INTERATIVIDADE, AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E ENSINO INOVADOR: RELATOS DE SUCESSOS E DESAFIOS DE UMA IES PARANAENSE

May 27, 2017 | Autor: Marcus Kucharski | Categoria: Teacher Education, Distance Education, Teacher Training, Virtual Learning Environments, Interactivity
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INTERATIVIDADE, AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E ENSINO INOVADOR: RELATOS DE SUCESSOS E DESAFIOS DE UMA IES PARANAENSE KUCHARSKI, Marcus Vinicius Santos1 – PUCPR marcus.kuchars [email protected]

Área temática: Educere – Comunicação e Tecnologia Resumo Este artigo traz considerações acerca dos percalços e sucessos na implementação de uma proposta inovadora de ensino e aprendizagem com NTIC realizada ao longo dos dois últimos anos por uma IES privada paranaense. Situadas numa região limítrofe entre os estudos de Comunicação e Tecnologia e aqueles de Profissionalização Docente e Formação, as três pesquisas que geraram a presente comunicação – duas das quais ainda inéditas – partiram do pressuposto de que o trabalho educativo não-presencial, especialmente mediado em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), justifica-se pela proposta metodológica da interatividade, da aprendizagem colaborativa, da co-autoria, ou seja, do âmbito das propostas do paradigma da complexidade na Educação (BEHRENS, 2006). A partir dos indicadores de interatividade pedagógica apontados por Marco Silva ([s.d.] e 2004), da delimitação de interatividade feita por Andrew Lippman (1998) e da explicitação dos pressupostos teórico-metodológicos construcionistas subjacentes à arquitetura do AVA TelEduc feita por Heloísa Rocha, Jane Oeiras e outros (2001 e 2002), o artigo apresenta as conclusões iniciais de pesquisas realizadas na citada IES desde 2006/2 durante o processo de inserção de disciplinas semipresenciais em seus cursos de graduação dentro do preconizado pela Portaria Ministerial 4.059 de 10/12/2004. Os resultados das investigações comprovam a tendência de aplicar ao trabalho com mediação de AVA os pressupostos metodológicos típicos do ensino tradicional e a precedência da adoção de um discurso tecnológico-progressista em relação à apropriação efetiva de competências e habilidades de ensino inovador com mediação tecnológica. Há duas opções de reação comum às constatações desse tipo: contentar-se com a superficialidade ou capitular ao percebê-la, ambas dois erros fatais aos projetos bem-intencionados de se implementar uma nova forma de educar. No que tange à IES pesquisada, nenhuma das duas ocorreu, predominando um esforço de recriação do processo de formação docente para atuação realmente inovadora à distância. Palavras-chave: Educação à distância; Ambientes virtuais de aprendizagem; Interatividade; Formação docente

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Licenciado em Letras (PUCPR, 1996), Especialista em Língua Portuguesa e em Literatura Brasileira (PUCPR, 1999), Mestre em Educação – Formação de Professores e Pensamento Educacional Brasileiro (PUCPR, 2004), Doutorando em Educação – Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores (PUCPR), Coordenador de Educação à Distância da Universidade Tuiuti do Paraná.

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Interatividade: um conceito que pede esclarecimento

