Interditos possessórios e contrato-promessa

October 5, 2017 | Autor: José González | Categoria: Property Rights
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As acções possessórias
(Em especial a propósito da situação do promitente-comprador)


I) Quando o formalismo processual implicava a existência de tipos de
acções, especialmente individualizadas pelo respectivo nomen para
finalidades específicas, assumia extrema importância identificar
correctamente a acção que se intentava [1]. É que então, de certo modo,
todas as acções tinham processo especial.
Hoje, uma vez que a cada direito corresponde, em princípio, uma acção
(artigo 2º/nº2 do Código de Processo Civil), e uma vez que se busca, acima
de tudo, a justiça material (confira-se, especialmente, o disposto no
artigo 265º-A do mesmo diploma), a recondução da generalidade das acções a
um processo comum (a todas elas) é uma consequência quase necessária. O que
implica a relativa pouca importância que decorre da acertada identificação
da acção, já que o tribunal deve é considerar aquilo que substancialmente
se pretende. Razão pela qual, a identificação da acção apenas determina, na
melhor das hipóteses, mais fácil e rápida apreensão e compreensão da sua
finalidade [2].


II) Sendo assim, na generalidade dos casos, a referência às acções
reais serve somente, por um lado, para dar continuidade a uma certa
tradição histórica [3], e, por outro, para facilitar a comunicação entre
juristas [4].
De qualquer modo, ainda existem certas espécies de acções reais
dotadas de um regime substantivo próprio. Nestas, a sua correcta
identificação será relevante sempre que, ao menos, um erro na respectiva
escolha possa [5] [6] determinar consequências processuais ou substantivas.
É o que se passa, designadamente, com as acções possessórias.


III) A distinção entre acções reais e acções pessoais é-nos imposta
pela tradição jurídica romana [7].
Superest, ut de actionibus loquamur, et si quaeramus, quot genera
actionum sint, uerius uidetur duo esse, in rem et in personam, nam qui IIII
esse dixerunt ex sponsionum generibuss, non animaduerterunt quasdam species
actionum inter genera se rettulisse.
In personam actio est, qua agimus, quotiens litigamus cum aliquo, qui
nobis uel ex contractu uel ex delicto obligatus est, id est, cum intendimus
DARE FACERE PRAESTARE OPORTERE.
In rem actio est, cum aut corporalem rem intendimus nostram esse aut
ius aliquoad nobis competere, uelut utendi aut utendi fruendi, eundi,
agendi aquamue ducendi uel altius tollendi prospiciendiue, aut cum actio ex
diuerso aduersario est negatiua [8] [9].


IV) Uma acção é pessoal quando (traduzindo livremente a passagem de
Gaio transcrita) se reclama a realização de uma conduta contra aquele que à
mesma está obrigado por causa de um contrato ou de um delito – ou, em
resumo mas noutra fórmula, quando se pretende que este dê, faça ou não
faça.
Diversamente, as acções reais são todas aquelas que se destinam
especialmente à defesa de um direito real [10]. O traço comum entre todas
elas está na respectiva causa de pedir [11]: em todas o fundamento da acção
consiste na titularidade de um determinado direito real (artigo 498º/n.º 4,
Código de Processo Civil [12]). O que pressupõe, portanto, a demonstração
de que essa titularidade radica no demandante [13].
Como essa prova pode em certos casos (particularmente tratando-se de
coisas móveis) revelar-se extremamente difícil, já no Direito Romano se
tinha engendrado a chamada actio Publiciana: "Q. Publicio pretor inventó
una nueva acción real derivada del domínio fingido. (…) Esta acción se da
al que pierde una cosa que recibió com buena fé y justo titulo de uno que
no era su dueño, para que el poseedor de ella (a no ser que sea su
verdadero dueño) se la restituya com toda su causa, accesiones y frutos.
(Semejante domínio es enteramente pretorio, porque el pretor finge que el
actor ha usucapido la cosa que realmente no ha usucapido. El fundamento de
esta ficcion consiste en que el poseedor de buena fé se considera como
dueño cuando se compara con otro que no tiene igual derecho, y por lo mismo
se le concede accion real)" [14]. A actio Publiciana era assim, no fundo,
uma acção de reivindicação, mas na qual o respectivo autor estava isento da
prova da propriedade na medida em que esta se presumia na sua titularidade:
si quis id, quod traditur ex justa causa non a domino, et nondum usucaptum
petet, iudicium dabo (Ulpianus 16 ad Ed.; Dig. 6.2.1.).


V) Justamente com fundamento nesta raiz histórica, e apesar de alguma
doutrina em sentido contrário, não se vê razão, por isso, para considerar
que a referida demonstração probatória não possa ser feita através da
presunção [15] derivada do registo (artigo 7º, Código do Registo Predial)
ou através da presunção derivada da posse (artigo 1268º/n.º 1/1ª parte,
Código Civil [16]) [17] [18]. Pois, que se saiba, a presunção é um meio de
prova como outro qualquer (artigos 341º e segs., Código Civil) [19] [20] e,
tratando-se de presunção legal (como é qualquer uma destas), quem a tem a
seu favor "escusa de provar o facto a que ela conduz" (artigo 350º, Código
Civil) [21] [22]. Assim, somente quando a prova por presunção seja
impossível ou a presunção seja ilidida, é que deverá o autor proceder à
demonstração positiva da sua titularidade [23], o que supõe o
estabelecimento do chamado trato sucessivo material; ou seja, supõe a prova
da existência, da validade e da eficácia dos sucessivos factos aquisitivos
dos quais dependa a prova da existência da titularidade actual na pessoa do
demandante.


VI) Na acção real está em litígio a própria titularidade do direito
que demandante e demandado invocam, pelo que "in rem actio non contra
venditorem, sed contra possidentem competit" (C. III, XIX, 1). Isto, porém,
apenas quadra verdadeiramente à acção de reivindicação. Nas acções
possessórias e nas demais acções petitórias, contudo, o problema não se
pode colocar, ou de todo não se coloca, exactamente nestes termos.


VII) Distinguem-se as acções reais, numa nomenclatura clássica, em
acções possessórias e acções petitórias. Isto partindo do princípio,
naturalmente, que a posse é uma situação jurídica, ainda que sui generis.
Embora não possa deixar de se sublinhar desde já que tendo a posse efeitos
jurídicos associados (não só, mas fundamentalmente, os que estão descritos
entre os artigos 1268º a 1299º do Código Civil), isso seja incompatível com
a qualificação da posse como uma pura situação factual.
Destinam-se as primeiras especificamente à defesa da posse.
Pressupõem, portanto, a prova do domínio de facto, do senhorio sobre uma
coisa.
Destinam-se as segundas, segundo a visão tradicional, à defesa da
propriedade, embora, por força do disposto no artigo 1315º do Código Civil,
se devam considerar hoje extensíveis à defesa da generalidade dos direitos
reais de gozo, ou, pelo menos no que toca à acção de reivindicação,
extensíveis à defesa de todos os direitos reais [24] cujo exercício suponha
a apreensão material da coisa seu objecto. Pressupõem, portanto, a prova da
titularidade de um destes direitos.


VIII) Dentro das acções possessórias, separa a lei as acções de
prevenção (artigo 1276º), manutenção (artigos 1278º e segs.), de
restituição (artigos 1278º e segs.) e os embargos de terceiro (artigo
1285º).
Dentro das acções petitórias, diferenciam-se a acção de reivindicação
(artigos 1311º e segs.), a acção de demarcação (artigos 1353º e segs.) e,
de novo e seguramente, os embargos de terceiro (artigo 351º, Código de
Processo Civil). Acrescenta-se a acção negatória, apesar de esta não estar
legalmente prevista ou sequer nominada.
Umas e outras são fruto de uma profunda e remotíssima evolução
histórica de que em seguida, para as primeiras, se traçam brevemente as
principais linhas.


