linguística, como funciona a língua, os professores vão poder saber ensinar exatamente essa gramática normativa. A Literatura é ensinada de forma errada [força na voz, firmeza]. A gramática é ensinada... Tem que incentivar o povo a ler! Com leitura, com informação que serão conhecimentos, que vão mudar a cabeça. Acredito nisso! (A1).

No entanto, aprender a pesquisar não tem se constituído ânimo para outro participante, pelo menos como o assunto é por ele percebido, vinculado à atividade do TCC. O relato é de que o TCC é um sofrimento por exigir dos estudantes a realização de pesquisa: “Todo mundo tem medo. Fazer a pesquisa assusta” (A3). Entretanto, tendo assumido o perfil da maioria dos participantes, veste o desafio e aceita realizar pesquisa, caso a Universidade proporcione experiência fora de seu

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ambiente. Perguntado sobre o que poderia ser realizado para melhorar a interação entre estudantes e professores do curso de LL, respondeu: Num sei se por parte dos professores... Mas acho que isso partiria da coordenação [direção do curso]. Assim, ser mais dinâmico! Tipo, viagens. Várias pessoas que fazem Letras, eu já ouvi dizer, vão para Ouro Preto e fazem pesquisas fora da Universidade! Sinto falta disso (A3).

Por fim, a um participante que não atuava em projetos de pesquisa e extensão perguntou-se qual a intenção de atuar neles. Respondeu que “seria interessante, mas eu não consigo pensar que tipo de projeto seria. Na sala de aula?” (A4). Evidencia-se o pouquíssimo conhecimento sobre objetivos e procedimentos de uma investigação científica.

3.3.3.1.2. Professoras

Num cenário em que duas participantes atuavam em projetos de pesquisa e nenhuma delas em projetos de extensão, os assuntos fixaram-se no TCC, em eventos presentes fora e dentro da Universidade, bem como na ação prática para incentivar os estudantes a atuarem naqueles dois tipos de projetos. O primeiro registro feito pelas professoras é de um aluno que não sabe pesquisar, comprovado pelas dificuldades de realizar o TCC. Neste aspecto, os estudantes seriam dependentes dos professores desde o ingresso até a conclusão do curso. Segundo relato, os estudantes permanecem como alunos – não agindo como professor em formação: “Você percebe isso quando, por exemplo, fazem o TCC e eles não vão além, porque eles não pesquisam sem que você dê autor, livro para eles irem atrás. Eles não têm autonomia” (P1). De acordo com outro relato, o estudante estaria preso à realização do TCC por longo tempo porque teriam dificuldades de escrever: “Problema de escrita, de saber ler e passar do livro para o seu trabalho” (P2). Esteve presente a ideia de que os projetos de pesquisa e de extensão contribuem para a melhor interação entre alunos e professores, mas seria necessário fazer alguma coisa para aproveitá-los melhor: “Ajuda na interação, mas precisa fazer mais coisas (...). Acho que nós ainda estamos muito atrelados à sala de aula. Tanto é que nos Encontros de Letras a participação dos alunos tem sido muito pequena” (P1).

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O estudante do curso não estaria sendo bem preparado para “a licenciatura, nem para ser pesquisador” (P2). Segundo uma participante, isto poderia ser porque a Universidade tem perdido muitos doutores, que buscam emprego em universidades públicas, onde poderão desenvolver mais pesquisas porque têm apoio, inclusive, para participar de congressos: Nós não conseguimos até hoje colocar um mestrado no curso. Penso que não vamos conseguir tão cedo. Porque, quando houve o concurso das federais, nós perdemos muitos doutores. Claro que eles vão, pois aqui não se tem estabilidade. Assim, saiu muita gente (P2).

Como desdobramento, prejudicar-se-ia a interação entre alunos e professores uma vez que a intranquilidade do docente quanto ao assunto “cai na sala de aula; isto atrapalha na sala de aula, pois ele se comporta como se aqui estivesse de passagem!” (P2). Outro motivo daquela não preparação, com interferência na interação entre estudantes e professores, seria porque os projetos de pesquisa estariam limitados a poucos: Nós temos poucos alunos em projetos de pesquisa. Então a professora, que é doutora, pós-doutora, ela sempre arruma projeto de pesquisa. Mas é o grupinho ali. Fechadinho. E muitas vezes o grupo de pessoas não sabe nem o que está fazendo. Porque o curso de Letras é um espaço onde as pesquisas não são tão grandes. Dá-se mais valor às exatas (P2).

Ficou evidenciado que a interação de uma participante com seus alunos envolve o incentivo a pesquisa. Algumas práticas apareceram como oportunidades de melhorar a interação com eles por meio do estímulo ao desenvolvimento de projetos de investigação científica. Na observação em sua aula, verificou-se a prática da participante de incentivar os alunos à pesquisa (mestrado e doutorado), tendo sido mencionados nomes de ex-alunos que seguiram a carreira acadêmica. A propósito, a participante mencionou esta prática numa das entrevistas: O que eu sempre fiz muito, talvez até por conta da minha história de vida acadêmica, foi esse incentivo ao mestrado. Então geralmente eles [alunos] sabem que podem conversar comigo. De alguma maneira, quando eles me procuram é um modo também de mostrar que a gente tem um curso de qualidade. Que a gente tem alunos que saem daqui capacitados para o mercado, não só para ser professor – como pensam que vão ser –, mas para seguir uma vida acadêmica. Para desenvolver um projeto de pesquisa em alguma área correlata. Então isso é uma coisa que a gente fala. Isso faço com muito prazer (P3).

288

Esta participante relatou que atua dessa maneira “não só com orientandos do TCC, mas também com os alunos que têm interesse” em desenvolver projetos. Uma orientação que, segundo a participante, precisa encontrar reflexo na ação do aluno. Neste sentido, explicou que busca situar o aluno no âmbito maior do mundo acadêmico, incentivando-o a: Participar de palestras, saber o que ocorre no mundo, no curso, noutras instituições; participar de eventos, conhecer instituições que de alguma maneira fomentam a discussão e a pesquisa na área de interesse – a linguística, a literatura, a língua como um todo (P3).

No entanto, cita algumas dificuldades. De um lado, se encontram os alunos: “Acho que falta muito isso por conta do tipo de clientela que a gente tem; além do que, grande parte disso, não acontece por culpa deles, pois são alunos que precisam trabalhar enquanto estudam” (P3). De outro lado, estão alguns professores: “O encontro [do curso de LL] foi promovido, mas você não percebe o engajamento de muitos colegas; alguns nem compareceram em nenhum dos dias do evento; o aluno precisa ver isso”. Finalmente, de acordo com os relatos, o maior incentivo para a pesquisa ocorre “mais por meio de conversa, incentivo verbal, indicação de uma leitura complementar, indicação de um grupo de pesquisa, de um evento” (P3). Haveria dificuldade para incentivar projetos de extensão, dada a pouca experiência docente nesta área.

3.3.3.2. Caso 2: Pedagogia

3.3.3.2.1. Alunos

Sem atuar em projetos de pesquisa (embora três participantes já houvessem passado por tal experiência), mas, sim, em projetos de extensão (dois participantes passavam por esta outra), os estudantes do curso de LP relataram situações em que projetos desta natureza contribuiriam para melhorar a interação tanto entre colegas como entre estes e os professores. Os dados são oriundos de declarações a respeito dos momentos iniciais do aluno na Universidade, das oportunidades de observar o trabalho de professores em escolas, do estreitamento de relações com

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colegas do curso, do entendimento de que a pesquisa não é tudo no curso, da conquista de espaço profissional e do privilégio de participar de projetos. Os projetos de extensão estariam a contribuir para melhorar a interação social de alunos e professores, logo desde o ingresso daqueles no curso, como indica o relato a seguir: No início do curso era uma relação muito formal mesmo, de professor com aluno. Num tinha muita proximidade, aquele bate-papo que a gente tem às vezes com o professor. Depois, quando comecei a fazer os projetos de extensão, a proximidade passou a ser maior. Passava muitas vezes na direção do curso, então, professores me viam. Acho que o fato de conviver com eles me fez ter menos medo de falar, me expor mais para os colegas também (A5).

Contribuiriam também para a interação entre os alunos: Eu participo de vários grupos, com várias pessoas da minha turma. Na minha turma isto é um ponto muito positivo! A participação do pessoal em projetos é algo que pode ser destacado – não só dentro na sala de aula. Percebo que muitos alunos se preocupam apenas em vir para sala de aula... Nós, não. A gente tem um grupo forte envolvido com outros projetos. Interagir para mim no curso foi isso! Envolver-me em projetos dentro da Universidade, o Pibid, a extensão. Pessoas da minha turma chamam outras e isto pôs a aproximar umas das outras, criando um círculo maior dentro da sala (A5).

Relatou-se que participar de projetos de extensão teria promovido um despertar para o curso, para a disciplina (A5), apesar de se reconhecer o pouco aproveitamento de oportunidades para interagir – podendo ser em função da correria para cumprir tarefas, como o TCC –, uma falta de tempo que prejudica até o interesse de fazer outra graduação (como História, Filosofia), bem como o mestrado (A7). Conforme relato de participante (A5), projetos de extensão e Pibid realizados num Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC91) e numa escola pública, localizados no Distrito Federal, contribuíram para aguçar seu olhar para a prática didático-pedagógica de professoras favorável à interação com os alunos e para perceber o cumprimento da função social do professor. Citou como exemplo a atuação de P4 na coordenação de trabalhos dessa natureza, uma atuação mais condizente com a formação dos alunos do que a atuação de professores que,

91

Criados no Brasil na década de 90, são espaços educativos onde se operacionalizam projetos que visam à superação de problemas enfrentados por parcela da população infantil carente na faixa etária de zero a 14 anos. Neles as crianças e adolescentes permanecem desde a manhã (currículo institucionalizado) até o fim da tarde (oficinas de trabalho).

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apesar de serem pesquisadores, não teriam passado pela prática da sala de aula antes de serem professores na universidade. Outro participante declarou que a participação em projetos de pesquisa e de extensão contribui não só com a formação dos alunos, mas com a garantia de um espaço profissional: Com a participação em projetos de pesquisas e de extensão, nós, alunos, passamos a conhecer mais professores. Mesmo aqueles que não nos dão aula, com eles criam-se importantes vínculos, pois a gente está dentro [da Universidade]. A gente depende desses professores – não só numa visão de nota, mas é uma dependência para garantir informações, garantir espaço. Penso que a gente vem aqui para uma universidade não só pra se formar, mas para, quem sabe, garantir espaço profissional. E essa relação tem que ser positiva (A6).

No entanto, para outro participante (A8), a atuação em projetos dessa natureza tem sido um privilégio. Entende que eles ajudam a que alunos e professores interajam mais, porém ajudariam “muito pouco, pois os projetos de pesquisa e extensão dentro do curso de Pedagogia são escassos”. Na verdade, continuou o participante, “não tão escassos, mas sempre fica fechado dentro de um grupo seleto e, acredito, por culpa dos discentes!”. E acrescentou: Sempre quando tem um aluno que participa, frequentemente, você vai ver, ele participa de tudo: do projeto de extensão, do projeto de pesquisa, do projeto de iniciação à docência, de qualquer atividade política do curso, de qualquer atividade cultural. Os mesmos sempre participam! (A8).

3.3.3.2.2. Professoras

Atuando em projetos de pesquisa (três participantes) e de extensão (uma participante), as professoras relataram que têm o cuidado de orientar os alunos para o melhor aproveitamento de resultados de pesquisas. Além disso, emitiram opinião sobre a associação entre ensino, pesquisa e extensão na Universidade. Uma participante afirmou que habitualmente menciona na sala de aula estudos de autores, o que contribuiria para o fortalecimento de convicções de alunos quanto à realização do curso: Os alunos ingressam imaturos com relação à proposta do curso. E eles se encantam! Sentem-se fascinados pela proposta de trabalho. Ainda mais quando conhecem os autores. Falar de aprendizagem, os argumentos, Piaget, Vigotsky, Wallon, afetividade, o próprio Freire. Eles começam a perceber e dizem, “nossa!”, isso aqui tem tudo a ver com a minha prática, com a minha vivência (P5).

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Com relação ao TCC, em conversa paralela com alguns alunos do curso durante observação na aula, obteve-se a informação de que se encontram insatisfeitos em face do acúmulo de tarefas escolares ao final do curso: Informaram que até concordam com a obrigatoriedade de desenvolverem estágio, TCC e relatórios de pesquisa, mas entendem que isto não deveria ficar para os últimos semestres do curso, pois, desse modo, estariam a perder oportunidades de por em prática conceitos que apreendem ao longo do curso (observação direta na aula de P5).

Mencionou-se que a investigação científica tem se limitado a abordagens na sala de aula da graduação: “Pesquisar exige tempo do professor, o que às vezes dificulta, pois ele precisa organizar os alunos para que possa orientá-los” (P6), sendo o caso de aproveitar o estágio supervisionado como solução, pois “o estágio é pesquisa” (P6, durante observação na sala de aula). Para esta professora, torna-se necessário encontrar alternativas que viabilizem cada vez mais a investigação científica na vida acadêmica. Neste sentido, mencionou-se que a Universidade estaria por adotar estratégia formativa em que a destinação de recursos para projetos educativos estaria condicionada a iniciativas voltadas para o efetivo cumprimento do princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão.

3.3.4. Conclusões

A seguir, esquemas sintetizam informações precedentes, tendo sido classificados do seguinte modo: 1) Discurso institucional; 2) Discurso dos participantes (ver Fig. 17 e Quadros 23 e 24). Ao final, acha-se uma comparação entre o proclamado institucionalmente o praticado durante as interações entre os participantes, conforme os dados gerados com os relatos e os coletados por meio das observações nas aulas (Quadro 25).

3.3.4.1. Discurso institucional

A análise interpretativa e crítica dos PPCs possibilitou identificar o compromisso dos cursos de articular aspectos informativos e formativos da educação por meio da associação entre ensino, pesquisa e extensão (ver Fig. 17).

292

Figura 17 – Estratégias formativas por meio da pesquisa e extensão. Letras

Pedagogia

Pesquisa como item do cotidiano acadêmico e a investigação na interdisciplinaridade do curso. Foco nas condições para a produção acadêmicocientífica docente e discente. Iniciação científica como recurso para auxiliar estudantes a aprender a conhecer, aproximando problemas da profissão e problemas da sociedade. Foco na reinvenção de processos e soluções compatíveis com um mundo em permanente mudança. Sala de aula como locus para intensificar a relação ensino-pesquisa. Objetivo de torná-la laboratório da linguagem. Atividades de extensão comprometidas com os diferentes grupos sociais que integram a sociedade.

Atividades de pesquisa como meio de promover transformações sociais. Pesquisa como um elo capaz de efetivar a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Articulação entre teoria e prática como contributo à solução de problemas sociais. A extensão desenvolvida por meio desta articulação. Currículo com processos de aprendizagem que consideram a indissociabilidade entre ensinopesquisa-extensão. Currículo que contemple esses processos, tornando acessíveis à sociedade os conhecimentos gerados e formando o estudante para a ética.

Cada um a seu modo, os cursos objetivam formar por meio de processos educacionais que articulam informação e formação.

Fonte: elaboração do autor.

No curso de LL, por ser estratégica a intenção de formar por meio da pesquisa e extensão, a proposta é inserir no dia a dia de estudantes e professores a prática da pesquisa, considerando que o mundo muda constantemente. Inclusive, e principalmente, nas atividades desenvolvidas na sala de aula. A extensão aparece como ponte que liga a Universidade à sociedade. No outro curso, a proposta é tornar a pesquisa fio condutor para o desenvolvimento e o aprimoramento de comportamentos e atitudes dos estudantes visando a promover transformações sociais, sendo aquela, inclusive, o centro da associação entre ensino, pesquisa e extensão. Esta aparece como resultado da práxis intencionada pelo curso, a ser desenvolvida por um currículo que prioriza a disseminação de saberes e a formação para a ética. No entanto, considerando a possibilidade de distanciamento entre intenção e realidade – apesar de se saber amplamente que o proclamado possui valor e legitimidade se for praticado – foram elaborados esquemas que estabelecem comparações entre aquelas dimensões.

293

3.3.4.2. Discurso dos participantes

Entre os estudantes (Quadro 23), o TCC tem sido percebido como etapa da formação que causa sofrimento e correria. No entanto, caso seja posto na perspectiva de um conjunto de atividades de investigação, a percepção dos participantes muda, tendo-se manifestado o desejo de ver mais projetos de pesquisa desenvolvidos na Universidade – apesar da lamentação de ser privilégio de poucos. Quadro 23 – Formação, interação, pesquisa e extensão: estudantes.

Aspecto: Pesquisa, cotidiano e privilégio de poucos

Comparações estudantes-estudantes Convergências: O TCC percebido como etapa da formação que causa sofrimento, correria. Ressentem-se da escassa quantidade de projetos de pesquisa. Os projetos de pesquisa e extensão percebidos como privilégio de poucos. Divergências: No curso de LL, identificou-se que o TCC é sinônimo de sofrimento e medo porque exige a realização de pesquisa. No de LP, é sinônimo de correria porque em geral se realiza em meio ao acúmulo de tarefas escolares no final do curso. O foco de atenção dos alunos do curso de LL esteve na realização de pesquisas, trabalhos de monitoria e de grupos de estudos, sem a menção a projetos de extensão como alternativas para maior interação entre colegas e professores. Já no curso de LP, o foco esteve na participação em projetos de extensão e no Pibid. Para os alunos do curso de LL, a participação em programas de pesquisa, como Ciência sem Fronteiras, é privilégio para alunos de outras áreas de estudo, não de linguística. Para os alunos do curso de LP, a participação em projetos de pesquisa e extensão é um privilégio (e isto seria por decisões tomadas pelos professores). Enquanto os alunos do curso de LL percebem a realização de viagens como alternativa para realizar pesquisas, os alunos do curso de LP entendem que deve ser incentivada a gestão de projetos de pesquisa e extensão por professores que já ensinaram na educação básica.

Fonte: elaboração do autor. Para os estudantes do curso de LL, o TCC significa sofrimento e medo, caso esteja vinculado à realização de pesquisas92. No outro curso, significa correria porque em geral ele é desenvolvido no final do curso, período em se intensificam outras atividades, situação já comprovada pela literatura (VASCONCELOS, 2012a). Enquanto no primeiro curso os participantes deram atenção ao tema da realização

92

Apesar de ser um recurso avaliativo, a ser desenvolvido pelos estudantes geralmente no final do curso, sem o caráter obrigatório de realizar pesquisa empírica ou teórica (BRASIL, 2004), o TCC tem cunho científico. Trata-se de componente curricular opcional das IES, mas iniciativa acertada (SEVERINO, 2007) que, desde 2008, faz parte do grupo de indicadores utilizados pelo Ministério da Educação brasileiro na avaliação de cursos de graduação para efeitos de seu reconhecimento e sua renovação (BRASIL, 2008).

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de pesquisas, monitoria e grupos de estudos, no segundo, eles focalizaram a participação em projetos de extensão e Pibid (PIBID..., 2014). Finalmente, para os estudantes do curso de LL, a realização de viagens representa alternativa interessante para viabilizar pesquisas. Para os estudantes do outro curso a gestão de projetos de pesquisa e extensão deve ser realizada por professores que já ensinaram na educação básica – o que evidencia o alcance das consequências, para a educação brasileira, da norma inscrita no art. 65 da LDBEN (BRASIL, 1996), o qual isenta a formação docente para a educação superior da obrigatoriedade de prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas. Já entre as professoras (Quadro 24), houve a opinião de que ainda está a atuação didático-pedagógica atrelada à sala de aula, o que impediria a ampliação da pesquisa científica a outros ambientes acadêmicos (UNESCO, 1999, 2009; SEVERINO, 2007; DEMO, 2009; BUARQUE, 1994, 2003; SÍVERES, 2010). Quadro 24 – Formação, interação, pesquisa e extensão: professoras.

Aspecto: Pesquisa, algo distante do dia a dia

Comparações professoras-professoras Convergências: Atuação didático-pedagógica atrelada à sala de aula, a qual estaria a impedir a ampliação da pesquisa científica a outros ambientes acadêmicos. O curso não prepara para a pesquisa. O foco de atenção esteve em pesquisa e não em extensão. Divergências: No curso de LL, identificou-se a opinião de que o curso não prepara para a pesquisa porque a Universidade tem perdido professores com titulação de doutor. No de LP, não prepara porque a pesquisa científica exige do professor um tempo para desenvolver essa prática junto aos estudantes. Para as professoras do curso de LL, os projetos de pesquisa e extensão estão limitados a alguns alunos e professores privilegiados. Para as professoras do curso de LP, está certa a estratégia a ser desenvolvida pela Universidade no sentido de ter os diversos projetos calcados na associação entre ensino, pesquisa e extensão. Enquanto entre as professoras do curso de LL assumiu-se que desconhecem minimamente como desenvolver projetos de extensão, entre as do curso de LP, esses projetos não foram mencionados. Para as do curso de LL, projetos de pesquisa e extensão são práticas dificultadas pelo perfil do aluno (muitos trabalham) e pelo pouco engajamento de professores (muitos nem participam de eventos da Universidade). Para as do curso de LP, a maior dificuldade está no tempo disponibilizado ao professor para preparar os estudantes para a prática da pesquisa. Por um lado, as professoras do curso de LL incentivam a prática da pesquisa, valendo-se da obrigatoriedade de realizar o TCC. Por outro lado, as do curso de LP recorrem à obrigatoriedade de realizar o estágio supervisionado.

Fonte: elaboração do autor.

295

Tendo permanecido atentas mais ao tema da realização de pesquisas e menos ao da extensão, as professoras formaram consenso ao declararem que o curso não prepara para a pesquisa. Diversas dificuldades foram relatadas pelas professoras para levar a cabo as intenções institucionais de associar ensino, pesquisa e extensão. Para as professoras do curso de LL, o curso não prepara para a pesquisa porque a Universidade tem perdido professores com titulação de doutor. Além disso, como afirmaram, os projetos de pesquisa e extensão são práticas dificultadas pelo perfil do aluno (muitos trabalham) e pelo pouco engajamento de professores (muitos nem participariam de eventos da Universidade). No entanto, aquelas professoras admitiram desconhecer minimamente como desenvolver projetos de extensão. Para as professoras do outro curso, aquela associação não tem ocorrido a contento porque a pesquisa científica exige, dos professores, um tempo considerável para desenvolver a prática da investigação científica mais sólida junto aos estudantes. Neste aspecto, Demo (2007) é categórico ao afirmar que do profissional moderno se espera, com relação à atividade de pesquisa: “se interessar constantemente pelo conhecimento relativo à profissão, implicando busca de informação, leitura sistemática, acompanhamento das novidades” (p. 69).

3.3.4.3. Ensino, pesquisa e extensão: entre o proclamado e o praticado.

A organização dos discursos (institucional e dos participantes), conforme apresentado nas seções anteriores, possibilitou um cotejo, em grandes linhas, entre alguns aspectos, possibilitando estabelecer comparações entre o proclamado pela instituição, o percebido pelos participantes e o praticado, conforme análises dos dados (Quadro 25). Observa-se, mais uma vez nesta pesquisa, a propriedade das explicações de Brunsson (2007) e Teixeira (1962) relacionadas ao tema do distanciamento entre discurso e prática. Explicações sobre as contradições entre o decidido e o adotado numa organização, discurso e prática organizacional.

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Quadro 25 – Ensino, pesquisa e extensão: o proclamado e o praticado. Aspectos

Ensino.

Projetos de pesquisa.

Projetos de extensão.

O que é proclamado: discurso institucional A indissociabilidade entre ensinopesquisa-extensão como base propulsora da atualização dos estudantes e professores, sendo: o ensino voltado para a prática, a pesquisa como o eixo viabilizador da mudança de condutas e a extensão como meio de se cumprir o papel social da Universidade.

O que é percebido: relatos dos participantes Estudantes Professoras Relatos sem foco no tema.

Atrelado à sala de aula.

A pesquisa é um sofrimento (TCC). Ocorre efetivamente só para alguns estudantes e professores. Relatos sem foco no tema.

A pesquisa não é desenvolvida nos cursos.

Relatos sem foco no tema.

O que é praticado: conclusões parciais da pesquisa Ensino oscilante entre o conteudismo (pode ser enciclopedismo) e a preocupação em formar para o cumprimento da função social do professor. Pesquisa à margem dos processos educacionais, baldados os esforços dos professores para se cumprirem as intenções dos cursos.

Extensão como uma oportunidade, mas pouco frequente para aproximar estudantes e sociedade (estágios e projetos) e para aliar teoria-prática.

Fonte: elaboração do autor. Segundo Brunsson (2007), as hipocrisias organizacionais93 refletem as contradições que existem entre decisões tomadas e ações efetivamente adotadas. De acordo com o autor, essas hipocrisias garantem que a organização se mantenha viva na medida em que elas se prestam a acomodar conflitos intergrupais e proporcionar flexibilidade para resolvê-los, bem como para legitimar a organização de modo a assegurar recursos para sua manutenção. Por sua vez, Teixeira (1962) já sustentava na década de 60 que as racionalizações do mundo moderno teriam levado a um distanciamento os valores proclamados e os valores reais praticados. No âmbito da educação, o autor já afirmava que a expansão da educação brasileira não poderia ser inspirada pelos conceitos de educação-bem-em-si-mesma e fruição e lazer. Isto é, a política educacional brasileira não poderia ser dominada pelas ideias de que toda e qualquer educação possui valor absoluto e de que a educação escolar é um processo de

93

O conceito de hipocrisia organizacional em Brunsson (2007) não detém conotação pejorativa ou condenatória. Conforme Lira (2010), neste conceito não está em jogo qualquer juízo de valor, mas um juízo de realidade sobre o comportamento organizacional.

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passar automaticamente ao nível da classe média e ao exercício de ocupações leves ou de serviço, e não as de produção. O que se constatou nesta pesquisa quanto às estratégias formativas por meio de atividades de pesquisa e extensão? Constatou-se uma instituição capaz de acomodar conflitos intergrupais, apresentando um discurso de apoio à ação docente – evidências muito claras, presentes nos relatos das professoras – que, simultaneamente, proclama a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão como estratégia formativa e aceita (para usar o termo de TEIXEIRA, 1962): 1) um ensino que funciona como pêndulo ao oscilar da preocupação de passar conteúdos à preocupação de formar para cumprir-se a função social do professor, tendo como ponto fixo a acomodação de conflitos. Pareceu ser uma universidade que apoia o professor, apesar de largar à sombra certas situações relacionadas à formação integral dos estudantes; 2) uma atividade de pesquisa que ainda se mantém distante da efetiva associação com o ensino, apesar dos esforços de alguns professores em sentido contrário; 3) uma atividade de extensão que poderia fazer-se mais presente, apesar dos esforços de alguns professores com relação às atividades de estágio supervisionado (paliativo neste caso) e poucos projetos. Assim, por um lado, o discurso institucional, de caráter normativo, garante a legitimidade social dos cursos na medida em que o cumprimento do princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão é proclamado nos PPCs como lei a ser obedecida pelos envolvidos no processo educacional. Por outro lado, as pressões, as exigências e os obstáculos no âmbito dos cursos – conforme ficou evidenciado pela pesquisa – configuram algumas contradições que terminam por distanciar o discurso da prática nos momentos em que se operacionaliza o processo educacional. Daí porque tal cenário delineia uma hipocrisia organizacional, pois, já no nascedouro, as decisões estão destinadas a serem descumpridas (BRUNSSON, 2007). Ou seja, se, por um lado, tal hipocrisia é favorável à gestão organizacional porque funciona como uma forma de amenizar ou resolver conflitos ao conferir flexibilidade à organização (LIRA, 2010), por outro lado, seus desdobramentos impactam o processo educacional, como evidenciaram alguns relatos dos participantes.

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Parece que, ao lado de uma instituição visível, aquela que toma decisão e adota o que decidiu, isto é, proclama e realiza o que proclamou, está outra organização, desta feita invisível, que toma decisão, mas não adota o que decidiu; proclama, mas não realiza – pelo menos na esfera de aspectos identificados pela pesquisa, com foco em objetivos específicos, tão só à vista dos documentos analisados e na comparação dos discursos institucionais, neles contidos, com os dados coletados e gerados com os participantes.

3.4. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NOS CURSOS

3.4.1. Introdução

Tendo em conta que as experiências sociais se encontram inscritas em sistemas mais amplos (DUBET, 1994)94, esta seção apresenta, em primeiro lugar, aspectos do processo educacional concebido como um conjunto de sistemas relativamente autônomos. Em segundo lugar, apresenta aspectos das estratégias planejadas pelos cursos para a formação dos estudantes. Em terceiro lugar, e referenciando-se no modelo lógico da exploração do material (ver Fig. 12), apresenta opiniões dos participantes a respeito dos processos educacionais, organizadas por casos estudados, tendo sido postas em realce as articulações entre aspectos informativos e formativos da educação. Em quarto e último lugar realça aspectos que promovem vinculações entre sistemas presentes no processo educacional e condutas adotadas por estudantes e professores. Dessa maneira, por meio da análise documental, entrevistas e observações, cumpriram-se os objetivos de verificar a existência da articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, e de que modos ela se desenvolve, bem como identificar vinculações causais entre experiências sociais e sistemas que compuseram os processos educacionais dos cursos pesquisados. Mais à frente (Seção 4.1), pôde-se verificar se efetivamente há interação entre experiências

94

Segundo Dubet (1994, p. 94), “a experiência social forma-se no caso em que (...) os atores são obrigados a gerir simultaneamente várias lógicas da ação que remetem para diversas lógicas do sistema social, que não é então já ‘um’ sistema, mas a copresença de sistemas estruturados por princípios autônomos”. O autor opta por não falar em subsistemas, o que remeteria para uma visão hierárquica.

299

sociais, e como interagem, bem como verificar em que medida aquela articulação tem contribuído para esta interação e até que ponto os quatro pilares da educação para o século XXI são atendidos.

3.4.2. Os processos educacionais enquanto sistemas

A partir de dados coletados dos PPCs e PEs, apresentam-se, a seguir, aspectos dos sistemas que compõem os processos educacionais dos cursos pesquisados. Uma autonomia que se traduz, nos termos de Dubet (1994), na utilização pelos indivíduos de lógicas de ação que constituem um sistema de integração, cujo correspondente na clássica explicação de sociedade é a ideia de comunidade; um de competição, correspondente à ideia de mercado (não restrita à esfera econômico-financeira) e outro cultural, situado para além da tradição e da utilidade, no pressuposto de cultura como pertencente aos indivíduos.

3.4.2.1. Caso 1: Letras

A interação social entre professores, alunos e currículo como condição para atingir os objetivos educacionais é afirmada no PPC de LL, com todas as implicações que envolvem os aspectos da dinâmica de interação entre as experiências sociais desenvolvidas na sala de aula, ou até nos projetos de pesquisa e extensão. Há evidências de uma visão sistêmica do processo educacional por parte dos elaboradores daquele PPC, comparável à ideia de sistema social, conforme Dubet (1994). O processo educacional é concebido como espaço propício à construção de experiências sociais. Ele é considerado como o estado coletivo resultante das condutas individuais passível de observação e análise, inclusive no que respeita às implicações relacionadas à capacidade política dos protagonistas dessas condutas e relacionadas aos desdobramentos que interferem na moldagem e conquista da autonomia pelos alunos, bem como na liberdade de atuação dos professores. Neste sentido, o seguinte trecho evidencia a recepção, por parte dos elaboradores, de que esse sistema constitui-se de comportamentos e atitudes de alunos e professores no seio de uma estrutura composta por valores e interesses

300

que, interligados, favorecem o desenvolvimento de um processo educacional que prima pela integralidade humana de alunos e professores: Professores e estudantes têm, portanto, posições específicas a serem desempenhadas no processo de aprendizagem no interior da [Universidade]; devem ocupar espaços estratégicos na definição e condução de elementos acadêmicos e científicos, logo, sociais e políticos, que compõem a complexa teia de uma instituição de ensino. É preciso, pois, vivenciar uma formação que prime pela autonomia, pelo trabalho coletivo, pela reflexão sobre a prática, pela abordagem multidimensional do conhecimento, pelo respeito aos diversos saberes, pelo acesso às artes e bens culturais, pela apropriação das novas tecnologias da linguagem, como elementos fundamentais à integração com o mundo do trabalho. Tal integração dar-se-á através do desenvolvimento de pesquisas, da conquista de tempo para estudos, da exploração de diversas estratégias formativas e, principalmente, através da aceitação da condição de permanente aprendiz (PPC LETRAS, 2010, p. 44).

Receber o processo educacional como sistema social, composto por sistemas relativamente autônomos, significa pressupor, pelo menos de modo implícito, a existência de algumas lógicas de ação a impulsionar as condutas de alunos e professores vinculadas a sistemas que poderiam ser comparados ao que Dubet (1994) denomina sistema de integração, sistema de interdependência e sistema de ação histórico. Por exemplo, aquele PPC fundamenta as concepções de aprendizagem e metodologias adotadas pelos professores na efetiva indissociabilidade do ensino com as atividades de pesquisa e de extensão. Em seguida, anuncia que esta fundamentação condiciona “a formação de um professor comprometido com o trabalho de inscrição efetiva de seus estudantes da Educação Básica no mundo da escrita, de textualidades e discursividades distintas e, às vezes, conflituosas e contraditórias” (PPC LETRAS, 2010, p. 37). Ora, implícita está a presença de aspectos que moldam um processo educacional capaz de contribuir para que o estudante internalize e prolongue por sua vida profissional determinados valores; busque pertencer ao grupo de colegas; manifeste poder de influência, interesses, com o fim de atingir objetivos; seja crítico, empenhando-se em modelos culturais providos durante sua história de vida, enfim, tudo o que na essência embute as mencionadas denominações de Dubet (1994) para o que seria um composto de sistemas detentores de relativa autonomia. Este sistema, composto por outros e onde se constroem e se desenvolvem aquelas lógicas, haveria de ser favorável à articulação entre aspectos informativos e

301

formativos da educação, conforme evidencia o PPC. Concebendo a aprendizagem como processo e não como produto, o documento preceitua que o processo educacional não deve se restringir à transmissão de informações, mas promover a articulação destas com a formação: Como processo integrado capaz de operar mudanças qualitativas na estrutura integral das pessoas, a aprendizagem não é um produto, mas um processo que requer e estimula capacidades amplas e integradas como as de refletir, analisar, interpretar, comparar, criar, argumentar, concluir, processar, questionar, solucionar. Portanto, ao exigir que se vá além do decorar e do repetir, a aprendizagem impõe a necessidade de estimular e desenvolver a “arte do pensar, do sentir e do agir”, pois é a partir dela que se constrói o saber e se aprende como transformar esse saber em um bem coletivo. O aprender não se restringe, pois, ao aspecto informativo, à transmissão de conteúdos, mas alarga-se numa perspectiva de vivências e experiências de saberes que constroem conhecimentos necessários à formação do sujeito histórico, responsável pela sociedade de seu tempo (PPC LETRAS, 2010, p. 33-34).

Assim, os elaboradores evidenciam o entendimento de que, “do ponto de vista metodológico, a aprendizagem requer diálogo, parceria e partilha de saberes entre professor e estudante” (PPC LETRAS, 2010, p. 35). Fica evidente a compreensão de que o processo educacional deve ser considerado menos como uma ação de aprender e mais como “uma articulação que contribui para formar o profissional e o cidadão, envolvendo a apropriação crítica de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores, por meio de uma ação conjunta” (PPC LETRAS, 2010, p. 35), sendo o professor um condutor e orientador capaz de estimular o aluno a assumir um papel ativo. Quanto à colocação destas orientações em prática, os professores possuem liberdade para escolher e adotar metodologias que entendam ser as mais adequadas para atingir os objetivos das disciplinas. Assim, os PEs das professoras do curso de LL que participaram da pesquisa evidenciaram um planejamento que prioriza a aula expositiva com leituras de textos para análise e debate, bem como a elaboração de trabalhos (como resumos, esquemas ou artigos) e apresentações orais (como seminários, mesas-redondas). Cabendo destacar que uma professora fez constar no PE de sua disciplina a perspectiva construtivista como alternativa metodológica, tendo se comprometido com a valorização das experiências individuais, a troca de informações e o desenvolvimento da autonomia intelectual.

3.4.2.2. Caso 2: Pedagogia

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De modo análogo, o PPC de LP evidencia a compreensão do processo educacional como um sistema social (DUBET, 1994) em que alunos e professores atuam em ambientes caracterizados pela diversidade. Conforme o documento: O professor trabalha com estudantes de níveis sociais, intelectuais e econômicos bastante diferenciados exigindo, desse profissional, uma elevada atenção, um permanente exercício de reflexão, uma grande capacidade de processar informações e um nível elevado de respeito e tolerância com as diferenças. Não se pode esquecer que cada pessoa aprende a seu modo, com estilo particular, em ritmo próprio, com base em um conjunto de estratégias cognitivas individuais e autônomas, exigindo, também, orientações e procedimentos metodológicos diferenciados e flexíveis (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 27-28).

Evidencia-se que os elaboradores do documento pressupõem a diversidade de lógicas de ação presentes na atuação de alunos e professores. Os elaboradores concebem a ideia de processo educacional como se este fosse um sistema social em que os envolvidos se contextualizam segundo sistemas com relativa autonomia. As lógicas da integração, estratégia e subjetivação são passíveis de observação e análise, como, por exemplo, no que se refere aos aspectos relacionados à construção de processos formativos que aliam criatividade e visão crítica por parte de alunos e de professores. Neste sentido, o documento convoca os professores a possuírem uma visão mais alargada da realidade, habilidades de raciocínio e flexibilidade de pensamento; a serem capazes, sobretudo, “de utilizar esses pré-requisitos para a solução dos problemas que se apresentam nas salas de aula e nas relações com os estudantes” (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 27). Além disso, convoca os professores a contribuírem com a construção de representações culturais por parte dos alunos: Não se pode esquecer que uma forma privilegiada do estudante aprender é através do como o professor ensina e age. É fundamental considerar a ação pedagógica do professor como testemunho construtor ou problematizador de modelos educativos (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 27).

Assim, tal como ocorre no outro curso pesquisado, o curso de LP entende que o processo educacional enquanto sistema social que abriga determinadas lógicas de ação deve articular informação e formação. E toma a prática da pesquisa como um dos recursos para promover essa articulação: A pesquisa, como recurso para aprender a conhecer a partir da aproximação com os problemas da profissão e da sociedade, constitui uma

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estratégia importante do ‘ensino com ciência’ que poderá possibilitar o desenvolvimento das aptidões necessárias à aproximação entre o conhecimento existente e o desconhecido, na perspectiva de novas e significativas elaborações para que o estudante formado na [Universidade] esteja capacitado para reinventar processos e soluções necessários a um mundo em permanente mudança (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 28).

Para por em prática estas orientações e determinações, assim como no outro curso, os professores do curso de LP têm autonomia para escolher e adotar metodologias. Constataram-se nos PEs analisados, cujas ementas e bibliografias constam dos PPCs, planejamentos que priorizam a imediata colocação em prática dos temas estudados; leituras de textos e estudos de caso; visitas a escolas ou oficinas; dinâmicas de grupo; discussão e análise de situações-problemas, tendo os alunos que apresentar em painéis na sala de aula. Verificou-se que os alunos passariam a contar com a orientação individual e coletiva das professoras para elaborar roteiros de observação de aulas durante os estágios supervisionados. Por fim, referiu-se à utilização de aulas expositivas dialogadas. Quanto às disciplinas relacionadas ao estágio supervisionado, ministradas por duas professoras que participaram da pesquisa, cabe ressaltar que os PEs delineiam claramente objetivos, metodologias e formas de avaliação. No entanto, confirmando constatações de Gatti e Barreto (2010), ao nível do PPC não apresentam claramente formas de validação, documentação, acompanhamento e convênios com escolas onde se realizam os estágios supervisionados. Para as autoras, ausências desta natureza podem sinalizar que os estágios supervisionados ou são tratados à parte do currículo ou sua realização é concebida como uma mera formalidade, sendo apenas atividade de observação e não uma efetiva atuação dos estudantes nas escolas. De todo modo, o debate e a manifestação de ideias, opiniões e habilidades estão presentes no planejamento dos processos educacionais dos dois cursos, considerados como espaços de interação, portanto, fato que valoriza a articulação entre informação e formação. 3.4.3. Estratégias formativas dos cursos pesquisados

Os cursos estabelecem para o perfil do estudante o desenvolvimento do protagonismo e, para isto, torna-se necessário vivenciar processos educacionais que articulem informação e formação. Intencionam desenvolver a educação em que

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estudantes e professores sejam capazes de dialogar, a educação na perspectiva freireana. Neste sentido, numa clara demonstração de compromisso com processos educacionais que promovem aquela articulação, os cursos fazem constar em seus PPCs o seguinte texto, em que assumem o compromisso de: Abandonar a perspectiva tradicional da educação na qual o estudante é visto como um sujeito passivo, mero receptor de informações (...) Abandonar o modelo de “educação bancária” cuja tônica reside fundamentalmente em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade. A perspectiva do estudante como protagonista o coloca como sujeito que toma para si os rumos de seu aprendizado nos diversos espaços de aprendizagem, seja em ações nas salas de aula, (..) auxílio aos colegas nas atividades acadêmicas, no cuidado com os espaços, no uso responsável dos recursos disponíveis e no exercício da liderança (PPC LETRAS, p. 45; PPC PEDAGOGIA, p. 36).

Oportuno ressaltar que, enquanto o PPC de LL compromete-se com a realização de atividades de pesquisa e extensão como espaços de construção do protagonismo do estudante, o curso de LP assume o compromisso de desenvolver atividades de monitoria, grupos de trabalho e estudo e parcerias com professores para realização de pesquisas. Portanto, este curso não se refere, com relação ao protagonismo do estudante, a atividades de extensão. A seguir, apresentam-se estratégias formativas estabelecidas pelos cursos.

3.4.3.1. Caso 1: Letras

Ao tomar como referência o perfil do egresso pretendido pela Universidade, o curso de LL estabelece (PPC LETRAS, 2010, p. 45) que eles devem ser capazes de: a) Pensar criticamente, revelando abertura e flexibilidade para o diálogo. b) Transitar nas mais diferentes áreas do conhecimento, estando apto a adaptar-se e a desenvolver-se em áreas distintas daquela de sua formação inicial. c) [Fazer] o manuseio internacional do conhecimento. d) Atuar em equipe, demonstrando espírito de cooperação. e) Comprometer-se com a resolução de problemas, demonstrando [ser capaz] de assumir desafios e riscos, característicos da atitude inovadora. f) Propor e desenvolver projetos de interesse e relevância social. g) Exercer com competência e ética sua profissão, contribuindo para a melhoria de sua qualidade de vida, de sua família e da sociedade. h) Empreender, contribuindo para a geração de empregos e para o desenvolvimento do país. i) Cuidar da própria formação, como tarefa que dura toda a vida.

Além disso, está escrito no PPC que o curso se propõe a:

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Formar [seus] estudantes como profissionais capazes de exercer o magistério com competência e compromisso ético, social e político, de modo a romper esse ciclo perverso de uma sociedade desigual como a brasileira, formando leitores e autores autônomos e criativos (PPC LETRAS, 2010, p. 46).

Ao comprometer-se em produzir transformações no perfil de entrada do estudante, o curso busca que os alunos abandonem certas concepções construídas antes de ingressar, tais como: a língua portuguesa como “língua difícil, cheia de regras” (PPC LETRAS, 2010, p. 47), e seus falantes “incapazes de falá-la (...) [e] de aprendê-la”; ou, por outro lado, a língua portuguesa como “fácil de ser aprendida, com poucas regras, sem acentuação, coesa, bonita” e seus falantes como sujeitos “capazes de aprendê-la, de não cometer erros” (p. 47). Neste sentido, o curso busca junto aos estudantes o abandono de algumas concepções relacionadas à literatura. Neste caso, o objetivo é formar o estudante para que se distancie de uma literatura centrada em “biografias, períodos estanques, características rígidas de cada escola, desassociada do aprendizado da leitura e da escrita ou a elas associada de modo fragmentário e estanque” (p. 47). E o PPC finaliza, com relação a esses aspectos, comprometendo-se a promover transformações também relacionadas ao papel do professor de português, de modo que não seja mais “visto como um fiscal da língua, [naquele] primeiro caso, e como beletrista em se tratando da literatura” (p. 47). Conforme o PPC daquele curso, a formação deve compatibilizar com as: Novas habilidades [que] são requeridas do trabalhador no manuseio e consumo de novas tecnologias e na divisão do processo de trabalho, como capacidade de integração ao grupo, trabalho em equipe, participação na tomada de decisões, maior capacidade de abstração, capacidade e disponibilidade para aprendizagem constante e, sobretudo, da chamada capacidade de comunicação linguística (PPC LETRAS, 2010, p. 47).

Além disso, o curso tenciona promover no aluno um: Deslocamento na relação entre a apreensão de um sentido unívoco – reprodução – e o trabalho sobre a polissemia – transformação. E é neste movimento ambíguo e paradoxal que devemos situar o nosso trabalho com os graduandos e destes com os estudantes das escolas de ensino fundamental e ensino médio (PPC LETRAS, 2010, p. 47).

Apoiando-se em estratégia da Universidade, o curso assumiu o: Compromisso educacional global com o estudante (...), que envolve, de um lado, a estruturação ética da subjetividade, e, de outro, a formação humanística e a capacitação científica e tecnológica que deverá conferir

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competência e compromisso social aos portadores dos diplomas por ela emitidos (PPC LETRAS, 2010, p. 47-48).

E, perante o aluno, assumiu o compromisso de “construir utopias norteadoras do nosso cotidiano acadêmico em que as desigualdades e injustiças possam dar lugar a uma sociedade mais equânime e fraterna” (PPC LETRAS, 2010, p. 48). Isto no contexto da sociedade brasileira que, segundo consta no PPC, precisa ser explicitada e compreendida pelos alunos. Uma sociedade que: Constrói sua identidade, produzindo conhecimento – gramáticas, dicionários, obras literárias, manuais didáticos, métodos e técnicas de ensino – e trabalhando-o em relação à sua realidade em uma instituição específica: a Escola (PPC LETRAS, 2010, p. 48).

Ao referir-se ao fato de se viver atualmente nas sociedades da tecnologia, “um momento de transição e convivência entre os textos manuscrito, impresso e eletrônico” (PPC LETRAS, 2010, p. 48), o curso se propõe, junto aos alunos, contribuir com a formação de “novas categorias de apreciação dos textos, de novas formas de administração e controle da escrita, de novos perfis de leitores” (p. 48). Trata-se, portanto, conforme o PPC, de definir um perfil profissional voltado para a atuação: Em uma sociedade concreta, [articulando] esses diferentes campos de interesses e necessidades às diferentes práticas que eles produzem e reproduzem, [não se tratando de] traçar um perfil ideal de um profissional, mas de preparação de trabalhadores específicos para desempenhar determinadas funções em um espaço institucional de uma conjuntura determinada” (PPC LETRAS, 2010, p. 48).

Por isto, continua o PPC, A atuação do graduado em Letras exigirá, pois, uma capacidade de articular esses campos de interesses e de conhecimento – às vezes díspares e contraditórios – às condições reais de existência de seus estudantes. É preciso, então, não só o domínio de competências e habilidades, mas o conhecimento das relações econômicas, sociais e políticas que atravessam o espaço da produção de linguagem e de conhecimento sobre as línguas e as literaturas, nacional e estrangeira (PPC LETRAS, 2010, p. 48).

Por fim, conclui o PPC, pode-se: Pensar, assim, que ao terminar o curso, o graduado estará também habilitado a atuar em campo de trabalho mais amplo, que hoje se apresenta promissor num amplo raio de ação, ligado ao setor de serviços, como os de redação e revisão de textos; de tradução; de assessoria a empresas e instituições públicas e privadas, ao Congresso Nacional, à mídia; à pesquisa e produção de recursos didáticos (PPC LETRAS, 2010, p. 49).

3.4.3.2. Caso 2: Pedagogia

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O curso de LP estabelece (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 37) que os egressos sejam capazes de: a) Pensar criticamente, analisar e se comprometer com a solução dos problemas da sociedade, contribuindo para a sua transformação através de uma atuação criativa e ética. b) Transitar nas mais diferentes áreas do saber, estando aptos a adaptar-se e a desenvolver-se em outras áreas diferentes daquela de sua formação. c) Trabalhar em equipe, interagindo com outras pessoas e culturas, sendo capaz de respeitar e conviver com as diferenças. d) Compreender de forma ampla e consistente o fenômeno educativo e sua prática, que se dá em diferentes âmbitos e especialidades. e) Articular ensino e pesquisa na produção do conhecimento e da prática pedagógica. f) Dominar processos e meios de comunicação em suas relações com os problemas educacionais. g) Administrar a própria formação continuada, tendo na [Universidade] uma porta de entrada para futuros estudos e, especialmente, para uma postura de constante aprendiz diante da vida.

Além disso, preceitua o PPC daquele curso (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 3739) que, à vista do art. 5º da Resolução CNE/CP 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006a), o egresso do curso de LP deve estar apto para: a) Atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária. b) Compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social. c) Fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do ensino fundamental, assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria. d) Trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo. e) Reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas. f) Ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano. g) Relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas. h) Promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a comunidade. i) Identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étnicoraciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras. j) Demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas

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geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras. k) Desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e as demais áreas do conhecimento. l) Participar da gestão das instituições, contribuindo para elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico. m) Participar da gestão das instituições, planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-escolares. n) Realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas. o) Utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção de conhecimentos pedagógicos e científicos. p) Estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras determinações legais que lhe caiba implantar, executar, avaliar e encaminhar o resultado de sua avaliação às instâncias competentes.

3.4.4. Articulações entre informar-formar Apresentam-se, a seguir, aspectos da articulação entre informar-formar. A geração de dados ocorreu por meio das entrevistas com os participantes, tendo sido considerado o que adveio das observações nas aulas em que aqueles atuaram.

3.4.4.1. Caso 1: Letras

3.4.4.1.1. Alunos

Os estudantes estiveram divididos entre não perceber sobrecarga de informações e perceber enorme carga de dados, informações e conteúdos. Enquanto para os primeiros é melhor escutar a fala útil dos professores do que a fala inútil dos colegas, para os segundos, o excesso de fala por parte dos professores prejudica a interação, causando até sofrimento: P – O que mais a (o) incomoda em sua experiência como aluna (o) do curso de Letras? R – Ó, dependendo do conteúdo, o professor chega fala, fala, fala, fala. Parece ser chato, mas prefiro o professor só falando, falando, falando do que meus colegas falando besteira. Abre a boca para falar, ainda mais quando a pessoa vai citar um exemplo, então, começa a falar da vida dela, parece que desloca o assunto, a gente só volta a falar daquilo depois. Acho que essa interação nem sempre é necessária. Acho que, às vezes, o professor só falando, falando, ajuda (A4).

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R – Aula assim segunda-feira e a professora só fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala e fala... É muito cansativo. Isso me incomoda. Às vezes, num suporto ficar na sala. De verdade! Isso me incomoda (...) [Deveria haver mais] interação (A3).

De fato, durante as observações diretas, constatou-se que, imóveis nas cadeiras, estudantes permaneceram por longo tempo a escutar exposições na sala de aula. Com tantas informações, e diante do relato de que elas não cabem no tempo previsto para o curso, perguntou-se aos participantes se os professores contribuem para desenvolver ou aprimorar a capacidade para resolver problemas. Afirmaram que a maioria deles contribui, fazendo-o por meio de narrativas de experiências pessoais e profissionais. Outros ainda fixam a atenção em conteúdos (comprovado pelas observações realizadas na sala de aula). Os professores de gramática foram mencionados como aqueles que mais contribuem para desenvolver aquela capacidade. Esta contribuição é discutida na literatura especializada. Cabe lembrar que o processo formativo do estudante não se limita ao âmbito profissional. Não há dúvida da relevância de selecionar conteúdos significativos para a disciplina a partir da reflexão sobre o perfil e características do profissional para o qual se pretende contribuir com a formação (MASETTO, 2012). Já entre os gregos antigos havia a preocupação de formar para a techne, com a transmissão de conhecimentos e aptidões para a prática de uma profissão (JAEGER, 2001). Isto não constitui, em si, um problema, mas, ao contrário, algo necessário. O que constitui problema é a exclusividade dessa transmissão ou o desequilíbrio entre essa dimensão informativa da educação, que prima pela técnica, e a dimensão formativa da educação, que considera os processos de autonomização do estudante. Nesta, encontra-se a preocupação de contribuir com perfis compatíveis com aqueles exigidos por organizações aos seus membros – diga-se de passagem, há pouco tempo, consideradas do futuro –, para o que as qualificações precisam ter base mais comportamental do que intelectual. Exigem-se dos membros competências relacionadas com a “intuição, o jeito, a capacidade de julgar, a capacidade de manter unida uma equipe” (DELORS et al., 1998, p. 95). Portanto, uma preocupação de parte dos professores, conforme relatos dos estudantes.

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Outra divisão de opiniões entre os participantes se refere ao posicionamento quanto às habilidades dos professores, traduzidas em metodologias desenvolvidas na sala de aula, para articular aspectos racionais e emocionais. Para um participante, os professores utilizam metodologias que ajudam a equilibrar estes aspectos, sendo que uns brincam, outros criam amizades, enquanto os estudantes riem e despertam para os assuntos a serem desenvolvidos conforme planejado. Duas professoras do curso foram citadas como exemplos, pois até mencionam situações familiares para desenvolver os conteúdos. No entanto, para outro participante, os professores mobilizam-se mais em termos racionais do que emocionais, priorizando explicações, construção de conhecimentos, em vez de utilização de dinâmicas capazes de descontrair a aula e, consequentemente,

desenvolver

ou

aprimorar

habilidades

socioemocionais.

Confirmam-se aqui os resultados de análises realizadas por Bassi e colaboradores (2012) sobre a ingerência dessas habilidades para o trabalho na Argentina, Chile e Brasil – neste último, com foco no Estado de São Paulo. À parte as argumentações finais do relatório da pesquisa – as soluções para a América Latina recairiam nos lugares-comuns dos bancos internacionais – são de considerar as comparações dos autores entre habilidades cognitivas e as de caráter socioemocional desenvolvidas (ou aprimoradas) desde a educação básica à superior: as primeiras crescem (significativamente no Chile, pouco na Argentina), mas o vexame vem das habilidades socioemocionais. Seja pelo capital cultural ou outros fatores, estas habilidades pouco crescem durante o período da escolaridade. Há evidências de que, se recebessem atenção nos currículos, cresceriam. Mas pode-se cogitar que elas são predominantemente extraescolares, obtidas pelo street curriculum a que se referem os anglo-saxônicos, em contraste com o school curriculum (GOMES; VASCONCELOS; LIMA, 2012). Em síntese, para os estudantes que se manifestaram sobre as articulações aqui referidas, a maioria dos professores do curso ainda restringe sua atuação à transmissão de conteúdos enquanto matéria, assuntos, conceitos. A minoria, isto é, aqueles que expandem os conteúdos conceituais, dão conselhos de vida, dicas para o trabalho, alertam para questões práticas – por exemplo, como se comportar em entrevistas ou como ministrar aulas.

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Para um participante, o foco em conceitos contribui para a aprovação em concursos. Ele não percebe em que os conteúdos tenham mudado suas atitudes. Para outro, o curso mudou muito a sua percepção de mundo e utiliza tudo o que aprendeu, tendo se tornado uma pessoa mais flexível após ingressar na Universidade. Para outro ainda, o curso não prepara os estudantes para atuar na área de formação, como evidencia a passagem abaixo: P – Para você, está claro o que fazer com o que aprende? R – Não. Isto eu acho que a gente só vai aprender quando estiver dando aula. Porque a gente aprende a teoria. Por exemplo, a gente aprende gramática e tudo; mas, como a gente vai aplicar essa gramática? Embora tenhamos as matérias educacionais [da formação pedagógica], muitas vezes, não são disciplinas específicas, sendo gerais para todos os cursos (A1).

Como se verifica, prevalece a percepção de que é necessário operacionalizar um processo educacional que articula conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (BOLÍVAR, 2000; COLL et al., 1998, 2001). Segundo Coll e colaboradores (1998), com os conceituais constrói-se uma base intelectiva para operacionalizar símbolos, ideias e representações; com os procedimentais, uma base para bem decidir, de modo organizado; com os atitudinais, os modos de agir com os colegas e professores, bem como com as disciplinas e tarefas e sociedade em geral. 3.4.4.1.2. Professoras Manifestou-se a opinião de que as dificuldades para equilibrar informação e formação estariam relacionadas às diferenças sociais existentes: Quem estuda na instituição de ensino superior privada não é o menino rico, mas o expulso da [universidade] federal. Este não conseguiu sequer chegar à porta! [grifo do autor]. Pior, ele nem tenta. Ele sabe que não vai chegar lá (P2).

Tal desesperança, nesta declaração relacionada com o objetivo de estudar numa universidade, remete para as reflexões de Freire (1997a) a respeito dos processos de autonomização e desumanização dos indivíduos em contextos de desigualdade social e opressão. Para o autor, ao lado da desesperança há a esperança, esta sendo parte da natureza humana. A desesperança, sendo algo concreto, com razões históricas, econômicas e sociais; a esperança, sendo um caminho para se tornar a existência humana melhor.

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Como

afirma

o

autor,

“a

esperança

é

necessidade

ontológica;

a

desesperança, esperança que, perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica” (FREIRE, 1997a, p. 5). No limite, conclui o autor, acha-se o inédito viável, que seria o locus da motivação para se assumir ambas as posições: a esperança e a desesperança. Neste sentido, encontrar-se-ia em processo de desumanização o aluno que sequer chega à porta da universidade por não mais perceber possibilidades de acessá-la. As professoras manifestaram também a opinião de que é difícil conseguir o equilíbrio entre informação e formação num mundo diversificado como o atual: “Acho que o mundo está muito disperso; o menino [aluno] está muito disperso. Acho que é um problema muito sério para nós [professores]” (P2), com repercussão na interação com eles. Conforme relato, seria difícil desenvolver algo além da informação, pois isto seria pouco agradável aos alunos, que, no mundo moderno teriam perdido o hábito de refletir a respeito do que fazem e dizem: Ao fazer a correção das redações do vestibular, vejo que eles jogam muitas informações, usam as palavras. Não existe problema grave de ortografia. Não. Isso não. Mas, sim, falta de coesão e incoerência! Aquela palavra está solta. Ele usou a palavra e não sabe porque a utilizou. Então, isso é influência do nosso mundo moderno! Tudo é rápido! E como tudo é rápido, nada é aprofundado, nada tem raiz! (P2).

Esta dificuldade, relatada pelas professoras, pode contribuir para gerar letrados diplomados (TAVARES, 1996), que se movem num mundo altamente fragmentado (BAUMAN, 2001) e com o pendor para o saber desorganizado (ALARCÃO, 2008), fortalecendo processos educacionais que priorizam o acúmulo de informações (FREIRE, 1987). No entanto, parece haver no relato a semente de iniciativas que podem contribuir para amenizar, senão reverter, o quadro desfavorável: há um nível de consciência embutido no relato, relativo à complexidade da situação, que demonstra um reconhecimento dos implícitos do ofício de professor (PERRENOUD, 2000). As dificuldades estariam relacionadas também com a fragilidade da base conceitual do aluno, com a deficiência da educação básica: “Eu vejo isto num texto produzido, que tem muitas informações, mas com pouca formação. A formação básica, ela está dando lugar a esse excesso de informações que não aprofundam” (P2). Para as professoras, neste contexto, os conteúdos estariam sendo

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desenvolvidos pelos professores da educação básica de modo restrito à disciplina, ministrados com foco nos conceitos, no cognitivo, de maneira superficial. Neste sentido, lembra Célio da Cunha (2012, p. 1), “as pesquisas vêm mostrando que, entre os fatores associados à aprendizagem, a qualidade da formação docente sobressai como um dos mais importantes”. Dificuldades estariam relacionadas também com a fragilidade dos cursos de licenciatura, que teriam tendência a acabar, inclusive, na Universidade pesquisada: P – Para você, eles sabem o que estão fazendo na vida? Eles encontram sentido no curso? R – Bom, o curso de Letras está em crise. E a gente sabe disso muito bem. O curso de Letras, aquele curso que se fazia conduzindo para o magistério, ele tem que ser repensado! No nosso curso especificamente, às vezes, eles [alunos] chegam e falam para mim: “eu não quero ser professor! Descobri aqui que eu não quero ser professor! Eu quero fazer outra coisa” (P1). R – Isso é a Licenciatura! Com tendência a quase acabar! Pelo que me foi dito, a [citou uma instituição de ensino superior privada localizada em Brasília] não mais oferece o curso de Letras (...). Acho que vai chegar um tempo em que as universidades privadas não mais oferecerão cursos de licenciatura. Eles [os alunos] pagam menos, mas eles sustentam os cursos mais caros! Eles não gastam material! Ficarão as licenciaturas só para as universidades federais porque elas podem gastar ou não gastar, não tem problema nenhum (...). A maioria dos meninos não quer ser professor. Eles querem um curso para fazer concurso. A grande maioria não quer ser professor não; eles vão para o estágio chiando. Vão brigando (P2).

Como comentam Palazzo e Gomes (2012), há uma perda do prestígio do magistério decorrente da tendência de valorização social de profissões associadas ao alto salário. Com base em inúmeras pesquisas, os autores informam que, no Brasil, os cursos de licenciatura em geral são considerados populares, com uma baixa concorrência nos processos seletivos, pouca valorização das carreiras, baixos salários e poucas oportunidades de emprego em postos de trabalho considerados de alto prestígio. Por sua vez, Célio da Cunha (2012) ressalta a histórica omissão do poder público brasileiro, com pouco investimento na educação, o que tem refletido na desvalorização do preparo para o magistério na educação básica e na pouca priorização curricular com relação à prática de ensino – apesar dos esforços de reconstrução da política educacional verificados em tempos mais recentes. Para o autor, há um círculo vicioso de desvalorização social da profissão de professor da educação básica, num contexto de “não priorização das licenciaturas pelas

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universidades” (CUNHA, Célio da, 2012, p. 3) que precisa ser rompido com coragem política e mudanças na política educacional. Tal é o quadro que se confirma com os relatos das professoras que, apesar dessas e outras dificuldades, consideram-se educadoras e não professoras conteudistas. Elas se percebem em busca constante do equilíbrio entre conteúdos planejados e conteúdos que emergem durante a interação com os estudantes. Percebem-se a contribuir com eles para que desenvolvam aptidões para resolver problemas. A propósito, esta é uma opinião que dividiu as professoras. Duas delas declararam que tentam contribuir para o desenvolvimento dessa aptidão, levando experiências pessoais para as interações ou relatando experiências docentes, principalmente, nas oportunidades de desenvolver os assuntos do estágio supervisionado: Na turma de estágio eu tenho sempre que levar minhas experiências de sala de aula. Porque o estágio vale a pena e como tem muitas meninas [alunas] que já lecionam, isto é um prato cheio. “Você que estava na escola, como você faria isso? Aconteceu isso com você”. Então, no momento em que se faz o estágio o curso se torna muito prático; porque você conversa sobre o dia a dia com a maioria dos alunos na sala de aula. Eles querem isso. Como para mim é possível fazer isto para melhorar a minha relação com meus alunos, então... Caso o professor seja só professor de faculdade, para eles [os alunos], esse professor não tem muita coisa não! Quer saber se você já esteve lá, se passou pela oitava série, no ensino médio; se você fez isso, aproveitou tal coisa (P2).

No entanto, a mesma professora ressaltou que o estágio supervisionado é insuficiente na formação e, que, em geral, o curso não prepara o aluno para o magistério – o que resgata comentários anteriores sobre o desprestígio dos cursos de licenciatura: A preocupação é que não estejamos preparando para a licenciatura [o magistério]. Porque aqui num é só pesquisa! Se o aluno quer fazer pesquisa, aqui vai ter uma matéria para pesquisa. Mas não é pesquisa. O curso é de licenciatura! Nós não temos aqui metodologia do ensino na língua portuguesa, por exemplo. Se o aluno não tem, vai aprender como? O estágio é pouco, um tempo muito pequeno. Além da sala de aula, o aluno tem que ir lá para fora, por causa de seu estágio. Então, penso que nós não preparamos o aluno para ser professor! (...) Penso que isso é uma falha do nosso curso aqui. E não só aqui. Acho que todas as faculdades não preparam para a licenciatura. O aluno chega à sala de aula e não sabe o que faz (P2).

Outra participante relatou que ela não consegue contribuir diretamente para uma preparação melhor para viver num mundo agitado como o atual. Para ela, o

315

conteúdo seria uma coisa separada da questão de solução de problemas, com a qual o professor “vai ter que trabalhar” (P3). Afirmou que “enquanto professora” não consegue “de alguma maneira contribuir para isso”. Relatou que, no máximo, contribui para desenvolver espírito crítico, utilizando os conteúdos (matéria). Completou: “Eu tenho plena certeza que diretamente eu não estou fazendo isso”. Declarações assim parecem confirmar a tendência histórica do ensino de natureza acadêmica, desvinculado da prática, que vigora desde a colonização das terras brasileiras. Com efeito, para Romanelli (2003), a educação escolar brasileira evoluiu segundo padrões de uma cultura transplantada. Uma cultura a quem interessou construir uma escola “utilizada muito mais para fazer comunicados do que para fazer comunicação e este papel é desempenhado tanto mais eficazmente, quanto mais o que se pretende com a ação escolar é formar o espírito ilustrado, não o espírito criador” (ROMANELLI, 2003, p. 23). Já com relação ao desenvolvimento de metodologias que favoreçam o equilíbrio entre aspectos racionais e emocionais, ficou clara a relevância dada ao controle sobre a turma. As participantes informaram que conseguem equilibrar esses aspectos só se houver controle sobre a fala do estudante, acompanhado de algum distanciamento – o que imporia respeito. Necessário é saber em “que momento se brinca” (P2) com os alunos, afirmou uma professora. Ou “vocês têm toda a liberdade de perguntar o que quiserem sobre o conteúdo” (P1). Tal percepção remete para a profunda reflexão de Freire (2009) sobre o equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade, às vezes, rompido pelo autoritarismo e licença. Quanto às opiniões mais diretas a respeito da articulação entre os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, obteve-se que elas foram diferenciadas. Ao se referir à sua atuação e à dos colegas de curso, uma participante relatou que “a gente ainda está muito presa a essa coisa do conteúdo” (P1), enquanto matéria. Informou que não consegue avaliar os impactos dos conhecimentos sobre a mudança de comportamento dos alunos e como serão utilizados por estes. Outra participante explicou que busca articular diferentes tipos de conteúdo com a utilização de assuntos que leva para a sala de aula. De fato, durante observação na sala de aula verificou-se que: A professora cita exemplos que envolvem valores, interesses e atitudes relacionados com a família, leitura, aproximação do professor com os alunos, bem relacionados com a autoestima destes. Recorre ao modo

316

socrático de perguntas e à técnica do painel integrado, articulando conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (observação na sala de aula de P2).

De modo que, em parte, mas só em parte, algumas percepções e explicações compatibilizam com as definições do PPC. Por exemplo, naquele documento consta que o docente deve superar uma aprendizagem constituída por conteúdos estanques, e fragmentados, considerando o estudante como um sujeito histórico, com a superação do individualismo que tem marcado a sociedade capitalista. A última citação é exemplo de busca dessa superação.

3.4.4.2. Caso 2: Pedagogia

3.4.4.2.1. Alunos

Tal como constatado no curso de LL, os participantes se dividem entre perceber ou não alta carga de informações. Cabe ressaltar que, para um participante, os conteúdos (conceitos) se encontram em pouca quantidade. Para ele, haveria pouca matéria desenvolvida. Igualmente, dividem-se as opiniões quanto à contribuição dos professores no sentido de uma preparação para resolver problemas. Para um participante, poucos professores contribuem para isto, sendo aqueles que conseguem extrapolar conteúdos (conceitos) desenvolvidos. Em geral, ensinaram na educação básica. Portanto, por meio do relato de experiências de sala de aula demonstram ser possível chegar lá (ser um professor diferente): P – De maneira geral, você entende que os professores preparam os alunos para resolver problemas na vida? Ou, eles mais passam matéria, conteúdo? E como isso interfere na interação na sala de aula? R – Eu acho que aqui, de todos que já tive, acho que três professores fazem isso. Eu atribuo isso ao fato de eles terem sido professores, tiveram um tempo grande de 10 anos, mais de 10 anos, dando aula. O que eu percebo? Que um problema aqui no curso de Pedagogia é que existem muitos professores, que eles não, nem foram professores (...). Esses professores – e acho que dos três, o mais forte de todos é P4 – eles mostram que é possível! (...). Que é possível fazer um trabalho diferente! (A5).

Esta referência à atuação de P4, confirmada pelas observações diretas, bem como por relatos da própria professora – tanto individualmente como durante a entrevista para validar resultados –, desenha o que Freire (1987) denomina inédito

317

viável. O autor utiliza este termo para se referir ao nível de conscientização dos indivíduos obtido por meio da vinculação entre experiências singulares e outras mais amplas. Como afirma o autor, seria “ultrapassar a sua experiência existencial focalista, ganhando a consciência da totalidade” (FREIRE, 1987, p. 111). Desse modo, a atuação didático-pedagógica de P4 indica a concretização do inédito viável, pois ela denota o que Freire (1987) denomina ação editanda, o instrumento que viabiliza ao indivíduo atingir alto nível de conscientização. Para outro participante, os professores contribuem para que o alunado se expresse, reflita, seja realista, posicione-se, alargue a visão de mundo. Outro ainda afirmou que os professores do curso, de algum modo, preparam os estudantes para resolver problemas e viver num mundo agitado. No entanto, ressente-se de uma atuação mais focalizada no desenvolvimento dessa aptidão. Para outro, a maioria dos professores aborda assuntos que facilitam desenvolver essa aptidão, pois citam suas experiências de vida e profissionais. No entanto, tal abordagem fica sombreada pelo fato de que “existem muitos professores que se limitam a passar matéria” (A7), o que estaria a interferir na interação, algo contraditório para um curso como LP. Não na medida dos colegas do curso de LL, alguns emitiram opinião a respeito das habilidades dos professores refletidas em metodologias desenvolvidas na sala de aula para equilibrar aspectos racionais e emocionais.

Um

participante

declarou que alguns professores conseguem certo equilíbrio, mas haveria entre os docentes algum sentimento de ameaça com perguntas de discentes (não gostariam de ser criticados). Os exemplos de evidenciação desse equilíbrio foram escassos: Alguns professores fazem esse jogo para aproximar o aluno dele. Mas, não me recordo de ter vivido isso tão claramente. Poucos professores souberam lidar bem com isso no semestre inteiro. Houve uma professora em particular (...), toda a turma gostava muito dela porque ela fazia bem esse papel: a professora J., no terceiro semestre. Lembro ter sido a disciplina que mais 95 aprendi. As tendências , a gente pegou toda a bagagem teórica e ela trabalhou com a gente. Mas era muito especial; porque a gente terminou o semestre chorando, com saudade dela, porque ela realmente soube trabalhar, mexer não só no nosso intelectual, mas também no nosso lado afetivo (A6).

Para eles, em oportunidades diferentes, os professores articulam conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Para uns, a articulação seria mais presente entre aqueles professores que contribuem para capacitar a resolver problemas, pois,

95

Rerefe-se às tendências pedagógicas.

318

levando os estudantes a desafios, contribuem para mudar atitudes e para fazer com que aprendam o conteúdo ensinado. Para

outros,

determinados

professores

mencionam

fatos

negativos

(dificuldades), o que contribui para conscientizar a respeito da profissão.

Um

participante informou que os conteúdos conceituais desenvolvidos nas aulas seriam poucos, predominando os procedimentais e atitudinais. Para este, há professores incoerentes. Afirmou ainda que, por culpa dos que utilizam metodologias baseadas na educação tradicional, existem alunos que se comportam como alunos e não como futuros professores. Outro participante, ao comparar a Universidade com outras instituições, relatou que percebe entre os professores de uma e de outra um foco menor ou maior em conteúdos: Eu acho que eles [professores da outra universidade] não são muito focados no conteúdo. Pelo pouco que conversei com colegas que fazem o curso de Pedagogia em outras instituições, principalmente faculdades menores, percebi a diferença. Aqui na Universidade, o curso de Pedagogia está muito voltado para esse lado social e humano. Lá é aquele negócio mesmo do planejamento, de avaliação, de metodologias e aqui tem tudo isso, mas aqui o professor cutuca muito para você pensar esse lado humano. Isso eu acho muito forte aqui (A5).

Esta percepção corre a favor das orientações do PPC, segundo o qual os egressos do curso serão capazes de “pensar criticamente, analisar e se comprometer com a solução dos problemas da sociedade” (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 37), de modo a contribuir para transformar, e não reproduzir, por meio de uma atuação criativa e ética. O que contribuiria, conforme configura este relato em conjunto com outros, para a postura sociocentrada do estudante, preocupado com o cumprimento de uma função social do professor que se envolve na formação humana. Quanto ao estágio supervisionado, existe entre os participantes a percepção de que ele se constitui num importante mecanismo da formação inicial. Seja para compensar a baixa prioridade dos currículos quanto à prática do ensino percebida:

319

O estágio é o momento em que a gente se constrói como professor. Depois de três anos de curso, começar a se ver como professor. A maior parte do tempo de curso nós nos vemos como aluno, mas com o estágio, vemo-nos na prática. Não olhar para o estágio como um momento penoso, mas de construção (A6, durante observação direta de aula de P5).

Seja como oportunidade para exercitar a função social do professor: Tenho cinquenta alunos infratores. Histórias péssimas. Para eles, a escola são degraus, sobem-se cinco e se descem quatro. O educador não pode deixar aquela chama se apagar, senão o menino... [não se socializa]. E o professor não estará cumprindo a função social que lhe cabe cumprir (aluna M., não participante da pesquisa, durante observação do pesquisador na aula de P5).

Ou, ainda, como oportunidade para associar ensino, pesquisa e extensão: Para quem não teve essa experiência, o estágio é ótimo. Vivemos ali os três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Nele não estamos sozinhos, mas acolhidos por nossas vivências, nossa sociedade, nossa prática, nossas vidas como estudantes. Experiência que a gente deve levar (aluna M., não participante da pesquisa, durante observação do pesquisador na aula de P5).

3.4.4.2.2. Professoras

Certa consciência de que não é o conteúdo (informação) que fica no graduando e certa percepção de que buscam equilibrar informação e formação: isto é o que ficou evidenciado pelos relatos das professoras do curso de LP. Assim como ficou claro que estão preocupadas em contribuir com o desenvolvimento de aptidões para resolver problemas. Uma participante mostrou-se preocupada em contribuir para a maior autonomia dos estudantes, que eles entendam, relacionem-se, intervenham e sobrevivam num mundo em permanente mudança. Outra participante mostrou-se desconfiada com a possibilidade de se realizar avaliações da efetiva contribuição para desenvolver tais aptidões (para ela, provavelmente o estágio supervisionado possa contribuir para avaliar). Já outra deixou claro que aquelas preocupação e avaliação fazem-se presentes no dia a dia da prática didáticopedagógica. Quanto ao uso de metodologias que auxiliem a equilibrar razão e emoção, as opiniões são diferentes. Uma participante assumiu que não possui estratégia definida. Duas outras, sim, mencionaram como resolvem situações em que o equilíbrio se faz exigir à sua prática: uma delas prioriza ao aluno um atendimento mais próximo para compreendê-lo melhor como pessoa, porém mantendo certo

320

distanciamento dele; a outra busca utilizar metodologias que estuda há mais de dez anos. Para esta, a escuta é importante, isto é, “a compreensão do sujeito como aprendente e como ensinante” (P6), sendo necessário desenvolver e aprimorar dimensões políticas e emocionais no contexto da relação aluno-professor. Desse modo, a capacidade de escutar, portanto, remetendo para uma dimensão mais social da prática educativa, emergiu como aspecto importante para as professoras. Cada uma a seu modo, as professoras articulam os diversos conteúdos. Uma delas aproveita crises (conflitos na sala de aula). Uma segunda aproveita situações do dia a dia para interagir com os estudantes, levando-os a parar e refletir, colocarse no lugar do outro – vincular teoria com prática. Uma terceira aproveita questões que surgem nas mídias e que sejam relacionadas à educação – busca aproximar teoria e prática. Declarou-se que “conteúdo de verdade é o que mobiliza o aluno. Falar muito não é conteúdo, é pseudoconteúdo! Porque conteúdo é o que tem significado!” (P6). Nesta declaração está evidente a preocupação em construir um diálogo que, em termos freireanos, implica num pensar crítico, o qual, num retorno dialético, é capaz de gerá-lo. Este diálogo inicia não na situação pedagógica, mas antes, quando o educador se pergunta a respeito do conteúdo do diálogo que será estabelecido. O foco deixa de ser o conteúdo programático da educação para ser o conteúdo do diálogo (FREIRE, 1987). Deixa de ser, por exemplo, a preocupação em atribuir nota de prova. Neste aspecto, cabe destacar a preocupação de uma professora, relacionada com a ênfase dada pelos estudantes à nota de prova e não ao aprendizado para a vida: Então, quando você se dá conta, o aluno entrou na Universidade com boa vontade: “quero estudar”. Estudar, em princípio, é fácil. Pegar e ler um conteúdo, e decorar e passar de ano. Ter uma boa nota. Só que na universidade as coisas não são bem assim. Primeiro, que o motivo não pode ser boa nota, nota. Nunca deve ser. Para muitos ainda é. Até trabalho um texto que fala a respeito da droga do ponto. Que a gente cultiva nota, nota, nota e, se num tiver nota, num vai valer nada. E a experiência? O processo? Onde ficam? Então, quando falo de sala de aula, de aprendizado, falo de possibilitar e levar esse aprendizado pra vida! (P5).

Outra professora, para quem a nota de prova é uma barreira na relação professor-aluno, referiu-se à formação para a integralidade humana. Perguntada

321

sobre as maiores dificuldades para construir a educação capaz de contribuir efetivamente para esta formação, ela respondeu: São duas coisas, penso: a dificuldade diante dessas grades que o currículo, que a escola, que a universidade coloca é uma e, mais importante, a nossa falta de coragem de enfrentar isso (P6).

E, assim, arremata a professora: “As pessoas ficam lá te enchendo a cabeça de conteúdo! E fica tudo esvaziado de sentido” (P6). Em igual perspectiva se desenvolveu a fala de P5 durante aula em que se realizaram observações: “A escola exige, mas será que ela cumpre o papel que lhe compete? A escola deve ser um lugar agradável, gostoso e não um lugar onde as pessoas se sentem presas”. Como se constata, em geral, as percepções compatibilizam com as orientações do PPC, segundo o qual os professores que compõem o quadro do curso devem ser capazes de utilizar permanentemente o diálogo para mediar o processo de aprendizagem, “produzindo com os estudantes conhecimentos voltados para uma atuação crítica e propositiva em relação às demandas e necessidades da sociedade” (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 39).

3.4.5. Vinculações causais entre sistemas e experiências sociais

As identificações mencionadas estiveram relacionadas com processos educacionais enquanto sistemas compostos por sistemas relativamente autônomos, com estratégias formativas dos cursos pesquisados e com articulações entre aspectos informativos e formativos da educação. Tais identificações possibilitaram concluir sobre possíveis vinculações causais existentes entre experiências sociais e aqueles sistemas (DUBET, 1994) no escopo das articulações entre informar-formar, justamente porque estas se constituem na estratégia formativa escolhida pela instituição onde ocorreu a pesquisa. Conforme

definições

teóricas,

experiências

sociais

inscrevem-se

na

objetividade de sistemas (DUBET, 1994), com lógicas de ação fornecidas pelos sistemas de integração, interdependência e de ação histórico. De modo que os processos de socialização, jogo e dialético, situados no intercurso das lógicas de ação e sistemas, foram compreendidos nesta pesquisa como locus de condutas interessantes a serem analisadas.

322

Os cursos proclamam que a educação bancária (FREIRE, 1987) não será priorizada na formação. Porém, identificaram-se situações em que a informação predomina sobre a formação. Identificou-se um sistema cuja primeira norma é a da articulação entre aspectos informativos e formativos, sendo que, na prática, esta norma sofre interferências. Neste sistema, a socialização ocorre em meio à atuação didático-pedagógica em que o professor alterna a transmissão de experiências pessoais/profissionais aos estudantes (valorizada por aqueles, aceita por estes) com a preocupação de manter certo distanciamento alunos-professores (valorizado por estes). Esta socialização vincula ação a sistema por meio de determinadas condutas e percepções dos estudantes, manifestadas, por exemplo, no que eles evidenciaram como insuficiência de informações significativas. Da parte das professoras, vincula condutas fundadas na ideia de professor que educa, não limitado a passar conteúdos, mas capazes de contribuir para que os estudantes se capacitem a enfrentar problemas reais. Os cursos também proclamam o oferecimento de inúmeras oportunidades de formação, para além do magistério. No entanto, frequentemente, o foco das preocupações dos participantes esteve na atuação docente, sendo estudantes que entendem haver sobrecarga de conteúdos e outros sem assim entender. Verificouse que, apesar de críticos, na maior parte do tempo, estudantes assumem postura passiva em meio à avalancha de informações a circular enquanto se operacionaliza o processo educacional. Entre as professoras, há uma preocupação em contribuir para que os estudantes desenvolvam autonomia. Por último, os cursos proclamam que o protagonismo do estudante relacionado com a sua formação continuada é levado em conta. No entanto, o sistema avaliativo, inserido na escola que prioriza o cognitivo encontra-se presente nos processos de construção de identidades. Assim, estudantes até aceitam sugestões de professores sobre como resolver situações problemáticas, mas não concordam com a forma como aquelas são dadas – consideram que há um excesso de informações, sem participação satisfatória dos estudantes. Da parte das professoras, há o entendimento de que a perenidade da formação está na articulação entre aspectos informativos e formativos da educação – como está preconizado nas estratégias formativas da instituição. No entanto,

323

criticam a debilidade da estrutura social, que desfavoreceria a realização de um trabalho com ênfase nesta articulação. Criticam ainda a fragilidade da base conceitual dos estudantes, que adviria da educação básica. Neste contexto, idealizam (e executam) certo afastamento dos estudantes, a que denominam distanciamento mínimo, pois entendem que isto proporciona mais respeito por parte dos estudantes e contribui para afastar a ideia de professora boazinha. Desse modo, tomadas estas constatações e, com base na sociologia da experiência (DUBET, 1994), chega-se a três tipos de vinculações entre experiências sociais (vinculadas à articulação entre informar-formar) e os sistemas presentes no processo educacional: 1) os processos de socialização ocorrem em meio à atuação didático-pedagógica que alterna transmissão de experiências pessoais/profissionais aos estudantes (valorizado por estes) e a ideia de distanciamento mínimo (valorizado por professores); 2) os processos de escolhas ocorrem em meio a preocupações dos participantes com a atuação docente. Para alguns estudantes, há sobrecarga de conteúdos; para outros, não. Apesar de críticos, os estudantes se mantêm passivos em meio à enorme quantidade de informações a circular no processo educacional. Entre as professoras, há uma preocupação em contribuir para que os estudantes desenvolvam autonomia; 3) os processos dialéticos ocorrem em meio à aceitação de estudantes de sugestões de professores sobre como resolver problemas. No entanto, discordam da forma como são dadas. Para eles, há excesso de informações, sem participação satisfatória nas aulas. Entre as professoras, há o entendimento de que informação que fica no aluno é a que se articula com a formação. No entanto, elas criticam a debilidade da estrutura social, pouco favorável a um trabalho mais focalizado nesta articulação. Criticam ainda a fragilidade da base conceitual dos estudantes.