A afirmação acima não pretende dizer que interatividade não seja um conceito definido; implica, na verdade, que esteja pluralmente definido – por diversos pesquisadores, nos mais diversos sentidos, de acordo com o sabor dos objetivos. Interatividade e interação, por exemplo, constantemente se confundem na literatura técnica e, com a mesma freqüência, se lhes defende uma separação radical. Portanto, seria uma inocência prejudicial trabalhar o termo sem delimitá-lo novamente pelo nosso entendimento de que interatividade é diferente, sim, de interação. Interação, no âmbito deste trabalho, define-se, grosso modo, como a atividade possível a um sujeito quando tem liberdade de escolher itens, conteúdos, seqüências de apresentação ao “dialogar” diretamente com a interface de um programa computacional. Linearmente ou não, opções são apresentadas ao sujeito que, de acordo com seus objetivos, escolhe “a e não b” ou “a e b” e depois “c” até que o resultado final que tinha em mente seja alcançado: imprimir um extrato de sua conta corrente, definir data e hora corretos para programar a gravação de um programa televisivo, realizar compras pela Internet, “driblar” todo o menu de opções de seu TeleBanco até conseguir conversar com um atendente humano, acertar programações automáticas de altura de banco e posições de retrovisores de seu automóvel último tipo. Compreendemos interação, portanto, como um relacionamento homem/máquina em que tudo ocorre em função apenas dos objetivos do primeiro, que comanda as reações do segundo dentro das possibilidades que este lhe oferta. Desta forma, falamos de uma relação unidirecional. Subentende-se, então, a diferenciação de interatividade. Andrew Lippman, pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dá contornos claros ao assunto, ao dizer: “Em vez de trabalhar com a idéia de relacionamento entre homens e máquinas, considere pessoas com pessoas” (LIPPMAN, 1998, p.16). Esta contribuição de Lippman delimita a compreensão de interatividade que adotamos neste texto: a atividade realizada simultaneamente ou não por pelo menos duas pessoas que compartilham ao menos um objetivo comum que as põe em contato e ação para encontrarem soluções adequadas ao(s) seu(s) objetivo(s) com mediação tecnológica. Para a interatividade, o instrumental tecnológico e suas potencialidades têm valor coadjuvante, e não principal, como ocorre no sentido de interação, exposto anteriormente. Marco Silva reforça essa noção ao definir interatividade

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como “(...) a comunicação que se faz entre emissão e recepção entendida como co-criação da mensagem.” (SILVA, 2004, p.97) Mais adiante, afirma: Trata-se, portanto, de mudança paradigmática na teoria e pragmática comunicacionais. A mensagem só toma todo o seu significado sob a intervenção do receptor que se torna, de certa maneira, criador. Enfim, a mensagem que agora pode ser recomposta, reorganizada, modificada em permanência sob o impacto das intervenções do receptor dos ditames do sistema, perde seu estatuto de mensagem emitida. (Idem, p.99)

A interatividade é um processo bidirecional, humano e que tem nas novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), por mais modernas que sejam, instrumental de apoio. Dessa forma, renegamos toda banalização do termo tão comum hoje em dia, especialmente no âmbito da publicidade, e toda disposição contrária na literatura técnica.

A educação à distância (EAD) brasileira e os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA)

O crescimento da EAD no Brasil, especialmente após a Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996) que lhe abriu as portas da Educação Superior, é um fenômeno tão relevante numericamente que não pode ser ignorado. Temos centenas de milhares de alunos matriculados em pouco mais de cem instituições credenciadas para ofertar cursos de graduação e pós-graduação à distância, e os modelos pedagógico-metodológicos que essas instituições adotam variam muito: desde ofertas tecnicamente presenciais, em que os alunos se encontram para assistir teleaulas, estudar e realizar avaliações semanalmente até cursos em que a maior parte do conteúdo é trabalhada efetivamente à distância e os encontros presenciais reduzem-se a um final de semana ao mês, sendo toda comunicação entre professores e alunos realizada, no entremeio, em AVA. Entender a EAD mediada pelas NTIC como expressão do paradigma da complexidade na Educação, com tudo que isso implica pedagógica e metodologicamente, de forma especial na revisão dos papéis docente e discente no processo de construção e validação coletivas do conhecimento (BEHRENS, 2006), exige que dispensemos atenção concentrada aos caminhos para os quais migra a interatividade nos cursos cuja matriz metodológico-tecnológica prevê maior distanciamento físico entre seus atores2. Sendo a NTIC mais valiosa para a construção de espaços virtuais a serem partilhados 2

Atores é utilizado, aqui, no sentido da Lingüística Pragmática, ou seja, de pessoas que efetivamente agem discursivamente num contexto de acordo com seus objetivos comuns, sem que isso implique engessamento de funções ou possibilidades criativas, como a metáfora primeira – e errônea – de um texto fechado de teatro poderia elicitar.