1.2. As acções de lei (legis actiones)
I.I) As acções de lei eram, no Direito Romano mais antigo, "os meios
de perseguir um direito qualquer em juízo" [25]. Actiones, quas in usu
ueteres habuerunt, legis actiones appellabantur uel ideo, quos legibus
proditae erant, quippe tunc edicta praetoris, quibus conplures actiones
introductae sunt, nondum in usu habebantur, uel ideo, quia ipsarum legum
uerbis accommodatae erant et ideo immutabiles proinde atque leges
obseruabantur. unde eum, qui de uitibus succisis ita egisset, ut in actione
uites nominaret, responsum est rem perdidisse, quia debuisset arbores
nominare, eo quod lex XII tabularum, ex qua de uitibus succisis actio
conpeteret, generaliter de arboribus succisis loqueretur (As acções que
estavam em uso entre os antigos chamavam-se acções de lei, seja por terem
nascido a partir da lei uma vez que não existiam ainda os éditos do pretor,
dos quais saíram depois tantas acções, seja por se moldarem aos dizeres
legais pelo que se cumpriam com o mesmo imutável rigor com que se cumpriam
as próprias leis. Daí que se alguém, ao reclamar umas cepas cortadas,
mencionava a palavra «cepa» na sua acção, perdia o pleito, diziam os
jurisconsultos, já que devia dizer «árvores», pois a lei da XII tábuas
falava genericamente em «árvores» a propósito da acção competente para as
cepas cortadas – Gaio 4.11).
"Ao dizer de Gaius podemos obrar em juízo (lege agere) 1º Sacramento,
2º Per judicis postulationem, 3º Per condictionem, 4º Per manus
injectionem, 5º Per pignoris capionem" [26]. Não havia mais espécies;
tratava-se, portanto, de uma taxatividade de modelos de actiones.
"A primeira destas acções, isto é, deposito ou consignação judicial
(sacramentum)". (…) Consistia ella em certa soma … que cada uma das partes
era obrigada a depositar nas maõs do pontífice, e que perdia o vencido em
favor das despesas do culto publico" e que se aplicava "quer tivessem por
objecto obrigações pessoaes, quer direitos reaes" [27]. Sacramenti actio
generalis erat. de quibus enim rebus ut aliter ageretur, lege cautum non
erat, de his sacramento agebatur (a acção de aposta sacramental era a
geral, de modo que quando a lei não dispunha que se demandasse de outra
forma acudia-se a esta acção – Gaio 4.13).
Per iudicis postulationem agebatur, si qua de re ut ita ageretur lex
iussisset sicuti lex XII tabularum de engavetar eo ex stipulatione petitur.
eaque res talis fere erat. eaque res talis fere erat. qui agebat sic
dicebat: EX SPONSIONE TE MIII X MILIA SESTERTIORVM DARE OPORTERE AIO: ID
POSTVLO AIAS AN NEGES. qui agebat sic dicebat: EX SPONSIONE TE MIII X MILIA
SESTERTIORVM DARE OPORTERE AIO: ID POSTVLO AIAS UMA NEGES. aduersarius
dicebat non oportere. aduersarius dicebat não oportere. ator dicebat:
QVANDO TV NEGAS, TE pretor IVDICEM SIVE ARBITRVM POSTVLO VTI DES actor
dicebat: QVANDO TV NEGAS, TE PRAETOR IVDICEM SIVE ARBITRVM POSTVLO VTI
DES.itaque in eo genere actionis sine poena quisque negabat.. (Instaurava-
se a acção de lei por petição de juiz quando a lei mandava que se podia
empregar essa foram como faz a lei das XII tábuas, para pedir o que se deve
por estipulação. Fazia-se desta forma. O demandante dizia: AFIRMO QUE ME
DEVES DAR DEZ MIL SESTÉRCIOS POR CAUSA DE UMA ESTIPULAÇÃO: PEÇO-TE QUE
DIGAS SE É VERDADE OU NÃO. O adversário dizia que não era verdade e o
demandante dizia: DIZES QUE NÃO, E, POR ISSO, A TI, PRETOR, PEÇO-TE QUE
NOMEIES UM JUÍZ OU UM ÁRBITRO – Gaio 4.17a).
Per condictionem ita agebatur: AIO TE mihi SESTERTIORVM X MILIA DARE
OPORTERE: ID POSTVLO, AIAS AVT NEGES. aduersarius dicebat non oportere.
aduersarius dicebat não oportere. actor dicebat: QVANDO TV NEGAS, IN DIEM
TRICENSIMVM TIBI IVDICIS CAPIENDI CAVSA CONDICO. ator dicebat: QVANDO TV
NEGAS, IN DIEM TRICENSIMVM Tibi IVDICIS CAPIENDI CAVSA CONDICO. deinde die
tricensimo ad iudicem capiendum praesto esse debebant. deinde morrer
tricensimo anúncio iudicem capiendum Præsto esse debebant (Na acção de lei
por «condição» dizia-se assim: AFIRMO QUE ME DEVES DAR DEZ MIL SESTÉRCIOS:
PEÇO-TE QUE DIGAS SE É VERDADE OU NÃO. O adversário dizia que não era
verdade e o demandante dizia: DIZES QUE NÃO E POR ISSO DOU-TE UM PRAZO DE
TRINTA DIAS PARA ESCOLHER JUÍZ. Aos trinta dias deviam apresentar-se para
elegerem juiz – Gaio 4.17b).
Per manus iniectionem aeque de sua agebatur rebus, de quibus ut ita
ageretur, lege aliqua cautum est, uelut iudicati lege XII tabularum. quae
actio talis erat: qui agebat, sic dicebat: QVOD TV MIHI IVDICATVS siue
DAMNATVS ES SESTERTIVM X MILIA, QVANDOC NON SOLVISTI, OB EAM REM EGO TIBI
SESTERTIVM X MILIVM IVDICATI MANVM INICIO, et simul aliquam partem corporis
eius prendebat; nec licebat iudicato manum sibi depellere et pro se lege
agere, sed uindicem dabat, qui pro se causam agere solebat. quae actio
talis erat: qui agebat, sic dicebat: QVOD TV mihi IVDICATVS siue DAMNATVS
ES SESTERTIVM X MILIA, QVANDOC NÃO SOLVISTI, OB EAM REM EGO Tibi SESTERTIVM
X MILIVM IVDICATI MANVM INICIO, et simul aliquam partem corporis eius
prendebat; ne licebat iudicato manum sibi depellere et pro se lege Agere,
sed uindicem dabat, qui pro si causam Agere solebat. qui uindicem non
dabat, domum ducebatur ab actore et uinciebatur. qui uindicem não dabat,
domum ducebatur ab actore et uinciebatur (A apreensão corporal era para
certos casos determinados nalguma lei, por exemplo, para a execução de
sentença em virtude da lei das XII tábuas. Esta acção fazia-se deste modo:
o demandante dizia: TENHO UMA SENTENÇA OU CONDENAÇÃO CONTRA TI PELO VALOR
DE DEZ MIL SESTÉRCIOS E UMA VEZ QUE NÃO PAGASTE, POR ESTA RAZÃO, APODERO-ME
DE TI POR CAUSA DA SENTENÇA DE DEZ MIL SESTÉRCIOS, e dizendo isto agarrava-
o com a mão. O que tivesse sido condenado por sentença não podia desprender-
se nem defender-se por acção de lei, mas tinha antes que apresentar um
defensor que devia instaurar a acção em seu nome. Se não apresentasse um
defensor, o demandante levava-o para sua casa e prendia-o com correntes –
Gaio 4.21).
Per pignoris capionem lege agebatur de quibusdam rebus moribus, de
quibusdam rebus lege (A acção por tomada de penhor estava estabelecida para
certos casos pelos costumes e para outros pela lei – Gaio 4.26). Lege autem
introducta é pignoris Capio uelut lege XII tabularum aduersus eum, qui ne
hostiam emisset pretium redderet; item aduersus eum, qui mercedem não
redderet pró eo iumento, quod quis ideo locasset, ut inde pecuniam acceptam
em dapem, isto é, em sacrificium , inpenderet; item lege censoria dados est
pignoris Capio publicanis uectigalium publicorum populi Romani aduersus
EOS, qui aliqua lege uectigalia deberent (Por lei, estabeleceu-se a tomada
de penhor, por exemplo, em virtude da lei das XII tábuas, contra aquele que
tendo comprado uma rês para a sacrificar aos deuses não pagou o preço; ou
contra aquele que não paga a renda de uma cavalariça, sempre que o
arrendamento estivesse destinado a um sacrifício aos deuses. Também se deu
a tomada de penhor em virtude da lei censória a favor dos publicanos ou
cobradores de impostos do povo Romano contra aqueles que devem algum
imposto legítimo – Gaio 4.28).


I.II) Dadas as definições:
A legis actio per sacramentum in rem utilizava-se para fazer valer os
poderes do pater famílias sobre coisas ou pessoas a ele submetidas.
A legis actio per sacramentum in personam servia para reclamar
créditos provenientes de obrigações delituais.
A legis actio per iudicis arbitrive postulationem permitia reivindicar
dívidas emergentes de promessa solene (sponsio) para dividir património
familiar ou, por fim, para dividir qualquer bem comum.
A legis actio per condictionem usava-se para reclamar o cumprimento de
obrigações pecuniárias líquidas.
As legis actiones executivas eram a per manus iniectionem e a per
pignoris capionem.


I.III) As legis actiones declarativas (legis actio per sacramentum,
legis actio per iudicis arbitrive postulationem e a legis actio per
condictionem) começavam com a in ius vocatio (citação oral) que o
demandante fazia ao demandado para que o acompanhasse ao lugar onde o
magistrado exercia a jurisdição; se o vocatus resistisse, o autor podia,
mediante testemunhas, conduzi-lo pela força (manus iniectio extrajudicial).
Perante o magistrado, o autor afirmava solenemente o seu direito; quando o
demandado, como é caso típico, se opusesse, deveria nomear-se um juiz
(procedimento no qual as partes tinham intervenção) [28].