3.4.6. Conclusões Os esquemas a seguir sintetizam informações das seções precedentes (ver Fig. 18 a 20 e Quadros 26 a 28). A comparação entre o discurso institucional e o discurso dos participantes evidenciou as diferenças entre o proclamado pela

324

Universidade pesquisada e o praticado nos cursos enquanto ocorrem as interações sociais entre estudantes e professores, conforme vivências relatadas e situações observadas. As comparações no âmbito da articulação informar-formar evidenciaram certas vinculações causais entre sistemas que compõem os processos educacionais e as experiências sociais. Desse modo, cumpriram-se os objetivos de verificar a existência de articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula e verificar como ocorrem os processos de sua construção. Os resultados alcançados com foco nestes objetivos foram utilizados na discussão do corpus da pesquisa, momento em que se verificou em que medida aquela articulação tem contribuído para a interação das experiências sociais dos participantes e em que medida esta interação atende aos quatro pilares da educação para o século XXI (Seção 4.1). Cabe lembrar que a presença e não a frequência desses temas serviu para efeito de enumeração (BARDIN, 2009).

3.4.6.1. Discurso institucional

No Brasil, os cursos de graduação são reconhecidos pelo Ministério da Educação. Segundo a legislação pertinente, o pedido de autorização de curso deve ser instruído, dentre outros, pelo Projeto Pedagógico de Curso (BRASIL, 2006b). Para além da determinação legal, trechos dos PPCs analisados evidenciaram a importância atribuída a estes, pelos seus elaboradores, como um canal para proclamar intenções e orientar a vida acadêmica. Os compromissos são admitidos como a própria existência dos cursos. Neste sentido, explicitam: Tomamos o espaço deste Projeto Pedagógico como forma de nos apropriarmos da Instituição e nos comprometermos e responsabilizarmos pela prática que aqui desenvolvemos, fazendo nascer e re-nascer projetos, sonhos e utopias, liberando diferentes vozes que se cristalizaram no cotidiano (PPC LETRAS, 2010, p. 12). O Projeto Pedagógico de um curso é a declaração de sua intencionalidade político-pedagógica e das estratégias do processo de orientação da aprendizagem. Essa declaração é fruto da tensão dialética entre o que existe efetivamente e aquilo que se deseja. O Projeto Pedagógico, então, é anúncio que admite o que já existe e vislumbra, a partir do existente, um caminho a seguir (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 1).

325

Com efeito, como destacam Lombardo e Ranali (1999), o PPC é um documento fundamental, norteador das diversas funções e atividades da IES. Ele expressa os principais parâmetros para os processos educacionais, isto é, o que se delineia como comprometimento da instituição com a ação educativa. No caso desta pesquisa, os compromissos assumidos pelos cursos pesquisados encontram-se distribuídos ao longo dos documentos. Entretanto, identificaram-se

linhas

centrais

das

propostas

pedagógicas,

passíveis

de

visualização segundo perspectivas comuns aos cursos. Neste sentido, o discurso institucional implícito às diversas definições e orientações dos documentos analisados evidenciou-se ser o da articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, o que, conforme pôde ser constatado, favoreceria a interação social entre estudantes e entre estes e seus professores, bem como serviria como estratégia geral da formação dos estudantes (ver Fig. 18). Este discurso é ratificado com ênfase pelos PPCs. Ficou caracterizado que existe a intenção de priorizar essa articulação, conforme evidencia o PPC do curso de LL: Podemos dizer, pois, que o objetivo maior deste Projeto é contribuir para a formação de professores que tenham uma compreensão complexa e abrangente das modificações que as tecnologias de linguagem trazem e, consequentemente, uma posição crítica referente à escrita e ao escrito, impresso e digital; e que possam ser exemplo de postura ética com aqueles com quem travarão contato no mundo profissional, seja em sala de aula, em laboratórios de pesquisa, ou em quaisquer outras atividades profissionais em que se estabeleçam (PPC LETRAS, 2010, p. 22).

E o PPC do curso de LP:

O estudante de pedagogia precisa de menos aulas (o conceito de aula aqui considerado é o da perspectiva instrucionista, da audição conteudista, passiva e descomprometida) e mais universidade – esse é o compromisso central desta proposta pedagógica (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 4).

326

Figura 18 – Processos educacionais: sistemas e formação.

Processos educacionais enquanto sistemas Letras Os elaboradores têm uma visão sistêmica do processo educacional, inscrito na complexa teia de relações sociais que caracteriza uma instituição de ensino. Consideram que comportamentos e atitudes de estudantes e professores localizam-se numa estrutura composta por valores e interesses, visando à formação integral de uns e de outros. Admitem-se lógicas de ação que impulsionam condutas favoráveis à realização de pesquisas (por exemplo).

Pedagogia Os elaboradores têm uma visão sistêmica do processo educacional marcado pela diversidade de perfis dos envolvidos. Consideram que condutas de estudantes e professores se situam numa estrutura que exige capacidade de articulação entre valores e interesses (por parte do professor, que deve adquirir visão mais alargada de mundo e ser exemplo aos estudantes). Admitem-se lógicas de ação que precisam ser articuladas, no que a pesquisa auxilia.

Cada um a seu modo, os cursos visam à articulação entre os aspectos informativos e os formativos da educação.

Estratégias formativas Letras As intenções do curso apontam para formar um profissional que atue no magistério, sendo capaz de promover transformações sem meramente reproduzir, mover-se com competência num mundo altamente tecnológico, perceber aspectos da subjetividade presentes no processo educacional, contribuir para reduzir desigualdades presentes numa sociedade que é, cada vez mais, desigual. Um profissional capaz de associar teoria e prática e de conseguir, diante de tudo isso, desenvolver outras atividades educativas além do magistério.

Fonte: elaboração do autor.

Pedagogia Propostas formativas capazes de preparar o estudante para a solução de problemas da sociedade a partir de uma visão global dos saberes proporcionados pela universidade, sendo capaz de lidar com as diferenças, convergências e contradições típicas dos processos educacionais. Uma formação que considera a articulação entre o ensino e a pesquisa e o protagonismo do estudante em relação à sua formação continuada. No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura (BRASIL, 2005), o curso tem como objetivo tornar o estudante apto para atuar com ética, visando à construção de uma sociedade mais justa; a atuar com crianças, respeitando as diferentes fases de seu desenvolvimento; a investigar cientificamente e a gerir instituições.

327

No entanto, considere-se a possibilidade de distância entre intenção e realidade. O que é proclamado terá valor e legitimidade quanto mais o que é praticado o confirmar (TEIXEIRA, 1962). Neste sentido, os esquemas a seguir mostram-se oportunos. Com eles tornou-se possível distinguir claramente entre o que proclamam os PPCs, o que dizem os participantes e o que se concluiu – considerando também as observações realizadas nas salas de aula. 3.4.6.2. Discurso dos participantes Conforme se verifica, a partir do esquema apresentado (Quadro 26), o recurso de narrar experiências pessoais e profissionais na sala de aula tem sido percebido pelos estudantes como uma contribuição para amadurecer, para se preparar para a vida, enfim, para resolver problemas. Seria, conforme constatado nas entrevistas e observações, contributo para a articulação informar-formar. De fato, as narrativas de experiências pessoais e profissionais constituem-se em oportunidade dessa articulação. Conforme se verificou, elas promovem a maior aproximação entre conhecimentos teórico-práticos e desenvolvimento humano, não restringindo a formação à construção de conhecimentos, contribuindo para que os estudantes encontrem sentido para diversas ações que desenvolvem seja no ambiente da Universidade ou fora dele. Esse é um recurso capaz de contribuir para a reflexão crítica sobre a prática docente e, se utilizado na formação inicial de professores, favorecerá tanto os professores formadores como os professores em formação. Conforme Freire (2009), o movimento dialético entre o fazer e o pensar a respeito do fazer caracteriza a prática docente crítica. Mas, alerta o autor, isto ocorrerá se educador e educando estiverem em comunhão. Com relação à formação inicial: (...) É fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias dos professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador (FREIRE, 2009, p. 39).

E quanto à formação permanente, explica que:

328

(...) o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática (FREIRE, 2009, p. 39).

Quadro 26 – Articulação entre informação e formação: estudantes. Aspectos

Convergências e divergências

Informativos da educação

Convergências: Não identificados pontos em comum. Divergências: Os alunos estão divididos: para uns, não há sobrecarga de informações; para outros, sim. Alunos do curso de LL preferiram apontar causas da sobrecarga de informações: seria em função do uso excessivo da metodologia expositiva, inclusive, prejudicando a melhor interação com os alunos (levando-os à passividade). Dentre os alunos do curso de LP, um se ressente da pouca quantidade de conteúdos desenvolvidos pelos professores.

Formativos da educação

Convergências: A narrativa de experiências emergiu como forma de desenvolver habilidades para resolver problemas (confirmado pelas professoras), embora haja professores que restrinjam a atuação ao desenvolvimento de conceitos. Divergências: No curso de LL, os professores que contribuem para desenvolver habilidades para resolver problemas narram experiências de vida. No de LP, contribuem ao narrar experiências de vida e experiências profissionais, levando os alunos a se expressar, a refletir, a posicionar-se, a alargar a visão de mundo, sendo mais entre aqueles professores que ensinaram na educação básica.

Articulação entre informação e formação

Convergências: Narrativas de experiências pessoais e profissionais. Divergências: Para os alunos do curso de LL, a maioria dos professores do curso ainda se limita a transmitir conteúdos (conceitos), havendo entre eles professores que priorizam explicações, construção de conhecimentos, sem desenvolver dinâmicas que proporcionem maior espontaneidade às aulas. Os professores que não se limitam a desenvolver conteúdos conceituais o fazem por meio de conselhos de vida, dicas para o trabalho e alertas para questões práticas. Para os alunos do curso de LP, os professores contribuem para desenvolver habilidades para resolver problemas porque articulam conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais – ajudam a mudar atitudes dos alunos e a aprender a matéria ensinada, pois levam os alunos a se sentirem desafiados. Para alguns, certos professores mencionam fatos negativos da profissão, o que contribui para conscientizar os alunos a respeito do ofício de professor. Enquanto para os alunos do curso de LL os professores equilibram aspectos racionais e emocionais, pois brincam, criam amizades, fazem rir (despertam para o assunto explicado), entre os alunos do curso de LP esse equilíbrio não atinge a maioria dos professores, pois alguns poderiam sentir-se ameaçados por perguntas de alunos (segundo estudantes, talvez, porque não gostem de críticas ao seu discurso).

Fonte: elaboração do autor.

329

Alerta também para que o educador conheça as diferentes dimensões que dão cores à prática, sabendo que a educabilidade do ser humano radica na inconclusão do ser humano que passou a ser consciente. O autor chama a atenção para que o aprendiz não seja transformado em “puro paciente da transferência do conhecimento feita pelo educador” (p. 69). Na verdade, quaisquer recursos utilizados pelo professor em seu trabalho como mediador, dentre eles, narrativas de experiências pessoais e profissionais, precisam favorecer a definição de projetos pessoais dos alunos. Lembra Perrenoud (2000) que nem todos os indivíduos possuem igual capacidade de elaborar e executar projetos, ato que se vincula ao poder exercido pelos outros sobre a vida deles, daí porque “os grupos dominados têm poucos recursos para formar projetos” (p. 77). O que remete para o cuidado com aulas expositivas, que podem assumir-se como exposição dogmática (sem contestação pelos ouvintes) ou dialogada (com contestação, pesquisa e discussão) (HAIDT, 1994). Com efeito, para Libâneo (1994), a construção de conceitos promovida pela ação didático-pedagógica favorável à emancipação necessita articular-se com as representações dos alunos. A diferença entre os cursos pesquisados está em que, enquanto no curso de LL parece que aquelas narrativas se espalham durante as aulas expositivas, às vezes desagradando aos estudantes pela quantidade de informações (como afirmado por eles), no outro curso elas têm sido percebidas pelos participantes como oportunidade aos estudantes de se expressar, refletir e se posicionar. Segundo disseram, leva-os a ampliar horizontes. Para alguns, experiências de professores que atuaram na educação básica são mais efetivas na formação. De todo modo, se essa prática de narrar experiências, comprovadas pelos relatos de estudantes e confirmada pelas professoras, pode indicar a preocupação, por parte dos professores, de fazer valer as orientações dos PPCs quanto a promover uma aproximação entre teoria e prática, por outro lado, pode indicar esforço docente adicional: 1) no curso de LL, para suprir necessidades de um curso que pouco prepara os estudantes para a prática docente; 2) no curso de LP, para suprir carências percebidas no desenvolvimento do estágio supervisionado. Já com relação às professoras, como se verifica no esquema apresentado (Quadro 27), destaca-se a ideia de distanciamento mínimo dos estudantes.

330

Quadro 27 – Articulação entre informação e formação: professoras.

Aspectos informativos

Convergências: Não identificadas. Divergências: No curso de LL, o foco principal de atenção para o assunto esteve na atuação dos estudantes. No curso de LP, o foco principal esteve na atuação dos próprios professores. As professoras do curso de LL entendem que os alunos se irritam com a busca dessa articulação, que seria pouco favorecida em função das configurações decorrentes da estrutura social. O aluno teria uma base conceitual frágil e a educação básica seria focalizada na informação, sem aprofundar. Como consequência, professores se restringem a passar conteúdo. No entanto, percebem-se como educadoras, e não somente como professoras conteudistas. As professoras do curso de LP entendem que a perenidade da formação dos alunos está no equilíbrio entre informar e formar, e não só nos aspectos informativos da educação, sendo que algumas professoras se percebem capazes de articular essas duas dimensões da educação.

Aspectos formativos

Convergências: Não identificadas. Divergências: No curso de LL, as professoras declararam contribuir para que os alunos desenvolvam capacidade de resolver problemas com a menção a experiências pessoais. Uma professora declarou que não consegue contribuir para isso: haveria uma desvinculação entre transmitir conteúdos e atuação voltada para desenvolver aquela capacidade. Uma professora informou que o curso não prepara o aluno para ser professor. No curso de LP, opiniões de que contribuem para desenvolver aptidões para resolver problemas. Uma professora declarou-se preocupada em contribuir para a maior autonomia do aluno, que ele entenda conteúdos, relacione-se, intervenha e sobreviva num mundo em mudança.

Articulação

Convergências e divergências

Convergências: As professoras se afinam a partir da ideia de distanciamento mínimo do aluno. Divergências: No curso de LL, a articulação se situa no âmbito dos assuntos que constam no PE. A percepção de uma participante é de que os professores do curso ainda estão muito presos aos conteúdos, enquanto matéria – não saberia dizer qual o impacto dos conhecimentos sobre a mudança de comportamento dos alunos e como são utilizados por eles. Conforme outra participante daquele curso, o conteúdo restringe-se à matéria, não sendo possível aproveitar oportunidades que surgem na sala de aula para articular os diversos tipos de conteúdos. No curso de LP, percepção de que articulam diversos conteúdos, seja aproveitando crises (conflitos na sala de aula) ou outras situações do dia a dia para promover reflexões, exercícios de empatia com foco na vinculação entre teoria e prática ou, ainda, aproveitando questões advindas de mídias relacionadas com a educação. Conforme declararam, o estágio supervisionado poderia ser aproveitado melhor. Para as professoras do curso de LL, o controle sobre os alunos é condição sine qua non para equilibrar razão e emoção durante a interação entre alunos e professores. Para as professoras do curso de LP, tal equilíbrio será proporcionado por um atendimento mais próximo aos alunos e pelo desenvolvimento de metodologias adquiridas com a formação continuada deles, professores. No curso de LL, a ideia de distanciamento mínimo é para manter respeito do aluno para o professor. No de LP, essa ideia é para que o aluno não interprete a maior aproximação do professor como relação de proteção (ser boazinha).

Fonte: elaboração do autor.

331

Tal percepção é passível de abordagem a partir da reflexão de Freire (2009) sobre o equilíbrio entre autoridade e liberdade, que, às vezes, é rompido pelo autoritarismo e licença. Seja para serem respeitadas pelos estudantes ou para não serem confundidas como professoras boazinhas, manter distanciamento mínimo remete para a explicação freireana sobre o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre essas quatro dimensões das relações de poder presentes no processo educacional. O respeito (por parte dos estudantes, que precisariam ter sua fala controlada) a que as professoras se referem parece correr o risco de oscilar entre formas autoritárias e formas licenciosas, frutos de um passado autoritário da história do povo brasileiro. Corre o risco de não se constituir no respeito mútuo necessário às práticas disciplinares favoráveis “à vocação para o ser mais”, conforme Freire (2009, p. 89). Para o autor, devem-se experimentar tensões entre autoridade e liberdade, a ocorrerem em favor da produção de situações dialógicas.

3.4.6.3. Informar e formar: entre o proclamado e o praticado

A organização dos discursos (institucional e dos participantes), conforme apresentam as seções anteriores, possibilitou um cotejo, em grandes linhas, de alguns aspectos da articulação entre informação e formação, o que favoreceu a comparação entre o proclamado nos documentos institucionais da Universidade pesquisada, o percebido pelos participantes e o praticado, conforme análises dos dados (Quadro 28). Com estas comparações, redesenha-se o quadro explicativo sobre o distanciamento entre discurso e prática – agora considerando a articulação entre informar-formar –, com possibilidade de análise conforme os conceitos elaborados por Brunsson (2007) e Teixeira (1962). Estes autores já referenciaram, neste trabalho, análises das lógicas de ação utilizadas por estudantes e professores no contexto de uma Universidade que, seguindo a pauta da expansão da educação superior em escala mundial, lida com um vasto contingente de estudantes-trabalhadores e trabalhadores-estudantes.

332

Quadro 28 – Articulação entre informação e formação: proclamado e praticado. Aspectos

Articulação entre informação e formação.

O que é proclamado: discurso institucional Não se priorizará a educação bancária, mas o diálogo (LL, LP).

Capacidade para resolver problemas.

Os egressos serão capazes de pensar criticamente, analisar e se comprometer com a solução dos problemas da sociedade (LP).

Equilíbrio entre aspectos emocionais e racionais do processo educacional.

O curso considera que a aprendizagem exige do estudante o estímulo e o desenvolvimen to da arte do pensar, do sentir e do agir (LL). A discussão teórica deriva e sustenta-se nas práticas, oferecendo maior consistência e rigor ao estudo da Pedagogia (LP).

Teoria e Prática.

O que é percebido: relatos dos participantes Estudantes Professoras Excesso de falas dos professores, sem contribuir para a interação, podendo causar sofrimento (LL). Sem excesso de falas, por parte dos professores, mas às vezes, há poucos conteúdos (LP). Professores contribuem para desenvolver ou aprimorar a capacidade de resolver problemas, sendo mais entre os de gramática (LL) e entre os que ensinaram na educação básica (LP). Professores utilizam metodologias que ajudam a equilibrar aspectos racionais e emocionais (LL). Idem, mas com receio de críticas à atuação e à fala (LP).

O curso separa a teoria da prática (LL).

Consciência de que não é o conteúdo (informação) que fica nos alunos. Entendem que buscam equilibrar informação e formação (LP).

Contribuem com os estudantes para que estes desenvolvam aptidões para resolver problemas. Narram experiências pessoais ou docentes na sala de aula (LL). Contribuem para desenvolver aptidões para resolver problemas (LP). Conseguem equilibrar aspectos racionais e emocionais se houver controle sobre a fala do aluno, acompanhado de algum distanciamento (LL). Utilizando estratégias diferenciadas, buscam esse equilíbrio. Foco na escuta ativa do aluno (LP). Cada uma a seu modo, articula os tipos de conteúdos (LP).

O que é praticado: conclusões parciais da pesquisa Excesso de informações, conforme observações, em geral por meio de aula expositiva. Imobilidade de estudantes, a escutar exposições (LL). Entre os participantes, o desejo de ver presentes conteúdos mais significativos (LP). Parte dos professores contribui (LL, LP). Narram experiências que contribuem para aprimorar ou desenvolver essa capacidade (LP).

Parte dos professores realiza esse equilíbrio (LL).

Menor (LL) ou maior (LP) presença de articulação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (LL).

Fonte: elaboração do autor. Especialmente com relação ao primeiro daqueles autores, as análises possibilitaram identificar que, distante da ideia de uma Universidade capaz de unir e

333

coordenar, recorrendo a decisões e ações efetivadas por meio de seus membros, isto é, capaz de falar através de seus integrantes, está uma instituição que lida cotidianamente com incongruências destes membros. Estes não são capazes de controlar plenamente suas próprias ações o tempo todo, como pressupõe a Universidade enquanto organização. Ao invés, encontram-se mergulhados no discurso institucional, conscientes de que aquilo que se proclama em parte não se pratica. Já com base no segundo daqueles autores, suspeita-se que remanescem resquícios da importação de modelos culturais, os produtos acabados da cultura europeia, como lembra Romanelli (2003). Avizinha-se o risco de institucionalizar-se a transmissão de saberes em lugar da transformação. Num processo dialético, poder-se-ia aprofundar a dicotomia entre valores proclamados e valores praticados. Por fim, com base nos autores mencionados, analisou-se o distanciamento entre o discurso da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão e a prática na Universidade. Concluiu-se pela persistência de um ensino-pêndulo (do conteudismo à formação para a integralidade humana), de uma pesquisa-margem (excluída do processo educacional desenvolvido na sala de aula) e de uma extensão-ausência (pouco presente no dia a dia dos estudantes). Estas recapitulações remetem para a importante relação identificada pela pesquisa:

a

relação

entre

a

estratégia

formativa

dos

cursos

(articular

informar/formar) e a hipocrisia organizacional (BRUNSSON, 2007). Esta se evidencia no distanciamento entre o discurso do não à educação bancária/sim ao diálogo e a prática da transmissão excessiva de informações, em geral, por meio de aulas

expositivas.

Evidencia-se

no

distanciamento

entre

o

discurso

do

estímulo/desenvolvimento da arte do pensar, sentir e agir e a prática do controle da fala do estudante, acompanhado de distanciamento mínimo. Por fim, mostra-se presente no distanciamento entre o discurso que prioriza a articulação entre teoria/prática e as dificuldades de articular conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Tal cenário confirma Teixeira (1962), que, já na década de 60 do século passado, afirmava que a educação brasileira estaria ancorada em dois conceitos errôneos, superados então há mais de um século pelos países desenvolvidos: a educação-bem-em-si-mesma e a educação fruição e lazer. Isto é, a educação em

334

seu caráter mágico, como possibilidade de ser colocada em prática sem considerar o minimum minimorum – como recursos materiais, planejamento econômico e financeiro e formação de professores – e a educação como processo de passar o aluno automaticamente para a chamada classe média e ao exercício de ocupações leves. Para o autor, estes conceitos estariam a levar a política educacional brasileira a elaborar e a praticar racionalizações que, por sua vez, levariam a um dia a dia da escola permeado pela substituição dos valores proclamados pelos valores reais96. O que a pesquisa identificou? Que o desequilíbrio entre aspectos informativos e formativos da educação, com a balança pendendo mais para a transmissão de informações, parece fortalecer a ideia de educação que se presta a endeusar a escola, e particularmente a universidade, porque admite a educação como um bem em si, sem considerar o mínimo dos mínimos para por em prática processos formativos compatíveis com a quantidade imensa de informações no mundo atual. Por ser detentora de informações acumuladas numa escala vertiginosa, a universidade corre o risco de voltar-se para o próprio umbigo, esquecendo-se que o mundo muda. Como afirma Teixeira (1962, p. 12), “já não nos convém qualquer educação dada de qualquer modo. Deste tipo de educação [com caráter de bem absoluto] já é a que recebemos em casa e pelo rádio e pelo cinema”. Quase como profecia, essas teorizações se renovam de modo estrondoso, haja vista os contextos de globalização e expansão da educação superior em escala mundial, impulsionada pelas tecnologias que avançam em velocidade supersônica. Identificou ainda a pesquisa que a dificuldade de articular os diversos conteúdos, enquanto se desenvolve o processo educacional, parece fortalecer a ideia de educação que se presta a levar automaticamente o estudante a um nível social mais elevado e à condição de trabalhador que exerce ocupações mais leves, sem envolver-se na produção. Por situar-se numa tal fragmentação de conteúdos e ações, no contexto de um mundo que se lança em movimentos centrífugos, a Universidade encontra dificuldade de ancorar sentidos na institucionalidade a que se propôs concretizar – pelo menos no nível dos cursos pesquisados e consideradas as limitações da pesquisa.

96

O autor referenciado concorda que a educação deve ter um caráter mágico, devendo ser deixada livre, mas discorda que essa educação de caráter mágico deva ser sancionada em lei, isto é, ser sancionada em políticas educacionais.

335

3.4.6.4. Vinculações causais sistemas-condutas

As informações relacionadas com processos educacionais, enquanto sistemas relativamente autônomos, bem como com estratégias formativas e percepções sobre a articulação informar-formar, possibilitaram compor figuras representativas de importantes vinculações causais entre experiências sociais e sistemas (ver Fig. 19 e 20).

Tais vinculações estiveram voltadas para aquela

articulação, intenção de fundo das estratégias formativas. Figura 19 – Vinculações entre experiências sociais de estudantes e sistemas. Sistema de ação histórico: os cursos proclamam que consideram o protagonismo do estudante quanto à formação continuada. No entanto, procedimentos avaliativos, inseridos na escola que prioriza o cognitivo, espreitam processos de construção de identidades. Dialético: estudantes aceitam sugestões de professores sobre como resolver situações problemáticas, mas não concordam com a forma como são dadas (excesso de informações, sem a devida participação).

Subjetivação: com as sugestões de professores, estudantes se expressam, refletem, buscando se posicionar. Eles se miram em professores que já ensinaram na educação básica.

EXPERIÊNCIAS SOCIAIS Integração: estudantes gostariam que fossem desenvolvidos conteúdos mais significativos.

Socialização: narrativas de experiências pessoais e profissionais feitas por professores aos estudantes e distanciamento mínimo entre professor-aluno.

Sistema de integração: os cursos proclamam que não se priorizará a educação bancária, mas o contexto é o da prioridade da informação sobre a formação.

Estratégia: apesar de críticos, na maior parte do tempo, estudantes assumem postura passiva em meio à avalancha de informações. Há os que acham muitas as informações e há os que não acham.

Jogo: em geral, os conteúdos terminam por focar a atuação no magistério. Sistema de interdependência: os cursos proclamam o oferecimento de inúmeras oportunidades de formação para atuar no magistério, e em outras atividades educativas, mas o foco das preocupações dos participantes esteve na docência.

Fonte: elaboração do autor, com base em Dubet (1994).

336

Figura 20 – Vinculações entre experiências sociais de professoras e sistemas. Sistema de ação histórico: os cursos proclamam que consideram o protagonismo do estudante quanto à formação continuada. No entanto, procedimentos avaliativos, inseridos na escola que prioriza o cognitivo, espreitam processos de construção de identidades. Dialético: entendem que a perenidade da formação está em que se articulem aspectos informativos e formativos da educação. Porém, as professoras criticam a debilidade da estrutura social, que seria desfavorável a que se fizesse um trabalho mais focado nessa articulação, bem assim a fragilidade da base conceitual dos estudantes, proveniente já da educação básica.

Subjetivação: ideia de distanciamento mínimo, seja para terem respeito dos estudantes, seja para que os estudantes não as percebam como boazinhas.

EXPERIÊNCIAS SOCIAIS Integração: percebem-se como educadoras, não conteudistas, que contribuem com a capacitação dos estudantes para resolver problemas.

Socialização: narrativas de experiências pessoais e profissionais para estudantes e distanciamento mínimo entre professor-aluno.

Sistema de integração: os cursos proclamam que não se priorizará a educação bancária, mas o contexto é o da prioridade da informação sobre a formação.

Estratégia: preocupam-se em contribuir com a conquista de autonomia pelos estudantes (entender conteúdos, relacionarse).

Jogo: em geral, os conteúdos terminam por focar a atuação no magistério.

Sistema de interdependência: os cursos proclamam o oferecimento de inúmeras oportunidades de formação para atuar no magistério, e em outras atividades educativas, mas o foco das preocupações dos participantes esteve na docência.

Fonte: elaboração do autor, com base em Dubet (1994).

337

Assim, a conjugação dos aspectos apresentados nas Figuras 19 e 20 possibilitou afirmar que: 1)

Os cursos pesquisados proclamam que o estudante deva ser o protagonista de sua formação (com base em FREIRE, 1969, 1987, 1997, 2009). No entanto, as identidades sociais são construídas em meio a procedimentos avaliativos que caracterizam uma instituição que ainda tem priorizado aspectos cognitivos do processo educacional.

2)

Os estudantes aceitam sugestões de professores sobre como resolver situações problemáticas. No entanto, em geral, discordam quanto à forma como são dadas, percebendo excesso de informações e participação abaixo das expectativas.

3)

As professoras entendem que a formação perene não pode prescindir da articulação informar-formar. No entanto, elas criticam a debilidade da estrutura social, que seria desfavorável à realização de um trabalho mais focalizado nessa articulação. Criticam ainda a fragilidade da base conceitual dos estudantes que, segundo percepção delas, seria proveniente da educação básica.

4)

A partir de sugestões dadas por professores, os estudantes se expressam, refletem, buscando se posicionar. Eles se miram na ação de professores que já ensinaram na educação básica.

5)

As professoras mantêm a ideia de distanciamento mínimo dos estudantes, seja para terem respeito deles, seja para que aqueles não as percebam como boazinhas.

6)

Os estudantes convivem com narrativas de experiências pessoais e profissionais

feitas

por

professores.

Convivem

também

com

certo

distanciamento aluno-professor. 7)

Os estudantes gostariam que fossem desenvolvidos conteúdos mais significativos.

8)

Os cursos proclamam que não se priorizará a educação bancária (com base em FREIRE, 1969, 1987, 1997, 2009). No entanto, ainda se prioriza a informação, em detrimento da formação.

9)

As professoras se percebem como educadoras, não conteudistas, que contribuem com a capacitação dos estudantes para resolver problemas.

338

10) Os cursos proclamam o oferecimento de inúmeras oportunidades de formação para atuar no magistério, e em outras atividades educativas. No entanto, o foco das preocupações dos participantes esteve na docência. 11) Frequentemente, os conteúdos terminam por focar a atuação no magistério. 3.5. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS NA SALA DE AULA 3.5.1. Introdução Tendo como referência o modelo lógico da exploração do material já apresentado (ver Fig. 13), esta seção apresenta, por casos estudados, opiniões dos participantes a respeito da interação social, enquanto sequência de diálogos que eles estabelecem entre si. Ao obter essas opiniões, por meio de entrevistas, alguns objetivos da pesquisa foram cumpridos, o que viabilizou verificar como tem se desenvolvido a interação entre experiências sociais (Seção 4.1).

3.5.2. As interações sociais

A seguir, apresentam-se aspectos relacionados à interação social, conforme o que se gerou nas entrevistas com os participantes, tendo sido considerado o que adveio das observações nas aulas em que aqueles estiveram presentes.

3.5.2.1. Caso 1: Letras 3.5.2.1.1. Alunos Para os estudantes do curso de LL, interagir com os professores seria fazer amizade com eles. Seria mais do que desenvolver conteúdos. Seria fazer perguntas depois de ler textos, orientados para leitura em casa, e obter respostas do professor. Para eles, a boa interação ocorre quando se faz objetiva, em que colegas e professor trocam ideias a respeito do conteúdo, sem necessariamente discutir assuntos pessoais. Ocorre também quando colegas participam da aula, o que traz oportunidades de aprender coisas novas. Alguns professores estariam a interagir, o que deveria ocorrer com mais frequência, e outros estariam a manter certo distanciamento dos estudantes.

339

Ao se referirem à atuação didático-pedagógica, mencionaram diversos aspectos envolvidos na interação com professores. Para eles, a interação terá ocorrido se o estudante demonstrou interesse. Caso contrário, o professor tenta conversar, mas, ainda assim, se aquele persistir desinteressado, o “professor também nem liga” (A2). Haveria professores com “foco no ensinar, não na interação” (A2)97. Relataram ser bom presenciar “aquele professor que conversa, que não só passe o conteúdo, mas que possa conversar com os alunos também durante a aula” (A2). Tal conversa terá sido proveitosa se os docentes se identificarem com os discentes. De acordo com os relatos, o ingresso do estudante na Universidade pode representar momento traumático para ele, caso tenha que se deparar com professores com linguagem incompatível com a que ele traz da educação básica: P – Como tem sido sua experiência relacionada à interação com os professores? R – No curso de Letras, assim que ingressei, tive um choque. Porque eu tinha acabado de sair do ensino médio. E me deparei com uma professora, pós-doutorada na França. E aquela coisa toda: nossa, meu Deus o que é que estou fazendo aqui? Ela meio que afastava a gente dela. Entendeu? Por causa dela eu me perguntei várias vezes: será que é esse curso mesmo que eu quero? O perfil dela não era de professora de primeiro semestre! Acho que ela caçava os alunos. Mas superei a disciplina e vieram outras professoras. Vi que tem o lado humano, sim. Ela me passava é que não tinha esse lado humano. Então vieram as outras professoras, a P1, por exemplo, é maravilhosa... Nossa! Amiga. A P2 que também é ótima. E eu vi que é normal, é sala de aula, é professor, é humano. Ela não tinha esse lado humano. Percebia a pós-doutorada na França e mais nada... [ela ri]. Nem um giz que caía no chão, ela não abaixava pra pegar. E eu, meu Deus! Era assim. E ela sabia tudo. O aluno? Ela não aceitava que fosse mais do que ela. Não aceitava. E as pessoas que debatiam com ela, ela meio que isolava. Ela não aceitava que fosse superior a ela. Não aceitava. Por muitas vezes me calava na sala de aula porque me sentia num mundo estranho (...). Deixei o semestre me levar, mas me fechei, não participava, trancavame muitas vezes. Era um bom dia e nada mais. Mas também estudei muito pra passar (A3).

97

Não se pode afirmar que esta afirmação de A2 se refira cem por cento à atuação de algumas professoras participantes. No entanto, parece legítimo o dito, pois, dentre os participantes, A2 deteve a exclusividade de ser aluna de todas elas, possibilitando-lhe uma visão comparativa. Além disso, as observações evidenciaram o predomínio do método expositivo, com demorados períodos de passividade dos alunos em algumas aulas. Tome-se como exemplo a atuação da própria A2, que participou ativamente das aulas de P2, falou uma só vez nas aulas de P3 e não se manifestou nas aulas de P1. Parece legítimo o dito por A2 também em função de seu perfil: A2 esteve presente e participou de todas as aulas observadas, foi a primeira pessoa a chegar à sala de aula na data das observações na aula de P1 (sem combinação com o pesquisador, pois os participantes estavam por ser escolhidos); mostrou iniciativa para organizar grupos de trabalho na disciplina conduzida por P2 (escreveu no quadro-negro os nomes dos membros do grupo de colegas e o dela para a realização de seminários no período letivo).

340

Desse modo, evidenciaram que a boa interação dependeria mais da ação do professor que da ação dos estudantes: a interação ocorreria de acordo com o modo de ser do professor. Uns querem manter uma relação mais personalizada com o aluno e outros mantêm certo distanciamento. A interação ocorreria quando o professor estivesse a demonstrar seus valores (familiares), seu lado afetivo, pessoal – confirmado com a utilização do roteiro da validação de resultados (Apêndice C). Ao fim, sugeriram atividades fora da sala de aula: P – Pensando na interação entre os professores de Letras e os alunos, o que poderia melhorar? Num sei se por parte dos professores... Mas acho que isso partiria da coordenação [direção do curso]. Assim, ser mais dinâmico! Tipo, viagens. Sinto falta disso (A3).

Independentemente do ponto de partida da iniciativa para, a interação social que aqui se caracteriza reflete uma sequência de acontecimentos providos de intencionalidades, emoções e fugas do cotidiano. Uma interação (INTERAÇÃO..., 2009; SOCIAL..., 2009) que se expressa como uma sequência de diálogos face a face (THOMPSON, 1998), com os quais os envolvidos se posicionam, apresentando e defendendo certos interesses, a partir de referenciais que constroem ali mesmo diante uns dos outros. Uma cena (GOFFMAN, 2012) da qual dois ou mais atores tomam parte, influenciando-se mutuamente, mas conservando características individuais, numa conversação (SIMMEL, 1927) que, às vezes, cala-se, em momentos de silêncio (LAPLANE, 2000). Neste sentido, para os participantes, dialogar seria trocar ideias e opiniões. O bom diálogo ocorre quando os alunos não se acomodam – confirmado com a utilização do roteiro da validação de resultados (Apêndice C) – e quando os professores deixam os alunos opinarem sobre a aula, apesar de não ser bem aceito por aqueles. Ao se referirem à atuação didático-pedagógica, eles manifestaram diversas opiniões: a maioria dos professores estaria a restringir os diálogos aos conteúdos desenvolvidos, sem se estender a detalhes da vida pessoal (só em casos de necessidade) e sem se mobilizar para estabelecer efetivos diálogos com os alunos. Segundo os participantes, mais dialogariam os professores de linguística do que os de literatura:

341

É porque acho que eles [professores do curso] estão mais focados em ensinar para gente o conteúdo. Mas há alguns que dialogam, sim. A professora P3 conversa com a gente; a professora P1 conversa. Assim, os mais gramáticos, linguistas, conversam. Já os de literatura não conversam (...). Os professores da linguística até que trazem outros assuntos para a sala de aula, não os demais professores – eles ficam presos aos conteúdos (A2).

Já outro participante sintetizou: “É aquela velha história, depende do professor! Da personalidade dele!” (A3). Apesar de o professor ter uma atuação relativamente autônoma na sala de aula (GOMES, 2005), caracterizou-se a percepção dos estudantes sobre um papel a ser exercido por aquele. Parece que entre eles enraíza-se a ideia de que este papel seria o de mediador pedagógico que, para transmitir conteúdos, precisa valer-se de sua personalidade. Uma ideia não muito

próxima

da

concepção

de

mediação

pedagógica

como

atitude,

comportamento, que se torna componente da ação facilitadora e incentivadora da aprendizagem (MASETTO, 2012). De todo modo, para os participantes, o diálogo ocorre só quando o professor se permite abrir-se aos estudantes. O diálogo seria melhor se os professores desenvolvessem menos conteúdo (falar menos) e permitissem com mais frequência que os alunos opinassem a respeito dos diversos assuntos: “Quando ela [uma professora] fala da vida dela, a gente grava melhor (...). Mas, penso que atrapalha quando o professor fala demais. Fica meia hora falando só daquilo. Ele vai contar o que aconteceu com a vida dele. Isso é chato” (A4).

3.5.2.1.2. Professoras

As opiniões a respeito da interação com os estudantes foram diversas. Para as professoras, interagir seria conversar com os estudantes (permitido pelo professor). Seria colaborar, oferecer retorno (do professor para o estudante), usar máscaras (simular), atender às expectativas (dos alunos), conversar, trocar ideias. Ocorre também na informalidade. Para as professoras, a boa interação ocorre só se o mundo do aluno for posto em discussão. Ocorre quando os alunos estão estimulados para o curso; o professor se atualiza; o professor está de bom humor; sai dos limites da disciplina. Quando o professor colabora. Em geral, percebem-se como professoras que interagem com os alunos.

342

A interação entre estudantes e professores seria do modo como explica Goffman (2012), para quem ela se caracteriza como relações sintáticas entre ações de pessoas diferentes, diante umas das outras, agindo como atores, tendo propriedades que modelam minimamente estas pessoas. Para o autor, estas se apresentam por meio de fachadas, algo traduzido um tanto impreciso como respeito próprio, “um valor social positivo” (p. 13) que o indivíduo amealhou no contato com os outros e o fez considerando o que estes entenderam ter sido assumido por ele, indivíduo, neste contato. Por uma consequência lógica, as opiniões das professoras a respeito da atuação didático-pedagógica apresentaram-se também diversificadas. Para elas, a interação durante o processo educacional deve ocorrer com respeito, cordialidade, consideração à diversidade, afetividade, descontração, conversas, liberdade de expressão. Mas, como se enfatizou, que seja uma relação com limites, com certa reserva por parte dos professores, com algum distanciamento: “Acho que no momento em que você perde os papéis (...), todas as vezes que você perde essa relação, no final, não dá muito certo” (P1). A palavra paradoxo surgiu nas opiniões das professoras com respeito à sua atuação: Eu sempre digo que essa relação aluno-professor é um paradoxo! Tem duas posições: ele é amado e é odiado ao mesmo tempo. Você encontra uma turma em que os alunos o adoram, mas tem alguém no ali no meio que, hum, aquela professora? Então, não sei onde está a falha. Num sei se é falha! Você não agrada a todo mundo ao mesmo tempo. Mas, no meu tempo de escola, procuro reduzir isso ao máximo. Mas, mesmo assim, há alunos – você percebe no olhar deles – que eles estão ali porque têm que fazer a matéria, mas você não é uma pessoa tão querida (...). Não sei se é o olhar que você lança para ele que pode afastar; uma palavra, você pode afastar o aluno; até uma leitura que ele fez e você consertou na hora, no momento não muito próprio, pode afastar o aluno. Aquela aula muito cansativa, maçante, teórica demais pode afastar o aluno. Mas se você também... Se você começa a brincar muito, demais, você afasta o aluno universitário. Precisa saber o meio termo. Como faço para relaxar, como faço para tomar a rédea [grifo do autor] da aula de novo. Acho que o mais importante é isso: é você saber que momento você brinca, como é que você puxa de novo. Então, fazendo isto, você consegue levar a aula a bom termo (P2).

Evidencia-se como significativo o uso do termo rédea aqui e noutra passagem das entrevistas: “Quando você está muito próximo deles [estudantes], eles extrapolam, às vezes, e você tem que puxar as rédeas” (P2) [grifo do autor]. O uso do termo rédeas remete para a ideia de controle absoluto sobre a situação de ensino

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e aprendizagem se for considerada a importância dada ao distanciamento mínimo tão enfatizado pelas professoras. A valorização do respeito, obediência e paciência pode denotar a intenção de estabelecer rígidas margens de controle do processo educacional. Com efeito, como informa Furlani (2000): Quando o professor espera um aluno submisso, que respeite a “autoridade”, ele privilegia como valores do disciplinamento a aceitação, a obediência, o respeito e a dependência do aluno, assumindo a concepção de controlador [grifo do autor referenciado] da expressão dos alunos (FURLANI, 2000, p. 45).

Se a relação aluno-professor é algo paradoxal, como se afirmou nos relatos, por sua vez, certas declarações foram contraditórias. Defendeu-se a inclusão de opiniões dos estudantes nos processos de interação, mas defendeu-se também a filosofia do cavaleiro, da rédea e do cavalo. Às vezes, a busca por contribuir com a autonomia dos estudantes pode estabelecer caminho contrário, caso os meios utilizados nesta intenção não sejam considerados adequadamente (FURLANI, 2000). Para as professoras, a boa interação ocorrerá só se houver dinâmicas na aula de aula, se for levada em conta a opinião dos estudantes, se eles forem escutados. No entanto, afirmaram ainda, o curso não prepara formandos para desenvolverem atuação neste sentido. Por isto, “o aluno chega à sala de aula e não sabe o que faz [e, consequentemente], a gente vê tantos professores com problemas graves de relacionamento com as pessoas, com a própria família, porque ele não sabe o que fazer na sala de aula (P2)98”. A interação é difícil, afirmou uma professora, “porque a gente tem uma relação de autoridade envolvida, que é a relação de autoridade no contato com o aluno (...), o que, em sala de aula, acontece muito mais em relação à própria disciplina” (P3). Esta relação de autoridade à qual se refere a participante esteve mesclada com perguntas realizadas pela professora durante suas aulas, conforme anotações do pesquisador: “O que é uma frase?”, “O que é uma oração?”, “O que é um

98

Eis algumas declarações desta professora durante aula observada: “Quando vocês forem atuar na sala de aula no ensino fundamental, encontrarão alunos que falarão diferente do escrito”; “é desrespeito à pessoa consertar [grifo do autor] na hora. Portanto, na sala de aula, cuidado”; “pensar em português é diferente de pensar em inglês” (P2).

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período?”, “O que é interface?”, “Do que trata a morfologia?”, “A sintaxe vai trabalhar com a sentença ou com o enunciado?”. A interação entre ela e a turma naquelas aulas se desenvolveu quase exclusivamente em torno dos assuntos da disciplina. Por outro lado, se, a maioria dos professores do curso percebe que a interação não é melhor porque os estudantes não participam de atividades da Universidade (porque trabalham); estes mesmos professores também não participam de eventos ou outras atividades, não se engajam, conforme declarou aquela professora: “Nem todos estão dispostos a colocar a mão na massa para garantir isso [a interação]” (P3). Houve quem informasse que os estudantes estão desanimados para interagir e isto poderia estar vinculado ao fato de o curso não ter ainda uma identidade – houve um tempo em que os alunos sabiam para o que se formavam, pois os papéis eram mais bem definidos. Seria um desânimo que se estenderia à participação em projetos de pesquisa e extensão (motivo pelo qual estes projetos estariam pouco contribuindo para a interação social entre alunos e professores). Neste contexto, a abertura à interação social precisa ser não só dos alunos, mas também dos professores: “Eu acho que a interação, ela tem que partir do professor também, porque, se você espera que o aluno interaja com você, tem hora que não acontece!” (P2). Conforme declarações, as participantes seriam pessoas que dialogam com os estudantes. Para uma delas, dialogar é trazer o mundo real para dentro da sala de aula. Para outra, diálogo é conversa descontraída utilizada para fazer perguntas aos alunos – o que envolveria uma atuação que pressupõe o diálogo com eles desde o planejamento da aula para depois submetê-lo à discussão. Para uma professora, vale a pena tornar a aula mais agradável, conforme relatou: Não sou a favor que eu só ensine. O professor não só ensina, aprende. Se só jogar, não vou receber nada de volta. Se eu for só jogar matéria, jogar matéria, jogar matéria, em que vai me agradar? A palavra do mundo precede a leitura da palavra (P2).

Uma internalização da pedagogia freireana constatada na observação direta. Em suas aulas, o diálogo por meio de perguntas serviu para desenvolver assuntos presentes na vida deles: “Por que a dificuldade de escrever?”, “alguém aqui é mãe?”, “há pais que desejam educar filhos sem ir à escola; mas, e a socialização?”,

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“o que é norma”?, “o que é padrão”?, “os animais têm linguagem?”, “utilizar a palavra rapariga será sempre adequado?”, “o Brasil tem dialeto?”, “o mineirês é um dialeto?”. E, dirigindo-se a A2, P2 perguntou: “Lembra o que é um sintagma?”; dirigindo-se a outra aluna, perguntou e comentou a resposta: “Ao que você atribui o fato de sua mãe escrever melhor do que seu pai? Gostei de sua fala, comentou e acrescentou sua vida”. Dentre as professoras, alguém comentou que a abertura ao diálogo cabe tanto aos professores como aos estudantes. Outra evidenciou ainda que, caso seja esta abertura iniciada pelo professor, a ele caberia deslocar-se até onde se encontra o aluno, fazendo-o por identificação de seus interesses com os dele: Tem que jogar com a vida real. Trazer do dia a dia do aluno. Se não fizer essa transição do dia a dia deles, a coisa não surte efeito. Eu posso pegar a teoria e começar, mas... Eu digo sempre que o professor tem que ser como 99 um artista. Igual àquela música, o artista tem de ir aonde o povo está . Eu tenho que ver onde ele está e vir com ele. Tem hora que faço a maior confusão, brincadeiras, brincadeiras para segurar o aluno. Então, depois seguro o pé pra valer [grifo do autor]. Mas no começo tenho que ir aonde ele está (P2).

O modo como esta professora relatava evidenciou compatibilidade com os conteúdos dos relatos. Enquanto falava, vestia o discurso do próprio aluno: “Eu venho para cá estudar, mas não é só a sala de aula – tem que buscar outras coisas antes disto. Quanto menos leio, menos escrevo, menos participo. Não sei discutir. Não estou lendo nada” (P2). Para concluir, a professora recorreu à pedagogia freireana, lembrando que “a palavra do mundo precede a leitura da palavra” e dizendo em seguida que “quando faço a interação do ‘artista seguindo aonde o povo está’ é dessa interação [freireana] que estou falando” (P2).

3.5.2.2. Caso 2: Pedagogia 3.5.2.2.1. Alunos

Conforme relatos, os estudantes do curso de LP entendem que interagir seria desenvolver conversas tanto sobre os conteúdos (conceitos, informações) quanto

99

Refere-se a uma passagem da música Nos bailes da vida, de autoria dos compositores brasileiros Fernando Brant e Milton Nascimento. A professora compara o professor a um artista, pois ambos têm que se aproximar do seu público-alvo, tendo que ir ao seu encontro.

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sobre outros assuntos. Seria estabelecer uma relação mais profunda, o que significaria aconselhar, emocionar alunos, ter certa intimidade. Seria conversa, questionamento, descontração, informalidade, o que envolveria certa afetividade. Com efeito, a educação resulta das relações que estudantes e professores estabelecem enquanto interagem e as relações são, por definição, emocionais (CASASSUS, 2009). Para os estudantes, a boa interação ocorre quando o professor sabe os objetivos da disciplina e os deixa claro logo na primeira aula. Quando compreende o retorno dado pelos alunos, escuta suas solicitações, portanto, é afetivo e humilde – constatado também durante a entrevista com a dupla de participantes para a qual se utilizou o roteiro da validação de resultados (Apêndice C). Quando é organizado. Quando não exagera no envio de textos por e-mails. Ocorreria a interação no curso mais em função das características do curso, menos a iniciativa do professor – por isto, embora a maioria dos professores não desenvolva estratégias de trabalho de se aproximar efetivamente dos estudantes, estes conseguem se relacionar bem com eles – idem (Apêndice C). Há casos em que a interação ocorre quando os alunos se aproximam do professor no final da aula ou quando o professor toma a iniciativa – idem (Apêndice C). Assim considerando, alguns professores interagem bem, sendo que uma professora se destaca, pois “num fica num patamar, eu sou professora, vocês são alunos. Mais amiga!” (A7). No tocante à atuação didático-pedagógica, eles entendem que a iniciativa da interação é responsabilidade do professor. Ou da própria Universidade, o que poderia ser por meio de projetos de extensão. Conforme declararam, metade dos professores opta por evidenciar claramente certo distanciamento dos estudantes – declararam que alguns professores dizem não ser pedagógico aproximar-me demais. Com alguns professores, percebe-se um querer ser para “além de professor; conhecer o aluno” (A5). Neste aspecto, vale ressaltar a fala de um participante, defensor da atitude de ouvir o aluno: Não dá para ver mais o professor como aquele que simplesmente professa suas verdades. Tem que defender seus pontos de vista, tentar um modelo de educação, mas tem que ter abertura para ouvir. E acredito que essa abertura a gente já consegue praticar dentro da graduação (A8).

A boa interação ocorreria com a iniciativa do professor e dos alunos. No curso, poucos professores estariam a conseguir uma relação mais profunda, outros

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estariam a estabelecer uma relação normal – os envolvidos, sem muita proximidade, manter-se-iam cada qual desempenhando seu papel, “um de ensinar e outro de aprender” (A7). Os participantes entendem que a interação precisa passar pelo encantamento do professor, sendo bem sucedida só se aquele não se posicionar como dono do conhecimento. Não cabe “agir de forma prepotente, mas perceber o aluno como uma pessoa que pode contribuir muito com aquela aula, que pode trazer novas informações, novos textos” (A8). Para alguns participantes, a abertura para a interação social ocorre em momentos nos quais “alguns alunos se aproximam dos professores para conversar após a aula” (A5). No entanto, prejudica-se, caso não haja, já, uma projeção da atuação docente, permanecendo o estudante ainda na condição de discente: “Eu acho muito ruim quando eles se comportam como alunos!” (A8). Como relatado, “mesmo no princípio do curso, os professores sempre me passaram essa visão de que aqui eu não sou uma aluna, mas eu sou uma professora em formação. Isto traz mais proximidade entre professor e aluno” (A6). Desse modo, verifica-se certa ambiguidade de papéis. Trata-se de um jovem estudante saído do ensino médio, mas voltado também para o exercício de um papel profissional para o qual ele se prepara: ser professor, a ser assumido plenamente após a formatura. Especificamente quanto ao tema diálogo, houve uma vinculação com o pensamento freireano. Para eles, dialogar seria como ensina Paulo Freire. Um participante declarou que este diálogo existe no curso, com exceção de poucos professores. Para outros participantes, em geral, o diálogo freireano, priorizando trazer o mundo do educando para o ato educativo, não existe na Universidade. Uma aluna afirmou que “essa questão de usar a realidade do aluno para aproximar o professor, não me lembro de ter vivido muito isso aqui na Universidade” (A6), mas afirmou ainda que utiliza estes meios nas suas aulas (ela já exerce a docência). Para outros participantes, embora exista diálogo com essas características, “num são todos os alunos que falam!” (A7). No entanto, de acordo com um participante, o aluno pode ajudar: Os estudantes como um todo podem ajudar os professores a ter uma aula melhor! A deixar claro para o professor onde é que ele pensa que o professor está errando e onde é que ele pensa que ele está acertando. Não que o aluno vá ter razão sempre, não que o professor vá ter razão sempre! Mas, acho que, educação, ela cresce com esse diálogo! (A8).

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Considerando que dialogar seria despertar para a crítica, a atuação didáticopedagógica deveria, conforme evidenciaram os relatos, se constituir em fazer perguntas. Alguns professores não conseguiriam desenvolver a educação para o diálogo porque as disciplinas neurocientíficas não ofereceriam oportunidades para desenvolver tal pedagogia, pois trabalham com muitos conteúdos e são poucas as horas. Além disso, os professores não conseguiriam desenvolver esta educação porque não conheceriam a respeito da postura dos estudantes (valem-se dos estudos como preparação para concursos, fracassaram ao buscar outro curso ou porque o curso de LP é mais barato) – informações confirmadas durante a validação de resultados (Apêndice C). Uma abertura para o diálogo adviria mais da atitude dos estudantes, menos da iniciativa dos professores – houve manifestação de que o Centro Acadêmico não representa o alunado, embora tenha que aceitar suas iniciativas, uma vez que não existem condições para participar dele (trabalhar enquanto estuda não o permite, havendo frustração porque não participa dos trabalhos do Centro Acadêmico). Por outro lado, houve quem relatasse que um melhor diálogo depende também da personalidade do professor, pois “com o perfil de alguns professores, eu consigo me aproximar mais. Existem alguns professores que realmente você percebe que eles querem ser além de professor, te conhecer” (A5).

3.5.2.2.2. Professoras

Conforme opiniões, interagir seria ter uma conversa esclarecedora com os estudantes logo no início do semestre (expectativas) e no final (como foi). Seria ter uma relação honesta com eles. No entanto, a interação limita-se à cultura do curso, que leva os alunos a adquirirem hábitos que terminam por prejudicá-la. Limita-se também à concepção dos estudantes a respeito da avaliação (eles focalizam resultados, não processo). Limita-se ainda ao modelo de escola, aquela que vigia os alunos, que cobra, o que desgasta a relação entre professor e alunos. O limite está no controle, por parte do professor, do poder sobre os alunos. Para as professoras, a boa interação ocorre quando os alunos se percebem como corresponsáveis pelo processo de interação e quando o professor abre mão da relação de poder sobre eles – informações confirmadas pela professora

349

entrevistada na validação de alguns resultados: “Eu tenho muita dificuldade de me relacionar com as pessoas por obrigação” (P4). Segundo informaram, a boa interação ocorre também quando o professor faz atividades diversificadas e trabalhos em grupo (apesar de ser uma interação que estaria restrita ao modelo de escola que vigia). A boa interação ocorre também quando alunos e professor se posicionam em igual perspectiva com relação aos objetivos do curso – “expectativas diferentes do curso, acho que isso é um problema” (P4). Ocorre quando o professor põe o mundo dos alunos em discussão e quando traz experiências de vida para a relação com o aluno – informações ratificadas na validação de resultados (Apêndice C). Considerando estas percepções, as professoras se percebem como pessoas que interagem com os estudantes. Estas opiniões encontraram eco em aulas nas quais foram realizadas observações diretas. Por exemplo, nas aulas de P6, predominou a informalidade mesclada com alertas sobre a atuação didático-pedagógica dos professores em formação: “Gente, não sejam tarefeiras, pensem no sentido do que vocês estão fazendo; usem a autoria do pensamento, senão, serão tarefeiras com seus alunos” (...) “Não podemos nos colocar como vítimas; cair no campo da queixa”. Outro exemplo, nas aulas de P4 constataram-se diversas atividades e dinâmicas que serviram para promover discussões com respeito aos conteúdos conceituais

planejados.

O

dinamismo

garantiu,

inclusive,

suprir

lacuna

proporcionada pelos alunos, que não levaram os PCNs para a aula, momento em que a professora substituiu imediatamente a atividade planejada por outra (com uso de calculadora). De acordo com as professoras, a atuação que favorece a interação social conta com a conversa clara com os alunos, buscando-se a maior aproximação possível com eles. Pressupõe que a interação social positiva ocorre com a realização de atividades diversificadas e com o abandono do modelo com grades institucionais que aprisionam: Modelo de educação que está na base, que é tradicional, imediatista (...). Nesse modelo, o professor é o que tem que vigiar, é o que tem que cobrar, é o que dá nota, e o aluno tem que ser cobrado, tem que ser vigiado. Então, esse modelo de escola é o modelo que danifica essa relação (P4).

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Pressupõe, assim como relatou uma professora, que tal modelo de educação com grades conflui para a precariedade social em que vive a maioria dos alunos: Eu posso está sendo muito simplista, mas acho que essas grades, elas aprisionam um pouco o aluno, o que lhe dificulta ser mais ele. Ou seja, ele quer fazer a coisa porque precisa tirar a nota e ir embora! Então, existe nisto uma contingência social, uma miséria ou uma realidade que é muito dura. Gente que trabalha o dia inteiro, que quer fazer o curso logo para ganhar o canudo, porque quer melhorar o emprego, quer ganhar o salário melhor. E que, às vezes, com as contingências da própria instituição... Essa é a conjugação de duas contingências: o aluno, que tem uma vida muito precarizada porque tem muitas questões sociais que não estão bem resolvidas e, o professor, que fica amarrado nessas situações. Acho que isso é ruim pra relação (P6).

Elas entendem que a abertura para a interação social precisa advir da escola como um todo, sendo que isto ocorrerá só se o aluno tiver convicção de que deseja realizar o curso: “O sucesso da interação passa pelo perfil da turma e do curso e, às vezes, se o aluno não se colocar na condição do ‘não quero’” (P5). Para elas, dialogar seria trocar impressões, ideias, com retornos sobre a atuação do aluno e da professora – estes utilizados para aperfeiçoar o diálogo e não para causar constrangimentos, conforme ratificado pela professora que participou da entrevista de validação de resultados (Apêndice C). O diálogo ocorre quando há honestidade entre alunos e professor. Quando o docente faz a mediação, questiona, promove reflexões, levando o discente a avaliar, a repensar iniciativas. Quando o aluno está no momento do curso que lhe permite perceber o mundo de forma diferente (a estrutura do curso aqui é importante). No entanto, o diálogo ficaria limitado quando o aluno tem uma idade próxima à da professora (pois não aceita plenamente dialogar). O diálogo com essas características exigiria do professor uma atuação didático-pedagógica capaz de evidenciar aos alunos outras visões de mundo. Professora que não consegue demonstrar isto estaria sofrendo. Professora tem se colocado como mediadora, que questiona, possibilitando reflexões, por parte do aluno, para se transformar. Professora que permanece atenta constantemente para que o diálogo ocorra. Há um esforço para por em prática a pedagogia freireana do diálogo: “Eu tento criar muitos instrumentos de trabalho em sala, de modo que a gente consiga triangular: a história de vida do aluno, o que está acontecendo no mundo e o conteúdo do trabalho” (P6).

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3.5.3. Conclusões

Os esquemas apresentados a seguir (Quadros 29 e 30) explicitam o cumprimento do objetivo de identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais e diálogos construídos por eles na sala de aula da Universidade. Tais resultados, que mais consideram presenças e ausências que frequências (BARDIN, 2009), serviram como contributos para verificar como se desenvolve aquela interação (Seção 4.1). Para os estudantes (Quadro 29), a sequência de diálogos que caracteriza a interação social envolve um clima de amizade entre colegas e entre estes e os professores (HAIDT, 1994; FREIRE, 2009; MASETTO, 2008, 2012). Envolve a maior aproximação entre ele e professores, oferecendo oportunidades de momentos de individualidade para discutir e analisar temas afetos ao curso, bem como dificuldades, podendo referir-se às relações intersubjetivas, à autoridade e à comunicação (FURLANI, 2000; PERRENOUD, 2000). Para que isto ocorra, entendem ser necessário que o professor tenha humildade (FREIRE, 2009), seja afetivo (CASASSUS, 2009). Enquanto para os estudantes do curso de LL, o papel do estudante nesse processo é formular perguntas ao professor e fazer comentários para aprender os conteúdos, para os participantes do outro curso o papel dele é se assumir como profissional da educação. Para os primeiros, cabe ao professor não desistir do estudante, ainda que este venha a apresentar desinteresse pelas aulas e, para isto, deve buscar uma identificação com os estudantes, demonstrando que aprecia seus valores e afetos (BRASIL, 1996; MARTÍN GARCÍA; MARIA PUIG, 2010). Para os segundos, cabe ao professor aceitar retornos oferecidos pelos estudantes quanto à sua atuação e refletir sobre o informado (MASETTO, 2012). Cabe a ele encantar os estudantes. Isto menos ao estilo dos antigos sofistas (REALE; ANTISERI, 1990) e mais ao modo como propõem os cursos, posto que as alternativas e linhas estratégicas da formação promovem uma aproximação do mundo real dos estudantes. Encantar, portanto, refere-se ao que, de modo representativo, declarou um participante: encantar porque “consegue fazer coisas na sala de aula que lembram o Paulo Freire” (A7).

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Quadro 29 – Interação social: estudantes. Convergências

Divergências

A amizade como aspecto importante na construção do processo interativo entre estudantes e professores. Os cursos, por suas próprias características, favorecem a maior interação, superando carências de estratégias didático-pedagógicas. Momentos logo após a conclusão da aula como favoráveis à aproximação dos estudantes com o professor. Entendimento da humildade (em oposição à prepotência), por parte de professores, como aspecto importante para interagir. Necessário haver mais afetividade por parte dos professores. Expectativa de maior diálogo, a despeito dos conteúdos desenvolvidos. Favorece a exemplificação de experiências pessoais.

Curso de LL: A atitude do estudante contribui para estabelecer diálogos: deve fazer perguntas e comentários ao professor. A atitude do professor contribui: não deve desistir do estudante. Deve haver objetividade nos relacionamentos. O professor deve manter relação mais próxima com estudantes. Deveria haver mais saídas de campo, visitas a exposições. Dialogar é trocar ideias e opiniões. As dificuldades para estabelecer diálogos têm a ver com a passividade dos estudantes e na falta de permissão dos professores para que os alunos opinem a respeito das aulas. Os professores de linguística dialogam mais do que os de literatura. A iniciativa do diálogo cabe aos professores, que devem abdicar da exposição de conteúdos, cedendo espaço aos estudantes. Curso de LP: O estudante deve assumir-se como profissional da educação. O professor deve compreender os retornos de alunos relacionados com a sua atuação didático-pedagógica. Deve encantá-los. O professor deve saber bem os objetivos da disciplina. A Universidade deve incentivar projetos de extensão. É despertar para a crítica, por isto, a atuação deveria ocorrer com perguntas. É como ensina Paulo Freire, o que até ocorreria no curso, com exceção de poucos professores. Algumas disciplinas não contribuem para desenvolver a educação voltada para o diálogo. As dificuldades têm a ver também com desconhecimento dos estudantes pelos professores. Ou, ainda, a iniciativa do diálogo cabe aos alunos.

Fonte: elaboração do autor. No entanto, para que ocorram diálogos significativos, algumas condições precisam estar presentes. Para os estudantes de LL, os relacionamentos precisam ser objetivos, ser diretos aos conteúdos, mais a partir da ação do professor do que da ação dos estudantes. Uma ação em que se envolve emocionalmente (CASASSUS, 2009) com os estudantes e demonstra isto (FREIRE, 2009). No nível do curso, saídas de campo para visitas a exposições geraram condições favoráveis à interação social. Já os estudantes do outro curso entendem

353

que a boa interação ocorre quando o professor sabe bem os objetivos da disciplina, isto é, consegue traduzir os conteúdos planejados e ensinados em objetivos de aprendizagem (PERRENOUD, 2000) ou quando a Universidade incentiva mais a realização de projetos de extensão (SEVERINO, 2007; BRASIL, 2009a; SÍVERES, 2010). As maiores dificuldades apontadas pelos estudantes se referem mais à ação dos envolvidos nos diálogos do que do curso ou da própria Universidade100. Neste sentido, para os participantes do curso de LL, os estudantes deveriam dialogar mais, buscar promover mais trocas de ideias e opiniões, embora falte algum tipo de permissão dos professores para que os estudantes opinem a respeito das aulas. Segundo os estudantes, isto termina por colocar sobre os ombros dos professores a maior iniciativa para o estabelecimento de diálogos. Para os participantes do outro curso, por sua vez, os diálogos têm sido dificultados pelo baixo conhecimento dos estudantes, por parte dos professores. Contudo, os participantes consideram que cabe aos estudantes a iniciativa de buscar o diálogo. Já as professoras (Quadro 30) entendem que os diálogos típicos da interação social envolvem um clima de honestidade entre professor e estudantes (MASETTO, 2012). Envolve o hábito de se oferecerem mútuos retornos, podendo se estabelecer um “sistema de feedback contínuo” (MASETTO, 2012, p. 62). Envolve discussões sobre o mundo (FREIRE, 2009). Para que isto se concretize, torna-se necessário que o estudante cumpra seu papel nesse processo, que o professor não seja autoritário (FURLANI, 2000; FREIRE, 2009) e que as atividades didáticopedagógicas sejam diversificadas (HAIDT, 1994). Houve consenso de que o curso precisa melhorar a preparação dos estudantes para a boa interação presente durante a operacionalização do processo educativo. Elas entendem que, em geral, o curso contribui para que os estudantes criem hábitos negativos à boa interação.

100

Embora participantes do curso de LP tenham declarado que algumas disciplinas não contribuem para desenvolver uma educação mais dialógica.

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Quadro 30 – Interação social: professoras. Convergências

Divergências

Interagir com os alunos implica conversar claramente com eles, trocar ideias, logo no início do semestre, mas também em seu final. A boa interação exige retornos mútuos entre alunos e professores. A boa interação ocorre quando se discute o mundo do aluno. Na verdade, ocorre quando o mundo é discutido por alunos e professores. Para professoras dos dois cursos, os alunos não têm cumprido a parte deles na interação. A interação exige professores não autoritários. A interação exige diversificação de atividades pedagógicas. Para elas, o curso não prepara os alunos para desenvolverem uma atuação mais interativa, inclusive para atuar após a formatura. Dialogar seria oferecer e receber retornos mútuos. Poderia ser a troca de impressões e ideias ou de informações a respeito do plano de ensino. Dialogar seria trazer o mundo real para dentro da sala de aula, isto é, adotar uma atuação didático-pedagógica em que o professor incentive os alunos a ver o mundo de outras maneiras.

Curso de LL: Dialogar seria conversar descontraidamente, fazendo-se acompanhar por perguntas aos alunos. Seria tornar a aula mais agradável. Os estudantes precisam buscar motivação para o curso, participando de atividades da Universidade. A interação deve ocorrer com respeito (inclusive à diversidade), cordialidade, afetividade, descontração, conversas, liberdade de expressão; mas com distanciamento mínimo entre alunos e professores. O professor precisa atualizar-se, ter bom humor, extrapolar limites da disciplina, mostrar-se colaborativo e atender às expectativas dos alunos. As dificuldades para estabelecer diálogos passam pela pouca participação de alunos e professores em atividades promovidas pela Universidade. Além disso, há um desânimo dos estudantes para maior interação social, o que decorreria da falta de identidade do curso – estudantes não sabem o que querem, pois os papéis no mundo atual não são claros. A iniciativa para a interação social caberia aos alunos e aos professores. Curso de LP: Seria fazer a mediação, questionar, promover reflexões, levar o aluno a avaliar, a repensar iniciativas. Os alunos precisam internalizar a ideia de avaliação como processo e não como resultado. Os estudantes devem buscar colocar-se na mesma perspectiva do professor com relação aos objetivos do curso. Ela deve ocorrer com honestidade para com os alunos. O professor precisa contribuir para a maior conscientização do aluno quanto à sua responsabilidade pela interação. Passam também pela concepção de prova, por parte do aluno, como componente final do processo educacional. Passam pelo modelo de escola (a que vigia, que mede os níveis de acumulação de informações). A iniciativa da interação social precisa ser da escola como um todo, condicionada tal situação pela consciência e o desejo do estudante para a realização do curso.

Fonte: elaboração do autor. As divergências de opinião sobre o conceito de diálogo adquirem perspectivas diferentes, indo de uma visão micro para outra macroambiental. Segundo as professoras do curso de LL, dialogar seria conversar descontraidamente, fazendo-se acompanhar de perguntas realizadas aos alunos. Seria tornar a aula mais agradável. Já para as professoras de LP, dialogar seria fazer a mediação, questionar, promover reflexões, levar o aluno a avaliar, a repensar iniciativas.

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Enquanto para as professoras do curso de LL, o papel do estudante é estar motivado para o curso, participando de atividades da Universidade, para as do outro curso cabe a eles situar-se na mesma perspectiva do professor com relação aos objetivos do curso – oportuno lembrar que, para os estudantes de LP, o professor precisa saber muito bem os objetivos da disciplina (PERRENOUD, 2000). Para as professoras de LL, o professor precisa atualizar-se permanentemente, ter bom humor, extrapolar os limites da disciplina, mostrar-se colaborativo e atender às expectativas do alunado. Neste caso, certamente, uma opinião que merece aprofundamento, haja vista que implica compreender certas disposições sociais na construção de expectativas escolares, isto é, compreender o porquê de os indivíduos desenvolverem mecanismos orientados para atingir certos objetivos (CUNHA, Soraia Cristina Rosado, 2012). Já para as professoras do outro curso, o professor deve contribuir para a maior conscientização do estudante quanto à sua responsabilidade pela interação no ambiente acadêmico. Segundo as participantes, os diálogos significativos serão exequíveis somente se algumas condições estiverem presentes. Para as professoras do curso de LL, os relacionamentos precisam ser respeitosos (inclusive quanto à diversidade), cordiais, afetivos, descontraídos e com liberdade de expressão – como em Gusdorf (1970, p. 84), para quem “o ponto de partida para o uso da palavra, portanto, não é o monólogo, mas o diálogo”. Para as do outro curso, precisam ser honestos com os alunos – como em Masetto (2012, p.89), para quem o professor que marca a vida das pessoas tem, dentre outras, a capacidade de demonstrar “honestidade intelectual, coerência entre o discurso de aula e sua ação”. No entanto, para todas as participantes o distanciamento mínimo do estudante – e consequente controle sobre a ação deles – é condição sine qua non da boa interação social. Tal concepção, à frente melhor desenvolvida a partir do cruzamento de informações, desde logo emerge como uma contraposição a ideias de diversos autores que defendem como favorável ao desenvolvimento humano a natural insolência e rebeldia dos jovens: a insolência afirma a autonomia individual (SAVATER, 2010), a rebeldia faz parte da história da juventude (BUARQUE, 2003), o embate de ideias, já defendido pelos sofistas e os chamados socráticos na Grécia antiga, faz parir ideias (REALE; ANTISERI, 1990).

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As professoras apontaram as maiores dificuldades. No curso de LL, a participação de estudantes e professores em atividades da Universidade está aquém do esperado. Além disso, aqueles parecem desanimados para interagir, o que decorreria da falta de identidade do curso – os estudantes não saberiam o que querem, pois os papéis no mundo atual não têm sido claros (BAUMAN, 2001, 2004, 2006, 2007). No curso de LP, a percepção é de que a concepção de prova, por parte dos estudantes, como componente final do processo educacional também limita a interação. O modelo de escola que prioriza o cognitivo também interfere negativamente, pois, a partir da ideia de medição do acúmulo de informações, o estudante concebe a avaliação como um resultado e não como processo, o que implicaria toda uma série de comportamentos e atitudes que interferem na interação com os professores e entre eles próprios. Por fim, enquanto para as professoras do curso de LL a iniciativa em favor da interação social caberia aos alunos e aos professores, para as do curso de LP, esta iniciativa precisa ser da escola como um todo, condicionada tal situação pela consciência e intenção do estudante de realizar o curso. De todo modo, a relação educacional esteve presente, seja quando se realizaram as entrevistas com os participantes ou ao se observarem as interações sociais durante as aulas. Com efeito: Sendo a universidade espaço dos mais privilegiados de educação, tem a ver de modo ostensivo com cidadania, ainda que a aparência repassada seja de um lugar onde as pessoas apenas estudam e sobretudo escutam aulas e fazem prova. A relação educacional nunca ficou esquecida, na verdade. Emerge na própria figura do professor, que, mesmo restrito na maioria das vezes à reprodução copiada de aulas, entende-se normalmente como educador e imagina constituir, na sala de aula, um lugar marcado pelo contato pedagógico. Aparece no processo de aprendizagem dos alunos, não obstante serem reduzidos tendencialmente a objeto de treinamento. Paira no ambiente universitário, sobretudo nos campi, comumente vistos como espaço educativo, pois mais que se resumam a um sistema de salas de aula tipicamente bancário (DEMO, 2007, p. 59).

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CAPÍTULO 4: DISCUSSÃO DO CORPUS DA PESQUISA Certa feita, contou-nos um professor do Paraná que o maior acontecimento na sua escola foi quando chegou às mãos do diretor um caderno onde os alunos haviam escrito “coisas” sobre o corpo docente. “A dona fulana de tal é assim e assado”, “O seu sicrano mais parece um...” – todos os professores fizeram questão de ler o “caderninho das gozações”, como ficara conhecido. Pasmem: foi a reflexão mais significativa do ano, gerando mudanças radicais – para melhor – nos modos de condução das aulas (SILVA, 1996, p. 32).

4.1.

INTERAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS SOCIAIS

4.1.1. Introdução Retomam-se nesta seção os temas que emergiram com o tratamento dos resultados, já apresentados nas conclusões parciais (Seções 3.2.3, 3.3.4, 3.4.6 e 3.5.3), para apresentar inferências e interpretações efetuadas com foco nas questões de pesquisa. Com efeito, para Bardin (2009, p. 127), após obter resultados significativos e fiéis, o analista poderá “propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos”. O alcance de alguns objetivos desta pesquisa esteve condicionado ao cumprimento de outros (ver Fig. 16). Assim, nas seções seguintes, apresentam-se: 1) Relações entre lógicas de ação de estudantes e de professores; 2) Contribuições da articulação informar-formar para a interação entre experiências sociais e para o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI, bem como impactos quando a articulação não ocorre; 3) Interações entre experiências sociais. Desse modo, com estas apresentações, terão sido cobertos plenamente os objetivos estabelecidos no projeto de pesquisa.

4.1.2. As relações entre lógicas de ação de estudantes e de professores

Neste trabalho, foram identificadas lógicas de ação utilizadas por estudantes e professores nas diversas interações que estabelecem na Universidade, tomandose como ponto de partida o processo educacional desenvolvido na sala de aula

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(Seção 3.2). Cabe agora apresentá-las em suas relações, na perspectiva assumida por este estudo para responder às questões de pesquisa. Para estabelecer tais relações, tomaram-se como referência a aproximação ou o distanciamento de experiências sociais relacionadas com os três amplos temas que perpassam o estudo: a articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, a interação social entre estudantes e professores e a associação entre ensino-pesquisa-extensão. Neste sentido, experiências sociais fortes são aquelas que contribuem para a maior articulação entre informar-formar, a maior associação entre ensino-pesquisa-extensão e a maior interação social. Ao contrário, fracas são aquelas experiências sociais que não contribuem (ou impactam). Devido à enorme quantidade de aspectos envolvidos nas interações estudadas, tomaram-se temas que convergiram nos relatos dos participantes, mas considerando as divergências. Assim, esses temas advieram da análise das relações entre as lógicas de ação, tendo passado pelo filtro das unidades de contexto. Cabe lembrar que, neste trabalho, o recorte dos dados concentrou-se na identificação dos núcleos de sentido, tendo por referência modelos elaborados com vistas a alcançar os objetivos da pesquisa (ver Fig. 10, 11, 12 e 13). Assim, o que segue nesta seção organiza determinados temas, em torno dos quais circulam inferências e interpretações (BARDIN, 2009), considerando-se os tipos de lógicas de ação, os temas (distribuídos de acordo com os participantes) e a valência das experiências sociais (forte ou fraca).

4.1.2.1. Estudantes

A internalização de valores institucionalizados no decurso da vida estudantil fez com que os participantes assumissem certas condutas, identificadas e catalogadas pela pesquisa. Os estudantes consideram que a amizade é um aspecto relevante na interação social e entendem que a criatividade é importante para a realização de projetos de pesquisa e extensão. Entre eles, uma consciência coletiva parece se desenvolver a partir da rejeição ao desinteresse pelo curso. Tal consciência seria, por si, altamente favorável à interação social e às articulações entre informar-formar (ver Fig. 21).

359

Figura 21 – Lógica da integração: uso pelos estudantes. Amizade

O clima de amizade entre colegas e entre estes e os professores emergiu como base para experiências sociais fortes a favor da interação social na medida em que criou oportunidades para momentos de individualidade entre estudante-professor para discutir e analisar, de maneira livre, temas conexos ao curso, bem como dificuldades, podendo ser quanto às formas de comunicação e até mesmo quanto a questões relacionadas à autoridade pedagógica.

Criatividade O desejo de estudar numa universidade criativa, contextualizada com as mudanças do mundo, emergiu como base de experiências sociais fortes para concretizar a associação ensino-pesquisa-extensão, pois cria prontidão para atuar em projetos inovadores.

Interesse pelo curso

Natureza do curso

A rejeição dos estudantes ao desinteresse pelo curso, por parte de colegas, é valor que emergiu como fundamento de experiências sociais fortes em prol da articulação informar-formar e indissociabilidade entre ensino-pesquisaextensão. Isto porque tal rejeição pode criar oportunidades para discutir e refletir com respeito à formação que se volta não só para o trabalho, mas também para a cidadania, bem como sobre o papel da universidade.

Estudantes entendem que a maior interação com os professores deve-se mais à natureza do curso do que à ação destes. Este entendimento baseia experiências sociais fortes que podem melhorar a articulação informarformar e a interação social, na medida em que essa percepção positiva quanto ao curso cria prontidão para estabelecer ações estratégicas da Universidade.

Fonte: elaboração do autor.

Se uma possível identidade integrativa, construída segundo valores como estes, segue fortalecendo e confirmando sentimentos de pertença ao grupo, por sua vez, constatou-se que faz parte de uma identidade estratégica dos estudantes a intenção de atuar como professor. Em geral, o estudante já resolveu as dúvidas quanto à escolha do curso. Isto é relevante para a interação social e para estabelecer uma dinâmica curricular voltada para a formação integral do estudante, pois há envolvimento nos modos de ser do outro, o colega, o professor. Os projetos de pesquisa e extensão também saem fortalecidos. Há certa prontidão, entre os estudantes, para a melhor articulação entre os diversos tipos de conteúdo, bem como para a maior associação entre ensino-pesquisa-extensão (ver Fig. 22).

360

Figura 22 – Lógica da estratégia: uso pelos estudantes. Atuação como professor

Atitude de espera pela diversificação

Ressentimento/privilégios

Apesar das alterações de interesses desde o ingresso no curso, como ser tradutor, revisor ou intérprete, estudantes dos dois cursos internalizaram a ideia de atuar como professor. Esta é uma posição que está na base de experiências sociais fortes no sentido da melhor articulação informar-formar, a maior interação entre os estudantes e o fortalecimento da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Isto porque favorece o envolvimento entre estudantes e professores que, a partir de pontos em comum, podem desenvolver diversas atividades formativas, como projetos de pesquisa e extensão e atividades diversificadas.

Estudantes esperam por maior diversificação das atividades e professoras esperam por mais interesse por parte dos estudantes. Esta atitude pode disparar dois tipos de experiência social: fortes, que podem contribuir para a maior articulação entre informar-formar – neste caso, porque nessa espera está aberto espaço para uma atuação didático-pedagógica capaz de promover a articulação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais; fracas, que podem prejudicar a interação social – neste caso, porque fortalecem o desânimo entre estudantes para interagir (como foi relatado por professora), pois, nesta situação, esperar se torna um verbo conjugado na vertente negativa da acomodação.

O ressentimento de estudantes em relação à escassez de projetos de extensão e pesquisa emergiu como base de experiências fortes para a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Isto porque, paradoxalmente, está evidenciada a prontidão dos estudantes para receber iniciativas da Universidade relacionadas com atividades formativas para a investigação científica, as quais podem ser combinadas com outras de extensão. Por outro lado, o ressentimento emergiu como base de experiências fracas, em relação àquela indissociabilidade. Neste caso, porque fortalece nos estudantes a percepção de que alguns colegas que participam dos projetos são privilegiados – com impactos, inclusive, nas vivências com o TCC, que passa a ser sinônimo de sofrimento.

Fonte: elaboração do autor.

