Interdisciplinaridade e inovação social na qualificação da pós-graduação no Brasil

June 4, 2017 | Autor: L. Cisneros | Categoria: Interdisciplinaridade, Pos Graduação
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Seminário Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão da Região Sul (SIIEPE-SUL II) – 2015 Interdisciplinaridade: Universidade e Inovação Social e Tecnológica Relatoria da Mesa Redonda 6 - Qualificação da pós-graduação na Região Sul: avanços e desafios. In: PEDRO, Joana Maria; FREIRE, Patrícia de Sá (Organizadoras). Interdisciplinaridade: Universidade e Inovação Social e Tecnológica. Curitiba: Crv, 2016. ISBN13:9788544407820. Leandro Marcelo Cisneros1 Interdisciplinaridade e inovação social na qualificação da pós-graduação no Brasil Onde está o conhecimento que perdemos na informação? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? T. S. Eliot

Resumo No SIIEPE-SUL II, a mesa-redonda com o título Qualificação da pós-graduação na Região Sul: avanços e desafios gerou questionamentos e polêmicas ricas e intensas a partir dos dados oferecidos pelas fundações de amparo à pesquisa dos três estados do sul do Brasil, sobre critérios para financiamento, estratégias e resultados esperados e obtidos. A partir disto, esse capítulo apresenta uma visão crítica, nos questionando sobre o que entender por qualificação da pós-graduação desde uma perspectiva interdisciplinaridade, visando inovação social. Introdução Este texto é a relatoria da Relatoria da Mesa Redonda 6 do II SIIEPE-SUL, titulada: Qualificação da pós-graduação na Região Sul: avanços e desafios, e a mesma foi composta pelo Prof. Dr. Joviles Vitório Trevisol (UFFS) que a coordenou e também representou a CAPES; o Prof. Dr. Nilceu Jacob Deitos, Fundação Araucária/Paraná; o Prof. Dr. César Zucco, Diretor de Pesquisa Científica e Tecnológica da FAPESC e o Prof. Dr. Érico Marlon de Moraes Flores, Diretor Científico da FAPERGS. O prof. Trevisol, atualmente é Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFFS e é o Secretário Executivo do Diretório Nacional do Fórum dos Pró-Reitores de Pesquisa e Extensão (FOPROP), do qual já foi coordenador e vice-coordenador. Desenvolve pesquisa em temáticas como globalização e transformações do Estado contemporâneo; sociedade civil, movimentos sociais e políticas públicas educacionais. Inicia sua fala, em representação da 1. Doutor em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Licenciado e Mestre em Filosofia. E-mail: [email protected].

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CAPES, na qual apresentou uma descrição completa com dados numéricos relativos à evolução do crescimento dos programas de pós-graduação no país, ao crescimento do número de docentes, ao crescimento do número de estudantes, avaliações e notas do último triênio, etc. Todos esses dados foram apresentados de maneira comparativa entre as diferentes regiões do Brasil e, especialmente, frisando dados comparando essas situações nas instituições dos três estados da região sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). O prof. Deitos, atualmente é o Diretor Científico na Diretoria da Fundação Araucária (PR), e desenvolve sua fala seguindo na mesma linha do anterior palestrante, só que concentra os dados no estado do Paraná. Como representa uma das FAPs (fundações de amparo à pesquisa), também traz números sobre como esta instituição tem contribuído nesse sentido com os tipos de editais publicados, os tipos de projetos promovidos, as instituições envolvidas, o tipo de contribuição em inovação, população de pesquisadores atingida, etc. uma fala mais de tipo técnico-informativa. O prof. Zucco, inicia sua fala, que anuncia que não será de caráter técnica ou meramente informativa, destaca, mais uma vez, a importância estratégico-política que tem para um país o investimento na formação científica da sua população, concretamente, isso se traduz em liberdade e autonomia nacional. Por isso, a educação científica é essencial. No Brasil há muitas falhas e, geralmente, os gestores são os principais responsáveis por elas existirem. É por isso, que um aspecto que também é muito importante a ser destacado é a necessária existência de forte comprometimento de parte deles para a implementação de políticas públicas. Nesse sentido, lembra rapidamente as sérias dificuldades que houve para a criação da própria FAPESC antes dos anos de 1990 e a elaboração de critérios de gestão da mesma. Por exemplo, inicialmente, a FAPESC recebia 2% do orçamento do estado de Santa Catarina, para ser distribuído em dois fundos: pesquisa científica e agropecuária. Essa era uma organização e gestão ruim desses recursos. Posteriormente, esses fundos foram separados, e agora a EPAGRI é a que gere o 1% correspondente a agropecuária e a FAPESC o correspondente à pesquisa científica. No entanto, esclarece que, atualmente, nenhuma das duas instituições estão recebendo efetivamente esse 1%, ficando na ordem do 0,2 a 0,3% do orçamento do estado de Santa Catarina. Somado a isto, em 2015, pela atual situação nacional, o governo já cortou 20% desse 0,2 a 0,3%. No entanto, também destaca que, apesar dessa condição orçamentária, nos dias de hoje há uma forte articulação com as demais agências 2