II) A necessidade de adaptar o Direito escrito ou consuetudinário às
necessidades e variedades da vida quotidiana (e, portanto, do caso
concreto) conduziu ao aparecimento dos Éditos do Pretor [29]. Estes são a
expressão do modo como o Pretor administraria a justiça ou exerceria as
suas atribuições dentro do tempo de duração da sua magistratura (um ano
geralmente) [30].
O interdito nasceu precisamente a partir da actuação do Pretor:
começou por ser um Édito através do qual este declarava o direito ou
ordenava ou proibia alguma coisa entre duas partes [31].
Através dos Éditos o Pretor decretava ou prescrevia algo. Precisamente
por isso "los decretos del Pretor en asuntos de posesion se llamaban
interdictos, ora porque prohibia (interdicebat) algun hecho, ora porque sus
providencias tenian un carácter interino hasta la decision principal de la
contienda. Su utilidad era tan grande como la paz, breve y sumariamente
restablecida entre personas que empleaban medios de fuerza, fijándose
además una base de controversia por la declaracion del poseedor" [32].
Certis igitur ex causis praetor aut proconsul principaliter auctoritatem
suam finiendis controuersiis interponit. quod tum maxime facit, cum de
possessione aut quasi possessione inter aliquos contenditur; et in summa
aut iubet aliquid fieri aut fieri prohibet. formulae autem et uerborum
conceptiones, quibus in ea re utitur, interdicta decretaue uocantur (Gaio
4.139). Vocantur autem decreta, cum fieri aliquid iubet, uelut cum
praecipit, ut aliquid exhibeatur aut restituatur, interdicta uero, cum
prohibet fieri, uelut cum praecipit, ne sine uitio possidenti uis fiat,
neue in loco sacro aliquid fiat. unde omnia interdicta aut restitutoria aut
exhibitoria aut prohibitoria uocantur (Gaio 4.140).
Como adiante se verá, há dois pontos que merecem ser acentuados na
caracterização dos interditos tal como eram na origem e como se mantiveram
ao longo da história do Direito Romano e dos Direitos nacionais que sobre
este se alicerçaram: os interditos tinham carácter interino e processo
sumário [33].


III) No Direito Romano todas as acções, fossem de que espécie fossem,
seguiam ritos, sinais, simbologia específica e própria. Estes rituais
apenas foram abandonados a partir de 343 e 428 por determinação dos
Imperadores Constâncio, Teodósio e Valentiniano [34] (ainda que, como antes
se disse, a prática os tenha mantido muito acentuadamente), através das
legem Aebutiam et duas Iulias [35].
A necessidade de rituais justificava-se muito simplesmente pela forte
ligação existente entre Direito, Religião e Mitologia que caracterizava a
Lei de todos os povos da Antiguidade [36].


IV) O excessivo formalismo das legis actiones acabou por as fazer cair
em desuso dado que o mínimo erro, inclusivamente na utilização das próprias
palavras, podia conduzir à perda do litígio.
Ainda assim o recurso a elas manteve-se, dado o seu enraizamento,
embora através da criação de inúmeras ficções (Gaio, Inst. 4.32 a 4.38).
Por exemplo, uma destas estava subjacente à já mencionada actio Publiciana:
Iter usucapio fingitur in ea actione, quae Publiciana uocatur. datur autem
haec actio ei, qui ex iusta causa traditam sibi rem nondum usu cepit eamque
amissa possessione petit; nam quia non potest eam ex iure Quiritium suam
esse intendere, fingitur rem usu cepisse, et ita, quasi ex iure Quiritium
dominus factus esset, intendit uelut hoc modo: IVDEX ESTO. datur actio
autem haec ei, qui ex iusta causa traditam rem sibi nondum USU cepit eamque
amissa possessione petit; nam quia non potest EAM ex iure Quiritium Suam
esse intendere, fingitur reais USU cepisse, et ita, quase ex iure Quiritium
Dominus factus esset, intendit uelut hoc modo: IVDEX ESTO. SI QVEM HOMINEM
AVLVS AGERIVS EMIT ET IS EI TRADITVS EST, ANNO POSSEDISSET, TVM SI EVM
HOMINEM, DE QVO AGITVR, EIVS EX IVRE QVIRITIVM ESSE OPORTERET et reliqua.
SI QVEM hominem AVLVS AGERIVS EMIT ET IS EI TRADITVS EST, ANNO POSSEDISSET,
TVM SI EVM hominem, DE QVO AGITVR, EIVS EX IVRE QVIRITIVM ESSE OPORTERET et
reliqua (Gaio 4.36).


V.I) O abandono das legis actiones não implicou verdadeiramente a
renúncia às formalidades. Estas mantiveram-se, ainda que de modo muito
menos acentuado, através do emprego de fórmulas ou formulários: per
concepta uerba, id est per formulas, litigaremus – Gaio, Inst. 4.30.
Por isso, para o que agora interessa, se distinguia a fórmula
petitória [37] das fórmulas dos interditos possessórios [38].
Uma fórmula tinha as seguintes partes essenciais: demonstratio,
intentio (pretensão), adiudicatio (adjudicação) e condemnatio (condenação)
[39]. Não havia razão para que todas estas partes aparecessem em todas as
acções [40], ainda que demonstratio autem et adiudicatio et condemnatio
nunquam solae inueniuntur (Gaio 4.44) [41]. E os interditos possessórios
representavam certamente uma concretização desta ideia.
Entre as antigas legis actiones e o processo formulário a diferença
marcante residiria nisto: enquanto naquelas, para fixar a controvérsia, se
pronunciavam certas palavras solenes perante o magistrado, no processo
formulário, os litigantes redigiam um documento escrito (fórmula) pelo qual
identificavam as particularidades do caso e forneciam ao juiz a informação
precisa sobre o objecto e os limites do litígio [42].


V.II) Aparentemente, o procedimento formulário terá tido a sua origem
na actuação do Pretor peregrino uma vez que, na medida em que implicavam a
presença dos litigantes perante o magistrado, as legis actiones se tornavam
inacessíveis aos estrangeiros.
Dentro das acções formulárias distinguiam-se as actiones civiles das
actiones praetoriae. Eram as primeiras aquelas que se fundavam no ius
civile e que derivavam das legis actiones. Por isso, indicavam na intentio
o respectivo fundamento legal. As segundas não, por definição.
As actiones praetoriae comportavam as seguintes espécies:
- actiones ficticiae: quando, por razões de justiça, o Pretor ordenava
ao juiz que considerasse como inexistente um facto existente ou vice-versa;
- acções com transposição de pessoas: quando se procedia de maneira a
que a condemnatio incidisse sobre pessoa diferente daquela que constava da
fórmula;
- actiones in factum: quando o seu conteúdo era improvisado caso a
caso em virtude de não conterem nenhuma referência ao ius civile (o exemplo
paradigmático era constituído pelas actiones in aequum conceptae) [43].


V.III) A tramitação das acções formulárias tinha uma primeira fase que
decorria perante o magistrado (e que se designava in iure – "fase do
Direito"), e que, tal qual como as acções de lei, começava com a ius
vocatio (citação). Todavia, ao contrário de antes, o Direito pretório já
regulava quer o modo pelo qual ela se devia fazer, quer as consequências da
não comparência do demandado [44] [45].
A fase in iure terminava com o decreto do magistrado (o Pretor)
concedendo ou negando a acção solicitada: datio ou denegatio actionis.
Com fundamento na datio actionis dever-se-ia constituir, em seguida, a
relação jurídica processual através da chamada litis contestatio. Esta era
um negócio jurídico processual especial mediante o qual o demandante
propunha ao demandado uma determinada fórmula admitida pelo Pretor (em
algum dos seus éditos) e este a aceitava; assim se submetiam ambos à futura
decisão do juiz [46]. Era a litis contestatio que fixava, assim, o objecto
do litígio. Se o demandado não aceitasse a fórmula, a consequente falta de
defesa podia conduzir ao embargo dos seus bens (missio in bona).
Obtida a fórmula [47], passava-se para a fase in iudicem (julgamento)
perante o iudex (juíz).


V.IV) Do ponto de vista processual, a obtenção da tutela interdital
operava aproximadamente em termos similares.
Assim, o procedimento começava, de novo, com a ius vocatio; a falta de
defesa do demandado gerava, igualmente, a possibilidade da missio in bona;
e, por fim, o magistrado podia conceder o interdito (interdictum reddere)
ou não (denegatio interdicti).
Mas, a partir daqui uma diferença se manifestava marcadamente.
Tratando-se de interdito, o Pretor pronunciava Restituas, Exhibeas ou Vim
fieri veto; emitia, portanto (como já se disse), uma ordem. Ao invés, na
actio, o Pretor não decretava nada; ele apenas pronunciava Judicium dabo
("darei acção") para que, posteriormente, o Judex proferisse sentença.
A tutela interdital, como adiante se assinalará mais detidamente, era
atribuída de modo condicional: subordinava-se à veracidade dos factos
alegados perante o magistrado, deixando aberta, por isso, a
susceptibilidade de uma ulterior discussão judicial. Daí que, se o
demandado não acatasse a ordem ínsita no interdito, a sua eficácia acabasse
por consistir em fundamentar uma actio ex interdicto destinada a discutir a
legitimidade da desobediência do demandado [48].