Estes processos de socialização sofreram críticas dos estudantes durante as entrevistas. A reserva a papéis exercidos, favorecendo uma identidade subjetiva, se manifestou na imputação de responsabilidade mútua a estudantes e professores pela maior interação social e na idealização do docente capaz de ouvir o estudante. Neste sentido, a prática de feedbacks parece ser um caminho favorável não só para a maior interação, como também para a articulação entre aspectos informativos e formativos da educação (ver Fig. 23).

361

Figura 23 – Lógica da subjetivação: uso pelos estudantes. Autorresponsabilidade

Humildade/ conteúdos

O senso de autorresponsabilidade pela construção de processos interativos favoráveis à formação emergiu como base forte da interação social. Isto porque promove a melhor definição de papéis – em contextos de dificuldades para exercê-los, dada a heterogeneidade de princípios e valores que caracteriza os tempos atuais –, criando estruturas de relacionamento que priorizam compromissos reais entre os envolvidos.

A valorização, por parte dos estudantes, de atitudes de humildade (em oposição à prepotência), em meio ao desenvolvimento de conteúdos e narrativas de experiências pessoais, por parte de professores, emergiu como base de experiências sociais fortes para articulação informar-formar e interação social. Essas atitudes geram a necessária abertura a feedbacks relacionados com pontos sensíveis da relação estudante-professor e evidenciam elos da articulação entre conteúdos conceituais-procedimentais-atitudinais.

Fonte: elaboração do autor.

Estudantes que participaram da pesquisa informaram que tanto eles como seus colegas não dão retorno aos professores sobre a prática didático-pedagógica desenvolvida porque geralmente estes não o solicitam àqueles. De fato, as participantes informaram que os professores não “costumam solicitar esse retorno” (P1), sendo raro que isto ocorra entre os estudantes, que o fazem “quando o professor deixa” (P2).

4.1.2.2. Professoras

As professoras têm internalizado valores relevantes nos processos de socialização. A herança cultural inclui a valorização da honestidade do professor para com o estudante, devendo deixar claros os procedimentos, os comportamentos e as atitudes a ocorrerem durante o desenvolvimento do processo educacional. À semelhança do que evidenciaram os estudantes, uma consciência coletiva inclui (ou reforça) a rejeição ao desinteresse pelo curso. Inclui ainda o desejo de ser mais respeitado e a atribuição de responsabilidade mútua pela construção de processos interativos mais interessantes (ver Fig. 24).

362

Figura 24 – Lógica da integração: uso pelas professoras. Honestidade O desejo de manter uma relação honesta com os estudantes emergiu como fundamento de experiências sociais fortes para a articulação entre informarformar e interação social. No primeiro caso, aproxima os envolvidos a partir de valores reais, motivadores, claros, solidificando amizade, compromissos. No segundo caso, vincula conteúdos conceituais-procedimentais-atitudinais, num processo de encurtamento de distâncias, facilitado por valores também reais, bem definidos. Metaforicamente, essa honestidade promove uma limpeza de espaços por onde podem circular comportamentos e atitudes que facilitam a interação social e a articulação entre informar-formar – como, por exemplo, a prática de feedbacks.

Interesse pelo curso

Respeito ao professor

Autorresponsabilidade

A rejeição ao desinteresse de colegas pelo curso, tal como ocorreu entre os estudantes que participaram da pesquisa, emergiu como fundamento de experiências sociais fortes em prol da articulação informar-formar e indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Esta rejeição pode criar oportunidades para discutir e refletir com respeito à formação que se volta não só para o trabalho, mas, também, para a cidadania, bem como sobre o papel da universidade.

A atenção docente para manter distanciamento mínimo dos estudantes revelou-se como base para experiências sociais fracas na interação social, pois a fixação em tal ideia promove a ocultação de aspectos que, no dia a dia, fazem parte das condutas de estudantes e professores, que, pressionados por aquela atenção, ficam à margem do corredor de formalidades em que se transforma a relação estudantes-professor – cabe ressaltar que os estudantes que participaram da pesquisa não interpretam respeito ao professor nestes termos.

Tal como ocorreu entre os estudantes, a autorresponsabilidade pela construção de processos interativos favoráveis à formação revelou-se como base forte da interação social. Isto porque promove a melhor definição de papéis – em contextos de dificuldade de exercê-los dada a heterogeneidade de princípios e valores que caracteriza os tempos atuais –, criando estruturas de relacionamento que priorizam compromissos reais entre os envolvidos.

Fonte: elaboração do autor.

Esse processo de socialização das professoras inclui a percepção e o discurso de que a Universidade está a apoiar seu trabalho. Entretanto – e até evidenciando uma racionalidade limitada pela concorrência entre os diversos interesses que envolvem a atuação das professoras –, para atingir objetivos relacionados com a sua atuação didático-pedagógica, as professoras mencionaram

363

diversas dificuldades. Isto parece caracterizar alguma contradição com aquele discurso. Apesar disso, há se ponderar que as dificuldades mencionadas foram situadas também na perspectiva de uma crise das licenciaturas. Por fim, possivelmente estas dificuldades contribuem para que professores mantenham sua prática didático-pedagógica atrelada à sala de aula (como mencionado nos relatos), o que, por sua vez, poderia estar a prejudicar o objetivo institucional de fortalecer a associação entre ensino-pesquisa-extensão (ver Fig. 25). Figura 25 – Lógica da estratégia: uso pelas professoras. Apoio institucional, uma contradição

Crise das licenciaturas

Atuação restrita à sala de aula

A contradição entre o discurso do apoio institucional e as inúmeras dificuldades relatadas por estudantes e professoras para praticar a mais intensa articulação entre informar-formar, a maior interação social e a maior associação entre ensino-pesquisa-extensão surgiram como fundamento de experiências sociais fracas em relação a estes três amplos temas, pois estabelece diuturnamente linhas de imobilização dos envolvidos no sentido de condutas mais efetivas para essas práticas.

As menções a uma possível crise das licenciaturas, em meio a uma profunda crise institucional – com a dificuldade de definição de papéis – revelou-se como elaboração de experiências sociais fortes em relação à articulação informar-formar e à interação social. A razão disso está em que aquela percepção contextualiza os professores para a complexidade que caracteriza as interações e evidencia com maior clareza a dimensão das adequações de determinadas condutas desenvolvidas nessa complexidade.

A atuação didático-pedagógica atrelada à sala de aula emergiu como ponto de apoio para experiências sociais fracas com relação ao cumprimento do princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. O trabalho restrito à sala de aula conduz a visão de estudantes e professores a informações da literatura e às experiências pessoais destes últimos – verificouse que o TCC e o estágio supervisionado suprem algumas lacunas.

Fonte: elaboração do autor. Estes processos de socialização foram criticados pelas professoras, evidenciando, em certos aspectos, até onde alcança sua capacidade e condições de crítica em meio à imensidão de afazeres. Ao realizarem uma autocrítica, por exemplo, as participantes se apresentaram como capazes de articular informarformar. No entanto, há nesta percepção alguma contradição com o observado e com o dito pelas professoras. Por outro lado, ser um docente comprometido com a

364

formação integral do estudante – na medida em que articula informar-formar – emergiu como relevante para a operacionalização de estratégias institucionais de formação (ver Fig. 26). Figura 26 – Lógica da subjetivação: uso pelas professoras. Articulação informarformar, uma contradição

Desenvolvimento integral dos estudantes

Autopercepções contraditórias sobre a atuação didático-pedagógica capaz de articular informar-formar revelaram-se como fontes de experiências sociais fracas neste mesmo sentido, isto é, a favor desta articulação. As professoras ora se apresentaram como capazes desta articulação, ora como muito presas aos conteúdos (matéria, informação, conceitos). Esta contradição confunde a dinâmica curricular, nesse contexto, pois, com isto, o professor não consegue avaliar o impacto dos conhecimentos sobre a mudança de comportamentos e atitudes dos estudantes e como eles aproveitam os saberes adquiridos.

Ideal de professor que articula informação e formação e, por isto, contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes, emergiu como aspecto importante na construção de experiências sociais fortes para consolidar essa articulação. É uma atitude que mantém viva a estratégia formativa escolhida pela Universidade (conforme consta nos PPCs) capaz de sustentar iniciativas que irradiem ações por toda a instituição, principalmente, na atuação docente na sala de aula.

Fonte: elaboração do autor.

Estes temas estão consolidados no quadro que a seguir se apresenta. Assim, tem-se uma visão de conjunto deles em sua relação com as lógicas de ação. Após realizar o mais e o menos entre experiências sociais fortes e fracas, evidenciou-se que as experiências sociais fortes envolvem intensamente a articulação informarformar. Com isto, as análises das relações entre as lógicas de ação de estudantes e as lógicas de ação de professores estiveram mais focalizadas no âmbito daquela articulação. O cruzamento entre os temas gerados em conjunto com os participantes e os temas provenientes da literatura e análises disponibilizaram a valência das experiências sociais (Quadro 31). Ao desenvolver diálogos sequenciais, portanto, ao interagirem entre si, os jovens estudantes e as professoras participantes promovem uma aproximação entre determinadas experiências sociais construídas com base na utilização de lógicas de ação que, entrelaçadas de acordo com a dinâmica dos diálogos, podem ter um sentido integrativo, estratégico ou voltado para a elaboração de representações

365

culturais (DUBET, 1994). Este o quadro teórico que situou as análises no sentido de estabelecer relações entre lógicas de ação utilizadas por estudantes, de um lado; lógicas de ação utilizadas por professoras, de outro.

Integração

Lógicas de Ação

Quadro 31 – Lógicas de ação: temas e valências das experiências sociais. Temas Gerados com Provenientes os estudantes da literatura e análises

Estratégia

Valência das experiências sociais

Gerados com as professoras

Provenientes da literatura e análises

Valência das experiências sociais

Amizade

2

Forte

Honestidade

1, 2

Forte

Criatividade

3

Forte

Interesse pelo curso

1, 3

Forte

Interesse pelo curso

1, 3

Forte

Respeito ao professor

2

Fraca

Natureza do curso

1, 2

Forte

Autorresponsabilidade

2

Forte

1, 2, 3

Forte

Apoio institucional (contradição)

1, 2, 3

Fraca

Atitude de espera

1

Forte

1, 2

Forte

2

Fraca

Crise das licenciaturas

Ressentimento /privilégio

3

Forte

3

Fraca

3

Fraca

Atuação restrita à sala de aula

Autorresponsabilidade

2

Forte

Articulação informar-formar (contradição)

1

Fraca

1, 2

Forte

Desenvolvimento integral dos estudantes

1

Forte

Atuação docente

Subjetivação

Temas

Humildade /conteúdos.

Fonte: elaboração do autor. Legenda: 1 – Articulação informar-formar; 2 – Interação social; 3 – Atividades de pesquisa e extensão.

Entre os estudantes, as experiências sociais que mais contribuem para a maior articulação entre aspectos informativos e formativos da educação se situam no âmbito das lógicas da integração e da estratégia (cada uma destas lógicas teve duas ocorrências do tipo forte e a outra lógica somente uma ocorrência do mesmo tipo). Entre as professoras, as experiências sociais que mais contribuem para aquela articulação estão no plano da lógica da integração (duas ocorrências do tipo forte situadas nesta lógica, enquanto, entre as outras lógicas, foram identificadas duas ocorrências do tipo forte que contrabalançam com duas ocorrências caracterizadas

366

como fracas). O que constitui aspecto comum nas condutas de estudantes e professores, no plano da lógica da integração, podendo contribuir para que aspectos informativos e formativos da educação sejam articulados melhor? Noutros termos: o que faz consenso entre estudantes e professores e em função disso haja maior articulação informar-formar? O que se faz comum, capaz de aproximar mais os comportamentos e as atitudes em prol desta articulação, revelou-se ser a preocupação com o desinteresse de estudantes pelo curso (uma ocorrência do tipo forte para os estudantes e uma ocorrência similar para as professoras). É de se notar que esta preocupação se estende às questões relacionadas às atividades de pesquisa e extensão. Portanto, aspectos relacionados àquela preocupação se situam tanto no lado dos estudantes como no das professoras e têm como base importante o uso de lógicas da integração. Evidenciou-se a percepção dos estudantes de que o curso, por sua natureza, leva à maior articulação informar-formar por meio de processos conduzidos automaticamente – como se tal articulação, na comparação com o voo de uma aeronave, ocorresse ao modo do piloto automático (aparece uma ocorrência do tipo forte). Entre as professoras, evidenciou-se a valorização da honestidade nas relações educativas que mantêm com os estudantes em favor daquela articulação (aparece uma ocorrência do tipo forte). Ao serem analisadas as experiências sociais que mais contribuem para a articulação informar-formar, na esfera da lógica da estratégia, verificou-se que houve uma predominância destas experiências entre os estudantes (aparecem duas ocorrências do tipo forte entre os estudantes e uma do mesmo tipo entre as professoras, sendo que esta ainda contrabalança com outra do tipo fraca). Evidenciou-se a convicção, entre eles, de que o futuro que os espera em termos profissionais é a atuação docente. Evidenciou-se ainda, entre eles, um contexto de espera por aulas mais dinâmicas, com atividades interessantes e diversificadas. Por sua vez, entre as professoras, constatou-se a percepção de apoio institucional à ação docente – ainda que a pesquisa tenha detectado que existem lacunas a serem preenchidas com relação a este apoio. Além disso, ficou evidente que, para elas, há uma crise das licenciaturas.

367

Desse modo, configura-se que, de um lado, estão estudantes já preocupados em se formar para atuar como professores ao tempo em que gostariam de ter um curso mais prazeroso; de outro lado, professoras que, embora reconheçam aquela crise, entendem que têm o apoio da instituição. Como se verifica, quanto ao uso de lógicas da estratégia, após ter sido realizado o mais e o menos entre as fortes e as fracas, constatou-se o predomínio do uso destas lógicas entre os estudantes quando o foco da análise esteve situado na articulação entre aspectos cognitivos, socioemocionais e culturais. No jogo jogado por estudantes e professores na interação estabelecida por eles no dia a dia, as condutas guiadas pela intencionalidade racional – envolvendo objetivos e esforços para atingi-los – se fazem mais presentes entre estudantes do que entre professoras quando a análise se deteve na articulação informar-formar. Assim, com relação às lógicas integrativas e estratégicas, parece que as dificuldades permeiam a carência de uma efetiva estratégia da Universidade capaz de envolver estudantes e professores no sentido de trazer aqueles que se mostram desinteressados pelo curso, fazendo isto já aproveitando as características dos cursos, com discussões abertas, claras (com honestidade). Parece

evidente

a

necessidade de intensificar (ou iniciar) discussões a respeito do papel da universidade e das licenciaturas na formação dos professores, bem como sobre a contribuição destes à formação integral dos futuros alunos. No âmbito da lógica da subjetivação, apesar de menos evidenciada a contribuição de experiências sociais em prol da articulação informar-formar, torna-se oportuno ressaltar que, entre os estudantes, identificou-se o anseio de presenciar mais no processo educacional o que eles denominaram espírito de humildade dos docentes. Já entre as professoras, identificou-se o anseio de contribuir, cada vez mais, com a formação integral dos estudantes. Cabe ainda fazer dois destaques. O primeiro se refere ao consenso entre os participantes ao redor do desinteresse de estudantes pelo curso, com um impacto que, de algum modo, é positivo na articulação informar-formar. Este consenso faz-se acompanhar de um sentimento de autorresponsabilidade pela interação social (o que poderia ser utilizado como recurso para trazer os estudantes para o curso). No entanto, se este sentimento é construído pelos estudantes na crítica normativa e cognitiva (valores institucionalizados e interesses projetados) aos modos de

368

socialização, as professoras o constroem na aceitação a valores consagrados. As evidências situaram-se no âmbito de questões e relatos em abordagens que partiram, respectivamente, da perspectiva da lógica da subjetivação e da lógica da integração. Traduzido em outros termos, tem-se que, no mesmo plano, estudantes e professoras se preocupam com o desinteresse de formandos em licenciaturas e se sentem responsáveis pela interação social entre todos. Em planos diferentes, a autorresponsabilidade é construída em cima de valores que, entre os estudantes, resultam de um processo dinâmico e, entre as professoras, resultam de um processo que parece cristalizado. Combinar isto em favor do maior interesse de estudantes pelo curso, ou seja, para trazê-los para o curso, converte-se em desafio para a Universidade. O segundo destaque refere-se às atividades de pesquisa e extensão. As experiências sociais favoráveis a elas estiveram presentes prioritariamente entre os estudantes (quatro ocorrências de experiências fortes e uma fraca entre eles; uma forte e duas fracas entre as professoras). Entre eles, evidenciou-se a expectativa de usar a criatividade em prol destas atividades, podendo atrair alunos desinteressados pelo curso. Evidenciou-se também a percepção de que a pesquisa e a extensão contribuem com a boa formação docente. Já entre as professoras, embora também haja a percepção de que estas atividades podem ajudar a atrair alunos desinteressados, evidenciou-se que o apoio institucional (visão global obtida com os relatos) ainda pode ser maior.

4.1.3. Contribuições e impactos da (des) articulação informar-formar

Neste trabalho, as oportunidades de articulação entre aspectos informativos e formativos da educação presentes nas relações estabelecidas entre estudantes e professores foram identificadas na dinâmica curricular desenvolvida na sala de aula (Seção 3.4), mas procedeu-se também à busca destas oportunidades no âmbito das atividades de pesquisa e extensão (Seção 3.3). Cabe agora indicar em que medida tais oportunidades têm contribuído para a interação de experiências sociais e, na sequência, expor em que medida esta interação atende aos quatro pilares da educação para o século XXI.

369

Oportuno esclarecer que, apesar da busca de contribuições da dinâmica curricular a favor de atividades de pesquisa e extensão, apresentam-se a seguir apenas análises de evidências oferecidas na sala de aula. Conforme se verificou, aquelas atividades se desenvolvem com prioridade para a elaboração dos TCCs e, ainda assim, pouco envolvendo a extensão – uma análise que, por exigir procedimentos específicos, se afastaria em demasiado das questões da pesquisa. Não obstante, considerando que a dinâmica curricular desenvolvida em atividades de pesquisa e extensão ofereceu ausências da articulação informarformar, estas foram analisadas em termos de impactos ao cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI. A elas juntaram-se ausências da articulação constatadas no ambiente da sala de aula. De tal maneira que as informações estão organizadas a partir do seguinte encadeamento lógico: contribuições da presença da articulação entre informarformar para a interação das experiências sociais e, imediatamente, contribuições desta interação para o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI; impactos da ausência daquela articulação sobre a interação das experiências sociais, o que, por sua vez, repercute sobre o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI.

4.1.3.1. Contribuições para a interação das experiências sociais

Considera-se como contribuição toda e qualquer articulação entre aspectos informativos e formativos. Portanto, provém de uma ação educativa capaz de aproximar conhecimentos teórico-práticos do desenvolvimento humano; capaz de situar estudantes e professores em idêntica perspectiva de comportamentos, atitudes, ideias e preocupações, potencializando a sequência de diálogos construídos na diversidade de valores, interesses e representações culturais. Neste sentido, evidenciaram-se dois tipos de articulação para quatro espaços de interação das experiências sociais (ver Fig. 27).

370

Figura 27 – Contribuições da articulação informar-formar para a interação das experiências sociais de estudantes e professores. Articulação informar-formar:

Espaços da interação das experiências sociais:

Teoria e prática: a articulação entre teoria e prática favorece a emergência da interação social, dentre outras, relacionada à maior capacidade crítica e à melhor atuação no estágio supervisionado e no PIBID.

1 – Capacidade crítica. Articular teoria e prática aproxima condutas de estudantes e de professores quando a ação se realiza por meio de uma atuação crítica por parte de ambos. Como afirmaram estudantes que participaram da pesquisa, algumas disciplinas ajudam os alunos a serem mais críticos; a Universidade põe os estudantes para pensar, discutir e ver o mundo lá fora. Isto é possível só com uma atuação que considere a articulação teoria-prática. 2 – Atividades do estágio supervisionado e PIBID. Articular teoria e prática aproxima comportamentos e atitudes de estudantes e de professores quando a ação ocorre por meio das atividades do estágio supervisionado e PIBID. Como declararam os estudantes do curso de LP, o estágio supervisionado e o PIBID se constituem em importantes mecanismos da formação inicial, pois compensam a baixa prioridade dos currículos quanto à prática do ensino, exercitam a função social do professor e aproximam o ensino, a pesquisa e a extensão. Conforme declararam, o estágio supervisionado é um momento de construção do professor, levando o estudante a se perceber como professor. O curso de LL enfatiza que, nas turmas do estágio supervisionado, tenta-se levar experiências pessoais e profissionais. Isto é possível só com uma atuação que considere a articulação teoria-prática.

Conteúdos: a articulação entre os diversos tipos de conteúdos (conceituais, procedimentais e atitudinais) favorece a emergência de interação social entre experiências sociais. Como exemplos, citam-se a prática da narrativa de experiências pessoais e profissionais aos estudantes e a prática de feedbacks.

3 – Narrativas de experiências pessoais e profissionais. Articular os diversos tipos de conteúdos aproxima comportamentos e atitudes de estudantes aos de professores, pois, como afirmaram os estudantes que participaram da pesquisa, a prática serve para amadurecer, para se preparar para a vida, isto é, presta-se a capacitar para resolver problemas. Conceber dessa forma significa admitir possibilidades de articular conceitos, práticas e atitudes. 4 – Prática de feedbacks. Articular tipos diferentes de conteúdos aproxima condutas de estudantes às de professores. Como se observou na entrevista em dupla da qual participaram estudante e professora de LP, informações importantes são trocadas quando a prática de feedbacks é assumida pelos envolvidos na relação. Na entrevista foram confirmadas informações coletadas e geradas em entrevistas individuais – o momento foi raro, considerando que, em geral, os professores não pedem feedbacks aos estudantes, mas apresentou-se significativo para a aproximação de experiências sociais identificadas durante a coleta e geração de dados.

Fonte: elaboração do autor.

371

4.1.3.2. Contribuições para o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI

Considera-se como contribuição toda e qualquer interação entre experiências sociais – portanto, que envolva a aproximação entre condutas individuais ou coletivas – capaz de justapor comportamentos, atitudes, ideias e preocupações, de tal sorte que os envolvidos, cada vez mais, aprendam a conhecer, a fazer, a conviver e a ser (DELORS et al., 1998). De modo especial, interações que coloquem em alta evidência valores, interesses e representações culturais, âmbitos que se encontram no cerne da análise da construção de experiências sociais. Assim, os temas a seguir analisados refletem elos na conexão de experiências sociais importantes para o desenvolvimento de aprendizagens as quais apontam diretamente para os quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). O primeiro tema refere-se à interação entre experiências sociais capazes de contribuir para a aprendizagem favorável à melhor compreensão de mundo, a viver com dignidade. Sobretudo, que possibilita o prazer da descoberta, as alegrias da pesquisa, os “instrumentos, conceitos e referências resultantes dos avanços das ciências e dos paradigmas do nosso tempo” (DELORS et al., 1998, p. 91). Que possibilita a especialização, mas sem excluir a cultura geral, pois esta permite uma comunicação efetiva. Que possibilita apreender novas linguagens e metodologias, portanto, algo mais do que aprender a aprender – conforme a literatura no âmbito da psicologia cognitiva na educação, este pode ser adquirido até individualmente (REDER et al., 2011)101. Refere-se aqui à aprendizagem que possibilita reinventar o futuro (GADOTTI, 2000). À aprendizagem que favorece o aprender a conhecer, para a qual contribuem, conforme constatado nesta pesquisa, as vivências relacionadas com o desenvolvimento da capacidade crítica (ver Fig. 28).

101

Na obra em referência, os autores defendem que o conhecimento, nomeadamente o escolar, tem seu valor independentemente do contexto onde ele ocorre. Defendem que os testes servem não só para avaliar a aprendizagem, mas para aumentar a capacidade de aprender e que, a longo prazo, a memória melhora a aprendizagem, não havendo problema algum em aprender de cor.

372

Figura 28 – Capacidade crítica. Aprender a conhecer

Verificou-se que os professores dos cursos pesquisados contribuem para o desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes. Embora a maior contribuição esteja entre professores de gramática e entre os que já ensinaram na educação básica, em geral, os professores contribuem para que essa formação ocorra. Recorrem a perguntas aos estudantes, expressam opiniões e tentam colher percepções e representações.

Fonte: elaboração do autor.

Em geral, qualquer estudante percebe o curso que realiza e a universidade onde estuda através da ação do professor. Este é quem mais se coloca em foco, sendo o principal ator na operacionalização do currículo (CÂMARA, 1995). Neste sentido, os professores são percebidos pelos estudantes como atores fundamentais na construção de sua capacidade crítica. Para melhor, se os professores assim atuam e não seja apenas uma percepção. Não foi outro o resultado encontrado por esta pesquisa. Constatou-se que geralmente os professores dos dois cursos fazem perguntas aos estudantes e promovem reflexões, apesar de predominarem aulas expositivas. Este modo de atuar gera contextos favoráveis ao desenvolvimento da atitude crítica, seguindo-se o desenvolvimento da capacidade de compreender melhor o ambiente em que se insere. Isto é fazer educação por meio do estímulo ao sentido crítico de modo a permitir compreender as diversas realidades a partir da aquisição da autonomia na capacidade de discernir (DELORS et al., 1998). O segundo tema remete para a contribuição de experiências sociais com uma aprendizagem mais vinculada à formação profissional, aquela que auxilia os estudantes a por em prática conhecimentos adquiridos. Refere-se a conhecimentos que preparam os estudantes para participar de uma sociedade em que as economias sobrevivem quanto mais forem capazes de inovar. Refere-se a uma aprendizagem para além da simples transmissão de práticas. Aquela que favorece o aprender a fazer, para a qual contribuem, conforme se constatou nesta pesquisa, vivências relacionadas a atividades do estágio supervisionado (ver Fig. 29).

373

Figura 29 – Estágio supervisionado e Pibid. Aprender a fazer

Verificou-se que os professores contribuem para que os estudantes aproveitem ao máximo os conhecimentos adquiridos. Embora reconheçam que o estágio supervisionado, como vem sendo operacionalizado, seja insuficiente na formação para o magistério, as professoras o utilizam para passar aos estudantes experiências profissionais. O Pibid também é utilizado.

Fonte: elaboração do autor. As professoras utilizam-se do estágio supervisionado e do Pibid como meios de passarem experiências aos estudantes. Estes recursos constituem-se em oportunidades de preparação para a futura prática docente. Isto, ainda que seja uma iniciativa dos professores mais no sentido de superar momentos em que os currículos não priorizam a prática do ensino. Uma baixa prioridade dos currículos que os estudantes tentam superar com experiências passadas também por professores das escolas visitadas durante atividades do estágio supervisionado. Este é um aspecto importante do estágio supervisionado, o qual não deve se reduzir à realização de uma tarefa material. Deve se voltar para aprendizagens com foco em conhecimentos capazes de criar algo novo. Sobretudo, que contribua com o futuro profissional da educação para que seja um agente de transformação. Com efeito, num mundo em permanente mudança, as aprendizagens “não podem mais ser consideradas como simples transmissão de práticas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor formativo que não é de desprezar” (DELORS et al., 1998, p. 93). O terceiro tema refere-se à aprendizagem viabilizadora do exercício de compreensão mútua dos indivíduos. Que possibilita resolver os conflitos de maneira pacífica num mundo em que o espírito de competição e o sucesso individual são priorizados pelas economias. Tal aprendizagem viabiliza que estudantes aprendam a trabalhar em projetos comuns “e dar lugar a uma cooperação mais serena e até à amizade” (DELORS et al., 1998, p. 97). Em tal aprendizagem, o outro é descoberto. A necessidade de interdependência é desvelada. Com ela, descobre-se que o esforço comum proporciona prazer. Esta seria a aprendizagem favorável ao aprender a conviver, para o que, de acordo com verificações desta pesquisa, contribui a prática de narrar experiências pessoais e profissionais aos estudantes (ver Fig. 30).

374

Figura 30 – Narrativas de experiências a estudantes. Aprender a conviver

Conforme se constatou, os professores contribuem para que os estudantes se projetem na atuação docente que os aguarda após a conclusão do curso. Envolvidos com preocupações em torno da diversidade de princípios e valores que caracteriza o mundo atual, instigam os estudantes a pensar sua prática na lida com essa diversidade. Recorrem a exemplos pessoais, trazendo situações de conflito como exemplo para fazê-los pensar.

Fonte: elaboração do autor.

Ao serem acompanhadas por reflexões críticas sobre a prática docente, as narrativas de experiências pessoais e profissionais contribuem para repensar condutas, valores e interesses. Trata-se de uma prática que pode contribuir também para que os estudantes tenham uma convivência melhor no curso, como ficou evidenciado pela pesquisa. Constatou-se que a interação gerada por esta prática ajuda os estudantes a definirem, ou em alguns casos, a redefinirem, para melhor, projetos pessoais, pois passam a contar com o compartilhamento de ideias, preocupações e sonhos. Desse modo, duas vias educativas se complementam: a descoberta progressiva do outro e a participação em projetos comuns (DELORS et al., 1998). Narrar experiências sociais constitui-se, assim, em oportunidade importante para que estudantes e professores se conheçam melhor e compartilhem projetos que contribuam, dentre outros, para evitar ou resolver conflitos. O quarto e último tema refere-se à aprendizagem que possibilita o desenvolvimento integral do indivíduo, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. A aprendizagem que viabiliza uma compreensão de mundo para nele atuar de forma justa e responsável. Tal aprendizagem reconhece a diversidade das personalidades, autonomia, iniciativa, inovação. Reconhece que, neste mundo em mudança, “deve ser dada importância especial à imaginação e à criatividade” (DELORS et al., 1998, p. 100). Esta seria a aprendizagem que favorece o aprender a ser. Neste trabalho, a prática de feedbacks apresentou-se como uma contribuição para esta aprendizagem (ver Fig. 31).

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Figura 31 – Prática de feedbacks. Aprender a ser

Constatou-se o desejo entre os participantes de compartilhar informações, percepções e busca de solução para velhos e novos problemas relacionados à interação social entre estudantes e professores, bem como relacionados à prática didático-pedagógica. Apesar de não ser uma prática comum (uma exceção é o momento de informar notas de prova), participantes desejam essa prática, pois atribuem valor para a formação.

Fonte: elaboração do autor.

A prática do retorno entre estudantes e professores frequentemente tem se revestido do caráter de reclamar. Caso necessitem reclamar, usualmente os estudantes se reúnem em grupo e se dirigem à diretoria do curso, em geral no final do ano letivo. Utilizam abaixo-assinados. Por seu turno, professores passam o recado aos estudantes no primeiro dia de aula, informando sobre normas e procedimentos. Tais situações foram constatadas pela pesquisa. Poucos momentos foram identificados para o retorno acompanhado de reflexão, aquele que contribui não só para melhorar o relacionamento entre alunos e professores, mas capaz de contribuir efetivamente para enriquecer as pessoas. Refere-se ao retorno autêntico, oportuno e honesto, desenvolvido em torno de valores e interesses. Isto impulsiona a humanização. Gera oportunidade para que os envolvidos aprendam a ser mais. A humanização a que se refere é “processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro” (DELORS et al., 1998, p. 101). Neste sentido, a prática de feedbacks apresenta-se importante.

4.1.3.3. Impactos sobre a interação das experiências sociais

Considera-se impacto a ausência da articulação entre informar-formar capaz de provocar distanciamento entre perspectivas de condutas, levando à quebra de sequências de diálogos (potenciais ou elaborados) decorrentes de uma herança cultural, de intencionalidades racionais e/ou da capacidade crítica dos envolvidos nesses diálogos. Efetivamente, é a própria separação entre experiências sociais.

376

Neste sentido, evidenciaram-se dois tipos de ausência para quatro lacunas da interação de experiências sociais que, por sua vez, irão repercutir sobre os quatros pilares da educação para o século XXI (ver Fig. 32). Figura 32 – Impactos da ausência da articulação informar-formar sobre as experiências sociais de estudantes e professores. Não articulação informarformar: Teoria e prática: a ausência de articulação entre teoria e prática impacta a emergência da interação social, dentre outras, relacionada à associação entre ensino, pesquisa e extensão e ao desenvolvimento de aulas que extrapolam o ambiente da sala.

Lacunas da interação de experiências sociais: 1 – Ausência da maior associação ensino-pesquisa-extensão. Não articular teoria e prática distancia comportamentos e atitudes de estudantes e professores nos momentos em que o processo educacional não é percebido e operacionalizado naquilo que fundamentalmente caracteriza a instituição: prática de pesquisa e o compartilhamento de saberes. 2 – Ensino atrelado à sala de aula. Teoria e prática separadas distanciam condutas nos momentos em que o ensino fica atrelado à sala de aula.

Conteúdos: a ausência de articulação entre os diversos tipos de conteúdos (conceituais, procedimentais e atitudinais) impacta a emergência de interação social entre experiências sociais. Como exemplos, citam-se a ausência de maior equilíbrio entre aspectos racionais e socioemocionais e o apelo à educação bancária.

3 – Ausência de maior equilíbrio entre aspectos racionais e socioemocionais. Nos casos em que os tipos de conteúdos não são articulados ocorrem dificuldades para o maior equilíbrio entre aspectos racionais e socioemocionais. Aqui está um espaço da não interação entre experiências sociais. 4 – Apelo à educação bancária. O apelo à educação bancária passa pela ausência de maior articulação entre os diversos tipos de conteúdos. É também um espaço de experiências sociais que não interagem.

Fonte: elaboração do autor. Como se verifica, as análises de aspectos relacionados com atividades de pesquisa e extensão situaram-se no âmbito do distanciamento entre objetivos teóricos e práticas que se realizam nos cursos. Por sua vez, as análises de aspectos relativamente a atividades da sala de aula situaram-se no plano do distanciamento entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. 4.1.3.4. Impactos sobre o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI

377

Considera-se como impacto qualquer fato que dificulta a formação de estudantes, e de professores na interação com aqueles, relacionado com o aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser (DELORS et al., 1998). Tendo isso em vista, para verificar os impactos da ausência de interação das experiências sociais sobre o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI, tomou-se como referência o distanciamento existente entre o proclamado como estratégias formativas pela Universidade pesquisada e o praticado pelos cursos. Assim, quatro distanciamentos, ou impactos, foram identificados pela pesquisa (ver Fig. 33, 34, 35 e 36). Figura 33 – Poucas evidências da associação entre ensino-pesquisa-extensão. Aprender a conhecer

Proclama-se que a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão seja a base propulsora da atualização de estudantes e professores, com o ensino voltado para a prática; a pesquisa, sendo o eixo viabilizador da mudança de condutas e a extensão, sendo o meio de se cumprir o papel social da Universidade. No entanto, verificou-se que o ensino oscila entre o excesso de conteúdos conceituais e a preocupação em formar para cumprir-se a função social do professor; que a pesquisa distancia-se dos processos educacionais, apesar dos esforços dos professores para se cumprirem as intenções dos cursos com relação ao assunto; que a extensão, considerada no todo, pouco se apresenta como oportunidade de aproximar estudantes e sociedade (estágios e projetos).

Fonte: elaboração do autor.

Este primeiro distanciamento (ver Fig. 33) dificulta o cumprimento de objetivos planejados pela Universidade vinculados à promoção de uma aprendizagem voltada para aprender a conhecer. A Universidade estabeleceu a iniciação científica como recurso auxiliar para os estudantes no sentido de aprenderem a conhecer. Propõese a fazer isto por meio da aproximação entre problemas da profissão e problemas da sociedade, devendo ser a solução de problemas sociais o resultado da articulação entre teoria e prática, tendo na extensão importante contributo. Estabelecem os documentos estratégicos que a sala de aula deve ser o locus para intensificar a relação ensino-pesquisa; o currículo deve conter processos de aprendizagem que considerem a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. Portanto, todas estas definições – que formulam uma base para a indissociabilidade à qual se refere – buscam promover uma aprendizagem voltada para aprender a conhecer, pois aqui o centro está na capacidade de compreender o mundo, viver

378

com dignidade, desfrutando da satisfação proporcionada pela atividade de pesquisa e recorrendo a instrumentos e conceitos já conquistados (DELORS et al., 1998). No entanto, a pesquisa constatou poucas evidências dessa indissociabilidade, se considerada a ênfase dada ao assunto nos documentos estratégicos da Instituição. E, à vista do que explicitam leis e normas sobre o conceito de indissociabilidade (BRASIL, 1988, 1996), denotando ser ela uma articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, entende-se que a sua ausência impacta o cumprimento dos pilares da educação para o século XXI – cabendo ressaltar que não existe pilar separado do outro. Figura 34 – Ensino atrelado à sala de aula. Aprender a fazer

A Universidade anuncia que as discussões teóricas empreendidas com os estudantes derivam e se sustentam nas práticas, oferecendo maior consistência e rigor aos estudos. Por se tratarem de cursos de licenciatura, as próprias interações entre estudantes e professores precisam buscar essa sustentação. No entanto, identificou-se certa restrição à sala de aula, com a prevalência da aula expositiva em relação a outras estratégias de atuação, com pouco foco na prática da pesquisa e quase nenhum em extensão.

Fonte: elaboração do autor.

Este segundo distanciamento (ver Fig. 34) dificulta o alcance de objetivos da Universidade vinculados à promoção de uma aprendizagem voltada para aprender a fazer. Ao definir a sala de aula como um laboratório da linguagem e o currículo composto por processos que tornem acessíveis à sociedade conhecimentos gerados, a Universidade apontou, por meio de seus documentos estratégicos, o percurso a ser palmilhado pelos professores, com aulas capazes de ensinar o estudante a aprender a fazer. Apontou que sustenta a consecução do aprender a fazer numa atuação didático-pedagógica que utiliza estratégias diversificadas capazes de nortear condutas dos estudantes já pensando na futura atuação profissional. Isto porque, se aquelas definições forem cumpridas, ocorrerá a melhor preparação dos estudantes para participarem dos problemas da sociedade, transformando conhecimento em pura inovação (DELORS et al., 1998). De algum modo, sendo tais definições cumpridas, obrigam-se os estudantes (e professores) a pensar sobre os modos de intercambiar conhecimentos com a sociedade.

379

Entretanto, foram identificadas diversas evidências de aulas atreladas ao ambiente da sala, com prioridade para o uso de exposições. Dentre outros aspectos identificados, verificou-se que, no núcleo daquele distanciamento, acham-se presentes elementos da pedagogia em que a transmissão de conteúdos tende ao excesso de conceitos – o que, inclusive, focaliza entre os estudantes a obrigação de repetir informações para efeito de avaliação por meio de provas, portanto, no sentido da pedagogia bancária (FREIRE, 1987). Considerando que o uso de estratégias diversificadas durante a interação estudantes-professores-estudantes já se constitui mesmo na articulação informarformar, constatou-se que tais evidências representam um impacto no cumprimento dos pilares da educação para o século XXI. Figura 35 – Ausência de equilíbrio entre aspectos racionais e socioemocionais. Aprender a conviver

Proclama-se que a aprendizagem deve estimular o desenvolvimento da arte do pensar, do sentir e do agir. Para serem coerentes com essa declaração, os professores precisam promover certo equilíbrio entre os aspectos racionais e os emocionais. No entanto, verificou-se que, para alcançar tal equilíbrio, os professores apelam para um distanciamento em relação aos alunos (na suposição de que assim adquirem respeito junto a eles), existindo receio de serem criticados por aqueles quanto à atuação didáticopedagógica.

Fonte: elaboração do autor.

Este terceiro distanciamento (ver Fig. 35) dificulta cumprir objetivos da Universidade vinculados à promoção de aprendizagens voltadas para aprender a conviver. A Universidade estabeleceu, dentre outros objetivos, que o estudante seja formado para a ética. Um conceito que abrange, segundo os documentos estratégicos analisados, a capacidade de atuar em equipe, com cooperação, interagindo com outras pessoas e outras culturas, no respeito e convivência com as diferenças. Para formar um egresso capaz de trabalhar em diversos espaços, escolares e não escolares, de modo a promover uma aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano – como estabelecem aqueles documentos – torna-se necessário ao professor desenvolver e ter condutas que equilibrem aspectos racionais e emocionais presentes na interação com alunos. Portanto, no fim de tudo, pela aprendizagem voltada para aprender a conviver passa a capacidade de equilibrar razão e emoção. Um equilíbrio que se torna, por si,

380

a articulação informar-formar. Já é a própria articulação. Neste sentido, as dificuldades de estabelecer tal equilíbrio constituem-se em impactos no cumprimento dos pilares da educação para o século XXI. Figura 36 – Apelo à educação bancária. Aprender a ser

A Universidade proclama em seus documentos que não priorizará a educação bancária. No entanto, a informação predomina sobre a formação. Nas aulas observadas, em geral, a aula expositiva domina na maioria do tempo. Verificouse a imobilidade de estudantes, a escutar cansativas exposições, e desejo deles de que houvesse conteúdos mais significativos.

Fonte: elaboração do autor.

Este quarto distanciamento (ver Fig. 36) torna mais difícil à Universidade promover uma aprendizagem voltada para aprender a ser, conforme estabelecido como objetivo institucional. Ao explicitar em seus documentos estratégicos que será abandonada a perspectiva tradicional da educação que considera o estudante como um sujeito passivo, mero receptor de informações, a Universidade deixa claro que não adotará a transmissão de informações desacompanhada de formação. Assume o compromisso de desenvolver no estudante a curiosidade. Coloca-o na perspectiva de protagonista de seu aprendizado nas diversas situações vivenciadas ao longo do curso. Desse modo, a Universidade busca sustentação da aprendizagem voltada para aprender a ser no abandono da pedagogia antidialógica. Ora, a pedagogia dialógica já é a articulação informar-formar. Em tal modo de fazer educação, os envolvidos têm a liberdade de expressão, inclusive de se referir mutuamente a respeito das diversas situações vivenciadas. Com legitimidade, adquirem o direito de opinar sobre condutas que participam do processo de formação mais humana.

4.1.4. Interações entre experiências sociais de estudantes e de professores

Neste trabalho, há um momento em que se apresenta um exercício de análise da interação das experiências sociais de estudantes e professores. Um exercício realizado a partir de resultados de diversas pesquisas (Seção 1.4.5). Nele tomaramse como objeto de observação certas vivências do dia a dia de estudantes e

381

professores universitários, escolhidas porque constam com frequência em estudos relacionados à vida estudantil (mundo do trabalho, cidadania, desenvolvimento pessoal e profissional, dentre outros). Tais vivências, efetivamente, estratos da realidade, foram analisadas de acordo com a noção de experiência social. Portanto, tendo como eixo principal as lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes e professores nas diversas situações identificadas pelas pesquisas referenciadas (Quadros 11 e 12). Tal momento abrigou aspectos da identidade social do jovem estudante e do professor de universidades brasileiras (Quadro 8). A visualização dessas lógicas de ação, naquele exercício de análise, possibilitou verificar aspectos estratégicos da interação entre experiências sociais construídas, de um lado, por jovens estudantes; de outro lado, por professores. Após a identificação das lógicas de ação, deliberadamente, foram focalizadas as interações no âmbito do mundo do trabalho. Verificou-se que os jovens universitários vivenciam pressões relacionadas à vida profissional, que perpassa intensamente a formação acadêmica. Constatou-se que os professores universitários vivenciam pressões, dentre outras, relacionadas ao exercício da profissão docente, ao planejamento das aulas, à operacionalização do currículo, à avaliação dos estudantes. Com tal exercício, ficou evidenciado que determinados aspectos da interação entre experiências sociais são mais visíveis em processos de construção da identidade social e em processos que vinculam a ação do indivíduo a sistemas onde esta ocorre – confirmando Dubet (1994). Compreendeu-se melhor como ocorre esta interação, considerando aspectos de tais processos, principalmente, na sala de aula. Portanto, envolveram três conceitos, já mencionados neste trabalho, sendo pertinente resgatá-los em sua essência: 1) interação entre experiências sociais, compreendida como toda e qualquer aproximação entre condutas individuais ou coletivas que, por se objetivarem em sistemas, são passíveis de análise, sendo viabilizada por meio da inter-relação de valores, interesses e projeções que mobilizam os envolvidos na construção destas condutas; 2) identidade social, significando, neste trabalho, momentos em que o indivíduo interage com os outros ao lançar mão de valores e sentidos, em meio a diversos sistemas culturais, sendo caracterizada pela fragmentação e contraditoriedade, ora predominando valores que

382

se

constituem

numa

herança

cultural,

ora

interesses

que

sofrem

os

constrangimentos de uma intencionalidade racional ou ainda representações culturais, que têm limite na capacidade crítica dos indivíduos; 3) vinculações causais, apreendidas como mecanismos que ligam a ação do indivíduo a certos sistemas, sendo que, dependendo da natureza das relações de causalidade, caracterizam processos que podem socializá-lo, levá-lo a jogar um jogo de escolhas e/ou deixá-lo em frente a tensões entre a adesão a valores já estabelecidos e o distanciamento de determinadas estruturas. Para repetir o feito, nesta pesquisa, foram utilizadas informações sobre a identidade social dos participantes, geradas a partir de percepções a respeito dos diversos diálogos que eles constroem entre si (Seção 3.5, Quadros 29 e 30), bem como informações sobre as relações entre as lógicas de ação envolvidas (Seção 3.2, Quadro 31). Utilizaram-se informações sobre as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas que compõem os processos educacionais desenvolvidos nas salas de aula da Universidade (Seção 3.4), estendendo-se as observações a atividades de pesquisa e extensão (Seção 3.3, ver Fig. 19 e 20). Com estas informações, tornou-se possível inferir oportunidades de interação das experiências sociais identificadas pela pesquisa, tendo como objeto não mais interações no âmbito do trabalho – como fora realizado ao se proceder a revisão da literatura – mas vivências relacionadas à articulação informar-formar. Desse modo, além de apresentar a confirmação da existência da interação entre aquelas experiências, esta seção continua a explicitar o seu desenvolvimento, atendendo a uma parte dos objetivos da pesquisa. É isto que se segue. O estudante entende que o curso contribui para formar tanto para a cidadania quanto para o mundo do trabalho. No entanto, gostaria que houvesse conteúdos mais significativos – mais interessantes; menos estressantes. Provavelmente este cenário esteja contribuindo para o alegado desinteresse pelo curso. Aliás, esta preocupação está no centro do discurso das professoras, que, percebendo-se como educadoras não conteudistas, tentam manter uma relação com os estudantes a mais honesta possível, isto é, informam regras do curso, sistema avaliativo, dentre outros. Frequentemente, com o intuito de atrair o estudante para o curso.

383

Com estes perfis de identidade, criam-se e alimentam-se processos de socialização em que as professoras se valem de experiências pessoais para transmitir informações aos estudantes. De modo que este parece ser um recurso forte que tem socializado os participantes, no contexto de cursos que se desenvolvem com a tendência para informar, mais do que para formar. As interpretações levaram a inferir também que os estudantes



internalizaram a ideia de que estudam num curso voltado para a formação de professores. Que lá estão a preparar-se para atuar na sala de aula. Talvez por isto esperem por aulas que os inspirem mais para uma futura atuação. As professoras, por sua vez, terminam por enfatizar o desenvolvimento de conteúdos para esta atuação. Estes momentos de encontro entre perfis ocorrem em cursos que se propõem a formar não só para o magistério, mas também para outras atividades educativas. No entanto, os participantes fazem críticas, envolvendo estes aspectos da socialização, no sentido de tornar os processos educacionais mais voltados para a articulação informar-formar. Críticas que contribuem para delinear uma possível identidade dos participantes. Os estudantes valorizam interações com os professores impulsionadas por exemplos práticos, objetivos, mas com descontração. No entanto, parte não concorda com a forma como exemplos assim são repassados, pois, com frequência, cansam, não levam à participação. As professoras, por sua vez, entendem que a ausência daquela articulação é questão que vem de longe, desde a educação básica, que estaria a priorizar a informação, relegando a formação para o segundo plano. Assim, a interação entre as experiências sociais parece desenvolver-se com o exercício da crítica silenciosa, feita pelos estudantes, que não conseguem manifestar por inteiro sua opinião com relação à pedagogia assumida no curso, com interferência nos processos interativos. Parece que a interação desenvolve-se com base em conceitos consolidados por professores durante sua atuação. Apesar de se considerarem educadores não conteudistas, admitem estar mais a informar do que a contribuir para o efetivo desenvolvimento humano – sejam quais forem os motivos, como evidenciou a pesquisa. Tal interação não tem sido construída no alheamento dos estudantes, portanto, num aparente vazio que se traduziria em rejeição. Não. Revelou a

384

pesquisa que os estudantes estão conscientes do sentido do curso, pelo menos no objetivo de formar para a docência: atuar como professor. Ocorre tal conscientização a despeito da ideia geral, entre os professores, de que os estudantes não querem esta atuação após concluir o curso. A despeito da ideia de que muitos sequer saberiam o que estão a fazer no curso e que, por isto, não estariam a assumir o papel de professor, mas permanecendo sua ação no espaço do aluno e não no do professor em formação.

4.1.5. Síntese

Em primeiro lugar, o estudo das relações entre lógicas de ação de estudantes e de professores evidenciou que as experiências sociais que mais contribuem para a articulação entre aspectos informativos e formativos são construídas pelos primeiros. Tais experiências envolvem preocupações em tornar reais objetivos traçados em meio a regras específicas, com as quais os estudantes têm de jogar (DUBET, 1994). Neste contexto, os participantes se assumem como responsáveis pela maior interação social entre eles. No entanto, os estudantes não percebem nesta responsabilidade algo estabelecido, a ser repassado de geração a geração, mas, sim, algo a ser construído permanentemente, na crítica, isto é, na recusa aos modos de socialização. As professoras, por sua vez, evidenciaram esta percepção no âmbito dos valores que adquiriram ao longo de vivências pessoais e profissionais. Em comum, estudantes e professoras têm a preocupação com o desinteresse pelo curso, sendo, inclusive, uma preocupação que poderia ser aproveitada para estabelecer maior articulação entre aspectos informativos e formativos. Eis um aspecto a destacar: a contraposição entre modos de perceber a autorresponsabilidade ficou evidenciada num contexto que engloba a preocupação de todos com o desinteresse de colegas. No nível institucional, com desdobramento na ação de todos os envolvidos no ato educativo, esta diferença de percepções parece relacionar-se com a inércia102 de um sistema educacional em cuja base subjaz uma tensão entre velhos e novos valores, interesses e construção de identidades sociais. Desse modo, a diferença de percepções caracteriza

102

Ver Glossário, termo inércia do sistema educacional.

385

perspectivas que apontam para direções contrárias (dinâmico versus estático), em meio a esses valores, interesses e representações culturais, elaborando na raiz um sentimento de autorresponsabilidade pela interação de experiências sociais favoráveis à renovação da Universidade. No entanto, parece que tal diferença de perspectivas é apenas a ponta do iceberg a dificultar a concretização desta complexa renovação. Uma espécie de empuxo ao contrário faz par com uma rede de aspectos mencionados neste trabalho103, parecendo impedir a renovação da Universidade em termos de valores e projeção de novos interesses – pelo menos no âmbito dos cursos em que se realizou a pesquisa – mantendo-a submersa em contextos e dificuldades das quais não consegue emergir no tempo e expectativas desejados. Esse empuxo ao contrário parece alimentar e retroalimentar-se por essa rede de aspectos, sendo que o mais intenso é a tendência de estudantes e professores de atribuir ao outro a responsabilidade pelos insucessos dos processos educacionais – sejam quais forem conotações para o termo insucesso. Em segundo lugar, o estudo das contribuições e impactos da articulação entre aspectos informativos e formativos evidenciou que a articulação ou a polarização entre estas duas dimensões da educação (informar-formar) abrem, respectivamente, perspectivas à construção de dois tipos de experiências sociais: aquelas que atendem aos quatro pilares da educação para o século XXI (seja em que medida for), caso informar-formar se articulem; aquelas que não os atendem (ou até impactem negativamente), caso informar-formar se polarizem. Desse modo, constituem-se seis possibilidades de operacionalização do processo educacional, em cuja base identificou-se uma tensão já constatada por Freire (2009): o equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade, o qual, frequentemente, é rompido pelo autoritarismo e licença. Isto parece se relacionar com uma renovação do autoritarismo104, construído na pluralidade de orientações, princípios, regras, em meio à dispersão de informações a exigir que as pessoas encontrem sentido no que fazem. De roupa nova, está o velho autoritarismo: quem tem informação, domina; quem não tem, obedece. Elabora-se uma espécie de autoritarismo que, agora, tem como uma das

103 104

Ver Quadro 33, mais à frente. Ver Glossário.

386

faces o distanciamento entre informação e formação. Ele lastreia um processo educacional oscilante entre contribuições e impactos para um aprendizado de novas formas de conhecer, fazer, conviver e ser (DELORS et al., 1998). Estudantes e professores não têm percebido que esta é uma nova forma de autoritarismo. Ele está impregnado na ação docente e institucional. Impede a melhor canalização de esforços para uma formação integral dos estudantes. Aqui também existe algo comparável a um empuxo ao contrário, constituído por aspectos evidenciados pela pesquisa105, mantendo a Universidade em contextos e dificuldades das quais não consegue emergir e estabelecer diálogos mais abertos. Torna-se um obstáculo à sua renovação, pelo menos no que se refere aos cursos analisados. Em terceiro e último lugar, o estudo das interações sociais de estudantes e professores, com foco na articulação informar-formar, evidenciou que os estudantes não conseguem manifestar plenamente sua opinião a respeito da pedagogia desenvolvida no curso, o que interfere dialeticamente nos processos interativos. Estudantes constroem subjetividades negadas. Por sua vez, os professores não conseguem mudar certas estruturas do processo educacional ou, quando promovem alguma mudança, em geral se deparam com a repetição de cenários com os quais já se preocuparam, e até logrado êxito, com algumas transformações positivas – mas comprovadamente alterações conjunturais e não estruturais. Assim, considerada uma visão sistêmica, as interações parecem desenvolver-se ao modo de uma crítica silenciosa – a qual faz parte de um conjunto de aspectos identificados pela pesquisa106. Desse modo107, uma inércia parece invadir o sistema educacional. Parece haver um modo de autoritarismo com nuanças relacionadas à articulação informarformar. Parece rondar a ação docente e a institucional certa paralisia a envolver os atores mais importantes do processo educacional – o aluno e o professor. É provável que entre tal inércia e tal modo de autoritarismo esteja um indivíduo que encontra obstáculos para expressar sua subjetividade (DUBET, 1994). Assim, a

105

Ver Quadro 35, mais à frente. Ver Quadro 34, mais à frente. 107 Cabe destacar que a força desta construção lógica origina-se no uso das conclusões parciais (ver Fig. 15). 106

387

pedagogia não dialógica remanesce no horizonte, com ares de enfrentamento à pedagogia dialogal (FREIRE, 1987, 2009). No entanto, antes de apresentar essas elaborações hipotéticas e de que modo os enunciados se relacionam para construir um argumento válido (ver Seção 4.4)108, seguem as questões que envolvem a ação docente e a ação institucional, desenvolvidas de acordo com as oportunidades oferecidas pelas discussões do corpus da pesquisa. Assim procedendo, reúnem-se componentes que preencherão os espaços de construção de tal argumento.

4.2. AÇÃO DOCENTE PARA A PEDAGOGIA DIALÓGICA

4.2.1. Introdução

Nesta seção, a discussão do corpus da pesquisa segue mantendo-se na perspectiva da estratégia geral de análise de dados pela qual se optou (Quadro 15). A título de resgate, esta estratégia geral tomou como base determinadas proposições teóricas que impulsionaram o estudo de casos múltiplos – estes, sendo reflexos das questões de pesquisa e da revisão da literatura. Como explica Yin (2010), esta estratégia é útil à fixação do olhar do pesquisador em certos dados, organização de informações e análises, quando o foco está em questões do tipo como e por quê – como é o caso desta pesquisa. Os significativos resultados obtidos com as análises abriram perspectivas para a elaboração de questões e a busca de respostas ou elaboração de hipótese. Com efeito, para Bardin (2009, p. 128), resultados significativos obtidos, bem como inferências e interpretações propostas a partir destes, podem tornar-se base para outra análise, “disposta em torno de novas dimensões teóricas, ou praticada graças a técnicas diferentes”. Até o presente momento, a discussão do corpus conduziu-se, dentre outras, por uma pergunta-chave: como se desenvolve a interação entre experiências sociais construídas por estudantes e professores? A seguir, as análises desdobram-se

108

A natureza qualitativo-exploratória desta investigação científica, pela qual se pode familiarizar com os problemas de pesquisa propostos, possibilitou aprimorar ideias e desenvolver hipóteses (GIL, 2002).

388

sobre os motivos da presença de alguns aspectos nos processos educacionais analisados. Desse modo, passa-se das questões de níveis 1 e 2 para as questões de nível 3 (e mais à frente às de nível 4), conforme previsto no Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) (Quadro 15). Cabe dizer que tais perguntas resultam da síntese cruzada de dados. Avança-se das questões de baixa e média abrangência, elaboradas durante o relato dos participantes e/ou previamente, para questões de grande abrangência (e de total abrangência, mais à frente). Assim, alcançou-se o padrão das descobertas dos casos estudados (e todo o estudo realizado, mais à frente). Enfim, avança-se de questões do tipo como para do tipo por quê. A par dessas explicações metodológicas, seguem-se seis questões que emergiram durante as análises, caracterizadas como de nível 3. Têm como eixo central as contribuições/impactos da articulação informar-formar no cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI. Estas questões são entrelaçadas por outras, que permanecem ao fundo: como construir a pedagogia dialógica? Como desenvolver o currículo que dialogue com estudantes jovens a partir de vivências da sala de aula?

4.2.2. O tema do interesse dos estudantes pelo curso

Independentemente de outros aspectos envolvidos, para os participantes, a iniciativa do diálogo cabe a estudantes e professores. Conforme já mencionado, os caminhos a viabilizar a interação social são muitos e, como apresentado, tanto uns como os outros têm seu quinhão de responsabilidade. Ora, se há consenso entre estudantes e professores, não só participantes como também os respectivos colegas, de que eles próprios são responsáveis pela maior interação social, e, se esta é uma condição considerável para que os estudantes se interessem pelo curso e construam novas atitudes (COLL, 1998), por que, então, há estudantes desinteressados? No caso, há duas realidades, uma empírica e outra teórica, que precisam se vincular de algum modo a fim de se obter o resultado esperado, que é o interesse dos estudantes. O que poderia ser desenvolvido de maneira a promover ou fortalecer este vínculo?

389

Pesquisas indicam que uma relação interpessoal problemática com os educadores constitui um dos motivos pelos quais há desestímulo de jovens com relação à escola desde a educação básica, estendendo-se até a superior (CEBRAP, 2013). Neste contexto, torna-se necessário buscar soluções para resolver situações problemáticas. De acordo com a literatura especializada, não se pode abrir mão do diálogo. No caso desta pesquisa, revelou-se importante fortalecer a ligação entre o consenso (comprovação empírica) e a convicção de que o comprometimento é base do interesse pelo que se faz (comprovação teórica). O elemento que promoverá esta ligação é a pedagogia dialógica. Assim, a ação docente (principalmente se relacionada com a institucional) voltada para a construção do diálogo tanto não abre mão daquele consenso, como busca dar-lhe uma roupagem a fim de torná-lo perene no dia a dia da interação aluno-professor. Esta ação não permite seu subaproveitamento. Conta com o consenso para desenvolver a pedagogia dialógica. No caso da pesquisa realizada, estudantes que se assumem como responsáveis por maior interação se manifestaram preocupados com o desinteresse de colegas. Então, seria o caso de aproveitar este ponto em comum para desenvolver esforços no sentido de puxar os alunos menos interessados. Embora se façam presentes duas variáveis importantes (consenso e convicção), sem a pedagogia dialógica não se obtêm condições mínimas necessárias para aumentar o interesse pelo curso. Revela-se a necessidade de desenvolver uma ação diretiva no sentido desta pedagogia. Tal ação seria favorável, inclusive, para que os estudantes assumissem condutas menos autocentradas e mais sociocentradas. O consenso, basilar na pedagogia dialógica, já existe. Os resultados denotam que falta acioná-lo. Certamente, a ação docente capaz de acioná-lo faria com que os estudantes percebessem as vantagens da amizade, da criatividade como esteio de sua autoformação. Cabe acrescentar que isto ocorre em meio à complexidade em que se desenvolvem cursos que aparentemente supervalorizam a informação. Com frequência, certos conteúdos não estimulam o interesse dos estudantes. Há excesso de aulas expositivas. Não existe constituída uma cultura de autorresponsabilidade pelo próprio processo formativo.

390

De modo que, de acordo com resultados da pesquisa, o consenso em torno da autorresponsabilidade precisa ser aproveitado melhor.

4.2.3. O tema da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão

Em que se constitui o ser crítico, senão emitir opiniões fundamentadas em argumentos lógicos que traduzam situações reais? Isto os estudantes que participaram da pesquisa o evidenciaram e as observações nas salas de aula o comprovaram – neste caso, envolvendo até condutas de estudantes que não participaram da pesquisa. Por exemplo, em sua capacidade crítica, os estudantes até reconhecem que, de maneira geral, os professores promovem reflexões durante as aulas. Noutras oportunidades oferecidas pela pesquisa verificaram-se críticas à maneira como as atividades de TCC são conduzidas. Os estudantes, participantes ou não, criticam o modelo pedagógico desenvolvido: “Em relação à aula, acho que eles criticam muito, mas não na frente do professor, não para o professor. Criticam entre a gente; a gente comenta demais” (A4). Desse modo, verificou-se que, ao contrário do declarado por professoras entrevistadas, existe uma capacidade crítica já desenvolvida pelos estudantes109. Se há estudantes críticos e se esta é uma competência com viés dialético importante como o desenvolvimento de atividades de pesquisa e compartilhamento de saberes (DEMO, 2007), por que este cenário positivo não se modifica em favor da concretização do princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão? Uma possível resposta está em que só a presença destes dois aspectos (um empírico e outro teórico) não é suficiente para deflagrar um processo favorável à concretização desse princípio. Um terceiro aspecto é necessário: aquele que unirá o

109

Esta é uma situação interessante que abre portas para novos estudos. As professoras declararam que só pequena parte dos alunos seria crítica ou porque fazem o estágio supervisionado – o que os levaria a “se expandir” (P1) – ou porque estão “no quarto, quinto, sexto períodos” (P2). A maioria não seria crítica porque o ensino “está desse jeito, a gente adestrou esses meninos!” (P1), sendo que “aquela coisa de criticar mesmo o que está sendo dito é para poucos” (P4), havendo, entre eles, certo “conformismo e problemas com a autoestima” (P5). Entre os estudantes, há o entendimento de que só parte dos colegas seria crítica, ou “por influências da vida, do mundo” ou porque existem “algumas matérias que ensinam a ser mais crítico” (A2) ou ainda porque universidade é lugar que põe os alunos para “pensar, discutir, a ver o mundo lá fora” (A3). No entanto, ficou evidenciado pela pesquisa que os estudantes criticam a atuação dos professores e a sua própria conduta. Uma coisa é ser ou não ser crítico. Outra coisa é manifestar ou não manifestar esta criticidade.

391

primeiro ao segundo. Este terceiro aspecto refere-se à pedagogia dialógica, sem a qual a criticidade do estudante não chega ao âmbito das atividades de investigação científica ou das comunidades onde se inserem as universidades. Dito de outro modo, sem a ação docente capaz de impulsionar a capacidade crítica do estudante, por mais que este se encontre potencialmente pronto para realizar perguntas, reelaborar respostas e avançar os conhecimentos, as lacunas até a feitura de pesquisas e atividades de extensão estarão por serem preenchidas. A menos que haja uma intervenção externa, em que a prática e o mundo real sejam expostos à curiosidade do estudante – crucial para a investigação científica –, não será finalizada qualquer intenção de concretizar a associação entre ensino, pesquisa e extensão. De modo que, conforme indicam os resultados da pesquisa, o olho crítico do estudante precisa ser aproveitado melhor. Este é um aspecto fundamental para a concretização da pedagogia dialógica.

4.2.4. O tema da diversificação das atividades pedagógicas

Os estudantes gostariam de realizar pesquisas e desenvolver projetos de extensão, apesar de perceberem limitações, pois os consideram como um privilégio para poucos. A experiência mais corriqueira com pesquisa e extensão tem sido no âmbito dos TCCs, cabendo acrescentar que frequentemente esta experiência tornou-se sinônimo de sofrimento e medo aos estudantes por exigir deles a realização de pesquisas e por ocorrer em meio à correria de final de curso. Se há valorização da pesquisa e extensão, por parte dos estudantes, e, se isto é aspecto considerável para a diversificação de atividades educativas (DEMO, 2007; SÍVERES, 2010), por que isto não se traduz numa diversificação? Por que a ação educativa se mantém tão atrelada à sala de aula? Dentre outros aspectos envolvidos nesta complexa questão, conforme verificou a pesquisa, está o subaproveitamento de tal valorização. Se fosse o contrário, certamente a dinâmica curricular seria enriquecida, passando de uma aprendizagem enfadonha, cansativa, para outra mais interessante, inclusive, com foco em iniciativas extraclasse. O que se afirma é que não basta ter o ânimo e valorização dos estudantes para fazer pesquisa e extensão e saber que isto é importante para tornar uma aula

392

com atividades diversificadas, isto é, uma aula interessante. É preciso acionar esta valorização. Este acionamento passa pela concretização da pedagogia dialógica. E, como ainda o exemplo é poderoso incentivo, a maior disponibilidade dos professores torna-se aspecto importante. Esta disponibilidade compõe a ação docente capaz de remeter estudantes e professores para coisas práticas, reais. Com ela, o processo educativo pode deixar de estar atrelado à sala de sala para se tornar algo interessante, como, por exemplo, viagens e outras atividades extraclasse (como sugerido pelos estudantes).

4.2.5. O tema da articulação dos aspectos cognitivos-socioemocionais

Os estudantes percebem as narrativas de experiências pessoais e profissionais como uma contribuição em favor de seu amadurecimento. Ajuda a preparar para a vida. Ao se constituir em oportunidade para promover a articulação entre conhecimentos teórico-práticos e desenvolvimento humano, as narrativas contribuem para encontrar sentido na ação. Segundo se verificou, não é raro que elas sejam acompanhadas de momentos de descontração, transformando-se em efetivas oportunidades para aquela articulação. Alguns professores brincam, outros fazem amizades, enquanto os estudantes riem e despertam para os assuntos em desenvolvimento. Se existem disposição de professores e aceitabilidade de estudantes para a prática de narrativas pessoais e profissionais e, se estes recursos são interessantes e relevantes para a articulação entre os diversos tipos de conteúdos (COLL, 1998), por que estes não se manifestam de modo mais contundente como contribuição para o equilíbrio entre aspectos racionais e emocionais? Ou seja, por que os conteúdos não se manifestam de modo mais presente para balancear questões que colocam diante de si o cognitivo e o emocional? Dentre outros motivos, porque aqueles recursos estão subaproveitados no objetivo de entrelaçar os diversos conteúdos, os conceituais, os procedimentais e os atitudinais, ou até canalizados para outros fins. Utilizar aqueles recursos para realizar este entrelaçamento implica adotar a ação docente acompanhada da necessária abertura aos estudantes. Implica a

393

pedagogia dialógica, a qual lança mão de todos os recursos ao seu alcance para humanizar, proporcionando que sejam ativadas as capacidades de pensar, sentir e agir dos indivíduos. O que exige do educador e educando maior aproximação. Segundo evidências, a lida com o equilíbrio entre aspectos racionais e emocionais é facilitada quando o professor brinca, abrindo-se a amizades com os estudantes. No entanto, há professores que, de algum modo, se sentem ameaçados por perguntas de alunos, provavelmente porque não gostem de receber críticas quanto à sua atuação. Neste sentido, pareceu ser um empecilho a tal aproximação a priorização do distanciamento mínimo.

4.2.6. O tema da prática de feedbacks

Se os estudantes evidenciaram o desejo de vivenciar práticas de feedbacks, conforme já apresentado, e, se a vivência disto é condição importante para a troca de informações a respeito da interação social e do processo educacional (FREIRE, 1987), por que não há estas práticas com maior frequência? Por que os sinais da educação bancária? Tal desejo não tem sido aproveitado. Aproveitá-lo implica adotar uma ação docente capaz de promover empatia entre estudantes e professores, chave na educação dialógica. Conforme evidências, entre estudantes e professores predomina o locus de controle externo e não o locus de controle interno (ROTTER, 1990)110. Por exemplo: estudantes entendem que os professores são incoerentes em seu discurso; professores entendem que os estudantes cultuam um discurso de vítima. Constituise, assim, um distanciamento entre estudantes e professores, mantendo longe a concretização de um desejo que, se foi declarado relevante pelos primeiros, permanece, entre os segundos, como potencial: o desejo de praticar feedbacks. Por um lado, estudantes entendem que os professores são incoerentes de vários modos. No âmbito da experiência profissional, buscam formar para a educação básica, mas não ensinaram na educação básica. No âmbito do discurso proferido, falam que quem ensina, aprende, mas não demonstram isto nas condutas assumidas. Para eles, faltaria “humildade, formação continuada, reciclagem,

110

Apesar da confusão que ainda hoje existe em torno do conceito locus de controle (RIBEIRO, 2000), quer-se atribuir aqui tão somente a ideia de responsabilização pelo (in)sucesso escolar.

394

mudança de si mesmo, autogestão. O professor fala que aprende com o aluno, mas isto não ocorre na prática. Deveria aprender com a opinião do aluno” (A7). Estas percepções dos estudantes se legitimam com os relatos de professoras que declararam existir colegas incoerentes em sua atuação didático-pedagógica: dizem ser importante trabalhar em grupo, mas não trabalham em grupo; dizem ser necessário contextualizar, mas não contextualizam; dizem ser importante participar de eventos da Universidade, mas não comparecem a eles. Por outro lado, professoras relataram o incômodo com o discurso de vítima dos estudantes. Entendem que fazê-los superar tal discurso tem sido um enorme desafio. Elas mostram que a superação “é possível” (P4). No entanto está difícil fazer isto: “As pessoas estão constantemente numa condição de vítima. Culpam a mãe, o pai, já vindo para a Universidade nesta condição. Acho que isto é muito familiar!”. Para elas, trata-se de um problema cultural, apesar de existir “no Brasil outra cultura, que é a cultura dos que batalham!” (P4). “Isto eu acho um absurdo... O aluno precisa perceber que ele é protagonista!” (P5). Conforme relato, os alunos da Universidade possuem esta característica: “Uma coisa me assustou muito quando cheguei aqui: o aluno quer que eu sinta pena dele” (P4). A percepção é que este seria “um discurso de escola pública!” (P4) e, como a Universidade possui muitos alunos que vieram desta categoria administrativa, uma parte percebe-se como “pobre, não dá conta e dizem ‘professora, eu estudei em escola pública, eu tenho muita dificuldade’” (P4). Além disso, para as professoras, o sistema avaliativo está inadequado, inclusive, impede uma sistematização da prática de feedbacks. Entre elas, verificouse uma insatisfação quanto ao sistema, cuja inadequação não seria uma responsabilidade da Universidade, mas esta se encontra sem poder de decisão para alterá-lo. Segundo as participantes, o problema não está nos instrumentos de avaliação, mas na estrutura da educação. O modelo de escola não serve mais. Está levando ao insucesso escolar. No entanto, sopesadas estas problemáticas, esteve presente entre os participantes a ideia de que a responsabilidade do insucesso escolar é do outro – o estudante, o professor, a universidade.

395

4.2.7. O tema da consciência para a condição profissional

Se os estudantes já mantêm certo nível de conscientização a respeito dos porquês do curso e, se isto é pressuposto importante no desenvolvimento de uma relação madura entre estudantes e professores (FREIRE, 1987, 2009), por que predomina um relacionamento do tipo aluno-professor e não do tipo professor em formação-professor formador? Dentre outros aspectos, falta a ação docente capaz de direcionar esta internalização no sentido de construir cada vez mais o segundo destes relacionamentos. Isto é presença relevante na pedagogia que se assume dialógica. Neste sentido, o exercício da crítica é muito importante111. E, do lado dos estudantes, isto ficou comprovado. Os estudantes conseguem avaliar a atuação dos professores, passo decisivo na sua formação. Por exemplo, os estudantes que participaram da pesquisa entendem que os professores são críticos, “mas não exercem sua criticidade o quanto deveriam”, agindo “como se recebessem as ordens ou as diretrizes e, sequer, processam um pensamento crítico sobre elas.” Eles “simplesmente as recebem e as reproduzem” (A8). Assim, parece ser necessário refletir melhor a respeito da capacidade crítica dos estudantes. Estes procedem a autocríticas e críticas à atuação dos professores. Então, no mínimo, já conseguiram internalizar o porquê do curso. Faltaria aproveitar tal internalização.

4.2.8. Síntese

As questões apresentadas resultaram da aplicação da estratégia geral de análise de dados dos casos múltiplos (YIN, 2010) tomados como objeto de estudo,

111

Retoma-se aqui a questão da percepção das professoras sobre a capacidade de crítica dos estudantes. De acordo com a pesquisa, esta percepção está aquém do que é relatado. Assim, pensam que eles têm dificuldades para exercitar uma postura profissional, mas sim priorizar uma postura estudantil. As professoras declararam que, ao longo do curso, “eles ficam um pouco mais sabidinhos, mas eu acho que continuam sendo alunos. Eles são dependentes da gente. Eles só crescem quando eles saem daqui” (P1). Declararam que o aluno do curso não estaria sendo bem preparado para “a licenciatura, nem para ser pesquisador” (P2). Embora busquem admiti-los como professores desde o ingresso no curso, professoras entendem que grande parte deles não assume essa condição.

396

tendo contribuído para organizar informações e análises cujo foco esteve em questões do tipo por quê (Quadro 15). Tal aplicação compatibilizou-se com o Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A). Uma apresentação sintética destas questões, bem como da resposta ampla extraída do material empírico obtido com a pesquisa, pode ser realizada em termos de caminho lógico percorrido para elaboração delas. Assim, para construir os argumentos dedutivos necessários à sua elaboração e à comprovação da pouca presença de aspectos fundamentais da pedagogia dialógica, tomou-se como base a forma lógica112 do tipo:

Se p, então q. p. q.

Isto quer dizer: se ocorre p, então ocorre q; ocorreu p, então ocorreu q. Tratase de uma forma lógica determinada “pelo fato de que o conectivo se... então coloca esses dois enunciados, seja qual for o seu conteúdo, numa relação recíproca bem definida” (SALMON, 1993, p. 13). Assim, nos lugares de p e q deve-se compreender que constam enunciados. Nas questões apresentadas, p é uma representação que se constituiu de três variáveis, também representativas (de subenunciados), sendo a, b e c113. A primeira variável é uma evidência empírica (resulta das constatações da pesquisa); a segunda é uma comprovação teórica (resulta de referenciais da literatura) e a terceira remete para a pedagogia dialógica. Assim, para construir o argumento dedutivo necessário à comprovação de que falta a variável que representa a pedagogia dialógica, em cada uma das questões, partiu-se da forma lógica contrapositiva àquela, qual seja:

112

Utilizam-se padrões de crítica da Lógica porque suas aplicações são úteis nos casos em que a inferência e o argumento são importantes, isto é, onde conclusões exigem o apoio de determinadas evidências (SALMON, 1993). 113 Outra maneira de explicar isto é: por p e q deve-se compreender enunciados. Num argumento, estes enunciados podem ser premissas ou conclusão. Além disso, cada enunciado pode compor-se por enunciados menos abrangentes – no caso desta pesquisa, p é a representação de um enunciado, que é uma premissa, composto por outros enunciados menos abrangentes (representados por a, b e c).

397

Se p, então q. Não-q. Não-p114.

Em todas as questões apresentadas, o problema prático situou-se na conclusão do argumento (não-p), levando a que se fizesse um raciocínio do final para o início do argumento, indo da conclusão (não-p) até se chegar à primeira premissa (p = a + b + c). De modo que, em todas elas, sendo p constituído por a + b + c e, sendo a e b, respectivamente, asserções comprovadas (a primeira pela empiria e a segunda pela teoria), então, necessariamente, a variável c precisaria estar presente – seja porque serviria para ligar as duas outras asserções ou porque embute uma delas. Não foi o que ocorreu. Conforme se verificou com a pesquisa, em todos os casos, c esteve ausente. Portanto, falta aproveitar potenciais, como os identificados pela pesquisa, para estabelecer como vigor a pedagogia dialógica. Assim, o caminho lógico percorrido durante a formulação das questões e das respostas oferecidas a estas se encontram sintetizados a seguir (Quadro 32). Como se constata, a capacidade crítica dos estudantes esteve presente na formulação de duas das seis questões de nível 3 (questões dois e seis, Quadro 32), as quais estiveram relacionadas com a ação docente. Trata-se de aspecto que merece destaque, analisado na conjugação com questões de nível 4, estas relacionadas mais de perto com a ação institucional. O olho crítico do estudante precisa ser considerado por um e outro tipo destas ações. A menos que o discurso institucional da rejeição à educação bancária (FREIRE 1987) esteja circunscrito no âmbito de uma hipocrisia organizacional (BRUNSSON, 2007; TEIXEIRA, 1962).

114

Esta forma lógica válida de argumento dedutivo é chamada negação do consequente ou também modus tollens (SALMON, 1993).

398

Nº da Questão

Quadro 32 – Lógica das questões de nível 3. Fatos

Expectativas

Expectativas não cumpridas

Fatos

Se p,

Então q;

Não q

Não p.

Estudantes interessados pelo curso.

Há estudantes desinteressados pelo curso.

C – Há estudantes desinteressados porque, dentre outros aspectos, existe um subaproveitamento da valorização que imprimem à interação social.

A associação entre ensinopesquisaextensão concretizada em certa medida.

Há fragilidade na associação entre ensino, pesquisa e extensão.

C – A fragilidade da associação resulta, dentre outros aspectos, do não aproveitamento da criticidade dos estudantes.

Atividades diversificadas, como decorrência de projetos de pesquisa e extensão.

Há um afunilamento das atividades para a exposição.

C – Aulas com priorização para métodos expositivos porque, dentre outros aspectos, não se aproveita a valorização das atividades de pesquisa e extensão.

A – Há consenso de que estudantes e professores são os principais responsáveis pela maior interação social. B – Este consenso é importante para haver interesse pelo curso. 1.

C – A pedagogia dialógica vincula consenso em torno da autorresponsabilidade pela interação social e sua concretização no dia a dia dessa interação, o que viabiliza o maior interesse pelo curso. A – Há estudantes críticos. B – Criticidade é importante no desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão.

2.

C – A pedagogia dialógica aciona a capacidade crítica, a curiosidade e, por desdobramento, contribui para fortalecer a associação entre ensino, pesquisa e extensão. A – A pesquisa e a extensão são valorizadas pelos estudantes, que gostariam de participar mais de suas atividades.

3.

B – Valorizar pesquisa e extensão favorece a sua realização e, por desdobramento, contribui para diversificar atividades. C – A pedagogia dialógica aciona a valorização da pesquisa e extensão e, por desdobramento, contribui para diversificar atividades.

Continua.

399

Nº da Questão

Continuação Quadro 32. Fatos

Expectativas

Expectativas não cumpridas

Fatos

Se p,

Então q;

Não q

Não p.

Presença mais contundente de equilíbrio entre aspectos racionais e emocionais no cotidiano da atuação didáticopedagógica.

Priorização de aspectos cognitivos em detrimento de socioemocionais .

C – Apesar das oportunidades, por meio das narrativas de experiências, a ação docente apresentou-se canalizada para um distanciamento mínimo dos estudantes.

A prática de feedbacks como componente da relação estudanteprofessor diluída no dia a dia de estudantes e professores.

Raros momentos de troca de informações.

C– Responsabilidade do insucesso escolar está no outro.

Por parte dos estudantes, postura profissional em vez de estudantil.

Estudantes percebidos como imaturos, sem se voltar para a futura profissão docente.

C – Capacidade crítica dos estudantes percebida sem muita nitidez. Não se constata que já sabem os objetivos do curso.

A – Há disposição de professores e aceitabilidade de estudantes para a prática de narrativas pessoais e profissionais.

4.

B – Isto é aspecto interessante na articulação entre os tipos de conteúdo (conceituais, procedimentais, atitudinais). C – A pedagogia dialógica aproxima educador e educandos, com intenção educativa e, por desdobramento, contribui para articular aspectos cognitivos e socioemocionais. A – Entre os estudantes, há um desejo de maior utilização de feedbacks.

5.

B – A disposição para oferecer e receber feedbacks é, a priori, condição para a troca de informações entre estudantes e professores. C – No limite, a pedagogia dialógica é um exercício de empatia entre educador e educandos. A – Estudantes já têm internalizado o porquê do curso.

6.

B – Isto é base importante no desenvolvimento da relação educativa madura entre estudantes e professores (professor em formaçãoprofessor formador). C – A pedagogia dialógica aciona a capacidade crítica, a curiosidade e, por desdobramento, promove, cada vez mais, posturas profissionais entre os estudantes.

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A, B e C – Variáveis (subenunciados) que compõem a premissa p; p e q – Representações de enunciados, aqui dispostas na forma lógica de um argumento condicional.

400

Com efeito: Os estudantes não são cegos, o individualismo dos formadores não lhes escapa, nem a contradição entre suas práticas e seus discursos. Entretanto, suas críticas são raramente suficientemente agudas para ultrapassar o senso comum e situar os formadores diante de suas contradições. Estes, salvo se suas virtudes ou sua militância venham a dissuadi-los, seguirão a lógica da instituição (THURLER; PERRENOUD, 2006, p. 373).