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por estudantes de cursos à distância, a Internet tem-se disseminado como a primeira opção no design da maioria desses cursos, e os AVA têm sido opção primordial para dar guarida a todo processo de interatividade que deve ocorrer no espaço de tempo entre um e outro encontro presenciais. Como coleção de ferramentas de comunicação mais ou menos complexas e de fácil acesso e implementação, os AVA são ambientes agregadores fundamentais para a lógica da EAD digital. Entretanto, seus usuários por vezes desconhecem a lógica subjacente à arquitetura específica de cada AVA – tipo, funcionalidade e forma de apresentação de cada ferramenta do ambiente – e, ainda menos, os pressupostos pedagógico-metodológicos orientadores da própria concepção do AVA que utilizam. Claro que isso prejudica a potencialidade do trabalho a ser realizado, mas, ainda assim, intuitivamente, por ensaio e erro, professores e alunos conseguem desenvolver algum tipo de trabalho pedagógico coerente com o ambiente e suas ferramentas. Foi justamente a ressignificação da arquitetura geral e das ferramentas particulares do AVA TelEduc por professores que atuaram com ele quase intuitivamente que pudemos pesquisar em 2007.

O TelEduc: sua proposta metodológica subjacente e coleção de ferramentas

O TelEduc é um AVA de utilização gratuita (open source) que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) da Unicamp desde 1997 numa perspectiva de construção contextualizada do conhecimento (ROCHA, 2002, p.198). A arquitetura específica do TelEduc tem sido pensada, desde o início, para servir a uma abordagem colaborativa e construtiva do conhecimento em EAD, “(...) apoiando-se em estudos e pesquisas a respeito do processo construcionista de formação de professores, que enfatiza entre outros aspectos, o conhecimento contextualizado (...).” (ROCHA, OEIRAS, FREIRE e ROMANI, 2001, p.3) A opção metodológica que tem permeado todo o desenvolvimento deste AVA tem sido, portanto, de valorização da interatividade, da construção partilhada do conhecimento. Sua coleção de ferramentas, que permitem trabalho síncrono ou assíncrono entre os atores do grupo de estudos, foi dimensionada a partir da importância central dada à ferramenta Atividades (pois uma atividade, um problema a ser resolvido coletivamente, é o ponto de partida da abordagem metodológica privilegiada). A partir de uma atividade, podem-se

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utilizar basicamente três grupos de ferramentas (ROCHA, 2002, p.201-2)3: ferramentas de coordenação (Agenda, Dinâmica do Curso, Estrutura do Ambiente, Leituras, Material de Apoio, Exercícios, Avaliações, Parada Obrigatória e a própria ferramenta Atividades), de comunicação (Correio, Bate-Papo, Fóruns de Discussão, Mural, Portfólio, Diário de Bordo e Perfil) e de administração (coleção de funcionalidades que, nas versões mais atuais do TelEduc, ganharam uma área específica bem mais completa que permite ao professor formador controlar todos os aspectos principais de gerenciamento do AVA).

Relato de experiência com o TelEduc na implementação de disciplinas semipresenciais em cursos de graduação: ainda a prevalência do tradicional

Entre as centenas de instituições que utilizam o TelEduc como ambiente de apoio à EAD, há uma IES privada no Paraná cuja experiência formal envolvendo o sistema pudemos acompanhar e pesquisar no período de 2006/2 a 2007/2, e apresentamos aqui um resumo do que foi essa experiência preliminar e seus resultados pela manifestação dos docentes envolvidos. No momento em que a IES em questão decidiu implementar experiências formais de ensino semipresencial em seus cursos de graduação reconhecidos, apoiada pela Portaria Ministerial 4.059/04 (BRASIL, 2004), já havia a determinação de que o processo começasse pela formação inicial dos professores a serem envolvidos para utilização do AVA escolhido. Convocaram-se os professores que assumiriam turmas no projeto experimental para que participassem de um curso semipresencial de 20h de duração para se tornarem familiarizados com a operação básica do TelEduc. Esta convocação ocorreu cerca de quinze dias antes do início do período letivo (2006/2), não permitindo, pelo fator tempo, que essa formação inicial fosse muito aprofundada. O “calcanhar de Aquiles” da proposta, que se tornaria mais claro após o início das atividades formais com os alunos da graduação, foi justamente não ter havido tempo para ultrapassar o aspecto técnico de utilização do AVA; no curso, não se tocou em especificidades de planejamento, metodologia de trabalho, fundamentação pedagógica para EAD e funções diferenciadas de um professor formador em relação àquelas do professor 3