federais (CAPES, CNPq, principalmente), gerando importantes contribuições para o fomento da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Um dos efeitos positivos que trouxe essa articulação, é que os fundos de origem federal têm sido melhor direcionados e com melhores resultados, porque as FAPs têm um olhar mais próximo das realidades regionais, para poder avaliar com mais critério aonde convém aplicar esses recursos. Isto reforça o argumento em prol da descentralização para a aplicação de recursos. Ele também reforça a importância do avanço na formação de pós-graduação, comparando a atual situação a como ela era nos anos de 1990. Contudo, essa mudança quantitativa e qualitativa, ainda não trouxe o avanço que se esperava, pois os déficits ainda são enormes, em ambos os aspectos. Por exemplo, o Brasil deveria ter 800 mil doutores, mas só tem 150 mil, sendo que desses, 120 mil estão ativos. Pontualmente, em Santa Catarina, tanto o número de doutores, como o número de programas de pós-graduação manifestam uma situação grave. Por isso, é imprescindível que se discuta pesquisa e pós-graduação de maneira conjunta e articulada. É preciso trabalhar muito nesse aspecto. Por exemplo, o estado deveria ter seu próprio plano de pós-graduação, atendendo a questões relativas à regionalização. Outro exemplo é o da FAPESC, que tem progredido muito na atribuição de bolsas, desde 2010. Outra maneira de apoiar a pesquisa é o modo de elaborar e lançar os editais, mantendo os de caráter universal, mas também outros que privilegiem projetos de longo alcance e que envolvam a maior quantidade possível de parceiros e de instituições, principalmente, pela garantia de responsabilidade. O prof. Flores, foi Diretor da Divisão de Química Analítica (DQA) da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) de 2010-2012, Vice-diretor da DQA-SBQ (2008-2010) e Tesoureiro/SBQ-RS da Sociedade Brasileira de Química, membro Titular da Farmacopeia Brasileira (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA, Brasília, desde 2002), e da Câmara Técnica de Saneantes (CATES, ANVISA, desde 2004), possui patentes de inovação tecnológica internacionais e uma (Alemanha) com produto comercializado em diversos países, coordenou (pela UFSM) o projeto para o Desenvolvimento de Monografias da Farmacopeia Brasileira e Produção de Materiais de Referência do Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Foi coordenador pela UFSM da Área de Química da Associação das Universidades do Grupo de Montevidéu (AUGM-Uruguai) de 09/2001 a 2008, que envolve diversas instituições da América do Sul para intercâmbio universitário, coordenador da Área de Química da FAPERGS (2012-2014) e atual Diretor Científico da 3