4.3. AÇÃO INSTITUCIONAL PARA A PEDAGOGIA DIALÓGICA

4.3.1. Introdução

Apresentam-se questões de nível 4, de total abrangência, alcançando todo o estudo, elaboradas com o apoio da literatura pertinente, tendo como suporte as análises dos dados coletados e gerados. Seguiram procedimentos previstos no Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) e têm foco em questões do tipo por quê (Quadro 15). Resultam da síntese cruzada de dados e, para sua elaboração, observaram-se os contextos em que têm se desenvolvido as interações analisadas (Seção 3.1): a universidade, as atividades de pesquisa e extensão, os cursos de licenciatura e a sala de aula. Neste trabalho, compreendeu-se que estes contextos, no final de tudo, eles mesmos

a

própria

universidade,

têm

sofrido

diversos

processos

de

desinstitucionalização. Assim, a universidade como um todo se obriga a fortalecer sua capacidade para dialogar (DUBET, 1994, 1998, 2013; SANTOS, 2005). Compreendeu-se que tais contextos são problemáticos, sendo resgatados nesta seção para melhor orientar as apresentações que seguem. O primeiro contexto refere-se à exigência imposta às universidades de lidarem com um público jovem formado por estudantes-trabalhadores e trabalhadores-estudantes em decorrência da intensa expansão da educação superior em escala mundial. No Brasil, a maioria dos cursos que abriga este público é de licenciatura, ou seja, cursos que formam professores. Desses cursos, Pedagogia e Letras estão no topo das estatísticas (RISTOFF, 2013). O segundo contexto refere-se à ideia de vínculo entre pesquisa, ensino e estudo, uma ideia construída historicamente, pelo menos nos dois últimos séculos (CLARK, 1995). No Brasil, resultou na obrigatoriedade de as universidades obedecerem ao princípio da indissociabilidade entre aquelas funções (BRASIL,

401

1988, 1996). Há dúvidas se esta obrigatoriedade tem contribuído para a geração de conhecimentos no nível esperado por meio de pesquisas (GATTI; BARRETO, 2010). O terceiro contexto está relacionado com o desprestígio que têm sofrido os cursos de licenciatura (PALAZZO; GOMES, 2012). Considerando que estes cursos visam à formação de profissionais para atuar como professores na educação básica, os processos educacionais são delineados na perspectiva de uma práxis, isto é, teoria e prática sendo construídas de braços dados. Entretanto, no Brasil, há uma dicotomia entre o que se ensina neles e o que se exige da educação básica, o que contribui para desvalorizar a profissão de professor (CUNHA, Célio da, 2012; SILVA, 2012). O ideal de ingressar em licenciaturas é refreado em jovens talentosos, restando-lhes buscar outros cursos, considerados de alto prestígio (SILVA, 2012). Por fim, o contexto da sala de aula. Menos problemático, no sentido aqui posto, e sim exigente no sentido de uma humanização de estudantes e professores. É a sala de aula um lugar de humanização, social por excelência (SANTOS, 1997), onde se desenvolve o exclusivamente humano (PLATÃO, 1997). Compreende-se que neste contexto os indivíduos desenvolvem ou aprimoram valores, buscam concretizar interesses, elaboram representações culturais em meio a afetos, juízos e tomadas de decisão. O que ocorre na aula é também um reflexo do que ocorre fora do ambiente da sala: fatos presentes no sentir, no pensar e no agir dos envolvidos no processo educativo. O cruzamento de aspectos e dinâmicas obriga os docentes a perceberem a sala de aula não como um mero espaço em que discentes aguardam uma enxurrada de conteúdos a serem despejados por meio de técnicas que se prestam a transmitir informações (MASETTO, 2012). Tal cruzamento obriga os docentes a perceberem a sala de aula como um lugar em que seres humanos se encontram, com suas valorizações, objetivos e anseios. Estes quatro contextos se sobrepõem. Neles estudantes e professores constroem experiências sociais que podem ou não interagir. Considerando-os, bem como a ação docente em função da pedagogia dialógica, foram elaboradas seis questões situadas no nível da ação institucional. Estas questões giram em torno de outra mais abrangente: Como concretizar, cada vez mais, a pedagogia dialógica compatível com a necessidade de renovação da Universidade, a qual tem sofrido processos de desinstitucionalização?

402

4.3.2. Mais práxis, mais interesse pelo curso

Segundo revelou a pesquisa, o consenso de que todos são responsáveis pela maior interação social é um potencial que poderia ser aproveitado melhor no sentido de aumentar o envolvimento e o comprometimento com a própria formação. Isto levaria, inclusive, a reelaborar percepções dos estudantes sobre a Universidade, os cursos e o processo educativo. O alegado desinteresse pelos cursos poderia ser amenizado, com o aproveitamento daquele potencial, que encaminharia no sentido da pedagogia dialógica. No entanto, se, por um lado, a ação docente é convocada a acionar tal potencial, por outro lado, exige-se da ação institucional maior atuação em pontos importantes para a formação de profissionais que atuarão na educação básica. O foco desta atuação está na adoção de iniciativas que fortaleçam em nível macro uma práxis, isto é, sendo teoria e prática construídas ao mesmo tempo em toda a instituição. Sem isso, a ação docente enfraquece-se. A ação docente que considera a educação como um quefazer humano (FREIRE, 1969) necessita do apoio institucional mínimo. No caso dos cursos de licenciatura, formar na perspectiva de uma práxis significa fortalecer os vínculos entre educação básica e educação superior. Tanto o professor da educação básica quanto o professor da educação superior contribuem para o desenvolvimento humano na medida em que estes profissionais da educação formam para o exercício da cidadania e do trabalho, bem assim para estudos posteriores (BRASIL, 1996). Desse modo, forma-se efetivamente na perspectiva de uma práxis nos termos colocados. Formar nessa perspectiva leva os estudantes universitários a perceberem que a instituição se preocupa em articular educação básica com educação superior por intermédio de ações concretas. Neste sentido, necessita a ação estar não só no dia a dia da sala de aula, mas presente em discursos e atuação de funcionários e demais membros que fazem a instituição. Isto leva os estudantes a perceberem que o curso é valorizado. Formar nessa perspectiva é enfrentar com firmeza o problema da desvalorização dos cursos de licenciatura e o consequente desprestígio a que eles chegaram. É enfrentar diretamente o problema do desinteresse de estudantes pelos cursos. É dialogar com eles.

403

Assim, dispor ação docente e ação institucional na mesma perspectiva de diálogo com os formandos é tornar mais cativantes os conteúdos. É ter menos aulas monótonas. É usar técnicas de aprendizagem mais interessantes, menos estressantes. É não perder de vista o objetivo de gerar, junto com o estudante, sentimento de autorresponsabilidade pelo processo formativo. É contribuir para ampliar no estudante a visão e a ação diante do mundo (FREIRE, 2009). Ora, os cursos pesquisados se propõem a evidenciar o pragmatismo da sociedade atual e o cultivo de valores humanos, articulando conhecimentos científicos e aquisições culturais. Comprometem-se com um processo educacional que considera a pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos a se consolidarem no exercício da profissão de professor (PPC LETRAS, 2010; PPC PEDAGOGIA, 2010). Diante disto, parece importante estabelecer ou priorizar iniciativas que valorizem amplo diálogo com a sociedade, fazendo-o por meio da articulação com comunidades interpretativas, extra e intramuros (SANTOS, 2005), com iniciativas que considerem a interlocução entre professores, estudantes, funcionários e demais componentes da sociedade. No entanto, precisa contar com o dinamismo, a inquietação, a rebeldia e a criatividade dos jovens. Isto contribui para gerar sentido. Gera condições favoráveis ao maior interesse pelos cursos de licenciatura. Assim, os resultados da pesquisa possibilitou indagar: em que medida aquelas iniciativas têm se desenvolvido na Universidade?

4.3.3. Mais criticidade, mais pesquisa/extensão e maior consciência

A pesquisa constatou que a criticidade dos estudantes está subaproveitada no sentido de se desenvolver mais atividades de pesquisa e extensão. Constatou certa ausência de reconhecimento desta criticidade, por parte de algumas professoras participantes. Isto parece desdobrar-se em pontos-chave que dificultam a inserção de estudantes em atividades de pesquisa e extensão. Parece desdobrarse também em percepções do professor sobre o estudante, como é o caso de percebê-lo como alguém que não sabe o porquê do curso e o porquê de realizá-lo.

404

Perceber aspectos dessa criticidade serve como retroalimentador desta mesma criticidade. Faz parte da dinâmica que caracteriza a pedagogia dialógica. Na sequência, estudantes e professores podem envolver-se cada vez mais nos projetos de pesquisa e de extensão. Pode também gerar uma relação mais madura entre estudante e professores, isto é, a elaborar condutas mais próximas de sua futura atuação profissional. No entanto, se isto exige da ação docente a identificação de situações em que tal criticidade ocorre, exige também da ação institucional preocupar-se e agir em favor de professores em formação que formarão outras pessoas. Com efeito, é um imperativo legal, no Brasil, preparar os futuros professores para fornecer aos educandos meios para progredir naquilo que a LDBEN chama de estudos posteriores (BRASIL, 1996). Tal expressão deve embutir a capacidade de realizar investigações científicas e de socializar conhecimentos. Haverá de conter tal expressão o significado de participação em projetos de pesquisa, e até em atividades de extensão. Ora, se o professor quer fornecer meios para que seus alunos progridam nesses estudos, terá que estabelecer hábitos de identificação da capacidade crítica de modo a contribuir para que eles desenvolvam, cada vez mais, a sua curiosidade, o gosto pela pesquisa e a socialização de conhecimentos. Para isto, parece lógico que, durante sua formação, os futuros professores passem pelo mesmo processo do qual deverão lançar mão ao atuar como professor. Ser crítico é condição importante em atividades dessa natureza. Além disso, “quanto mais conhecer, criticamente, as condições concretas, objetivas, de seu aqui e de seu agora, de sua realidade, mais poderá [o indivíduo] realizar a busca [de sua humanidade], mediante a transformação da realidade” (FREIRE, 1969, p. 127). Neste sentido, a ação docente preocupada em identificar, explicar e explicitar (e desenvolver) a capacidade crítica dos estudantes considera que a criticidade é mais do que condição, é humanização, uma vez que o ser humano é, radicalmente, um ser de busca constante (FREIRE, 1969). Assim, se ser crítico é meio caminho andado para a participação em projetos de pesquisa e extensão, realizar críticas é processo de diálogo que humaniza – que contribui para que o indivíduo encontre sentido na ação realizada.

405

Ora, os cursos pesquisados se comprometem a preparar profissionais para o diálogo por meio do diálogo, fazendo-o simultaneamente à busca pela promoção da associação entre ensino-pesquisa-extensão. Um incentivo à pesquisa e à extensão baseado no conceito de currículo como construção cultural, que propicia a aquisição do saber de maneira articulada (BRASIL, 2001). Os cursos se comprometem com um processo educacional que prioriza aspectos relevantes para a pesquisa. Que, portanto, incentiva projetos com este objetivo (PPC LETRAS, 2010; PPC PEDAGOGIA, 2010). Assim considerando, parece importante realizar desde logo esta priorização. Em que medida ações institucionais têm efetivamente incentivado a pesquisa e a extensão? Além disso, os cursos de licenciatura se comprometem com um processo educacional que se preocupa em ativar permanentemente o interesse dos estudantes pelo curso, com início desde o seu ingresso. Em que medida tem isto sido realizado pela Universidade?

4.3.4. Mais realidade, maior diversificação das atividades

A pesquisa identificou que a valorização de atividades de pesquisa e extensão pelos estudantes, expressa na disposição de participar mais dessas atividades, está subaproveitada. No dia a dia, isto termina por afunilar as aulas para o método expositivo. A pedagogia dialógica oferece-se como meio para aproveitar esta valorização. Não se trata de execrar o método da exposição, pois uma aula expositiva, se dialogada, atrai a atenção e a participação dos estudantes, estimula a atividade reflexiva (HAIDT, 1994), abrindo perspectivas para a utilização de outras técnicas ou fazendo parte de estratégias para a aprendizagem 115. Trata-se de utilizar os diversos recursos para tornar o encontro educativo mais dinâmico, mais dialógico. Verificou-se com a pesquisa que a ação educativa preocupada em sair da sala de aula, buscando alternativas paralelas, como pesquisas e atividades de extensão, enfim, atividades extraclasse, passam não

115

Entende-se técnica como atividade que visa a atingir algum objetivo específico. Tal como a própria aula expositiva. Por sua vez, entende-se estratégia como um conjunto de recursos favoráveis ao alcance de objetivos do processo educacional. Como a preparação do ambiente de aula, que poderia incluir a arrumação das carteiras, de modo a deixá-las prontas para realizar um seminário (com base em MASETTO, 2012).

406

somente pelo mero incentivo para tal, mas pela maior disponibilidade dos professores para planejar e executar projetos, aprendendo a fazer junto com os estudantes. Buscar juntos, na presença da corporeidade das palavras pelo exemplo é adotar a pedagogia dialógica (FREIRE, 2009). Entretanto, não será a ação docente o bastante para o aproveitamento de anseios e valorizações. O estudante precisa perceber que toda a instituição se envolve nestas valorizações. Que ela se envolve no desejo de participar de projetos de pesquisa e extensão, pois ele percebe nisto a oportunidade de por o pé na realidade. Existe algum desejo de realidade entre os estudantes. Satisfazer este desejo implica estabelecer iniciativas que demonstrem concretamente que a instituição busca realizar os objetivos dos cursos de licenciatura segundo o compromisso educacional global com o estudante. Implica tornar visível aos estudantes (e professores) que ela busca a preparação deles para interagir com outras pessoas e culturas e ser capaz de respeitar e conviver com as diferenças (PPC Letras, 2010; PPC Pedagogia, 2010). O estudante não quer só reflexões a partir do desenvolvimento de conteúdos. Ter o pé na realidade significa estar envolvido, para o que a educação dialógica pode muito contribuir. Na prática, o estudante pode querer fazer parte de um mundo que não para. Um mundo continuamente despreparado para situações prontas, acabadas, pois a realidade é dinâmica. Ora, os cursos pesquisados se propõem a considerar essa dinamicidade ao estabelecerem estratégias formativas que pretendem abandonar a perspectiva da educação preocupada em só passar informações (PPC LETRAS, 2010; PPC PEDAGOGIA, 2010). Estratégias que pretendem abandonar a perspectiva empobrecedora da educação bancária (FREIRE, 1987), cujos tentáculos costumam abraçar silenciosamente o dia a dia da relação aluno-professor, indo se estabelecer na sala de aula e demais ambientes de formação. Em geral, a tendência é afunilar atividades educativas até na adoção de técnicas. Diante disso, em que medida a ação institucional tem se voltado para a efetiva prática de estratégias educacionais com foco na diversificação de atividades?

4.3.5. Mais comunicação, maior articulação entre razão e emoção

407

Conforme ficou evidenciado com a pesquisa, professores se dispõem a narrar experiências pessoais e profissionais aos estudantes, uma técnica bem aceita por estes. Seu aproveitamento, inclusive, para articular melhor aspectos cognitivos e socioemocionais poderia ser mais e melhor, denotando a perspectiva de uma pedagogia dialógica mais vigorosa. Cabe lembrar que a ação docente neste sentido aproveita experiências de vida sem assumir qualquer assistencialismo, em que um ensina e o outro aprende, mas se constrói na comunhão, na busca de uma humanização dos envolvidos no ato educativo (FREIRE, 1969). Ela é um constante aprendizado para a convivência humana. Entretanto, junto à ação docente está a ação institucional. Sozinho, na convivência com seus alunos, o educador logo encontrará à frente barreiras que o impedem de estar junto com os educandos. Muitas destas barreiras

estão

na

interminável

problemática

relacionada

à

comunicação

organizacional, por vezes divergente da que se utilizam os professores naquela convivência, ou ornamentada por comentários inúteis. Contudo, com certa frequência, como evidenciou a pesquisa, professores apelam para o artifício do distanciamento mínimo do aluno, com interferência na correlação entre habilidades cognitivas e socioemocionais a ocorrer enquanto se desenvolve a dinâmica curricular (BASSI et al., 2012). Isto tem permeado cursos que se propõem a formar professores para a comunicação, a ser sensíveis ao capital cultural de estudantes que se preparam para a docência na educação básica. Portanto, preparam-nos para lidar com situações de encontro entre razão e emoção. Nada mais lógico que estes estudantes convivam o quanto antes com experiências dessa natureza a iniciar na sala de aula junto com seus professores. Positivo será se estas experiências demonstrarem a preocupação institucional em incentivar a melhor comunicação entre todos os membros da Universidade. Sendo assim, em que medida as iniciativas institucionais acaso existentes têm contribuído para haver uma comunicação eficaz e útil à ação docente?

4.3.6. Mais diálogo, mais práticas de feedbacks

408

O desejo expresso pelos participantes de presenciar no dia a dia da Universidade

a

prática

de

feedbacks

enquanto

recurso

educativo

está

subaproveitado, conforme indicou a pesquisa. A pedagogia dialógica pode contribuir para concretizá-lo. Na verdade, uma pedagogia preocupada com a humanização não pode abrir mão desta prática. No âmbito da ação docente, são solicitados seu incentivo e efetivação. Igualmente, no âmbito institucional. A ausência de tal prática diminui a distância para a educação bancária (FREIRE, 1987), aquela que domestica o ser humano na medida em que pressupõe ação ativa no processo educacional só por parte do educador. Isto é, pressupõe ação passiva por parte do educando. Tal concepção separa os envolvidos no ato educativo e, no caso desta pesquisa, fortalece a exterioridade do locus de controle (ROTTER, 1990) de estudantes e professores. O professor precisa realizar uma transposição do locus de controle externo para o interno. Deixar de jogar o jogo de por a culpa do fracasso educacional no estudante – obviamente cuidando para não se envolver também no jogo do estudante em que este se julga a vítima pelo fracasso. No entanto, isto será bem sucedido na medida em que os cursos consigam colocar em prática a proposta institucional de articular aspectos informativos e formativos, valendo-se da formação para o diálogo por meio do diálogo. Num movimento de retroalimentação, isto será altamente beneficiado com a prática de feedbacks. Desse modo, caberia saber: existem iniciativas institucionais voltadas para a prática continuada de feedbacks?

4.3.7. Síntese

Igualmente à elaboração das questões de nível 3, estas questões de nível 4 resultaram da aplicação da estratégia geral de análise de dados dos casos múltiplos tomados como objeto de estudo. São também questões do tipo por quê (quadro 15) e atendem às definições do Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A). Uma figura representa a matriz lógica da elaboração das questões, a qual envolve os recursos teórico-metodológicos utilizados (ver Fig. 37). Em última instância, trata-se de representar aspectos da interação das experiências sociais de estudantes e professores que, aparentemente, e só aparentemente, estariam

409

desconectados. No fundo, mantêm ligações entre si. É como se diz no luso dicionário popular, seria uma pescadinha com o rabo na boca, na medida em que em vários pontos tais aspectos se encontram. Figura 37 – Lógica da elaboração das questões após discutir o corpus da pesquisa. Impactos

Contribuições Capacidade de crítica Estágio supervisionado e PIBID Narrativas de experiências a estudantes

Quatro pilares Aprender a conhecer

Aprender a fazer

Aprender a conviver

Aprender a ser

Prática de feedback

Poucas evidências da associação ensinopesquisaextensão Ensino atrelado à sala de aula

Ausência de maior equilíbrio entre aspectos racionais e emocionais Apelo à educação bancária

Interesse dos estudantes pelo curso e postura profissional em vez da postura estudantil

Questões de nível 3 (com respostas, a partir da empiria)

Questões de nível 4 (sem respostas, para futuros estudos)

Fonte: elaboração do autor.

Na Figura 37, os retângulos à esquerda abrigam contribuições de experiências sociais resultantes da articulação informar-formar, as quais atuam sobre o cumprimento dos quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). Já os retângulos à direita abrigam impactos da ausência desta

410

articulação, os quais atuam também sobre este cumprimento no âmbito dos cursos pesquisados. Os círculos no centro contêm os pilares. As setas que chegam até estes mostram a direção das contribuições e impactos, sendo apenas um direcionamento inicial, para efeitos pedagógicos, pois na prática todos se encontram entre si. O círculo mais amplo que enlaça a maior parte da figura contém aspectos relacionados com o interesse dos estudantes pelo curso e à postura profissional que eles aprendem a assumir durante a formação. Assim, cada pilar recebe um tipo de contribuição e sofre um tipo de impacto, situando-se no contexto das relações que certas lógicas de ação estabelecem entre si, portanto, envolvendo a interação entre experiências sociais. Na parte inferior da Figura 37 estão duas setas largas a indicar que do entrelaçamento das contribuições e impactos resultaram questões de níveis 3 e 4. Embora apareçam sequenciadas, na realidade elas mantêm uma relação dialética. Isto porque as primeiras se situam no âmbito da ação docente e as segundas, no da ação institucional, ações a serem compreendidas numa só totalidade. As primeiras totalizam seis e são acompanhadas de respostas geradas a partir dos dados empíricos (Seções 4.2.2 a 4.2.7). As segundas, também em número de seis, partiram destas respostas e se oferecem como propostas para novos estudos (Seções 4.3.2 a 4.3.6). A junção destas questões possibilitou obter seis outras perguntas, agora já completas, no sentido em que envolveram a ação docente e a ação institucional. No caso desta pesquisa, efetivamente, serviram como esteio para a elaboração de uma hipótese. A seguir, apresentam-se estas questões: 1 – Estudantes e professores entendem que todos são responsáveis pela maior interação social. Este entendimento é fator importante para aprimorar ou desenvolver o interesse dos estudantes pelo curso. A expectativa era que houvesse esse interesse. No entanto, não é o que ocorre. Então, por que há desinteresse? Porque existe uma lacuna a ser ocupada pela pedagogia dialógica. De um lado, professores precisam reconhecer este consenso e podem lançar mão desta pedagogia. De outro lado, a instituição comprometida em evidenciar o pragmatismo da sociedade atual e o cultivo de valores humanos, articulando conhecimentos científicos e aquisições culturais, necessita aprimorar ou desenvolver iniciativas que valorizem o diálogo com a sociedade. Isto pode ser realizado por meio da

411

articulação com comunidades interpretativas, com a interlocução entre professores, estudantes, funcionários e demais componentes da sociedade – contando com o dinamismo, inquietação, rebeldia e criatividade que caracterizam os jovens. Isto porque cria cada vez mais comprometimento por parte dos estudantes. Em que medida ações institucionais têm valorizado amplo diálogo entre corpo acadêmico e sociedade? 2 – Estudantes são críticos. Este aspecto é importante para desenvolver atividades de pesquisa e extensão. A expectativa era que o princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão estivesse concretizado em larga medida. No entanto, não está. Há fragilidade em sua concretização. Por quê? Porque, dentre outros aspectos, não se aproveita tal criticidade. A pedagogia dialógica é uma alternativa interessante, pois aciona a capacidade crítica, a curiosidade e, por desdobramento, contribui para fortalecer essa indissociabilidade. De um lado, o professor deve buscar a identificação de situações em que emerge essa criticidade. De outro lado, a instituição deve incluir em suas estratégias a preocupação e a ação de preparar os estudantes para progredir naquilo que a LDBEN chama de estudos posteriores (BRASIL, 1996). Como os cursos se comprometem com um processo educacional que prioriza aspectos relevantes para a pesquisa, em que medida ações institucionais têm efetivamente incentivado a pesquisa e a extensão? 3 – Estudantes valorizam atividades de pesquisa e extensão – gostariam de participar mais de projetos. Esta valorização favorece a sua realização e, por desdobramento,

contribui

para

diversificar

atividades

didático-pedagógicas.

Esperava-se que esse contexto levasse a esta diversificação. No entanto, isto não ocorre. Há um direcionamento para aulas expositivas. Por quê? Porque existe um espaço a ser ocupado pela pedagogia dialógica. Neste caso, haveria um enriquecimento da dinâmica curricular de modo a se obter uma aprendizagem mais interessante, com atividades diversificadas, com foco em iniciativas extraclasse. Um dos possíveis caminhos estaria na maior disponibilidade dos professores para a efetivação de projetos de pesquisa e extensão, viagens e outras atividades extraclasse. Por sua vez, aos cursos pesquisados caberia abandonar a perspectiva tradicional da educação focalizada na pura transmissão de informações. Como se propõem a abandonar a perspectiva empobrecedora da educação bancária, o que ajudaria a diversificar atividades, em que medida a ação institucional tem se voltado

412

efetivamente para a operacionalização de estratégias educacionais com foco nessa diversificação? 4 – Há disposição de professores e aceitabilidade de estudantes para a prática de narrativas pessoais e profissionais. Este aspecto é interessante para a articulação entre os tipos de conteúdo (conceituais, procedimentais, atitudinais) e, assim, contribuir com a atuação do professor preocupado em articular o melhor possível aspectos cognitivos e socioemocionais. A expectativa era que houvesse uma presença mais constante do equilíbrio entre estes aspectos no cotidiano da atuação didático-pedagógica. Não há. Por quê? Apesar das oportunidades que se oferecem por meio das narrativas de experiências, a ação docente valoriza o distanciamento mínimo dos estudantes, estabelecendo-se uma lacuna a ser preenchida pela pedagogia dialógica. Esta promove a aproximação entre educador e educandos, com intenção educativa e, por desdobramento, contribui para articular aspectos cognitivos e socioemocionais. No âmbito institucional, os cursos se propõem a formar professores para a comunicação, propondo-se a ser sensíveis ao capital cultural de estudantes que se preparam para atuar na educação básica. Portanto, preparam-nos para lidar com situações de encontro entre razão e emoção. Em que medida possíveis iniciativas institucionais têm contribuído para haver uma comunicação eficaz e útil à ação docente? 5 – Os estudantes gostariam de ver mais presente no cotidiano da vida acadêmica a utilização de feedbacks. Isto é relevante para estabelecer uma troca contínua de informações entre estudantes e professores ao redor de questões relacionadas com o processo educacional. Com este potencial, a expectativa era que a prática de feedbacks como componente da relação estudante-professor estivesse diluída no dia a dia de estudantes e professores. No entanto, a realidade não tem sido assim. Como as propostas formativas dos cursos são suportadas pela intenção de articular informação e formação, pressupondo a busca do preparo dos estudantes para o diálogo por meio do diálogo, existiriam iniciativas institucionais voltadas para estabelecer uma prática mais sistematizada de feedbacks? 6 – Sendo críticos os estudantes e, por isto mesmo, já mantendo certo nível de internalização dos objetivos do curso, por que isto não é reconhecido plenamente pelos professores? Estes precisam perceber o quanto os estudantes são críticos. No entanto, no âmbito institucional, seria necessário estabelecer iniciativas desde o

413

ingresso dos estudantes no curso até a sua conclusão. Em que medida realiza-se um acompanhamento sistematizado dos processos de conscientização dos estudantes sobre as diversas realidades dos cursos? Como constatado, estas questões apresentam desafios à ação docente e à ação institucional. Foram elaboradas a partir de duas bases teóricas, as noções de experiência social (DUBET, 1994, 1998, 2013) e pedagogia dialógica (FREIRE, 1987, 1997, 2009) em meio à investigação de aspectos relevantes da interação entre experiências sociais de estudantes e de professores universitários. A pedagogia dialógica oferece-se como contribuição frente aos desafios colocados às universidades pelos processos de desinstitucionalização. O que impede a concretização desta pedagogia?

4.4. EXPERIÊNCIAS SOCIAIS E PEDAGOGIA DIALÓGICA

4.4.1. Introdução

Limitado aos contornos da pesquisa, o estudo evidenciou, de um lado, o peso com que determinadas estruturas sociais da Universidade recaem sobre as relações sociais presentes no cotidiano de estudantes e professores. De outro lado, evidenciou o caminho de volta, isto é, aspectos das condutas de estudantes e professores com interferência na composição destas estruturas. Considerou condutas relativas ao processo educacional desenvolvido principalmente na sala de aula, considerado neste trabalho um sistema educacional composto por outros sistemas relativamente autônomos (DUBET, 1994). As evidências indicaram uma progressão de aspectos da estrutura e de condutas, individuais ou coletivas, intensos o bastante para gerar e alimentar alguma inércia daquele sistema educacional116. Portanto, envolvem relações sociais construídas no ambiente acadêmico. Tal inércia, presente no dia a dia das interações sociais, assenta-se na tensão entre velhos e novos valores, entre interesses divergentes e em meio à construção de identidades, tendo como base importante a internalização de que o Outro é o responsável por resultados não

116

Retomam-se as construções hipotéticas lançadas por este trabalho na Seção 4.1.5.

414

esperados com relação ao processo educacional. Para os professores, a Universidade e os estudantes são os outros. Para a Universidade, os professores e os estudantes são os outros. Para os estudantes, a Universidade e os professores são os outros. Ficaram evidenciados também aspectos capazes de configurar certa negação parcial dos sujeitos117, pessoas que, sendo humanas, desenvolvem identidades a partir da capacidade de elaborar críticas cognitivas e normativas. Esta negação fundamenta-se numa espécie de crítica silenciosa, caracterizada pela incompletude da manifestação de opiniões por estudantes e professores. Por fim, evidências indicaram a presença de um novo-velho modo de autoritarismo, que se faz acompanhar por novas formas de alienação, num mundo em que o poder se fragmentou em meio à imensa quantidade de informações. Este modo de ser autoritário emerge da ausência de articulação sistematizada entre aspectos cognitivos e socioemocionais do processo educacional, portanto, na presença de uma primazia da informação sobre a formação. Assim, estes três eixos apresentados, inércia, negação do sujeito e autoritarismo constituem uma estrutura conceitual com base em constatações empíricas sintetizadas nas noções de Culpa do outro, Crítica silenciosa e Primazia da Informação. Caracteriza-se uma realidade antidialógica. Caracteriza um circuito antidialógico. Contudo, de encontro a este circuito, constatou-se que existem potenciais para desenvolver a maior articulação entre os diversos aspectos investigados, vislumbrando-se a possibilidade de estabelecer melhor a pedagogia dialógica como estratégia de atuação de professores, bem como alcançando o raio de toda a instituição. Ficou evidenciado que, por serem potenciais, esses diversos aspectos estão já em processo de incorporação no dia a dia de estudantes e professores. Seu aproveitamento conta com que a ação docente e a ação institucional dialoguem entre si, contribuindo para converter inércia em ação, negação do sujeito em sua afirmação e autoritarismo em autoridade. Cabe, portanto, explicitar entendimentos a respeito dos termos inércia, negação do sujeito e autoritarismo. Depois, constatar como e em que sentido a

117

Ver Glossário, termo negação parcial do sujeito.

415

pedagogia dialógica – a qual pressupõe a educação como certo momento do percurso de humanização dos indivíduos (FREIRE, 1969) – se constituirá em efetivos processos voltados para aquela conversão. No final sintetizam-se aspectos desta pedagogia favoráveis à efetiva conquista de autonomias por parte de estudantes e professores, nestes tempos, em que a interação das experiências sociais anseia por encontrar sentido nas ações desenvolvidas pelos diversos atores envolvidos no processo educacional.

4.4.2. A inércia do sistema educacional: a culpa é do outro Por inércia entende-se toda “falta de reação, de iniciativa, imobilismo, estagnação, apatia” (HOUAISS, 2003, p. 2088). É mais do que inação, que é o “estado de inércia passageiro, que cessa logo que desaparece a causa acidental” (POMBO, 2011, p. 16). É o antônimo de atividade. Portanto, implica a ausência da ação própria do agente que a produziria. Por sua vez, o termo sistema é compreendido como o conjunto de códigos, relações sociais, interesses, valores, crenças, que contribuem para formar a identidade social dos indivíduos. É compreendido como a “combinação de elementos cuja unidade resulta da capacidade política dos atores” (DUBET, 1994, p. 156). Neste sentido, constata-se a inércia de um sistema educacional quando, por exemplo, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam-se os políticos, mudam-se os programas, mas, depois, há efetivamente a queixa de que as coisas não mudaram no dia a dia dos envolvidos no processo educativo – perduram códigos e hábitos, mantêm-se as relações de poder. Tudo permanece praticamente na mesma situação, tudo como dantes no quartel de Abrantes (MATTOSO, 1998). Dito isto, que condições favorecem a inércia do sistema educacional? O que o paralisa? Aclaram tais questões, no âmbito da Sociologia da Educação, explicações sobre o que é a sociedade e o que é educação – desde autores clássicos até contemporâneos. No âmbito da Sociologia da Experiência, compreensões em torno da busca de sentido em meio aos processos de desinstitucionalização da escola. Na esfera da Administração, explicações sobre os processos de tomada de decisão no contexto das organizações ocidentais. No plano da Filosofia da Educação, conceitos relacionados com uma ética fundada na dicotomia entre o proclamado e o praticado.

416

No espectro de uma Psicologia da Aprendizagem Social, explicações ao redor do conceito locus de controle. Assim, seguem explicações que contribuem para compreender as condições favoráveis à inércia do sistema educacional.

4.4.2.1. Educação para promover a harmonia social

Inserido no ideal cientificista do século XIX, Durkheim (2006) entendia como fatos sociais os modos de agir capazes de exercer uma coerção exterior sobre os indivíduos, tendo uma existência própria, portanto, independente das manifestações individuais. O autor entendia fatos sociais como coisas, e não como extensões da individualidade, mas reais e distintos como o são os fatos físicos (GOMES, 2005)118. Estas explicações foram elaboradas por Durkheim (2006) a partir de seu envolvimento nos problemas sociais de sua época, advindos com a Revolução Industrial, tais como desintegração de costumes, prostituição, alcoolismo, crimes, revoltas. O autor explicava que a sociedade, agora situada num plano de análise, era um organismo com partes integradas e coesas, harmônico. Para ele, a sociedade existe porque uma consciência coletiva se passa na cabeça de cada indivíduo e, ao mesmo tempo exterior, que obriga as pessoas a se conduzirem de acordo com os desígnios da sociedade. Como para ele essa consciência coletiva seria fruto da cooperação entre os indivíduos e resultado da ação das gerações passadas – transmissão de valores e regras que permanecem ao longo dos tempos –, quase como consequência lógica, caberia à educação transmitir valores morais, intergerações, com o professor passando a exercer o seu poder em nome da sociedade (GOMES, 2005). Portanto, o processo educacional se constitui numa transmissão de costumes e regras, criando condições para a melhor convivência entre os indivíduos adultos e os mais novos. Assim, com essa função básica, a educação estaria a contribuir para manter a sociedade coesa. Ela seria um processo através do qual os indivíduos aprendem a

118

Isto não significa que, para Durkheim (2006), os fatos sociais sejam coisas materiais. Tão só devem ser tratados como se o fossem (RODRIGUES, 2011).

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se tornar membros da sociedade. A educação assume-se como socialização (RODRIGUES, 2011). No entanto, se esta maneira de perceber a educação mostrou-se útil para desvelar sua coercitividade e a exterioridade, por sua vez, a ênfase dada a esses aspectos não pode negligenciar a realidade de que os indivíduos têm vontade própria. Não pode desconsiderar que os indivíduos em geral têm gosto pela participação nas atividades educativas. Almejam construir suas próprias atividades. Neste sentido, conforme Gomes (2005), a falha de concepções pedagógicas que consideram o educando um elemento passivo está em que pressupõem que a atividade exercida por ele desvia (atrapalha) as expectativas do processo educacional. Desse modo, na raiz de um sistema educacional inerte – antônimo de atividade – está a concepção de que a autoridade do professor é prioritária. Está a concepção de que ele “representa a sociedade e tem o direito legítimo de suscitar aqueles ‘estados físicos, intelectuais e morais’ requeridos pela vida social” (GOMES, 2005, p. 19). 4.4.2.2. Educação para emancipar a sociedade Situando-se teoricamente na perspectiva da filosofia idealista hegeliana, para depois substituí-la pela filosofia materialista, Marx (2007, 2011) entendia ter descoberto as leis da história. Para ele, o que a move é a luta de classes sociais. Ela seria o itinerário das relações entre os seres humanos com a natureza e deles entre si, sendo relações construídas a partir da realização do trabalho (COSTA, 2005). Segundo Marx (2007, 2011), a história levava a burguesia à condição de classe dominante, enquanto a classe trabalhadora à condição de dominada. Assim como Durkheim (2006), o autor se envolveu na busca de respostas a problemas sociais de sua época, advindos com a Revolução Industrial, tais como miséria e sofrimento das classes trabalhadoras, expropriação de instrumentos de produção e de saberes que haviam sido transmitidos de geração em geração durante séculos (RODRIGUES, 2011). Ao estudar a educação oferecida aos filhos de trabalhadores da época, Marx (2007, 2011) identificou nela um poderoso instrumento de perpetuação da exploração da classe dominante sobre a dominada, podendo ser útil para passar

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ideologias. Por outro lado, identificou que poderia ser também um meio valioso de emancipar o ser humano, libertando-o do jugo do capital. Como? Buscando romper com o ciclo de alienação do trabalho, resultado da divisão do trabalho (RODRIGUES, 2011), neste caso, sendo importante o conceito de educação politécnica: a união entre trabalho produtivo, educação mental, exercício físico e treinamento politécnico (GOMES, 2005). Assim, de acordo com os conteúdos a que estivessem sujeitos os indivíduos, a educação seria voltada para a alienação ou para a emancipação. Se o objetivo fosse levar à emancipação, a educação deveria contribuir para que o trabalhador tivesse uma percepção alargada da realidade, incluindo nisto o processo produtivo advindo com as transformações do mundo moderno. Significa isto a educação preocupada em formar o indivíduo para a integralidade (homo faber, conforme MONDIM, 2005) por meio de uma aproximação entre o trabalho intelectual e o manual. Seria a escola voltada para a transformação, iniciando com uma preparação para o uso prático e consciente de instrumentos de produção. De outra forma, pode servir para salvaguardar o status quo. Neste caso, se assim concebida a educação, poderia levar o sistema educacional a uma inércia. Se se pressupõe que a educação pode ser transmitida de uma geração à outra, “privilégios podem ser criados e perpetuados por meio da escolarização e da educação em geral” (GOMES, 2005, p. 36). E o que será a inércia, senão originária do impulso de perpetuação? 4.4.2.3. Educação para treinar a sociedade A partir de uma sólida formação científica sustentada por estudos de filosofia, direito, sociologia e religião, Weber (1999) entendia que a ação social está vinculada ao sentido que os indivíduos buscam na relação mantida uns com os outros. É o comportamento dos outros que orienta a ação do indivíduo. Desse modo, de acordo com o autor, uma relação social constitui-se num “comportamento reciprocamente referido [grifo do autor referenciado] quanto a seu conteúdo de sentido” (p. 16), que, por sua vez, seria gerado por uma imensidão de agentes. É nesta relação social, que só existe se houver compartilhamento de sentidos entre os envolvidos em sua construção, que se encontraria a gênese da sociedade. Assim, ela existe porque os indivíduos são os únicos seres capazes de compartilhar sentidos, intencionalidades.

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De modo que, se em Durkheim (2006) e Marx (2007, 2011) a sociedade obriga os indivíduos a agirem conforme forças estranhas a suas vontades individuais, gerando que, no primeiro, a educação é mecanismo pelo qual as pessoas se socializam e, no segundo, que ela é mecanismo que pode ou não ser utilizado para emancipá-las, já em Weber (1999), a sociedade não é algo exterior e coercitivo a determinar comportamentos, mas sim o que resulta das infinitas interações interindividuais (RODRIGUES, 2011). Na Alemanha de seu tempo, em que o pensamento burguês se organiza tardiamente na comparação com a França e Inglaterra, Weber (1999) se ocupa em compreender como se desenvolve o processo de entendimento entre os indivíduos, tendo como ponto de observação importante as regras destinadas à obtenção de fins, isto é, a organização racional da sociedade. Neste contexto, a educação seria o modo como os indivíduos são preparados para exercer funções nesta sociedade organizada racionalmente. A educação, para Weber, não é mais, então, a preparação para que o membro do todo orgânico aprenda sua parte no comportamento harmônico do organismo social, como propôs Durkheim. Nem é tampouco vista como possibilidade de emancipação com base na ruptura com a alienação, como propôs Marx. Ela passa a ser, na medida em que a sociedade se racionaliza, historicamente, um fator de estratificação social, um meio de distinção, de obtenção de honras, de prebendas, de poder e de dinheiro (RODRIGUES, 2011, p. 66).

Tanto em seus estudos do período da monarquia central chinesa (em que o tipo ideal weberiano de educação é a pedagogia do cultivo) como nas transformações da educação no Ocidente (em que o tipo ideal weberiano é a pedagogia do treinamento), Weber (1999) identificou que a função social da educação era prestar-se como marca de identificação de grupos de status (RODRIGUES, 2011; GOMES, 2005). Esta visão é pessimista, pois admite a educação desenvolvida segundo a ideia de que, desencantado o mundo pelos processos de racionalização, restaria a ela afastar-se mais e mais da pedagogia voltada para valores e aproximar-se da outra voltada para o treinamento dos indivíduos – sobreviventes só passando pela pedagogia do treinamento. Se for considerada como inexorável a pedagogia do treinamento, a qual se impõe pela racionalização da vida, certamente isto se tornará fator relevante a que um sistema educacional se caracterize como inerte, sem atividade. Aquele pessimismo weberiano haverá de ser revisto mais à frente, na história, abrindo-se

420

portas para se compreender melhor um mundo que se desencantara por força dos processos de racionalização. Isto porque o mundo se renova a cada milésimo de segundo. Somente afastando-se de tal pessimismo pode-se admitir um sistema educacional que age movido por uma força lhe é própria. 4.4.2.4. Educação para reproduzir: a questão estrutural (I) As clássicas explicações sobre sociedade e educação, antes apresentadas, exerceram influência sobre os diversos autores do século passado. As contribuições para compreender o que é a educação são inúmeras e divergentes. Durkheim (2006), Marx (2007, 2011) e Weber (1999) lançaram suas explicações num período em que a sociedade industrial exercia forte influência na consolidação da modernidade. Contudo, o mundo mudou, dando origem a convenções como pósmodernidade

(TOURAINE,

s/d),

modernidade

tardia

(GIDDENS,

2002)

e

modernidade líquida (BAUMAN, 2001). Considerando isto, alguns autores foram selecionados para os propósitos do presente trabalho, não devendo ser compreendida a vinculação de suas ideias às explicações clássicas meras tentativas de enquadramento teórico. O objetivo é apresentar entendimentos sobre sociedade e educação de modo a facilitar a visualização de aspectos que contribuem para a inércia de sistemas educacionais. O bastante controverso Althusser (1974), estruturalista, desenvolveu estudos sobre a educação da perspectiva global do capitalismo. Conforme explica: [Entendo] que é a partir da reprodução [grifo do autor referenciado] que é possível e necessário pensar o que caracteriza o essencial da existência e natureza da superestrutura. Basta colocar-nos no ponto de vista da reprodução para que se esclareçam algumas das questões cuja existência e metáfora do edifício [construído metaforicamente por Karl Marx para representar a superestrutura e a infraestrutura] indicava sem lhes dar uma resposta conceptual (ALTHUSSER, 1974, p. 29).

Conforme explica Gomes (2005), seus estudos buscaram saber como as condições de produção se reproduzem. A resposta foi: pelo trabalho e pela educação. Com o primeiro, ocorrem os processos de reprodução pela via do trabalho. Com a segunda, ocorrem com a preparação do trabalhador competente. Assim, na escola, aprendem-se técnicas e normas comportamentais. Como estas normas são ensinadas de acordo com a classe social à qual pertence o aluno, caso seja da classe dominante, o indivíduo será ensinado a

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manipular a ideologia. Caso seja da dominada, será ensinado a submeter-se à ideologia. Numa perspectiva global, que considera o sistema capitalista, as condições de produção se desenvolvem por meio da relação recíproca entre superestrutura e infraestrutura. O Estado faz parte da primeira e é constituído pelos aparelhos do Estado (chefia, governo e administração pública), Aparelhos Repressivos do Estado (polícia, tribunais, forças armadas) e Aparelhos Ideológicos do Estado (por exemplo, igrejas, escolas, família). Estes últimos inculcam a ideologia necessária à dominação. Tudo ocorre como se não fosse uma perpetuação da situação de domínio. Assim, como em Bourdieu e Passeron (1970), a educação é concebida como instrumento para reproduzir e não para promover mudanças. A escola é passiva. Com tal concepção, alterações no sistema educacional terão seu limite nas estruturas sociais. A menos que se mudem as estruturas da sociedade, não cabe alterá-lo. Por sua vez, Gramsci (1968) fez relevantes estudos a partir da filosofia, sociologia e política, tendo atualizado as ideias de cunho marxista ao considerar as características das sociedades europeias da primeira metade do século XX (RODRIGUES, 2011). Diferentemente do marxismo clássico, em que haveria uma causalidade da infraestrutura para a superestrutura, o autor defende que há uma via de mão dupla entre estas duas – isto o situa entre os autores marxistas humanistas, afastando-o dos marxistas estruturalistas, como Althusser (1974) (GOMES, 2005). Como a classe dominante depende da difusão de determinados valores, da persuasão, isto possibilita alguma abertura para a circulação de antivalores (GOMES, 2005). Possibilita fazer uma revolução no cotidiano. Isto é, em vez da luta armada, Gramsci (1968) defende uma luta diuturna da sociedade em todos os espaços de poder disponíveis. Assim, o autor defende que não basta o uso da força, sendo necessário “conquistar a consciência das pessoas” (RODRIGUES, 2011, p. 76), ou seja, antes de exercer a hegemonia, um grupo social “deve exercitar a liderança intelectual e moral numa sociedade, para então constituir-se na classe dominante” (GOMES, 2005, p. 45).

422

Assim, haveria um intelectual orgânico, aquele que emerge da vinculação mantida com os interesses da classe dominada e um intelectual tradicional, aquele que poderia estar ligado aos interesses da classe dominante. Esses tipos de intelectuais seriam formados em escolas a fazer parte de um sistema híbrido. À semelhança das conclusões weberianas sobre o papel da educação – pedagogia do cultivo e pedagogia do treinamento –, Gramsci (1968) entende que haveria uma escola humanista (forma para o clássico, uma cultura geral) e outra voltada para formações específicas (científico ou profissional). Então, por que o sistema educacional permanece inerte? Da perspectiva de Gramsci (1968), se este sistema for controlado pela escola burguesa, não há esperança de alterá-lo em sua essência. Como explica Gomes (2005):

Neste contexto político e filosófico Gramsci desenvolveu suas ideias educacionais. Para ele, a escola burguesa não só discrimina socialmente, como é relevante para a manutenção do poder da burguesia. Por isso, ela não pode servir ao desenvolvimento da hegemonia proletária. No máximo, ela poderia fornecer uma base intelectual a ser reelaborada em função da contra-hegemonia (GOMES, 2005, p. 46).

4.4.2.5. Educação para reproduzir: a questão estrutural (II)

Para Bourdieu (1983, 1996), que radicaliza a concepção durkheimiana de que os indivíduos submetem-se ao controle das estruturas da sociedade, a ação social é concebida como o processo de reprodução de estruturas. Assim, o sujeito da ação submete-se aos desígnios da sociedade, fazendo com que as estruturas orientem suas condutas, sendo que este sujeito “não sabe disso e ainda é iludido pelos discursos dominantes, que o fazem pensar que sua ação é resultante de sua vontade própria” (RODRIGUES, 2011, p. 72). Entretanto, após incorporar sistematicamente a concepção durkheimiana e, com as contribuições marxista e weberiana, aquele autor, em pesquisas conjuntas com Passeron (BOURDIEU; PASSERON, 1970), identificou que, numa sociedade estratificada, as classes dominantes exercem um controle sobre os significados culturais socialmente valorizados (GOMES, 2005). Por isto, concluíram os pesquisadores, “o ensino superior transmite privilégios, aloca status e infunde respeito pelo status quo” (GOMES, 2005, p. 38).

423

Para os autores, o capital cultural, que é a “competência cultural e linguística socialmente herdada, sobretudo, da família e que facilita o desempenho na escola” (GOMES, 2005, p. 39), não é distribuído de forma equitativa entre as classes sociais. Assim, deter a maior quantidade de capital cultural leva ao sucesso; não deter, leva ao fracasso, ou no mínimo a sérias dificuldades. O currículo, ao enfatizar o formalismo e a palavra oral e escrita, cria limites aos estudantes. Estabelece uma ação pedagógica benéfica a quem domina, não à redução de desigualdades. Neste sentido, toda ação pedagógica seria violência escolar na medida em que impõe poder arbitrário, o arbitrário cultural, compreendido como inculcação de valores dominantes. Uma violência que se estende desde a educação básica até a superior, delineando no final o tipo de habitus adquirido pelo aluno durante o percurso de vida, nisto incluída a educação recebida da escola. Tal situação estaria fadada a permanecer indefinidamente. Não se rompe, até que mudem certas estruturas da sociedade. Com efeito, como explica Rodrigues (2011): Bourdieu e Passeron negam qualquer possibilidade de romper com as estruturas de reprodução e afirmam que as teorias pedagógicas na verdade são uma cortina de fumaça que procura ocultar o poder reprodutor do sistema que está nas mãos dos educadores. Simplesmente não há saída: o sistema de ensino filtra os alunos sem que eles se deem conta e, com isso, reproduz as relações vigentes. Não há possibilidade de mudança (RODRIGUES, 2011, p. 73).

4.4.2.6. Educação para regenerar a sociedade: a questão democrática

À vista da formulação de Weber (1999) sobre os tipos de educação, a pedagogia do cultivo e a pedagogia do treinamento, Mannheim (1979) proporciona à educação a possibilidade de um programa capaz de promover mudanças. Já não é mais o pessimismo weberiano, mas sim a esperança de ativar os sistemas educacionais e os processos a ele inerentes. Para o autor, apesar do declínio da educação em seu objetivo de formar para a integralidade humana, um efeito da intensa racionalização da vida que, por sua vez, decorrera da consolidação da sociedade industrial, nem tudo estava perdido, pois havia o fator democratização das relações sociais. Seria necessário compreender o tempo vivido e suas dificuldades, bem como saber de que maneira a educação sadia poderia contribuir para regenerar a

424

sociedade e os seres humanos. Aquele autor entendia que a sociedade estava a degenerar-se com os processos de racionalização identificados por Weber (1999). Era preciso melhorar padrões de vida, aproveitando movimentos da juventude (na busca pelo ideal de ser humano sincero e preocupado em atingir uma relação autêntica com a natureza e com os outros) e até os ensinamentos da psicanálise (homem livre das repressões, com saúde mental). Assim, uma democratização das relações enraizava a educação voltada para a formação integral. Para o autor, de todas as contribuições da moderna democracia para um mundo melhor, destacava-se “a possibilidade de que as camadas sociais venham a contribuir com o processo educacional” (RODRIGUES, 2011, p. 83). Assim, se com Weber (1999) o entendimento era de que o mundo houvera avançado com base na razão, num processo incontrolável, com Mannheim (1979), o entendimento era de que o mundo havia retornado à irracionalidade, à desumanidade – bastaria deitar o olhar sobre o nazismo para que isto fosse constatado. Apesar disso, havia esperança. Com a democracia abrir-se-ia o caminho por meio do qual se torna possível transformar a educação. Noutros termos: uma ativação do sistema educacional tornar-se-ia possível em sua essência, desde que esteja suportada por processos democráticos.

4.4.2.7. Educação para encontrar sentido nas ações

Também as explicações de Dubet (1994), envolvendo noções sobre a atual sociedade e questões relacionadas à educação, contribuem para formar juízos sobre as condições que favorecem a inércia do sistema educacional. Apesar de não estar preocupado exatamente em construir conceitos sobre o que é a sociedade, o autor evidencia compreensões em seus estudos sobre os percursos de fragmentação do mundo atual que compatibilizam com os processos de desinstitucionalização pelos quais passam âmbitos da sociedade, a exemplo da família, organizações e escola. Como já mencionado neste trabalho, para Dubet (1994), o declínio das instituições da modernidade fez com que as pessoas se tornassem artífices da construção social. Só que o recolhimento dos indivíduos à sua subjetividade, diante da pluralidade de registros que caracteriza a experiência social, fez com que os

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papéis sociais passassem a ser não mais tão bem definidos como o fora no passado. Na escola, por exemplo, a ação do aluno decorre em grande parte em função de seus grupos de pertencimento, enquanto a do professor decorre de seu poder carismático. A instituição escola não mais dá conta das novas situações (GOMES, 2005). Há uma combinação de lógicas da ação que aproxima indivíduos e sistema, embora indivíduos se mantenham distantes de sistema em termos de subjetividade – não há mais uma adesão a papéis e valores, agora intrinsecamente incoerentes. Na escola, onde os círculos sociais e as lógicas de ação são múltiplos, os alunos não imergem totalmente na instituição, mas criam autonomias separadas. Há uma separação entre as funções de socializar, educar e distribuir diplomas e qualificações. Assim, as oportunidades de conciliar aspirações são poucas. Os alunos se ressentem de um projeto global em torno do qual poderiam se articular (DUBET, 1994). No fundo, esta separação entre socializar, educar e credenciar evidencia o que Dubet (1994) denomina desinstitucionalização, a qual não seria uma crise – como Santos (2005) sugere. Seria tão só um processo de transformação de velhas instituições em espaços (ou sistemas) que, com o tempo, foram ocupados por fragmentos de ações, sentimentos, visões, enfim, condutas às quais todos precisam atribuir sentido. Nesta perspectiva, inerte é o sistema educacional que não percebe, ou não se permite perceber que, diante de um mundo fragmentado, novas compreensões de mundo e novas condutas se desenvolvem na relação educador-educando – primeira e última fronteira de qualquer sistema educacional com foco na formação integral dos indivíduos. Ao contrário, pensar um sistema educacional ativo, forte o bastante para acolher esses fragmentos implica, antes de tudo, exercitar a capacidade de dialogar com os diferentes sentidos a que chegam os envolvidos na relação educacional. Portanto, ativar o sistema educacional é trazer o mundo para dentro desta relação. Trazer o mundo significa imprimir no dia a dia dos membros da escola as atualizações de um tempo que muda vertiginosamente. Mas, sobretudo, significa contribuir para que as pessoas encontrem sentido em suas ações (DUBET, 1994). E o sentido virá simultaneamente à chegada dessas atualizações. É tudo junto.

426

4.4.2.8. Decisões organizacionais: hipocrisias, o proclamado não é praticado

Para Brunsson (2007) é peculiar à cultura ocidental o entendimento de que uma organização funciona em termos de união, coerência, coordenação. Segundo o autor, haveria um amplo entendimento de que uma organização possui certa capacidade de se pronunciar, tomar decisões e agir por meio das ações de seus membros. Estes, por sua vez, teriam controle sobre seus comportamentos e atitudes. Assim, entender-se-ia a organização como capaz de integrar as pessoas ao seu redor, orientando-se por estratégias e perspectivas. Entretanto, para o autor, estes entendimentos não se comprovam na realidade: as contradições dos atores são mais frequentes e problemáticas do que aparentam. Pode-se tomar como exemplo uma escola. Esta seria entendida como capaz de falar por meio de professores, alunos e funcionários e estes, por sua vez, teriam plena consciência de suas condutas. Mas, na realidade, não é bem assim – afirma o autor. Ou

seja, há um

distanciamento entre percepção e

realidade.



fundamentalmente uma diferença entre discurso e prática. Os discursos contradizem as práticas e vive-versa. De acordo com Brunsson (2007), a relação entre o que se decide numa organização e o que se adota não está condicionada à capacidade das pessoas de controlarem plenamente suas ações. Não existe esta condicionalidade. Desse modo, o autor estabelece o conceito de hipocrisia organizacional. Quer isto significar que há contradição entre decisões tomadas e ações efetivamente adotadas numa organização – cabendo esclarecer que tal conceito não embute juízos de valor, mas de realidade sobre o comportamento organizacional. Segundo o autor, estas hipocrisias dão a garantia de que a organização se conservará viva, pois elas se prestam a acomodar conflitos intergrupais e proporcionar alguma flexibilidade para resolvê-los, além de legitimar a organização de tal maneira que consiga carrear recursos para sua manutenção. Por sua vez, tangente ao assunto, Teixeira (1962) explicava, já na década de 60 do século passado, que os processos de racionalização do mundo moderno levaram a que determinados valores proclamados pelas organizações, inclusive escolas, fossem levados para longe dos valores reais praticados. Quanto à

427

educação, o autor defendia que a expansão da educação brasileira não poderia ocorrer à base dos conceitos de educação-bem-em-si-mesma e fruição e lazer. Noutros termos, a política educacional brasileira não poderia se guiar pelas ideias de que toda e qualquer educação possui valor absoluto. De que a educação escolar é processo que garante a passagem automática à classe média e ao exercício de ocupações leves ou de serviço, e não as de produção. Segundo Teixeira (1962), esses equívocos teriam gerado uma duplicidade de propósitos das instituições escolares brasileiras, provocando uma profunda dicotomia entre valores proclamados e valores reais, o que teria levado a consequências nefastas para o processo educativo.

4.4.2.9. A base fundamental da inércia: a culpa é do outro

Está no centro da psicologia da aprendizagem social um conceito que pode contribuir para evidenciar causas de momentos de inércia de um sistema educacional: o conceito de locus de controle. Rotter (1990) o defende, explicando que ele se constituiu como variável importante em estudos não só no âmbito da Psicologia, mas no de outras ciências sociais. Refere-se ao grau de expectativa colocado

pelas

pessoas

em

determinado

esforço

ou

resultado

de

seu

comportamento. Quando a expectativa desse resultado ou comportamento recai sobre o comportamento da própria pessoa ou de suas características, diz-se tratar-se de locus de controle interno. Quando recai sobre o acaso, a sorte ou o destino, ou sobre o poder de outras pessoas, diz-se tratar-se de locus de controle externo. Este último baseia a cisão entre Nós e Outros. Ele está no distanciamento entre coletivos sociais, que deveriam dialogar entre si, mas não o fazem. Os outros, pensados na perspectiva de uma cidade, podem ser as classes sociais, os bairros, as famílias.

Num sistema educacional, podem ser os

professores, os alunos, o ministério da educação, o ministro. Considere-se ainda que dentro de cada um desses coletivos sociais existem os outros. Por exemplo, entre os professores, ou entre os alunos, são os colegas. Entre as famílias, podem ser os pais.

428

Na esfera do processo educacional, a presença do locus de controle externo pode justificar a tendência de culpar o outro pelo fracasso educacional. Por exemplo, Mello (2003) identificou ainda no final do século passado a prática de culpar a vítima (o aluno e/ou a família) por este tipo de fracasso. Nas universidades, com certa frequência, estudantes são percebidos como “mimados, indisciplinados, preguiçosos, imaturos, falantes, dependentes, não leem, escrevem mal, têm valores frágeis, estudam pouco, não se esforçam” (ROGGERO, 2007, p. 167). Mas também os professores, com aulas cansativas e tediosas, podem ser percebidos como culpados. Ele é o outro. Os pais que não vão às reuniões escolares podem ser percebidos como culpados. Eles são os outros. A escola que não se organiza e, por isto, contribui para o fracasso educacional, pode ser a culpada. Ela é o outro. Portanto, o problema são os outros. Os outros. Enfim, pensado em termos mais abrangentes, poderia o locus de controle externo justificar fundamentalmente a inércia do sistema educacional, que frequentemente muda na periferia, mas não na essência. As pessoas precisam mudar condutas. Provavelmente, passando por uma reflexão sobre a tendência de atribuir culpa aos outros por problemas que dizem respeito a todo um conjunto de pessoas. 4.4.2.10.

Resumo esquemático e relatos

As noções escritas nas seções anteriores contribuem para aclarar compreensões acerca do problema da inércia do sistema educacional. A seguir, apresenta-se um resumo esquemático dessas noções, sendo acompanhado por elementos conceptuais que, numa escola, podem contribuir para o problema, e por evidências empíricas. Cabe esclarecer que noções e elementos não se vinculam, necessariamente, por relação de causa e efeito. São apresentados relatos de estudantes e professoras, logo abaixo das noções, elementos e evidências empíricas da inércia (última coluna à direita do quadro) a estas relacionadas (Quadro 33).

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Quadro 33 – Inércia do sistema educacional: a culpa é do outro. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema Educação para promover a harmonia da sociedade (DURKHEIM, 2006).

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema O professor é o mais importante, tendo autoridade para transmitir valores morais.

Evidências empíricas da inércia

Diferentes perspectivas orientam noções sobre autorresponsabilidade pela interação social: entre estudantes, ela advém da crítica aos processos de socialização; entre professoras, decorre de uma herança cultural. Indicações de predominar a perspectiva das professoras.

Relatos de estudantes: Não dá mais para perceber o professor como aquele que simplesmente professa suas verdades. Tem sim que defender seus pontos de vista, tentar um modelo de educação, mas, tem que ter abertura para ouvir. Até acredito que essa abertura a gente já consegue praticar dentro da graduação. Ouvir o outro lado é, por exemplo, fazer perguntas como: ‘por que é que num gosta de política? Por que acha que a educação é só sala de aula? Por que possui uma visão não muito boa da educação?’ (A8). Relatos de professores: Os estudantes têm uma carência cultural e social. Num sei bem se carência seria a palavra certa. Talvez uma diferença cultural e social entre eles e professores (P4). Percebo que o jovem estudante de Pedagogia possui uma preocupação de terminar o curso, de ir embora mais cedo, de se envolver o menos possível nas atividades. Eu tenho outra proposta! Eu penso que isto constitui expectativas diferentes do curso. Acho que isto pode ser um problema para promover a interação (P4). Educação para emancipar a sociedade (MARX, 2007, 2011).

A educação é passível de ser transmitida, para manter o status quo.

Fixação da ideia de distanciamento mínimo do estudante com o objetivo de manter respeito para com o professor.

Relatos de estudantes: Tento me aproximar do professor, que, geralmente assume-se como figura central. Ele assume que tem que ter a imagem de respeito (A1). O professor que tem relação mais amigável ajuda muito. Não tendo essa relação, distancia-se. Muito. Acho que é bem melhor você ser mais amigo. Mais companheiro além de profissional (A3). Relatos de professoras: Não se trata de ter aquela postura que leve o estudante a perceber que ele não pode se aproximar para conversar. Não! Mas, sim, embora isso possa acontecer, a gente continua na relação professor e aluno. Acho que é necessário deixar claro os nossos papéis (P1). Acho que a relação entre professor e aluno é a mesma relação de pais com os filhos. Você é amigo de seu filho, mas isto não quer dizer que ele possa lhe tratar como se tratam os amigos. Tem que ser uma relação de respeito. De limite (P1).

Continua.

430

Continuação Quadro 33. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema

Educação para treinar a sociedade (WEBER, 1999).

Deve-se cultivar a pedagogia do treinamento, pois inexoravelmente o mundo tende à máxima racionalização.

Evidências empíricas da inércia

Percepções de que o papel do professor concentra-se em larga medida na transmissão de conteúdos.

Relatos de estudantes: Acho que a maioria dos professores fica mais no conteúdo. Aqui na Universidade, sim (A2). Se você está falando da questão freireana, de trocar ideias com o estudante, não é só o professor falar, mas o aluno. Muitos professores ficam bastante no conteúdo e não deixam o aluno interferir. Às vezes, nem com a dúvida! (A5). Os professores, em geral, eles preparam os estudantes um pouco na matéria, mas não em termos de preparar para a vida, para resolver problemas. Muitas coisas eles deveriam utilizar para jogar mais o estudante no mundo, proporcionando um choque de realidade (A1). Quando o professor passa muita matéria, o aluno está ali só para fazer o que tem de ser feito. Ele não reflete sobre o que faz. Qual a importância daquilo na sua formação? Ele vai fazer porque vai valer uma nota! Vai valer a aprovação! Vai valer um semestre! E isto é uma coisa tão contraditória no curso porque, o tempo todo, os professores falam que a educação não é só isso. Não é só nota, num é só números. Mas acaba que, aqui no curso de Pedagogia, que é o curso mais crítico quanto a esta questão, isto acontece direto (A7). Projetos de pesquisa e de extensão dentro do curso de Pedagogia pouco ajudam a interagir. Na verdade, eles não são tão escassos, mas ficam fechados dentro de um grupo seleto. Acredito que por culpa dos discentes ainda! (A8).

Relatos de professoras: Com os estudantes do primeiro semestre o cuidado é peculiar. Por quê? O aluno tem uma série de questões, expectativas, dentro do mundo universitário, que nem sempre é do modo como imaginavam. Preocupo-me em estar mais próxima deles, possibilitar uma compreensão deste universo. Possibilitar, às vezes, uma aproximação com relação ao conteúdo, pois, muitas vezes, o jovem que chega à Universidade no primeiro semestre não tem o pré-requisito adequado. O professor pode possibilitar essa interface (P5). Nós temos poucos alunos em projetos de pesquisa. Então, a professora, doutora, pós-doutora, ela sempre consegue projetos. Mas é o grupinho ali. Fechadinho. E muitas vezes o grupo de pessoas não sabe nem o que faz. Porque, em Letras, as pesquisas não são muitas (P2). A preocupação com muito conteúdo atrapalha. Porque o conteúdo de verdade é aquele que mobiliza o aluno. Falar muito não é conteúdo! É pseudoconteúdo! Porque precisa haver significado! O resto passa... (P6).

Continua.

431

Continuação Quadro 33. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema

Educação para reproduzir (GRAMSCI, 1968; BOURDIEU; PASSERON, 1970; ALTHUSSER, 1974).

O sistema institucionalizado inculca valores dominantes, portanto, serve só para reproduzir, não para transformar.

Educação para regenerar a sociedade e os seres humanos (MANNHEIM, 1979).

As mudanças no sistema condicionam-se à democratização das relações.

Evidências empíricas da inércia

Algum desalento quanto à educação como um todo, com propostas de total mudança do sistema educacional. O modelo de escola não mais serviria para educar.

Relatos de estudantes: Para alguns professores, a licenciatura é uma forma de ascensão social. Ser educador é mais. No entanto, muitos se decepcionam. A Universidade é engessada. Eles não têm liberdade. Necessário repensar o modelo. Essa decepção e essa falta de liberdade caem no dia a dia da sala de aula. Para alguns professores, o aluno se torna ganha pão. Do sonho de mudar o mundo (muitos assim iniciam) vai para uma questão de ganhar dinheiro (A8). Eu acho que a gente tem um modelo de educação que ainda é muito rígido. Alguns conseguem perceber que essa rigidez não é tão boa e já começa a trabalhar isso. Alguns dentro de sala de aula, alguns de forma mais ampla, dentro dos vários e vários grupos de discussão que existem aqui. Infelizmente, alguns ainda estão muito acomodados! Como se recebessem ordens ou diretrizes sem ao menos refletir. Simplesmente recebem e reproduzem (A8). Ao pensar na questão do salário de professor, tenho mais vontade de ser revisor de texto. Como eu amo a gramática, penso, ‘ah, eu dou aula, num período e reviso texto em outro. Enfim, não quero ser só professor, não... (A2). Uma dificuldade para cursar Letras é o preconceito das pessoas. Dia desses uma amiga da minha mãe me disse: ‘Mas você é tão nova, por que está fazendo Letras? O que leva você a querer ser professora?’. Respondei: ‘é o que eu gosto! Eu me sinto bem fazendo esse curso’ (A3). Relatos de professoras: O curso de Letras não se abre para promover mais oportunidades de mudanças. Porque sofre uma séria crise. Os professores com títulos, os doutores, não querem largar o osso. Não querem mudança porque isto contraria interesses. Isto ocorre ainda que, na Universidade, os professores tenham liberdade de montar os planos de ensino depois que recebem a ementa (P1). Eu percebo que nosso curso é licenciatura e eu me sinto, às vezes, um pouco preocupada porque acho que nós não formamos professores como queríamos formar. Preocupa-me o fato de não estarmos preparando o estudante para a licenciatura. Porque aqui num é só pesquisa! Se o aluno quer fazer pesquisa, aqui vai ter uma matéria para pesquisa. Mas num é pesquisa. O curso é de licenciatura! Nós não temos metodologia do ensino na língua portuguesa, por exemplo. Se o aluno não tem, vai aprender como? O estágio é um tempo muito pequeno. Além da sala de aula, o aluno tem que ir lá para fora, por causa de seu estágio. Então, penso que não preparamos o aluno pra ser professor! (P2).

Continua.

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Continuação Quadro 33. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema

Evidências empíricas da inércia

Mas, acho que isto é uma falha do nosso curso. E não só aqui. Acho que todas as faculdades não preparam para a licenciatura. O aluno chega à sala de aula e não sabe o que faz. Por isso, a gente vê tantos professores com problemas graves: de relacionamento com as pessoas, com a própria família. Porque ele não sabe o que fazer na sala de aula. É desgastante. Pensar que é só um mar de rosas é mentira (P2). Acho que, embora nós sejamos um curso de licenciatura, não vejo aluno sendo preparado para a licenciatura. E nem para pesquisador. É um curso que trabalha com a pesquisa no TCC, não está preparado e não prepara para ser professor! Tem aluno que não quer ser professor! Outra coisa, a maioria dos meninos que fazem o estágio não deseja ser professor (P2). No modelo que se tem de escola hoje em dia, percebo que o processo de relação professor-aluno e o de avaliação são dois momentos de maior desgaste. Neste modelo, o professor é o que tem que vigiar, é o que tem que cobrar, é o que dá nota, e o aluno tem que ser cobrado, tem que ser vigiado. Então esse modelo de escola é o que danifica essa relação (P4). Há um limite na relação professor-aluno. É o seguinte: ou o aluno come na sua mão e faz tudo como você faz ou você reprova! Esse limite está posto e ele aprendeu essa lição de casa desde pequeno (P6). Da forma como tem sido utilizada, a avaliação não serve para nada! Ela não ajuda a melhorar o trabalho pedagógico. De fato, não ajuda (P6). A gente perde muito tempo. Professores do ensino médio, fundamental, educação infantil e ensino superior fazem provas, lançam pontuações. Às vezes, coisas que, na verdade, em nada ajudam o aluno. Exceto, meter medo. Então, acho que falta a gente ter uma atitude mais corajosa para mudar isto (P6). Educação para encontrar sentido (DUBET, 1994).

Ao sistema cabe atualizar os indivíduos, priorizando acúmulo de informações.

Dificuldades para articular tipos de conteúdo (conceituais, procedimentais, atitudinais). Com frequência, predomina o desenvolvimento de conceitos.

Relatos de estudantes: Não tem sido claro para mim o que fazer com o que aprendo. Não. Isto eu acho que a gente só vai aprender quando tiver dando aula. Porque, assim: a gente aprende ali a teoria. Por exemplo, a gente aprende gramática e tudo. No entanto, como se aplica esta gramática? (A1). Relatos de professoras: Nós professores, a tudo compartimentamos. Existe a disciplina teórica, a disciplina prática e a disciplina que é para a vivência! É mania de professor...! Tudo bem, temos que contribuir para que o aluno saiba resolver problemas na vida. Problemas que não estão diretamente ligados ao conteúdo. Conflitos entre alunos, por exemplo, não sei como é que, enquanto professora, consigo de alguma maneira contribuir para resolver isto. Infelizmente, ou felizmente, minha disciplina não trabalha com valores. Ela não está diretamente ligada ao desenvolvimento de valores éticos, morais, que, de alguma maneira contribuem diretamente para essa questão da vida! O desenvolvimento crítico, o desenvolvimento da autonomia em sala de aula... Tenho plena certeza que diretamente não estou fazendo isso. Porque a preocupação da gente, o professor tem essa mania de trabalhar o conteúdo dele! Esse é um grande dilema com o qual a gente tem que lidar. E tudo aquilo que aparentemente não é conteúdo, fica sempre para o segundo plano (P3).

Continua.

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Continuação Quadro 33. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema

Evidências empíricas da inércia

Os processos decisórios nas organizações não são adotados, tendo como base a dicotomia entre o que é proclamado e o que é praticado (TEIXEIRA, 1962; BRUNSSON, 2007).

É possível conciliar conflitos numa organização relacionados a decisões estratégicas declaradas, pois os indivíduos que dela participam são capazes de controlar todas suas ações.

Dicotomias nas propostas de atuação: 1) não à educação bancária/sim ao diálogo versus excessiva transmissão de informações; 2) estímulo/ desenvolvimento da arte do pensar, do sentir e do agir versus prática do controle da fala do estudante (distanciamento mínimo); 3) prioridade para articulação teoria-prática versus dificuldade de articular conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.

Relatos de estudantes: [Se penso de que modo pode-se melhorar a interação], num sei se por parte dos professores... Mas acho que isso partiria da coordenação [a direção do curso]. Ser mais dinâmico! Tipo, viagens. Relatos de professoras: A escola é cheia de regras inúteis. Não é a regra, em si, pois a Escola da Ponte diferença é que os alunos compreendem porque elas existem (P4). Lócus de controle é externo, não interno. (ROTTER, 1990).

O baixo nível escolar dos estudantes que ingressam na educação superior e, em particular, na formação de educadores, inviabiliza a melhoria do sistema. Eles não conseguem situar-se no nível mínimo para estabelecer uma relação educacional compatível com o nível do professor.

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tem regras. A

Estudantes entendem que os professores são incoerentes em seu discurso. Professores entendem que os estudantes cultuam um discurso de vítima. A culpa é do Outro.

Relatos de estudantes: Talvez na Universidade tenhamos bons e maus exemplos de professores. Em teoria, na sua fala dentro de sala de aula, ele demonstra uma coisa e, fora, ele demonstra outra. No caso específico da área de educação, toda a sua aula voltada para a matéria específica é voltada para uma pedagogia, por um modo de educar mais libertário, mas a sua prática num é libertária! Então é como se eles passassem a teoria, mas não a praticassem! Têm teoria, mas não a praticam. Acho que o exemplo do professor é muito importante. Então, volto a enfatizar que não é só o exemplo dentro da sala de aula. É o que faz fora dela! (A8). Nós estávamos meio perdidos numa disciplina porque o professor não explicitava muito bem o objetivo de suas aulas. A gente saía da aula sem saber o que tinha aprendido. Isso fez com que o pessoal reclamasse a ele. A turma era muito grande, então, todo mundo conversava muito! Só que a galera colocava a culpa só nele! Tava errado. Porque o pessoal também ficava conversando. Acho que se envolvem as duas partes! Só que, notei depois disso, o professor ficou meio chateado porque, segundo ele, a gente tava conversando muito. Notei que depois das reivindicações dos estudantes ele ficou ‘meio assim’. Ficou como quem quisesse dizer: ‘agora, vocês tão lascados’.

Continua.

119

Refere-se à Escola Básica da Ponte, localizada em Santo Tirso, Portugal.

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Continuação quadro 33. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema

Evidências empíricas da inércia

A gente percebeu um pouco mais de distanciamento! Antes havia uma aproximação. Eu via, sim. Andava pela sala, falava com todo mundo. Só que agora você sente a postura dele assim: não aprovaram meu trabalho. Não ajudou a melhorar o trabalho dele nem a nossa aprendizagem (A5). Obs.: este relato aparece também no Quadro 34. Sinto certa raiva quando o estudante diz: ‘o professor me deixou de recuperação por causa de um ponto e meio; por causa de meio ponto!’. O professor num deixa ninguém de recuperação! Você não conseguiu o ponto ou o meio ponto. Ficar jogando a culpa no professor? Eu acho muito ruim para o discente porque mais dia menos dia ele estará à frente da classe! E vai ter aluno pensando a mesma coisa! (A8). Relatos de professoras: A interação aluno-professor é pouca ainda por conta talvez da timidez do aluno. O próprio enfrentamento do aluno à autoridade do professor. Principalmente na Universidade. Por conta da titulação, talvez, ou por conta até da própria situação, em que a gente está, a interação é sempre um pouco mais difícil (P3). Eu percebo que falta autonomia no aluno. Ele espera o professor. Se eu sair ou faltar à aula ou se me sentir mal e for embora, não adianta eu passar trabalho para eles. Eles vão embora! Isto me incomoda muito! Essa falta de compromisso, de responsabilidade do aluno! E hoje em dia aparece um agravante, que é a falta de respeito! (P4). Então isso é uma coisa que incomoda muito na relação professor-aluno. Hoje em dia. No ensino superior. Essa questão do respeito, que eles confundem. Eles ficam esperando. Na minha cabeça, na Universidade, eles tinham que ter autonomia (P4). Falta a questão da empatia. Perceber que o outro precisa de ajuda. A escola tinha que trabalhar mais isso. E quando eu falo escola, eu falo escola da educação básica. Então, se a gente não trabalha isto no jovem na escola, quando depois ele chega à Universidade, aparece essa coisa do imediatismo (P4). Pegar questões da mídia, problema, cenários, às vezes nem sempre voltados somente pra educação, mas um acontecimento histórico, de um país, a iniciativa de um professor. Um cenário histórico, a gente traz esse recorte para a sala de aula para possibilitar: ‘o que você faria? Como pessoa, como ser humano, não somente como profissional’. Então, a gente para e reflete. Seria colocar-se no lugar do outro (P5). Eu gosto de humanizar a relação com o estudante. Ter uma relação mais próxima, mais humana. No entanto, em algumas matérias que ensino eles não veem importância na matéria. Ela não é uma matéria considerada de primeiro escalão. Ainda que eu tenha uma relação mais humana com eles, percebo que há uma desvalorização. Como se minha matéria não fosse uma matéria importante. A matéria não é valorizada por eles. Não é mesmo! Um detalhe: percebo isso também na ação de professores em relação a essa matéria. Então não é só o aluno (P1).

Continua.

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Continuação Quadro 33. Inércia do sistema educacional Contribuições para o entendimento da inércia do sistema

Elementos conceptuais que podem levar à inércia do sistema

Evidências empíricas da inércia

A interação entre aluno e professor não vai melhor porque acho que há um desestímulo da parte dos estudantes. Acredito que seja porque a gente também não está com o curso de licenciatura com uma identidade estabelecida. Aqui, particularmente, acho que nós ainda não definimos o que nós queremos com o curso de Letras. Percebo que a identidade está muito assim... É um curso de licenciatura, mas não é um curso de licenciatura! (P1). A interação não é melhor porque nós ainda estamos muito atrelados à sala de aula. Tanto é que houve a Semana de Letras e a participação dos meninos foi muito pequena. Num curso que tem quase 500 alunos (sic), não foram 50! É muito pouco. Eles não entendem. Eles ainda estão atrelados à sala de aula. Se não é sala de aula, não é aula. E por que poucos vão? Porque nós temos um sistema que, primeiro, os estudantes têm que ter umas horas extras no curso (as chamadas atividades complementares). Conseguem com diplomas conseguidos com a participação em seminários, simpósios etc. Esse seria um incentivo. A gente diz; ‘vai ter certificado!’. Num sei quando isso vai acabar! Creio que vão à Semana de Letras os que assistem à aula naquele momento (P1). A formação básica está dando lugar a esse excesso de informações que não se aprofundam. Então o menino chega ao curso com problemas básicos, gritantes, que deveriam ser sanados lá atrás, mas não são. Quando chega aqui, não se tem como resolver esse problema. Acho que o mundo está muito disperso. O menino está muito disperso. Acho que é um problema sério para nós! E o tempo de formação aqui também é pequeno! Porque há uma concorrência muito grande entre esses cursos, diminuir o tempo de curso para poder abocanhar o maior número de alunos! (P2). O maior desafio que enfrento para concretizar o ideal de professor que dialoga com os estudantes por meio do recurso da reflexão é: existe uma cultura de massa que impele os alunos a quererem não parar e muito menos refletir! A gente precisa ter esse cuidado. Ficar estimulando, cutucando. É uma mudança radical! Porque eles vêm de uma condição desfavorável, que é o hábito de não parar para dialogar, refletir e possibilitar transformação! Preocupa-me: como sairá do curso este aluno pedagogo? Pronto? Fará acontecer? Reproduzirá uma cultura de massa? (P5). No âmbito da sala de aula, acho que a interação entre estudantes e professores – conversa com o aluno, troca de ideias – não é tão boa por dois motivos: por conta da clientela com a qual a gente lida. Eu acho que, com a clientela que a gente tem hoje, que está muito mais preocupada com o resultado, que ele vai ter no final, que é o diploma, do que com o percurso que ele vai ter para chegar lá. Acho que falta participação nas atividades acadêmicas – por exemplo, em projetos de pesquisa e extensão – por conta do tipo de clientela que a gente tem. Grande parte disso não acontece por culpa deles porque eles são alunos que precisam trabalhar ao tempo em que estudam. E por conta de alguns colegas professores. Acho que já existe engajamento em relação ao que o alunado precisa. Mas nem todos estão dispostos a colocar a mão na massa para garantir isso. Por exemplo, o Encontro de Letras foi promovido, mas não se percebe o engajamento de muitos colegas. Alguns nem compareceram (P3). Os alunos se fazem de vítimas por uma série de fatores: porque precisam trabalhar e estudar ao mesmo tempo; financeiramente, não são beneficiados pelo destino, pelo sistema; é a Universidade, porque é cara e isso já faz com que ele gaste tudo o que ele consegue juntar durante o mês. Então, ele é vítima! Vítima financeiramente; vítima socialmente, porque desde novo ele está estudando em escola pública. Porque ele não teve acesso a essa cultura letrada que existe quando ele entra no curso. Ele é vítima porque ele chega atrasado, porque ele tem que vir de ônibus; depende de transporte público. Ele não pode ser reprovado na disciplina porque ele tem bolsa! (P3).

Continua.

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Continuação Quadro 33. O maior desafio que encontro, para ser uma professora que busca mostrar oportunidades aos alunos e assim fazer com que eles façam as coisas o melhor possível, é conseguir fazer isso de uma forma amorosa. Em geral, quando a gente propõe essa discussão os alunos ficam muito arredios. Às vezes, agressivos. Eles querem muitas vezes continuar no lugar onde estão. Quando proponho essa reflexão, essa mudança, muitas vezes eles não aceitam muito bem. Eles se defendem: ‘ah, mas a culpa é da educação básica; a culpa é da minha mãe; a culpa é do meu pai (P4). Aqui na Universidade, o estudante se faz muito de vítima. O mau aluno aqui é um aluno difícil! Porque, além de não saber (não conseguiu ingressar em universidade pública, onde é mais difícil entrar, e veio para cá), ele não quer saber! Quebrar isto, ou tirá-lo desse lugar, é complicado! (P4). Se isto é uma questão cultural? Sim. Mas existe no Brasil outra cultura! Que é uma cultura dos que batalham! (P4). Às vezes, tenho que abrir mão do processo, que, para mim, é mais importante do que somente o resultado! Todo o cuidado de cultivar a iniciativa, a reflexão... Mas, os alunos, hoje eles dão mais valor ao resultado do que ao processo (P5). Tira-me do sério quando o aluno é irresponsável e se faz de vítima. Não fazer a atividade, não se dá uma justificativa, e se colocar numa condição simplesmente de vítima, ah, isso me tira do sério: ‘ah, porque num pude’, porque mata alguém na família, fica doente, sempre esse discurso de vítima! Incomoda muito! É uma cultura e é muito forte! Isto eu acho um absurdo. O aluno precisa perceber que ele é protagonista! Posso muito querer bem por ele, mas não conseguirei ajudá-lo se ele continuar com essa condição de vítima frente a tudo o que não dá certo para ele (P5). Existe uma cultura no curso que precisa ser discutida. Se o estudante chega ao sexto semestre com tais hábitos, tais iniciativas, isto ocorre porque se trata de algo construído durante o próprio curso! Alunas comuns de turmas minhas e da P6 não se suportam. Diante umas das outras, podem dar curto circuito! Esta professora me convidou para fazermos um trabalho de integração... Eu não sei até que ponto isto vale a pena! Porque isto, para mim, seria papel da própria direção do curso! Deveria acompanhar estes estudantes e fazer intervenções. Porque no sexto semestre, eu vou fazer muito pouco! Isso deveria ter sido resolvido lá no início! E a gente precisa está por perto, acompanhando, percebendo isso. Eu, agora, de cara, vou perceber isso? Outros perceberam antes de mim... Por que não fizeram? (P5).