V.V) As partes formularum distinguiam-se em essenciais e
extraordinárias. Essenciais eram as que acima ficaram identificadas;
extraordinárias eram a exceptio e a praescriptio.
A demonstratio era a parte que se colocava no início de algumas
fórmulas para identificar o facto por via do qual o demandante reclamava
algo (v.g. a compra de um imóvel, o empréstimo de uma alfaia agrícola).
Demonstratio est pars ea formulae, quae ideo inseritur principio, ut
demonstretur res, de qua agitur, uelut haec pars formulae: QVOD AVLVS
AGERIVS NVMERIO NEGIDIO hominem VENDIDIT, item haec: QVOD AVLVS AGERIVS
APVD NVMERIVM NEGIDIVM hominem DEPOSVIT (Gaio 4.40).
A intentio era a parte da fórmula na qual se indicava o direito
pretendido pelo demandante. Podia ser real ou pessoal: na primeira
hipótese, aparecia o nome do demandante e a designação da coisa sobre a
qual afirmava ter direito; na segunda, figurava tanto o nome do demandante
como o do demandado. Intentio est pars ea formulae, qua ator desiderium
suum concludit, uelut haec pars formulae: SI Paret NVMERIVM NEGIDIVM AVLO
AGERIO SESTERTIVM X MILIA DARE OPORTERE; item haec: QVIDQVID Paret NVMERIVM
NEGIDIVM AVLO AGERIO DARE FACERE OPORTERE; item haec: SI Paret hominem EX
IVRE QVIRITIVM AVLI AGERII ESSE (Gaio 4.41).
A condemnatio era a parte da fórmula pela qual se atribuía ao juiz o
poder de condenar ou absolver o demandado. Condemnatio est pars ea
formulae, qua iudici condemnandi absoluendiue potestas permittitur, uelut
haec pars formulae: IVDEX, NVMERIVM NEGIDIVM AVLO AGERIO SESTERTIVM X MILIA
CONDEMNA. SI NON PARET, ABSOLVE; item haec: IVDEX, NVMERIVM NEGIDIVM AVLO
AGERIO DUMTAXAT X MILIA CONDEMNA, SI NON PARET, ABSOLVITO; item haec:
IVDEX, NVMERIVM NEGIDIVM AVLO AGERIO CONDEMNATO et reliqua, ut non
adiciatur DVMTAXAT X MILIA. SI NÃO Paret, absolver; item haec: IVDEX,
NVMERIVM NEGIDIVM AVLO AGERIO DUMTAXAT X MILIA CONDEMNA, SI NÃO Paret,
ABSOLVITO; item haec: IVDEX, NVMERIVM NEGIDIVM AVLO AGERIO CONDEMNATO et
reliqua, ut non adiciatur DVMTAXAT X MILIA (Gaio 4.43).
A adiudicatio era a cláusula típica das fórmulas dirigidas a dividir o
património familiar entre co-herdeiros (actio familiae erciscundae) ou, em
geral, entre quaisquer comunheiros (actio communi dividundo) ou ainda as
que tinham em vista a fixação de estremas entre prédios (actio finium
regundorum) [49]. Adiudicatio est pars ea formulae, qua permittitur iudici
reais alicui ex litigatoribus adiudicare, uelut si inter coheredes familiae
erciscundae agatur aut inter socios aut diuidundo comunicação inter uicinos
finium regundorum. nam illic ita est: QVANTVM ADIVDICARI OPORTET, IVDEX,
Titio ADIVDICATO. nam illic ita est: QVANTVM ADIVDICARI portet, IVDEX,
Titio ADIVDICATO (Gaio 4.42).
V.VI) Conparatae sunt autem exceptiones defendendorum eorum gratia,
cum quibus agitur. saepe enim accidit, ut quis iure ciuili teneatur, sed
iniquum sit eum iudicio condemnari (As excepções foram introduzidas para
defesa dos demandados, pois sucede frequentemente que alguém está
desprovido de razão segundo o direito civil e, não obstante, afigura-se
injusto condená-lo – Gaio 4.116).
Omnes autem exceptiones in contrarium concipiuntur, quam adfirmat is,
cum quo agitur. nam si uerbi gratia reus dolo malo aliquid actorem facere
dicat, qui forte pecuniam petit, quam non numerauit, sic exceptio
concipitur: SI IN EA RE NIHIL DOLO MALO AVLI AGERII FACTVM SIT NEQVE FIAT
(Todas as excepções são redigidas como conceitos negativos daquilo que
afirma o demandado. Se, por exemplo, o demandado pretende que o demandante
actuou com dolo mau, supondo que pede o que não entregou, a excepção redige-
se assim: SE NESSE ASSUNTO AULO AGERIO NÃO ACTUOU NEM ACTUA COM DOLO MAU –
Gaio 4.119).


V.VII) Tinha surgido algures no tempo o costume de os imperadores
romanos julgarem pessoalmente certos litígios relativos a direitos
derivados de constituições imperiais que envolvessem, directa ou
indirectamente, questões vinculadas com a administração ou a actividade de
polícia. A este procedimento convencionou-se atribuir a designação cognitio
extra ordinem [50].
Como este processo era mais simples e mais rápido que o formulário, as
próprias partes passaram a preferi-lo, fazendo aquele outro cair em desuso.
Por outro lado, com o absolutismo subjacente à reorganização do (chamado
Baixo) Império, as constituições imperiais (leges) converteram-se na única
fonte inovadora de Direito. Não admira, por isso, que tivesse sido
possível, a partir de carta altura, promover a abolição do processo
formulário. O que sucedeu algures por volta de 342 d.C. através de um Édito
dos Imperadores Constante e Constâncio II [51].
Do ponto de vista da sua natureza jurídica, a diferença marcante entre
o processo formulário e a cognitio extra ordinem situava-se no seguinte
aspecto: enquanto o primeiro é, ainda, um procedimento dominado pelos
litigantes (por muito discutível que seja a qualidade que nele tem a
intervenção do Pretor), o segundo é já um processo administrado por um
oficial público actuando como representante ou delegado do Imperador. Põe
em marcha, pois, a visão moderna da Justiça como uma função do Estado,
permitindo ultrapassar definitivamente a fase da "vingança privada".

1.3. Os interditos possessórios
I) No Codicis Repetitae Praelectionis, no seu Livro VIII (no qual
estão também contidas numerosíssimas disposições sobre restrições de
vizinhança ou sobre a constituição de garantias reais como o penhor ou a
hipoteca), surge um vastíssimo número de interditos, ainda que alguns não
se apresentem identificados com tal nome. Enumeram-se, de seguida, os
principais (ou seja, aqueles que para a evolução histórica subsequente
foram mais determinantes).
O interdito quorum bonorum (Título II) destinava-se a constituir o
herdeiro como possuidor desde que provasse ser filho do defunto e que tinha
sido admitido à herança. Tinha legitimidade passiva quem quer que possuísse
indevidamente os bens em causa como pro herede ou como pro possessore [52]
[53]. Quorum bonorum ex edicto meo illi possessio data est, quod de his
bonis pro herede aut pro possessore possides possideresve, si nihil
usucaptum esset, quod quidem dolo malo fecisti, uti desineres possidere, id
illi restituas (Ulpianus 67 ad Ed.; Dig. 43.2.1pr.).
O interdito unde vi (Título IV) servia para obter a restituição
daquele que tivesse sido expulso (da posse de um bem) pela força, se ainda
não tivesse transcorrido o prazo de um ano útil. Tinha legitimidade
passiva, obviamente, quem tivesse usado de tal força [54] para conquistar a
posse. Unde tu illum vi deiecisti aut familia tua deiecit, de eo quaeque
ille tunc ibi habuit tantummodo intra annum, post annum de eo, quod ad eum
qui vi deiecit pervenerit, iudicium dabo (Ulpianus 69 ad Ed.; Dig.
43.16.1pr.).
O interdito absentis perturbata sit possessio (Título V) aplicava-se
para actuar contra a privação da posse sofrida pelo ausente (situação em
que, portanto, o problema do eventual uso da força não se colocava).
Enquanto a ausência se verificasse, o prazo do ano útil não corria.
O interdito uti possidetis era concedido àquele que possuísse em nome
próprio coisa imóvel sem violência e sem clandestinidade para que
continuasse a possuir e impedir que sofresse violência [55]; permitia pois
ao respectivo autor continuar possuindo imperturbado (impondo até, ao autor
da perturbação, a prestação de caução como garantia de não turbação
futura). O interdito utrubi perseguia exactamente a mesma finalidade mas
para a posse de coisas móveis. Uti eas aedes, quibus de agitur, nec vi nec
clam nec precario alter ab altero possidetis, quo minus ita possideatis,
vim fieri veto. de cloacis hoc interdictum non dabo. neque pluris, quam
quanti res erit: intra annum, quo primum experiundi potestas fuerit, agere
permittam (Ulpianus 69 ad ed.; Dig. 43.17.1pr.). Utrubi hic homo, quo de
agitur, maiore parte huiusce anni fuit, quo minus is eum ducat, vim fieri
veto (Ulpianus 72 ad Ed.; Dig. 43.31.1pr.).
O interdito de precario (Título IX) servia para exigir dos herdeiros
daquele que habitava como precarista a restituição da habitação. Precarium
est, quod precibus petenti utendum conceditur tamdiu, quamdiu is qui
concessit patitur (Ulpianus 1 Inst.; Dig. 43.26.1pr.).
O interdito Salviano (Título IX), por seu turno, era utilizado para
exigir do arrendatário a entrega dos utensílios sobre os quais este tinha
constituído penhor como garantia de pagamento da renda. Si colonus ancillam
in fundo pignoris nomine duxerit et eam vendiderit, quod apud emptorem ex
ea natum est, eius adprehendendi gratia utile interdictum reddi oportet
(Iulianus 49 Dig.; Dig. 43.33.1pr.).
O interdito de novis operis nuntiatione (Título XI) consistia na
apresentação de uma denúncia para impedir a realização de uma (nova) obra
[56]. Para prevenir denúncias vãs devia o interdito ser apreciado no prazo
de três meses.