As categorias apontadas no texto de Heloísa Rocha continuam sendo as mesmas pelas quais podemos analisar a distribuição das ferramentas mais atuais do TelEduc, mas a enumeração de ferramentas por nós apresentada já inclui funcionalidades típicas das versões mais atuais, ainda não presentes naquelas vigentes quando da autoria do texto.

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na sala de aula presencial. Era necessário garantir, naquele primeiro momento, que os professores soubessem o mínimo necessário para operar as funções mais importantes do ambiente: upload e download de arquivos e uso de ferramentas de comunicação uni e bidirecional com os alunos, além de gerenciar inscrições e acessos à sala. O desenvolvimento metodológico necessário para atuar em EAD mediada pela Web foi, então, legado à descoberta empírica de cada professor. Logo após o início das atividades, a equipe gerencial de EAD daquela IES passou a ser “inundada” por questionamentos que advinham da simples inabilidade para operar o AVA fluentemente (por exemplo: pedidos de que membros da equipe fossem explicar aos alunos, em laboratório, como operar as ferramentas mais simples do sistema) e, especialmente, de dúvidas metodológicas práticas quanto à proposta (como atribuir presença ou falta para atividades semipresenciais? Deve-se levar em consideração, avaliativamente, o número de acessos ao ambiente? É possível evitar plágios de trabalhos no ambiente? etc.). A busca constante pela equipe por parte de professores e alunos e a recorrência das dúvidas metodológicas deixava clara a necessidade de um espaço aberto de discussões e aprimoramento das capacidades docentes para o trabalho. Em 2007/1, durante a semana pedagógica da IES, criou-se um espaço para que a equipe gerencial de EAD pudesse debater com os professores suas principais dúvidas e angústias sobre a primeira fase da experiência e, simultaneamente, apresentar-lhes algumas propostas de solução às questões mais recorrentes, na tentativa de agir preventiva e “curativamente” num mesmo espaço. Reuniram-se cinqüenta docentes envolvidos na primeira fase da experiência para uma hora e meia de conferência com a equipe de EAD para esta atividade. Em direção oposta ao esforço, houve novamente o pouco tempo disponibilizado para a atividade e, também, a sobreposição desta, no calendário da semana, à atividade de formação inicial para o AVA de mais quarenta professores que naquele momento se uniam à proposta da semipresencialidade; em suma: avançava-se um pouco com quem já participara da primeira fase e preparavam-se professores para a tarefa no mesmo formato pelo qual se formara o primeiro grupo – para as mesmas dificuldades pelas quais aquele passara, o que se confirmou durante o semestre letivo, ampliando o leque de necessidades pedagógicas com as quais o grupo gerencial de EAD precisou lidar no período. Estava patente a necessidade de outro espaço de discussão, mais amplo, e de novos caminhos para a formação e acompanhamento pedagógico dos professores da IES.