FAPERGS (2014-2017). Atualmente é membro do Comitê Assessor de Química do CNPq. A sua palestra foi no mesmo sentido que a do representante do estado do Paraná, isto é, mais de corte técnico-informativo, versando sobre indicadores semelhantes ao seu colega do Paraná, só que do estado do Rio Grande do Sul. Essa mesa gerou uma série de questionamentos e polêmicas muito ricas e intensas, especialmente em relação a temas como: melhores estratégias para apoiar a jovens doutores; tipo de ações mais eficazes para melhor aproximar a Educação Básica da Pós-Graduação; como obter maiores fontes de recursos; qualidade das pesquisas e dos papers produzidos, para contribuir com uma melhor internacionalização; o equilíbrio necessário entre quantidade de mestres e doutores formados e a qualidade dessas formações; ações para uma mais ágil inserção de jovens doutores, que ainda não atuam na academia; articulações estratégicopolíticas (Pró-reitores, secretários de educação e FAPs, por exemplo) para articular ações que permitam atingir as metas nacionais de maneira mais eficiente; internacionalização (escrita de papers em correto inglês, dar aulas em outra língua, etc.); necessário engajamento das coordenações dos cursos de pós; as ações necessárias para que os programas recentemente criados possam se fixar, sobretudo nos estados mais pobres e nas regiões de interior; mais e melhor incentivo à Iniciação Científica na graduação. Questões sobre inovação social e interdisciplinaridade Até aqui, apenas uma descrição objetiva dos aspectos mais relevantes das apresentações dos representantes das FAPs dos estados da região sul do país. A seguir, proponho uma reflexão a respeitos dessas informações e esse panorama em relação ao eixo central do evento, isto é, Interdisciplinaridade: Universidade e Inovação Social e Tecnológica, sugerindo uma visão crítica, um convite para nos questionando sobre o que entender por qualificação da pós-graduação desde uma perspectiva de interdisciplinaridade, visando inovação social. Assim, duas perguntas surgem inevitavelmente: o que deveríamos entender por inovação social neste contexto específico? De que maneira, ou em que sentido a interdisciplinaridade subsidiaria à inovação social? Visando oferecer um ponto de vista plausível, proponho revisitar algumas análises e reflexões feitas por Edgar Morin (2003) há quase vinte anos, no texto A cabeça bem-feita: pensar a reforma, reformar o pensamento. 4

De forma sucinta, o texto propõe esta perspectiva de análise: a realidade que tem se constituído no último meio século, sua crescente complexidade e, sobre tudo, a desconhecida complexidade dos problemas à qual nos confronta a vida em sociedade contemporânea, assim como a nossa inaptidão e incapacidade para dar respostas á altura das circunstâncias, configura um cenário que nos exige uma radical mudança na maneira de pensar, ou seja, uma reforma do pensamento. Para tal, o que se faz necessário é uma reforma do ensino, que, por sua vez, exige uma mudança cultural. Como podemos apreciar, essas três mudanças estão imbricadas uma na outra, se condicionando e determinando uma à outra. E esse é o desafio que nos toca como educadores e gestores de instituições de ensino superior nestes tempos. Desde esse ângulo, entendo que está contemplada a questão da

inovação social,

atrelada à opção da interdisciplinaridade, através da abordagem dos desafios para pensar como ensinar e como pensar a partir da complexidade. Em relação à primeira pergunta, é importante destacar a relevância do eixo proposto pela organização do II SIIEPE-SUL, para pensarmos a inovação científica dando especial atenção aos sujeitos que interagem e se articulam para construir conhecimento científico. Isto significa que precisamos centrar nossos estudos no modo em que os sujeitos produtores de conhecimento potencializam e renovam os modos de circulação e partilha de saberes, para achar novas respostas para os novos (ou, até, para os velhos) problemas da vida em sociedade. Visto pelo avesso, precisamos desconstruir o pensamento ideológico que faz nos centrar com exclusividade (ou quase) em apenas na inovação de produtos tecnológicos. Desde meu ponto de vista, a princípio, não haveria como tratar de um, sem ter que expressar considerações sobre o outro, ou seja, não poderíamos falar do objeto-produto do conhecimento científico, sem analisar que sujeito/s, em quais condições e como ele/s o produziram. E vice-versa. Contudo, os órgãos de fomento à pesquisa, através das suas políticas, editais e critérios de seleção dos candidatos, restringem as áreas que se consideram sejam as prioritárias que podem vir a contribuir com a tal inovação. Um claro exemplo disto é o programa Ciência sem Fronteiras lançado pelo governo federal, sendo um “programa que busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional” (BRASIL, 2015), que, no entanto, não contempla de maneira alguma ás áreas das Humanidades, Ciências Sociais e Artes, por exemplo. 5