II) Nas Institutas de Gaio os interditos possessórios surgem
configurados como acções com processo formulário destinadas a pôr fim a
controvérsias sobre a posse ou a quase-posse, proibindo que se fizesse
algo. Ao invés, quando se pretendia mandar fazer algo usava-se um decreto
(Inst.4.140) [57]. Em sentido amplo, porém, o termo interdito vulgarizou-se
mais e acabou por abranger ambas as hipóteses.
Segundo Gaio (Inst. 4.143), os interditos distinguiam-se consoante a
sua finalidade. Por isso teríamos interditos para adquirir a posse, para a
manter e para a recuperar [58].
Interditos para adquirir a posse eram, por exemplo, o quorum bonorum
ou o Salviano [59].
Interditos para manter a posse eram, por exemplo, o uti possidetis e o
utrubi. Em ambos, como resultava do Codicis Repetitae Praelectionis, o
Pretor dava preferência, através do interdito, a quem possuísse um imóvel
ou um móvel, respectivamente, sem vício de violência, clandestinidade ou
precariedade (nec vi nec clam nec precario ad adversario possideat – Gaio,
Inst. 4.150 [60]). Em qualquer caso, dava-se primazia ao litigante que
maior tempo de posse demonstrasse ter sobre a sobre coisa, sendo certo que,
para o efeito, se podia somar o tempo de posse daquele de quem esta se
tivesse adquirido derivadamente (acessão da posse – Gaio, Inst. 4.151).
Para recuperar a posse existia o interdito unde tu illum vi deiecisti,
por via do qual aquele que expulsou outrem da sua posse estava obrigado a
restitui-lo à mesma, a menos que o expulso estivesse a possuir com vício de
violência, clandestinidade ou precariedade (Gaio, Inst. 4.154).


III) Os interditos uti possidetis e utrubi, segundo Gaio (Inst.
4.160), eram duplicia (duplos) na medida em que neles a posição de ambos os
litigantes era idêntica sem que se pudesse dizer quem era o demandado e
quem era o demandante.
O Pretor dirigia-se ambos os litigantes com idênticas palavras e,
assim, para o uti possidetis, a redacção do interdito era: uti nunc
possidetis, quo minus ita possideatis, vim fieri veto. E, para o utrubi, a
redacção era: utrubi ic homo, de quo agitur, [apud quem] maiore parte huius
anni fuit, quo minus is eum ducat, vim fieri veto.


IV) Ainda de acordo com Gaio (Inst. 4.142) os interditos podiam
distinguir-se, numa outra classificação, em prohibitoria, restitutoria e
exhibitoria.
Nos primeiros integravam-se o utrubi, o uti possidetis ou o de glande
legenda [61].
Nos segundos, cabiam o quod precario [62], o unde vi, o quorum bonorum
ou o demolitorium [63].
Nos últimos entravam os interditos de tabulis exhibendis [64] e de
homine libero exhibendo [65].


V) Os historicamente mais significativos interditos possessórios
tinham as seguintes fórmulas:
- O interdito utrubi: Proíbo o uso de violência para impedir que
continue a ter o escravo acerca do qual se discute aquele de vós os dois
que o tenha tido durante a maior parte do ano;
- O interdito uti possidetis: Proíbo que se impeça pela violência que
continueis possuindo a casa de que se trata, tal e como agora a possuis sem
violência nem clandestinidade nem em precário um perante o outro;
- O interdito de glande legenda: Se cai a bolota de um terreno no teu,
proíbo a violência para impedir que, em dias alternados, possa passar para
a recolher e levar;
- O interdito quod precario: Aquela coisa, objecto da reclamação, que
tenhas recebido de aquele em precário, ou que tenhas deixado dolosamente de
ter em teu poder, deverás restituir;
- O interdito unde vi: De onde tu expulsaste ou de onde os teus
escravos expulsaram aquele que estava possuindo sem violência,
clandestinidade ou precário em relação a ti, restitui-o, no prazo de um
ano, juntamente com as coisas que então ele ali tinha;
- O interdito quorum bonorum: (Aquele) sobre cujos bens lhe foi dada
posse através do meu édito, restituir-lhe-ás o que possuis como herdeiro ou
como possuidor ou que possuirias se nada houvesse sido usucapido e se
actuastes dolosamente para deixares de os possuir;
- O interdito demolitorium: No lugar em que se anunciou que não se
pode construir a obra nova de que se trata, o que nesse lugar tenha sido
construído antes de a denúncia ter sido deferida ou devesse ter sido
deferida, restitui-o.


VI) O Código Visigótico [66] estatuía no seu Livro VIII, Título I, II
(em tradução adaptada e com linguagem actualizada): "Quem quer que tome à
força a posse de outrem antes de a respectiva propriedade estar
judicialmente demonstrada deve perder o lítigio ainda que tenha uma
pretensão de maior valor. Àquele que foi vítima da violência deve a coisa
ser restituída na exacta condição em que então estava, tendo o direito a
prosseguir pacificamente o seu gozo. Se, no entanto, alguém se apropriar à
força de coisa que não poderia obter por decisão judicial, deve perder não
só aquilo de que se apoderou como deve também dar reparação de valor igual
àquele de que privou o lesado". A acção estava marcada, pois, como de resto
permaneceria de aqui em diante (e como se verá de seguida), pela privação
da posse à força.
No Direito Romano, o interdito unde vi distinguia-se do unde vi
armata. Pelo que o conceito "privação da posse à força" (vi) seria sinónimo
(só) de subtracção contra a vontade do possuidor e não de obtenção com
violência (vi armata). Daí que no âmbito daquele primeiro interdito o
despojado dispusesse do prazo de um ano para o intentar, ao passo que no
segundo, por causa do recurso à força armada para arrebatar o domínio de
facto, o demandante tivesse sempre direito à restituição da coisa (ou seja,
não estivesse sujeito a qualquer prazo para demandar o esbulhador).
Algures historicamente, entre a vi armata e a vi ocorreu uma simbiose
que tornou o interdito unde vi o apropriado para reagir contra a privação
do senhorio sobre a coisa contrária à vontade do possuidor,
independentemente de, para o efeito, ter havido recurso à força armada. Daí
a razão para o que se dispõe neste fragmento do Código Visigótico: o que
toma "à força … deve perder o lítigio ainda que tenha uma pretensão de
maior valor" (qualquer que seja o modo como tenha tomado "à força"). Esta
mesma ideia irá perpassar, por exemplo, pelo Fuero Juzgo e pelas nossas
diversas Ordenações.

VII) No Fuero Juzgo [67] (Libro X, III Titol – De los términos et de
los fitos – Ley IV) estabelece-se que "si algun omne toma heredad de algun
vecino allende de los fitos [68], non seyendo el vecino en la tierra, ó no
lo sabiendo, assi que la tenga por mucho tiempo por L annos, ó mas;
mantinientre que los vecinos cataren los fitos, é los fallaren, deve perder
luego ló que tomó demas, é non le deve prestar aquello que tovo luengo
tiempo, alende de los fitos. Mas esto deve ser entendudo, si aquello puede
ser sabido, si aquella tierra era suya, ó de sus antecessores. Mas si
tantos tiempos fueren pasados, que non pueda ser sabido qual tovo primero,
ó cuya era, ne lo dicen testigos, nin escripto, por que es cosa dubdosa,
quien lo tovo á primas, cada uno tenga por todavia lo que tiene. Mas si lo
puede el otro mostrar que lo tovo á primas por fitos, ó por otra cosa, non
semeia de razon, que por que la tovo estotro luengo tiempo, que la deve el
otro perder. Onde aquel que la tomó por fuerza, ó por enganno, non deve
nada empecer al otro. Mas si alguno dellos lo que quisiere aver no lo deve
tomar por fuerza, mas demandarlo por iudicio. E si lo tomare por fuerza, el
otro lo deve acusar por la fuerza, é vencerlo por forzador" [69].


VIII) Nas nossas Ordenações aparece muito particularmente evidenciada
uma acção de contornos próximos, na sua forma, aos do interdito unde vi.
Assim, nas Manuelinas (Livro IV, Titulo L: Dos que tomam forçosamente
a posse da cousa que outra possue) diz-se: Se alguma pessoa forçar e
esbulhar a outrem da posse d'algua cousa, ou herdade (…) non tendo
primeiramente citado e ouvido com seu direito como se per Direito se deve
fazer, o forçador perca o direito que na cousa forçada tiver de que
esbulhou o que possuia, o qual será adquirido e apricado ao esbulhado, ao
qual seja loguo tornada e restituida a posse da cousa de que foi esbulhado.