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Como resposta às necessidades apontadas, realizou-se, em setembro de 2007, o I Fórum Interno [IES] de Educação com Novas Tecnologias. Pela proposta, convidaram-se docentes, coordenadores de cursos e demais profissionais envolvidos na implementação da semipresencialidade na IES (representantes administrativos, de tecnologia da informação e alguns discentes que realizavam monitorias em disciplinas semipresenciais) para que os rumos do trabalho pudessem ser discutidos e replanejados. Dos trinta participantes efetivos, apenas metade eram docentes. Buscando justificar a pouca participação docente, foram posteriormente apresentadas à equipe de EAD razões que variavam de compromissos profissionais anteriormente assumidos, a data de realização do Fórum (um sábado, durante o dia todo) e o fato de a atividade não ser remunerada. Ainda assim, qualitativamente, o encontro se provou útil, tendo sido palco de depoimentos e debates sobre as possibilidades e limites do processo de implementação da EAD na instituição. No que tocava exclusivamente à apreciação do AVA utilizado na IES, o TelEduc, foi aplicado um questionário com 36 questões subdivididas em cinco grupos, em que estavam assim distribuídas: sobre a facilidade ou não do uso do sistema (5); sobre a assiduidade da presença do professor na sala virtual (2); sobre a utilização de cada ferramenta do sistema (17); sobre possibilidades pedagógicas do sistema (7); sobre a facilitação, pelo sistema, da gestão do material de estudo da turma (5). Para cada uma das asserções, o respondente daria uma nota de 1 a 4, sendo 4 a mais alta, ou marcaria NO (não-observado) para aquelas sobre as quais não se sentisse à vontade para responder. Essas subdivisões funcionariam como categorias e subcategorias a priori para a posterior análise interpretativa dos resultados, dentro de uma das propostas de trabalho de análise do conteúdo citadas por Laurence Bardin (1995). Dez dos quinze docentes presentes foram selecionados para responder ao questionário, dando-se a preferência para aqueles que já houvessem utilizado o sistema por mais de um semestre, o que imediatamente denotava terem participado do primeiro grupo formador e, posteriormente, recebido atualizações sobre as possibilidades pedagógicas do sistema. Considerando-se somente as ocorrências que apresentaram no mínimo 7 (sete) respondentes dando nota 3 (muito bom) ou 4 (ótimo) ao item avaliado, eis o que os professores disseram:  Quanto à facilidade de operação, o sistema é descomplicado, não apresentando qualquer dificuldade para quem domine habilidades básicas de computação

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doméstica (criar, anexar e baixar arquivos, enviar e receber e-mails, participar em fóruns de discussão e salas de bate-papo).  Em termos de assiduidade, os professores afirmaram o costume de acessar o ambiente ao menos 3 (três) vezes por semana, atualizar a agenda e verificar o trabalho realizado e postado pelos alunos.  As ferramentas mais freqüentemente utilizadas da arquitetura foram o Correio, os Portfólios, a Agenda, o espaço para indicação de Leituras, o espaço para indicação de Atividades e o espaço para postagem de Material de Apoio.  O AVA possibilita ao docente, com facilidade, atualizar conteúdos no sistema, construir atividades didático-pedagógicas com clareza dos passos a seguir e dos objetivos a serem buscados, o acompanhamento discente do que se dispõe nos materiais de apoio e leituras indicadas e maior coerência nos critérios de correção das atividades solicitadas.  Em relação à gestão do ensino, os professores percebem que o AVA lhes confere recursos suficientes para que se possam postar materiais de uso na disciplina, potencializa a aprendizagem dos alunos a partir das atividades solicitadas e lhes anima a elaborar outras atividades a serem realizadas com apoio de um ambiente virtual. Analisando mais detidamente o que os docentes consideraram positivo sobre o uso do AVA, chama especialmente nossa atenção o fato de as ferramentas mais utilizadas refletirem, em sua maioria, unidirecionalidade pedagógica; com exceção do Correio, as outras ferramentas melhor avaliadas são tipicamente espaços para postagem e recolha de materiais, indicação de atividades e disponibilização de resultados, ou seja, repositórios de materiais úteis à realização de atividades previamente acordadas e que têm no professor um centralizador tanto no momento do design quanto no acompanhamento e valoração de todo o trabalho discente. Coerentemente, ainda que na direção oposta dos princípios norteadores do desenvolvimento do TelEduc, as ferramentas que receberam avaliação menos positiva dos professores foram, em sua maioria, as desenvolvidas para propiciar interatividade e pessoalidade na execução da atividade proposta: Mural, Fóruns de Discussão, Bate-Papo, Grupos e Perfil. Reflexo da transposição para a EAD de metodologias escolares tradicionais, a escolha nega alguns princípios fundamentais da interatividade apontados por Marco Silva