Por outro lado, este crivo se objetiva nos tipos de produtos que se espera sejam desenvolvidos. Concretamente, um novo equipamento de produção de energia limpa é considerado inovação tecnológica, mas não é a percepção que se tem, por exemplo, da formação de funcionários públicos, através de um cursos de extensão, como é a Oficina Potencialidades de Lideranças Femininas (Eletrosul), oferecido pelo Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da UFSC na empresa de energia Eletrosul-Florianópolis, que trabalha sobre a mudança de percepções da realidade, reflexão sobre hábitos culturais, modos de conceptualização, maneiras de organização e hierarquização do trabalho e das equipes, “de modo a ampliar as discussões voltadas para as questões de gênero, no tocante aos papéis sexuais, machismo, etnocentrismo, história das mulheres, e violências de gênero. Além disso, […] as discussões sobre as relações étnico-raciais, de gênero e de sexualidades” (IEG, 2015). Regularmente, isto não se considera inovação. Entendo que é exatamente por causa dessas disquisições, que a preocupação com a inovação social é de considerável importância no meio acadêmico e nos órgãos de fomento à pesquisa, regionais e nacionais. E é aqui onde considero que um dos argumentos de Morim é muito pertinente para avançarmos nesta discussão. A seguir, reconstruo o mesmo. Como foi dito, há consenso de que a Modernidade e a separação, fragmentação, compartimentalização dos saberes em disciplinas tem gerado nas últimas décadas uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre eles. Isto, concomitantemente com o fato de que a realidade e os problemas se manifestam cada vez mais “polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários” (MORIN, 2003). Desse modo, a hiperespecialização dificulta, ou, até, impossibilita o acesso a uma visão da dimensão global, bem como da fundamental da realidade e seus problemas, pois há um afã por fragmentar em parcelas e diluir. Aqui, não podemos deixar de considerar que os problemas essenciais nunca são parceláveis, e que os problemas globais são cada vez mais essenciais, assim como que os problemas particulares só podem ser posicionados e pensados corretamente, se contextualizados adequada e corretamente em seus contexto/s mais amplos e globais. Segundo Morin, assumir esse desafio da globalidade é, ao mesmo tempo, encarar o desafio de complexidade. Significa que deveríamos nos preocupar em abordar “os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o

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psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes” (Ibid). A partir disso, posso afirmar que o caminho da inovação social, vinculada ao pensamento complexo, é o caminho contrário ao do reducionismo positivista, que já no fim do século vinte tem se mostrado menos uma solução que o próprio problema. Pois, a abordagem científica que só sabe separar e fragmentar o complexo mundo, transforma em unidimensional aquilo que, na realidade é multidimensional. Consequentemente, tolhe as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. É claro que não vamos renegar do conhecimento produzido nem da importantes elucidações que trouxe o desenvolvimento disciplinar das ciências, assim como também não podemos negar que, concomitantemente a isto, também a ignorância e a cegueira. E isto é importante de ser lembrado, porque nosso sistema de ensino ainda se estrutura segundo este horizonte de compreensão. Nesse sentido, cabe a reflexão de Morin sobre qual seria um conhecimento pertinente. […] o conhecimento pertinente é o que é capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita. Podemos dizer até que o conhecimento progride não tanto por sofisticação, formalização e abstração, mas, principalmente, pela capacidade de contextualizar e englobar (Ibid).

Embora pareça uma obviedade, considero que esse ainda é um sério problema na formação de bacharéis, mestres e doutores. Reverter essa mentalidade dentro da academia, significaria uma mudança importante no pensamento, uma inovação social científica, pois, como lembra Morin, “o conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas”. Por outras palavras, se focarmos nossos esforços em projetos, planejamentos, propostas e execução de ações na formação nas IESs, que visem uma releitura crítica e eficaz dessa organização e articulação das informações, dos saberes, dos contextos e dos agentes executores, com certeza haverá inovação. Nessa direção, impõe-se a nós o desafio cultural de tentar aproximar fronteiras e minimizar diferenças entre culturas, pois é um abismo que tem se naturalizado ao interior da vida acadêmica (LEIS, 2005; LENOIR, 2005). A esse respeito, Morin aprofunda a crítica,

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afirmando que a cultura está não só recortada em peças, como também partida em dois: a cultura das humanidades e a cultura científica (Ibid). Ambas, desenvolvem diferentes habilidades e diferentes modos de compreensão do mundo e da vida: […] A cultura humanística é uma cultura genérica, que, pela via da filosofia, do ensaio, do romance, alimenta a inteligência geral, enfrenta as grandes interrogações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal dos conhecimentos. A cultura científica, bem diferente por natureza, separa as áreas do conhecimento; acarreta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não uma reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro da própria ciência (Ibid).