Nas Afonsinas (Livro IV, Título LXV: Dos que forçozamente filham posse
da cousa, que outrem possue) dispõe-se praticamente o mesmo, pelo que se
pode dizer que esta é fonte daquela, mas esclarecendo-se as razões que
conduziram a semelhante solução. Diz-se, de facto, que Dom Doniz … veendo
como se faziam muitos males, e grandes contendas … per razom … das
heranças, que alguus teem, e que outros per suas forças os vaão esbulhar
das posses que teem, non seendo ante hy chamados, nem ouvidos com seu
direito: honde veendo e esguardando os males se ende seguiam, e seguiram ao
diante, e per esquivar os feitos das forças, porque das forças nacem
grandes sobervas, e cobiças, por isso fez a Lei em causa [70].
Por fim, nas Ordenações Filipinas (Livro IV, Titulo LVIII: Dos que
tomam forçosamente a posse da coisa, que outrém possui) diz-se
essencialmente o mesmo que nas Manuelinas, quase ipsis verbis, com a devida
actualização linguística.
Tendo em conta, porém, a explicação contida nas Afonsinas acerca da
Lei instituída por D. Dinis, parece poder concluir-se que, pelo menos, já
se teria procedido à conjugação na mesma acção das pretensões tipicamente
contidas nos interditos unde vi e quorum bonorum [71]. Embora com uma
grande diferença: é que as consequências da condenação eram particularmente
gravosas para o esbulhador – E posto que allegue, que he senhor da cousa,
ou lhe pertence ter nella algum direito, não lhe seja recebida tal razão,
mas sem embargo della seja logo constrangido restituil-a ao que a possuia,
e perca todo o direito que nella tinha, pelo fazer por sua propria força, e
sem auctoridade de Justiça (Ordenações Filipinas, Livro e Título cit.). Na
verdade, dando sequência ao que se dispunha no Código Visigótico e no Fuero
Juzgo e numa afirmação da soberania do Estado, pretendia-se que o recurso à
tutela privada ficasse de tal modo proibido que a simples ocorrência de
esbulho implicasse a perda de qualquer eventual direito de que o esbulhador
dispusesse. Algo que os referidos interditos não envolviam na época romana.
O Direito Civil assumia então (também) um carácter sancionador.


IX) Da linha evolutiva que aqui fica perfunctoriamente traçada parece
legítimo inferir, de imediato, duas conclusões:
A primeira, mais óbvia, segundo a qual os diversos tipos de interditos
se foram fundindo entre si, na medida da sua analogia, conforme o processo
formulário se foi gradualmente diluindo num procedimento judicial de
carácter mais geral e abstracto, em que a pretensão deduzida não implicava,
em regra, formas de actuação em juízo especiais e próprias. Aliás, por
exemplo, a distinção entre os interditos utrubi e uti possidetis era
claramente artificial uma vez que ambos se destinavam ao mesmo fim e a
diferença (se assim se pode dizer) entre eles resultava tão-somente da
distinta natureza da coisa cuja posse se pretendia proteger.
A segunda, no sentido de pretender a todo o custo impedir o recurso à
força para obtenção da posse sobre uma coisa, ainda e mesmo quando o
"forçador" fosse o legítimo titular do direito que lhe deveria conceder a
posse sobre tal coisa.


XI) Não obstante o regime que resultava das Ordenações, a
possibilidade de tutela privada da posse não ficava (como é óbvio)
inteiramente excluída. Ainda antes da entrada em vigor do Código Civil de
Seabra e, portanto, numa altura em que aquelas eram ainda o principal corpo
legislativo do Reino de Portugal, admitia-se serenamente, e dando
sequência, aliás, a soluções reconhecidas pelo próprio Direito Romano, que
a defesa da posse pudesse operar também por via extrajudicial. Pelo menos,
através do desforçamento, em caso de posse espoliada. E este podia até
assumir dois modos [72]: por "hum delles o mais seguro e prudente, he
requerer ao Magistrado assistência de Officiaes de Justiça para o
Desforçamento na forma da boa praxe"; pelo outro, o possuidor "pode
recuperar a posse desforçando-se, ainda que com ajuntamento de gente,
quanta lha for necessária conforme a prepotencia do Adversario: Com tanto
que assim o execute incontinenti (…) E com tanto que assim seja preciso, e
se tracte de recuperar huma posse justa, e legitima".
Por isso, não é de estranhar que, não obstante as previsões gerais
contidas nos artigos 336º e 337º do Código Civil relativas,
respectivamente, à acção directa e à legítima defesa, a susceptibilidade de
recurso à autotutela apareça reiterada no artigo 1277º do mesmo diploma
justamente a propósito da defesa da posse. É talvez esta uma das hipóteses
onde, especialmente no caso da acção directa, é maior o seu potencial
âmbito de aplicação.

X) No Código Civil de 1867 a defesa da posse estava nuclearmente
disciplinada nos artigos 487º a 489º.
No artigo 487º estava previsto, no fundo, o produto da síntese entre
os interditos uti possidetis e unde vi, prolongando a tradição que já vinha
das Ordenações: se o possuidor foi esbulhado violentamente, tem direito a
ser restituído, sempre que o requeira, dentro do praso de um anno; nem o
esbulhador será ouvido em juízo, sem que a dicta restituição se tenha
effectuado. Ultrapassou-se a necessidade de impor a sanção que se
estabelecia nas Ordenações ("perca todo o direito que nella tinha"),
provavelmente por se ter entendido que a matéria deveria ser deixada ao
alcance do diploma apropriado para o efeito (ou seja, o Código Penal),
prescrevendo antes a impossibilidade de o "forçador" ser "ouvido em juizo"
até que a restituição se produzisse.
Nos artigos 488º e 489º compunha-se uma regulamentação que reflectia
uma distinção que já no Codicis Repetitae Praelectionis se fazia a
propósito do interdito unde vi: entre o esbulhado com posse há menos de um
ano e o esbulhado com posse há mais de um ano [73].
Assim, "se a posse é de menos de um anno, ninguém póde ser mantido ou
restituído judicialmente, senão contra aquelles que não tenham melhor
posse. § único: É melhor posse, que se abone com título legitimo; na falta
de título ou na presença de títulos eguaes, é melhor posse a mais antiga;
se ambas as posses forem duvidosas, será a cousa posta em deposito, em
quanto se não decidir a quem pertence" (artigo 488º). E "se a posse tiver
durado por mais de um anno, será o possuidor summariamente mantido ou
restituído, em quanto não for convencido na questão da propriedade" (artigo
489º).


XI.I) Da oposição entre, por um lado, o disposto no artigo 487º e, por
outro, o que se dispunha nos artigos 488º e 489º, podia deduzir-se que
estas duas últimas aplicar-se-iam quer na suposição de existir violência
quer na suposição inversa. A defesa concedida pela disposição contida no
artigo 487º tinha natureza precária: pressupunha a continuação da discussão
sobre o fundo da questão (o estabelecimento da "melhor posse" ou o
"convencimento na questão da propriedade"), dado que o simples facto de o
esbulhador ter recorrido à violência (já) não implicava a extinção das suas
eventuais pretensões. Daí a razão, pode adiantar-se desde já, para que no
actual Código Civil o esbulho violento não viesse a dar origem a qualquer
tipo particular de interdito possessório (dando continuidade, assim, à
tradição iniciada entre nós pelas Ordenações, e mantendo a integração entre
os interditos unde vi e unde vi armata).
O recurso à violência para efectivar o esbulho tornou-se (apenas)
fundamento de uma providência cautelar especificada prevista no artigo
1279º do Código Civil: o possuidor que for esbulhado com violência tem o
direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do
esbulhador [74]. Razão pela qual, "no caso de esbulho violento, pode o
possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando
os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência" (artigo 393º,
Código de Processo Civil) e "se o juiz reconhecer, pelo exame das provas,
que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará
a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador" (artigo 394º do
mesmo diploma).


XI.II) Porém, uma reflexão mais atenta sobre a natureza desta
providência cautelar permite assinalar, desde logo, uma especificidade: é
que enquanto o fundamento normal e natural destes meios processuais é o
periculum in mora [75] [76] tal não ocorre com a providência descrita no
referido artigo 1279º do Código Civil. De facto, ocorrida a privação do
domínio de facto, o fundado receio de que outrem cause lesão grave e
dificilmente reparável ao seu direito independe de o esbulho ter sido
violento, uma vez que esse periculum está no esbulho, não na violência.
Justamente por isso, a distinção entre os interditos unde vi e unde vi
armata perdeu significado com o decurso do tempo: havendo privação da
posse, o esbulhado pode demandar o "forçador" pedindo a restituição da
coisa, tenha ou não existido violência.
Mas o esbulho com recurso a vi armata não é desprovido de implicações
possessórias: em tal caso, o esbulhador é castigado com a obrigação de
fazer a restituição imediata, ainda que provisória, mesmo podendo ter
fundamentos que sustentem a sua pretensão.
Assim sendo, deve concluir-se que, no fim de contas, a vi armata ainda
tem alguma particularidade de regime e, mais significativo, que se conserva
uma penalização para o seu autor: a imposição da obrigação de restituir sem
citação nem audiência do esbulhador. Do ponto de vista processual é um
pesado castigo, dado o princípio contido no artigo 3º-A do Código do
Processo Civil [77] e dada, portanto, a óbvia possibilidade de a violência
não ter efectivamente ocorrido [78].