Fonte: elaboração do autor.

4.4.3. A negação do sujeito: a crítica silenciosa O ato de negar alguma coisa significa, dentre outras explicações, “recusar-se a admitir, não reconhecer, não consentir, deixar de lado, deixar de revelar” (HOUAISS, 2003, p. 2599). Por sua vez, o termo sujeito quer significar a síntese de uma identidade subjetiva compreendida como empenhamento em modelos culturais internalizados pelo indivíduo. Assume-se que a identidade subjetiva provoca uma reserva do indivíduo quanto ao papel exercido e à posição que ocupa na sociedade, pois a identificação com o sujeito cultural impede a plena adesão do indivíduo ao Ego, ao Nós e aos interesses. Assume-se que o ator se revela como sujeito na crítica, no empenhamento, no distanciamento (DUBET, 1994). Considerando estes entendimentos, constata-se a negação do sujeito quando, por exemplo, numa relação inter ou intragrupos, os envolvidos nas relações

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estabelecidas têm, por determinado período, a recusa, o não reconhecimento, o abandono da capacidade de crítica cognitiva ou normativa direcionada para os processos de socialização. Nega-se, por uns e outros, a capacidade de pensar, sentir e agir. Funciona como se uma nuvem de invisibilidade encobrisse as relações sociais. Como se todos se tornassem invisíveis (WELLS, 1992)120. O contexto dessa negação pode ser explicado a partir do conceito de fronteira do humano, conforme Martins (1997). O autor tomou este termo não só da perspectiva geográfica, mas também como fronteira de culturas e visões de mundo, de etnias, da História e a historicidade do ser humano. Assim, por exemplo, numa universidade isto pode ocorrer quando estudantes têm sua capacidade crítica não reconhecida. Quando por um ou outro motivo não conseguem ser ouvidos pelo conjunto de pessoas com quem se relacionam. Quando não conseguem falar ao outro sobre a cultura de seu grupo de pertença. Esta fronteira, nomeadamente sociológica e antropológica, constitui rico acervo de informações que possibilitam decifrar por que as subjetividades são negadas. Assim, no caso da interação social estabelecida no ambiente da sala de aula de uma universidade, bem como em atividades de pesquisa e extensão, por que o exercício e a exposição de críticas aos processos de socialização são negados a estudantes e a professores (menos frequente)? Por que há obstáculos à expressão de subjetividades? O que segue, neste trabalho, pretende aclarar essas questões, valendo-se de recortes teóricos no âmbito da Antropologia, com explicações sobre a identidade sociocultural do indivíduo; da Pedagogia e Sociologia, com explicações sobre os processos de negação de subjetividades.

4.4.3.1. A invisibilidade do ser humano

As noções de subjetividade, sujeito, indivíduo, identidade sociocultural são frutos da modernidade, em parte acentuadas pela pós-modernidade. Com Stuart Hall (2011), tem-se a explicação de que o sujeito do Iluminismo é o indivíduo único, autônomo e autossuficiente, cuja identidade estaria em seu interior; que o sujeito

120

Infelizmente, diferentemente da ficção, em que o protagonista é responsável por sua invisibilidade, na vida real, os outros tornam os outros invisíveis.

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sociológico é o indivíduo relacional, que interage com os outros, mediando valores, sentidos e símbolos, cuja identidade se constitui nos interstícios do espaço interior e exterior, alinhando o subjetivo ao objetivo; que o sujeito pós-moderno é o indivíduo histórico, aquele que cria a sua própria história de vida em meio à multiplicidade de sistemas culturais, com uma identidade plástica, sendo impelido constantemente para vários sentidos. Portanto, na fluidez do atual momento histórico (BAUMAN, 2001), as identidades dos indivíduos são fragmentadas e contraditórias (HALL, Stuart, 2011), tendo com as instituições um relacionamento dialético (GIDDENS, 2002). Um relacionamento que envolve, além das definições em leis ou advindas de percepções (do próprio indivíduo sobre si ou de outrem), as condições para que o indivíduo exista e para a construção de experiências sociais. O incessante diálogo presente entre símbolos (KEMP, 2000) e entre estes e os sentidos (HALL, Stuart, 2011) constitui espaço privilegiado para constatar a formação de identidades sociais, isto é, a formação de subjetividades no sentido em que se toma neste trabalho. No entanto, é no relacionamento dialético que os indivíduos estabelecem com as instituições que esse diálogo se manifesta com maior nitidez. Assim, fatores como categoria de idade, participação em grupos, desempenho de papéis reconhecidos socialmente “são responsáveis pela construção da identidade que cada sujeito se atribui, bem como a que os outros reconhecem em alguém, e que nem sempre são coincidentes” (KEMP, 2000, p. 66). Dito isto, por que as identidades sociais são negadas? Por que se nega o sujeito? Dizendo de modo mais abrangente: por que os sujeitos negam-se mutuamente, ainda que seja de modo parcial? Dentre outras hipóteses, eles se negam porque, paradoxalmente, a sociedade em rede (CASTELLS, 2008), na qual em princípio as pessoas estariam mais próximas umas das outras com o uso de recursos comunicacionais, esta sociedade em rede se converteu em um corpo tão difuso que as pessoas passaram a se perceber como vultos que se movimentam ao sabor das circunstâncias, na multiplicidade dos sistemas culturais. A tendência é a da invisibilidade das relações, a invisibilidade dos seres humanos (WELLS, 1992), pois tudo ocorre com muita velocidade. Funcionam as relações sociais como se as pessoas esquiassem sobre uma camada de gelo fino na qual se transformou a

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sociedade na modernidade líquida (BAUMAN, 2001) – à parada rápida para uma leve respirada, ou para uma mútua mirada interindivíduos, pode-se afundar121.

4.4.3.2. O palco da negação

A história da pedagogia mostra as tentativas de contemplar a subjetividade, o sujeito, o indivíduo, a identidade social, compreendido cada um desses termos como fruto do ideal moderno a partir da industrialização (CAMBI, 1999). Na era pósindustrial a busca se agrava, intensifica-se (DUBET, 1994). Na universidade, que, ao despontarem os séculos XI e XII tinha em seus quadros pessoas criativas geralmente dotadas de enorme capacidade de crítica e de agudeza lógica (REALE; ANTISERI, 1990), aquelas tentativas chegaram bem mais tarde. Atualmente, a luta na universidade envolvendo o reconhecimento do sujeito ocorre em arenas distintas, mas sobrepostas. Certos contextos problemáticos em que a universidade se constrói têm contribuído para tornar mais árdua esta luta. Como já referido neste trabalho: 1) as universidades lidam com um público jovem constituído em larga medida por estudantes trabalhadores, fato advindo com a expansão da educação superior. No Brasil, a maioria dos cursos onde se situa este público é constituída pelos que formam professores, com Pedagogia e Letras possuindo a maior parte dos estudantes nesta condição (RISTOFF, 2013); 2) as universidades convivem com o ideal de vínculo entre pesquisa, ensino e estudo, construído pelo menos nos dois últimos séculos (CLARK, 1995). No Brasil, há a obrigatoriedade de as universidades obedecerem ao princípio da indissociabilidade entre essas áreas (BRASIL, 1988, 1996); 3) as universidades convivem com o desprestígio generalizado dos cursos de licenciatura (PALAZZO; GOMES, 2012). No caso brasileiro, há um distanciamento entre o que se ensina nestes cursos e o que se pratica na educação básica, o que, ao final, contribui para desvalorizar a profissão de professor (CUNHA, Célio da, 2012; SILVA, 2012).

121

Uma questão de fundo pode ser colocada: se cada indivíduo “tende para si-próprio com escala pelos outros” (PESSOA, 1986, p. 323) – afirmação importante e considerável do ponto de vista ontológico (HEIDEGGER, 1996) –, tal tendência fica ameaçada por outra tendência, que é a da invisibilidade dos seres humanos, construída em verdadeiras pistas de corrida, cuja velocidade compete com a velocidade das conexões interinformáticas dos tempos atuais.

440

Considerar estes contextos em sobreposição contribui para compreender (e não justificar) porque, apesar de serem autônomos na construção de suas identidades,

jovens

universitários

encontram

obstáculos

à

expressão

de

subjetividades. Em meio a tantos, o estudante passa-se como mais um alguém no ambiente acadêmico. As identidades dos indivíduos da pós-modernidade são construídas por eles próprios. São percursos biográficos desenvolvidos nos múltiplos sistemas culturais. Contraditórias, multiplicam-se e orientam e reorientam a ação dos indivíduos para diversos sentidos dentro do sistema (HALL, Stuart, 2011). Os indivíduos não têm ascendência sobre as lógicas de ação subjacentes à construção de suas experiências sociais. Assim, o palco está pronto para emergir o sujeito crítico. Contudo, por diversas razões, pode se calar.

4.4.3.3. Negação da criticidade cognitiva e normativa

A partir das elaborações teóricas de Dubet (1994) e sua sociologia da experiência, compreende-se que o ator da chamada sociedade pós-moderna é o sujeito de quem cada vez mais se exige construir a própria identidade, conforme a diversidade de elementos que constituem a vida social e de acordo com a multiplicidade de princípios. Como puzzle, a ser reconstruído num processo de assimilação e separação (BAUMAN, 2005). Compreende-se que tal identidade é construída e reconstruída com o distanciamento que o indivíduo mantém do sistema. Ocorre em meio às novas formas de dominação que tornam as experiências sociais cada vez mais dispersas. Assim, será na crítica cognitiva e normativa que as pessoas firmarão sua identidade. Isto embute a ideia de competência do estudante alinhada com as ideias de Demo (2007) ao definir competência como capacidade de fazer e fazer-se oportunidade. Para este autor, a universidade do tempo atual precisa reorganizar sua didática acadêmica de modo a preparar efetivamente o cidadão e o profissional moderno para ter competência questionadora reconstrutiva. Tal “competência, refere-se, sempre, ao desafio da qualidade formal (inovação pelo conhecimento) e política (intervenção ética e cidadania)” (DEMO, 2007, p. 55). Assim, na linha da ideia de sujeito que cria sua identidade com a crítica cognitiva e normativa (DUBET, 1994), tem-se que o ato educativo preocupado em formar o profissional e o cidadão busca obstinadamente fazer com que, por meio de

441

constante exercício, desponte o sujeito capaz de questionar e propor. Este exercício pode e deve iniciar-se, e continuar, durante o próprio ato educativo. Neste sentido, o estudante deve ser capaz de analisar e fazer observações, bem como propor, relacionadas à didática que desenvolve este ato, tais como o processo avaliativo, as técnicas utilizadas, a organização dos trabalhos finais de curso. Entretanto, no seio de tal exercício precisa haver uma preocupação com o equilíbrio entre informação e formação. Caso contrário, a negação da criticidade cognitiva e normativa terá um forte aliado. Num jogo dialético, negar a capacidade de crítica cognitiva e normativa é fortalecer a separação entre aspectos informativos e formativos da educação. Trata-se de uma preocupação grave quando o público-alvo da formação são os jovens. Pode-se afirmar que a identidade que se nega com maior vigor é a deles. Isto não só porque predominam em quantidade na instituição universitária, mas em função da maior exposição à massificação de informações que lhes chegam por inúmeros meios, desde as velhas mídias, como o rádio e a TV, até as novas, como o computador e a Internet (VASCONCELOS, 2011b). De todo modo, cabe refletir: a crítica não ouvida, seja ela cognitiva ou normativa, é parte perdida do ser humano. É recorte da humanidade, que se esvai, pois julgar e posicionar-se são aspectos do humano. Constitui-se em ausência, se for entendido este termo como o estado fluido, no qual a presença se desvanece. Uma ausência que, pior, pode levar à profunda solidão – como se manifesta em Fernando Pessoa (PAZ, 1976). Ou, ainda, uma ausência que pode amplificar o horror ao vazio – como se expressa secularmente na estética cultural islâmica no azulejo, presente já entre os portugueses desde o século XVI (LEITE, 2007). 4.4.3.4. Resumo esquemático e relatos As explicações anteriores contribuem para compreender o problema da negação parcial do sujeito, conforme conceitos adotados neste trabalho (DUBET, 1994). A seguir, apresenta-se um resumo esquemático destas explicações, no qual constam também elementos conceptuais que podem, numa escola, ser de estudantes, professores e demais atores que vivenciam o problema. As explicações e estes elementos se vinculam, mas não necessariamente por uma relação de causa e efeito. O resumo se faz acompanhar também por evidências empíricas

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(última coluna à direita do quadro) que, por sua vez, baseiam-se principalmente em relatos dos participantes (Quadro 34). Quadro 34 – Negação parcial do sujeito: a crítica silenciosa. Negação parcial do sujeito Contribuições para o entendimento da negação parcial do sujeito

Elementos conceptuais que podem levar à negação parcial do sujeito

Evidências empíricas da negação

O sujeito pós-moderno é o indivíduo histórico, aquele que cria a sua própria narrativa de vida em meio à multiplicidade de sistemas culturais, com uma identidade plástica, sendo impelido constantemente para vários sentidos (HALL, Stuart, 2011).

Na sociedade em rede é importante imprimir velocidade às ações, pois o tempo não espera.

Há pressa, há acúmulo de tarefas, especialmente no final do período letivo (o TCC como exemplo).

Relatos de estudantes: O TCC... Nossa! É a decisão final, não é? Assim, todo mundo sente medo. O que assusta mais não é o tema que vai ser estudado, mas fazer a pesquisa (A3). Relatos de professoras: E também essa questão de ir buscar a pesquisa. Ainda assim, eles possuem um trabalho de final de curso, chamado TCC. O TCC é pesquisa, não? Eles ficam presos ao TCC sem sair. Tem menino que há mais de três semestres faz TCC 2 e não termina. Problema de escrita. De saber ler e passar do livro para o seu trabalho. Agora, tem menino que se sai muito bem! Ele se sai bem! Então você quer ter aquele para ser seu orientando (P2). Muitos alunos ficam dois, três semestres fazendo o TCC de um semestre! Não conseguem. Então, o que é isto? E tem que trabalhar, tem que fazer outra coisa... Então, você falou: um número excessivo de matéria? Não! (P2).

O palco da negação parcial do sujeito também é o da universidade, com seus distintos problemas.

O estudante é mais um no ambiente acadêmico, sendo o único responsável pela construção de sentidos.

Raros momentos de feedbacks entre estudantes e professores, especialmente sobre a prática didáticopedagógica.

Relatos de estudantes: Por que ocorre de alguns professores falarem uma coisa e agirem de outro modo? Por que a fala é diferente do agir? Acho que falta humildade. Falta uma formação continuada, uma reciclagem. Falta mudança de si, falta autogestão. O professor fala que aprende com aluno, mas isto não ocorre na prática. Deveria aprender com a opinião do aluno (A7). Retorno para os professores? Acho que não dou! Se sou crítica? Sim. O que me ajudou a ser crítica, acho, foi a leitura, a própria Universidade. Os meus colegas também são críticos (A3). Por que não dou retorno aos professores? Acho que me falta motivação. Quanto aos professores, deveriam fazer perguntas assim: ‘então, vocês gostaram? Do que não gostaram?’. Lembro só de um professor fazendo essa pergunta (A4).

Continua.

443

Continuação Quadro 34. Negação parcial do sujeito Contribuições para o entendimento da negação parcial do sujeito

Elementos conceptuais que podem levar à negação parcial do sujeito

Evidências empíricas da negação

Nós estávamos meio perdidos numa disciplina porque o professor não explicitava muito bem o objetivo de suas aulas. A gente saía da aula sem saber o que tinha aprendido. Isso fez com que o pessoal reclamasse a ele. A turma era muito grande, todo mundo conversava muito! Só que a galera colocava a culpa só nele! Tava errado. Porque o pessoal também ficava conversando. Acho que envolve as duas partes! Só que, notei depois disso, o professor ficou meio chateado porque, segundo ele, a gente tava conversando muito. Eu notei que depois das reivindicações dos estudantes ele ficou meio ‘assim’. Como quem quisesse dizer: ‘agora, vocês tão lascados’. (A5). Obs.: este relato aparece também no Quadro 33. A interação entre professor e alunos no curso de Pedagogia não vai bem quando o professor já formado, que dá aula na Universidade, começa a agir de forma prepotente, não vendo o professor em formação também como pessoa que pode contribuir muito com aquela aula, que pode trazer novas informações, novos textos. Até porque, com a facilidade de informação que a gente tem hoje, com certeza, o professor passa um tema, a gente vai já levar para a próxima aula - ele passa um texto-guia – mas eu posso ter lido mais dois ou três que têm a ver com o tema passado. Talvez ele nem tenha lido! Ou seja, alguns professores não dão abertura para que essas visões participem, faça parte de sua aula! E, por parte dos alunos, ou os professores em formação, acho muito ruim quando eles se comportam como alunos! Pura e simplesmente! Têm a visão ainda simplesmente de discente! Controverso? Um pouco porque ele é discente aqui. Mas alguns já são docentes nas escolas que dão aula! (A8). Os estudantes têm medo de falar: ‘professor, sua aula está ruim, vamos melhorar a metodologia’. Eles não falam se gostaram ou não! Quando o professor pergunta, a maioria dos estudantes se sente inquirida a concordar com o professor ou a elogiá-lo. Têm medo de qualquer outra coisa! (A8). Relatos de professoras: A interação é o feedback da gente. Se o aluno pergunta, se o aluno diz ‘ah, legal, lembrei-me de uma aula em que o professor disse isto..’ Então você pensa, ‘ah, tá fazendo sentido!’. Quando isso não acontece em sala de aula, você acaba ficando na dúvida: ‘mas será que realmente a coisa se estabilizou? (P3). A gente vê aqui na instituição, no curso de Pedagogia, alguns professores que não corrigem, que não fazem intervenção nenhuma. Em bancas de TCC, por exemplo, há aquele professor que não chama a atenção do aluno, pega o trabalho dele cheio de erros e não aponta um só erro. Nenhum erro, nenhum erro (P4). Terminou a aula, os alunos vão embora. Não dão retorno sobre a aula. Se lhes peço para falarem como se deu a aula? Não, não, não. Não tenho o hábito disto. Até já pensei. No meu plano de ensino, deveria fazer uma avaliação no final do curso. Pensei. Mas ainda não fiz. De repente, uma hora dessas farei isto. Porque é até interessante ter esse retorno... (P1). Os estudantes dão retorno, sim. Conversando com o professor. Quando este deixa (P2). Se meus alunos dão opinião sobre minhas aulas? Dão! Dão! Dão! Dão. Não é comum, assim, todo dia, mas dão. Dão. Dão sim. Não sou de ficar perguntando. Pergunto sempre no final do curso. No final da disciplina. Eu, sempre, no último dia, quando a gente tem oportunidade, pergunto (P3).

Continua.

444

Continuação Quadro 34. Quando proponho atividades de análise, de reflexão, em geral, tenho que ficar alertando, ‘gente, não quero ver vocês na posição de aluno; vocês são professores! Quando forem professores, como resolverão determinada situação?’. Tenho que ficar reforçando isso porque assim eles se colocam na posição de aluno. Percebo que a passagem mais forte de uma condição a outra ocorre mais para o final do curso: no sétimo, no oitavo semestre... É quando eles já começam a ter uma postura mais docente. A se ver mais como professor! (P4). Os estudantes não têm o hábito de oferecer retorno. Não existe uma cultura avaliativa. Porque, para eles, esse processo é assim: ‘se eu falar a verdade, o professor vai me punir!’ (P5). As pessoas firmarão sua identidade por meio da crítica cognitiva e normativa (DUBET, 1994). A universidade do tempo atual precisa reorganizar sua didática acadêmica de modo a preparar efetivamente o cidadão e o profissional moderno para ter competência questionadora reconstrutiva (DEMO, 2007).

Valores e interesses são elementos suficientes na formação de identidades. Transmissão de informações é suficiente para que os estudantes se tornem críticos.

Os estudantes fazem críticas à socialização, no sentido de tornar os processos educacionais mais voltados para a articulação informar-formar. No entanto, não conseguem expressá-las o quanto gostariam.

Relatos de estudantes: Ela não tinha esse lado humano. Eu achava a pós-doutorada na França e mais nada... (ela ri...). Nem um giz que caía no chão ela não abaixava para pegar. Sabe? E eu, meu Deus... Era assim. E ela sabia tudo. O aluno? Ela não aceitava que fosse mais do que ela. Não aceitava. E as pessoas que, assim, debatiam mesmo com ela, ela meio que isolava. Ela não aceitava ser superior a ela. Por muitas vezes eu me calava na sala de aula porque eu me sentia num mundo estranho. Assim, deixei o semestre me levar. Eu me fechei, não participava,tranquei-me. Era um bom dia e nada mais. Mas também estudei muito pra passar... (A3). Obs.: este relato aparece também na Seção 3.5.2.1.1 deste trabalho. Eu me considero crítica. Sim! Sou. Acho que até demais! Isto atrapalha às vezes porque a pessoa acha que é pessoal. Comigo não é. Eu digo assuntos, por exemplo: político, religioso, eu defendo o que eu acho! Só isso (A3). Você fica limitado! Você fica preso! Você começa a estudar as classes, tudo tem uma classificação, tudo tem uma divisão, e acaba que você perde essa liberdade, de pensar, de criar, de inovar. Acredito que isso aconteça desde o pré-zinho [a pré-escola]. A escola acaba com isso (A4). Eu e a professora P4 somos geniosas! Nós gostamos de nos expressar. E nos expressar de forma forte, que, às vezes, as pessoas não compreendem. Entendem como mútua ofensa. Na verdade, não é (A6). Então, os professores sempre dizem que os alunos podem apresentar seu ponto de vista, participar, e que um professor pode também aprender com um aluno. Mas existem professores que, quando o aluno se abre para apresentar essas questões, não aceitam o questionamento! Ego de professor, penso que é um pouco mais inflado! Eu acho que é difícil também pra pessoa receber uma crítica ou uma sugestão, ou ver que as pessoas não estão captando bem a mensagem do seu trabalho (A7). Percebo que alguns professores ainda não estão bem preparados para serem questionados. Eles ainda não trabalham como mediador do conhecimento, mas sim como dono dele. E então quando eles se posicionam como donos, questionado, às vezes, acabam distanciando os estudantes dele (A8).

Continua.

445

Continuação Quadro 34.

Em relação à aula, acho que os colegas criticam muito. Mas não na frente do professor. Não para o professor. É entre a gente assim, a gente comenta demais (A4). Nós estávamos meio perdidos numa disciplina porque o professor não explicitava muito bem o objetivo de suas aulas. A gente saía da aula sem saber o que tinha aprendido. Isso fez com que o pessoal reclamasse a ele. A turma era muito grande, todo mundo conversava muito! Só que a galera colocava a culpa só nele! Tava errado. Porque o pessoal também ficava conversando. Acho que isto envolve as duas partes! Só que eu notei depois disso que o professor ficou meio chateado porque, segundo ele, a gente tava conversando muito. Eu notei que depois das reivindicações dos estudantes ele ta meio ‘assim’. Como quem quisesse dizer: ‘agora, vocês tão lascados’. A gente percebeu um pouco mais de distanciamento! Antes havia uma aproximação (A5). Obs.: este relato aparece também no Quadro 33 e se repete neste Quadro. Acho essencial a nossa crítica de estudantes de Pedagogia: a gente tem sempre que pensar o que é o ser o professor! Eu acho que o curso me ajudou muito nisso. Que a gente discute muito sobre isso. Pensar sobre certas ações que o professor tem que ter. Isto pode impactar a vida dos alunos (A7). Relatos de professoras: O perfil do aluno quando chega ao curso é outro. Ele chega sem o conhecimento específico. Então ele chega sedento! E ele chega sem manias. Quando ele vai pegando o jeito do curso, ele vai criando manias e vai sabendo como gerenciar o curso dele também. Então eles já sabem quem é professor tal, professor tal. Eles sabem como agir, já sabem como te testar. E, se ele resolve te testar em relação ao conhecimento, segura a onda que ele vai te testar! O que não é nada ruim! Porque a gente está aprendendo todo dia! (P3). Percebo que isto choca um pouco os estudantes. Eu sou a professora exigente! Digo a eles que ‘seu trabalho precisa melhorar’. No entanto, para eles, isto é humilhação. Há oito anos não faço seminário! Eu fiz os primeiros dois anos, até perceber que eu não podia mais fazer (P4). Enquanto os estudantes estão aqui (na Universidade) sob as nossas asas, não assumem o papel de professor ou de escritor. Eles saem daqui como alunos. O tempo todo eles são alunos. Você percebe isso quando, por exemplo, desenvolve o TCC. Eles não vão além porque eles não pesquisam sem que você indique autores, livros, para eles. Eles não têm autonomia. Entram e saem sem esta autonomia. Melhoram um pouco, ficam um pouco mais sabidinhos, mas acho que continuam sendo alunos. Eles são dependentes da gente. Eles não saem da nossa asa não. Eles só crescem quando eles saem daqui (P1). A maioria dos estudantes não é crítica. Isto ocorre porque o nosso ensino ainda está do jeito 122 que sabemos. A gente adestrou esses meninos. Eles estão adestrados! A gente vem cortando as asas deles ao longo da vida. O tempo de escola. O tempo todo. Então, chegam aqui. Como o estágio é mais de discussão, nele são mais críticos (P1).

Fonte: elaboração do autor.

122

Refere-se aos professores de um modo geral.

446

4.4.4. O novo-velho autoritarismo: a primazia da informação

Além de situar-se no nível macro, o termo autoritarismo pode ser empregado no nível micro como qualidade do indivíduo autoritário. No nível macro, pode significar “um método de fazer política no qual o governo é usado para controlar a vida de indivíduos em vez de estar submetido a controle democrático pelos cidadãos” (JOHNSON, 1997, p. 25). No micro, autoritário é aquele “que infunde respeito, obediência [e que é] a favor do princípio da submissão cega à autoridade” (HOUAISS, 2003, p. 455). Esta explicação, em que o termo autoritarismo se situa em dois níveis, guarda coerência com a perspectiva de Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004), para quem o adjetivo autoritário é empregado em três contextos: 1) denominam-se autoritários os sistemas políticos que priorizam a autoridade governamental e reduzem o consenso; 2) fala-se que alguém com personalidade autoritária quando esta apresenta características resultantes do acoplamento entre, de um lado, obediência e, de outro, arrogância e desprezo pelo outro; 3) identificam-se como autoritárias certas ideologias que negam a igualdade entre os seres humanos, enfatizando o princípio hierárquico, propondo regimes autoritários e exaltando as virtudes de indivíduos autoritários. Portanto, este antigo fenômeno humano não é exclusividade de governos, podendo ser constatado em pequenos grupos de pessoas, entre as quais se fazem presentes aquelas que valorizam a submissão cega à autoridade, sendo, de preferência, em seu favor. O sentido assumido por estes grupos, a trajetória que os mobiliza, alimenta-se de ideologias que primam pela hierarquização e não pela horizontalização das relações entre os indivíduos. Nesta perspectiva, constata-se autoritarismo no processo educacional quando, por exemplo, sendo detentor de informações desconhecidas pelo estudante, o professor faz deste desconhecimento um mecanismo de controle sobre a fala daquele. Quando, a título de exemplo, a par de determinadas informações, prioriza o espírito competitivo e não o colaborativo, o espírito de amizade com o estudante. Considerando desse modo, o que poderia basear este autoritarismo? Quais condições o favorecem? Para discutir esta questão, estão a contribuir, no âmbito da

447

Teoria Crítica, explicações sobre mecanismos da produção cultural de massas como aspectos que impedem a autonomia do sujeito. No plano da Sociologia da Experiência, explicações a respeito dos processos de desinstitucionalização da escola enquanto contexto que, se não for bem compreendido, pode favorecer o autoritarismo. Na esfera da Nova Sociologia Urbana e Sociologia da Educação, explicações com respeito a vinculações entre informação e formação, com consequências no desenvolvimento de atitudes. Assim, seguem as contribuições teóricas que ajudam a compreender o que fundamenta esse autoritarismo.

4.4.4.1. A ditadura da informação

Em Adorno (2003), os mecanismos presentes na produção cultural de massas são compreendidos em toda a sua força como atrofiamento da autonomia do sujeito, portanto, como perda de qualquer perspectiva emancipatória. O autor se recusa a aceitar os lugares comuns do perfil comunicacional que passou a reinar a partir da consolidação do pensamento moderno. Já denunciava em Sobre a indústria da cultura que o esquema da cultura de massas vinha sendo gestado desde os primórdios da era industrial: A aparência estética converte-se em brilho endossado pelos anúncios publicitários aos produtos anunciados que o absorvem; contudo aquele elemento de autonomia, que a filosofia designa justamente por aparência estética, deixa de existir. Por toda a parte se esbate a fronteira com a realidade empírica. Mas há muito que se tem vindo a efetuar um sólido trabalho preparatório nesse sentido. Desde a era industrial que está na moda uma arte formadora de mentalidades que pactua com a reificação, ao imputar ao desencantamento do mundo, ao prosaísmo, até mesmo à tacanhez espiritual, uma poesia própria, alimentada pela ética do trabalho (ADORNO, 2003, p. 57).

Pode-se interpretar sua explicação como um libelo contra a ditadura da informação. Não a informação que ajuda a formar. Mas a que deforma, na essência, o alvo predileto de sua intenção: o jovem, aquele indivíduo na mais tenra idade, o pupilo. Tome-se o exemplo a seguir para explicitar a crítica ácida de Adorno (2003) a respeito do esquema da cultura de massas no âmbito da vida escolar: “a composição arrebatada sobre Joana D’Arc promete a mudança para uma turma mais adiantada por alturas da Páscoa. Nisto reside o consenso entre professor e aluno que os liga solidamente para além de todos os conflitos” (p. 58). Interpretando

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o exemplo dado por aquele autor, é o caso em que a racionalidade – representada pelo ato de elaborar e escrever um texto, um só texto – manifesta-se em toda a sua força. E mais ainda, no exemplo, utiliza-se da oferta religiosa como tema para ideologizar o contexto. Preocupa-se o autor com a oferta aliciante de imagens oferecidas aos jovens por ideologias que penetram profundamente o dia a dia da escola, valendo-se da inexperiência daqueles. Para o autor, podem levá-los, por exemplo, a pensar que seja sério o programa de vida baseado na ideia de que jamais se terá certeza sobre a integração entre estudantes e professores consumada de modo radical. Quer dizer isto que o autor se preocupa com a ideologização do conceito de amizade. A integração pela competição, ao contrário da integração pela amizade, é passada quase como atributo humano. De modo que, em Adorno (2003), imagem e realidade são explicadas à luz das ideologizações ameaçadoras da autonomia dos indivíduos. Com o autor, as explicações sobre a fronteira entre imagem e realidade são resolvidas como psicopatia coletiva. Noutros termos, pode-se interpretar que o real é irreal e o irreal é real – uma afirmação sem qualquer alusão filosófica, mas meramente para iluminar o entendimento da noção adorniana: a realidade é passada como impossibilidade de ser e, ao contrário, a irrealidade é passada como naturalmente posta à disposição das pessoas. Neste contexto, Adorno (2003) explica que o caráter nivelador da informação é sinônimo de alienação. Portanto, um malicioso exercício de poder. Na íntegra, segue um trecho do autor, demonstrativo da intensidade com que um indivíduo englobado pela cultura de massas pode se tornar vítima da enxurrada de informações: A informação veiculada centra-se sobre a própria cultura de massas. Pela crítica do apreço, se deprecia toda a experiência artística. Os consumidores são incitados à redescoberta: o bem cultural apresenta-se como o produto acabado em que se tornou, e quer ser identificado. O caráter universal da informação é o selo da alienação radical entre o consumidor e o produto, inevitavelmente próximo. Vê-se encaminhado para a informação, sempre que a sua experiência apresente lacunas e, sob pena de perda de prestígio, o aparelho treina-o para se dar ares de informado e pôr de parte uma experiência mais dificultosa. Se a cultura de massas se converteu numa só e única exposição, todo aquele que lá cai dentro se sente aí tão isolado como um estrangeiro no parque de exposições (ADORNO, 2003, p. 79).

Pior ainda, a imensa quantidade de informações despejadas sobre as pessoas pretendem ser a solução para os momentos de solidão:

449

É aqui que intervém a informação: a exposição interminável é, ao mesmo tempo, o interminável posto de informações que assalta o impotente visitante e o apetrecha com folhetos, guias, sugestões da rádio, impedindo que cada indivíduo isolado passe pela vergonha de parecer tão estúpido como todos os outros. A cultura de massas é uma sinalética de autorreferência (ADORNO, 2003, p. 79).

Assim, o indivíduo bem informado acaba por ter

sua origem no

comportamento daquele que vai às compras – como explica o autor – e que pode se alienar. Não resta dúvida que isto se converte numa porta para o autoritarismo: a indústria cultural desempenha as funções de um Estado fascista, sustentando um totalitarismo moderno ao promover a alienação dos seres humanos (ADORNO, 2003). Tal como explicara Baudrillard (1995), já mencionado neste trabalho, a sociedade do tempo atual baseia-se no crescimento do consumo, o qual, em última instância, seria responsável pela interação entre as pessoas. Para o autor, os processos de informatização estariam a contribuir para estimular uma exigência feita cada vez mais pela pós-modernidade às pessoas: os indivíduos encontram sentido para a vida social nas coisas que compram, agora compondo um sistema de signos manipulado pela publicidade (GOMES, 2005). Para Gomes (2005), esta é uma nova realidade, profusa de informações fragmentadas que se transformam em significados. De acordo com o autor, o problema é que a mídia seleciona o que deve ser informado, matando a realidade ao substituir fatos por notícias. Ela seria uma agência de manipulação cultural, de socialização originária de valores de mercado. Ela vende ilusões que, ao atendimento de desejos criados nos consumidores, são tidas por estes como verdade. Perde-se o sentido em meio à fragmentação generalizada.

4.4.4.2. Desinstitucionalização Para Dubet (1994), na escola moderna, “a cultura escolar, a distribuição das qualificações e a educação formavam um todo” (p. 173). Na pós-moderna, em que se massifica a escola – inclui a universidade –, esta se define “menos pelos seus valores ou pelas suas funções que pela sua capacidade de produção de ação combinada” (p. 177). Assim, selecionar, educar e socializar constituem funções que na chamada sociedade pós-moderna caminham separadas.

450

Antes, na escola moderna, a seleção social era originária da justaposição de escolas correspondentes às divisões sociais. Na pós-moderna, a seleção origina-se nas pequenas diferenças e desvios de pequena repercussão se tomados em si. Isto ocorre a partir da massificação da escola e inflação dos diplomas – fenômeno que, por sua vez, não implica, necessariamente, oferta escolar homogênea, pois muitos estudantes vivenciam percursos escolares de desempenho desigual: “alunos com dificuldades são orientados para trajetórias escolares mais ou menos desvalorizadas no interior de uma hierarquia extremamente rígida” (DUBET, 2003, p. 36). Se, antes, a função educar priorizava a grande cultura e as humanidades, em detrimento da economia e da técnica, hoje a educação necessária é aquela que busca contribuir, cada vez mais, para que o ser humano seja capaz de viver coletivamente, aprenda responsabilidades por meio de atividades não escolares, enfim, articulando informação e formação. As fronteiras entre informar-formar se fragmentaram, este é o ponto de partida desses processos em que a escola passou da modernidade para a pós-modernidade. Na escola moderna também se socializava por meio do ajustamento de expectativas de alunos, professores e famílias a valores da escola, esta se fechando sobre si e distanciando alunos e professores. Na pós-moderna, socializa-se por meio de uma escola independente, que privilegia desempenhos, buscando-se afirmar regras e hierarquias escolares. Socializa-se por meio de uma escola aberta à sociedade e à economia, útil e eficaz, ou que busca assumir um papel social e integrador. Isto ocorreu porque os modelos educativos se tornaram dispersos. São estes processos (massificação/inflação de diplomas, fragmentação informar-formar e dispersão de modelos educativos) que Dubet (1994) entende ser sustentáculos da desinstitucionalização da escola. Neste modelo de escola, a seleção ocorre a partir de pequenas diferenças. A socialização ocorre em meio ao privilégio de desempenhos afirmados por regras e hierarquias – com efeito, para os que conseguem chegar à escola, com frequência ela é a primeira experiência com a coerção e com a autoridade impessoais (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004). A educação pretendida procura articular informação e formação – recebendo diversas denominações, como educação integral, multilateral, completa e plena. E se esta articulação é já um desafio da educação que se impõe há algum tempo (DEWEY, 1959, 1976, 1978), tanto mais este desafio se intensifica se for

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situado em plena sociedade em rede e na era da informação. Isto porque se vive no mundo da informação fragmentada, dispersa (ALARCÃO, 2008), que obriga os indivíduos a permanecerem em eterna atenção sobre os sentidos tanto das informações que absorvem quanto dos desdobramentos e conexões que se estabelecem entre elas – num jogo que pode se converter numa neurose da informação e atrofiar outras capacidades humanas, caso informação e formação estejam desarticuladas. Sem essa articulação, entre informação e formação, está aberto mais um flanco para a instalação de processos autoritários na escola.

4.4.4.3. Informação para o trabalho, informação para a cidadania

No âmbito das relações da educação com a economia e trabalho, as três revoluções industriais (CASTELLS, 1999, 2008) implicaram na subordinação dos trabalhadores, respectivamente, à venda de sua mão de obra para detentores dos meios de produção; aos processos de trabalho coordenados pelos burocratas; à qualificação em posse dos detentores de alguns níveis de profissionalização. Em cada uma daquelas revoluções verifica-se o predomínio de alguns conhecimentos voltados para a atividade laboral, que passa a exigir dos trabalhadores determinadas capacidades que, por sua vez, relacionam-se com atitudes esperadas dos ditos trabalhadores, isto é, de quem exerce a atividade. Assim, do operário se espera a submissão, portanto, capacidade para seguir instruções. Do profissional espera-se atitude de compromisso com o trabalho realizado, portanto, capacidade técnica para atender ao usuário final de seu trabalho. Do cientista ou de um profissional de alto nível espera-se a atitude de resolver problemas, portanto, capacidade crítica e criatividade (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004). Portanto, a informação que gerará o conhecimento virá acompanhada de expectativa com relação a atitudes. Mergulhado na informação, principalmente no tempo atual, aquele que executa a atividade perguntará a si: para que esta informação? É suficiente ou excessiva?

452

Não se trata simplesmente de se familiarizar com o uso e com o manejo da informação. Pode-se padecer por falta de informação, evidentemente, mas também por excesso, se não se souber o que fazer com ela. O conhecimento é justamente a capacidade de compor e de manejar essa informação. O que separa o conhecimento profissional do operacional, à parte uma informação possível, mas não necessariamente maior é a capacidade de discernir e de se orientar em meio a ela (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004, p. 42).

No tempo atual, na chamada sociedade em rede (CASTELLS, 2008), a qualificação importa muito, inclusive, como meio de obter poder. Qualificação aqui significa

“o

conjunto

de

habilidades,

de

destrezas,

de

informações,

de

conhecimentos, de capacidades, etc. necessárias para o processo de trabalho” (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004, p. 39). Portanto, inclui a noção de competência compreendida como capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar situações (PERRENOUD, 2000). No entanto, de todos os requisitos para obter a qualificação, nessa sociedade, predomina o acúmulo de informações. No âmbito das relações da educação com a cidadania também o acúmulo de informações, enquanto requisito para se qualificar, faz-se acompanhar da expectativa de algumas atitudes. O mesmo indivíduo, aquele que se qualifica nessa sociedade em rede (CASTELLS, 2008), mergulha em informações destinadas a prepará-lo continuamente a ser um cidadão. Ele também se perguntará o que fará com essa ou aquela informação. É suficiente ou excessiva? As informações que chegam aos estudantes por meio da educação destinada a prepará-los para a ativa participação na vida cidadã situam-se no âmbito de princípios democráticos que se expandiram pelo mundo.

A exigência dessa

participação feita aos estudantes é reforçada pela emergência da sociedade da informação, uma revolução tecnológica sem volta que, apesar de contribuir para “a comunicação com o outro” (DELORS et al., 1998, p. 64), “reforça as tendências de cada um para se fechar sobre si mesmo” (p. 64). Portanto, princípios democráticos que favorecem a disseminação de informações, mas deixam em alerta os sistemas educativos quanto ao sentido a ser criado pelos estudantes à imensa quantidade de informações a que estão sujeitos no dia a dia de sua formação. Neste contexto, “a responsabilidade dos sistemas educativos [é] fornecer, a todos, meios para dominar a proliferação de informações, de as selecionar e hierarquizar, dando mostras de espírito crítico” (p. 66). Em suma, simultaneamente à preparação das pessoas para exercerem uma crítica ao tipo de informação que elas

453

estão a receber, os sistemas educativos “fornecem os indispensáveis modos de socialização [e] conferem, igualmente, as bases de uma cidadania adaptada às sociedades de informação” (p. 66). No Brasil, os currículos para a educação superior têm por obrigação legal seguir as orientações do art. 43 da LDBEN, no qual consta que este nível de educação tem por finalidade, dentre outras, “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira” (BRASIL, 1996). Desse modo, qualificar-se para o trabalho e para a cidadania exige ao professor da educação superior a capacidade de integrar os diversos conhecimentos construídos por meio das informações disponibilizadas aos estudantes. Contudo, se a expectativa é que essa integração contribua para gerar atitudes democráticas nos estudantes, por sua vez, torna-se tal integração ponto fundamental na atuação didático pedagógica. Caso contrário, a ação docente e a ação institucional encaminham-se para certo modo de autoritarismo, aquele que se encontra irrigado pelos ditames da indústria cultural nos interstícios dos processos de desinstitucionalização da universidade. Em ambos os casos, em meio à incerteza (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004), o desafio educacional é cultivar entre os estudantes (e professores) o espírito crítico tanto cognitivo como normativo (DUBET, 1994). 4.4.4.4. Resumo esquemático e relatos O que se explicou nas seções precedentes presta-se a proporcionar uma melhor compreensão dos processos que podem levar ao autoritarismo nas relações entre estudantes e professores no contexto da ausência de articulação entre informar-formar. O resumo esquemático a seguir está acompanhado de concepções dos envolvidos nessas relações que podem contribuir para práticas autoritárias. Apresentam-se também evidências empíricas que, por sua vez, baseiam-se principalmente em relatos de estudantes e professoras que participaram da pesquisa (Quadro 35).

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Quadro 35 – Autoritarismo: a primazia da informação. Autoritarismo no sistema educacional Contribuições para o entendimento do autoritarismo no sistema educacional

Elementos conceptuais que podem levar ao autoritarismo

Evidências empíricas envolvendo a tendência ao autoritarismo

Os mecanismos da produção cultural de massas atrofiam a autonomia do sujeito. Portanto, afastam dos processos educacionais quaisquer perspectivas emancipatórias (ADORNO, 2003).

A integração pela competição é atributo humano. As informações precisam ser niveladas. O máximo delas precisa ser repassado aos estudantes, até para evitar a instalação de processos de isolamento entre eles. Isto os ajudará a decidir sobre a aquisição de produtos na sociedade de consumo. As informações da mídia devem ser transmitidas aos estudantes que, assim, aprenderão a tomar decisões.

Proclama-se institucionalmente que não se priorizará a educação bancária, mas a informação predomina. A aula expositiva domina na maioria do tempo. Alunos se mostraram imóveis a escutar cansativas exposições. Há o desejo de seleção de conteúdos mais significativos.

Na escola moderna, a cultura escolar, a distribuição das qualificações e a educação formavam um todo. Na pósmoderna, em que se massifica a escola, esta se define pela sua capacidade de produzir ações combinadas. Assim, selecionar, educar e socializar constituem funções que na chamada sociedade pós-moderna caminham separadas (DUBET, 1994).

É preciso mudar tudo. A escola que está deve ser mudada radicalmente. É preciso fundar uma escola que reúna novamente as funções de selecionar, educar e socializar.

A informação que gerará o conhecimento virá acompanhada de expectativa com relação a atitudes, seja no conhecimento para formar o profissional, seja no conhecimento para formar o cidadão (DELORS et al., 1998; FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004; CASTELLS, 2008).

O máximo de informações precisa ser repassado aos estudantes, pois isto contribuirá para sua formação profissional e cidadã.

Relatos de estudantes: Eu queria que houvesse mais pesquisa na área. Como o Programa Ciência sem Fronteiras, que não está na nossa área de linguística. PIBID também não! Existe mais na área de Química, Física, Engenharias. Mas, e aí? Só isso é o que vai aumentar a renda, o PIB do Brasil? Acho que não. Com aprendizagem assim da linguística, de como funciona a língua, os professores vão poder saber ensinar exatamente. Essa gramática normativa? Nada a ver o que ensinam. A Literatura é ensinada de forma errada! (A1). No semestre passado a gente montou um artigo. Assim, nós somos cinco. Então, o professor passava um texto toda semana pra gente escrever sobre o texto e montar o artigo. O nosso artigo falava da transcrição da fala para a escrita. Tinha sete ou oito páginas, onde a gente tinha que buscar algo para além do que temos aqui na Universidade (A2).

Continua.

455

Continuação Quadro 35. Autoritarismo no sistema educacional Contribuições para o entendimento do autoritarismo no sistema educacional

Elementos conceptuais que podem levar ao autoritarismo

Evidências empíricas do autoritarismo

Percebo que há muitas turmas do curso que é só vir para a sala de aula. Em nossa turma, não. A gente possui um grupo forte envolvido noutros projetos. Isso de me envolver em projetos dentro da Universidade, o PIBID, atividades de extensão. Isto ajuda muito a interagir (A5). Porque outra coisa difícil de acontecer em nosso curso e que acontece geralmente nos outros e, principalmente, nas disciplinas que envolvem outros cursos é debate! Num tem muito debate (A4). Essa questão de usar a realidade do aluno para aproximar o professor, não me lembro de ter vivido muito isso aqui na Universidade (...). Alguns professores fazem esse jogo. Sabe. Para aproximar o aluno dele, tudo. Mas eu não me recordo de ter vivido isso tão claramente. Poucos professores acham que souberam lidar bem com isso no semestre inteiro (...). Então acaba que ele sabe o conteúdo, mas ele não sabe como passar esse conteúdo! Não sabe como usar o conteúdo para aproximar (A6). Não tem nenhuma atividade de extensão ou algo do tipo. Seria interessante que o curso tivesse atividades de pesquisa e extensão. Seria interessante, mas eu não consigo pensar que tipo de projeto seria... (A4). No início do curso, havia uma relação muito formal de professor com aluno. Não havia muita aproximação. Aquele bate-papo que a gente tem às vezes com o professor. Só que eu percebi que, depois que comecei a fazer os projetos de extensão, houve maior aproximação (A5). Inquieta-me muito essa questão da hierarquia. O aluno é único. O professor faz muito. O coordenador faz mais ainda. O diretor faz mais ainda. Essas coisas tornam-se muito hierárquicas! Vem de cima para baixo, formando uma avalancha (A8). Para ser uma professora competente, de atitude, eu tenho que saber inovar! Não devo passar a aula da mesma maneira que aprendi e não apenas com o conteúdo, mas saber inovar, com coisas além da escola! Não apenas com o conteúdo. Essa é a maior dificuldade, acho, dos professores. De fazer algo diferente para captar a atenção dos alunos! Porque, se tiver só a matéria, para eles, será muito maçante! (A2). O que mais incomoda é aula segunda-feira e a professora só fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala e fala. É muito cansativo. Isso me incomoda. Às vezes, num suporto ficar na sala. Deveria haver interação! (A3). A gente sai daqui da Universidade formadas para passar conteúdo. O lado humano é o dia a dia. É trazer de sua vida meio que pessoal seus valores para conseguir lidar com o ser humano! A gente não sai preparado para uma relação humana (A3). Ó, dependendo do conteúdo, o professor chega e fala, fala, fala, fala. Parece ser chato, mas eu prefiro o professor só falando, falando, falando do que meus colegas falando besteira, às vezes (A4).

Continua.

456

Continuação Quadro 35. Autoritarismo no sistema educacional Contribuições para o entendimento do autoritarismo no sistema educacional

Elementos conceptuais que podem levar ao autoritarismo

Evidências empíricas do autoritarismo

Acho que a maioria dos professores é mais limitada ao conteúdo. Não que eu ache isso ruim! É conteúdo demais... (A4). Eu acho que é mais matéria, matéria, matéria. Não há um equilíbrio entre matérias e trabalhar a questão de valores, trabalhar emoção (A7). Relatos de professoras: A não ser que os estudantes tenham algumas curiosidades, nós, professores, não saímos muito do conteúdo. Damos o conteúdo, um pouquinho mais assim, mais light, mas sempre voltado para o conteúdo. Nós ainda estamos muito presos a essa coisa do conteúdo! (P1). Em trabalho do qual participei na Universidade, voltado para o ingresso de estudantes no curso, a gente ficava o tempo inteiro num movimento de reflexão sobre a prática. Considerei, depois, que isso é adoecedor para o professor. Aliás, para qualquer pessoa! Acho que ninguém pode ser feliz e nem ter saúde se ele só fica o tempo inteiro no sótão ou o tempo inteiro no porão. Acho que isso leva à depressão, leva à loucura. Porque a gente precisa se alienar! (P6).

Fonte: elaboração do autor. 4.4.5. O poder transformador da pedagogia dialógica

4.4.5.1. Os potenciais: verdadeiras minas de ouro

Os potenciais identificados pela pesquisa para aprimorar ou desenvolver a maior articulação informar-formar, contribuindo para concretizar os quatro pilares da educação para o século XXI, estão relacionados com: 1) os participantes têm assumido uma autorresponsabilidade pela maior interação social; 2) em geral, os estudantes são críticos; 3) os estudantes valorizam atividades de pesquisa e extensão, embora não participem na medida esperada por eles; 4) as professoras estão dispostas a narrar experiências pessoais e profissionais e os estudantes se dispõem a ouvi-las; 5) os estudantes gostariam de vivenciar no cotidiano escolar maior utilização de feedbacks; 6) os estudantes já têm internalizado o porquê do curso. Constituem-se estes potenciais em verdadeiras minas de ouro a serem aproveitadas, na perspectiva de amenizar, ao máximo possível, comportamentos e

457

atitudes da interação estudante-professor que contribuem com a inércia do sistema educacional, a negação parcial do sujeito e a tendência ao autoritarismo. Desse modo, torna-se viável a pedagogia dialógica a iniciar na relação face a face entre educandos

e

educadores,

devendo

considerar

esses

potenciais

em

sua

concretização. Assim, o que à frente se apresenta considera que esses potenciais podem viabilizar percursos pedagógicos dialogais, devendo ser ativados a partir de uma estratégia de atuação que os considere interligados – bem ao modo como cantou o poeta sobre o encontro entre céu e mar, que, ao longe e no horizonte, fundem-se numa mescla a confundi-los num só corpo (CAMÕES, 1905).

4.4.5.2. Da inércia do sistema à ação

Segundo Fernández Enguita (2004), os processos de mudanças sociais se intensificaram e aceleraram de tal maneira nos últimos tempos que a educação, se antes vivia de sua própria gestão, agora se encontra envolvida num movimento que resulta numa desorientação generalizada. Os debates desse autor afetos ao papel reprodutor ou transformador da escola – em sentido amplo, portanto, refere-se também às universidades – levaram-no a concluir e a defender que a instituição escolar é tanto mais reprodutora ou progressista quanto mais a sociedade for, respectivamente, estável-estática ou mutável-dinâmica. Com esta posição, aquele autor se propõe a responder como é possível medir o ritmo da mudança social. Sua resposta a esta pergunta interessa diretamente a este trabalho, pois possui como suporte fundamental os conceitos buberianos a respeito da relação Eu-Isso e, primordialmente, a respeito da relação Eu-Tu (BUBER, 2009)123. Para o autor, “um indicador mais parcimonioso e razoável pode ser a própria experiência humana, considerada de uma forma global” (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004, p. 14). Neste sentido, se considerada a necessidade de abertura ao seu entorno, o sistema educacional – seja a escola em quaisquer de suas formas, inclusive as universidades, seja o processo educacional – precisa ter a capacidade de autotransformação.

123

O autor referenciado não menciona esta fundamentação, mas esta é uma possível interpretação.

458

Sendo categórico, aquele autor sustenta que o fato de considerar a própria experiência humana como indicador do ritmo da mudança social constitui-se em recurso que pressupõe uma “relação entre a organização e seus elementos ou, mais exatamente, uma certa atitude destes em relação àquela” (p. 101). Como explica o autor: Se cada elemento da organização, especificamente cada elemento humano, cada membro, fecha-se na função recebida e não está disponível para nenhuma outra, então não haverá organização possível, por mais evidente que seja a necessidade. Por trás da eterna demanda por mais recursos, às vezes, está latente essa atitude (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004, P. 101).

Sopesadas as argumentações de Brunsson (2007) a respeito da hipocrisia organizacional, pelas quais não existiria a priori uma efetiva coordenação e controle das organizações sobre as atitudes e decisões de seus membros e, ressalvadas as evidências de desolação do panorama da educação brasileira a incluir lutas como, por exemplo, a revalorização salarial e profissional de docentes, concorda-se com a posição de que a flexibilidade organizacional ocorrerá quanto mais houver atitude de compromisso de seus membros com o conjunto da organização e com seus objetivos (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004). Além disso, a atitude de entusiasmo124, a favor do reencantamento da educação no plano pedagógico não pode ser relegada a um plano inferior. No nível da ação docente, por exemplo, o professor não pode ter receio de instigar, sugerir, colocar vida, com todo o entusiasmo, na ação pedagógica que tece significações e mapeia aspectos relevantes destas significações. O professor é aquele que, entusiasmado, constrói narrativas valorizadoras dos elementos tácitos presentes no processo educativo ao lado dos elementos explícitos (MACHADO, 2004). Neste sentido, cabem as perguntas: Por que será que, na hora do vamos ver o que se pode fazer já, aqui e agora, os pseudoprogressistas e os que não querem nada com nada costumam andar juntos e puxar para o mesmo lado? Pode-se mitigar isso como resistência socialmente propulsora? (ASSMANN, 1998, p. 23).

Concorda-se com as posições que defendem a mudança de atitude como alternativa importante para atingir o objetivo de levar o sistema do estado de inércia

124

Trata-se de um entusiasmo que considera os contextos da atualidade, não constituindo ação isolada, quixotesca, distante de qualquer cegueira já muito criticada por especialistas.

459

ao de ação. Significa isto sair da atitude negativista, que põe a culpa do fracasso educacional no estudante (ROTTER, 1990; MELLO, 2003) ao tempo em que internaliza a percepção sobre ele de uma pessoa frágil e desinteressada (ROGGERO, 2007). Ou esquecendo-se de que a qualidade da educação passa pelo viés pedagógico (ASSMANN, 1998). Significa contribuir efetivamente para levar adiante o processo educacional, concebido de maneira sistêmica (DUBET, 1994), da inércia à ação. Ora, isto aqui se refere à concretização da pedagogia dialógica. Tal pedagogia concretiza-se com a mudança de atitudes em favor da organização, como o compromisso com o conjunto organizacional e com objetivos (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004; FREIRE, 2009), bem como o entusiasmo em reencantar a educação (ASSMANN, 1998), atitudes inscritas numa visão mais ampla do fenômeno educativo. Neste sentido, a pesquisa realizada com estudantes e professoras dos cursos de licenciatura em Pedagogia e Letras identificou que os participantes assumem autorresponsabilidade pela maior interação social. Esta é uma das faces da pedagogia dialógica na medida em que significa comprometimento no sentido em que explica Freire (2009): “não é possível exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse conosco” (p. 96). O autor relaciona algumas características do comprometimento, deixando a possibilidade de interpretá-los conforme uma visão sistêmica do processo educacional. Assim, o educador comprometido é aquele que se deixa apreciar pelos educandos. É aquele que aproxima cada vez mais o que diz do que faz. Reconhecese ignorante, mas firma-se como sujeito que aprende ao buscar respostas à sua ignorância. Não é autoritário. Permanece atento ao modo como é avaliado pelos educandos. Todas estas características finalizam na ideia de que o espaço pedagógico deve ser considerado “um texto [grifo do autor referenciado] para ser constantemente ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’” (FREIRE, 2009, p. 97), não sendo neutro este espaço, politicamente falando. Isto significa que a mudança de atitude (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004), que se volta para o maior comprometimento (FREIRE, 2009) e maior entusiasmo (ASSMANN, 1998), é ação que se desenvolve numa perspectiva sistêmica. Estão em jogo valores da organização e dos seus elementos, assim como interesses,

460

como o do estudante pelo curso e o do professor em vê-lo cada vez mais interessado. Enfim, isto significa ativar o sistema educacional em sua raiz.

4.4.5.3. Da negação parcial do sujeito à sua afirmação

Se, de uma parte, admite-se o Outro para culpá-lo pelo insucesso escolar (ou até por certas mazelas da educação brasileira), por outra parte, quando se trata de colegas (estudantes ou professores), nega-se o Outro com frequência em sua subjetividade. Tal constatação da pesquisa situa-se na discussão de um cenário mais amplo, envolvendo a questão cultural. Encontros e desencontros entre culturas e visões de mundo se situam na fronteira do humano (MARTINS, 1997). Neste lugar estão questões relacionadas à linguagem, à arte, à religião, cuja ligação com o tema da cultura humana já se ocuparam inúmeros pensadores (CASSIRER, 1960). Portanto, é lugar que se torna especial, onde se conservam informações, para se decodificar subjetividades. No entanto, esta não é das tarefas mais simples, ainda mais nas universidades do tempo atual. As universidades convivem com a desinstitucionalização, lidando com jovens às voltas com a necessidade de trabalhar, buscando associar ensinopesquisa-extensão e presenciando o desprestígio dos cursos de licenciatura. Como já mencionado, a subjetivação a que se refere neste trabalho toma como referência o conceito de identidade subjetiva segundo Dubet (1994), com fundamentação na capacidade que os indivíduos possuem de distanciar-se dos processos de socialização. Assim, importa tomar como objeto de análise da negação parcial do sujeito os aspectos identificados pela pesquisa relacionados com a capacidade dos participantes de elaborar críticas cognitivas e normativas. Há evidências de que estudantes não reconhecem essa capacidade em professores. Por sua vez, há evidências de que professores não reconhecem essa capacidade nos estudantes. Portanto, a negação é mútua. O Outro, no nível no indivíduo, está sendo negado pelo Eu no que é cada vez exigido às pessoas no tempo atual, que é a capacidade de julgar e se posicionar diante da multiplicidade de orientações, princípios e valores. Neste sentido, alertam Delors e colaboradores (DELORS et al., 1998):

461

Os métodos de ensino não devem ir contra este reconhecimento do outro. Os professores que, por dogmatismo, matam a curiosidade ou o espírito crítico dos seus alunos, em vez de os desenvolver, podem ser mais prejudiciais do que úteis. Esquecendo que funcionam como modelos, com esta sua atitude arriscam-se a enfraquecer por toda a vida nos alunos a capacidade de abertura à alteridade e de enfrentar as inevitáveis tensões entre pessoas, grupos e nações. O confronto através do diálogo e da troca de argumentos é um dos instrumentos indispensáveis à educação do século XXI (DELORS et al., 1998, p. 98).

De uma perspectiva positiva, há evidências a favor da afirmação do sujeito, pelo menos no recorte ora realizado, que é a capacidade de julgar e se posicionar. Há evidências de que os estudantes são críticos, valorizam as atividades de pesquisa e extensão e já conseguem perceber e avaliar o porquê da escolha e realização do curso. Na verdade, constituem potenciais da pedagogia dialógica mais sistematizada,

contribuindo

para

que

os

estudantes

possam

manifestar

subjetividades. De acordo com Freire (2009), presentes na relação dialógica estão o Eu enquanto pessoa e o Tu enquanto outro. Para o autor, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade” (p. 136). Este é o sujeito crítico, curioso, capaz de decidir bem. A pedagogia dialógica contribui para afirmar o sujeito, nos termos colocados, na medida em que proporciona aos estudantes a oportunidade dessa abertura ao mundo e aos outros. Realiza esta afirmação quando aciona a capacidade crítica, a curiosidade. Uma curiosidade com a qual os estudantes podem se “defender de ‘irracionalismos’ decorrentes do ou produzidos por certo excesso de ‘racionalidade’ de nosso tempo altamente tecnologizado” (FREIRE, 2009, p. 32). Uma curiosidade transformada em mola da atividade de pesquisa, da diversificação de atividades educativas, podendo contribuir para a maior conscientização dos estudantes quanto aos objetivos da formação universitária. Por isto mesmo, afirma Freire (2009): Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito (FREIRE, 2009, p. 69).

462

Neste sentido, como já mencionado, Demo (2007) defende uma educação reconstrutiva, um termo mais plantado culturalmente do que o construtivismo, conforme a proposta piagetiana a partir de uma epistemologia genética (PIAGET; MAYS; BETH, 1959). Defende o autor que o conhecimento produzido não é totalmente novo em termos de construção. Segundo ele, parte-se do que já está construído. Ocorre um refazimento, uma reelaboração. Para as universidades, o autor propõe uma reorganização da didática acadêmica. Assim, prepara-se melhor o cidadão e o profissional moderno para ter uma competência questionadora reconstrutiva. Desse modo, a atitude reconhecedora da capacidade crítica dos indivíduos é ação que afirma o Outro no tempo mesmo da relação estabelecida entre o Eu e o Tu (FREIRE, 2009). Uma relação mergulhada no conjunto de representações sociais, a que se convencionou chamar cultura – esta sendo um feixe de símbolos a constituirse numa rede composta pela linguagem, mito, arte e religião, à qual todo o progresso humano se submete e, concomitantemente, por ela é fortalecido (CASSIRER, 1960). O mundo tem sido cada vez mais exigente no sentido de que as pessoas devem ter posicionamentos críticos, sejam cognitivos ou normativos (DUBET, 1994). Nesta perspectiva, a atitude aberta do professor que educa reconhece de imediato a criticidade dos educandos. Como educador, refaz-se e, ao mesmo tempo, reconstrói o ato educativo (DEMO, 2007).

4.4.5.4. Do autoritarismo à autoridade Numa universidade, caso a força da ausência da articulação informar-formar – chave na relação dialógica entre educador e educandos – se enraíze por toda a sua estrutura, com o passar do tempo, esta ausência passa a fazer parte do conjunto institucionalizado. Neste sentido, o que se institucionaliza passa a desfavorecer a pedagogia dialógica. Tal fato ocorre porque se impõe uma efetiva ditadura da informação, um monopólio da informação, que não pretende qualquer aproximação com importantes aspectos socioemocionais presentes na relação estudanteprofessor. Com o passar do tempo, informar é mais importante do que formar. Esta é a universidade com tendência a se estabelecer como instituição racionalizadora da

463

modernidade (TOURAINE, s/d)125. Desse modo, tanto melhor para estabelecer a pedagogia dialógica quanto mais se desinstitucionaliza a ausência da articulação informar-formar, caso esteja instalada, isto é, quanto mais se desmontam as fronteiras entre informação e formação. Tais modos de compreender aproximam-se das explicações de Dubet (1994) sobre os processos de desinstitucionalização das escolas com relação à função de educar os alunos. Esses processos envolvem a fragmentação das fronteiras entre educação e instrução (DUBET, 1994). Portanto, envolve a maior articulação informar-formar. Sim, porque o termo fragmentar fronteiras significa promover a aproximação entre duas categorias que podem ser objetos de análise separada apenas por uma questão pedagógica. Portanto, aqueles processos envolvem um rearranjo da Paideia e Politeia (JAEGER, 2001), sendo a articulação, ela mesma, fonte da pedagogia dialógica, caracterizando o desmantelamento de qualquer ditadura da informação. Caracterizando o desmonte de processos que priorizam dados, informações, aspectos cognitivos em detrimento da formação mais abrangente dos estudantes em termos de humanização. Considerando essa perspectiva, desinstitucionalização aqui se refere à aproximação entre a chamada cultura erudita e a chamada cultura popular, a aproximação entre a teoria e a prática, a ideia da realidade. Seria, considerando diversos autores, a instalação conjunta da ecologia dos saberes (SANTOS, 2004, 2007); a educação em valores (MARIA PUIG, 2007); o equilíbrio entre emoção e razão (CASASSUS, 2009). Neste sentido, o papel da educação é promover o melhor possível a articulação entre informar-formar na chamada sociedade em rede (CASTELLS, 2008) construída na era da informação. No entanto, só aparentemente esta reaproximação das funções básicas da escola – selecionar, educar e socializar – coaduna com o ideal iluminista de escola como instituição edificadora da personalidade. Pois a diferença é que, se antes, o contexto era o da priorização da racionalidade produzida por aquele ideal, agora, o contexto possui diversificadas maneiras de produzir/usar os conhecimentos e estratégias de convivência, bem como tipos diferentes de desafios para manifestar subjetividades.

125

Certamente, um estudo longitudinal permitiria detalhar as relações por acaso existentes entre os processos de desinstitucionalização e a pedagogia dialógica.

464

Refere-se aqui à concretização da pedagogia dialógica, tão mais viva quanto mais estiverem intercalados os processos informativos e os formativos. Será a pedagogia que declarou guerra à primazia da informação sem sentido. Que encontra potenciais importantes para sua instalação na prática da narrativa de vida pessoal e profissional, adotada pelos professores aos estudantes, e na pretensão de trocar feedbacks,

aspectos

evidenciados

pela

pesquisa,

contributos

à

maior

horizontalização das relações no processo educacional. Conforme Freire (1997b; 2009), esta horizontalização se revela na responsabilidade assumida pelo educador enquanto ser histórico-social, portador de uma subjetividade, assim como também o são os educandos, no movimento contraditório entre autoridade e liberdade. Segundo o autor, autoridade e liberdade precisam estar em equilíbrio. Se a balança pesa mais para a autoridade, resulta disso o autoritarismo. Se ela pesa mais para a liberdade incondicional, resulta a licença. Entende-se que este equilíbrio terá como condição necessária, não suficiente, a atitude docente de articular permanentemente aspectos cognitivos e socioculturais presentes no processo educativo. Com efeito, tal responsabilidade, que é política, social, pedagógica, ética, estética, científica pressupõe que: Ao reconhecer a responsabilidade política, superemos a politiquice, ao sublinhar a responsabilidade social, digamos ‘não’ aos interesses puramente individualistas, ao reconhecer os deveres pedagógicos, deixemos de lado as ilusões pedagogistas, ao demandar a eticidade, fujamos da feiura do puritanismo e nos entreguemos à invenção da boniteza da pureza. Finalmente ao aceitarmos a responsabilidade científica, recusemos a distorção cientificista (FREIRE, 1997b, p. 78).

Desse modo, a atitude envolvida e comprometida com a formação para a integralidade humana (SANTOS, 2004, 2007; MARIA PUIG, 2007; CASASSUS, 2009) direciona-se para a permanente articulação entre conhecimento e aspectos socioemocionais, contextualizando-se com os processos de desinstitucionalização da escola (DUBET, 1994). Compromete-se com uma prática educativa que declarou guerra à ditadura da informação, mantendo-se atenta à necessidade de se estabelecer processos de interação pautados no ideal de horizontalização das relações entre os indivíduos (FREIRE, 2009).

4.4.5.5. Resumo esquemático e relatos

465

Os potenciais acima mencionados encontram-se resumidos num quadro esquemático (Quadro 36). Nele registram-se as contribuições para o entendimento da pedagogia dialógica, particularmente com relação às descobertas da pesquisa. Neste sentido, o quadro apresenta elementos conceptuais que podem contribuir para esta pedagogia e apresenta alguns potenciais. Quadro 36 – Potenciais para a pedagogia dialógica. Da inércia do sistema à ação Contribuições para o entendimento da pedagogia dialógica

A atitude que se renova permanentemente (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2004), que se volta para o maior comprometimento (FREIRE, 2009) e maior entusiasmo (ASSMANN, 1998) é ação que se desenvolve numa perspectiva sistêmica. Estão em jogo valores da organização e dos seus elementos, assim como o interesse do estudante pelo curso e o desejo do professor de vê-lo cada vez mais interessado. Enfim, isto significa ativar o sistema educacional em sua raiz.

Elementos conceptuais que podem contribuir para a pedagogia dialógica

Alguns potenciais da pedagogia dialógica identificados pela pesquisa

Antes de atribuir culpa ao Outro (estudante, professor, Universidade, governo, mundo), assumir-se como agente de transformação do mundo. Considerar a possibilidade de que o estudante tem interesse pelo curso.

Participantes assumem autorresponsabilidade pela maior interação social. Há estudantes que percebem um reconhecimento disto por parte de professores. Isto pode contribuir para enfrentar a inércia do sistema educacional.

Relatos de estudantes: A nossa melhor interação é com o professor W., pois a gente tem um grupo para além da Universidade. Isto é, não é só o professor universitário. É além. Mais do que isto. Aqui na Universidade, o único que eu tive essa interação foi com este professor por conta da atuação deste grupo. Então, ele instiga a gente a buscar mais, a pesquisar mais. Ele é o único com que tive maior interação. Já com os outros, não muita (A2). Relatos de professoras: Gosto muito de estabelecer relações com os colegas professores. Não é conselho de classe. Mas, perguntar: ‘e o aluno X, Y, Z? E o comportamento dele é assim? Ele faz assim na minha aula, ele aprendeu isso com você? Como foi o desempenho dele? Então, estreitando esses laços, com os professores, com a direção do curso... Isto não é muito usual! Eu acho importante! Para mim, é significativo! Aproxima-me dos colegas e do curso (P5). Eu posso garantir que meus alunos não saem iguais. Eles passaram o semestre, analisaram, compreenderam, questionaram, não compreenderam, trouxeram de novo um questionamento, a gente discute, a gente faz apontamentos. Então, assim: é chegar, muitas vezes para uma viagem. Eu digo a eles que é uma viagem no mundo do conhecimento. Eu sei aonde a gente tem que chegar e quando devemos chegar. Sei também quais são as nossas rotas. Mas, de repente, podem acontecer alguns imprevistos. E a gente precisa, como um timoneiro, retomar a caminhada e chegar também ao nosso objetivo. Acho que esse é o grande desafio do trabalho de estar em sala de aula. Isto é o que me motiva, nessa viagem, rumo à construção do conhecimento, que nunca são as mesmas rotas. São diferentes (P5).

Continua.

466

Continuação Quadro 36. Da negação parcial do sujeito à sua afirmação Contribuições para o entendimento da pedagogia dialógica

Elementos conceptuais que podem contribuir para a pedagogia dialógica

Alguns potenciais da pedagogia dialógica identificados pela pesquisa

A atitude reconhecedora da capacidade crítica dos indivíduos é ação que afirma o Outro enquanto se desenvolve a relação estabelecida entre o Eu e o Tu (FREIRE, 2009). Uma relação mergulhada no conjunto de representações sociais, a que se convencionou chamar cultura (CASSIRER, 1960). Sendo o mundo cada vez mais exigente no sentido de posicionamentos críticos (DUBET, 1994), a atitude esperada do educador é a de abertura e reconhecimento da criticidade dos educandos. Assim, num processo de formação de competência questionadora reconstrutiva (DEMO, 2007), educandos e educadores afirmam-se como sujeitos em ações que, em princípio, seriam separadas, mas reunidas por um sentido comum.

Manter atitude aberta, não dogmática, estimulando a curiosidade e o espírito crítico. Reorganizar permanentemente a didática acadêmica.

Os estudantes são críticos, valorizam atividades de pesquisa e extensão (gostariam de participar mais) e já sabem o porquê do curso (motivo da escolha). Estudantes reconhecem a ação de alguns professores no sentido de incentivá-los a pesquisar. Reconhecem o esforço para diversificar atividades didáticopedagógicas. Isto pode contribuir para afirmar identidades sociais.

Relatos de estudantes: Você é responsável por sua formação! Só que algumas pessoas não pensam assim. Acho que tem que existir um pouco disso pra que a gente crie essa cultura dentro da Pedagogia. Eu vejo que não existe muito (A5). Não vejo educação fechada dentro de uma sala de aula! Às vezes, a impressão que eu tenho é que a maioria vê assim. Está se formando professor para uma atuação fechada em sala de aula. Penso educação num outro nível também: como se organiza educação, para que serve essa educação, a serviço de quem ela está neste momento, qual o real poder de transformação dessa educação, qual o engajamento político que ela me traz! Não acho que a Pedagogia seja uma ilha dentro de uma universidade. Tudo o que acontece dentro de uma universidade influencia dentro do curso. O que acontece na sociedade influencia na universidade, influencia no modelo de educação. Então, é importante pensar a educação no macro e não só no micro. O micro sendo a sala de aula, o macro, todos esses fatores que influenciam na educação (A8). Relatos de professoras: Tento sempre trazer um lado muito político. Mostrar que os estudantes têm que tomar uma posição política diante das coisas. Tento também trazer muita coisa da emoção, dessa coisa do estudante enquanto pessoa que sente. Várias vezes, já choraram, e dizem: ‘Ah, professora, tenho medo, não sei se conseguirei fazer isto’ (P6).

Continua.

467

Continuação Quadro 36. Do autoritarismo à autoridade Contribuições para o entendimento da pedagogia dialógica

Elementos conceptuais que podem contribuir para a pedagogia dialógica

Alguns potenciais da pedagogia dialógica identificados pela pesquisa

A atitude envolvida e comprometida com a formação para a integralidade humana (SANTOS, 2004, 2007; MARIA PUIG, 2007; CASASSUS, 2009) direciona-se para a permanente articulação entre conhecimento e aspectos socioemocionais. Contextualiza-se com os processos de desinstitucionalização da escola (DUBET, 1994). Enfrenta a primazia da informação sobre a formação. Mantém-se atenta à necessidade de se estabelecer processos de interação na perspectiva de uma horizontalização das relações entre os indivíduos (FREIRE, 2009).

Conduzir-se permanentemente segundo o ideal de horizontalização das relações entre educador e educando. Manter-se atento à necessária articulação entre saberes, valores e emoções, efetivo tripé da educação que forma para a integralidade humana. Partir da concepção de que nos processos de desinstitucionalização, as funções escolares de educar, socializar e credenciar são irreversíveis. Neste contexto, fragmentamse as fronteiras entre informar e formar.

Professores recorrem à prática da narrativa de experiências pessoais e profissionais e estudantes a aceitam. Estudantes mantêm o desejo de haver mais prática de feedbacks. Neste contexto, estudantes reconhecem o esforço de alguns professores no sentido de passar experiências que contribuem para a melhor formação humana em meio à diversidade de princípios e normas. Isto pode contribuir para estabelecer relações mais democráticas.

Relatos de estudantes: Cada professor tem um perfil, uma personalidade. Assim, por exemplo, a P1, sinto que ela tem valores muito familiares. Ela fala muito do filho e do neto. Ela mostra que tem um lado dela afetivo, pessoal também (A3). No ensino médio, eu gostava muito da imagem de liderança que os professores tinham. Tanto do lado do conteúdo, como para outro lado, que é acorda, desperta. E, como venho de uma família humilde... (A5). Acho que não é só ensinar o conteúdo! Mas oferecer alguma coisa capaz de mostrar que você pode ser mais! Que você pode se desenvolver como ser humano! Não só como conhecimento para você fazer. Mas, sim, para ser uma pessoa melhor! (...) Olha, no ensino médio, quando se falava de política, de sociedade, de cultura, para mim isso era muito importante! Eram as aulas nas quais eu ficava muito vidrada! Comparo a uma luzinha, assim, que lhe ajuda a assumir o seu papel. Você começa a crescer como um sujeito tanto pessoal como social (A7). Acho que, às vezes, os estudantes podem ajudar os professores a terem uma aula melhor, a deixar claro para eles onde erram e onde acertam. Não que o aluno tenha razão sempre. Não que o professor vá ter razão sempre! Mas, acho que a educação cresce com esse diálogo! Com essas opiniões. Porque se você tem uma sala com trinta alunos e vinte deles não estão conseguindo ir bem com a matéria, existe uma coisa muito errada! (A8).

Continua.

468

Continuação Quadro 36. Do autoritarismo à autoridade Contribuições para o entendimento da pedagogia dialógica

Elementos conceptuais que podem contribuir para a pedagogia dialógica

Alguns potenciais da pedagogia dialógica identificados pela pesquisa

Relatos de professoras: Gosto muito de dinâmicas, muito de trabalhos em grupo. Mesmo. Acho que o aluno aprende muito mais do que só o professor a falar. Hoje mesmo na sala, tinha leitura participativa, mas tinha aluno falando – a opinião dele é importante para mim. Então, muito trabalho de grupo, muita dinâmica. Faço sempre. Dizem que a professora que menos usa o quadro sou eu. Concordo com isso. Minha matéria é mais para falar, discutir, chegar a um ponto com eles. Não sou de muita coisa escrita. Eu sou de falar, conversar e discutir muito com eles (P2). Acho necessário saber que o professor pode errar. O professor erra demais. A gente erra, achando que acerta. Mas você acerta com um, você erra com outro. Assim, numa boa, dizer que acerta cem por cento... É um mentiroso, viu (P2). Eu tento criar muitos instrumentos de trabalho na sala de aula de modo a triangular a história de vida do aluno, o que ocorre no mundo e o conteúdo do trabalho (P6).

Fonte: elaboração do autor.

4.4.6. Síntese

Os estudos levaram a uma elaboração inferencial em que se faz presente uma progressão de eventos. De acordo com os estudos realizados, a ausência de uma articulação sistematizada entre aspectos cognitivos e socioemocionais pode encaminhar o processo educacional para certo modo de autoritarismo que, com frequência, é despercebido pelos envolvidos nas relações sociais: o autoritarismo baseado na primazia da informação sobre a formação. Simultaneamente, estudantes e professores não conseguem manifestar plenamente suas opiniões acerca do processo educativo, o que fundamenta uma negação dos sujeitos, considerados, dentre outros atributos humanos, em sua capacidade de desenvolver identidades a partir de críticas cognitivas e normativas. Nesta dinâmica, as pessoas inculpam-se mutuamente pelos insucessos relacionados ao processo educacional, o que, possivelmente, constitua-se numa base fundamental para a tendência à inércia do sistema educacional. Estes três eixos, representados pelos termos inércia, negação e autoritarismo parecem manter uma relação dialética. Tanto estudantes como professores,

469

vivenciando a tensão de reconhecer o Outro, para culpá-lo e, não reconhecer o Outro, por negar-lhe a capacidade crítica, estariam encontrando defesa na prática – talvez uma tendência – de ser autoritário ao lançarem mão do acúmulo de informações para fazerem valer interesses particulares sem considerar o coletivo. Estes eixos constituem a base daquela progressão de eventos, a qual possui, no nível macro, uma força paralisante dos processos que constituem as relações sociais, o que envolve certas estruturas do ambiente acadêmico, comprometendo ações de renovação da Universidade. Acresce dizer que as universidades vivenciam desafios relacionados aos processos de desinstitucionalização, nestes tempos de movimentos bruscos e rápidas mudanças e repletos de princípios, orientações e normas. Movimentos centrífugos que, frequentemente, levam à perda de recursos valiosos a favor do desenvolvimento humano e fortalecimento institucional. Há uma tendência de neutralização dos atores mais importantes do processo educacional, o aluno e o professor (CÂMARA, 1995), que se desumanizam, pois ficam impedidos de expressar-se como sujeitos. Tal neutralização ocorre na tensão entre princípios, orientações e normas que teimam em permanecer na vida desses atores ainda que se verifique um desmoronamento destes princípios, o que se denominaria desinstitucionalização. Uma tensão que de fato é um paradoxo. Este, apesar, explicita um sentido. Seria o sentido de um paradoxo, pois humano é viver com regras, normas, princípios, por mais que sua imagem se esvaneça diante da velocidade dos acontecimentos no mundo atual. Por onde iniciar ações favoráveis à construção de experiências sociais capazes de contribuir para o desenvolvimento humano e fortalecer a instituição universidade? Como construir pontes entre determinadas estruturas sociais desta instituição e as relações sociais presentes no cotidiano de estudantes e professores? Caso seja concebida como mutação, a desinstitucionalização se oferece como oportunidade de combater a inércia do sistema educacional, na universidade ou na escola como um todo, na medida em que desestabiliza processos de racionalização cristalizados, como os que contribuem para a separação entre informação e formação. Por exemplo, os processos que insistem na ideia de grade curricular, instrumento para ser executado, com priorização para o que, em detrimento do como, sem mencionar o quem, o porquê, o onde, o que, no limite,

470

paralisa o sistema educacional. Pressupondo como mutação, para se tornar a desinstitucionalização uma oportunidade, os responsáveis pela elaboração e concretização dos processos educacionais não devem se deixar englobar pela fragmentação das fronteiras entre informar e formar, que vem se delineando (DUBET, 1994), pois este processo de englobamento faz-lhes perder a capacidade de perceber os momentos em que se prioriza a veia cognitiva, isto é, a informação/conhecimentos, em detrimento da dimensão axiológica da educação, isto é, valores acompanhados de aspectos afetivos. Desse modo, paradoxalmente, torna-se necessário organizar informações, aguçar a criticidade cognitiva para, então, reorganizar as diversas realidades identificadas, o que possibilitará a articulação entre informar e formar. Os estudos realizados indicaram a necessidade de concretizar a pedagogia dialógica na ação docente e na ação institucional para que estudantes e professores conquistem cada vez mais sua autonomia. Coloca-se o desafio de pensar como estabelecer

a

pedagogia

dialógica,

compreendida

na

qualidade

de

algo

substantivamente rico, e que já demonstra, pelos estudos, que não há uma relação entre os outros. Não há. Porque justamente há uma cisão, há uma disjunção, entre Nós e Outros. Entre coletivos sociais que deveriam estar em diálogo, num mesmo coletivo social em que lá estão. Tal pedagogia se concretizará com a abertura à mudança de atitude onde e quando for necessário, como comprovou a pesquisa. Assim, as condutas (comportamentos e atitudes) precisam molhar-se nas águas do poder transformador da pedagogia dialógica. Sendo um sinônimo da efetiva conquista de autonomia, por parte de estudantes e professores, tal pedagogia serve como anfitriã para os componentes dos contextos antes mencionados. Ela serve como porta de entrada para estratégias de atuação individuais e coletivas originárias da educação mais humana desenvolvida em meio aos desafios do dia a dia da universidade. Assim, em nome da renovação, a conduta dos que se envolvem nos processos educacionais é chamada a participar de modo mais contundente da busca de soluções aos diversos desafios com que se depara a educação superior, nomeadamente no âmbito das universidades.