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(2004): (re)construção coletiva do conhecimento, mudança paradigmática da transmissãorecepção para a interatividade (p.97-8), a construção do sentido da informação sob a intervenção do receptor (p.99), a utilização dos elementos da arquitetura dos AVA para promoção da bidirecionalidade no processo por meio de agregações, reconstruções e novas relações (p.102). Nega, também, o que Heloísa Rocha e Jane Oeiras definiam como princípio metodológico importante para o desenvolvimento e utilização do TelEduc ao afirmarem que em (...) um ambiente de curso a distância, as pessoas podem estabelecer relações, em parte, através da interação4 que ocorre pelas ferramentas de comunicação. Dentre as disponíveis, geralmente são usados programas de bate-papo, correio eletrônico, listas de discussão e os fóruns. (ROCHA e OEIRAS, 2001, p.2)

Inicialmente, a baixa avaliação também dada às ferramentas Avaliação e Exercícios pareceu uma incongruência em relação à tendência mais tradicional percebida. Entretanto, o fato de ambas as ferramentas terem sido adições relativamente recentes ao AVA, e para cujo uso os professores não tivessem ainda recebido formação específica, derruba a impressão de incoerência. A sensação de tradicionalidade mascarada de inovação foi, posteriormente, comprovada por estudo exploratório realizado por Ademir Santos e Dinamara Machado (2008). Acessando mais de duzentas salas virtuais com atividades finalizadas entre 2006/2 e 2007/2 naquela IES, a análise dos procedimentos pedagógicos utilizados pelos professores demonstrou clara transposição de elementos tradicionais do ensino presencial para os ambientes virtuais: a centralidade do professor na concepção, controle e avaliação das atividades; a solicitação de atividades de ciclo fechado (ou seja, de resultado possível único, sem exigência de interatividade criativa); a prevalência de atividades desenvolvidas individualmente; a freqüente utilização das atividades a serem realizadas fora do cenário da IES para compensar a impossibilidade da presença do professor em determinadas datas previamente definidas etc. Quem efetivamente sofreu as piores conseqüências dessa lacuna entre os objetivos mais amplos do projeto inovador e sua realização prática, nos momentos iniciais, foi justamente a intenção de promover a interatividade no processo educativo. As exceções virtuosas remontam a menos de 10% (dez por cento) dos ambientes pesquisados e, em sua maioria, foram possíveis por terem sido organizadas por professores com experiência

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Ainda que utilizem a terminologia “interação”, as autoras, que são pesquisadoras envolvidas há muito tempo no desenvolvimento do AVA TelEduc, sempre remetem metodologicamente a situações de interatividade conforme a definimos neste trabalho.

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e formação anteriores em EAD, realizadas fora da IES em questão. Um estudo de caso complementar, realizado por Ademir Santos, Dinamara Machado e Marcus Vinicius S. Kucharski (2008), que envolveu entrevistas com professores e alunos envolvidos nas atividades semipresenciais investigadas no estudo anterior (SANTOS e MACHADO, 2008), trouxe à tona uma outra faceta do fenômeno: no discurso manifesto de professores e alunos, tratados pelos pressupostos da análise de conteúdo (BARDIN, 1995), predominou a visão favorável ao uso de NTIC na prática pedagógica, que foi apontada pelos alunos como uma vantagem à formação de sua autonomia (ainda que o estudo anterior tivesse demonstrado a vigência de metodologias tradicionais de trabalho) e, pelos professores, como um diferencial positivo para o controle da realização das tarefas dentro das datas aprazadas e como experiência que os fez melhorar o planejamento e confecção de materiais didáticos utilizados no ensino presencial.