XI.III) A definição do que se considera violência para este efeito não
pode deixar de se fazer em função do que se dispõe no artigo 1261º do
Código Civil. A posse é violenta quando tenha sido adquirida mediante
coacção física (artigo 246º, Código Civil) ou moral (artigo 255º, Código
Civil). Só uma pessoa pode ser coagida. Pelo que, por conseguinte, a
utilização de força sobre uma coisa (arrombamento, por exemplo) para obter
a respectiva posse não pode constituir violência para este efeito. Aliás,
violência sobre uma coisa é uma ideia inconcebível – uma coisa não pode ser
violentada! A violência só pode ser exercida sobre uma pessoa. Razão pela
qual "a violência contra as coisas só releva, para qualificar o esbulho
como violento, se tiver por fim intimidar o possuidor" [79].
Assim, a razão por via da qual se penaliza o esbulho violento está
ligada à proibição geral de autodefesa e, em particular, à proibição do
recurso à violência. Castiga-se o seu uso porque a acção violenta
constitui, em qualquer caso, uma conduta reprovável [80], ainda que quem a
ela recorre possa ter alguma pretensão válida subjacente (v.g. o
proprietário que se apodera da coisa mediante coacção por não estar
disposto a recorrer a tribunal).


XII) A distinção entre os interditos uti possidetis e utrubi, por um
lado, e o unde vi, por outro, sempre acarretou dificuldades de monta. Na
realidade, a separação entre turbação da posse e a sua privação apresenta
muitas vezes, no caso concreto, nuances que não são fáceis (v.g. aquele que
passa por terreno alheio pretendendo afirmar uma servidão – de passagem –
priva parcialmente o respectivo possuidor da sua posse ou limita-se a
incomodá-lo?).
Foi fundamentalmente a pensar nisto que o nosso Código Civil acabou
por tratar conjuntamente a acção de manutenção (equivalente ao utrubi e ao
uti possidetis) e a acção de restituição (equivalente ao unde vi) entre os
artigos 1278º a 1284º.
Igualmente por isto, numa versão anterior do actual Código do Processo
Civil (artigo 1033º/n.º2), quando aquelas acções ainda estavam dotadas de
processo especial, dizia-se que "se o autor tiver pedido a manutenção da
posse e o juiz entender que há lugar à restituição, não deixará de ordenar
esta; e o mesmo sucederá na hipótese inversa".


1.3. Acções possessórias
1.3.2. Legislação comparada
I.I) A legislação espanhola, especialmente através da Ley de
Enjuiciamento Civil (LEC), é aquela que mais aprofundadamente mantém a
tradição romana.
De acordo com o artigo 446 do Código Civil Espanhol "todo poseedor
tiene derecho a ser respetado en su posesión; y, si fuere inquietado en
ella, deberá ser amparado o restituido en dicha posesión por los medios que
las leyes de procedimientos establecen".
A LEC de 1881 regulava os interditos no Titulo XX do Libro II dedicado
à Jurisdicción Contenciosa (artigos 1631 a 1685) afirmando-se no primeiro
deles que:
"Los interdictos sólo podrán intentarse:
1. Para adquirir la posesión.
2 . Para retenerla o recobrarla.
3 . Para impedir una nueva obra.
4 . Para impedir que cause daño una obra ruinosa".


II.II) A actual LEC, no que toca aos interditos para adquirir,
estabelece no seu art. 250.1.31 que "se decidirán en juicio verbal,
cualquiera que sea su cuantía, las demandas siguientes: Las que pretendan
que el tribunal ponga en posesión de bienes a quién los hubiera adquirido
por herencia si no estuvieren siendo poseídos por nadie a título de dueño o
usufructuario". Trata-se, pois, da consagração de uma espécie de interdito
próxima do quorum bonorum, ainda que com maior amplitude (dado que no
Direito Romano este se reservava exclusivamente ao herdeiro testamentário
ou ao herdeiro abintestato relativamente à posse do relictum).
Para se comprender o carácter possessório deste interdito, e como
assinala, de resto, a doutrina espanhola, é necessário relacioná-lo com o
disposto no artigo 440 do Código Civil Espanhol ("la posesión de los bienes
hereditarios se entiende transmitida al heredero sin interrupción y desde
el momento de la muerte del causante, en el caso de que llegue a adirse la
herencia") aproximadamente correspondente ao artigo 1255º do nosso Código
Civil. Quer dizer: neste interdito está em causa a (aquisição da) posse
precisamente porque esta "continua… nos sucessores desde o momento da
morte, independentemente da apreensão material da coisa" [81].


III.I) Os interditos para manter a posse actual e para a recuperar,
literalmente expressos em formas similares, respectivamente, ao uti
possidetis e ao unde vi, aparecem previstos nos termos do art. 250.1.3.41
da LEC: "se decidirán en juicio verbal, cualquiera que sea su cuantía, las
demandas siguientes:… Las que pretendan la tutela sumaria de la tenencia o
de la posesión de una cosa o derecho por quien haya sido despojado de ellas
o perturbado en su disfrute".
Como se retira da própria letra da disposição citada, "el llamado
interdicto de recobrar o retener la posesión es un procedimiento sumario
destinado a proteger la posesión como hecho, o el hecho de la posesión
contra las perturbaciones que la dañan, correspondiendo al antiguo
interdictum recuperandae possessionis del Derecho romano, aunque con la
importante diferencia de que en nuestro Derecho se ampara no sólo la
posesión, sino también la mera tenencia, como determinan los arts. 430, 444
y 446 del Código Civil, que establecen que "todo poseedor tiene derecho a
ser respetado en su posesión y si fuera inquietado en ella, deberá ser
restituido o amparado por los medios que las Leyes de procedimiento
establecen", siendo nuestro sistema jurídico en esa materia, sumamente
respetuoso, como lo expresa el art. 441, al decir que "en ningún caso puede
adquirirse violentamente la posesión, mientras exista un poseedor que se
oponga a ello". "El que se crea con acción o derecho para privar a otro de
la tenencia de una cosa, siempre que el tenedor resista la entrega, deberá
solicitar el auxilio de la autoridad competente", bastando la mera tenencia
o posesión como hecho, pues en el juicio de interdicto no se ventila el
mejor derecho, sino la preexistencia o no de una situación" (sentença do
Tribunal Supremo de 15 de Janeiro de 1968).


IV.I) Também "se decidirán en juicio verbal, cualquiera que sea su
cuantía, las demandas siguientes: Las que pretendan que el tribunal
resuelva, como carácter sumario la suspensión de una obra nueva" (artigo
250.1.51 da LEC). Está agora em causa o interdito de novis operis
nuntiatione, cujo carácter possessório é pelo menos problemático tanto na
doutrina como na jurisprudência espanhola e cujas conclusões são
inteiramente transponíveis para o Direito português. A simplista
constatação de que este procedimento se destina a obter a paralisação de
uma construção não pode, porém, ser argumento decisivo, na medida em que a
realização desta pode estar a perturbar ou a ameaçar perturbar (artigo
1276º, Código Civil) a posse de quem a ele recorre.
Do mesmo género é o interdito previsto no artigo 250.1.61 e que
corresponde ao antigo interdito de danno infecto: "se decidirán en juicio
verbal, cualquiera que sea su cuantía, las demandas siguientes: Las que
pretendan que el tribunal resuelva, con carácter sumario, la demolición o
derribo de obra, edificio, árbol, columna o cualquier otro objeto análogo
en estado de ruina y que amenace causar daños a quién demande". Tal como se
disse para o interdito antecedente, o carácter possessório é aqui
igualmente contestável ainda que, dado o paralelismo, o que para aquele se
disser seja também completamente aproveitável para este.


V) No Código Civil Francês a matéria é essencialmente regulada pelos
artigos 2278 ("1. la possession est protégée, sans avoir égard au fond du
droit, contre le trouble qui l'affecte ou la menace; 2. la protection
possessoire est pareillement accordée au détenteur contre tout autre que
celui de qui il tient ses droits") e 2279 ("les actions possessoires sont
ouvertes dans les conditions prévues par le code de procédure civile à ceux
qui possèdent ou détiennent paisiblement").
No artigo 1264 do Código de Processo Civil Francês diz-se que "les
actions possessoires sont ouvertes dans l'année du trouble à ceux qui,
paisiblement, possèdent ou détiennent depuis au moins un an ; toutefois,
l'action en réintégration contre l'auteur d'une voie de fait peut être
exercée alors même que la victime de la dépossession possédait ou détenait
depuis moins d'un an". E no artigo seguinte que "la protection possessoire
et le fond du droit ne sont jamais cumulés".
Da conjugação destas disposições legais, três ilações são
imediatamente possíveis:
- as acções possessórias são concedidas indiferentemente ao possuidor
e ao detentor;
- o recurso à protecção que elas concedem supõe posse ou detenção
pacífica;
- o petitório e o possessório excluem-se reciprocamente, pelo que a
discussão relativa ao "direito de fundo" não pode surgir no procedimento
possessório [82] .