471

CONCLUSÃO

Este estudo possui uma clara demarcação teórica. Por um lado, trata-se de uma microssociologia, tendo avançado no sentido de uma macrossociologia, pois muitas das interrogações levantadas remetem para problemáticas de natureza societal. Por outro lado, tem um direcionamento bem definido para preocupações com a pedagogia dialógica. É uma microssociologia porque focaliza relações entre atores sociais, sejam no nível interpessoal ou grupal, papéis, valores, interesses e representações culturais, fazendo-o por meio de análises interpretativas (GOFFMAN, 1971). É de fato uma microssociologia porque, ao invés de iniciar o enfoque na vida social numa escala mais ampla de organizações e de comunidades inteiras, focaliza o mundo social face a face que constitui a interação social (JOHNSON, 1997). No entanto, o estudo também é uma macrossociologia, pois constata e explicita aspectos do ethos da universidade, tendo como ponto de partida a sala de aula, mas envolvendo-se também as atividades de pesquisa e extensão. Assim, na malha de recursos das quais se apropriam estudantes e professores para exercerem suas próprias identidades, revela-se uma intervinculação entre experiências sociais e inscrições holísticas, sendo possível afirmar que este estudo pensa o macro a partir do micro. Ele galga as fronteiras do micro nos termos de problemáticas de natureza societal. E o faz com um direcionamento claramente definido, que é o âmbito das problemáticas relacionadas à pedagogia dialógica. Direciona-se para este âmbito porque constata e evidencia potenciais para desenvolver com vigor a articulação entre os diversos aspectos investigados, numa dinâmica que deixa entrever uma estratégia de atuação de estudantes e professores, bem como de toda a instituição, capaz de manter vivo o diálogo interno entre a ação docente e a institucional. Portanto, tomou-se o mundo social em suas microssaliências e reentrâncias, analisando-o e representando-o segundo uma microssociologia perspectivada como macrossociologia, contudo, direcionada para a viabilização da pedagogia dialógica. Neste mundo social, escolheu-se como estudo o mundo dos jovens. Os jovens querem ser entendidos (ABRAMO; BRANCO, 2011). Com frequência, as pesquisas afetas ao mundo estudantil têm se voltado para questões relacionadas ao ambiente institucional, sendo os jovens apreendidos mais como estudantes de uma

472

instituição, menos como sujeitos culturais. Ou focalizam com prioridade a perspectiva psicológica, não para saber o que pensam os jovens, sentem e agem com relação às determinações desse ambiente (SPOSITO, 2002). Desse modo, sendo correto afirmar que esta pesquisa apreende os jovens como estudantes de uma instituição, no caso uma universidade, também está correta a afirmação de que a pesquisa é ampla ao considerá-los como sujeitos de uma cultura. Ela busca saber o que eles sentem, pensam e agem com relação às imposições de um tempo histórico-social repleto de informações e caminhos a escolher. Considerando isto, o estudante identificado tem, dentre outras, estas características: a pergunta, o questionamento, a inquietação. O estudante quer ser ouvido (PLUTARCO, 2003). De acordo com os resultados e análises realizadas, tanto no nível da ação docente como no nível da ação institucional, o que contribuiria para atender a tal necessidade de jovens estudantes? A pesquisa sugere a busca de uma transposição da pergunta que norteia o quefazer pedagógico para o lugar adequado. Esta transposição seria: conduzir esta pergunta, retirando ou alargando do âmbito do conteúdo dos programas, em cima do qual o professor disserta para os estudantes, para o conteúdo dos diálogos, diante do qual se colocariam face a face, educador e educandos. Assim, ocorreria uma reflexão a partir de indagações como: O que perguntar? Por que perguntar? Como? Para que? Quando? Onde? Certamente, isto ocorrerá tanto melhor caso a ação docente esteja sob os auspícios da ação institucional. Neste sentido, nenhum valor proclamado será considerado, tanto por estudantes como por professores, caso a ação concreta não se faça presente no cotidiano da vida universitária. Em qualquer faculdade ou universidade, estudantes e professores são capazes de perceber incongruências de uma instituição que fala, mas não faz; que exige, mas não cobra a si mesma. Portanto, a transposição da pergunta à qual se refere precisa se estender da sala de aula para os pátios, corredores, estando presente nas condutas, mentes e anseios de todos os membros da Universidade. Senão, corre-se o risco de falar o que fazer e não fazer o que se fala. O foco dos estudos no mundo social face a face, que constitui a interação social (JOHNSON, 1997), levou também a escolher para observação o dia a dia de professores universitários em contexto escolar. Em geral, o professor se ressente de exercer uma profissão desvalorizada, atuando em condições precárias, sem

473

projeção de carreira e sem salários dignos (SILVA, 2002). Eles vivenciam uma elevada exigência por cursos de alto prestígio, o que exclui as licenciaturas (PALAZZO; GOMES, 2012). Vivenciam um período em que a tradicional oportunidade antes oferecida pela educação superior como mobilidade social ficou reduzida (ROMANELLI, 2003). Obrigam-se a contribuir cada vez mais com os estudantes para que estes formulem sentidos às ações construídas em meio à multiplicidade de princípios, valores e normas – não esquecendo que os professores também são responsabilizados por encontrar tais sentidos. Desse modo, valorizamse investigações científicas que buscam apreender este professor não só como o docente de uma instituição, no caso uma universidade, mas como sujeito cultural. Considerando isto, o professor identificado pela pesquisa tem, dentre outras, as seguintes características: desejo de ser respeitado, tendo o termo respeito, entre as participantes, o significado de valorização do trabalho docente. Significa ter, por parte dos estudantes, o cumprimento de orientações, a realização de leituras prévias e a entrega de tarefas. Há um esforço para elaborar aulas dinâmicas, capazes de atrair a atenção dos estudantes. Vindo da instituição, o termo respeito significa para as professoras o efetivo apoio, fundamentalmente baseado no diálogo de mão dupla. Por exemplo, mecanismos como a prática sistematizada de feedbacks a ocorrer com todas as características que o tornam uma poderosa ferramenta na concretização de um sistema de comunicação eficaz. Há sinais de cansaço. No horizonte, pode estar o risco de exaustão, conhecida pela literatura psicológica, educacional e profissional, como burn out (MARCHESI, 2008). Isto pode interferir na motivação, projetos e atuação de estudantes e professores, no caso destes, levando-os a perder ou a reduzir seriamente a sua capacidade de interação ou o interesse pela situação educacional. Professoras afirmaram que se sentem apoiadas pela Universidade para desenvolver seu trabalho, mas mencionaram obstáculos à realização deste mesmo trabalho situados na esfera institucional. Por exemplo, elas informaram que existe certa desvalorização do estágio supervisionado, distorções no desenvolvimento de seminários na sala de aula, ausência sistematizada da prática de feedbacks e de estratégias para desenvolver empatia entre os envolvidos no processo educacional. Desse modo, pelo menos nos aspectos considerados durante a realização da pesquisa, caracterizou-se uma discordância entre o discurso de apoio à ação

474

docente e o discurso sobre a prática vivenciada no dia a dia. Uma discordância que reforça a perspectiva de hipocrisia organizacional (BRUNSSON, 2007). Assim, diversos são os aspectos envolvidos na interação social de estudantes e professores, isto é, no mundo social face a face onde estes atores sociais constroem suas experiências sociais (JOHNSON, 1997; DUBET, 1994). Neste sentido, a bússola que orientou este trabalho apontou inicialmente para a seguinte pergunta: quais os aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade? Esta pergunta converteu-se no objetivo geral que, por sua vez, desdobrou-se em doze objetivos específicos classificados em quatro grupos: experiências sociais, lógicas de ação, informação e formação, interação social. Com as respostas obtidas, elaborou-se uma hipótese. Desse modo, esta conclusão organiza-se em duas seções: 1) Respostas aos objetivos específicos e objetivo geral da pesquisa; 2) Hipótese.

5.1.

RESPOSTAS AOS OBJETIVOS DA PESQUISA

Esta pesquisa teve o objetivo geral de investigar aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade. Este objetivo desdobrou-se em doze objetivos específicos que, por sua vez, estiveram classificados em quatro grupos, sejam eles, experiências sociais, lógicas de ação, informação e formação e interação social. A seguir, recapitulam-se estes objetivos, devidamente classificados126:

1. Experiências sociais:

a) Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula.

126

Para melhor compreensão, pode-se observar o Quadro 38, o qual apresenta as questões de pesquisa, os objetivos específicos e a literatura utilizada, e a Figura 15, que apresenta a localização de resultados e análises na confluência com os objetivos específicos.

475

b) Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. c) Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade.

2. Lógicas de ação:

a) Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade. b) Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade. c) Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade.

3. Informação e formação

a) Verificar se existe articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. b) Verificar como se desenvolve a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. c) Averiguar em que medida a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, desenvolvida na sala de aula da universidade, contribui para a interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores.

4. Interação social

a) Averiguar em que medida a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores atende aos quatro pilares da educação para o século XXI.

476

b) Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade. c) Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito de diálogos desenvolvidos por eles na sala de aula da universidade.

Na sequência, apresentam-se de forma sucinta as respostas obtidas.

5.1.1. Experiências sociais

5.1.1.1. Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula.

De acordo com a pesquisa, existem inúmeros momentos de interação das experiências sociais de jovens estudantes e professores universitários. Ela está presente na maior parte do tempo em que eles se relacionam, tanto na sala de aula como nas atividades de pesquisa e extensão. Os modos como se desenvolve esta interação são apresentados a seguir.

5.1.1.2. Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula.

As vivências relacionadas com a articulação informar-formar se constituíram na principal referência para responder a este objetivo. Tal articulação é o foco da estratégia formativa da instituição onde ocorreu a pesquisa, conforme identificado pelas análises interpretativas e críticas dos PPCs. Por isto, priorizou-se tal articulação. Ficou evidenciado que: a) Estudantes entendem que os cursos contribuem para formar tanto para a cidadania quanto para o mundo do trabalho. No entanto, esperam o desenvolvimento de conteúdos mais significativos – mais interessantes e menos estressantes. Seria uma expectativa que provavelmente esteja interferindo no nível de interesse de estudantes pelo curso.

477

b) Preocupadas com o desinteresse de estudantes pelo curso, professoras tentam manter a mais honesta relação com eles, isto é, informam regras do curso, sistema avaliativo, dentre outros. Entendem que, agindo desse modo, geram condições favoráveis ao maior interesse. c) Professores recorrem à prática de narrar experiências pessoais e profissionais para transmitir informações aos estudantes. Este é um recurso de socialização importante em cursos que tendem a priorizar a informação em detrimento da formação. d) Estudantes já conscientes de que estudam num curso voltado para a formação de professores que atuarão em sala de aula. Talvez, por isto, queiram que haja aulas mais inspiradoras à futura atuação. Por sua vez, professoras enfatizam o desenvolvimento de conteúdos conceituais para esta atuação. e) Participantes criticam os modos de socialização que, segundo eles, poderiam ser mais úteis ao processo educacional baseado na efetiva articulação informar-formar. f)

Estudantes valorizam interações com os professores impulsionadas por exemplos práticos, objetivos, mas com descontração. Parte não concorda com a forma como estes exemplos são repassados, pois, com frequência, cansam, levando à menor participação.

g) Professoras entendem que a ausência de uma articulação entre informarformar é questão que vem de longe, desde a educação básica, que estaria a priorizar a informação, relegando a formação para o segundo plano. h) A interação entre as experiências sociais parece desenvolver-se com o exercício da crítica silenciosa, feita pelos estudantes, que não conseguem manifestar por inteiro sua opinião com relação à pedagogia assumida no curso, com interferência nos processos interativos. i)

A interação parece desenvolver-se com base em conceitos consolidados por

professores

durante

sua

atuação.

Mesmo

considerando-se

educadores não conteudistas, admitem estar mais a informar do que a contribuir para um efetivo desenvolvimento humano.

478

j)

A interação tem sido construída com alguma consciência dos estudantes sobre o sentido do curso, pelo menos no objetivo de formar para a docência.

k) A consciência do sentido do curso (estudantes) ocorre em meio à ideia geral de professores de que os estudantes não querem esta atuação após concluir o curso. Estas informações podem ser localizadas na Seção 4.1 deste trabalho.

5.1.1.3. Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade.

As identificações estiveram relacionadas com processos educacionais enquanto sistemas, compreendidos como conjuntos de códigos, relações sociais, interesses, valores, crenças, que contribuem para formar a identidade social dos indivíduos. Estiveram relacionadas com a articulação entre informar-formar porque este é o foco da estratégia formativa da instituição onde ocorreu a pesquisa. Ficou evidenciado que: a) Os cursos pesquisados proclamam que o estudante deve ser o protagonista de sua formação (com base em FREIRE, 1969, 1987, 1997, 2009). No entanto, as identidades sociais são construídas em meio a procedimentos avaliativos que finalizam por caracterizar uma instituição que, no tocante aos cursos pesquisados, tem priorizado os aspectos cognitivos do processo educacional. b) Os estudantes aceitam sugestões de professores sobre como resolver situações problemáticas. No entanto, discordam quanto à forma como são dadas na maioria das vezes, pois há excesso de informações e participação abaixo da expectativa. c) As professoras entendem que a formação perene não pode prescindir da articulação informar-formar. No entanto, elas criticam a debilidade da estrutura social, que seria desfavorável a que se fizesse um trabalho mais focalizado nessa articulação, bem assim a fragilidade da base conceitual dos estudantes, proveniente já da educação básica.

479

d) A partir de sugestões dadas por professores, os estudantes se expressam, refletem, buscando se posicionar. Miram-se na ação de professores que já ensinaram na educação básica. e) As professoras cultuam a ideia de distanciamento mínimo dos estudantes, seja para adquirem respeito deles, seja para não serem percebidas como boazinhas. f)

Os cursos proclamam que não se priorizará a educação bancária (com base em FREIRE, 1969, 1987, 1997, 2009). No entanto, prioriza-se a informação, em detrimento da formação.

g) Os estudantes convivem com narrativas de experiências pessoais e profissionais feitas por professores. Convivem também com certo distanciamento mínimo promovido pelos professores. h) Os estudantes manifestaram o interesse de haver conteúdos mais significativos. i)

As professoras se percebem como educadoras e, como declararam, não seriam conteudistas. Entendem que contribuem com a capacitação dos estudantes para resolver problemas.

j)

Os cursos proclamam o oferecimento de inúmeras oportunidades de formação para atuar no magistério e em outras atividades educativas. No entanto, o foco das preocupações dos participantes esteve na docência.

k) Com frequência, os conteúdos terminam por focalizar a atuação no magistério. Estas informações podem ser localizadas na Seção 3.4 deste trabalho.

5.1.2. Lógicas de ação

5.1.2.1. Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade. 5.1.2.1.1. Lógica da integração

a) Os estudantes do curso de LL: I.

Valorizam o desafio, a percepção das diferenças individuais, a amizade como força integrativa.

480

II.

Rejeitam o desinteresse de colegas pelo curso e aulas expositivas sem participação deles.

III. Receiam não conseguir recuperar amizades perdidas. IV. Anseiam adquirir habilidades que auxiliem a prática da criatividade. b) Os estudantes do curso de LP: I.

Valorizam o poder de resolução, a justiça, a coragem, a amizade, a tolerância e a abertura ao novo. Valorizam a persistência. Valorizam a formação que contribua para desenvolver alunos e sociedade e construir uma educação melhor.

II.

Entendem que a participação nas aulas e nas atividades de extensão contribui para maior inserção nos grupos de colegas.

III. Condenam a cultura disseminada do desinteresse pelo curso por parte de colegas, a pouca exigência de determinados professores, o escasso diálogo com os estudantes, a ideia de curso barato e de pouca qualidade na comparação com outros cursos da educação superior. c) Convergências: I.

Amizade como força integrativa.

II.

Criatividade como recurso para atingir objetivos na formação.

III.

Rejeição ao desinteresse de colegas pelo curso.

d) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

Entendimentos diferentes sobre amizade e criatividade, sendo que existe uma atitude autocentrada no curso de LL e outra sociocentrada no curso de LP. Constatou-se que esta contraposição relaciona-se a: a. Amizade: receio de rejeição ou perda de amizade entre os colegas (LL) e o desejo de ver maior disseminação da prática da extensão universitária (veem como integração com colegas) (LP). b. Criatividade:

desenvolvimento

da

criatividade

para

realizar

objetivos pessoais (LL) e o desenvolvimento desta criatividade para construir a educação capaz de contribuir para a melhoria da sociedade (LP). II.

Percepções diferentes sobre o desinteresse de colegas pelo curso. Ora é percebido como o resultado do excesso de aulas expositivas

481

(LL), ora como resultado da frágil cultura de autorresponsabilidade pela formação (LP).

5.1.2.1.2. Lógica da estratégia

a) Os estudantes do curso de LL: I.

Manifestam o interesse pela atuação docente ou pela profissão de escritor do que pela de tradutor, revisor ou intérprete.

II.

Entendem que a monitoria, a capacidade de organização, a iniciativa e a coragem são recursos importantes na formação.

b) Os estudantes de LP: I.

Manifestam o desejo de atuar como docentes.

II.

Valorizam capacidade de foco, respeito à diversidade, tolerância (não preconceitos), objetividade e reflexões sobre o mundo como recursos importantes para sua formação.

c) Convergências: I.

Atuação docente.

d) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

Monitoria, organização, iniciativa e coragem (LL) ou foco, respeito à diversidade, isenção de preconceitos, objetividade e reflexões sobre o mundo (LP) como recursos importantes na formação.

5.1.2.1.3. Lógica da subjetivação

a) Os estudantes do curso de LL: I.

Criticam os baixos salários dos docentes. Entendem como obstáculo para seguir a carreira de professor.

II.

Criticam a desvalorização da linguística, a carência de pesquisas na área das ciências humanas, o desinteresse ou irresponsabilidade de colegas pelo curso e pela autoformação. Criticam também a ostentação de alguns por falarem inglês.

482

III. Com as críticas aos modos de socialização, assumem certos modelos culturais: o professor amigo, que ensina e passa experiências de vida, inovador, carismático, bem humorado e criativo. IV. Apontam dificuldades para ser este tipo de professor: a. Pouco incentivo à pesquisa em linguística. b. Críticas de colegas à aproximação com alguns professores. c. Expectativa de alto nível de exigência a ser posta pelos futuros alunos. d. Formação voltada para a transmissão de conteúdos, não para uma relação mais humana. e. Aulas pouco criativas – maior criatividade por parte de professores de gramática. f.

Restrição dos estudos de literatura às obras de escritores.

b) Os estudantes do curso de LP: I.

Criticam a superficialidade e a curta duração do curso, a pouca exigência de alguns professores, a ideia de curso restrito ao trabalho com crianças, o modelo educacional, a atitude de lamentação por parte de colegas e a atitude de levar-se pelo imediatismo.

II.

Criticam o desinteresse de colegas pelo curso, o comodismo e a preguiça, o pouco diálogo, o imobilismo e a incapacidade crítica, a falta de reflexão, a incoerência de alguns professores e a rigidez da Universidade.

III. Com as críticas aos modos de socialização, assumem certos modelos culturais: professor líder que conhece os conteúdos e contribui para a formação humana, que desperta o mundo nos estudantes, sabe se relacionar com estes e os educa de tal modo que se tornem (mais) críticos e competentes tecnicamente. Finalmente, pensam em ser um professor consciente de sua função social. IV. Apontam dificuldades para ser este tipo de professor: a) Superficialidade do curso. b) Desorganização do curso ao juntar turmas de alunos com perfis diferenciados.

483

c) Tamanho das turmas (barulho e descontrole do professor sobre os alunos). c) Convergências: I.

Críticas ao desinteresse de colegas pelo curso.

II.

Críticas a pouca responsabilidade pelo próprio aprendizado, ao comodismo e à preguiça.

III. Ideal de professor carismático, líder, capaz de influenciar os alunos. d) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

Críticas aos baixos salários de professores, desvalorização da linguística, pouca quantidade de pesquisas na área de ciências humanas e ostentação de colegas por saberem falar inglês (LL).

II.

Críticas à superficialidade e pouca duração do curso, baixa exigência dos professores, concepções negativas sobre o curso, modelo educacional (LP).

III. Críticas à atitude de lamentação e pouca criticidade de colegas (LP). IV. Críticas à pouca reflexão e à incoerência de alguns professores. V.

Críticas à rigidez da Universidade (LP).

VI. Ideal de professor inovador e bem humorado (LL). VII. Ideal de professor conhecedor dos conteúdos, voltado para a formação humana, que bem interaja com os estudantes, despertandoos para questões sociais e contribuindo para que sejam competentes tecnicamente e conscientes de sua função social (LP). Estas informações podem ser localizadas na Seção 3.2 deste trabalho.

5.1.2.2. Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade.

5.1.2.2.1. Lógica da integração

a) As professoras do curso de LL:

484

I.

Valorizam humildade, simplicidade, afetividade, diálogo e tolerância com os alunos. Esperam que estes lhes obedeçam e respeitem, bem como tenham paciência.

II.

Entendem que se tornam membros efetivos do grupo de colegas de modo tranquilo.

III. Rejeitam intolerância sexual, mas também comportamentos explícitos de homossexualidade. IV. Rejeitam indiferença, pouca participação de discentes, omissão e comportamento rígido. V.

Rejeitam o pouco comprometimento de estudantes, bem como o questionamento infundado na sala de aula.

VI. Algumas defendem que determinados valores apresentam certos limites.

Neste

comportamentos gramática

sentido, explícitos

enfaticamente

entendem de

que

fatos

como

homossexualidade,

como

disciplina

e

rejeitar

defender

a

simplificar

demasiadamente a aula podem gerar distanciamento dos estudantes ou prejuízo ao aprendizado.

b) As professoras do curso de LP: I.

Valorizam

respeito,

compromisso,

responsabilidade,

ética,

compreensão, zelo, olhar sensível, subjetividade dos estudantes, bem como acordo com eles e coragem para expor as próprias fragilidades. II.

Percebem-se como membros do grupo, entendendo que a integração fortalece-se com a participação em reuniões e eventos universitários, bem como com o encontro informal com colegas fora da Universidade. Fortalece-se ainda com o diálogo trocado com colegas a respeito da atuação e desempenho de estudantes.

III. Rejeitam comodismo, falta de comprometimento, irresponsabilidade de alunos, desânimo e frustração com relacionamentos com estes. IV. Preocupam-se com certos comportamentos e atitudes que podem afastar dos estudantes como dialogar para emitir sugestões para melhorar

o

desempenho

(pois

isto

seria

interpretado

como

485

humilhação), cuidar do aluno com abertura e compreensão (pois isto seria interpretado com atitude de professora boazinha).

c) Convergências: I.

Valorização do respeito ao professor.

II.

Rejeição à falta de comprometimento dos estudantes.

d) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

Valorização da humildade, simplicidade, afetividade, diálogo e tolerância com os alunos, bem como obediência, respeito e paciência destes com relação aos professores (LL).

II.

Valorização do zelo, sensibilidade, aspectos subjetivos do aluno, negociação e coragem para expor-se, bem como compromisso, responsabilidade, ética e compreensão, por parte dos alunos (LP).

III. Pertencer ao grupo de colegas é um fato tranquilo e gradativo (LL). IV. Pertencer ao grupo de colegas exige dos professores a participação em reuniões e eventos da Universidade, bem como manter contatos informais (até fora da Universidade) para trocar ideias (LP). V.

Rejeição ao questionamento infundado de alunos (LL).

VI. Condenar o homossexualismo ou defender com vigor a gramática poderia predispor a certo distanciamento dos estudantes (LL). VII. Rejeição à irresponsabilidade e desânimo de alunos (LP). VIII. Dar retorno à postura e desempenho escolar poderia distanciar dos estudantes (LP). IX. Ser muito aberto e compreensivo poderia ser mal interpretado pelos estudantes e isto poderia gerar um distanciamento (LP).

5.1.2.2.2. Lógica da estratégia

a) As professoras do curso de LL: I.

Percebem-se apoiadas pela instituição.

486

II.

Pelo menos as que declararam possuir uma vocação para ser professora sentem-se apoiadas pela Universidade em seu trabalho de contribuir para o aprendizado dos estudantes.

III. Pelo menos as que declararam não possuir vocação para a docência sentem-se apoiadas em seu amor pelo conhecimento da língua. Paralelamente a este apoio institucional, declararam que encontram obstáculos na desvalorização, por parte dos estudantes, às atividades do estágio supervisionado e de algumas disciplinas, bem como no despreparo deles para estar na educação superior.

b) As professoras do curso de LP: I.

Percebem-se apoiadas institucionalmente no trabalho que realizam, pelo menos nas atividades que visam ao desenvolvimento de aspectos culturais da educação e nas relacionadas à formação para a docência e às propostas de trabalho compartilhadas.

II.

Sentem-se prejudicadas na busca por alcançar objetivos, pois percebem uma frágil cultura intelectual dos alunos, falta de costume com a prática de feedbacks, tendência dos alunos de reclamar, indecisão, inquietação e decepções no relacionamento com alunos, distorção no desenvolvimento de seminários na sala de aula por parte de alguns colegas e pouco compartilhamento de ideias com eles e, finalmente, ausência de estratégias para desenvolver empatia.

III. Percebem-se se influenciando mutuamente, o que contribuiria para atingir objetivos. Dentre estas influências estão: hábito de propor atividades práticas aos alunos; elaboração de materiais de controle, modelos,

fichas

de

autoavaliação;

espírito

colaborativo

e

demonstração de coragem para falar, bem como o desapego a coisas materiais; capacidade de planejar e executar atividades, bem como desenvolver projetos; apresentar ideias diferentes e habilitar os alunos para resolver problemas; demonstrar confiança no que faz e experiências exitosas, sem esconder dificuldades.

c) Convergências:

487

I.

Percepção de apoio institucional ao trabalho docente.

d) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

Percepção de poucas influências mútuas, quando o tema do relato foi o alcance de objetivos relacionados à atuação didático-pedagógica (LL).

II.

Percepção de muitas influências mútuas, quando o tema do relato foi o acima mencionado (LP).

III. Desvalorização do estágio supervisionado pelos alunos e alguns colegas e o despreparo geral do aluno para cursar a educação superior são percebidos como obstáculos ao alcance de objetivos (LL). IV. No curso de LP, diversos são os obstáculos: a) Do lado dos alunos: frágil cultura intelectual, falta de costume com a

prática

do

retorno,

tendência

de

reclamar,

indecisão,

inquietação e decepções nos relacionamentos professor-aluno. b) Do lado dos colegas: distorção no desenvolvimento de seminários na sala de aula e pouco compartilhamento de ideias. c) Do

lado

da

desenvolver

Universidade: empatia

entre

ausência os

de

estratégias

envolvidos

no

para

processo

educacional.

5.1.2.2.3. Lógica da subjetivação

a) As professoras do curso de LL: I.

Criticam a desvalorização de algumas disciplinas e do estágio supervisionado.

II.

Criticam os momentos de arrogância por parte de alguns colegas.

III. Criticam os discursos moralistas e a desatualização. IV. Idealizam o professor que se alegra com o aprendizado do aluno, atualiza-se e articula informação com formação. V.

Apontam dificuldades para ser este tipo de professor:

488

a) Do lado do aluno: imaturidade, desinteresse, desvalorização do profissional ao não fazer leituras recomendadas, testes aos conhecimentos do professor e preconceito contra professores. b) Do lado do curso: despreparo do aluno para a docência. c) Do lado da Universidade: elevado número de alunos nas turmas.

b) As professoras do curso de LP: I.

Criticam a chamada crise de valores.

II.

Criticam a falta de respeito dos alunos para com os professores.

III. Criticam o fato de ser mais difícil se aproximar de estudantes universitários do que de alunos da educação básica. IV. Criticam o foco nos resultados e não no processo (provas). V.

Criticam o desinteresse de alunos.

VI. Criticam a falta de diversificação das atividades na sala de aula. VII. Criticam a pouca abertura ao trabalho em parceria pelos colegas. VIII. Idealizam o professor que respeita alunos e colegas e se compromete com o fazer educativo, contribuindo para a maior consciência dos alunos. Idealizam o professor que evidencia as próprias fragilidades com o intuito de se aprimorar na profissão. Idealizam o professor que busca o companheirismo e estabelece diálogos. IX. Idealizam ainda o professor que mostra aos alunos oportunidades para serem melhores como pessoas e melhores no que fazem, bem como aquele professor que entende ser cada pessoa responsável pela própria felicidade. Aquele que promove reflexões com os alunos e que dialoga com eles, com os colegas, contribuindo para o desenvolvimento integral do aluno. Aquele que incentiva, age, entende que cada um é responsável pela felicidade do outro. X.

Percebem obstáculos à concretização de objetivos, tais como: a rejeição a uma prática de amorosidade com os alunos; a cultura de massa (alunos não param para refletir); a avaliação enquanto instrumento de vigilância sobre os alunos; a falta de coragem para enfrentar grades colocadas pelo currículo, escola e universidade.

c) Convergências:

489

I.

Focalizam alunos e professores em suas críticas, sem mencionar demais atores envolvidos no processo educacional.

II.

Homogeneízam aspectos criticados, sem estabelecer prioridades à solução de problemas apontados.

III. Idealizam o docente capaz de articular informação e formação, isto é, aquele que contribui para o desenvolvimento integral dos alunos.

d) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

No curso de LL dirigiram críticas à atuação de alunos, que, em geral, estariam a desvalorizar o estágio supervisionado e as disciplinas ditas da gramática normativa.

Dirigiram críticas também à atuação de

determinados colegas, que estariam a desvalorizar o estágio supervisionado e, às vezes, a assumir certa arrogância ou discursos moralistas e desatualizados. No curso de LP dirigiram críticas à atuação de alunos, que, em geral, estariam a desrespeitar os professores e a focalizar resultados e não processo, sendo desinteressados pelo curso. Dirigiram críticas também à atuação de colegas que não diversificam atividades com os alunos, sendo pouco abertos ao compartilhamento de projetos. II.

Apesar da similitude quanto ao ideal de professor que articula aspectos informativos e formativos da educação, as professoras dão ênfase a aspectos diferentes nesta idealização. As do curso de LL referiram-se ao professor que se compraz com o aprendizado dos alunos. As do curso de LP referiram-se a diversos aspectos a fazerem parte do ser do professor que articula informação e formação (comprometimento com a atuação didático-pedagógica e outros).

III. No curso de LL os obstáculos à concretização de modelos ideais de professor estariam relacionados com: a) Do lado dos estudantes: falta de respeito, dentre outros. b) Do lado do curso: falha de não preparar os alunos para a docência. c) Do lado da Universidade: elevado número de alunos nas turmas.

490

d) Do lado do curso: atitude dos próprios professores, como, por exemplo, falta de ação mais contundente e ativa para contribuir com alterações no currículo e na Universidade como um todo. Estas informações podem ser localizadas na Seção 3.2 deste trabalho.

5.1.2.3. Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade.

Para estabelecer relações entre as lógicas de ação de estudantes e as lógicas de ação de professores focalizou-se o âmbito da articulação entre informarformar. Esta decisão já estava prevista na elaboração dos objetivos específicos da pesquisa, mas, apesar disto, encontrou respaldo no fato de que as experiências sociais fortes identificadas estiveram relacionadas com esta articulação (Quadro 31).

5.1.2.3.1. Lógica da integração

Entre os estudantes, as experiências sociais que mais contribuem para a maior articulação entre aspectos informativos e formativos da educação se situam no âmbito das lógicas da integração e da estratégia. Entre as professoras, as que mais contribuem para esta articulação estão no plano da lógica da integração. A favor desta maior articulação, entre estudantes e professoras, converge a preocupação com o desinteresse de estudantes pelo curso – não só na sala de aula como também nas atividades de pesquisa e extensão. Portanto, verificam-se aspectos relacionados àquela preocupação tanto no lado dos estudantes como no das professoras. Para os estudantes, o curso, por sua natureza, leva à maior articulação informar-formar por meio de processos conduzidos automaticamente. Para as professoras, torna-se necessário ser honesto com os estudantes nas relações educativas.

5.1.2.3.2. Lógica da estratégia

491

Dentre as experiências sociais que mais contribuem para a articulação informar-formar, a partir do uso desta lógica de ação, predominam as construídas por estudantes. Entre eles, já existe a convicção de que o futuro que os espera em termos profissionais é a atuação docente. Assim, gostariam de ter aulas mais dinâmicas, com atividades interessantes e diversificadas. Já as professoras percebem um apoio institucional à sua atuação, ainda que a pesquisa tenha detectado que existem lacunas a serem preenchidas com relação a este apoio. Para elas, há uma crise das licenciaturas. Desse modo, configura que, de

um

lado,

estão

estudantes

preocupados

em

se

formar

para

atuar

profissionalmente como professores, pretendendo ter um curso que dê prazer; de outro lado, professoras que, embora reconheçam aquela crise, entendem que têm o apoio da instituição. Portanto, este tipo de lógica de ação predomina entre os estudantes, caso se considere a articulação entre aspectos cognitivos, socioemocionais e culturais. Noutros termos, se considerada esta articulação, predominam entre os estudantes as condutas guiadas por uma intencionalidade racional, isto é, relacionadas ao estabelecimento de objetivos e canalização de esforços para atingi-los. Assim, com a visualização das relações existentes entre as lógicas integrativas e as estratégicas pode-se concluir que a articulação entre informarformar se ressente de uma efetiva estratégia da Universidade capaz de envolver estudantes e professores, principalmente, no sentido de puxar os estudantes que se apresentam desinteressados pelo curso. Isto poderia ser realizado com o aproveitamento das características dos cursos, com discussões abertas e às claras (com honestidade, como relataram as professoras). Estas discussões poderiam iniciar com o tema do papel das universidades e das licenciaturas na formação de professores e com o tema da contribuição destes para a formação integral de seus futuros alunos.

5.1.2.3.3. Lógica da subjetivação

Embora com menos evidências em prol da articulação informar-formar, as condutas no âmbito desta lógica de ação evidenciaram, entre os estudantes, a pretensão de contar com um maior espírito de humildade dos docentes (conforme

492

relataram os estudantes). Já entre as professoras, manifestou-se a intenção de contribuir, cada vez mais, com a formação integral dos estudantes. Finalmente, ao se estabelecer relações entre as três lógicas de ação, ficou evidenciado que: a) O consenso entre os participantes em torno do desinteresse de estudantes

pelo

curso

faz-se

acompanhar

do

sentimento

de

autorresponsabilidade pela interação social. No entanto, este sentimento é construído a partir de perspectivas diferentes. Os estudantes o constroem na crítica normativa e cognitiva (lógica da subjetivação) aos modos de socialização. As professoras o constroem na aceitação a valores consagrados (lógica da integração). Esta diferença de perspectiva pode fazer parte da base do distanciamento entre estudantes e professores. b) As experiências sociais que contribuem para a realização das atividades de pesquisa e extensão estiveram presentes prioritariamente entre os estudantes. Manifestaram-se a favor de um maior aproveitamento de sua criatividade em prol destas atividades, bem como da utilização delas para atrair alunos desinteressados pelo curso. Para eles, essas atividades contribuem para uma boa formação. Já entre as professoras, embora o contrário do relatado, parece faltar um apoio institucional. Percebem que têm uma atuação que prioriza a sala de aula. Estas informações podem ser localizadas na Seção 4.1 deste trabalho.

5.1.3. Informação e formação

5.1.3.1. Verificar se existe articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade.

A pesquisa identificou que, de uma maneira geral, professores têm se esforçado para estabelecer a aproximação entre os diversos aspectos do processo educacional passíveis de uma organização em prol do que este trabalho caracteriza como articulação entre informar-formar. Apesar de predominar informação sobre

493

formação, identificaram-se alguns modos de aproximação entre estas duas dimensões da educação, apresentados a seguir.

5.1.3.2. Verificar como se desenvolve a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade.

5.1.3.2.1. O discurso dos participantes

Convergiu entre os estudantes a opinião de que o recurso de narrar experiências pessoais e profissionais na sala de aula contribui para amadurecer, para se preparar para a vida, enfim, para resolver problemas. Haveria nisto um contributo para a articulação informar-formar, pois, conforme se verificou junto aos participantes, isto promove a maior aproximação entre conhecimentos teóricopráticos e desenvolvimento humano, não restringindo a formação à construção de conhecimentos. Com elas, os estudantes encontram sentido para diversas ações que desenvolvem seja no ambiente da Universidade ou fora dele. No curso de LL as narrativas se espalham durante as aulas expositivas. Para alguns estudantes isto desagrada se forem acompanhadas de muitas informações. No outro curso, têm sido percebidas como oportunidade de se expressar, refletir e se posicionar. Leva-os a ampliar horizontes. Para alguns, experiências de professores que já atuaram na educação básica são mais efetivas na formação. Esta prática de narrar experiências, comprovadas pelos relatos de estudantes e confirmada pelas professoras, parece indicar a preocupação, por parte dos professores, de fazer valer as orientações dos PPCs quanto a promover uma aproximação entre teoria e prática. Por outro lado, parece indicar um esforço docente adicional: 1) no curso de LL, para suprir necessidades de um curso que pouco prepara os estudantes para a prática docente; 2) no curso de LP, para suprir carências do estágio supervisionado no objetivo de aproximar teoria e prática. Já com relação às professoras, convergiu a ideia de que é importante certo distanciamento dos estudantes. O respeito (por parte dos estudantes, que precisariam ter sua fala controlada) a que as professoras se referem parece correr o risco de oscilar entre formas autoritárias e formas licenciosas (FREIRE, 2009), frutos

494

de um passado autoritário presente na formação cultural do povo brasileiro (ROMANELLI, 2003).

5.1.3.2.2. O discurso institucional

Os documentos estratégicos dos cursos pesquisados apregoam uma formação integral dos estudantes. Cada um a seu modo, visam à articulação entre os aspectos informativos e os formativos da educação. Do PPC de LL consta a intenção de formar um profissional que atue no magistério, seja capaz de promover transformações sem meramente reproduzir, mover-se com competência num mundo altamente tecnológico, perceber aspectos da subjetividade presentes no processo educacional, contribuir para reduzir desigualdades presentes numa sociedade cada vez mais desigual. O curso pretende formar um profissional capaz de associar teoria e prática e de conseguir, diante de tudo isso, desenvolver outras atividades educativas além do magistério. Já do PPC de LP constam propostas formativas que preparem o estudante para a solução de problemas a partir de uma visão global dos saberes proporcionados pela Universidade. Propostas que visam a capacitá-lo a lidar com as diferenças,

convergências

e

contradições

que

caracterizam

os

processos

educacionais. Uma formação que considera a articulação entre o ensino e a pesquisa e o protagonismo do estudante quanto à sua formação continuada. No âmbito das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura (BRASIL, 2005), o curso tem como objetivo tornar o estudante apto para atuar com ética, visando à construção de uma sociedade mais justa; a atuar com crianças, respeitando as diferentes fases de seu desenvolvimento; a investigar cientificamente e a gerir instituições.

5.1.3.2.3. O proclamado e o praticado

Segundo o discurso institucional, constante dos PPCs, não se priorizará a educação bancária. Para uma parte dos estudantes, há excesso de falas dos professores, sem contribuir para a maior interação (LL). Para outra parte, não há este excesso, mas, às vezes, há poucos conteúdos (matéria) (LP). De acordo com

495

as professoras, não é o conteúdo (informação) que fica nos alunos, por isto, buscam equilibrar informação e formação (LP). A par deste discurso e relatos, a pesquisa constatou que há um excesso de informações, em geral repassada por meio de aula expositiva. Constatou-se alguma imobilidade de estudantes que permaneciam a escutar exposições (LL), bem como a presença de alunos, entre os participantes, que gostariam que houvesse uma seleção de conteúdos mais significativos (LP). Com relação à capacidade de resolver problemas, o PPC de LP se compromete a formar estudantes que, ao fim do curso, sejam capazes de pensar criticamente, analisar e se comprometer com a solução de problemas sociais. Para os estudantes de LL, os professores contribuem para desenvolver ou aprimorar esta capacidade, sendo mais entre aqueles que ensinam gramática aos estudantes. Para os de LP, isto é mais presente entre os professores que ensinaram na educação básica. Já as professoras entendem que contribuem com os estudantes para que estes desenvolvam aptidões para resolver problemas. Conforme se verificou, pela pesquisa, parte dos professores dos dois cursos contribui por meio de narrativas de suas experiências de vida. Finalmente, os cursos consideram que a aprendizagem exige dos envolvidos o estímulo e o desenvolvimento da arte do pensar, do sentir e do agir (LL) e que a discussão teórica deriva das práticas, nas quais se apoiam, oferecendo maior consistência e rigor ao estudo da Pedagogia (LP). Conforme relatos dos estudantes dos dois cursos, os professores utilizam metodologias que ajudam a equilibrar aspectos racionais e emocionais, sendo que, entre os de LP, há professores que não toleram ser criticados em sua atuação. Por sua vez, as professoras entendem que conseguem equilibrar aspectos racionais e emocionais se houver controle sobre a fala do aluno, acompanhado de algum distanciamento (LL). Conseguem também tal equilíbrio quando utilizam estratégias diferenciadas ou quando focalizam uma escuta ativa do aluno (LP). O que se pode concluir, com a pesquisa, é que parte dos professores realiza esse equilíbrio (LL). Estas informações podem ser localizadas na Seção 3.4 deste trabalho. 5.1.3.3. Averiguar em que medida a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, desenvolvida na sala de aula da universidade, contribui para a interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores.

496

As respostas a este objetivo estão organizadas em dois tipos de articulação: a que se refere à relação teoria-prática e aquela voltada para os diversos conteúdos. A primeira favorece a emergência da interação social, dentre outras, relacionada à maior capacidade crítica e à melhor atuação no estágio supervisionado e no PIBID. Além disso, aproxima condutas de estudantes e de professores quando a ação se realiza por meio de uma atuação crítica por parte de ambos. Como afirmaram estudantes, algumas disciplinas ajudam os alunos a serem mais críticos; a Universidade põe os estudantes para pensar, discutir e ver o mundo lá fora. Esta articulação também aproxima comportamentos e atitudes de estudantes e de professores quando a ação ocorre por meio das atividades do estágio supervisionado e PIBID. Como declararam os estudantes do curso de LP, o estágio supervisionado e o PIBID se constituem em importantes mecanismos da formação inicial, pois compensam a baixa prioridade dos currículos quanto à prática do ensino, exercitam a função social do professor e aproximam ensino, a pesquisa e a extensão. Conforme declararam, o estágio supervisionado é um momento de construção do professor, levando o estudante a se perceber como professor em vez de aluno, vendo-se na prática. E, como se declarou com maior ênfase no curso de LL, nas turmas do estágio supervisionado, tenta-se levar experiências pessoais e profissionais. A

articulação

entre

os

diversos

tipos

de

conteúdos

(conceituais,

procedimentais e atitudinais) favorece a emergência de interação social entre experiências sociais. Esta articulação aproxima comportamentos e atitudes de estudantes aos de professores, pois, como afirmaram aqueles, a prática serve para amadurecer, para se preparar para a vida, isto é, presta-se a capacitar para resolver problemas. Esta articulação também contribui para aproximar condutas de estudantes à de professores. Conforme declararam estudantes e professoras de LP, informações importantes são trocadas quando a prática de feedbacks é assumida pelos envolvidos durante a interação. Em geral, os professores não pedem feedbacks aos estudantes, mas, de acordo com a pesquisa, pedi-los seria uma prática importante para aproximar as experiências sociais construídas por ambos. Estas informações podem ser localizadas na Seção 4.1 deste trabalho.

497

5.1.3.4. Averiguar em que medida a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores atende aos quatro pilares da educação para o século XXI.

As respostas estão organizadas segundo as contribuições e os impactos de experiências sociais identificadas pela pesquisa sobre os quatro pilares da educação para o século XXI. Em primeiro lugar, em geral os professores dos dois cursos fazem perguntas aos estudantes, levando-os a refletir sobre os diversos conteúdos desenvolvidos, contribuindo para desenvolver a atitude crítica e a capacidade de compreender melhor o ambiente em que se inserem. Em segundo lugar, o envolvimento de estudantes com experiências profissionais passadas por professores na sala de aula constitui-se em oportunidade de preparação para a futura prática docente. Contribui para concretizar a intenção curricular de prepará-los para a prática. Entretanto, não ocorre só na sala de aula. Os estudantes declararam serem importantes os relatos de experiências realizados por professores de escolas visitadas durante o estágio supervisionado. Em terceiro lugar e, ainda relacionado a estas narrativas, beneficia-se a convivência entre estudantes e professores. Elas têm se constituído em oportunidade para preparar melhor os estudantes para a convivência mais profícua no curso. Ficou evidenciado que ajudam os estudantes a definirem, ou em alguns casos, a redefinirem, para melhor, projetos pessoais, pois passam a contar com o compartilhamento de ideias, preocupações e sonhos. Constituem-se, assim, em oportunidade importante para que estudantes e professores se conheçam melhor e compartilhem projetos que contribuam para evitar ou resolver conflitos latentes. Em quarto e último lugar, o retorno de estudantes oferecido a professores frequentemente tem sido para reclamar. Em geral, aqueles se reúnem quando pretendem reclamar da atuação de professores e, em grupo, dirigem-se à diretoria do curso. Por sua vez, professores passam o recado aos estudantes no primeiro dia de aula do ano letivo, informando sobre procedimentos, normas. Apesar disso, constatou-se que alguns participantes gostariam que houvesse na Universidade uma prática sistematizada de feedbacks. Em relação aos impactos de determinadas experiências sociais sobre os quatro pilares da educação para o século XXI, tomaram-se como referências quatro

498

distanciamentos entre o previsto nos PPCs dos cursos e o que efetivamente ocorre na formação dos estudantes. O primeiro distanciamento refere-se às poucas evidências da associação entre ensino, pesquisa e extensão. Este primeiro distanciamento dificulta o cumprimento de objetivos da Universidade vinculados à promoção de uma aprendizagem que visa ao aprender a conhecer. A Universidade estabeleceu que fosse a iniciação científica um recurso auxiliar para os estudantes no sentido de aprender a conhecer. Sua proposta é fazer isto por meio da aproximação entre problemas da profissão e problemas da sociedade, devendo ser a solução de problemas sociais o resultado da articulação entre teoria e prática, tendo na extensão importante contributo. Estabelecem os PPCs que a sala de aula deve ser o locus para intensificar a relação ensino-pesquisa e o currículo composto por processos de aprendizagem que considerem a associação entre ensino, pesquisa e extensão. Portanto, estas intenções, se concretizadas, se constituem em pilares da referida associação. Buscam promover a aprendizagem voltada para aprender a conhecer, pois aqui o centro está na capacidade de compreender o mundo, viver com dignidade, desfrutando das alegrias da pesquisa e valendo-se de instrumentos e conceitos já conquistados (DELORS et al., 1998). No entanto, tal associação ficou pouco evidenciada, ainda mais se for considerada a ênfase dada ao assunto nos documentos estratégicos da instituição. À vista do que explicitam leis e normas sobre o conceito de indissociabilidade (BRASIL, 1988, 1996), denotando ser ela uma articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, entende-se que sua ausência impacta o cumprimento dos pilares da educação para o século XXI. O segundo distanciamento se refere ao atrelamento do ensino à sala de aula, o que dificulta o alcance de objetivos da Universidade vinculados à promoção de uma aprendizagem voltada para aprender a fazer. Ao definir a sala de aula como laboratório da linguagem e ao assumir o currículo como meio de acessibilidade da sociedade aos conhecimentos gerados, a Universidade apontou, através de documentos estratégicos, o percurso a ser seguido pelos professores, com aulas capazes de ensinar o estudante a aprender a fazer. Apontou que sustenta a consecução do aprender a fazer numa atuação didático-pedagógica que utiliza estratégias diversificadas, que ajudem a nortear

499

condutas dos estudantes, já pensando na futura atuação profissional. Isto porque, se aquelas definições forem cumpridas, ocorrerá a melhor preparação dos estudantes para participarem dos problemas da sociedade, transformando conhecimentos em inovações (DELORS et al., 1998). De alguma forma, sendo tais definições cumpridas, obrigam-se os estudantes (e professores) a pensar sobre os modos de intercambiar conhecimentos com a sociedade. Entretanto, conforme evidências, as aulas estão atreladas ao ambiente da sala, com alguma priorização para a exposição. Dentre outros aspectos identificados, verificou-se que, no núcleo daquele distanciamento, acham-se presentes elementos da pedagogia em que a transmissão de conteúdos tende ao excesso de conceitos – o que, inclusive, obriga os estudantes a repetir informações para efeito de avaliação por meio de provas. Considerando que o uso de estratégias diversificadas durante a interação estudantes-professores-estudantes já se constitui na articulação informar-formar, constatou-se que tais evidências representam um impacto no cumprimento dos pilares da educação para o século XXI. O terceiro distanciamento está relacionado com certa ausência de equilíbrio entre aspectos racionais e socioemocionais, o que dificulta cumprir objetivos da Universidade vinculados à promoção de aprendizagens voltadas para aprender a conviver. A Universidade estabeleceu, dentre outros objetivos, que o estudante seja formado para a ética. Um conceito que abrange, segundo os PPCs analisados, a capacidade de atuar em equipe, com cooperação, interagindo com outras pessoas e outras culturas, no respeito e convivência com as diferenças. Para formar um egresso capaz de trabalhar em diversos espaços, escolares e não escolares, de modo a promover uma aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano – como estabelecem aqueles documentos – torna-se necessário ao professor desenvolver e ter condutas que equilibrem aspectos racionais e emocionais presentes na interação com alunos. Portanto, pela aprendizagem voltada para aprender a conviver passa a capacidade de equilibrar razão e emoção. Entende-se que as dificuldades de estabelecer tal equilíbrio constituem-se em impactos no cumprimento dos pilares da educação para o século XXI.

500

O quarto e último distanciamento envolve o apelo à educação bancária, o que torna mais difícil à Universidade promover uma aprendizagem voltada para aprender a ser, conforme estabelecido como objetivo institucional. Ao explicitar em seus documentos estratégicos que será abandonada a perspectiva tradicional da educação que considera o estudante como sujeito passivo, mero receptor de informações, a Universidade deixa claro que não adotará a transmissão de informações

desacompanhada

de

formação.

Assume

o

compromisso

de

desenvolver no estudante a curiosidade. Coloca-o na perspectiva de protagonista de seu aprendizado nas diversas situações vivenciadas ao longo do curso. Desse modo, a Universidade busca sustentação da aprendizagem voltada para aprender a ser no abandono da pedagogia antidialógica. Estas informações podem ser localizadas na Seção 4.1 deste trabalho.

5.1.4. Interação social

5.1.4.1. Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade.

5.1.4.1.1. Sala de aula: percepções dos estudantes

a) Convergências: I.

A amizade como aspecto importante na construção do processo interativo entre estudantes e professores.

II.

Os cursos, por suas próprias características, favorecem a maior interação, superando carências de estratégias didático-pedagógicas.

III. Momentos logo após a conclusão da aula como favoráveis à aproximação de estudantes e professores. IV. Entendimento da humildade (em oposição à prepotência), por parte de professores, como aspecto importante para interagir. V.

Necessidade de haver mais afetividade por parte dos professores.

VI. Expectativa de maior diálogo. b) Divergências (aparecem num curso e não no outro):

501

I.

A atitude do estudante que contribui para estabelecer diálogos: deve fazer perguntas e comentários ao professor (LL).

II.

A atitude do professor que contribui para estabelecer diálogos: não deve desistir do estudante (LL).

III.

O estudante deve assumir-se como profissional da educação (LP).

IV.

O professor deve refletir e compreender os retornos dos alunos sobre sua atuação didático-pedagógica. Deve encantá-los (LP).

V.

Deve haver objetividade nos relacionamentos (LL).

VI.

O professor deve manter relação mais próxima com estudantes (LL).

VII.

Deveria haver mais saídas de campo, como visitas a exposições (LL).

VIII. O professor deve saber bem os objetivos da disciplina (LP). IX.

A Universidade deve incentivar projetos de extensão (LP).

X.

Dialogar é trocar ideias e opiniões (LL). É despertar para a crítica, por isto, a atuação deveria ocorrer com perguntas (LP). É como ensina Paulo Freire, o que até ocorreria no curso, com exceção de poucos professores (LP).

XI.

Algumas disciplinas não contribuem para desenvolver a educação mais voltada para o diálogo (LP).

XII.

As dificuldades para estabelecer diálogos envolve a passividade dos estudantes e a falta de permissão dos professores para que os alunos opinem a respeito das aulas. Os professores de linguística dialogam mais do que os de literatura (LL).

XIII. As

dificuldades

envolvem

também

o

desconhecimento

dos

estudantes pelos professores (LP). XIV. A iniciativa do diálogo deve ser dos professores, que devem abdicar da exposição de conteúdos, cedendo espaço aos estudantes (LL). XV.

Ou, ainda, esta iniciativa cabe aos alunos (LP).

5.1.4.1.2. Sala de aula: percepções das professoras

a) Convergências:

502

I.

Interagir com os alunos implica conversar claramente com eles, trocar ideias, logo no início do semestre, mas também no final.

II.

A boa interação exige retornos mútuos entre alunos e professores.

III.

A boa interação ocorre quando se discute o mundo do aluno. Na verdade, ocorre quando o mundo é discutido por alunos e professores.

IV.

Os alunos não têm cumprido a parte deles na interação.

V.

A interação exige professores não autoritários.

VI.

A interação exige diversificação de atividades pedagógicas.

VII.

O curso não prepara os alunos para desenvolverem uma atuação mais interativa, inclusive para atuar após a formatura.

VIII. Dialogar seria oferecer e receber retornos mútuos. Poderia ser a troca de impressões e ideias ou de informações a respeito do plano de ensino. IX.

Dialogar seria trazer o mundo real para dentro da sala de aula, isto é, adotar uma atuação didático-pedagógica em que o professor incentive os alunos a perceber o mundo de maneiras diferentes.

b) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

Dialogar

seria

conversar

descontraidamente,

fazendo-se

acompanhar por perguntas aos alunos. Seria tornar a aula mais agradável (LL). II.

Seria fazer a mediação, questionar, promover reflexões, levar o aluno a avaliar, a repensar iniciativas (LP).

III.

Os

estudantes

precisam

buscar

motivação

para

o

curso,

participando de atividades da Universidade (LL). IV.

Os alunos precisam internalizar a ideia de avaliação como processo e não como resultado (LP).

V.

Os estudantes devem buscar colocar-se na mesma perspectiva do professor com relação aos objetivos do curso (LP).

VI.

A interação deve ocorrer com respeito (inclusive à diversidade), cordialidade, afetividade, descontração, conversas, liberdade de expressão; mas com distanciamento mínimo entre alunos e

503

professores (LL). Ela deve ocorrer com honestidade para com os alunos (LP). VII.

O professor precisa atualizar-se, ter bom humor, extrapolar limites da disciplina, mostrar-se colaborativo e atender às expectativas dos alunos (LL).

VIII. O professor precisa contribuir para a maior conscientização do aluno quanto à sua responsabilidade pela interação (LP). IX.

As dificuldades para estabelecer diálogos passam pela pouca participação de alunos e professores em atividades promovidas pela Universidade (LL).

X.

Estas dificuldades passam também pela concepção de prova, por parte do aluno, como componente final do processo educacional. Passam pelo modelo de escola (que vigia e mede os níveis de acumulação de informações) (LP).

XI.

Há um desânimo dos estudantes para a maior interação social, o que decorreria da falta de identidade do curso. Estudantes não sabem o que querem, pois os papéis no mundo atual não estão bem definidos (LL).

XII.

A iniciativa para a interação social caberia aos alunos e aos professores (LL).

XIII. A iniciativa da interação social precisa ser da escola como um todo, sendo que, para ter sucesso, tornam-se necessárias a maior consciência e mais vontade dos estudantes de realizar o curso (LP).

Como os relatos dos participantes sobre suas percepções a respeito da interação entre experiências sociais extrapolaram o ambiente da sala de aula, organizaram-se também percepções relacionadas a atividades de pesquisa e extensão.

5.1.4.1.3. Atividades de pesquisa e extensão: percepções dos estudantes

a) Convergências:

504

I.

O TCC percebido como etapa da formação que causa sofrimento, correria.

II.

Ressentem-se da escassa quantidade de projetos de pesquisa.

III. Os projetos de pesquisa e extensão percebidos como privilégio de poucos. b) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

No curso de LL, identificou-se que o TCC é sinônimo de sofrimento e medo porque exige dos estudantes a realização de pesquisa. No de LP, é sinônimo de correria porque em geral se realiza em meio ao acúmulo de tarefas escolares no final do curso.

II.

O foco de atenção dos alunos do curso de LL esteve na realização de pesquisas, trabalhos de monitoria e de grupos de estudos, sem a menção a projetos de extensão, como alternativas para maior interação entre colegas e professores. Já no curso de LP, o foco esteve na participação em projetos de extensão e do PIBID.

III. Para os alunos do curso de LL, a participação em programas de pesquisa, como Ciência sem Fronteiras, é privilégio para alunos de outras áreas de estudo, não de linguística. Para os alunos do curso de LP, a participação em projetos de pesquisa e extensão é um privilégio (e isto seria por decisões tomadas pelos professores). IV. Enquanto os alunos do curso de LL percebem a realização de viagens como alternativa para realizar pesquisas, os alunos do curso de LP entendem que deve ser incentivada a gestão de projetos de pesquisa e extensão por professores que já ensinaram na educação básica.

5.1.4.1.4. Atividades de pesquisa e extensão: percepções das professoras

a) Convergências: I.

Atuação didático-pedagógica atrelada à sala de aula, impedindo a ampliação da pesquisa científica a outros ambientes acadêmicos.

II. O curso não prepara para a pesquisa.

505

III. O foco de atenção (das professoras participantes) esteve em pesquisa e não em extensão. b) Divergências (aparecem num curso e não no outro): I.

No curso de LL, identificou-se a opinião de que o curso não prepara para a pesquisa porque a Universidade tem perdido professores com titulação de doutor. No de LP, não prepara porque a pesquisa científica exige do professor um tempo para desenvolver essa prática junto aos estudantes.

II.

Para as professoras do curso de LL, os projetos de pesquisa e extensão estão limitados a alguns alunos e professores privilegiados. Para as professoras do curso de LP, está certa a estratégia a ser desenvolvida pela Universidade no sentido de ter os diversos projetos calcados na associação entre ensino, pesquisa e extensão (inclusive liberação orçamentária).

III. Enquanto entre as professoras do curso de LL assumiu-se que desconhecem minimamente como desenvolver projetos de extensão, entre as do curso de LP, esses projetos não foram mencionados. IV. Para as do curso de LL, projetos de pesquisa e extensão são práticas dificultadas pelo perfil do aluno (muitos trabalham) e pelo pouco engajamento de professores (muitos não participam de eventos da Universidade). Para as do curso de LP, a maior dificuldade está no tempo disponibilizado ao professor para preparar os estudantes para a prática da pesquisa (já mencionado). V.

Por um lado, as professoras do curso de LL incentivam a prática da pesquisa, valendo-se da obrigatoriedade de realizar o TCC. Por outro lado, as do curso de LP recorrem à obrigatoriedade de realizar o estágio supervisionado.

Buscou-se identificar as estratégias formativas da Universidade relacionadas a atividades de pesquisa e extensão.

5.1.4.1.5. Estratégias formativas relacionadas a atividades de pesquisa e extensão

506

a) Curso de LL: I.

Pesquisa como item do cotidiano acadêmico e a investigação na interdisciplinaridade do curso. Foco nas condições para a produção acadêmico-científica docente e discente.

II.

Iniciação científica como recurso para auxiliar estudantes a aprender a conhecer, aproximando problemas da profissão e problemas da sociedade.

III. Foco na reinvenção de processos e soluções compatíveis com um mundo em permanente mudança. IV. Sala de aula como locus para intensificar a relação ensino-pesquisa. Objetivo de torná-la laboratório da linguagem. V.

Atividades de extensão comprometidas com os diferentes grupos sociais que integram a sociedade.

b) Curso de LP: I.

Atividades de pesquisa como meio de promover transformações sociais.

II.

Pesquisa como contributo forte para associar ensino-pesquisaextensão.

III. Articulação entre teoria e prática como potencial para a solução de problemas sociais. A extensão desenvolvida por meio desta articulação. IV. Currículo contendo processos de aprendizagem que consideram a associação entre ensino-pesquisa-extensão. V.

Currículo que contemple estes processos, tornando acessíveis à sociedade os conhecimentos gerados e formando o estudante para a ética.

5.1.4.1.6. O proclamado e o praticado

No curso de LL, por ser estratégica a intenção de formar por meio da pesquisa e extensão, a proposta é inserir no dia a dia de estudantes e professores a prática da pesquisa, considerando as mudanças do mundo atual. Inclusive e,

507

principalmente, nas atividades desenvolvidas na sala de aula. A extensão aparece como ponte que liga a Universidade à sociedade. No outro curso, a proposta é tornar a pesquisa um fio condutor para o desenvolvimento e o aprimoramento de comportamentos e atitudes dos estudantes no sentido de promover transformações sociais. A pesquisa seria o centro da associação entre ensino, pesquisa e extensão. Esta associação aparece como resultado da práxis intencionada pelo curso, a ser desenvolvida por um currículo que prioriza a disseminação de saberes e a formação para a ética (MENDES, 1974; SEVERINO, 2007; DEMO, 2009, 2010; VASCONCELOS, 2011a; MASETTO, 2012). Assim, segundo o discurso institucional, a indissociabilidade entre ensinopesquisa-extensão deve ser base propulsora da atualização dos estudantes e professores, sendo: o ensino voltado para a prática, a pesquisa como o eixo viabilizador da mudança de condutas e a extensão como meio de se cumprir o papel social da Universidade. No entanto, a vivência de estudantes para a pesquisa é de sofrimento (TCC), ocorrendo como imaginam que ela deva ser só para alguns estudantes e professores. Já a percepção das professoras é que a atividade da pesquisa não é desenvolvida nos cursos. Conforme ficou evidenciado: 1) ensino oscilante entre o conteudismo (pode ser enciclopedismo) e a preocupação em formar para o cumprimento da função social do professor; 2) pesquisa à margem dos processos educacionais, baldados os esforços dos professores para se cumprirem as intenções dos cursos; 3) extensão como rara oportunidade de aproximar os estudantes da sociedade (estágios e projetos) e aliar teoria-prática. Estas informações podem ser localizadas nas Seções 3.5 e 3.3 deste trabalho. 5.1.4.2. Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito de diálogos desenvolvidos por eles na sala de aula da universidade.

Considerando o conceito de interação social adotado por este trabalho, os registros relacionados a este objetivo estão contemplados na alínea anterior.

508

Desse modo, as respostas aos objetivos específicos configuraram o cumprimento do objetivo geral da pesquisa, tendo em vista que o percurso planejado e o que efetivamente se desenvolveu constituíram-se na investigação e descoberta de aspectos relevantes da dinâmica de interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade.

5.2. HIPÓTESE Cumprido o objetivo geral da pesquisa, com os fatos descobertos elaborou-se uma hipótese. Afinal, como explicava Mead (1938, p. 93) já no século passado, não termina a investigação científica com seus dados, mas se inicia com eles, sendo “o produto final da ciência uma teoria ou hipótese de trabalho e não os chamados fatos”. Dito isto, a hipótese elaborada coloca lado a lado as duas extremidades da investigação científica realizada, baseadas em dois conceitos, experiência social (DUBET, 1994) e pedagogia dialógica (FREIRE, 1987), perpassados por interpretações e inferências. Assim, segue a argumentação que construiu a hipótese. Certa inércia parece invadir o sistema educacional, que se encontra marcado pela

tendência

a

um

novo-velho

autoritarismo,

agora

baseado

no

forte

distanciamento entre informação e formação (VASCONCELOS, 2011a). A interação das experiências sociais construídas por estudantes e professores ficou mais evidente quando ocorreu uma espécie de monopólio da informação, embora haja certo interesse dos sujeitos para que se concretize esta interação. Vive-se uma espécie de crítica silenciosa, a qual toma o lugar das oportunidades de construção de diálogos. Assim, uma negação parcial do sujeito parece ser a escada que desce da inércia para a tendência ao autoritarismo nos temos colocados. Refugiando-se no acúmulo de informações, o Eu reconhece o Outro para acusá-lo pelos insucessos do processo educacional, mas não o reconhece por meio das críticas que uns e outros realizam no sentido de promover mudanças. Nesta dinâmica, o Eu afirma-se no desequilíbrio entre autoridade e liberdade, às vezes, rompido pelo par autoritarismo e licença (FREIRE, 2009). Isto é válido para os diversos atores que constituem o processo educacional, a iniciar por estudantes e professores.

509

Como encontrar soluções? Como identificar aberturas úteis à conversão da inércia em ação, do autoritarismo em autoridade e da negação parcial do sujeito em sua afirmação? Alvitra-se a pedagogia dialógica como o meio capaz de apresentar estas aberturas e conduzir a elas, algumas até já presentes no processo educacional, cabendo tão só percebê-las e sistematizar a prática do efetivo diálogo. Os contextos desta inércia são diversificados e se cruzam em meio a desafios e esforços a favor de uma renovação das instituições universitárias. Há uma hipocrisia pairando no ar, sustentada pelo costume de falar o que fazer e não fazer o que se fala. Os públicos que circulam pelos diversos campi mudaram o perfil, principalmente nas últimas décadas. A pesquisa acadêmica torna-se cada vez mais exigente, em especial, quanto à realização de trabalhos em rede. A formação de professores ocorre em meio ao desprestígio não só dos cursos de formação, mas da própria profissão. Os processos de desinstitucionalização já não mais batem às portas das universidades, mas sim adentram pelas coordenações de cursos, pátios, salas de aula, laboratórios, saindo das universidades para depois reentrarem e, num movimento dialético, restabelecerem-se. Tudo isto ocorre numa velocidade que faz a ação docente e a institucional ficarem a reboque desses processos. Desse modo, a pedagogia dialógica, com sua proposta transgressora, imbuída da ideia de autonomia do ser do educando, seja “criança, jovem ou adulto” (FREIRE, 2009, p. 59), parece emergir como liga dos diversos aspectos que circulam pela base dos problemas mencionados. E, assim, fornecer aos envolvidos pistas para construir cada vez mais um sentido humanizador a suas ações. Na raiz desta pedagogia, como se sabe, está um discurso revolucionário – por isto mesmo embute a ideia radical de mudança de comportamentos e atitudes. Lembre-se que Freire (1987) caracteriza o diálogo como amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico, componentes capazes de solidificar uma relação horizontal entre os indivíduos, sedimentando confiança entre eles. Isto guarda uma profunda correspondência com algumas características humanas, a saber: pensar, sentir, agir e transcender. No sentido ontológico, diálogo é relação, é testemunho, do qual se origina e finaliza a existência humana. Uma atitude existencial do encontro face a face (BUBER, 2009). Tem o significado weberiano de comportamento reciprocamente referido quanto ao sentido dos conteúdos elaborados por dois ou mais agentes

510

(WEBER, 1999). Funda e se converte em relacionamentos reais, estes pautados nos compromissos assumidos pelos indivíduos entre si, melhorando o convívio no líquido cenário da vida moderna (BAUMAN, 2004). No diálogo, o logos de um é captado pelo logos do outro (MENDES, 1968). Ele une logos e práxis e, se toda vida atual é encontro (BUBER, 2009), o diálogo, então, se transforma no “encontro dos homens [sic], mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, assim, na relação Eu-Tu” (FREIRE, 1987, p. 78). De acordo com os estudos, não se pode abrir mão de determinados potenciais presentes no meio acadêmico, verdadeiras minas de ouro, capazes de tornar viva uma articulação sistematizada entre informar e formar. Todos os membros da universidade são responsáveis pela maior interação social. A pesquisa e a extensão universitárias precisam ser valorizadas, a prática deve se aliar às teorias e vice-versa, a troca de informações deve ser algo constante e a maior consciência dos estudantes para o curso deve ser reconhecida. Estes aspectos valiosos devem ser cultivados no sentido da pedagogia dialógica. De maneira que a estrutura conceitual proposta por este trabalho, envolvendo a inércia, a negação parcial do sujeito e a tendência ao autoritarismo, cola na proposta da pedagogia dialógica, a qual se baseia na ideia de transformação do mundo no encontro entre educador e educando no nível ontológico. Um encontro compreendido como humanização na medida em que um reconhece o outro. Um encontro pelo qual se geram novas relações, numa dinâmica que tende à horizontalização destas relações. Nós em vez de Eu e Tu. Tais conclusões possibilitaram pensar o conceito de inércia no contexto da relação Eu-Isso (BUBER, 1982, 2004, 2009), contribuindo para aproximar as diferentes

perspectivas

identificadas

pela

pesquisa

para

a

ideia

de

autorresponsabilidade já assumida pelos participantes. Assim, deixa-se de culpar o Outro pelos problemas vivenciados no dia a dia do processo educacional. As conclusões possibilitaram também pensar o conceito de negação parcial do sujeito no amplo sentido do termo Eu (FREIRE, 1987, 1997, 2009), ser capaz de julgar, criticar, posicionar-se frente aos processos de socialização (DUBET, 1994). Assim, abandona-se a atitude de não reconhecimento da capacidade crítica deste ser. As conclusões possibilitaram pensar ainda o conceito de autoritarismo nos termos da relação Eu-Tu (BUBER, 1982, 2004, 2009), favorecendo o maior equilíbrio entre

511

autoridade e liberdade, às vezes, rompido pelo autoritarismo e licença (FREIRE, 2009). Nada disso ocorrerá sem a abertura ao diálogo. Com efeito, em Buber (1982, 2004, 2009) a palavra princípio Eu-Isso abriga o sentido de locus da experiência, do conhecimento e da utilização e a palavra princípio Eu-Tu seria a base para a vida dialógica. Em Freire (1987, 1997, 2009) a relação entre seres humanos e entre estes e mundo nasceria com a experiência da abertura, fundante do ser inacabado, o ser recém-consciente de sua incompletude. As duas posições teóricas pressupõem que, no conhecimento ou na experiência, a atitude é considerada um tornar-se presente ao ser e com o ser. O Eu como pessoa e o Tu como outro estariam presentes na relação dialógica. Desse modo, considerando conceitos e resultados alcançados, estabeleceuse um paralelismo entre teoria-empiria-teoria. A seguinte estrutura se apoia na relação entre os conceitos experiência social (DUBET, 1994) e pedagogia dialógica (FREIRE, 1987), por sua vez, vinculados por evidências da pesquisa (ver Fig. 38). Figura 38 – Paralelismo teoria-empiria-teoria.

Evidências da pesquisa Características da experiência social (DUBET, 1994) Condutas perpassadas pela heterogeneidade de princípios

Distanciamento do indivíduo em relação ao sistema sociocultural Dominação social ocorre na dispersão e não na unificação da experiência coletiva

A culpa é do outro. O insucesso do processo educacional advém da ação do outro.

Crítica silenciosa. Negase a criticidade de estudantes e professores.

Primazia da informação. Pouca articulação entre informarformar.

Universidade: Associação ensino, pesquisa e elaboração extensão. Licenciaturas. Sala de aula.

Fonte: do autor.

Fundamentos da pedagogia dialógica (FREIRE, 1987) Eu-Isso (o mundo, os sistemas de relações sociais)

Eu (capaz de se posicionar por meio da crítica cognitiva e normativa)

Eu-Tu (os indivíduos existem porque se relacionam de logos para logos)

512

RECOMENDAÇÕES

Perante a complexidade do tema do presente trabalho, portanto, diante da imensidão de perguntas e possibilidades de respostas, bem como do caráter provisório e circunstancial do conhecimento, uma atitude assumida por este autor é a de humildade. Como lembra Gomes (2005, p. 161), as ciências humanas descobrem tendências e não determinismos, de maneira que “o conhecimento gerado constitui mais um vagalume na escuridão do desconhecimento que um facho de luz capaz de chegar a certezas relativamente duráveis”. A atitude é de humildade intelectual. Portanto, refere-se aqui à humildade socrática presente no nada sei, porém, com o objetivo de conhecer cada vez mais (PLATÃO, 1997). Outra atitude que se assume é a de entusiasmo pela educação, mas não o entusiasmo que meramente busca aprimorar o ensino destinado às elites e rebaixar o nível de ensino destinado às camadas populares (SAVIANI, 2008). Sabe-se dos enormes desafios enfrentados pela educação brasileira, desde antes e agora, inclusive, permeados por ideologias de todas as cores. Nas mídias, até na imensa quantidade de trabalhos na área acadêmica, bem como na área organizacional focada para o mercado, verificam-se as adversidades presentes no panorama educacional brasileiro. Um panorama para o qual Assmann (1998) qualificou, ainda no século passado, como desolador. No entanto, como bem alerta aquele autor, embora os educadores possam estar conscientes das inúmeras frentes de batalha pela melhoria da educação, “não se pode ir contornando eternamente a evidência de que a questão da qualidade na educação passa centralmente pelo viés pedagógico” (ASSMANN, 1998, p. 23). Portanto, o entusiasmo ao qual se refere situa-se no âmbito da ação transformadora pela qual são responsáveis os envolvidos no ato educativo, seja no nível docente, seja no nível institucional. Presentes estas atitudes, portanto, na certeza da transitoriedade das descobertas e hipótese formulada, bem como na consciência de que muitos são os desafios para a melhoria da educação, especialmente a brasileira, apresentam-se a seguir algumas recomendações. A partir dos objetivos deste trabalho e, considerando as limitações da proposta de pesquisa, estas recomendações

513

focalizam contribuições para maior interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de seus professores universitários. Fica claro que o conceito de interação implica em aceitar a aproximação de condutas individuais e coletivas que, por se objetivarem em sistemas relativamente autônomos, são passiveis de observação e análise. Interagir é estabelecer sequências de diálogos que implicam, necessariamente, a troca de valores, interesses e representações culturais. Portanto, a viabilidade das recomendações está posta, isto é, sua exequibilidade está apoiada no seu caráter pragmático – o que inicia pelo aproveitamento de potenciais identificados pela pesquisa – e serão tanto possíveis quanto mais os envolvidos no ato educativo decidirem mudar condutas – o que pressupõe a intenção de aproximarem-se uns dos outros com o objetivo de contribuir para a mútua formação. Diante disto, parece importante indicar, a partir dos resultados da pesquisa, algumas alternativas de atuação docente e institucional no sentido de estabelecer essa maior interação.

6.1.

APROVEITAR POTENCIAIS

6.1.1. A autorresponsabilidade pela maior interação social

De acordo com a pesquisa, estudantes e professores entendem que todos são responsáveis pela maior interação social. Este entendimento é fator importante para aprimorar ou desenvolver o interesse dos estudantes pelo curso. Portanto, a expectativa era que houvesse esse interesse. No entanto, de acordo com os participantes, não é o que tem ocorrido. Então, por que há desinteresse? Constatouse que há uma lacuna a ser ocupada pela pedagogia dialógica. De um lado, professores poderiam desenvolver esforços para reconhecer este senso de autorresponsabilidade. De outro lado, ao se comprometer em evidenciar o pragmatismo da sociedade atual e o cultivo de valores humanos por meio da articulação entre conhecimentos científicos e aquisições culturais, a Universidade poderia aprimorar ou desenvolver iniciativas que valorizam o diálogo com a sociedade, fazendo-o por meio da articulação com comunidades interpretativas. Para isto, poderia promover a maior interlocução entre professores, estudantes,

514

funcionários e demais componentes da sociedade, contando com o dinamismo, a inquietação, a rebeldia e a criatividade dos jovens.

Poderiam ser realizadas ou

reforçadas iniciativas para promover reflexões em torno da pergunta: Em que medida ações institucionais têm valorizado amplo diálogo entre o corpo acadêmico e a sociedade? 6.1.2. A criticidade dos estudantes

Em primeiro lugar, ficou constatado pela pesquisa que os estudantes possuem um considerável nível de criticidade, aspecto importante para desenvolver atividades de pesquisa e extensão. Assim, a expectativa era que o princípio da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão estivesse concretizado em larga medida. No entanto, não está se forem consideradas as constatações da pesquisa. Há fragilidade em sua concretização. Por quê? Porque, dentre outros aspectos, não se aproveita tal criticidade. A pedagogia dialógica é uma alternativa interessante, pois aciona a capacidade crítica, a curiosidade e, por desdobramento, contribui para fortalecer essa indissociabilidade. De um lado, o professor poderia buscar a identificação de situações em que emerge essa criticidade. De outro lado, a instituição poderia reforçar em suas estratégias o objetivo de preparar os estudantes para progredir naquilo que a LDBEN chama de estudos posteriores (BRASIL, 1996). Considerando que os cursos pesquisados se comprometem com um processo educacional que prioriza aspectos relevantes para a pesquisa, poder-se-ia tomar a seguinte pergunta como reflexão: Em que medida ações institucionais têm incentivado e viabilizado efetivas atividades de pesquisa e extensão? Em segundo lugar, sendo críticos os estudantes e, por isto mesmo, já mantendo certo nível de internalização dos objetivos do curso, por que isto não é reconhecido plenamente pelos professores? Estes poderiam atentar mais para tal criticidade. No âmbito institucional, poderiam ser estabelecidas iniciativas que envolvessem os estudantes desde o início do curso até a sua conclusão. Assim, poderia a Universidade refletir sobre a questão: Em que medida temos efetivamente acompanhado os processos de conscientização dos estudantes sobre as diversas realidades dos cursos?

515

6.1.3. A intenção de participar de projetos de pesquisa e extensão

A pesquisa constatou que os estudantes gostariam de participar mais de projetos de pesquisa e extensão, o que favoreceria a diversificação de atividades didático-pedagógicas. Esperava-se que tal contexto resultasse nesta diversificação. No entanto, isto não ocorre, pelo menos no âmbito dos cursos onde a pesquisa foi realizada. Verificou-se que há um direcionamento para aulas expositivas. Por quê? Possivelmente porque existe uma lacuna a ser preenchida por ações típicas da pedagogia dialógica. Com sua prática, haveria um enriquecimento da dinâmica curricular de modo a se obter uma aprendizagem mais interessante, com atividades diversificadas, com foco em iniciativas extraclasse. Apresenta-se como oportunidade de maior disponibilidade dos professores para a participação em projetos de pesquisa e extensão, viagens e outras atividades extraclasse. Por sua vez, os cursos pesquisados poderiam apoiar iniciativas voltadas para a maior articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, buscando afastar-se da perspectiva tradicional da educação focalizada na pura transmissão de informações. Toda a instituição poderia refletir sobre as perguntas: Temos nos voltado para a operacionalização de estratégias educacionais com foco na diversificação de atividades? Temos cumprido o compromisso de abandonar a perspectiva empobrecedora da educação bancária?

6.1.4. As narrativas de experiências pessoais e profissionais

Segundo se verificou, há disposição de professores e aceitabilidade de estudantes para a prática de narrativas de experiências pessoais e profissionais. Este aspecto é interessante para a articulação entre os tipos de conteúdo (conceituais, procedimentais, atitudinais) e, assim, contribuir com a atuação do professor preocupado em articular o melhor possível aspectos cognitivos e socioemocionais. A expectativa era que houvesse uma presença mais contundente do equilíbrio entre esses aspectos no cotidiano da atuação didático-pedagógica. No entanto, a pesquisa mostrou que não há. Por quê? Apesar das oportunidades que se oferecem por meio das narrativas de experiências, a ação docente cultiva o

516

distanciamento mínimo dos estudantes, estabelecendo-se uma lacuna que poderia ser preenchida pela pedagogia dialógica. Esta aproxima educador e educandos, com intenção educativa e, por desdobramento, contribui para articular aspectos cognitivos e socioemocionais. Com frequência, ações menos sofisticadas podem tomar curso no dia a dia das interações entre estudantes e professores. O estudante não gosta de narrativas de experiências pessoais? Então, por exemplo, por que ele também não pode fazer suas narrativas? Neste sentido, parece interessante a proposta de Pinar (2000) que, ao colocar o indivíduo no centro da discussão, converte currere num método curricular e, com natureza autobiográfica, possibilita ao docente estabelecer conexões entre o conhecimento escolar, sua história de vida e o desenvolvimento intelectual e profissional (PACHECO, 2009; SILVA, 2010). A autobiografia é uma alternativa interessante, que pode ser utilizada em conjunto com outras abordagens – apesar de ser ainda escassa a clareza da literatura com relação ao uso de tal recurso na educação de crianças e jovens (SILVA, 2010). No âmbito institucional, os cursos se propõem a formar professores para a comunicação, propondo-se a ser sensíveis ao capital cultural de estudantes que se preparam para atuar na educação básica. Portanto, buscam prepará-los para lidar com situações de encontro entre aspectos cognitivos e aspectos socioemocionais. Poderia ser realizada ampla reflexão pela Universidade: Em que medida possíveis iniciativas institucionais têm contribuído para haver uma comunicação mais eficaz e mais útil à ação docente? 6.1.5. A expectativa da prática sistematizada de feedbacks

Conforme a pesquisa, estudantes e alguns professores pretendem ter em seu cotidiano da vida acadêmica a maior utilização de feedbacks. Este desejo é relevante para estabelecer uma troca contínua de informações entre estudantes e professores ao redor de questões relacionadas ao processo educacional, especialmente sobre a interação social. Com este potencial, a expectativa era que a prática de feedbacks como componente da relação estudante-professor estivesse diluída no dia a dia de estudantes e professores. No entanto, a realidade não tem sido assim, conforme a pesquisa, mas sim atravessada por raros momentos de retornos. Considerando que as propostas formativas dos cursos são suportadas pela

517

intenção de articular informação e formação, pressupondo a busca do preparo dos estudantes para o diálogo por meio do diálogo, seria o caso de se promover ampla reflexão com foco na pergunta: Existem iniciativas institucionais voltadas para a prática continuada de feedbacks? Localizadas? Poderiam ser estendidas? Assim, conforme se constata, estas recomendações apresentam desafios tanto à ação docente como à ação institucional. Emergiram das questões elaboradas durante a pesquisa, tendo como base teórica as noções de experiência social (DUBET, 1994, 1998, 2013) e pedagogia dialógica (FREIRE, 1987, 1997, 2009). Constata-se que ações efetivamente direcionadas para a pedagogia dialógica oferecem-se como solução aos desafios postos à Universidade nestes tempos de desinstitucionalização. No entanto, se estas recomendações se caracterizam em sua essência por seu caráter pragmático, com o aproveitamento de potenciais, outras sugestões de ação desenham-se a partir da ideia de adoção de condutas dos diversos atores envolvidos no ato educativo. Isto é o que se apresenta a seguir.