Ambas as duas, atualmente, produzem conhecimentos parciais e inadequados para uma melhor compreensão da existência e, como já dito, isto dificulta a melhor resolução dos problemas que temos para resolver, em tanto sociedades complexas que constituímos. Ambas olham para a outra de maneira preconceituosa e mesquinha. Entendo, junto a Morin, que não economizar esforços para religar essas duas culturas, significaria uma verdadeira reforma do pensamento, que permitiria o pleno emprego da inteligência para responder aos desafios da nossa época, comportando “uma reforma paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o conhecimento” (Ibid). Dita reforma deveríamos entendê-la numa relação dialética entre a reforma do ensino, a reforma do pensamento e a reforma da cultura. Considerações para o debate Aqui, só reiterarei algumas ideias centrais, que já foram ditas e argumentadas. Entendo que as FAPs, junto às IESs, poderiam zelar para que nos editais haja incentivo e efetivo desenvolvimento da pesquisa nas diversas áreas com especial atenção para o tipo de inovação social aqui indicado. Nesse sentido, vejamos dois exemplos simples, que ilustra muito bem como atingir de forma abrangente e eficaz aquela relação dialética de reformas sobre a qual falava anteriormente (ensino – pensamento – cultura), cuidando da organização dos fatores envolvidos na política de gestão. A qualidade do ensino na Educação Básica é qualitativamente diferente, tanto em relação aos resultados objetivos desejados pela sociedade, como às condições trabalhistas, se esses docentes trabalhassem, efetivamente 40 horas semanais, sendo apenas 12 em sala de aula, se dedicando a uma única turma ou,

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dependendo do anos escolar e da disciplina em que se desempenhe, no máximo cuidasse de 3 turmas de, no máximo, 25 estudantes, com a infraestrutura material adequada, em apenas uma instituição, com tempo para desenvolver projetos de pesquisa e extensão. O segundo exemplo, é o caso exemplar do sistema de produção toyotista, que definiu sua chave de sucesso, basicamente, na inversão da hierarquia para definir qual fator determina a quantidade e ritmo de produção, ou seja, é a procura a que deve reger a produção e não ao contrário. Na mesma perspectiva, nas oficinas, o cuidado com o layout das máquinas-ferramentas a serem operadas pelo operário, de tal sorte que, um funcionário, trabalhando a mesma quantidade de horas, rende mais produtividade, pela economia de tempo e, por outro lado, se evitam problemas de prejuízo nos materiais, eliminando estoques desnecessários. Como vemos, não estamos falando de desenvolver produtos tecnológicos que requerem de materiais e equipamento ultra sofisticado, caros e de difícil acesso. Estamos falando de como reverter uma cultura acadêmica que coloniza nossas IESs, como resistir a certa lógica que leva aos gestores a investir quantias muito elevadas em aparelhos de alta tecnologia, mas sem cuidar da reestruturação das relações interpessoais e, consequentemente, no combate ao pensamento abissal (SANTOS, 2010) entre culturas, dentro da própria academia. Como as FAPs poderiam incentivar a isto através dos seus editais? Referências BEVILACQUA, Luiz. Sobre a universidade no Brasil na era do choque cultural: a formação para tecnologia. INTERthesis. Florianópolis: PPGICH-UFSC, v. 11, n. 1, Jan.–Jun., 2014. BRASIL. Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Secretarias de Ensino Superior e de Ensino Tecnológico. Ciência Sem Fronteiras, 2015. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2015. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. FOLLMANN, José Ivo. Dialogando com os conceitos de transdisciplinaridade e de extensão universitária: caminhos para o futuro das instituições educacionais. INTERthesis. Florianópolis: PPGICH-UFSC, v. 11, n. 1, Jan.–Jun., 2014.

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