Considerações finais

Confundir autonomia com simples responsabilidade por prazos e NTIC como meras ferramentas de controle de tarefas ou instrumentos de melhoramento formal, como o último parágrafo da seção anterior demonstra, não são novidades para quem observa projetos de implementação de atividades educacionais à distância em IES com histórico de educação presencial tradicional. Da mesma forma, se pode observar que a adoção de um discurso tecnológico progressista ocorre bem antes de as ações pedagógicas efetivamente espelharem uma nova maneira de pensar a forma e a função do ensino. Tanto a transposição imediata de aspectos metodológicos tradicionais ao trabalho com AVA quanto a adoção puramente “modernosa” de um novo discurso são pistas de que uma semeadura de novidades já se iniciou, e que também se puseram a caminho os mecanismos de “enquadramento” e/ou de resistência ao novo. Contentar-se com a superficialidade ou capitular ao percebê-la são dois erros fatais aos projetos bem-intencionados de se implementar uma nova forma de educar. Longe de representarem um fator de desânimo à IES pesquisada, os resultados das investigações realizadas trouxeram a certeza de ser necessário redesenhar o processo formativo e de acompanhamento da ação docente nas atividades semipresenciais. A formação inicial de caráter simplesmente técnico, operacional, que já fora modificada pela criação de um segundo momento de formação continuada em 2007/1, conforme anteriormente citado, foi

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submetida a melhoramentos sensíveis dando origem a um projeto de formação dividida em quatro níveis seqüenciados e cumulativos em termos de complexidade de informações trabalhadas, num projeto implantado na semana pedagógica de 2008/1 e cujos resultados serão melhor compreendidos por novas pesquisas que estão sendo realizadas neste momento. Um dos conceitos mais importantes da nova proposta de formação continuada de professores para EAD é justamente a aplicação radical dos conceitos de interatividade e construção coletiva dos conhecimentos: as questões e problemas abordados no nível I do curso serão trabalhadas não apenas com auxílio do moderador, mas de todos aqueles docentes que já fazem parte do grupo do nível II – que, por sua vez, trabalharão com outros do nível III e, estes, com os do nível IV. Simultaneamente, os níveis III e IV funcionarão como fóruns permanentes de discussão e aprimoramento das questões pedagógicas referentes à modalidade, criando massa crítica que dê suporte à formação continuada dos níveis anteriores. O grupo de gerência de EAD da IES pesquisada, movido pelas constatações feitas no decorrer do seu trabalho, também inovou em pelo menos duas outras frentes de formação docente, contando com parcerias internas importantes: formatação e oferta do primeiro curso de Metodologia do Ensino Superior com Novas Tecnologias de Comunicação e Informação, que, após reformulações do projeto piloto realizado em 2007/1, está indo para sua segunda oferta, e a proposição de um curso Lato Sensu interinstitucional para especialização de professores para a EAD, focalizado especialmente nas competências relacionais, na compreensão diferenciada da interatividade como forma eficaz de ensinar e aprender e em variações metodológicas necessárias ao melhor desempenho e resultados na modalidade. Este curso está em fase final de aperfeiçoamento de projeto e deve ser ofertado em 2009/1. Ficou especialmente claro no estudo realizado que a interatividade, como elemento fundamental de uma educação que se pretenda inovadora, de promoção da autonomia responsável, da aproximação de pessoas num processo de parceria e co-autoria, é a categoria mais complicada de se fazer compreender e implementar eficazmente, e isso vale tanto para a educação mediada por NTIC quanto para a presencial. A aplicação de estratégias e metodologias tradicionais, unidirecionais e instrucionistas de ensino em ambientes virtuais cuja arquitetura privilegie a interatividade materializa o mais importante foco de resistência: o “paredão ideológico” que busca isolar o ambiente escolar da vida e suas transformações, isolar o ambiente escolar tradicional de outras propostas que lhe representariam avanços. Na IES em que este estudo foi realizado, sobressai-se a insistência na formação

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docente continuada como o caminho mais indicado de aprimoramento dos esforços pela inovação educacional. É pelo caminho da formação continuada e efetivamente interativa que se pode buscar superar a mera adoção de um discurso tecnológico progressista no sentido de promover, efetivamente, a compreensão de que a interatividade aplicada à Educação, em situações em que haja mediação tecnológica para superação de uma distância espaçotemporal, (...) o essencial não é a tecnologia, mas um novo estilo de pedagogia sustentado por uma modalidade comunicacional que supõe interatividade, isto é, participação, cooperação, bidirecionalidade e multiplicidade de conexões entre informações e atores envolvidos. Mais do que nunca, o professor está desafiado a modificar sua comunicação em sala de aula e na educação. Isso significa modificar sua autoria enquanto docente e inventar um novo modelo de educação. (SILVA, [s.d.])