6.2. MUDAR CONDUTAS: APROXIMAR-SE DO OUTRO, FORMAR

6.2.1. A questão da inércia do sistema educacional

A

pesquisa

constatou

que

os

participantes

assumem

uma

autorresponsabilidade pela maior interação social (embora não se concretize plenamente). Identificou-se entre os estudantes a percepção de que os professores assumem esta responsabilidade e, entre estes, identificou-se igual percepção com relação àqueles. Este é um fator importante para enfrentar tendências à inércia do sistema educacional, pois implica numa mobilização interna das pessoas envolvidas na ação educativa. Para aproveitar esta mobilização interna, e conforme se constatou pela pesquisa, torna-se necessária a adoção de algumas condutas, tais como: a) Antes de atribuir culpa ao Outro (estudante, professor, Universidade, governo), assumir-se como agente de transformação do mundo. b) Partir da concepção de que, em princípio, os estudantes são interessados pelo curso, com expectativas de se prepararem para o

518

mundo do trabalho e para serem cidadãos participativos – pensar o contrário implica em frear quaisquer iniciativas de mudança.

6.2.2. A questão da negação parcial do sujeito

Por meio da pesquisa, verificou-se que os estudantes são críticos, valorizam atividades de pesquisa e extensão (gostariam de participar mais) e sabem minimamente o porquê do curso (motivo da escolha). Simultaneamente, reconhecem a ação de alguns professores no sentido de incentivá-los a pesquisar e o esforço desenvolvido por alguns para diversificar atividades didático-pedagógicas. Estes fatores são relevantes para afirmar identidades sociais em meio à pluralidade de princípios, valores e normas, pois predispõem à maior aproximação com estes. No entanto, algumas condutas são essenciais, tais como: a) Manter atitude aberta, não dogmática, estimulando a curiosidade e espírito crítico. b) Reorganizar permanentemente a didática acadêmica.

6.2.3. A questão da tendência ao autoritarismo

Ficou evidenciado pela pesquisa que os professores utilizam como recurso didático-pedagógico a bem aceita prática, pelos estudantes, de narrar experiências pessoais e profissionais. Simultaneamente, estes mantêm a vontade de vivenciarem com mais frequência práticas de feedbacks. Neste contexto, estudantes reconhecem o esforço de alguns professores no sentido de passar experiências que contribuem para a melhor formação humana em meio à diversidade de princípios, valores e normas. Isto pode contribuir para estabelecer relações mais democráticas entre estudantes e professores. No entanto, seria o caso de buscar adotar certas condutas: a) Conduzir-se permanentemente segundo o ideal de horizontalização das relações entre educadores e educandos. b) Manter-se atento à necessária articulação entre saberes, valores e emoções, efetivo tripé da educação que forma para a integralidade humana.

519

c) Partir da concepção de que os processos de desinstitucionalização (envolvendo o ato de educar, socializar e credenciar) tendem para a irreversibilidade (efetivam o cenário em que educar é fragmentar as fronteiras entre informar e formar).

Enfim, considerando que, ao longo do tempo, a sociologia da reprodução tem sido substituída pelo estudo dos problemas sociais na escola e pela análise dos mecanismos internos a esta e, portanto, tendo a microssociologia vindo a substituir aquela de dados mais globais (DUBET, 2003), o que se atualiza neste trabalho é a questão fundamental da sociologia da reprodução: os sujeitos que sofrem com a reprodução reproduzirão?

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GLOSSÁRIO a) Termos 1. Adultez emergente – Período em que o indivíduo convive com incertezas, exploração de possibilidades no amor e no trabalho, tempo de grandes esperanças e sonhos, interstício entre o casamento e a paternidade. Apesar de querer casar, ter filhos e ter sua própria residência – o que representaria segurança e estabilidade –, o indivíduo que vivencia este processo sente-se como que perdendo sua independência, espontaneidade e possibilidades (ARNETT, 2004). A adultez emergente caracteriza-se como momento de exploração de identidades, instabilidade, foco em si próprio, sentimento de transição e abertura a possibilidades. Nesse período, o indivíduo prolonga a passagem para a vida adulta à medida que se percebe incapacitado para assumir determinadas responsabilidades. Decide a partir de sua subjetividade e não mais segundo o que lhe definem os adultos. Para chegar à idade adulta, ele precisa

se

sentir

autossuficiente,

independente,

capaz

de

assumir

responsabilidades, decidir sozinho e ter independência financeira. 2. Articulação

informar-formar



Ação

educativa

capaz

de

aproximar

conhecimentos teórico-práticos e desenvolvimento humano, portanto, sem restringir a formação à construção de conhecimentos. Possui como pano de fundo a integração entre saber e consciência, a ser realizada por meio do uso de princípios que organizam os saberes, de modo a evidenciar sentidos e desenvolver competências para colocar e tratar problemas. 3. Aspectos informativos e formativos da educação – A informação se refere a aquisições relacionadas a dados, ou conjuntos de dados, passíveis de ser transformados em conhecimentos ou consciência crítica. No entanto, a formação, a qual inclui a informação, tem relação com as aquisições favoráveis a que o indivíduo aprenda a conhecer, a fazer, a conviver, a ser. Mais do que tão somente

usar

a

capacidade

cognitiva

para

apreender

as

realidades,

racionalizando os processos de aquisição de saberes, significa a formação o ato de reunir num complexo de pensamentos e emoções os aspectos que dignificam o indivíduo perante os seus semelhantes, os outros seres vivos e o planeta.

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4. Autoritarismo – No nível macro, o termo autoritarismo pode significar “um método de fazer política no qual o governo é usado para controlar a vida de indivíduos em vez de estar submetido a controle democrático pelos cidadãos” (JOHNSON, 1997, p. 25). No micro, autoritário é aquele “que infunde respeito, obediência [e que é] a favor do princípio da submissão cega à autoridade” (HOUAISS, 2003, p. 455). Esta explicação, em que o termo autoritarismo se situa em dois níveis, guarda coerência com a perspectiva de Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004), para quem o adjetivo autoritário é empregado em três contextos: 1) denominam-se autoritários os sistemas políticos que priorizam a autoridade governamental e reduzem o consenso; 2) fala-se de alguém com personalidade autoritária quando este alguém apresenta características resultantes do acoplamento entre, de um lado, obediência e, de outro, arrogância e desprezo pelo outro; 3) identificam-se como autoritárias certas ideologias que negam a igualdade entre os seres humanos, enfatizando o princípio hierárquico, propondo regimes autoritários e exaltando as virtudes de indivíduos autoritários. 5. Conduta – Aglutina dois conceitos: comportamento e atitude. Comportamento entendido como fachada – um valor social positivo assumido por uma pessoa e por ela reivindicado para si através de padrões verbais e não verbais, com os quais ela expressa suas opiniões (GOFFMAN, 2012). Atitude entendida como “orientação cultural em relação a alguma coisa que nos predispõe não só a pensar nela de maneiras particulares, mas também a alimentar sentimentos positivos ou negativos sobre a mesma” (JOHNSON, 1997, p. 21). 6. Currículo – A partir de Pacheco (2005, p. 33), o currículo seria “um todo organizado em função de propósitos educativos e de saberes, atitudes, crenças e valores que os intervenientes curriculares trazem consigo e que realizam no contexto das experiências e dos processos de aprendizagem formais e/ou informais”. 7. Diálogo – No sentido ontológico, diálogo é relação, é testemunho, do qual se origina e finaliza a existência humana. Uma atitude existencial do encontro face a face (BUBER, 2009). Tem o significado weberiano de comportamento reciprocamente referido quanto ao sentido dos conteúdos elaborados por dois ou mais agentes (WEBER, 1999). Funda e se converte em relacionamentos

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reais, estes pautados nos compromissos assumidos pelos indivíduos entre si, melhorando o convívio no líquido cenário da vida moderna (BAUMAN, 2004). O diálogo ao qual se refere permite captar o logos de um pelo outro e o logos do outro pelo um (MENDES, 1968). Ele une logos e práxis (BUBER, 2009) e, se toda vida atual é encontro (BUBER, 2009), o diálogo, então, seria o “encontro dos homens [sic], mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, assim, na relação Eu-Tu” (FREIRE, 1987, p. 78), sendo constituído, fundamentalmente, pelo amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico. No sentido estrito de articulação, neste trabalho, diálogo significa ações de aproximação entre os diversos âmbitos da educação superior, tais como as vinculações entre a educação básica e a educação superior; ensino, pesquisa e extensão; universidade e alunos jovens; dentre outros. 8. Diálogo com os jovens na escola – Antes de ser apenas transmissão de conteúdos, a educação é problematizadora, portanto, dialógica e, por ter o diálogo em sua essência, considera a relação Eu-Tu e o mundo nesta relação (FREIRE, 1987). Este, o diálogo do qual necessita o aluno na escola. 9. Diálogo com os jovens na universidade – A universidade é historicamente o lugar do diálogo. Se os jovens têm em geral a característica da indagação, então se deve atribuir para eles o direito de por no diálogo (fundamento da universidade) a novidade de sua indagação, bem como sua visão, elaborada a partir de novas raízes, e a originalidade de sua apercepção (no sentido herbartiano do termo), em que mais poderoso é o que se projeta de dentro, não os elementos internalizados de fora (MENDES, 1968). 10. Educação bancária – Posição educativa que transforma o ser humano em coisa, fazendo do processo educacional o ato permanente de depositar conteúdos, em que o depositante é o educador e o depositário é o educando. Faz deste processo o ato de estocar informações. Como se fosse possível colmatar a mente humana, supostamente repleta de fendas por onde circulariam informações a valer. Ao invés de superar a contradição educador-educando, enfatiza-a; portanto, serve para domesticar o ser humano. Porque não supera esta contradição, a educação bancária leva a que: 1) o educador é sempre quem educa e, o educando, quem é educado; 2) o educador é quem disciplina e, o educando, o disciplinado; 3) o educador é quem fala e, o educando, quem

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escuta; 4) o educador prescreve e, o educando, aquele que segue a prescrição; 5) o educador escolhe o conteúdo dos programas e, o educando, recebe-o na forma de depósito; 6) o educador é sempre quem sabe e, o educando, quem não sabe; 7) o educador é o sujeito do processo e, o educando, seu objeto (FREIRE, 1969, p. 128). 11. Escola e universidade – Uma escola funda-se no encontro entre educadores e educandos que, na troca de experiências, se desenvolvem em diferentes áreas. A cognitiva, a afetivo-emocional, a motora, a social e a profissional (MASETTO, 1997). A universidade, especificamente, funda-se em sua convivência com o mundo inteiro e na relação com a sociedade, no cotidiano construído por professores e alunos, na colaboração de funcionários, na ação contextualizada no meio onde se insere (BUARQUE, 1994). 12. Experiências sociais – Experiências sociais são condutas coletivas e individuais perpassadas pela heterogeneidade de seus princípios constitutivos e pela ação de cada indivíduo, responsável este por construir o sentido de suas práticas no interior desta heterogeneidade. Papéis, posições sociais e culturais não mais estariam definindo componentes estáveis da ação porque as condutas se organizariam na heterogeneidade de princípios culturais e sociais, com os indivíduos trazendo consigo uma multiplicidade de orientações. Torna-se objeto socialmente determinado porque se inscreve na objetividade do sistema, ainda que ela seja a combinação subjetiva de vários tipos de ação (DUBET, 1994). 13. Experiências sociais do jovem universitário – Condutas do jovem universitário, construídas em meio a vivências externas e internas à universidade, perpassadas pela heterogeneidade de princípios, obrigando o jovem a encontrar sentido em sua ação. Processo por meio do qual ele constrói identidades, conforme os modos como internaliza os valores, como influencia os outros e como se empenha na cultura. Por exemplo: um jovem visa a obter trabalho.

Profissionalizando-se,

espera

obtê-lo.

Credenciando-se

pela

universidade, espera melhorar a situação sociolaboral. Estas expectativas obrigam-no a socializar-se, em meio às condutas e às dificuldades do emprego imediato. Obrigam-no a adotar comportamentos à medida que internaliza regras de um jogo pelo qual compete com outros jovens, no contexto da dificuldade de expressar subjetividades (DUBET, 1994).

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14. Experiências sociais do professor universitário – Condutas construídas a partir de vivências externas e internas à universidade, na heterogeneidade de princípios, obrigando o professor a encontrar sentido no que faz. Processo por intermédio do qual ele define identidades de acordo com a internalização de valores, com as probabilidades de influenciar os outros e com o empenhamento na cultura. Por exemplo: o professor busca desenvolver-se pessoal e profissionalmente. Espera que a instituição implemente políticas claras de desenvolvimento. Que contribua para concretizar o ensino voltado para aprender a aprender, realizar pesquisas, melhorar habilidades pedagógicas, renovar currículos e métodos de ensino. Socializando expectativas e condições objetivas, assume comportamentos coerentes com uma dinâmica com intencionalidade racional, estruturas culturais e subjetividade (DUBET, 1994). 15. Identidade social – No nível explícito é a ação do indivíduo que interage com os outros ao lançar mão de valores e sentidos, em meio a diversos sistemas culturais. No nível implícito é o autoconceito construído pelo indivíduo com base nos status sociais ocupados por ele (JOHNSON, 1997). No mundo atual, caracteriza-se pela fragmentação e contraditoriedade, ora predominando valores, que se constituem numa herança cultural; ora interesses, que sofrem os constrangimentos de uma intencionalidade racional; ora representações culturais, as quais têm limite na capacidade crítica dos indivíduos (DUBET, 1994). 16. Inércia do sistema educacional – Por inércia entende-se toda “falta de reação, de iniciativa, imobilismo, estagnação, apatia” (HOUAISS, 2003, p. 2088). É mais do que inação, o “estado de inércia passageiro, que cessa logo que desaparece a causa acidental” (POMBO, 2011, p. 16). É o antônimo de atividade. Portanto, implica a ausência da ação própria do agente que a produziria. Por sua vez, o termo sistema é compreendido como conjunto de códigos, relações sociais, interesses, valores, crenças, que contribuem para formar a identidade social dos indivíduos. É compreendido como “combinação de elementos cuja unidade resulta da capacidade política dos atores” (DUBET, 1994, p. 156). Neste sentido, constata-se a inércia de um sistema educacional quando, por exemplo, mudamse os tempos, mudam-se as vontades, mudam-se os políticos, mudam-se os programas, mas, depois, há efetivamente a queixa de que as coisas não

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mudaram no dia a dia dos envolvidos no processo educativo – perduram códigos e hábitos, mantêm-se as relações de poder. 17. Interação das experiências sociais – Toda e qualquer aproximação entre condutas individuais ou coletivas que, por se objetivarem em sistemas relativamente autônomos, são passíveis de análise, e que mostra certo sequenciamento, sendo viabilizada por meio da inter-relação de valores, interesses e representações culturais que mobilizam os envolvidos na construção dessas condutas (DUBET, 1994). 18. Interação das experiências sociais de jovens alunos e de professores universitários – A interação das experiências sociais pode ser identificada e analisada no âmbito em que se desenvolvem as vinculações causais entre tais experiências e os sistemas (DUBET, 1994). Nesse âmbito, torna-se possível identificar a real sequência de diálogos, envolvendo condutas, escolhas e interferências entre estes e o sistema. isto porque uma interação ocorre somente se houver pontos comuns entre os que dialogam. Na sala de aula, envolve sequência de diálogos face a face, marcação de posições entre alunos e professores conforme interesses, coerência entre discursos e conduta. Pode contribuir para uma pedagogia problematizadora (FREIRE, 1987, 2009). Na sala de aula da universidade, a interação envolve saberes, diálogo entre universidade e educação básica e entre ensino, pesquisa e extensão. 19. Interação social na sala de aula – A interação social se constitui numa sequência de diálogos presentes nos encontros face a face, por meio dos quais os indivíduos marcam posições – embora esta também ocorra na ausência de diálogo –, tendo como referência a situação projetada diante uns dos outros. A interação social face a face, desenvolvida na sala de aula, compatível com as necessidades de alunos e professores presentes na sociedade pós-moderna, tardia, em rede, exige dos envolvidos no ato educativo a capacidade para dialogar, considerando as experiências sociais de alunos e professores, construídas não só no ambiente interno da escola, como também no ambiente externo. Enfim, a interação social na sala de aula se fundamenta no diálogo que mixa as condições sociais dos indivíduos (GOFFMAN, 2011, 2012). 20. Jovem – No âmbito internacional, os jovens pertencem à faixa da população com idade entre 15 e 24 anos (ONU, 1981). No Brasil, eles fazem parte da

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população de 15 a 29 anos de idade (BRASIL, 1990, 2005, 2013). Dessa perspectiva, relativamente homogeneizadora, juventude seria o grupo de pessoas participantes do período de vida iniciado na adolescência, com avanço até à idade adulta. Entretanto, os jovens participam de classes sociais e situações econômicas de maneira desigual, têm díspares interesses e mudam rapidamente os modos de relacionamento. Dessa outra perspectiva, a juventude seria um conjunto social formado por pessoas de situações sociais diferenciadas (PAIS, 2003). 21. Jovem universitário – O jovem universitário brasileiro pode ser representado por aluna que estuda em instituição privada, tendo ingressado na educação superior com 19 anos de idade em curso presencial noturno e optado por bacharelado (BRASIL, 2012c). Precisa ter concluído o ensino médio, não obedecendo a critério de idade mínima (BRASIL, 1996), e ter sido aprovado em processo seletivo para ingressar na educação superior (BRASIL, 1996). Necessita superar barreiras estruturais, se quiser ingressar na educação superior (BRASIL, 1996, 2009, 2009b). Condiciona-se a aprender a se defender para não se eliminar ou ser eliminado (COULON, 2008), se ele quiser permanecer na educação superior, ou seja, envolve processo de socialização específica para aprender o métier do estudante. Vivencia dificuldades para conciliar trabalho profissional com estudos. 22. Lógicas de ação – Segundo uma concepção clássica, o indivíduo orienta sua ação tendo como referência o comportamento dos outros, ocorrido no passado, presente ou por ele esperado para o futuro. Seguiria uma lógica racional referente a fins, baseada no cálculo racional para estabelecer fins e organizar meios para alcançá-los; outra racional referente a valores, fundamentada na crença consciente no valor (seja ético, estético, religioso ou outros); outra afetiva, em particular o emocional, com fundamento nos afetos ou estados emocionais; e, finalmente, outra tradicional, definida por tradições e costumes (WEBER, 1999). Segundo uma noção contemporânea, o indivíduo orienta sua ação e vivencia relações sociais não conforme lógicas de ação hierarquizadas em função de necessidades. Sua ação e vivências seriam autônomas, construídas na pluralidade de valores e na ruptura (DUBET, 1994).

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23. Modernidade – Ideologia ocidental que busca eliminar quaisquer obstáculos ao triunfo da razão. Para os modernistas, se vencidos esses obstáculos, seria o mundo habitado por uma nova sociedade e por um novo ser humano. Para uns, esta habitação seria viabilizada pelo socialismo científico; para outros, pelo abandono da moral religiosa ou pelo conhecimento das leis da natureza, embora se deixando invadir pelo prazer da submissão à ordem natural das coisas (TOURAINE, s/d). O pensamento moderno pressupõe o ser humano capaz de buscar e alcançar a verdade. Com ele, diferenciaram-se as esferas culturais de valores, a noção weberiana que distingue arte, moral e ciência (TOURAINE, s/d; WEBER, 1984; WILBER, 2006). 24. Negação parcial do sujeito – O ato de negar alguma coisa significa, dentre outras explicações, “recusar-se a admitir, não reconhecer, não consentir, deixar de lado, deixar de revelar” (HOUAISS, 2003, p. 2599). Por sua vez, o termo sujeito quer aqui significar a síntese de uma identidade subjetiva, esta compreendida como empenhamento em modelos culturais internalizados pelo indivíduo. Assume-se que a identidade subjetiva provoca uma reserva do indivíduo quanto ao papel exercido e à posição que ocupa na sociedade, pois a identificação com o sujeito cultural impede a plena adesão do indivíduo ao Ego, ao Nós e aos interesses. Assume-se que o ator se revela como sujeito na crítica, no empenhamento, no distanciamento (DUBET, 1994). Considerando esses entendimentos, constata-se a negação parcial do sujeito quando, por exemplo, numa relação inter ou intragrupos, os envolvidos nas relações estabelecidas têm, por determinado período, a recusa, o não reconhecimento, o abandono da capacidade de crítica cognitiva ou normativa direcionada para os processos de socialização. Nega-se, por uns e outros, a capacidade de pensar, sentir e agir. 25. Pedagogia dialógica – Caracteriza-se pela presença do diálogo como relação horizontal, sedimentando a confiança dos envolvidos entre si. Este diálogo é nutrido pelo amor, humildade, fé, esperança e pensar crítico. Nesta pedagogia, o indivíduo dialoga horizontalmente só quando ama o mundo, ama a vida, ama o ser humano. Dialoga só quando, com humildade, admite a superação de si, a contribuição do outro, a humanidade do outro na medida da sua e a ignorância do outro na medida da sua. Só quando possui uma intensa fé na vocação humana de ser mais, fé na capacidade de fazer e se refazer, bem como na

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capacidade humana de superar quaisquer impedimentos à ação transformadora do mundo. Só quando tem esperança, porque se reconhece imperfeito e, por isto, parte em eterna busca de ser mais na companhia dos outros. Só quando, exercendo um pensar crítico, reconhece a solidariedade entre os indivíduos, pois pensa a relação Eu-Tu e Eu-Isso criticamente, pensa a realidade como processo, banha-se continuamente de temporalidade (FREIRE, 1987). Esta caracterização do diálogo guarda uma profunda correspondência com algumas características humanas, a saber: pensar, sentir, agir e transcender. Na verdade, a pedagogia dialógica pressupõe que a educação é um momento do percurso de humanização dos indivíduos (FREIRE, 1969). 26. Pós-adolescência – Período de vida durante o qual o indivíduo alterna momentos de independência e de dependência à família por meio da qual se socializou. É o período em que ele conclui sua formação acadêmica, inicia sua vida profissional, sai da casa dos pais e constitui nova família (GALLAND, 1997). 27. Pós-Modernidade – Em sentido amplo, significa o não rompimento com a modernidade, o aprofundamento desta, seja como reação, contrapeso ou continuação. Em sentido estrito ou técnico, significa o rompimento com a modernidade a partir da noção de que não existe verdade, mas interpretações construídas socialmente (LYOTARD, 1988, 2000). 28. Professor universitário – O professor universitário brasileiro pode ser representado majoritariamente por indivíduo do sexo masculino. Caso trabalhe numa instituição pública, tem 45 anos, é doutor e trabalha em tempo integral. Caso atue numa instituição privada, ele tem 33 anos, é mestre e horista (BRASIL, 2012c). Precisa participar da elaboração da proposta pedagógica, elaborar e cumprir plano de trabalho, zelar pela aprendizagem dos alunos, buscar a recuperação de alunos com menor rendimento e participar dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional. 29. Relação

social



Segundo

uma

definição

weberiana,

trata-se

do

comportamento ao qual se referem os atores, que passam a se orientar por esta referência (WEBER, 1999), o que torna a relação social um componente definidor da ação (DUBET, 1994). No entanto, não se confundam ação social e relação social. Se a primeira se refere ao comportamento de outras pessoas, a

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segunda remete para a atitude destas. Por exemplo, é uma ação social quando o professor explica conteúdos na sala de aula, assim como é ação social quando o aluno anota as explicações. É relação social quando aluno e professor compartilham sentidos que desenvolvem ao redor desses conteúdos. 30. Sala de aula – A sala de aula constitui-se em qualquer espaço físico no qual se encontram frente a frente alunos e professor, mediados pelo mundo (FREIRE, 1987), podendo este espaço ser um lugar entre paredes (a própria sala em si, laboratório ou biblioteca) ou um lugar aberto (uma quadra, uma praça ou uma rua), desde que o centro do encontro seja o fenômeno da educação escolar (VASCONCELLOS, 1999). Mais do que espaço físico onde o aluno absorve as informações do professor, constitui-se num local em que dialogam ideias e vivências, tanto dos alunos como do professor (MORAIS, 1988), onde se realizam atividades, onde se lê e se escreve. Onde se conversa. 31. Sistema – Conjunto de códigos, relações sociais, interesses, valores, crenças, que contribuem para formar a identidade social dos indivíduos. Embora heterogêneo quanto aos aspetos envolvidos em sua constituição, compõem-se de elementos autônomos segundo lógicas de ação diferenciadas. Há os sistemas de integração, de interdependência e de ação histórico (DUBET, 1994). 32. Subjetividade – Em termos sociológicos, compreende-se a subjetividade como atividade social decorrente da perda da adesão à ordem do mundo, ao logos. Compreendida como liberdade do indivíduo para testemunhar a própria experiência social e a gestão de várias lógicas. Portanto, uma compreensão que se distancia da ideia de reflexo, na perspectiva da consciência, e de fluxo contínuo, da perspectiva do sentimento (DUBET, 1994). 33. Vinculações causais – São mecanismos de ligação entre ação e sistemas que, dependendo da natureza das relações de causalidade, podem situar-se nos processos socialização, jogo e dialético. A socialização compreende as condutas individuais ou coletivas para além da racionalidade presente nas opções vinculadas ao social. O jogo abrange os constrangimentos da intencionalidade racional e estratégica dos atores. O mecanismo do tipo dialético se refere às tensões entre a adesão desses atores a valores já estabelecidos e o distanciamento das estruturas sociais. De modo que, na socialização, o limite da ação individual ou coletiva está na herança cultural; no jogo, está na

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intencionalidade racional; no dialético, está na capacidade crítica dos atores (DUBET, 1994). b) Expressões de outros idiomas Alemão: Bildung – educação, instrução, cultura, formação, organização. Eingeleitet – agir na espontaneidade da tradição (ARON, 2003). Erfahrung – experiência, prática. Erlebnis – vivência, experiência, emoção. Lebenswelt – mundo da vida; mundo vivido. Soziale Beziehung – relação, referência, ligação, relacionamento, pertinência, sentido, aspecto, respeito. Wandervogel – pássaro errante. Principal referência: Dicionário de alemão-português (DICIONÁRIO EDITORA, 2009).

Espanhol: Diseños Curriculares Base – Desenhos curriculares de base. Principal referência: Diccionario Salamanca: español para extranjeros (GUTIÉRREZ CUADRADO, 2006).

Francês: Collège – estabelecimento do primeiro ciclo do ensino secundário na França (corresponde atualmente no Brasil às séries finais do ensino fundamental). Lycée – estabelecimento do segundo ciclo do ensino secundário na França (corresponde atualmente no Brasil ao ensino médio). Métier – ofício, profissão, mister. Principal referência: Dicionário francês-português, português-francês (RÓNAI, 2012).

Grego: Ágora – praça principal na polis, a cidade grega da Antiguidade clássica.

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Ethos – caráter, conjunto de hábitos ou crenças que definem uma nação ou um grupo de individualidades. Característica de um grupo de indivíduos pertencentes à mesma comunidade. Logos – racionalidade que controla o universo, conforme a filosofia clássica. Maiêutica – arte de conduzir o interlocutor, por meio de perguntas sequenciadas, a descobrir conhecimentos já tidos por ele sem que o soubesse. Pós-alfa – após (primeira letra do alfabeto grego). Práxis – ação e reflexão (FREIRE, 1987, 2009). Techne – formação técnica, no sentido de uma profissão (JAEGER, 2001). Telos – tendência de todos os seres para seguir naturalmente um fim. Principal referência: Dicionário de grego-português (MANIATOGLOU, 2012).

Inglês: Burn out – estar queimado (MARCHESI, 2008). Bottom up – de baixo para cima. Cross-case – caso cruzado. E-mail – correio eletrônico. Flash – clarão; instante. Folder – prospecto. Iceberg – bloco de gelo. On-line – em linha. Partnership – sociedade, parceria. Punk – movimento musical e cultural (SAVAGE, 2009). Puzzle – quebra-cabeças. School curriculum – currículo da escola. Shopping – compras. Show – apresentação. Street curriculum – currículo da rua. Swing – estilo musical com liberdade de movimentos. Tablet – originalmente significa placa fina de madeira ou pedra usada para escrever. Neste trabalho se refere a equipamento eletrônico portátil. Teenager – adolescente. Top down – de cima para baixo.

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Web – teia, rede. Zapping – geração que faz tudo ao mesmo tempo (DICK, 2003). Principal referência: Dicionário Larousse inglês-português: avançado (GÁLVEZ, 2009).

Latim: A posteriori – o que está após uma ação, considerando-se o tempo ou o espaço. A priori – que está adiante no tempo ou no espaço. Carpe diem – colher, gozar, recolher o dia. Continuum – contínuo, consecutivo, ininterrupto. Conversatio – uso frequente de alguma coisa, habitação, intimidade. Currere – correr, percorrer. Curricula – carreira, campo. Curricula vitae – currículo de vida. Curriculum – corrida, carreira, lugar onde se corre. Et alii – e outros. Habitat – habitação, morada, residência. Habitus – hábito. No entanto, com base em Bourdieu (1964), o termo designa um sistema aberto de disposições, ações e percepções adquiridas pelos indivíduos durante o tempo em que desenvolvem suas experiências sociais, envolvendo as disposições para pensar, sentir e agir. Idem – o mesmo, a mesma. Lato sensu – sentido amplo. Locus – lugar, local, posição, situação. Minimum minimorum – o mínimo dos mínimos. Modus tollens – modo de negar. Per capita – por pessoa, por indivíduo. Psique sana – que tem saúde, que está bom (quanto à mente). Sic – assim, desta maneira, eis como. Sine qua non – sem o qual não pode ser. Status – posição social, situação, condição, estado. Status quo – estado atual. Stricto sensu – sentido estrito.

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Versus – volta, verso. Principal referência: Dicionário de latim-português (ALMEIDA, 2012).

c) Expressões informais do idioma português Bacana – jovem estudante que aprecia a convivialidade e a excitação permanente. Balda – jovem estudante que vive alheio ou repulsivo ao sistema escolar. Canudo – diploma. Curtição – prazer. Ganchos e biscates – atividades profissionais precárias ou ilícitas. Graxa – jovem estudante com pouca disposição para se sacrificar em nome de boas classificações na escola (boas notas e bons conceitos perante colegas e professores). Marrão – jovem estudante que se dedica muito a decorar (memorizar) matérias. Tachos – atividades profissionais bem pagas que dependem da intermediação ou influência de outrem. Trajetória ioiô – trajetórias reversíveis, caracterizadas por idas e vindas que se sucedem em intervalos de tempos monocromáticos ou policromáticos os quais, respectivamente, institucionalizam (como a família, a escola e o trabalho) e sociabilizam. Varinha do amor – paixão. Referências: definições retiradas de Culturas Juvenis (PAIS, 2003) e Ganchos, tachos e biscates (PAIS, 2005). d) Variações/adaptações Internetês – linguagem da internet. Disc-jóquei – indivíduo que mixa músicas enquanto elas são tocadas. Fonte: linguagem coloquial.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – PROTOCOLO DO ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS

1. Visão geral do estudo de casos múltiplos

a) Tema: diálogo, tendo como situação concreta para investigar a interação entre

experiências

sociais

de

jovens

estudantes e

de

professores

universitários. b) Objetivo: investigar aspectos relevantes da possível dinâmica de interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores no âmbito do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade. c) Justificativas para desenvolver a pesquisa: I. Perspectiva prática e teórica: contribuirá com discussões em torno da construção da pedagogia dialógica nas universidades e do currículo que dialogue com os estudantes jovens (FREIRE, 1987) a partir de vivências e oportunidades emergentes ou geradas na sala de aula. II. Perspectiva teórica: clarificará, confirmará ou infirmará, podendo ainda enriquecer, as concepções de Dubet (1994) a respeito da sociologia da experiência. III. Perspectiva metodológica: contribuirá para compreender os rigorosos percursos que caracterizam o estudo de caso, desmistificando opiniões de que ele serve apenas como ferramenta de pesquisa preliminar ou como estratégia exploratória de uma investigação. d) Estratégia metodológica: pesquisa qualitativa, exploratória, com um estudo de casos múltiplos. e) Critérios de escolha dos participantes: perfis diferenciados, proporcionando mais oportunidades de estabelecer padrões de descobertas entre os casos estudados. I.

Alunos: necessariamente ser participativo nas aulas e ter até 29 anos de idade. Desejável, mas não necessário que participe de projetos de pesquisa científica e de extensão. Outros critérios como sexo, média das notas obtidas no último semestre, repetência e evasão dos estudos poderão ser considerados. Escolhidos com a colaboração da direção dos cursos e professores participantes.

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II. Professores: necessariamente ter gosto de oferecer opiniões sobre o processo educacional. Desejável, mas não necessário que participe de projetos de pesquisa científica e de extensão. Poderão ainda ser considerados critérios como formação pedagógica, trajetória acadêmica e profissional, sexo, área de conhecimento das disciplinas ministradas, tempo de docência e idade. f) Conceitos relevantes para desenvolver a pesquisa (ver Glossário): Adultez emergente, Aspectos informativos e formativos da educação, Currículo, Diálogo, Diálogo com o jovem na escola, Diálogo com o jovem na universidade, Escola e universidade, Experiências sociais, Experiências sociais do jovem universitário, Experiências sociais do professor universitário, Interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários, Interação social na sala de aula, Jovem, Jovem universitário, Lógicas

de

ação,

Modernidade,

Pós-adolescência,

Pós-Modernidade,

Professor universitário, Relação social, Sala de aula, Sistema, Subjetividade, Vinculações causais. g) Principais referências para realizar a pesquisa: Apêndice B, Quadro 38. h) Estrutura teórica para o estudo de casos múltiplos: I.

Fenômeno contemporâneo: interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores na sala de aula das universidades.

II. Limites entre o fenômeno pesquisado e o contexto onde ele se situa: são difusos, presentes ou não no processo educacional desenvolvido na sala de aula das universidades. III. Coleta/geração e análise de dados: i. Haverá

mais

aspectos

de

interesse

do

que

os

dados

coletados/gerados: preocupações de estudantes e professores deverão compor o não dito, cabendo ao pesquisador desvelar estas preocupações. ii. Haverá triangulação das fontes de dados: poderá contar com dados e informações de estudantes em cadernos, bem como os constantes nos PPCs e PEs, folders, avisos em murais e página da Universidade na Internet.

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iii. Contarão com as proposições teóricas desenvolvidas enquanto ocorre a pesquisa: os relatos de vida serão replicados, e após serão elaborados relatórios parciais.

2. Coleta e geração de dados

a) Observação direta I.

Pessoas de contato: diretores dos cursos, professores e funcionários.

II. Locais das aulas em que ocorrerão as observações: Universidade privada em horários a combinar com os professores participantes. III. Cronograma: agosto a outubro de 2013. IV. Itens do roteiro: Apêndice C. V. Evidências esperadas: menções de estudantes e professores, referindose a vivências que podem ser as relacionadas com trabalho, cidadania, lazer, dentre outras; condutas (ou menções a elas) que visem a resolver as tensões entre as lógicas de ação que utilizam nessas vivências. VI. Atitudes esperadas dos participantes: espontaneidade e manifestação de características que contribuam para delinear identidades sociais. b) Relatos de vida e replicações I.

Pessoas de contato: diretores dos cursos, professores e estudantes selecionados.

II. Locais dos encontros: Universidade privada/direção dos cursos e, no caso das entrevistas, de preferência nas salas onde se desenvolverão as aulas, em horários diferentes destas. III. Cronograma: agosto a outubro de 2013. IV. Itens dos roteiros: Apêndice C. V. Evidências esperadas: espera-se que os participantes mencionem vivências relacionadas com o trabalho, a cidadania, o lazer, dentre outros, e seus impactos no processo educacional desenvolvido na sala de aula da Universidade. Espera-se que mencionem dificuldades, aspirações e soluções e se refiram a vivências que contribuam para sua socialização, bem como para lidar com o jogo de interesses e com as dificuldades de expressão de subjetividades; condutas e ações (intra e extrassala de

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aula), inclusive aquelas das quais se utilizam para resolver tensões que se estabelecem entre as lógicas de ação e aquelas que favorecem a interação social com colegas e professores no contexto em que se desenvolve o processo educacional. VI. Atitudes esperadas dos participantes: espontaneidade, entusiasmo, confiança, dentre outros. c) Análise crítica e interpretativa de documentos I.

Documentos a serem analisados: PPCs dos cursos selecionados e PEs das disciplinas ministradas pelos professores participantes.

II. Locais das análises: de preferência na biblioteca da Universidade onde ocorrerá a pesquisa. III. Cronograma: outubro a novembro de 2013. IV. Itens do roteiro: Apêndice C. V. Evidências esperadas: espera-se identificar aspectos do processo educacional planejado para as aulas envolvidas na pesquisa, que o caracterizem

como

algum

composto

de

sistemas

relativamente

autônomos; aspectos relacionados à construção das lógicas de ação utilizadas por estudantes e professores; aspectos que direcionem para uma prática didático-pedagógica capaz de articular aspectos informativos e formativos da educação. d) Proteção dos participantes: a pesquisa não trará riscos e desconfortos aos participantes, que não necessitarão arcar com gastos decorrentes de sua participação e terão assegurados o sigilo e a privacidade quanto aos dados envolvidos na pesquisa (Apêndice H). e) Eventos a serem considerados: vivências, como as que se relacionam com o trabalho, a cidadania, dentre outros; experiências sociais desenvolvidas na sala de aula da Universidade. f) Instrumentos sujeitos a revisão no local da coleta e geração de dados: os roteiros de observação direta e de entrevista poderão ser adaptados às situações encontradas. g) Preparação dos encontros: I.

Apresentar-se aos diretores dos cursos.

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II. Solicitar indicação de estudantes e professores que farão parte da pesquisa. III. Solicitar sugestão de data para realizar a coleta de dados por meio das observações diretas. IV. Após a realização das observações diretas, já agendar com estudantes e professores as possíveis datas para realizar as entrevistas (pegar endereço eletrônico e telefones). V. Imprimir instrumentos de coleta e geração de dados.

3. Questões de pesquisa

a) Questões de nível 1, de baixa abrangência, elaboradas durante o relato central de cada participante, e feitas no mesmo encontro, incluindo assuntos específicos narrados durante a entrevista. As respostas serão obtidas com a análise dos dados gerados nos relatos de vida. b) Questões de nível 2, de média abrangência, limitando-se ao corpo discente e ao corpo docente, elaboradas previamente, perpassando os instrumentos de coleta e geração de dados. As respostas serão obtidas com a análise dos dados gerados nos relatos de vida e nas replicações, bem como dos dados coletados nas análises interpretativas e críticas. I. Existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula? Quais as manifestações mais correntes dessa interação? Caso exista essa interação, quais seriam as vinculações causais entre as experiências sociais e os sistemas que compõem o processo educacional? Quais seriam as semelhanças e as diferenças entre essas vinculações causais? Em que medida essa possível interação atenderia aos quatro pilares da educação para o século XXI? Quais as lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes e professores na sala de aula? Como ocorre a conexão entre elas? II. Existe articulação entre os aspectos informativos e os formativos da educação na sala de aula e, em existindo, como se manifesta e em que medida contribui para a interação entre as experiências sociais de jovens estudantes e de professores?

570

i. Observação: as respostas às questões I e II, antes mencionadas, serão obtidas com as análises dos dados coletados por intermédio de observações diretas e análise crítica e interpretativa dos PPCs e PEs; com as análises dos dados gerados por meio dos relatos de vida e replicações. III. Quais as percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito da interação entre as experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula? IV. E como percebem os diálogos desenvolvidos na sala de aula? c) Questões de nível 3, de grande abrangência, alcançando o padrão das descobertas dos casos únicos, elaboradas e respondidas após as análises dos dados coletados e gerados. d) Questões de nível 4, de total abrangência, alcançando todo o estudo, elaboradas com o apoio da literatura afeta ao assunto (podendo incluir recomendações), com o suporte das análises dos dados coletados e gerados.

4. Análise de dados

a) Estratégia geral: seguirá as proposições teóricas que levaram ao estudo de casos múltiplos, contribuindo para focar a atenção do pesquisador em certos dados.

b) Técnicas: análise de conteúdo e valência das experiências sociais para as questões de níveis 1 e 2; síntese cruzada de casos para as questões de níveis 3 e 4.

5. Esboço do relatório de estudo de casos múltiplos

a) Público para o relatório da pesquisa: especialistas em educação, professores, alunos e sociedade em geral. b) Formato: apresentará as descrições e as análises por caso único com respectivas conclusões e, posteriormente, o cruzamento de informações e conclusões finais.

571 APÊNDICE B – METODOLOGIA: BALIZADORES DA PESQUISA Quadro 37 – Temas, questões de pesquisa, objetivos específicos e técnicas. Temas principais

Questões de pesquisa

Objetivos específicos/Técnicas

Modernidade Pós-Modernidade Lógicas de ação Experiências sociais Sistemas Vinculações causais Juventude Diálogo Diálogo com os jovens Currículo Jovem universitário Professor universitário Desinstitucionalização Diálogo na universidade Interação social na sala de aula Interação social na sala de aula Identidade social Experiências sociais de jovens universitários Experiências sociais de professores universitários Interação das experiências sociais

Existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula? Quais as manifestações mais correntes dessa interação? Caso exista essa interação, quais seriam as vinculações causais entre as experiências sociais e os sistemas que compõem o processo educacional? Quais seriam as semelhanças e as diferenças entre essas vinculações causais? Em que medida essa possível interação atenderia aos quatro pilares da educação para o século XXI? Quais as lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes e professores na sala de aula? Como ocorre a conexão entre elas?

a) Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. b) Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. Técnicas: Observação direta e relato de vida.

Continua.

c) Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade. Técnicas: Observação direta, relato de vida e análise interpretativa e crítica. d) Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade. e) Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade. Técnicas: Observação direta e relato de vida. f) Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade.

572 Continuação Quadro 37. Temas principais Aspectos informativos e formativos da educação Quatro pilares da educação para o século XXI Currículo Diálogo com os jovens Diálogo com os jovens na escola Currículo Diálogo com os jovens na universidade

Questões de pesquisa Existe articulação entre os aspectos informativos e os formativos da educação na sala de aula e, em existindo, como se manifesta e em que medida contribui para a interação entre as experiências sociais de jovens estudantes e de professores? Quais as percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito da interação entre as experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula? E como percebem os diálogos desenvolvidos na sala de aula?

Objetivos específicos/Técnicas g) Verificar se existe articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. h) Verificar como se desenvolve a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. Técnicas: Observação direta, relato de vida e análise interpretativa e crítica. Observação direta e relato de vida. i) Averiguar em que medida a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação, desenvolvida na sala de aula da universidade, contribui para a interação das experiências sociais de jovens estudantes e de professores. j) Averiguar em que medida a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores atende aos quatro pilares da educação para o século XXI. Técnicas: Observação direta, relato de vida e análise interpretativa e crítica. k) Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade. l) Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito de diálogos desenvolvidos por eles na sala de aula da universidade. Técnicas: Relato de vida.

Fonte: elaboração do autor.

573 Quadro 38 – Questões de pesquisa, objetivos específicos e literatura utilizada. Questões de pesquisa Existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula? Quais as manifestações mais correntes dessa interação? Caso exista essa interação, quais seriam as vinculações causais entre as experiências sociais e os sistemas que compõem o processo educacional? Quais seriam as semelhanças e as diferenças entre essas vinculações causais? Em que medida essa possível interação atenderia aos quatro pilares da educação para o século XXI? Quais as lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes e professores na sala de aula? Como ocorre a conexão entre elas?

Continua.

Objetivos específicos 1. Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. 2. Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. 3. Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade. 4. Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade. 5. Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade. 6. Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade.

Literatura utilizada Temas e principais referências Modernidade: Touraine (s/d), Bell (1973), Descartes (1973), Habermas (1981, 1990), Weber (1984), Giddens (1990), Dubet (1994), Hume (1996), Gomes (2005), Wilber (2006). Pós-Modernidade: Baudrillard (1995), Lyotard (2000), Bauman (2001), Pallares-Burke (2004), Alves-Pinto (2008). Lógicas de ação: Touraine (1965, 1973, 1997), Dubet (1994), Weber (1999), Bauman (1999, 2001, 2004, 2006, 2007), Aron (2003). Experiências sociais, Sistemas e Vinculações causais: Weber (1984), Benjamin (1987a, 1987b, 1975), Dubet (1994). Jovem: G. S. Hall (1904), Parsons (1942), Benjamin (1975), Bourdieu (1983), Bernstein (1984), Frank (2001), Arnett (2004), Bauman (2004), Catani; Gilioli (2008), Abramo e Branco (2011), Dick (2003), Dubet (2003), Gomes (2012), Gomes (2012), Lassance (2011), MTV do Brasil (2010), Ortega y Gasset (1987), Pais (2003, 2005, 2008, 2011), Platão (1972), Reguillo (2007), Savage (2009), Stevens et al. (2007), Thomas e Witts (1977), Unesco (2004), Vasconcelos (2012b). Escola e universidade: Durkheim (1965, 2006, 2011), Buarque (1994), Dubet (1994, 1998), Masetto (1997), Fielden (1999), Jospin (1999), Portella (1999), Unesco (1999), Gomes (2005), Santos (2005), Roggero (2007), Freire (2009), Giol (2009), Sposito (2009), OECD (2010), Gomes, Vasconcelos e Lima (2012). Jovem universitário: Carrano (2002), Giddens (2002), Sposito (2002, 2009, 2011), Quivy (2005), Roggero (2007), Coulon (2008), Pais (2008), Stuart Hall (2011), Speller, Robl e Meneghel (2012). Professor universitário: Mendes (1974), Unesco (1999), Perrenoud (2000), Carrano (2002), Giddens (2002), Quivy (2005), Thurler e Perrenoud (2006), Roggero (2007), Severino (2007), Coulon (2008), Marchesi (2008), Marcelo (2009), Demo (2009, 2010), Martín García e Maria Puig (2010), Stuart Hall (2011), Vasconcelos (2011a), Lantheaume (2012), Masetto (2012).

574 Continuação Quadro 38. Questões de pesquisa

Objetivos específicos

7. Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade.

Fonte: elaboração do autor.

Literatura utilizada Temas e principais referências Vinculações causais e Experiências sociais do jovem universitário: Dubet (1994), Paredes (1994), Unesco (1998, 1999) Gondim (2002), Almeida Jr. e Queda (2006), Pais (2003, 2008), Sposito (2009), Tagg (2009), Abramo (2011), Abramo e Branco (2011), Brenner, Dayrell e Carrano (2011), Goulart (2011), Stuart Hall (2011), Prieto Quezada (2011), Ramos (2011), Temóteo (2012), Moreira (2012), Gomes, Lima e Vasconcelos (2013). Experiências sociais do professor universitário: Dewey (1959), Dubet (1994), Delors et al. (1998), Unesco (1999), Gadotti (2000), Labaree (2004), Barrère (2005), Thurler e Perrenoud (2006), Marchesi (2008), Demo (2009), Freire (2009), Vasconcelos (2011a, 2012a), Caldas e Gomes (2012), Carlos e Chaigar (2012), Kenski (2012), Sarramona López (2012), Lüdke e Boing (2012), Síveres (2010, 2012). Interação das experiências sociais: Freire (1987, 2009), Dubet (1994), Delors et al. (1998), Gadotti (2000). Experiências sociais, Sistemas e Vinculações causais: Weber (1984), Benjamin (1987a, 1987b, 1975), Dubet (1994). Diálogo com o jovem na escola: Pessoa (1986), Alves (1987), Freire (1987, 1997), Habermas (1990), Dubet (1994, 2002, 2003, 2008), Bauman (2001), Gatti (2005), Santos (2007), Marchesi (2008), Pais (2008), Sposito (2009), Tenti Fanfani (2012), Lantheaume (2012), Leão (2012), Tiramonti (2012). Currículo: Mendes (1968), Freire (1987), Habermas (1990), Weber (1999), Bauman (2001, 2004, 2007), Macdonald (2003), Gatti (2005), Goodson (2007), Pacheco (2009), Pinar (2009), Silva (2010). Diálogo com o jovem na universidade: Mendes (1968), Reale e Antiseri (1990), Buarque (1994, 2003), Botomé (1996), Platão (1997), Unesco (1998, 1999), Jospin (1999), Portella (1999), Santos (2005), Síveres (2006, 2010), Santos (2007), Severino (2007), Demo (2009), Vasconcelos (2011a), Cunha, Célio da; Sousa e Silva (2012).

575 Quadro 39 – Objetivos específicos e itens dos roteiros. Objetivos específicos

Observação direta

a) Verificar se existe interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula. b) Verificar como se desenvolve a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores universitários na sala de aula.

Houve troca de ideias entre o estudante observado e o professor? A respeito do que? Como ocorreu?

Continua.

Roteiros e respectivos itens (Apêndice C) Replicação Análise documental Relato de vida

Aluno: Na sala de aula, você e seu professor trocam ideias? Como ocorre. Professor: Na sala de aula, você e os estudantes trocam ideias? Como ocorre?

Validação de resultados

576 Continuação Quadro 39. Objetivos específicos c) Identificar as vinculações causais entre experiências sociais e sistemas componentes do processo educacional desenvolvido na sala de aula da universidade.

Observação direta

Foram explicitadas dificuldades comuns vivenciadas por estudantes e professor (relacionadas, por exemplo, ao trabalho e à violência escolar)? Caso positivo, foram discutidas? Foram explicitados interesses do estudante e do professor? Caso positivo, foram discutidos? Foram explicitados valores do estudante e do professor? Caso positivo, foram discutidos?

Relato de vida

Roteiros e respectivos itens Replicação Análise documental

Validação de resultados

Aluno: Aspectos do processo Existem dificuldades educacional que o comuns (relacionadas, evidenciam como o por exemplo, com o composto de sistemas trabalho e com a relativamente violência escolar) autônomos. vivenciadas por você e os professores? Caso existam, são discutidas na sala de aula? Como é o seu relacionamento com os colegas na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula? Como é o seu relacionamento com os professores na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula? Para você, o que leva os professores a (não) se relacionar com os alunos? Professor: Existem interesses comuns entre você e eles? Caso existam, são discutidos na sala de aula? Existem valores (preocupações, opiniões, ideias e aspirações) em comum entre você e os professores? Caso existam, são discutidos na sala de aula? Existem interesses comuns entre você e eles? Caso existam, são discutidos na sala de aula? Existem valores (preocupações, opiniões, ideias e aspirações) em comum entre você e os professores? Caso existam, são discutidos na sala de aula?

Continua.

577 Continuação Quadro 39. Objetivos específicos

Observação direta

Relato de vida

d) Identificar lógicas de ação utilizadas por jovens estudantes na interação social desenvolvida entre eles na sala de aula da universidade.

Como é o relacionamento do estudante com os colegas na sala de aula? O que o incentiva a (não) se relacionar com eles?

Aluno: Como é o seu relacionamento com os colegas na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula? Professor: Como é o relacionamento dos estudantes (completar com os nomes dos alunos participantes) na sala de aula? O que os leva a (não) se relacionar com os outros na sala de aula?

e) Identificar lógicas de ação utilizadas por professores na interação social desenvolvida entre eles e jovens estudantes na sala de aula da universidade.

Continua.

Como é o relacionamento do estudante com o professor na sala de aula? O que os incentiva a (não) se relacionar?

Aluno: Como é o seu relacionamento com os professores na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula?

Roteiros e respectivos itens Replicação Análise documental

Validação de resultados

Valores mais importantes para você? Valores adquiridos na universidade? Diferenças marcantes em relação aos colegas (estudantes ou professores)? O que mais desestabiliza na experiência como estudante (ou como professor)? Ações realizadas para fazer parte da turma (ou do grupo de docentes)? Obstáculos que enfrenta para concretizar valores adquiridos? Influências sobre colegas (estudantes ou professores)? Em que? Como? Motivos para realizar (ou ensinar) o curso (Pedagogia ou Letras)? Uso do poder de influência para atingir objetivos? O que mais o impede de concretizar interesses? O que não está bem na interação aluno-professor? E no curso? O que fazer para melhorar? Quais os maiores desafios para concretizar o ideal de ser uma professora (um escritor, dentre outros) que (completar de acordo com as evidências do relato).

Professor: Como é o seu relacionamento com os estudantes na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula?

578 Continuação Quadro 39. Objetivos específicos

Observação direta

Relato de vida

f)

O que incentiva o professor a se relacionar com os estudantes na sala de aula?

Aluno: Para você, o que leva os professores a (não) se relacionar com os estudantes? Professor: O que lhe incentiva a se relacionar com os estudantes na sala de aula? Aluno: Os professores trazem outros assuntos além dos conteúdos? Caso positivo, vincula aos conteúdos? Como? Caso positivo, contribui para a troca de ideias entre você e eles?

Estabelecer relações entre lógicas de ação identificadas na sala de aula da universidade.

g) Verificar se existe articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade. h) Verificar como se desenvolve a possível articulação entre aspectos informativos e formativos da educação na sala de aula da universidade.

Continua.

O professor tal traz outros assuntos além dos conteúdos? Caso positivo, vincula aos conteúdos? Como? Caso positivo, contribui para a troca de ideias entre o estudante observado e ele?

Professor: Você traz para a sala de aula outros assuntos além dos conteúdos previstos no plano de ensino? Caso positivo, consegue vinculá-los aos conteúdos? Como? Contribui para a troca de ideias com estudantes?

Roteiros e respectivos itens Replicação Análise documental

Validação de resultados

Informações relacionadas à utilização de lógicas de ação por estudantes e professoras na interação social desenvolvida na sala de aula.

A carga de conteúdos passados na sala de aula está equilibrada? São muitos ou poucos? Ajuda ou atrapalha na interação entre estudantes e professores?

Informações relacionadas a possíveis direcionadores de uma prática didáticopedagógica capaz de promover a articulação entre aspectos informativos e formativos da educação.

Os professores preparam o estudante para resolver problemas ou se limitam a passar conteúdos? Impactos na interação entre estudantes e professores? Os professores preparam os estudantes para viverem num mundo agitado como o atual? Valores e emoções são discutidos na sala de aula ou as discussões se limitam a adquirir conhecimentos? Professores equilibram razão-emoção na sala de aula? Está claro o que fazer com o que aprende e está claro que atitudes mudar? (ou se for professor, perguntar se ele deixa claro para o estudante o que fazer com o que aprende e quais atitudes ele deve mudar?). Projetos de pesquisa e de extensão ajudam a interagir? Como?

579 Continuação Quadro 39. Objetivos específicos i)

j)

Observação direta

Relato de vida

Roteiros e respectivos itens Replicação Análise documental

Aluno: Averiguar em que Como você avalia as medida a possível Quanto aos fluxos interações na sala de articulação entre de comunicação aula? Sente-se aspectos entre professor e enriquecido com elas informativos e estudantes e entre pessoal e formativos da estes, quem fala? profissionalmente? educação, Fala o quê? Como você se sente? desenvolvida na Quantos falam? sala de aula da Quem pergunta? Professor: universidade, Quem responde? Como você avalia as contribui para a Que situação interações na sala de interação das aparentemente aula? Sente-se experiências deflagra a enriquecido com elas sociais de jovens comunicação? pessoal e estudantes e de profissionalmente? professores. Como você se sente? Averiguar em que medida a possível interação entre experiências sociais de jovens estudantes e de professores atende aos quatro pilares da educação para o século XXI.

k) Identificar percepções

Continua.

de jovens estudantes e de professores universitários quanto à possível interação entre experiências sociais, de uns e de outros, construídas por eles na sala de aula da universidade.

Validação de resultados

580

Continuação Quadro 39. Objetivos específicos

Observação direta

Relato de vida

l)

Houve diálogo entre o estudante e o professor? Como ocorreu?

Aluno: Há diálogo entre você e seus professores? Conte-me a respeito.

Identificar percepções de jovens estudantes e de professores universitários a respeito de diálogos desenvolvidos por eles na sala de aula da universidade.

Continua.

Professor: Há diálogo entre você e os estudantes? Conteme a respeito.

Roteiros e respectivos itens Replicação Análise documental

Existe diálogo entre estudantes e professores? Como ocorre?

Validação de resultados

581 Continuação Quadro 39. Roteiros e respectivos itens Objetivos específicos

Outros objetivos (estabelecidos durante a discussão do corpus da pesquisa).

Observação direta

Relato de vida

Replicação

Os professores fazem os estudantes refletir? Há coerência entre o que os professores falam na sala de aula e como agem? Existe retorno do estudante ao professor sobre a atuação deste na sala de aula?

Como ocorre? Considera-se crítico? O que ajudou? Os estudantes são críticos? O que ajudou? Identifica estudantes homossexuais, ou que mantenham algum relacionamento homossexual? Se eles existem, como se dá a interação com os colegas e professores na sala de aula ou em projetos de pesquisa e extensão? Possíveis impactos de questões relacionadas ao mundo do trabalho, cidadania, lazer, formação de professores e novas tecnologias sobre a interação aluno-professor.

Análise documental

Validação de resultados Só uma parte dos estudantes do curso são críticos. A maior parte dos estudantes do curso tem dificuldade para assumir a condição de profissional, permanecendo na condição de estudante. Uma parte dos estudantes assume o discurso de vítima. Os estudantes raramente dão opinião aos professores a respeito da aula que receberam. Já os professores raramente pedem aos estudantes opinião sobre a aula.

Estudantes e professores têm dificuldades para expressar o ideal de professor elaborado por eles. Existe no curso um distanciamento entre teoria e prática. O tema homossexualismo foi mencionado por alguns participantes. Estes declararam que isto não prejudica a interação social entre estudantes e professores. Os professores do curso fazem os estudantes refletir. Há alguma incoerência entre prática e discurso do professor. Alguns professores do curso estão insatisfeitos com o sistema avaliativo dos estudantes. Não há troca sistematizada de informações entre professores a respeito da interação que eles constroem com os estudantes. Percepções a respeito da interação e diálogo estabelecidos entre estudantes e entre estes e os professores.

Fonte: elaboração do autor, com base nos objetivos específicos da pesquisa e nos roteiros. Obs: Outros objetivos se referem às questões de níveis 3 e 4, vinculados aos itens 22 a 28 do roteiro da replicação.

582

APÊNDICE C – ROTEIROS 1. Roteiro de observação direta

Local: ___________. Data: ____/____/____. Hora (início/término): _____________. I – Caracterização do estudante e do professor: Esta caracterização é desnecessária, neste roteiro, porque os estudantes e as professoras envolvidos nas observações constituem o mesmo público das entrevistas. II – Caracterização da aula: 1. Ambiente físico e equipamentos: disposição do mobiliário durante a aula. 2. Aspectos didáticos: técnicas de ensino, recursos e materiais utilizados. 3. Número de estudantes matriculados:______. 4. Número de estudantes no início, meio e fim da aula: ____/____/____. 5. Número de estudantes que participam de: 6. Projetos de pesquisa ( ). 7. Projetos de extensão ( ). 8. Curso/disciplina: _______________/________________. 9. Conteúdo planejado/Conteúdo desenvolvido: __________/_________. III – Aspectos a serem observados na aula: 1. Houve troca de ideias entre o estudante observado e o professor? Com relação a quê? Como ocorreu? 2. Foram explicitadas dificuldades comuns (relacionadas, por exemplo, ao trabalho e à violência escolar) vivenciadas por estudante e professor? Caso positivo, foram discutidas? Foram explicitados interesses do estudante e do professor? Caso positivo, foram discutidos? Foram explicitados valores do estudante e do professor? Caso positivo, foram discutidos? 3. Como é o relacionamento do estudante com os colegas na sala de aula? O que o incentiva a (não) se relacionar com eles? 4. Como é o relacionamento do estudante com o professor na sala de aula? O que os incentiva a (não) se relacionar?

583

5. O que incentiva o professor a se relacionar com os estudantes na sala de aula? 6. O professor tal traz outros assuntos além dos conteúdos? Caso positivo, vincula aos conteúdos? Como? Caso positivo, contribui para a troca de ideias entre o estudante observado e ele? 7. Houve diálogo entre o estudante e o professor? Como ocorreu? IV – Fluxos de comunicação entre professor e estudantes e entre estes: 1. Quem fala? 2. Fala o que? 3. Quantos falam? 4. Quem pergunta? 5. Quem responde? 6. Que situação aparentemente deflagra a comunicação? 2. Roteiro do relato de vida – Alunos

Local: ___________. Data: ___/___/___. Hora (início/término): _____________. I – Caracterização do estudante: 1. Nome, telefone e e-mail? 2. Gênero? Idade? 3. Curso? Opções dentro do curso? 4. Categoria administrativa das instituições onde estudou na educação básica? 5. Tempo de vinculação com a universidade? Tempo de vinculação com o curso? 6. Semestre em que estuda? 7. Participação em projetos de pesquisa? 8. Participação em projetos de extensão? 9. Fez ou faz o estágio supervisionado? E o remunerado? 10. Atuais professores no curso que estuda? II – Aspectos conceituais:

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1. Tópico inicial para relato, após pedir licença para gravar: Estou investigando a interação social entre estudantes e professores na sala de aula da universidade. Gostaria que você me contasse como tem sido essa experiência para você. Fale-me de suas vivências com relação a este assunto. Quais aproximações e distanciamentos existem entre você e seus professores? Comportamentos envolvidos? 2. Relato central: Sem interrupção do relato, com encorajamento por meio de expressões como hum, sim, entendo. Sem interferência, com anotações utilizadas para fazer perguntas posteriormente. Pergunta ao final do relato: É tudo o que você gostaria de me contar? 3. Perguntas (complementadas ou substituídas conforme resultados da fase anterior): a) Na sala de aula, você e os professores trocam ideias? Como ocorre? b) Existem dificuldades comuns (relacionadas, por exemplo, com o trabalho e com a violência escolar) vivenciadas por você e os professores? Caso existam, são discutidas na sala de aula? Existem interesses comuns entre você e eles? Caso existam, são discutidos na sala de aula? Existem valores (preocupações, opiniões, ideias e aspirações) em comum entre você e os professores? Caso existam, são discutidos na sala de aula? c) Como é o seu relacionamento com os colegas na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula? d) Como é o seu relacionamento com os professores na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula? e) Para você, o que leva os professores a (não) se relacionar com os alunos? f) Os professores trazem outros assuntos além dos conteúdos? Caso positivo, vincula aos conteúdos? Como? Caso positivo, contribui para a troca de ideias entre você e eles? g) Como você avalia as interações na sala de aula? Sente-se enriquecido com elas pessoal e profissionalmente? Como você se sente? h) Há diálogo entre você e seus professores? Conte-me a respeito.

4. Conclusão: Parar de gravar. Fazer perguntas do tipo por quê? Anotar logo após a entrevista.

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3. Roteiro do relato de vida – Professoras

Local: ___________. Data: ___/___/___. Hora (início/término): _____________. I – Caracterização da professora: 1. Gênero? Faixa etária? De 20 a 30? De 31 a 40? De 41 a 50? De 51 a 60? Acima de 60 anos? 2. Formação acadêmica? 3. Especialização? Mestrado? Doutorado? 4. Categoria administrativa das instituições onde estudou ou estuda? 5. Tempo de atuação docente? 6. Tempo de vinculação com a universidade? Tempo de vinculação com o curso? 7. Semestre em que ensina? 8. Participação em projetos de pesquisa? 9. Participação em projetos de extensão? 10. Regime de tempo de trabalho na universidade? 11. Atividade além da docência na sala de aula? 12. Quantidade de estudantes matriculados por turma? II – Aspectos conceituais: 1. Tópico inicial para relato, após pedir licença para gravar: Estou investigando a interação social entre estudantes e professores na sala de aula da universidade. Gostaria que você me contasse como tem sido essa experiência para você. Fale-me de suas vivências com relação a este assunto. Quais aproximações e distanciamentos existem entre você e seus professores? Comportamentos envolvidos? 2. Relato central: Sem interrupção do relato, com encorajamento por meio de expressões como hum, sim, entendo. Sem interferência, com anotações utilizadas para fazer perguntas posteriormente. Pergunta ao final do relato: É tudo o que você gostaria de me contar? 3. Perguntas (complementadas ou substituídas conforme resultados da fase anterior):

586

a) Na sala de aula, você e os estudantes trocam ideias? Como ocorre? b) Existem dificuldades comuns (relacionadas, por exemplo, com o trabalho e a violência escolar) vivenciadas por você e os estudantes? Caso existam, são discutidas na sala de aula? Existem interesses comuns entre você e os estudantes? Caso existam, são discutidos na sala de aula? Existem valores em comum entre você e os estudantes? Caso existam, são discutidos na sala de aula? c) Como é o relacionamento dos estudantes (completar com os nomes dos alunos participantes) na sala de aula? O que os leva a (não) se relacionar com os outros na sala de aula? d) Como é o seu relacionamento com os estudantes na sala de aula? O que o leva a (não) se relacionar com eles na sala de aula? e) O que lhe incentiva a se relacionar com os estudantes na sala de aula? f) Você traz para a sala de aula outros assuntos além dos conteúdos previstos no plano de ensino? Caso positivo, consegue vinculá-los aos conteúdos? Como? Caso positivo, contribui para a troca de ideias entre você e os estudantes? Como? g) Como você avalia as interações na sala de aula? Sente-se enriquecido com elas pessoal e profissionalmente? Como você se sente? h) Há diálogo entre você e os estudantes? Conte-me a respeito. 4. Conclusão: Parar de gravar. Fazer perguntas do tipo por quê? Anotar logo após a entrevista. 4. Roteiro da replicação – Alunos e professoras

Local: ___________. Data: ____/____/____. Hora (início/término): _____________. I – Caracterização do estudante e da professora: Neste roteiro, tal caracterização é desnecessária porque estudante e professoras envolvidos constituem o mesmo público dos relatos de vida. II – Aspectos conceituais:

587

1. Para iniciar a entrevista, após pedir licença para gravar: Relembro a você que estou investigando a interação social entre estudantes e professores na sala de aula da universidade. Relembro também que seu nome e os de outras pessoas mencionadas na entrevista serão mantidos em sigilo. 2. Perguntas: conforme os itens a seguir, adaptados a cada participante. Quadro 40 – Itens do roteiro da replicação e participantes. Participantes Itens

Lógicas de ação

Alunos

Professores

1. Valores mais importantes para você?

A3, A4, A6.

P3, P5.

2. Valores adquiridos na universidade?

A4, A8.

P1, P2, P5, P6.

3. Diferenças marcantes com relação aos colegas (alunos ou professores)?

A3, A5, A8.

P1, P2, P3, P5, P6.

4. O que mais desestabiliza na experiência como aluno (ou como professor)?

A2, A3, A4, A5, A8.

P1, P2, P3, P5, P6.

5. Ações realizadas para fazer parte da turma (ou do grupo de docentes)?

A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

6. Obstáculos que enfrenta para concretizar valores adquiridos?

A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P2, P3, P5.

7. Influências sobre colegas (alunos ou professores)? Em que? Como?

A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6. P2.

8. Motivos para realizar (ou ensinar) o curso (Pedagogia ou Letras)? 9. Uso do poder de influência para atingir objetivos?

A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

10. O que mais o impede de concretizar interesses?

A2, A3, A4, A5, A6.

P1, P3, P5, P6.

11. O que não está bem na interação alunoprofessor? E no curso?

A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

12. O que fazer para melhorar?

A2, A3, A4, A5, A6, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

13. Quais os maiores desafios para concretizar o ideal de ser uma professora (um escritor, dentre outros) que (completar de acordo com as evidências do relato).

A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

Continua.

588

Outros aspectos

Interação social

Informação e formação

Continuação Quadro 40. 14. A carga de conteúdos passados na sala de aula está equilibrada? São muitos ou poucos? Ajuda ou atrapalha na interação entre alunos e professores?

A1, A2, A3, A4, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P5, P6.

15. Os professores preparam o aluno para resolver problemas ou se limitam a passar conteúdos? Impactos na interação entre alunos e professores?

A1, A2, A3, A4, A5, A7, A8.

P1, P3, P5.

16. Os professores preparam os alunos para viverem num mundo agitado como o atual?

A1, A2, A3, A4, A5, A6, A8.

P1, P2, P3, P5.

17. Valores e emoções são discutidos na sala de aula ou as discussões se limitam a adquirir conhecimentos?

A1, A2, A3, A4, A5, A6.

P1, P3, P5.

18. Professores equilibram razão-emoção na sala de aula?

A1, A2, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P3, P4, P5, P6.

19. Está claro o que fazer com o que aprende e está claro que atitudes mudar? (ou se for professor, perguntar se ele deixa claro para o aluno o que fazer com o que aprende e quais atitudes ele deve mudar?)

A1, A3, A4, A5, A8.

P1, P5.

20. Projetos de pesquisa e de extensão ajudam a interagir? Como?

A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

21. Existe diálogo entre alunos e professores? Como ocorre?

A1, A3, A4, A7.

P5.

22. Os professores fazem os alunos refletir?

A1, A2, A3, A4, A5, A8.

P1, P2, P3.

23. Há coerência entre o que os professores falam na sala de aula e como agem?

A1, A2, A3, A4, A5, A6.

P1, P2, P5, P6.

24. Existe retorno do aluno ao professor sobre a atuação deste na sala de aula? Como ocorre?

A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5.

25. Considera-se crítico? O que ajudou?

A1, A2, A3, A4, A5, A7.

P1, P3, P5.

26. Os alunos são críticos? O que ajudou?

A1, A2, A3, A4, A5, A6.

P1, P2, P3.

27. Identifica alunos homossexuais, ou que mantenham algum relacionamento homossexual? Se eles existem, como se dá a interação com os colegas e professores na sala de aula ou em projetos de pesquisa e extensão?

A1, A2, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P4, P5, P6.

28. Possíveis impactos de questões relacionadas ao mundo do trabalho, cidadania, lazer, formação de professores e novas tecnologias sobre a interação aluno-professor.

A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8.

P1, P2, P3, P4, P5, P6.

Fonte: elaboração do autor.

589

5. Roteiro da validação de resultados Local: ___________. Data: ____/____/____. Hora (início/término): _____________. I – Caracterização dos participantes: Neste roteiro, tal caracterização é desnecessária porque os participantes envolvidos constituem o mesmo público dos relatos de vida e replicações. II – Aspectos conceituais: 1. Antes de gravar: a. Agradeço a colaboração de vocês. b. Vocês foram escolhidas para esta terceira entrevista porque dentre os participantes, vocês mantêm a maior frequência de encontros uns com os outros. c. Relembro que estou investigando a interação social entre estudantes e professores na sala de aula. Relembro também que seus nomes e os de outras pessoas mencionadas serão mantidos em sigilo. 2. Após ligar o gravador: a. Gostaria de ter a opinião de vocês sobre algumas descobertas da pesquisa. Peço dizer se concordam ou discordam com as seguintes afirmações relacionadas à interação que existe entre estudantes e entre estes e professores no curso em que você estuda (aluno) ou leciona (professora). Sendo o caso, acrescentem ou proponham exclusões. b. Perguntas: 1. Só uma parte dos estudantes do curso são críticos. 2. A maior parte dos estudantes do curso tem dificuldade para assumir uma condição de profissional, permanecendo na condição de estudante. 3. Uma parte dos estudantes assume o discurso de vítima. 4. Os estudantes raramente dão opinião aos professores a respeito da aula que receberam. Já os professores raramente pedem aos alunos opinião sobre a aula. 5. Alunos e professores têm dificuldades para expressar o ideal de professor que eles construíram.

590

6. Existe no curso um distanciamento entre teoria e prática. 7. O tema homossexualismo foi mencionado por alguns participantes. Os participantes informaram que isto não prejudica a interação social entre estudantes e professores. 8. Os professores do curso fazem os estudantes refletir. 9. Há alguma incoerência entre prática e discurso do professor. 10. Alguns professores do curso estão insatisfeitos com o sistema avaliativo dos estudantes. 11. Não há troca sistematizada de informações entre professores sobre a interação que eles constroem com os estudantes. 12. Para os estudantes do curso de LL ocorre interação no curso quando: a. Resta certo distanciamento entre estudantes e professor. b. Os estudantes demonstram interesse em aprender. c. O professor demonstra valores aos estudantes. 13. Para os professores do curso de LL ocorre interação quando: a. Resta certo distanciamento entre estudantes e professores. b. Os estudantes estão estimulados para o curso. c. O professor está atualizado. d. O professor está de bom humor. e. O professor abre mão de sua autoridade. f. O professor sai dos limites disciplina. g. O professor colabora (o que seria pouco frequente). 14. Para os estudantes do curso de LP ocorre interação no curso quando: a. Filmes

são

exibidos,

estudantes

e

professores

conversam

informalmente e estes são afetivos e humildes. b. Os estudantes se aproximam do professor no final da aula ou quando o professor toma a iniciativa. c. Predominam mais as características do curso, menos a iniciativa do professor. d. O professor estabelece relação mais profunda com os estudantes, encantando-os. 15. Para os professores do curso de LP ocorre interação no curso quando:

591

a. Os estudantes se percebem como corresponsáveis pelo processo de interação. b. O professor abre mão da relação de poder sobre os estudantes. c. O professor faz atividades diversificadas com os estudantes e trabalhos em grupo (apesar de ser uma interação que se restringiria ao modelo de escola, aquela que vigia os alunos). d. O professor põe o mundo dos alunos em discussão. e. O professor traz experiências de vida. 16. Para os estudantes do curso de LL ocorre diálogo no curso quando: a. Os estudantes não se acomodam. b. Os professores deixam os estudantes oferecer opinião sobre a aula. 17. Para os professores do curso de LL ocorre diálogo no curso quando: a. O professor pensa nos estudantes desde o planejamento da aula e conversa com eles sobre os conteúdos planejados. b. O professor compreende que aprende quando ensina. c. O professor aproveita os conteúdos para deixar a aula mais descontraída. 18. Para os estudantes do curso de LP ocorre diálogo no curso quando: a. A disciplina favorece a que haja mais diálogo. b. Os professores conhecem melhor os estudantes. i. Observação: para uma participante, com raras exceções, não há diálogo (no sentido freireano, de trazer o mundo do educando para o ato educativo). 19. Para os professores do curso de LP ocorre diálogo no curso quando: a. Há retorno de impressões entre estudantes e professor (utilizado para aperfeiçoar o diálogo e não para proporcionar ofensa).

6. Roteiro da análise documental I – Caracterização dos cursos: 1. Ano de reconhecimento do curso. 2. Ano de aprovação do atual PPC. 3. Objetivo do curso.

592

4. Carga horária. 5. Duração do curso. 6. Turnos. 7. Quantidade de estudantes. 8. Quantidade de professores. II – Caracterização das disciplinas: 1. Objetivo. 2. Metodologia. 3. Carga horária. 4. Turno. 5. Quantidade de estudantes. 6. Quantidade de professores. III – Aspectos conceituais: 1. Aspectos do processo educacional que o evidenciam como copresença de sistemas estruturados segundo princípios autônomos (ver Objetivo Específico c). 2. Informações relacionadas à utilização de lógicas de ação por estudantes e professoras na interação social desenvolvida na sala de aula (ver Objetivo Específico f). 3. Informações relacionadas a possíveis direcionadores de uma prática didáticopedagógica capaz de promover a articulação entre aspectos informativos e formativos da educação (ver Objetivos Específicos i e j).

593 APÊNDICE D – EXPLORAÇÃO DO MATERIAL

Unidades de Registro (temas)

Cursos

Unidades de Contexto

Participantes

Quadro 41 – Unidades de contexto e de registro: lógicas de ação.

Lógica da integração Identidade integradora: valores adquiridos fora da universidade

Identidade integradora: valores adquiridos na universidade

Continua.

Luta pela vida. Trabalho. Atitude. Liderança. Coragem. Ensino. Confiança. Amizade. Respeito. Criatividade. Inovação. Conhecimento. Justiça.

A

Respeito à diversidade. Respeito ao ser humano. Informalidade. Tolerância, inclusive linguística e racial. Obediência, paciência e respeito.

P

Justiça social. Iniciativa. Resolução. Coragem. Amizade. Tolerância. Abertura a novidades. Persistência. Formação consistente que contribua para o desenvolvimento dos alunos, da sociedade e da educação como um todo.

A

Respeito. Compromisso. Responsabilidade. Ética. Compreensão. Zelo. Olhar sensível. Subjetividade do estudante. Acordo com o aluno. Coragem para expor as próprias fragilidades.

P

Amadurecimento. Diversidade. Lado humano de ensinar. Estudo como forma de superar contrariedades. Conhecimento.

A

Confiança, segurança, respeito e gratidão à Universidade. Humildade (para saber que errou, para permitir ao aluno oferecer retorno). Simplicidade e lado afetivo da aula. Conversas com alunos, como professora e como educadora. Lida com a diversidade das turmas, com notas e confronto de ideias. Aprendizado contínuo.

P

Contestação/denúncia. Convicção da escolha do curso (fator extensão universitária). Aproximação com professores (em relação ao ensino médio). Convivência com pessoas mais velhas. Mudança de hábitos. Boa relação com professores (ajuda a amadurecer). Atitude crítica (não era assim no ensino médio). Firmeza nos posicionamentos. Metodologias de ensino. Desejo de contribuir para o desenvolvimento humano. Autoavaliação para não ser incoerente. Ser professor diferente. Consciência de mundo. Capacidade de síntese de valores adquiridos antes de ingressar na universidade. Elaboração de visões sobre a educação. Flexibilidade de pontos de

A

LL

LP

LL

LP

594 Continuação Quadro 41. vista. Capacidade de explicitar visões sobre a universidade. Consciência da função social do professor. Desejo de mudar a educação (muito rígida). Reflexão sobre educação e universidade.

Identidade integradora: valores que diferenciam dos colegas

Pertencimento ao grupo: valores buscados

Tensões entre os seus e os valores dos outros: valores dos quais procura se afastar

Continua.

Compreensão de que os alunos que não têm uma cultura letrada. Empatia. Rigor das regras (para não ser vista como professora boazinha). Companheirismo. Autorreflexão.

P

Religião. Iniciativa. Ação. Disposição para falar, ajudar, diversificar. Juventude (há colegas casadas na turma). Entrega ao que se gosta; recusa ao que não se gosta. Facilidade de compreensão de conteúdos. Gosto pela leitura. Pouca firmeza nos posicionamentos.

A

Relação diferenciada, próxima e afetiva (sem perder a relação de professora). Rigidez (cobrança) e acolhimento (considera-se mãe para os alunos). Domínio e desenvolvimento dos conteúdos. Capacidade de dialogar com os alunos. Capacidade de observação.

P

Organização mental. Organização de argumentos antes da prática. Criatividade. Capacidade crítica. Participação nas aulas e projetos. Critério de escolha do curso (gosto pela educação). Engajamento na causa política. Visão da educação (para além da sala de aula).

A

Capacidade de dialogar com os alunos. Percepção da diferença cultural entre ela e os alunos. Cuidados com o aluno (sente-se mudando essa postura). Energia. Vitalidade. Criatividade.

P

Amizade e simpatia com todos da universidade. Diálogo com os colegas. Conversa.

A

(Declararam não buscar, sendo tudo tranquilo, com certa estabilidade no relacionamento com os colegas).

P

Participação nas aulas e em projetos de extensão. O PIBID ajuda a aproximar alunos de turmas diferentes, criando círculo virtuoso. Mobilização. Atitude. Capacidade crítica. Abertura. Cooperação. Empatia. Amizade. Capacidade de ouvir. Respeito às opiniões.

A

Participação em reuniões, encontros com colegas fora da Universidade e eventos da Universidade. Diálogo com os colegas para trocar ideias sobre os alunos. Aprendizado mútuo. Colaboração mútua. Parceria.

P

Injustiça na sala de aula (entendida como o professor não fazer chamada, atribuir notas coletivas, ter poucas conversas individuais com os alunos). Desinteresse de colegas pelo curso. Aulas expositivas, sem a participação dos alunos.

A

Intolerância à opção sexual. Comportamentos explícitos de homossexualidade. Indiferença e pouca participação dos alunos. Omissão (embora às vezes seja necessário omitir-se). Comportamento rígido. Falta de comprometimento por parte de alunos (com trabalhos, leitura e exercício e falta de retorno). Questionamento infundado por parte do aluno.

P

Desinteresse de colegas pelo curso (frágil cultura de autorresponsabilidade pelo processo formativo). Pouca exigência dos professores. Menor qualidade do curso na comparação com os demais (pouco aprofundamento e

A

LL

LP

LL

LP

LL

LP

595 Continuação Quadro 41. não prepara para a consciência docente). Concepção de curso mais barato. Duração do curso (seria pouca). Pouco diálogo com os alunos. Imobilismo. Equívocos quanto ao real valor do curso (volta-se para a educação como um todo e não só para crianças). Trabalhos em grupo (seriam pouco proveitosos).

Limites da herança cultural: até onde vai a pressão dos valores

Comodismo. Falta de comprometimento. Irresponsabilidade do aluno. Acomodação. Desanimação. Traição (expectativas de relação docente/discente frustrada).

P

Valores construídos à base da religião podem afastar dos colegas. A forte valorização da confiança leva a ter dificuldade para recuperar amizades perdidas. A criatividade vai até a habilidade para concretizá-la.

A

Por condenar comportamentos explícitos à homossexualidade, pode se afastar de alguns alunos. Por defender a gramática como disciplina, corre o risco de ser considerada ultrapassada pelas colegas. Simplicidade da aula, mas sem mastigar tanto pelo aluno. (Houve quem relatasse que o não cumprimento de valores como obediência, paciência e respeito não fragilizam a ação docente uma vez que eles não se concretizam porque seria natural do ser humano não aceitá-los).

P

Receio de que a valorização do discurso bem articulado possa afastar da ação prática. Receio de que a valorização da participação na sala de aula possa afastar de colegas que não participam (sente-se muito em evidência). Receio de que a valorização da luta a favor da causa política da educação possa afastar colegas e professores.

A

Valores como respeito, compromisso e responsabilidade encontram barreiras frente ao desinteresse dos alunos. O hábito de dialogar (vindo da família), acompanhado de sugestões para melhorar o desempenho é encarado como humilhação pela maioria dos alunos. Os alunos recebem retorno com agressão. Às vezes, o cuidado com o aluno é mal compreendido, por isto, a valorização do uso da hierarquização. Abertura e compreensão tem limite, pois o aluno pode entender que o professor é bonzinho. Vontade de justiça encontra barreira no modelo de avaliação de desempenho dos alunos.

P

LL

LP

Lógica da estratégia Identidade estratégica: o poder de influenciar outros

Influência exercida sobre alunos a partir da monitoria. Ter atitude, tomando à frente para organizar trabalhos. (Houve quem se percebeu sem influenciar colegas, pois a idade proporcionaria a cada um sua própria identidade).