Proposição com que também concordam Alex Primo e Márcio Cassol (2006, p.2): “Pouco adiantam os sofisticados recursos informáticos, a complexidade envolvida nas linhas de programação e a estética das interfaces se o aluno de um curso on-line, por exemplo, se sente preso e com sérias dificuldades de interagir, tirar dúvidas, etc.” Na Educação, as inovações se constroem paulatinamente: primeiro vem o discurso e, logo após, sua “acomodação” – que, caso não se esteja atento como a IES pesquisada tem estado, será o ponto final da proposta. Depois, é preciso que ocorra um trabalho de formação continuada cada vez melhor estruturado e moldado efetivamente dentro do que há de mais inovador na proposta pedagógica que subjaz às novidades tecnológicas e nova parada para apreciação crítica. Os resultados até agora obtidos nos levam a crer que os próximos poderão ser ainda melhores, e isso nos renova o propósito de continuar acompanhando com a lupa de investigação os desdobramentos atuais do processo. Se não imediatamente generalizáveis, os resultados e os processos de esforços localizados podem e devem balizar incursões futuras no desafio de educar interativamente para a autonomia. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa : Edições 70, 1995. BEHRENS, Marilda A. Paradigma da complexidade: metodologias de projetos, contratos didáticos e portfólios. Petrópolis : Vozes, 2006. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. __________. Portaria Ministerial 4.059, de 10/12/2004.

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LIPPMAN, Andrew. O arquiteto do futuro. Revista Meio e mensagem. n.792. São Paulo, 26 JAN 1998. (Entrevista)

PRIMO, Alex F.T. e CASSOL, Márcio B.F. Explorando o conceito de interatividade: definições e taxonomias. 2006. Disponível em http://usr.psico.ufrgs.br/~aprimo/pb/pgie.htm. Acesso em 12 AGO 2008. ROCHA, Heloísa V. da. O ambiente TelEduc para educação a distância baseada na Web: princípios, funcionalidades e perspectivas de desenvolvimento. In: MORAES, M. C. (Org.) Educação a distância: Fundamentos e práticas. Campinas, SP: UNICAMP/NIED, 2002. __________, OEIRAS, Jane Yukiko Y. Aspectos sociais em Design de ambientes colaborativos de aprendizagem. In: Anais do I Encuentro Internacional De Informática En La Educación Superior - INFOUNI ' 2001, Havana, Cuba, JUN 26-29, 2001. __________, __________, FREIRE, Fernanda M.P., e ROMANI, Luciana A.S. Design de ambientes para EaD: (re)significações do usuário. In: Anais do IV Workshop sobre Fatores Humanos em Sistemas Computacionais, p. 84-95. Florianópolis: UFSC/ SBC, 2001. SANTOS, Ademir V. dos e MACHADO, Dinamara. Estudo sobre a orientação metodológica do trabalho pedagógico realizado no ambiente TelEduc numa IES privada do Paraná. Inédito, 2008. __________, __________, e KUCHARSKI, Marcus Vinicius S. O uso de ambientes virtuais de aprendizagem nas perspectivas docente e discente. Inédito, 2008. SILVA, Marco. Indicadores de interatividade para o professor presencial e on line. Revista Diálogo Educacional. v.4, n.12, p.93-109. Curitiba : Champagnat, 2004. __________. Sala de aula interativa: a educação presencial e a distância em sintonia com a era digital e com a cidadania. [s.d.] Disponível em: http://www.senac.br/BTS/272/boltec272e.htm. Acesso em 12 AGO 2008.

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