A

(Sem evidências identificadas).

P

Concentração, visão do todo, melhor escrita (inclusive projetos de pesquisa), organização do discurso, não se queixa de dificuldades. Muita conversa com colegas, mas com pertinência (pensa muito na aula, depois abre a boca). Reflexão a respeito educação, de forma mais ampla e mais politizada (engaja-se na causa educacional, reivindica respostas a problemas identificados, levando à reitoria e direção do curso em vez de reclamar). Abertura para ouvir (capacidade alcançada no curso).

A

Continua.

LL

LP

596 Continuação Quadro 41.

Interesses

Uso do poder de influência para concretizar interesses

Limites da intencionalidade racional: o que concorre com seus interesses

Hábito de propor atividades práticas aos alunos, de confeccionar materiais de controle, modelos, fichas de autoavaliação. Ser colaborativa (e faz com a intenção de influenciar colegas). Coragem de falar. Desapego (entrar de cabeça, mas aceitar sair). (Houve quem declarasse não conseguir dizer).

P

Docência. Profissional da tradução e intérprete (início do curso). Profissional da revisão. Docência (ainda que a profissão seja criticada). Autor de livros e docência superior.

A

Continuar na docência, por vocação, buscando contribuir com o aprendizado dos alunos. Continuar na docência, buscando convergir os interesses dos alunos com os do professor (buscar interesses dos alunos, jogar com a vida real). Continuar na docência, sem ser por vocação, para satisfazer ao amor pelo conhecimento de línguas.

P

Docência, sem ser por vocação, para contribuir com uma sociedade mais justa. Docência, sendo por vocação, para trabalhar com crianças. Docência, pois gosta de falar sobre educação; para concretizar a função social do professor (ainda que sofra pressão quanto aos baixos salários e para participar de concursos públicos).

A

Trabalhar questões culturais com os alunos. Formar professores. Desenvolver propostas de trabalho compartilhadas com os alunos. Deixar os alunos informados sobre o que é a universidade. Tentar contribuir, ajudando a formação de gente muito boa para a educação. Fazer brilhar o olho.

P

Uso do poder de influenciar alunos da monitoria para se formar para a docência. Uso do poder de liderar, a desinibição, a facilidade para falar e a coragem para se formar.

A

(Sem evidências identificadas).

P

Uso da capacidade de foco, escrever bem, respeitar a diversidade, não ter preconceito para se formar como docente que se volta para questões humanas. Uso da influência que exerce sobre colegas (objetividade etc.) para aprimorar sua formação docente. Uso da capacidade de despertar para uma visão mais ampla para se formar.

A

Uso da capacidade de planejar, executar atividades, desenvolver projetos, ter ideias diferentes, resolver problemas para trabalhar questões culturais com os alunos, visando a formá-los. Uso da capacidade de mostrar confiança no que faz. Abrir portas e janelas trancadas. Mostrar para os alunos experiências exitosas sem esconder conflitos que existem na área da educação; sem esconder o fracasso da escola como instituição.

P

Os baixos salários do professor aparecem como ameaça ao objetivo de seguir a carreira docente. O preconceito contra a profissão também como ameaça à carreira. A impaciência com alunos (embora reconheça necessidade na profissão) também se faz presente.

A

Estão a concorrer com o interesse de continuar na docência o desinteresse dos alunos, a pouca importância ao estágio supervisionado (seria também uma responsabilidade de alguns professores que assim se comportam), a desvalorização da disciplina por parte dos alunos e o despreparo dos alunos (inclusive escrita).

P

Continua.

LL

LP

LL

LP

LL

597 Continuação Quadro 41. Estão a concorrer com interesses de se tornar docente: impaciência com a incapacidade de outros para bem argumentar; frustração com as contrariedades entre planejado. Seriam ameaças à formação para a docência: professores pessimistas que reclamam dos baixos salários; tentativa dos professores de deixar o curso mais prático por meio da infantilização do curso (tratar alunos como crianças); incoerência dos professores entre ação e discurso (dentro e fora da universidade); entendimento de alguns professores de que licenciatura é modo de ascensão social (educador é mais); engessamento da universidade (professores sem liberdade); necessidade de repensar o modelo de universidade. Decepção e falta de liberdade que caem no dia a dia da sala de aula concorrem com o interesse de ser docente. Ideia de alguns professores de que o aluno é ganha pão – vão do sonho de mudar o mundo para o objetivo de ganhar dinheiro.

A

Estão a concorrer com o interesse de continuar na docência a origem social dos alunos, sem cultura letrada, o leva a construir panelinhas; o hábito de reclamar (discurso de vítima); a utilização errônea de seminários como técnica pedagógica; a educação básica não ensina a aceitar retorno dos professores (estes passam a mão na cabeça dos alunos); a escola não trabalha a empatia; a indecisão de alunos quanto ao curso; a dificuldade do docente de socializar suas propostas de trabalhos (acessibilidade, compartilhar ideias); a inquietação de alunos (não param, dialogam ou refletem para transformar); a traição (sentimento de vulnerabilidade diante de situações inimagináveis pelo docente quanto à interação com os alunos).

P

LP

Lógica da subjetivação Críticas normativas: distanciamentos de papéis (reserva que demonstra não aderência plena aos papéis exercidos)

Críticas cognitivas: distanciamentos

Não se deixa abater pela desvalorização da linguística, pela carência de pesquisas na área das ciências humanas, pelo desinteresse de colegas, pela irresponsabilidade de colegas pelo próprio aprendizado. Idem, ostentação de alguns colegas por saber falar inglês. Idem, pouca criatividade da escola (como um todo).

A

Não se deixa abater pela ideia de docente ultrapassado por causa da disciplina. Idem, pela ideia de professora moralista (embora tenha experiências registradas em várias áreas de atuação: professora, mãe, esposa, catequista de crisma).

P

Não se deixa abater pela lamentação. Idem, imediatismo (faz reflexões), desinteresse de muitos colegas, comodismo, preguiça. Idem, pela falta de diálogo, imobilismo e incapacidade crítica. Idem, pouca reflexão de alguns professores (passam a vida toda fazendo a mesma coisa), ideia de universidade engessada (rígida) e ideia de aluno como ganha pão, incoerência de professores.

A

Não se deixa abater pela ideia de docente que, apesar de ler muito e teorizar, não diversifica atividades na sala de aula. Idem, pela recusa ao compartilhamento de trabalhos (colegas não proporcionam abertura necessária para trabalhar em parceria). Idem, pela onda da avaliação.

P

Aceita ser docente, mas com ressalvas, pois o salário é injusto, sofre preconceito com relação ao curso e com frequência mostra-se impaciente com alunos (já ministra aulas).

A

Continua.

LL

LP

LL

598

Continuação Quadro 41. dos interesses (reserva que demonstra não aderência plena aos seus interesses)

Tensões entre os componentes da herança cultural e os componentes da intencionalidade racional: momentos de tensão entre as lógicas da integração e estratégia

Aceita ser uma professora que contribui para o aprendizado dos alunos, mas com cautela, pois muitos não valorizam a disciplina e o estágio supervisionado (neste caso, alguns colegas também). Aceita ser professora preocupada em convergir interesses dos alunos com os seus; no entanto, sabe que o professor erra demais, pensando que está acertando. (Houve quem evidenciou o não abandono de valores e interesses adquiridos com a socialização).

P

Aceita ser docente, com ressalvas, pois identifica certa superficialidade do curso, que tem curta duração e pouca exigência (por parte dos professores), além de reconhecer a dificuldade de lidar com o modo como se expressam pessoas com quem se relaciona no curso. Tem ressalvas também porque se depara com pessoas que entendem erroneamente o curso de LP (restringem à atuação com crianças). O modelo educacional estaria errado.

A

Aceita ser professora, mas admite ser impaciente com a chamada crise de valores. Aceita, apesar da falta de respeito aluno-professor. Aceita, mas não mais na educação superior (o acesso aos alunos é menor do que na educação básica). Aceita ser uma professora que contribui para desenvolver a reflexão, que olhe mais para o processo, mas precisa apelar para a prova, pois os alunos valorizam mais o resultado do que o processo. Aceita ser uma professora que contribua para fazer brilhar muita gente boa, sem esconder os conflitos, sem esconder os problemas que existem na área da educação; no entanto, o aluno precisaria se jogar a favor desse interesse do docente.

P

Incentivo da família, amizade na escola e busca de conhecimento na Universidade na confluência com o interesse de ter salário justo por atuar como docente. Atitude, liderança e coragem, que vieram do ensino fundamental; gosto pelo ensino, que veio da família na relação com o interesse de ter salário justo por atuar como docente. Confiança, amizade, respeito e lado humano do ensino ao tempo em que deseja ter um curso mais dinâmico (viagens e pesquisas fora da Universidade). Criatividade, inovação, conhecimento, justiça e valorização do conhecimento enquanto busca a atividade de escritor e docente universitário criativo.

A

Respeito à diversidade e ao ser humano, informalidade, confiança, segurança, respeito da universidade, gratidão à Universidade paralelamente à vocação para ser uma professora que contribui para o aprendizado dos alunos. Humildade, simplicidade da aula, afetividade, conversas com alunos, respeito à diversidade das turmas paralelamente ao objetivo de continuar como professora que busca interagir com alunos considerando interesses de ambos.

P

Justiça social, consciência de mundo, disposição para contestar e denunciar e convicção para o curso na confluência com o desejo de ter um curso que forma efetivamente o professor (com professores exigentes e que desenvolva habilidades para lidar com o ser humano). Iniciativa, resolução, coragem, amizade, tolerância, abertura ao novo, proximidade entre professor e alunos enquanto visa ao trabalho com crianças por gosto. Persistência para se formar (sob a influência da família) e gosto por uma boa metodologia enquanto luta para ser professora otimista e consciente da amplitude do curso. Formação consistente que contribua para o desenvolvimento dos alunos, da sociedade e da educação na relação com o interesse de ser professora consciente da função social.

A

Continua.

LP

LL

LP

599 Continuação Quadro 41.

Construção da subjetividade: abandono da herança cultural e da intencionalidade racional em meio às tensões (momento em que o participante se distancia dos Eus sociais)

Identidade subjetiva: empenhamento em modelos culturais (identificação com figuras históricas disponíveis)

Continua.

Respeito, compromisso e responsabilidade se deparam com o interesse de ser uma professora que contribui para a maior consciência dos alunos e melhor desempenho como professora. Respeito, compreensão, cuidado, atenção ao olhar sensível e rigor (na Universidade) se deparam com o interesse de desenvolver propostas de trabalhos compartilhadas com os alunos. Coragem para reconhecer fragilidades, bem como companheirismo, depara-se com o interesse de ser professora capaz de estabelecer diálogos.

P

Abandonam-se preceitos religiosos para brincar com colegas, falar amenidades, bem como adquirir conhecimentos, e assim mudar ideias. Abandonam-se papéis sociais relacionados aos alunos que não se responsabilizam pelo seu aprendizado ou que demonstram saber mais que colegas de cursos menos valorizados. Idem, relacionados a pouca criatividade de colegas.

A

Resistência a papéis sociais que definiriam como docente ultrapassado por ministrar disciplina não bem aceita por alunos. Também a papéis que definiriam como professora omissa.

P

Abandonam-se papéis sociais relacionados ao imediatismo de colegas e com a pouca exigência de professores. Idem, relacionados a pouca criatividade de colegas. Idem, relacionados ao pessimismo e com a pouca consciência de mundo de alguns professores. Idem, à incoerência e à acomodação de professores inseridos num modelo educacional que estaria errado.

A

Resistência a papéis sociais que definiriam como professora mais vinculada à teoria do que à prática. Também a papéis que definiriam como professora arrastada pela cultura de massa (imediatismo sem reflexão). Idem, para professoras encaixotadas pela grade curricular.

P

Docente amigo que ensine e passe experiências de vida, bem como saiba manter certo distanciamento dos alunos (para o bem da interação). Docente que inove, capte a atenção dos alunos e fale sua língua, desenvolvendo conteúdos extraescolares. Que tenha bom humor. Que seja um escritor e um docente criativo.

A

Professora que se compraz com o aprendizado do aluno, se atualiza permanentemente e articula informação com formação.

P

Docente líder, detentor de conhecimentos relacionados aos conteúdos da disciplina e relacionados com a formação humana. Que desperte os alunos para maior consciência de mundo. Que se relacione bem com os alunos (ajuda-os a amadurecer). Que incentive a criticidade, a expressão e tenha competência técnica. Que seja otimista e consciente do valor do curso de LP. Que contribua para formar pessoas reflexivas, diferentes. Que seja consciente da função social do professor.

A

Professora que mostra aos alunos as oportunidades que os levam a ser melhores como pessoa e a ser melhores no que fazem. Que entende ser cada pessoa responsável pela própria felicidade. Que promove reflexão junto aos alunos. Que dialoga com alunos e colegas. Que contribui para o desenvolvimento integral do aluno. Que incentiva. Que age. Que entende ser cada um responsável pela felicidade do outro.

P

LL

LP

LL

LP

600 Continuação Quadro 41. Dificuldade para se empenhar em modelos culturais: obstáculos à expressão da subjetividade

Pouco incentivo a pesquisa na área da linguística. Condenação de colegas à aproximação com professores. Expectativa de alto nível de exigência dos futuros alunos para a novidade. Formação recebida prioriza a transmissão de conteúdos e não o cultivo de uma relação mais humana. Pouco cultivo à criatividade, por parte de professores de gramática na comparação com professores de literatura. O desejo de ser escritor encontra obstáculos no fechamento de estudos a linhas de pensamentos (limita a criatividade).

A

Imaturidade dos alunos. Desvalorização do profissional, pois não leem textos. Desinteresse dos alunos para ser docente. O curso não prepara para ser professor. Turmas de tamanhos diferentes, que dificulta atrair os alunos (perfis diferentes). Testes a que os alunos submetem professores (mais no primeiro semestre) e certo preconceito de alunos com a pessoa do professor.

P

Superficialidade do curso, inclusive quanto à formação para o humano. Desorganização do curso ao juntar turmas com perfis diferentes para cursarem a mesma disciplina. Turma numerosa (barulho, descontrole do professor sobre os alunos).

A

Amorosidade com os alunos (sente-se mal compreendida). Cultura de massa (alunos não param para refletir). Modelo avaliativo dos alunos impede desenvolver a pedagogia dialógica. Pouca coragem para enfrentar grades postas pelo currículo, escola e universidade.

P

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A – Aluno. P – Professor. LL – Licenciatura em Letras. LP – Licenciatura em Pedagogia.

LL

LP

601

Unidades de Registro (temas)

Cursos

Unidades de Contexto

Participantes

Quadro 42 – Unidades de contexto e de registro: informação e formação.

Informação Carga de informações repassadas pelas professoras

Aptidões para resolver problemas: intensidade da presença na prática didáticopedagógica

Continua.

Para alguns, não haveria sobrecarga de informações. Para outros, sim. Estes informaram que muita informação leva o professor a falar muito e assim fica prejudicado o diálogo com os alunos. Seria tanta informação que não cabe no tempo previsto para o curso. O sentimento de não ser professora conteudista leva a buscar equilíbrio entre conteúdos planejados e conteúdos emergentes na relação com os alunos. Dificuldades para equilibrar informação e formação envolveriam a estrutura social desfavorável, com repercussão na interação entre alunos e professores. Dificuldades para desenvolver algo além do mero repasse de informações por não ser do agrado dos alunos (para eles, é chato e enjoado), em função da fragilidade da base conceitual do aluno e da deficiência da educação básica. Professora afirmou que: “eu vejo num texto produzido, ele tem muitas informações, mas tem pouca formação. A formação básica (sic), ela está dando lugar a esse excesso de informações que não aprofundam” (P2). Houve o entendimento de que conteúdo restringe-se à matéria (afirmado em mais de uma entrevista). Para alguns, haveria sobrecarga de informações na relação com temas afetos a valores e emoções. Para outros, os conteúdos (conceitos) estão poucos no curso, haveria pouca matéria. (Houve quem não soubesse dizer). O sentimento de que equilibra informação e formação predominou entre as professoras. Para alguma, não será o conteúdo (informação) que ficará com os alunos, mas as experiências. Formação

A

Para alguns, seriam os professores de gramática aqueles que contribuem para desenvolver essas aptidões. Para outros, a maioria dos professores preparam os alunos para resolver problemas, viver num mundo agitado como o atual. Essa maioria narra suas experiências de vida, o que ajuda na interação com os alunos. Para outro, a maioria dos professores prioriza conteúdos (conceitos), sendo que ele aprecia isto. Algumas afirmaram que tentam contribuir para o desenvolvimento dessa aptidão (levando experiências pessoais para os alunos), o que contribuiria para uma melhor interação. Uma afirmou que o curso não prepara o aluno para ser professor. Outra declarou que não consegue contribuir para que os alunos se preparem para viver num mundo agitado como o atual. Segundo esta, o conteúdo é coisa separada da questão de solução de problemas, com a

A

LL

P

A

LP

P

P

LL

602 Continuação Quadro 42. qual o professor “vai ter que sempre trabalhar” (P3). Afirmou que “enquanto professora” não consegue “de alguma maneira contribuir para isso”. No máximo, desenvolve espírito crítico no aluno por meio dos conteúdos (matéria). Afirmou: “eu tenho plena certeza que diretamente eu não estou fazendo isso” (P3). Para um participante, somente três professores preparam efetivamente o aluno para resolver problemas, pois extrapolam conteúdos desenvolvidos (fazem-no porque foram professores da educação básica). São professores que mostram ser possível chegar lá. Para outro, os professores contribuem para que o aluno se expresse, reflita, seja realista, se posicione, alargue a visão de mundo. Para outro, a maioria dos professores trazem assuntos que contribuem para tratar e resolver problemas (citam suas experiências). No entanto, isto fica sombreado pelo fato de que “tem muito professor que se limita a passar matéria”. Interfere na interação, sendo contraditório para um curso como LP. Outro ainda, afirmou que os professores do curso, de algum modo, preparam os alunos para resolver problemas e viver num mundo agitado como o atual. No entanto, ressente-se de uma atuação didático-pedagógica mais focada no desenvolvimento dessa aptidão. Professora preocupada em contribuir para a maior autonomia do aluno, que ele entenda, relacione-se, intervenha e sobreviva num mundo em permanente mudança. Professora afirmou que não há como avaliar se o professor contribui para desenvolver tais aptidões (talvez o estágio supervisionado ajudasse a avaliar). Para outra, isto está no dia a dia da relação com os alunos.

A

LP

P

Articulação Razão e emoção: metodologias favoráveis ao equilíbrio

Articulação entre

Continua.

Para um participante, os professores utilizam metodologias que ajudam a equilibrar razão e emoção (uns brincam, criam amizades, enquanto os alunos riem e despertam). Para outro, professores movimentam-se mais em termos racionais do que emocionais, priorizando explicações, construção de conhecimentos, em vez de utilização de dinâmicas. Duas professoras do curso (participantes) foram mencionadas por descontraírem a aula e citar situações familiares. Duas professoras declararam que conseguem equilibrar aspectos racionais e emocionais quando lidam com os alunos: para uma delas, torna-se necessário que haja controle sobre a fala dos alunos; necessário haver certo distanciamento deles, pois isto mantém o respeito; para a outra, torna-e necessário que o professor saiba “o momento de brincar” (P2). A terceira professora não evidenciou maior priorização para a questão levantada. Só um participante se manifestou ao dizer que alguns professores conseguem certo equilíbrio entre as duas dimensões. Segundo informou, há aqueles que se sentem ameaçados com as perguntas dos alunos (não gostam de ser criticados). Uma participante assumiu que não tem estratégia definida. Duas outras, sim, mencionaram o que fazem em situações em que o equilíbrio se faz exigir. Uma delas prioriza atendimento mais próximo (compreenderia melhor o aluno como pessoa) ao tempo em que entende ser necessário haver certo distanciamento do aluno. A outra busca desenvolver metodologias que vem estudando há mais de 10 anos. Esta afirmou que valoriza a escuta, a compreensão do sujeito como aprendente e como ensinante, tendo que trabalhar as dimensões políticas e emocionais no contexto da relação aluno e professor. Entendem que a maioria dos professores ainda restringe sua atuação ao desenvolvimento de conteúdos (matéria).

A

LL

P

A

LP

P

A

LL

603 Continuação Quadro 42. os conteúdos: articulação entre conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais

Ensino, pesquisa e extensão: como contribuem para a interação entre alunos e professores

Os que expandem os conteúdos dão conselhos de vida, dicas para o trabalho, alertam para questões práticas (ser entrevistado ou atuar na sala de aula). Participante percebe vantagens para passar em concursos, mas não percebe em que os conteúdos mudam suas atitudes. Um participante falou que o curso mudou muito sua percepção de mundo e que aplica tudo o que aprendeu, tendo se tornado mais compreensivo. Para uma participante, os professores do curso ainda estão muito presos aos conteúdos enquanto matéria. Informou que não sabe qual é o impacto dos conhecimentos desenvolvidos sobre a mudança de comportamento dos alunos e como serão utilizados por eles. Outra participante evidenciou que articula os diversos tipos de conteúdos – utiliza com frequência os assuntos que os alunos abordam na sala de aula. Uma terceira, para quem os conteúdos restringem-se à matéria, não aproveita oportunidades que surgem na sala de aula para articular os diversos tipos de conteúdos. Entendem que professores que contribuem para capacitar a resolver problemas são os que ajudam a mudar a atitude dos alunos e a fazer com que eles aprendam – eles conseguem porque levam os alunos a se sentirem desafiados. Professores que mencionam fatos negativos da profissão de professor também contribuem para a ação consciente do aluno. Um participante informou que os conteúdos conceituais são poucos, predominando os procedimentais e atitudinais. Haveria professores incoerentes e alunos que se comportam só como alunos e não como futuros professores (seria por culpa dos professores, que desenvolvem atividades tradicionais). A seu modo, as professoras articulam os conteúdos. Uma delas aproveita crises (conflitos na sala de aula) para articular. Uma segunda aproveita situações do dia a dia para interagir com os alunos, levando-os a parar e refletir, colocar-se no lugar do outro – vincular teoria com prática. Uma terceira aproveita questões que surgem nas mídias e que sejam relacionadas à educação – busca aproximar teoria e prática. A monitoria contribui para interagir com outros alunos. A participação em projetos de pesquisa contribui para haver maior interação entre alunos e professores. Entendem que, devido à escassez de projetos de pesquisa e extensão no curso, a contribuição é pouca. Os professores ainda estariam a atuar muito na sala de aula e a culpa seria dos alunos, que não se interessam por projetos. Além disso, “Letras é um espaço onde as pesquisas não são tão grandes; se dá mais valor às exatas” (P2). O incentivo a pesquisa seria “mais por meio de conversa, incentivo verbal, indicação de uma leitura complementar, indicação de um grupo de pesquisa, de um evento” (P3). Haveria dificuldade para incentivar projetos de extensão, dada a pouca experiência docente nessa área. A participação em projetos de extensão contribuiria para haver maior interação entre alunos e professores (cria informalidade): a expor, a descontrair nas aulas do professor coordenador do projeto, a articular melhor com professores de outras escolas (estágio supervisionado), a criticar, a ingressar em outros projetos, a possuir mais informações. No entanto, contribuem pouco se considerada sua escassez no curso (o que seria por culpa dos docentes). A sala de aula da graduação seria limitadora da pesquisa, pois “pesquisar exige tempo, o qual às vezes dificulta ao professor organizar os alunos para que possa orientar” (P6). Mencionou-se que seria o caso de aproveitar o estágio supervisionado para tal.

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A – Aluno. P – Professor. LL – Licenciatura em Letras. LP – Licenciatura em Pedagogia.

P

A

LP

P

A

LL

P

A

P

LP

604

Unidades de Registro (temas)

Cursos

Unidades de Contexto

Participantes

Quadro 43 – Unidades de contexto e de registro: interação social.

Interação Conceito de interação e possibilidades de existir

Interagir é ter amizade com os professores, é mais do que desenvolver conteúdos, é fazer perguntas ao professor e ele responder depois de ler textos passados para ler em casa. A boa interação ocorre: quando é objetiva, em que colegas e professor troquem ideias sobre o conteúdo e não se discuta assuntos pessoais; quando colegas falam durante a aula, o que traz oportunidade de aprender coisas novas; quando os professores demonstram valores aos alunos. Alguns professores interagem e deveria ocorrer com mais frequência. Interagir é conversar com o aluno. É colaborar, é oferecer feedbacks (do professor para o aluno), é usar máscaras (simular), é atender a expectativas (dos alunos), é conversar (garantida ao aluno pelo professor), é trocar ideias. Ocorre também na informalidade. A boa interação ocorre: só se o mundo do aluno for colocado em discussão; quando os alunos estão estimulados para o curso; quando o professor está atualizado e de bom humor; quando o professor abre mão de sua autoridade e quando sai dos limites disciplina; quando o professor colabora (o que seria pouco frequente). Percebem-se como professoras que interagem com os alunos. Interagir é desenvolver conversas tanto sobre os conteúdos quanto sobre outros assuntos. É estabelecer uma relação mais profunda, o que significaria oferecer conselhos, emocionar alunos, ter maior intimidade. É conversa, é questionamento, é descontração, envolve certa afetividade. Ocorre interação no curso quando predominam mais as características do curso, menos a iniciativa do professor. Por isto, embora a maioria dos professores não desenvolvam estratégias de trabalho de se aproximar efetivamente dos alunos, estes conseguem se relacionar bem com eles. Há casos em que ocorre interação quando os alunos se aproximam do professor no final da aula ou quando o professor toma a iniciativa. Assim, considerando esses conceitos, alguns professores interagem com os alunos, sendo que uma professora se destaca, pois “num fica num patamar, eu sou professora, vocês são alunos. Mais amiga!” (A7). A boa interação ocorre quando: o professor sabe os objetivos da disciplina e os deixa claro para eles; o professor compreende o retorno dado pelos alunos; escuta as solicitações dos alunos; é organizado; não exagera no envio de textos por e-mails.

Continua.

A

LL

P

A

LP

605 Continuação Quadro 43.

Atuação didáticopedagógica

Continua.

Interagir é ter uma conversa esclarecedora com o aluno no início do semestre (expectativas) e no final (como foi). É ter uma relação honesta com o aluno. No entanto, limita-se à cultura do curso que leva o aluno a adquirir hábitos e ter iniciativas que prejudicam a boa interação. Limita-se também à concepção dos alunos sobre avaliação (eles focam resultado, não processo). Limita-se ainda ao modelo de escola que prioriza o cognitivo, e que cobra dos alunos níveis de acumulação de informações (como se fosse possível medir) o que desgasta a relação entre professor e alunos. O limite está no controle, por parte do professor, do poder sobre o aluno. A boa interação ocorre quando: os alunos se percebem como corresponsáveis pelo processo de interação; o professor abre mão da relação de poder sobre os alunos; o professor faz atividades diversificadas com os alunos e trabalhos em grupo (apesar de ser uma interação que se restringiria ao modelo de escola, aquela que vigia os alunos); o professor coloca o mundo dos alunos em discussão; o professor traz experiências de vida para a relação com o aluno. Percebem-se como professoras que interagem com os alunos. A interação ocorrerá se o aluno demonstrar interesse – caso contrário, o professor tenta conversar, mas ainda assim se o aluno persistir desinteressado, o “professor também nem liga” (A3). Há professores que “só tem o foco no ensinar, não têm uma interação”. Seria bom “aquele professor que conversa, que não só passe o conteúdo, mas que possa conversar com os alunos também durante a aula” (A2). Tal conversa fica facilitada quando os professores se identificam com os alunos. A interação ocorre de acordo com o modo de ser do professor: uns querem manter uma relação mais pessoal com o aluno e outros mantêm certo distanciamento. Ocorre quando o professor demonstra seus valores (familiares), seu lado afetivo, pessoal. Poderia haver mais saídas (visitas a exposições, por exemplo). Embora não haja muitos debates, talvez isto fosse bom para o curso. A interação deve ocorrer com respeito, cordialidade, respeito à diversidade, afetividade, descontração, conversas, liberdade de expressão; mas com limites, com distanciamento. Ocorrerá só se houver dinâmicas na aula de aula, se for levada em conta a opinião dos alunos, se eles forem escutados. O curso não prepara os alunos para que desenvolvam atuação deste tipo quando atuarem como docentes. Porque o curso não prepara, “o aluno chega à sala de aula e não sabe o que faz [e, por isto], a gente vê tantos professores com problemas graves de relacionamento com as pessoas, com a própria família porque ele não sabe o que fazer na sala de aula (P2)”. Por outro lado, se a maioria dos professores do curso percebe que a interação não é melhor porque os alunos não participam das atividades da Universidade (porque trabalham); esses mesmos professores não participam de atividades, não se engajam: “nem todos estão dispostos a colocar a mão na massa para garantir isso [a interação] (P3)”. A iniciativa da interação é responsabilidade do professor. Ou da própria Universidade, o que poderia ser por meio de projetos de extensão. A metade dos professores opta por evidenciar claramente certo distanciamento dos alunos – alguns professores dizem que muita aproximação não é muito pedagógica. No entanto, com alguns professores, percebe-se um querer ser para “além de professor; mas te conhecer” (A5). A interação boa ocorre quando há iniciativa do professor e do aluno. No entanto, o próprio curso de LP contribui para uma aproximação entre eles – ainda que o professor não desenvolva ações no sentido de se aproximar mais dos alunos. No curso, poucos conseguiriam uma relação mais profunda. Outros nem tanto e outros estabeleceram uma relação normal – professor e aluno, sem muita proximidade, cada qual com seu papel: “um de ensinar, outro de aprender” (A7). A interação “passa pelo encantamento do professor sobre o aluno” (A7). A interação ocorre se o professor não se

P

A

LL

P

A

LP

606 Continuação Quadro 43.

Abertura para a interação social

Conceito de diálogo e possibilidades de existir

Continua.

sentir dono do conhecimento. Não deveria “agir de forma prepotente sem ver o aluno como pessoa que pode contribuir muito com aquela aula, que pode trazer novas informações, novos textos” (A8). A interação social positiva conta com a utilização de atividades diversificadas. Abandona “o modelo de educação que está na base, que é tradicional, imediatista, talvez” (P4) e passa a contar com o diálogo claro com os alunos, chamando-os a ser corresponsáveis pelo processo de interação. (Sem evidências identificadas).

P

A

Entendimento de que os alunos se mostram desanimados para tal e isto poderia estar vinculado ao fato de o curso não ter ainda uma identidade – houve um tempo em que os alunos sabiam para que se formavam, pois os papéis eram mais bem definidos. A abertura à interação social precisa ser dos alunos, mas também dos professores: “eu acho que a interação, ela tem que partir do professor, também, porque se você espera que o aluno interaja com você, tem hora que não acontece! (P2)”. A abertura à interação social ocorre em momentos nos quais “alguns alunos se aproximam dos professores para conversar após a aula” (A5). A abertura prejudica-se nos momentos em que o aluno não se percebe já como professor, mas permanecendo na condição de estudante: “eu acho muito ruim quando eles se comportam como alunos!” (A8). A abertura precisa advir da escola como um todo e isto ocorrerá se o aluno souber se realmente deseja realizar o curso. Passa ainda pelo desejo do aluno de querer cursar: “o sucesso da interação passa pelo perfil da turma e do curso, e às vezes se o aluno não se colocar na condição do ‘não quero’” (P5). Diálogo

P

Diálogo como interação, troca de ideias e opiniões. No entanto, a maioria dos professores restringem os diálogos aos conteúdos desenvolvidos; não os estendem a detalhes da vida pessoal, fazendo-o quando se torna necessário. O bom diálogo ocorre quando os alunos não se acomodam. Quando os professores deixam os alunos opinar sobre a aula (nem todos entendem assim). Se assim entendido, os professores dialogam com os alunos. Percepção de que dialogam com os alunos. Para certa professora, dialogar é trazer o mundo real para dentro da sala de aula. Para outra, dialogar é conversar de modo descontraído, fazer perguntas. Diálogo ocorre se for ao modo freireano. Para uma aluna, este diálogo existe no curso, exceto por ação de alguns professores. Para outros alunos, em geral, o diálogo freireano, priorizando trazer o mundo do aluno para o ato educativo, não existe na Universidade: “essa questão de usar a realidade do aluno para aproximar o professor, eu não me lembro de ter vivido muito isso aqui na Universidade” (A6). Para outros alunos, embora exista tal diálogo, “nem todos os alunos falam!” (A7). A natureza da disciplina como fator que favorece o bom diálogo. O conhecimento a respeito do aluno como facilitador. Diálogo como troca de impressões, ideias, com retornos sobre a atuação do aluno e da professora (utilizado para aperfeiçoar o diálogo e não para proporcionar ofensa). A honestidade como fator que viabiliza o diálogo com os alunos. Ocorre diálogo quando o professor faz a mediação, questiona, promove reflexões, levando o aluno a avaliar, a repensar iniciativas; quando o aluno está no momento do curso que o permite ver o mundo de forma diferente (a estrutura do curso aqui é importante). No entanto, o diálogo limita-se, caso o aluno tenha idade próxima

A

A

LL

LP

P

LL

P A

P

LP

607 Continuação Quadro 43. Atuação didáticopedagógica

Abertura ao diálogo

à da professora (pois não aceita dialogar plenamente). Para os estudantes, há insuficiência de diálogo com os alunos. Mais diálogo com professores de linguística, menos com os de literatura. Diálogo condicionado à vontade do professor de criar abertura ao aluno. Este vai até aquele só se houver liberdade. Dialogo melhor se os professores falassem menos do conteúdo e se dessem mais oportunidade de opinião aos alunos. Segundo as professoras, o diálogo entre professor e alunos deve iniciar no planejamento das aulas e este submetido à discussão dos alunos. O gosto pela aula mais agradável: “eu não sou a favor que eu só ensine; o professor não ensina, ele aprende. Se eu só jogar, não vou receber nada de volta. Se eu for só jogar a matéria, jogar a matéria, jogar a matéria, em que vai me agradar? A palavra do mundo precede a leitura da palavra” (P2). Identificada preocupação de promover interação entre alunos com opção por português e por inglês. Dialogo como o despertar para a crítica, como elaboração de perguntas. As disciplinas neurocientíficas – por conterem muito conteúdos – como fator de dificuldade aos professores para desenvolver uma pedagogia mais dialógica. A curta duração do curso como fator de dificuldade. O desconhecimento da postura dos alunos como fator de dificuldade (o curso como intermédio para passar em concursos públicos, o curso como alternativa ao insucesso de ingresso em cursos mais cobiçados e o curso como o de menor custo). Preocupação de demonstrar aos alunos outras visões de mundo. No entanto, se não conseguem isto, sofrem. Atuação mediadora, questionamento para possibilitar reflexão aos alunos e poder de transformação. Estado de alerta para construção do diálogo. (Sem evidências identificadas).

A

P

A

LP

P

A

Os alunos e os professores como responsáveis pela abertura ao diálogo.

P

O diálogo condicionado mais à atitude por parte dos alunos do que por parte dos professores. O Centro Acadêmico como instância que não representa os alunos. Aceitação do Centro Acadêmico como instância resolutiva, pois o aluno que trabalha não tem tempo para participar de atividades acadêmicas – o que causa frustração ao aluno. (Sem evidências identificadas).

A

Fonte: elaboração do autor. Legenda: A – Aluno. P – Professor. LL – Licenciatura em Letras. LP – Licenciatura em Pedagogia.

LL

P

LL LP

608

APÊNDICE E – TÉCNICAS: TEMPOS DE APLICAÇÃO Tabela 1 – Duração das observações diretas. Cursos

Participantes

Tempo (min.)

P1

200

P2

200

P3

200

LL

Subtotal: somente Letras LP

600

P4

200

P5

200

P6

200

Subtotal: somente Pedagogia

600

Total

1.200

Fonte: elaboração do autor. Tabela 2 – Duração dos relatos de vida e replicações. Tempo (min.) Cursos

Participantes

Relatos de vida

Letras

A1

18

13

31

Letras

A2

21

17

38

Letras

A3

25

17

42

Letras

A4

31

33

64

Pedagogia

A5

24

17

41

Pedagogia

A6

24

0

24

Pedagogia

A7

27

20

47

Pedagogia

A8

49

31

80

219

148

367

Subtotais: somente alunos

Replicações

Totais

Letras

P1

43

49

92

Letras

P2

57

30

87

Letras

P3

39

64

103

Pedagogia

P4

46

24

70

Pedagogia

P5

32

35

67

Pedagogia

P6

36

44

80

Subtotais: somente professoras

253

246

499

Subtotais: somente o curso LL

234

223

457

Subtotais: somente LP

238

171

409

Totais: alunos e professores, LL e LP

472

394

866

Fonte: elaboração do autor.

609

Tabela 3 – Duração das entrevistas estruturadas. Cursos

Participantes

LL

Tempo (min.)

A1

12

P1

Subtotal: somente Letras LP

12

A5

37

P4

Subtotal: somente Pedagogia

37

Total

49

Fonte: elaboração do autor. Tabela 4 – Duração das análises interpretativas e críticas. Documentos

Tempo (min.)

LL

PPC

300

LP

PPC

256

Cursos

Subtotal: somente PPC

556

LL

PE1

LL

PE2

LL

PE3

LP

PE4

LP

PE5

LP

PE6

Subtotal: somente PE Total

60

60 616

Fonte: elaboração do autor. Legenda: PE1 a PE6 – Planos de Ensino das disciplinas ministradas pelas professoras participantes.

610 APÊNDICE F – PERFIS: PARTICIPANTES, CURSOS, DISCIPLINAS E AULAS Quadro 44 – Caracterização dos participantes. Aspectos Gênero Idade Formação acadêmica

Categoria administrativa das instituições onde estudou/estuda Tempo de atuação docente Tempo de vinculação com a universidade Tempo de vinculação com o curso Semestre em que as professoras ensinam e semestre em que os alunos estudam

Continua.

Alunos Seis participantes mulheres e dois homens. A média de idade esteve em 20 anos, sendo três participantes com 19, outros três com 20, um com 21 e outro com 29. Os oito participantes possuíam o ensino médio completo, sendo que um dos graduandos do curso de LL havia optado por estudar Português e Inglês; três outros deste mesmo curso haviam optado por estudar Português e quatro participantes se graduavam em LP. Os quatro participantes do curso de LL haviam feito a educação básica em escolas da rede privada de ensino, sendo que um deles estudara também em escola pública no ensino fundamental. Os quatro participantes do curso de LP tinham feito a educação básica em escolas da rede pública de ensino. Não se aplica.

Igual ao tempo de vinculação com o curso estudado.

Os participantes tinham um tempo médio de curso de dois anos e dez meses. Os quatro participantes do curso de LL estavam no quarto semestre e os quatro do curso de LP estavam no sexto semestre do curso.

Professoras Seis participantes mulheres. Duas professoras tinham idade entre 31 e 40 anos; duas entre 41 e 50; duas acima de 60. Havia uma especialista, cinco mestres, uma mestranda e uma doutoranda.

Todas haviam realizado a educação básica em escolas da rede pública de ensino e a educação superior em instituições da rede privada de ensino (sendo que uma delas havia estudado também na rede pública de ensino).

Em média, as professoras do curso de LL atuavam há 32 anos e as do curso de LP há 17 anos. Considerando os dois cursos, esta média ficou em 24 anos. Em média, as professoras do curso de LL já trabalhavam há 17 anos na universidade e as do curso de LP há seis anos. Considerando os dois cursos, esta média ficou em 11 anos. Em média, as professoras do curso de LL atuavam há 12 anos e as do curso de LP há sete anos. Considerando os dois cursos, esta média ficou em nove anos. As professoras do curso de LL priorizavam sua atuação docente em turmas do quarto semestre e as do curso de LP priorizavam turmas do sexto semestre.

611 Continuação Quadro 44. Aspectos

Alunos

Participação em projetos de pesquisa

Nenhum participante atuava em projetos de pesquisa. Dois do curso de LL atuavam em grupos de estudos. Três do curso de LP já haviam participado de projetos de pesquisa.

Cinco participantes atuavam em projetos de pesquisa, sendo duas do curso de LL e três do curso de LP.

Participação em projetos de extensão

Três participantes atuavam em projetos de extensão, sendo um do curso de LL (que também participava de grupo de estudos) e dois do curso de LP. Outro do curso de LP já havia participado de projetos de extensão.

Uma participante atuava em projeto de extensão, sendo do curso de LP (que também participava de um projeto de pesquisa).

Regime de tempo de trabalho na universidade

Não se aplica.

Duas professoras eram do regime de tempo integral, uma do regime de tempo parcial e outras três eram horistas.

Atividade além de estudar na sala de aula (alunos) e atividade além da docência na sala de aula (professor)

Nenhum dos quatro participantes do curso de LL havia iniciado estágio supervisionado. No entanto, dois deles faziam estágio remunerado. Os quatro participantes do curso de LP faziam o estágio supervisionado. Dois deles faziam estágio remunerado.

Todas exerciam atividades fora da sala de aula, com atuação em docência em cursos a distância, em coordenação de estágios supervisionados ou remunerados ou do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), em cursos de pós-graduação lato sensu ou da formação em práticas docentes ou, finalmente, com atuação em assessoria pedagógica de curso.

Relações entre quantidade de aulas a que cada aluno assistiu e relações entre a quantidade de alunos por turma nas aulas ministradas pelos professores

Em média, cada aluno participante esteve presente em 7,5 aulas observadas, sendo: um esteve presente em 12 aulas; cinco estiveram presentes, cada um, em oito aulas; dois estiveram presentes, cada um, em quatro aulas (ver Fig. 7 e 9).

Em média, cada professora participante do curso de LL teve dezoito alunos por turma, sendo 15 mulheres e três homens. No curso de LP esta média esteve com 32 alunos, sendo 30 mulheres e um homem por turma. Considerando os dois cursos, cada professora participante teve uma média de 25 alunos por turma, sendo 23 mulheres e dois homens.

Fonte: elaboração do autor.

Professoras

612 Quadro 45 – Caracterização dos cursos. Cursos O PPC de LL foi aprovado em abril de 2010. O curso foi reconhecido legalmente em 1993. (p. 13). Oferece duas habilitações: Português e Literaturas de Língua Portuguesa; Inglês e Literaturas de Língua Inglesa. (p. 30). O PPC de LP foi aprovado em maio de 2010. O curso foi reconhecido legalmente em 1977. (p. 14).

Objetivos

Cargas horárias

Objetivo do curso: “formar profissionais da linguagem para atuarem, primordialmente, como professores em escolas de ensino fundamental e de ensino médio, nas disciplinas de Língua Portuguesa e respectivas Literaturas, de Língua Inglesa e respectivas Literaturas, considerando o estado do conhecimento nessas áreas e as políticas públicas de educação e de línguas do País” (PPC LETRAS, 2010, p. 19).

2.865 horas (habilitação em Português e Literaturas de Língua Portuguesa).

Objetivo do curso:

3.205 horas. (p. 2).

2.850 horas (habilitação em Inglês e Literaturas de Língua Inglesa). (p. 19 e 30).

Durações

Turnos

Sete semestres (turno matutino, tendo o aluno optado por uma ou por duas habilitações).

Matutino (o aluno opta por uma das habilitações ou por duas) e noturno (opta só por uma das habilitações). (p. 18 e 30).

Seis semestres (noturno). (p. 18 e 30).

Oito semestres. (p. 2).

Noturno. (p. 2).

“Contribuir para a construção de uma sociedade em que cidadãos tenham uma posição crítica referente ao acesso ao escrito, impresso e digital, e que possam ser exemplo de postura ética e crítica àqueles com quem travarão contato no mundo profissional, seja em sala de aula, em laboratórios de pesquisa, ou em quaisquer outras atividades profissionais em que se estabeleçam” (PPC PEDAGOGIA, 2010, p. 18).

Abrangências Quantidades Quantidades de de alunos professores Mínimo de sete e Havia 18 máximo de 11 alunos professores por semestre (nas (12 mulheres duas habilitações). e seis homens) (p. 122 e 124). atuando no curso por À realização da ocasião da pesquisa, havia 416 pesquisa. alunos matriculados, estando 31 com o pedido de matrícula suspenso. Respectivamente, 227 e 20 do turno matutino e 158 e 11 do turno noturno. Mínimo de 40 alunos Havia 20 por semestre. professores (11 mulheres (p. 2). e nove homens) À realização da atuando no pesquisa, havia 277 curso no alunos matriculados, momento da estando 24 com o pesquisa. pedido de matrícula suspenso. Todos do turno matutino.

Fonte: elaboração do autor, com base nas análises interpretativas e críticas dos PPCs e PEs, bem como nas informações fornecidas pelas professoras, direção dos cursos e secretaria acadêmica da Universidade. Observação: as páginas entre parênteses referem-se às páginas dos respectivos documentos analisados.

613 Quadro 46 – Caracterização das disciplinas. Cargas horárias/ Turnos

Cursos/Disciplinas/ Objetivos

Metodologias

LL/Prática de Análise da Linguagem III. Objetivo da disciplina: “ao final do curso o aluno deverá ter adquirido competência para analisar sintaticamente, com ajuda das diversas teorias gramaticais, os textos dados do português, levando-se em consideração as possibilidades e os limites da gramática tradicional e outras gramáticas modernas”. (p. 1).

Metodologia: “Tem como referência a perspectiva construtivista, comprometida com a valorização das experiências individuais, com a troca de informações e com o desenvolvimento da autonomia intelectual. As aulas organizar-se-ão por meio da exposição de dados teóricos, realização de exercícios, elaboração de um projeto para divulgar uma experiência didática”. (p. 2).

90 horas, matutino.

12 alunos, sendo 10 mulheres e dois homens. Nenhum aluno participava de projetos de pesquisa e de extensão. Uma professora.

LL/Prática de Análise da Linguagem IV. Objetivo da disciplina: “Refletir sobre as relações entre língua materna e língua nacional, características do português brasileiro, a língua portuguesa no mundo, variações, teoria e a prática da língua materna no ensino fundamental e médio a partir de seus fundamentos didáticometodológicos, buscando fazer a integração necessária dos conteúdos com a metodologia a adotar” (p. 1).

Metodologia: “Aulas expositivo-participativas, leitura de textos específicos para análises ou debates em sala, elaboração de resumo, esquema, artigo ou pesquisa sobre assuntos estudados, e apresentação de seminário, mesaredonda, envolvendo temas relacionados à disciplina”. (p. 2).

90 horas, matutino.

11 alunos, sendo 10 mulheres e um homem. Nenhum aluno participava de projetos de pesquisa e uma aluna participava de projeto de extensão. Uma professora.

LL/Sintaxe e suas Interfaces. Objetivo da disciplina: “Ao final do semestre, o aluno deverá estar apto a compreender, descrever e analisar criticamente fenômenos sintáticos, segundo os pressupostos teóricos de diferentes correntes linguísticas” (p. 1)

Metodologia: “Aulas expositivas e participativas. Leitura de textos para análise e elaboração de resenha, realização de exercícios práticos, debate e apresentação oral” (p. 1).

60 horas, matutino.

33 alunos, sendo 27 mulheres e seis homens. Três alunos participavam de projetos de pesquisa e um de extensão. Uma professora.

Continua.

Quantidades de alunos/ Quantidades de professores

614 Continuação Quadro 46. Cursos/Disciplinas/ Objetivos LP/Matemática e seu Ensino. Objetivo da disciplina: “Proporcionar ao aluno do Curso de LP oportunidades de desenvolver competências e habilidades para coordenar o trabalho pedagógico com a Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, através de uma fundamentação teórico-metodológica dos conteúdos específicos deste nível de ensino, de modo que possa organizar as atividades em sala de aula favorecendo a aprendizagem da Matemática” (p. 1). LP/Estágio Supervisionado I – Prática no Ensino Fundamental. Objetivo da disciplina: “Relacionar o conhecimento da realidade educacional brasileira com as teorias da educação por meio da observação e levantamento de prioridades a serem trabalhadas no ambiente escolar, bem como, da elaboração de um conjunto de aulas a serem ministradas nos anos iniciais do Ensino Fundamental” (p. 1).

Metodologias

Cargas horárias/ Turnos

Quantidades de alunos/ Quantidades de professores

Metodologia: “A disciplina desenvolver-se-á a partir da relação entre teoria e prática. A concretização do trabalho será apoiada nas seguintes técnicas: leituras de textos, produção escrita, estudos de casos, visitas orientadas às escolas, aulas expositivas e aulas dialogadas, pesquisas orientadas, produção oral, seminários, oficinas, dinâmica de grupo, discussão e análise de situações-problemas apresentadas. Contará ainda com o apoio do ambiente virtual de aprendizagem” (p. 2).

90 horas, noturno.

Turma 1: Metodologia: “Estudos acerca de temas sobre educação, prática docente, professor-pesquisador, estágio e prática de ensino; encontros coletivos para sistematização das informações e dos estudos; orientação individual e coletiva para a elaboração do roteiro de observação e do conjunto de aulas; acompanhamento e orientação da elaboração e do desenvolvimento das atividades de observação e de regência” (p. 2).

160 horas, noturno.

Turma 1: 27 alunos, sendo 25 mulheres e dois homens. Uma aluna participava de projeto de pesquisa e sete alunos participavam de projetos de extensão. Uma professora.

Turma 2: Metodologia: “Leituras (...), relatórios de estágio (...), participação nos encontros de orientação individualizada e coletiva (...), planejamentos das aulas e confecção de materiais didáticos a serem nelas utilizados (...), regência e registro das aulas (...), apresentação do resultado da pesquisa em painel coletivo na Jornada de Formação Avaliativa” (p. 2).

160 horas, matutino.

Turma 2: 24 alunas. Duas alunas participavam de projetos de pesquisa e três participavam de projetos de extensão. Uma professora.

45 alunos, sendo 43 mulheres e dois homens. Nenhum aluno participava de projetos de pesquisa e duas alunas participavam de projetos de extensão. Uma professora.

Fonte: elaboração do autor, com base nas análises interpretativas e críticas dos PPCs e PEs, bem como nas informações fornecidas pelas professoras, direção dos cursos e secretaria acadêmica da Universidade. Observação: as páginas entre parênteses são dos respectivos PEs analisados.

615 Quadro 47 – Caracterização das aulas. Aulas: professora 1, 2, 3 e 4: P1

Datas

Duração (min.)

01.08.2013

200

Quantidade de alunos presentes Início Meio Fim 6 12 12

Ambiente físico e recursos

5, 6, 7 e 8: P2

06.08.2013

200

6

10

10

Sala equipada com computador, monitor, caixas de som, conexão em rede com os sistemas da Universidade. Ventilação natural. Iluminação adequada. Tomadas elétricas disponíveis. Silenciosa. Cadeiras acolchoadas, perfiladas até final da aula. Idem.

9, 10, 11 e 12: P3

07.08.2013

200

20

27

30

Idem.

13, 14, 15 e 16: P4

06.08.2013

200

25

43

40

Idem, com mesas arredondadas e cadeiras ao seu redor favoráveis à realização de trabalhos em grupo.

17, 18, 19 e 20: P5

21, 22, 23 e 24: P6

09.08.2013

23.08

200

200

10

13

19

17

19

20

Idem, com cadeiras acolchoadas, perfiladas no início e depois em círculo, assim permanecendo até o final da aula.

Idem, sendo que nas duas primeiras horas havia barulho externo advindo de motor ligado próximo à sala de aula.

Fonte: elaboração do autor, com base nas observações realizadas nas salas de aula.

Aspectos didáticos Expositiva dialogada. Uso de quadro e giz.

Expositiva dialogada, com perguntas. Uso de quadro, giz e computador e slides. Expositiva dialogada. Trabalhos em grupo. Jogos, material entregue aos alunos. Uso de quadro e pincéis. Orientações individuais a respeito das atividades do estágio supervisionado. Trabalhos em grupo com exposição dos alunos. Expositiva dialogada. Leitura dirigida. Uso de cartaz, quadro, giz, computador e slides. Expositiva dialogada. Trabalhos em grupo. Uso de computador e slides.

Horários

08h00 às 08h50 08h50 às 09h40

Expositiva dialogada. Uso de quadro e giz. Leitura dirigida. Painel integrado.

09h50 às 10h40 10h40 às 11h30

19h30 às 20h20 20h20 às 21h10 21h20 às 22h10 22h10 às 23h00

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APÊNDICE G – RELATÓRIOS PARCIAIS

A) Relatório Parcial I: Coleta e geração de dados

Este Relatório Parcial I, bem como o II (ver logo à frente), previstos no projeto de pesquisa, contêm informações a respeito dos percursos metodológicos utilizados na pesquisa. O primeiro refere-se à fase de coleta e geração de dados e o segundo refere-se às fases de resultados e análises. Os dois incluem percepções anotadas em diário de pesquisa. Possuem como principal objetivo contribuir para a possível repetição de procedimentos utilizados na investigação científica.

1. Sobre os participantes e a caracterização dos cursos, disciplinas e aulas

Mostrou-se relevante escolher uma aluna e uma professora a mais do previsto no projeto, pois estas substituíram duas participantes excluídas do grupo inicial. A exclusão ocorreu porque 1) uma aluna já escolhida deixou de comparecer ao local da entrevista em dois agendamentos; 2) uma professora que, apesar de ter tido aulas observadas e ter sido entrevistada uma vez, apresentou dificuldades para agendamento da replicação e, diferentemente das demais professoras, não entregou ao pesquisador o PE da disciplina. A caracterização dos cursos e disciplinas resultou das análises interpretativas e críticas dos PPCs e PEs, bem como de informações fornecidas pelas professoras, direção dos cursos e secretaria acadêmica da Universidade. Já a caracterização das aulas foi realizada com base nas observações diretas (Apêndice F).

2. Estratégia para coleta e geração de dados

Para a coleta de dados por meio das observações diretas e para a geração de dados por meio dos relatos de vida, utilizou-se a estratégia prevista no projeto de pesquisa, cumprindo-se o item 2, alíneas a e b do Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A). Como os dados obtidos não foram suficientes frente aos objetivos da pesquisa, após realizar os relatos de vida, tornou-se necessário construir e executar estratégia específica para obter mais dados.

617

3. Estratégia para obter mais dados: uma classificação dos objetivos

Os dados coletados por meio das observações diretas nas salas de aula estiveram organizados inicialmente de acordo com os itens do roteiro da observação direta, limitando-se esta organização a cada uma das seis aulas em que as observações foram realizadas. Os dados gerados por meio dos relatos de vida estiveram organizados de acordo com os objetivos específicos. Desse modo, prescindindo nesta fase da pesquisa de uma organização dos dados numa perspectiva de conjunto – realizada mais à frente para proceder à análise dos dados –, essa maneira de organizar contribuiu para identificar lacunas de informações. Estas informações seriam obtidas: 1) junto aos participantes por meio da replicação da técnica do relato de vida, como previsto no projeto de pesquisa; 2) junto a documentos institucionais da Universidade por meio da técnica da análise interpretativa e crítica, um recurso não previsto no projeto de pesquisa. Assim, para gerar mais dados com novas entrevistas (replicação) e para coletar mais dados com a análise documental (análise interpretativa e crítica), tevese que retornar aos objetivos específicos, pontos cardeais da pesquisa, agora classificados conforme semelhanças entre suas características (ver Alíneas a, b, c e d adiante). Com estes procedimentos, elaboraram-se: 1) o novo roteiro de entrevista, para o que se efetuou uma revisita a conceitos da revisão da literatura e agora transformados em perguntas; 2) o roteiro das análises interpretativas e críticas, com foco nos objetivos específicos c, f, i e j. A seguir, apresentam-se os grupos de objetivos: a) Lógicas de ação (lógicas utilizadas na sala de aula e suas relações): objetivos d, e e f; b) Informação e formação (se existe articulação, como se desenvolve, contribuição para a interação entre as experiências sociais e quatro pilares da educação para o século XXI): objetivos g, h, i e j; c) Experiências sociais (interações, como se desenvolve a interação, vinculações causais e quatro pilares): objetivos específicos a, b, c e j; d) Interação social (a respeito das percepções dos participantes): objetivos específicos k, l e b.

618

3.1. As replicações

Tomando-se como referência os grupos de objetivos específicos, construiu-se um roteiro geral, do qual foram extraídos 14 roteiros personalizados, utilizados na replicação. Os itens dos roteiros (o geral e os personalizados) foram elaborados no âmbito de cada um dos grupos de objetivos antes mencionados (exceto o penúltimo), a eles se juntando itens elaborados de acordo com os assuntos específicos advindos dos relatos de vida – neste caso, para cumprir o item 3, alínea a, do Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) – e itens construídos a partir de outros aspectos que chamavam a atenção do pesquisador, em cada entrevista individual, relevantes até essa fase da pesquisa. Assim, o roteiro da replicação contém os itens, classificados de acordo com os grupos de objetivos e definidos um a um, para cada participante, conforme as lacunas de informação deixadas na primeira entrevista (Apêndice C, Quadro 40). Do total de participantes, 13 deles foram entrevistados duas vezes. Uma aluna não compareceu ao segundo encontro com o pesquisador, alegando dificuldades pessoais. Ao todo, quatro participantes foram entrevistados três vezes (entrevistas de validação). Cabe notar que, como as replicações se limitaram a uma vez por participante, não se cumpriu o projeto de pesquisa, neste aspecto, considerando a previsão de no mínimo duas replicações. No entanto, este fato não prejudicou a geração de dados, pois a estratégia utilizada para obter mais dados possibilitou sair de um espectro mais amplo – em que os itens do roteiro planejado inicialmente apresentavam perguntas bastante abertas – no sentido de um foco mais estreito, em que se tomaram como principais referências os conceitos de Dubet (1999) a respeito de experiência social.

3.2. As análises interpretativas e críticas

Tendo sido identificada a necessidade de proceder à coleta de dados junto a documentos institucionais da Universidade, valeu-se da análise documental, utilizando-se a técnica da análise interpretativa e crítica. Para isto, fizeram-se inclusões no Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A), que passou a orientar os procedimentos, conforme item 2, alínea c.

619

Assim, com a utilização do Roteiro da Análise Documental (Apêndice C), o qual contém tanto os itens relacionados à caracterização dos cursos e disciplinas como os relacionados aos aspectos conceituais presentes nos objetivos da pesquisa, obtiveram-se, com essa utilização, dados que possibilitaram a visualização dos processos educacionais como sistemas sociais voltados para proporcionar debates entre alunos e professores.

4. Anotações do diário de pesquisa

As anotações do diário de pesquisa foram extremamente relevantes para manter a qualidade da coleta e geração de dados, aproximar-se cada vez mais dos objetivos da pesquisa e alcançar níveis importantes de motivação junto aos participantes e ao pesquisador. Serviram para realizar adequações de rumos, necessárias e previstas quando se realiza pesquisas de natureza qualitativa. Tais anotações contribuíram, por exemplo, para identificar a necessidade de transcrever os dados de áudios imediatamente após a realização de entrevistas. Com

a

transcrição

paulatina

dos

dados,

por

um

lado,

identificaram-se

comportamentos, atitudes, situações e falas passíveis de exclusão nas próximas entrevistas; por outro lado, visualizaram-se oportunidades de incluir condutas, termos, expressões e vocábulos por parte do pesquisador. As anotações do diário de pesquisa e a simultânea transcrição dos dados contribuíram ainda para constatar, por exemplo, a necessidade de incluir uma aluna (identificada durante observações realizadas em sala de aula) e uma professora (identificada aleatoriamente durante a permanência do pesquisador na Universidade após observações e entrevistas).

4.1. Anotações durante as observações a) Para as observações diretas, mostraram-se úteis os seguintes cuidados: 1) utilizar tablet para fazer anotações; 2) logo após cada observação, solicitar à professora o plano de ensino da disciplina e já agendar com ela e com os alunos escolhidos os horários dos encontros para realizar as entrevistas; 3) tomar de imediato com os alunos escolhidos as primeiras

620

informações (e-mail, telefone, nome completo), utilizando folhas de papel com espaços a serem preenchidos por eles. b) Durante o convite aos alunos, realizado após observações na sala de aula, mostrou-se útil não detalhar o objetivo da pesquisa. Informou-se o interesse de descobrir aspectos da construção de identidades de jovens universitários. Isto se mostrou útil para evitar viés nas informações a serem geradas com os relatos de vida. Explicou-se a estratégia a cada um dos participantes (preocupação ética).

4.2. Anotações durante os relatos de vida

a) Mostrou-se útil levar para o encontro com o participante: 1) duas cópias do Termo de Consentimento Livre/Esclarecido; 2) uma cópia do roteiro; 3) uma caneta; 4) um gravador (verificada a suficiência da carga da bateria). b) Foi relevante sistematizar ações conforme a sequência a seguir: I. Obter dados pessoais do participante, complementando ou incluindo informações já tomadas após a observação direta na sala de aula. Caso fique para o final da entrevista, corre-se o risco de se esquecer de obtêlas. II. Trocar cópias do Termo de Consentimento Livre/Esclarecido, assinadas pelo participante e pesquisador. Explicar informações mais sensíveis do trabalho, como o sigilo. III. Pedir licença para gravar. IV. Lançar a pergunta norteadora para iniciar o relato de vida. V. Ainda com o gravador ligado, fazer perguntas após o relato de vida, focalizando o como. VI. Desligar o gravador, após o relato de vida e perguntas/respostas com foco no como. Deixar bem claro para o entrevistado que o desligou. VII. Com o gravador desligado, fazer perguntas com foco no por quê. VIII. Anotar. Entretanto, atentar para não inibir o participante com as anotações. IX. Explicar os objetivos da pesquisa. Coube informar detalhes dos objetivos ao participante somente neste momento.

621

X. Marcar imediatamente novo encontro para realizar a replicação. XI. Dizer que convidará por e-mail os participantes para apresentar alguns aspectos da coleta e geração de dados. XII. Anotar respostas às perguntas do tipo por quê logo após finalizar o encontro (para não esquecer). XIII. Anotar aspectos importantes no diário de pesquisa (como impressões e aprendizados), logo após finalizar o encontro (para não esquecer). c) Ficou evidenciado o quanto é relevante utilizar palavras mencionadas pelo entrevistado durante o relato. Isto ajuda na formulação de questões ainda por serem

realizadas.

Este

procedimento

racionaliza

o

trabalho,

proporciona ganho de tempo, inclusive, evita repetição de informações já geradas – qualquer repetição deve ocorrer só a partir da iniciativa do entrevistado ou nos casos em que o dito não tenha ficado claro. d) O processo deixou claro que o pesquisador precisa ficar atento quanto ao envolvimento no relato do participante. Isto significa que, embora se obrigue a demonstrar real interesse pelos assuntos, deve cuidar para não esquecer os objetivos da pesquisa, pondo-se em alerta para perseguir o planejado no roteiro. e) Evidenciaram-se relevantes as recomendações da literatura para desligar o gravador após obter do participante o relato de vida e após serem realizadas perguntas com foco no como. Tal procedimento abriu inúmeras oportunidades para identificar os por quês de vivências relatadas. Este momento se mostrou de enorme valor, cabendo ressaltar a relevância de se anotar imediatamente o que havia sido dito pelo participante enquanto o gravador estava desligado (para não esquecer). f) Ficou claro que, desde o início do relato de vida, deve-se elaborar perguntas com foco no por quê, a serem efetuadas quando o gravador estiver desligado.

4.3. Anotações durante as replicações

a) Foi relevante sistematizar ações, dando a seguinte sequência: I. Obter dados pessoais do participante, acaso não anotados ainda.

622

II. Lembrar o caráter sigiloso das informações a circular na entrevista. III. Lembrar os objetivos da pesquisa. IV. Pedir licença para gravar. V. Apresentar as perguntas numa sequência que se aproxime ao máximo de um diálogo com o participante, evitando passar a ideia de recorte entre elas, tal como se organizam no Roteiro da Replicação – Aluno e Professor (Anexo H). VI. Dizer que convidará por e-mail os participantes para apresentar alguns aspectos da coleta e geração de dados. VII. Anotar aspectos importantes no diário de pesquisa (como impressões e aprendizados) logo após finalizar o encontro (para não esquecer). b) Observou-se que o resgate de vivências e informações da entrevista anterior precisa ser bem contextualizado para o entrevistado, sendo necessário situá-lo a partir da pergunta já realizada e seguindo para a resposta fornecida, mas com o cuidado para não confundi-lo e, sim, tornando o mais claro possível o que o pesquisador pretende especificamente resgatar. c) Como as perguntas ficaram no melhor nível possível em termos de resgate de vivências e informações da entrevista anterior com o participante, houve sequência ao diálogo iniciado. Tal sequenciamento mostrou-se relevante para a credibilidade do trabalho. Ficou evidenciado aos participantes o zelo do pesquisador com as informações geradas. d) A

classificação dos objetivos

conforme semelhanças entre suas

características (ver Alíneas a, b, c e d do item 3 deste Relatório Parcial I) contribuiu para que o pesquisador memorizasse os itens dos roteiros e mantivesse a sequência de assuntos, contribuindo para configurar uma situação de diálogo, com clima de descontração e confiança.

4.4. Anotações úteis tanto nos relatos de vida como nas replicações

a) Observou-se que a qualidade da pergunta está diretamente relacionada com a sua extensão. Perguntas curtas, concisas, objetivas e claras evitaram o desperdício de tempo e esforço com explicações ao

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entrevistado, bem como proporcionou a este uma atenção mais afinada com o objetivo da pergunta; logo, foram obtidas respostas mais próximas dos objetivos da pesquisa. b) Constatou-se a necessidade de encurtar a pergunta à medida que se aproximava o final da entrevista (para compensar possível cansaço). c) Evidenciou-se relevante estar atento a intervenções desnecessárias durante a fala do entrevistado. A constante autocrítica ao trabalho desenvolvido revelou que até a quinta entrevista algumas interrupções poderiam ter sido evitadas. d) Revelou-se importante imprimir certa linearidade na fala do pesquisador durante as perguntas. Constatou-se que a mudança de tom, velocidade e volume da voz podem não só induzir, como gerar reações indesejadas por parte do entrevistado, prejudicando a geração de dados. Noutros termos, a maneira de perguntar precisa ser linear, pois as oscilações, as ênfases podem imprimir valor na pergunta e já podem induzir o participante à resposta. Cria estado emotivo que interfere nas ideias dele; logo, pode impactar a qualidade das respostas, levando a um maior esforço do pesquisador para identificar vieses. e) Verificou-se o quanto é relevante não repetir desnecessariamente as respostas

do

entrevistado,

exceto

quando

precisar

confirmar

o

entendimento. f) Para evitar estribilhos na conversação (é, certo, né, entendi, compreendi, tá), recurso prejudicial à geração de dados, a cada nova entrevista esteve mais presente a prática da pergunta direta. Facilitou esta prática a elaboração

mental

da

pergunta

enquanto

o

entrevistado

falava

(obviamente mantendo-se atento à resposta em curso). g) Constatou-se que as perguntas não podem de modo algum parecer ao entrevistado um questionamento, mas o real interesse do pesquisador pelo assunto em foco. Caso contrário, ideias e falas do entrevistado podem ser bloqueadas. h) A capacidade de refazer uma pergunta durante a entrevista é fundamental, senão perde-se o ritmo do diálogo estabelecido com o participante. Para isto, torna-se necessário ter clareza do objetivo de cada pergunta. Nesta

624

pesquisa, alguns entrevistados evidenciaram desconhecimento teórico sobre o assunto em foco – até quando o assunto referia-se a conteúdos curriculares do curso realizado. Tornou-se necessário refazer a pergunta de modo a manter o diálogo. i) Ficou claro que o uso do termo num esforço de autoavaliação utilizado durante as entrevistas tem poder tranquilizador para o entrevistado. Seu uso favorece a reflexão e o auxilia a responder sobre suas condutas e ideias.

4.5. Anotações durante as análises interpretativas e críticas

a) Ficou constatado que a decisão de utilizar a análise documental como fonte de evidência pode ocorrer mesmo após o início dos procedimentos de coleta de dados. b) A decisão pelo uso da análise documental como fonte de evidência levou à reanálise da configuração das estratégias metodológicas, visando à sua adequação ao conjunto prefigurado. B) Relatório Parcial II – Resultados e discussão do corpus da pesquisa

Este Relatório Parcial II, previsto no projeto de pesquisa, contém informações a respeito dos percursos metodológicos utilizados nas fases de resultados e discussão do corpus da pesquisa, incluindo anotações do diário de pesquisa. Embora a apresentação de informações obedeça à ordem cronológica dos fatos, favorecendo a possível repetição de procedimentos, cabe esclarecer que as informações do relatório final da pesquisa (este trabalho que o leitor tem agora em mãos) não segue esta ordem. Neste relatório, os resultados e as análises apresentam-se de modo a proporcionar maior fluidez à leitura e, assim favorecer a compreensão. A organização das informações iniciou imediatamente à realização da préanálise e da exploração do material. Para isto procedeu-se à constante redução de informações, que apontou permanentemente para os objetivos da pesquisa. Seguiram-se de perto as orientações de Bardin (2009), com relação à análise de

625

conteúdos, e de Yin (2010), com relação à estratégia geral de análise de dados pela qual se optou conforme Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A) (Quadro 15).

1. Resultados da pesquisa

A parte do relatório final da pesquisa que apresenta os resultados alcançados com a coleta e geração de dados (Seção 3) não inclui inferências e interpretações – exceto pelo fato de que nele foram incluídas certas conclusões parciais (retomadas na Seção 4.1) com o objetivo de facilitar a leitura. A classificação dos objetivos em quatro grupos (lógicas de ação, informação e formação, experiências sociais e interação social), bem como a inclusão de novo grupo logo no início da geração e coleta de dados (pesquisa e extensão), tornou-se base importante para a exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na verdade, estas classificações se transformaram no veio principal por onde circularam dados e informações, possibilitando visualizar e organizar vinculações entre os aspectos investigados. Neste sentido, ainda que esses aspectos se vinculem numa infinidade de relações, identificaram-se interconexões favoráveis a uma organização e elaboração de uma figura representativa das relações entre eles e os contextos considerados na pesquisa (ver Fig. 14). Já as conexões entre os resultados da pesquisa e a discussão do corpus da pesquisa (nem sempre possível de bem definir) puderam ser representadas num mapa de apresentação de resultados e análises (ver Fig. 16). Isto proporcionou uma melhor visualização das informações no relatório final da pesquisa.

2. Discussão do corpus da pesquisa

2.1. As respostas às questões de pesquisa

O mapa de apresentação de resultados e análises (ver Fig. 16) tornou-se base importante para a discussão do corpus da pesquisa. Seu escopo circunscrevese ao cumprimento dos objetivos relacionados às questões de níveis 1 e 2, cuja

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elaboração estivera mencionada no Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A).

2.2. A elaboração de novas questões

A identificação das lógicas de ação de estudantes e professores dos cursos pesquisados, realizada segundo os relatos dos participantes, fez emergir 16 temas, distribuídos conforme os tipos de lógicas de ação (integração, estratégia e subjetivação) utilizadas por estudantes e professoras (ver Fig. 21 a 26). As análises destas relações possibilitaram a comparação entre os temas gerados com os participantes e os temas provenientes da literatura (Quadro 31). Dois dos temas gerados com os participantes (interesse pelo curso

e

autorresponsabilidade) se repetiram. Depois de submetidos à técnica valência das experiências sociais, estes temas serviram para a formulação de uma questão de nível 3 (Seção 4.2.2). Com o uso da técnica, constatou-se que as experiências sociais fortes envolvem intensamente a articulação informar-formar. Isto levou a prosseguir as análises das relações entre as lógicas de ação na perspectiva desta articulação e conforme os objetivos da pesquisa. Verificaram-se contribuições e impactos, respectivamente, da presença e ausência daquela articulação sobre a consecução dos quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998). Tal procedimento inspirou a elaboração de quatro questões de nível 3 (Seções 4.2.3 a 4.2.6). Tendo sido retomados os conceitos de interação das experiências sociais, identidade social e vinculações causais e, com base nos dados coletados e gerados, elaborou-se a última questão de nível 3 (Seção 4.2.7). Todo este percurso metodológico, e que conduziu à elaboração destas seis questões, está representado numa figura, a qual também remete para a ponta da estratégia geral de análise dos casos estudados (YIN, 2010) (ver Fig. 37). Tal figura não tem o objetivo de separar os aspectos identificados pela pesquisa, mas tão só proporcionar melhor localização das contribuições e impactos das experiências sociais relacionados com os quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS et al., 1998).

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Enquanto as questões de nível 3 remeteram para a ação docente, as questões de nível 4 referiram-se à ação institucional. As primeiras foram respondidas imediatamente a partir das análises do corpus da pesquisa e as segundas prestaram-se à elaboração de uma hipótese. Tais questões foram elaboradas na perspectiva da construção da pedagogia dialógica. Desse modo, as questões de nível 3 estiveram vinculadas às questões de nível 4 por um eixo comum, que é o próprio objetivo da pesquisa: descobrir aspectos das interações entre experiências sociais para compreender como concretizar, cada vez mais, a pedagogia dialógica compatível com a necessidade de renovação das universidades, as quais têm sofrido processos de desinstitucionalização. Era necessário descobrir qual a ação institucional capaz de apoiar, corroborar e prosseguir com a ação docente na concretização desta pedagogia. Assim, para elaborar seis questões de nível 4, foram analisados novamente os textos escritos sobre os contextos da pesquisa (universidade, atividades de pesquisa e extensão, cursos de licenciatura e sala de aula, conforme Seções 3.1.2 a 3.1.5), as estratégias formativas propostas pela Universidade (Seções 3.3.2 e 3.4.3) e as conclusões parciais (Seções 3.2.3, 3.3.4, 3.4.6 e 3.5.3). Após aquelas reanálises, tomou-se cada questão de nível 3 e pôs-se a identificar oportunidades de reflexão em torno do papel da Universidade como instituição capaz de apoiar a ação docente com foco na concretização da pedagogia dialógica.

2.3. A elaboração da hipótese

As questões de nível 4 serviram como porta entrada à elaboração de uma hipótese, dado não se situarem no âmbito dos objetivos específicos da pesquisa. A hipótese é explicitada no relatório final da pesquisa em momentos distintos (Seções 4.1.5, 4.4 e 5.2). As partes desta explicitação estão intercaladas pela apresentação das doze novas questões proporcionadas pelas análises (níveis 3 e 4). Buscaram-se na literatura as teorizações pertinentes aos temas centrais da elaboração hipotética e a vinculação delas com determinadas concepções de estudantes, professores e outros atores envolvidos no processo educacional. A essas teorizações e concepções, juntaram-se evidências da pesquisa. De modo que

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se tornou possível pensar uma estrutura teórica em que a ação docente e a ação institucional aparecem como as duas pontas capazes de dar acabamento à pergunta e resposta finais do trabalho desenvolvido: como interagem estudantes e professores universitários e como determinada pedagogia pode desenvolver e aprimorar diálogos entre os atores envolvidos nessa interação? Assim, além de realizar novas leituras a partir de teóricos que se debruçaram sobre aqueles temas centrais, tornou-se necessário realizar nova varredura dos dados coletados e gerados.

3. Anotações do diário de pesquisa

Importantes anotações do diário de pesquisa:

a) Elaborar as conclusões parciais à medida que se desenvolvem os textos do relatório final. Verificou-se que, nestas conclusões, torna-se importante utilizar quadros elucidativos seguidos de comentários. Verificou-se que tais conclusões podem ser elaboradas com base em objetivos específicos que se constituem em pré-requisitos para cumprir outros. b) Revisar constantemente os textos escritos, elaborando e reelaborando esquemas. O recuo, em termos reflexivos, tornou-se fundamental. Isto proporcionou segurança a cada passo dado. c) Usar cadernos, ao modo tradicional de escrever, simultaneamente à utilização de computadores e tablets para elaborar textos. Anotações imediatas às reflexões se constituem em poderoso auxílio na elaboração de textos e conclusões. d) Usar sem restrições os recursos de aplicativos como o Word e o Excell para realizar vinculações entre conceitos, situações e assuntos. e) Rever permanentemente os objetivos da pesquisa. A vinculação dos objetivos, com olho no objetivo geral, tornou-se elemento fundamental. f) Observar o Protocolo do Estudo de Casos Múltiplos (Apêndice A). As visitas a este importante documento promoveram tempestivas adequações de rumos. g) Fazer menções a tabelas e figuras, bem como seções já escritas, relacionadas aos textos à medida que os elabora.

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h) Renumerar imediatamente quadros, tabelas e figuras à medida que novos são incluídos. i) Atentar para a repetição de conclusões e informações. Nesta repetição podem estar pontos de convergência importantes entre os participantes. j) Deixar espaços no texto, à medida de sua elaboração, para posterior inclusão dos autores referenciados. Assim, não se perdem ideias, podendo ser útil que o texto seja escrito sem interrupções para tal. Obviamente, cabe fazer esta inclusão imediatamente ao término da escrita. k) Observar o sequenciamento lógico dos textos, verificando se efetivamente construiu-se uma narrativa. As informações devem ter uma sequência lógica. l) Admitir a possibilidade de não categorizar os temas, nem sempre necessário, principalmente se estiver diante de uma infinidade de aspectos identificados durante a organização do material coletado e gerado. m) Realizar novas leituras, a partir de teóricos que se debruçaram sobre temas centrais da hipótese (caso seja elaborada). Rever dados coletados e gerados com o objetivo de confirmar ou até descobrir nuanças relacionadas com estes temas.

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APÊNDICE H – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE/ESCLARECIDO A) Termo de Consentimento Livre/Esclarecido – Estudantes Convido-lhe para participar como voluntário de pesquisa relacionada à vida universitária de jovens alunos da instituição em que você estuda. Caso concorde, por favor, assine no verso deste documento, o qual lhe será entregue uma cópia. A qualquer momento, você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento, sem prejuízo para a relação com o pesquisador. Para tanto, por favor, observe: Objetivo da pesquisa: investigar experiências sociais de jovens alunos e de professores. Procedimentos da coleta e geração de dados: serão observadas pelo menos duas aulas em que você estará presente. Serão realizadas cerca de três entrevistas com você, a serem gravadas, nas quais você responderá a perguntas relacionadas aos objetivos da pesquisa. As entrevistas serão realizadas na universidade onde você estuda e durará cerca de quarenta minutos cada uma delas. Observações e entrevistas ocorrerão em horários combinados entre mim e você. Os dados serão analisados EXCLUSIVAMENTE para os fins desta pesquisa. Potenciais riscos e incômodos: não há potenciais para riscos físicos, psíquicos, morais, intelectuais, sociais, dentre outros, e nem há incômodos a serem provocados pela pesquisa. Benefícios previstos: de modo geral, poderá contribuir com a universidade para enfrentar os processos de desinstitucionalização; clarificar, confirmar ou não, e se for o caso, enriquecer concepções a respeito da sociologia da experiência; fornecer material para a utilização de técnicas, procedimentos e demais metodologias utilizados em estudos de casos. Custo/reembolso para o participante: você não arcará com gastos decorrentes de sua participação nas observações de aula e entrevistas. Não receberá quaisquer reembolsos ou gratificação devido à sua participação na pesquisa. Confidencialidade da pesquisa: o sigilo e a sua privacidade quanto aos dados envolvidos na pesquisa ficam assegurados. Somente serão divulgados dados diretamente relacionados aos objetivos da pesquisa, sem quaisquer menções de seu nome ou quaisquer características pessoais que lhe identifiquem. Assinatura do Pesquisador Responsável: _______________________________. Telefone: ___________. Endereço/E-mail:_____________________/___________.

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CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA

Eu, (nome do participante), CI (número), CPF (número), declaro que li as informações contidas no anverso deste documento e, após ter sido devidamente informado pelo pesquisador a respeito dos procedimentos que serão utilizados, riscos,

desconfortos,

benefícios,

custo/reembolso

dos

participantes

e

confidencialidade, CONCORDO em participar da pesquisa. Foi-me garantido que posso retirar o consentimento a qualquer momento, sem que isso leve a qualquer penalidade. Declaro ainda que recebi uma cópia deste documento assinado por mim e pelo pesquisador.

Brasília (DF), (data).

__________________________________ Assinatura

B) Termo de Consentimento Livre/Esclarecido – Professoras

Convido-lhe para participar como voluntário de pesquisa relacionada à vida universitária de jovens alunos e professores da instituição em que você ministra aulas. Caso concorde, por favor, assine no verso deste documento, o qual lhe será entregue uma cópia. A qualquer momento, você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento, sem prejuízo para a relação com o pesquisador. Para tanto, por favor, observe: Objetivo da pesquisa: investigar experiências sociais de alunos e de professores. Procedimentos da coleta e geração de dados: será observada uma aula desenvolvida por você. Serão realizadas cerca de três entrevistas, que serão gravadas, nas quais você responderá a perguntas relacionadas aos objetivos da pesquisa. As entrevistas serão realizadas na universidade onde você ministra aulas e durará cerca de quarenta minutos cada uma delas. Observações e entrevistas ocorrerão em horários combinados entre mim e você. Os dados serão analisados EXCLUSIVAMENTE para os fins desta pesquisa.

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Potenciais riscos e incômodos: não há potenciais para riscos físicos, psíquicos, morais, intelectuais, sociais, dentre outros, e nem há incômodos a serem provocados pela pesquisa. Benefícios previstos: de modo geral, poderá contribuir com a universidade para enfrentar os processos de desinstitucionalização; clarificar, confirmar ou não, e se for o caso, enriquecer concepções a respeito da sociologia da experiência; fornecer subsídios para a utilização de técnicas, procedimentos e demais metodologias utilizados em estudos de casos. Custo/reembolso para o participante: você não arcará com gastos decorrentes de sua participação nas observações de aula e nas entrevistas. Não receberá quaisquer reembolsos ou gratificação devido à sua participação na pesquisa. Confidencialidade da pesquisa: o sigilo e a sua privacidade quanto aos dados envolvidos na pesquisa ficam assegurados. Somente serão divulgados dados diretamente relacionados aos objetivos da pesquisa, sem quaisquer menções de seu nome ou quaisquer características pessoais que lhe identifiquem. Assinatura do Pesquisador Responsável: _______________________________. Telefone: ___________. Endereço/E-mail:_____________________/___________.

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA

Eu, (nome do participante), CI (número), CPF (número), declaro que li as informações contidas no anverso deste documento e que, após ter sido devidamente informado pelo pesquisador a respeito dos procedimentos que serão utilizados, riscos,

desconfortos,

benefícios,

custo/reembolso

dos

participantes

e

confidencialidade, CONCORDO em participar da pesquisa. Foi-me garantido que posso retirar o consentimento a qualquer momento, sem que isso leve a qualquer penalidade. Declaro ainda que recebi uma cópia deste documento assinado por mim e pelo pesquisador.

Brasília (DF), (data).

__________________________________ Assinatura

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