VI.I) No artigo 1168 do Código Civil Italiano está prevista a chamada
azione di reintegrazione: "Chi è stato violentemente od occultamente
spogliato del possesso può, entro l'anno dal sofferto spoglio, chiedere
contro l'autore di esso la reintegrazione del possesso medesimo. L'azione è
concessa altresì a chi ha la detenzione della cosa tranne il caso che
l'abbia per ragioni di servizio o di ospitalità. Se lo spoglio è
clandestino, il termine per chiedere la reintegrazione decorre dal giorno
della scoperta dello spoglio. La reintegrazione deve ordinarsi dal giudice
sulla semplice notorietà del fatto".
E no artigo 1170 surge a azione di manutenzione: "Chi è stato
molestato nel possesso di un immobile, di un diritto reale sopra un
immobile o di un'universalità di mobili può, entro l'anno dalla turbativa,
chiedere la manutenzione del possesso medesimo. L'azione e data se il
possesso dura da oltre un anno, continuo e non interrotto, e non è stato
acquistato violentemente o clandestinamente. Qualora il possesso sia stato
acquistato in modo violento o clandestino, l'azione può nondimeno
esercitarsi, decorso un anno dal giorno in cui la violenza o la
clandestinità è cessata. Anche colui che ha subito uno spoglio non violento
o clandestino può chiedere di essere rimesso nel possesso, se ricorrono le
condizioni indicate dal comma precedente".
Duas ilações se podem tirar instantaneamente:
- de modo análogo ao Código Civil Francês, ambas as acções são
concedidas tanto ao possuidor como, em geral, ao detentor;
- numa nova conjugação entre os interditos uti possidetis e utrubi, a
tutela possessória (mas agora só a de manutenção) pressupõe que a posse do
demandante seja pública e pacífica (ao menos durante o ano anterior à
propositura da acção).


VI.II) No Código Civil Italiano existem ainda disposições relativas à
denunzia di nuova opera (artigo 1171) – "Il proprietario, il titolare di
altro diritto reale di godimento o il possessore, il quale ha ragione di
temere che da una nuova opera, da altri intrapresa sul proprio come
sull'altrui fondo, sia per derivare danno alla cosa che forma l'oggetto del
suo diritto o del suo possesso, può denunziare all'autorità giudiziaria la
nuova opera, purché questa non sia terminata e non sia trascorso un anno
dal suo inizio. L'autorità giudiziaria, presa sommaria cognizione del
fatto, può vietare la continuazione della opera, ovvero permetterla,
ordinando le opportune cautele: nel primo caso, per il risarcimento del
danno prodotto dalla sospensione dell'opera, qualora le opposizioni al suo
proseguimento risultino infondate nella decisione del merito; nel secondo
caso, per la demolizione o riduzione dell'opera e per il risarcimento del
danno che possa soffrirne il denunziante, se questi ottiene sentenza
favorevole, nonostante la permessa continuazione" – e à denunzia di danno
temuto (artigo 1172) – "Il proprietario, il titolare di altro diritto reale
di godimento o il possessore, il quale ha ragione di temere che da
qualsiasi edificio, albero o altra cosa sovrasti pericolo di un danno grave
e prossimo alla cosa che forma l'oggetto del suo diritto o del suo
possesso, può denunziare il fatto all'autorità giudiziaria e ottenere,
secondo le circostanze, che si provveda per ovviare al pericolo. L'autorità
giudiziaria, qualora ne sia il caso, dispone idonea garanzia per i danni
eventuali".
Em ambos os casos, mas muito particularmente no segundo, o que se
estabelece tem um sentido e um efeito muito similar àquele que resultava da
aplicação dos correspondentes interditos tal como o Direito Romano os
previa.


VII) No Código Civil Suiço estabelece-se no seu artigo 927 que: "1.
Quiconque usurpe une chose en la possession d'autrui est tenu de la rendre,
même s'il y prétend un droit préférable. 2. Cette restitution n'aura pas
lieu, si le défendeur établit aussitôt un droit préférable qui
l'autoriserait à reprendre la chose au demandeur. 3. L'action tend à la
restitution de la chose et à la réparation du dommage". E no artigo 928
que: "1. Le possesseur troublé dans sa possession peut actionner l'auteur
du trouble, même si ce dernier prétend à quelque droit sur la chose. 2.
L'action tend à faire cesser le trouble, à la défense de le causer et à la
réparation du dommage".
Por conseguinte, temos, respectivamente, a acção de restituição e a
acção de manutenção. Diferentemente, porém, do que se dispõe no Código
Civil Francês:
- admite-se que tanto na acção de restituição como na de manutenção se
discuta a questão relativa ao "direito de fundo";
- admite-se, também em ambas, que se cumulem os pedidos de restituição
ou cessação da perturbação com o de "réparation du dommage".


VIII) Por fim, no Código Civil Alemão, no seu § 861 (1), diz-se que
"se o possuidor for esbulhado da sua posse através de interferência
ilícita, pode requerer que a posse seja restabelecida pela pessoa que, em
relação a ele, tenha uma posse viciada". Mas, (2) "a pretensão será
excluída caso a posse que tiver sido esbulhada for viciada em relação ao
presente possuidor ou ao seu causante desde que tenha sido obtida durante o
ano anterior ao esbulho". Quer dizer que se a posse do esbulhado for
viciada este não dispõe de tutela judicial para a sua situação.
O mesmo se diga para a hipótese de turbação. De facto, no § 862, por
seu turno, estabelece-se que (1) "se o possuidor for perturbado na sua
posse através de interferência ilícita, pode requerer que o perturbador
cesse a perturbação. Sendo de temer novas perturbações, o possuidor pode
obter uma ordem de proibição". Mas, de novo, (2) "a pretensão será excluída
caso a posse que tiver sido perturbada for viciada em relação ao presente
possuidor ou ao seu causante desde que tenha sido obtida durante o ano
anterior ao esbulho".
No § 863 determina-se que "em resposta às pretensões estabelecidas nos
§§ 861 e 862, o direito de possuir ou o de produzir a perturbação podem ser
afirmados apenas para fundamentar a pretensão de que o esbulho ou a
perturbação não constituem interferência ilícita".
Por fim, no § 864 estatui-se que (1) "a pretensão baseada nos §§ 861
ou 862 extingue-se um após ter ocorrido o acto de interferência ilícita, a
menos que antes disso ela seja afirmada através da competente acção". E (2)
a "extinção sucede igualmente se for determinado por decisão final e sem
apelo, após ter ocorrido o acto de interferência ilícita, que o seu autor
tem um direito à propriedade em virtude do qual ele pode pretender um
estatuto possessório correspondente ao seu modo de actuação".


IX.I) Há uma conclusão que após a breve análise e a sumária comparação
retirada a partir da legislação estrangeira de referência se pode obter:
tirando o disposto no Código Civil Suíço e, em parte, no Código Civil
Alemão, nos demais Códigos (e muito particularmente na LEC) os
procedimentos possessórios são caracterizados pela celeridade, pela
aspiração de eficiência. Característica que, aliás, é herdada do Direito
Romano no qual "gli interdetti sono infatti formule orali" [83].
Aquele que para Jhering [84] servia como fundamento geral para a
protecção possessória adquire aqui a plenitude do seu valor: a posse é a
"guarda avançada" do direito de propriedade (ou de outro "direito de fundo"
sobre a coisa) e, por isso, a sua defesa não pode estar dependente da prova
da existência deste direito na titularidade do demandante.
De facto, por essa ser a normalidade, o possuidor presume-se
proprietário, dado que esse é o caso paradigmático (ainda mesmo correndo o
risco, deste modo, de conferir protecção a quem aparenta ser titular do
"direito de fundo" não o sendo). Logo, na normalidade, protegendo-se o
possuidor, tutela-se o proprietário.
A protecção da aparência não se confunde assim, nem se pode confundir,
com a protecção da realidade (o fundo da questão). A tutela da posse tem,
por conseguinte, carácter precário, transitório ou provisório – protege-se
a posse enquanto o litígio não se centrar e, portanto, enquanto prova não
for feita sobre o "direito de fundo". Ou, como se dizia no artigo 489º do
Código Civil de 1867, "em quanto (o possuidor) não for convencido na
questão da propriedade".


X.II) Na legislação estrangeira cujo esboço brevemente se delineou, a
prova nas acções possessórias circunscreve-se à demonstração da existência
de posse (no Código Italiano basta a notorietà del fatto) e o contraditório
limita-se também a esse aspecto (e no Código Francês nem sequer se admite o
demandado a agir au fond qu'après avoir mis fin au trouble [85]). Na LEC
(numa aplicação quase exacta da tradição romana) o processo chega a decidir-
se até em juicio verbal.
Ver-se-á de seguida que estes caracteres, típicos dos interditos
possessórios tal como eles foram delineados pelo Direito Romano, não se
manifestam tão acentuadamente na actual lei portuguesa. Aliás, já desde o
Código Civil de 1867 uma clara separação entre o âmbito petitório e o
possessório não era tão absolutamente respeitada (recorda-se, de novo o
disposto no seu artigo 489º).


X.III) De facto, na versão originária do nosso Código do Processo
Civil, o réu podia na contestação alegar, em reconvenção, a propriedade
sobre a coisa objecto do litígio e pedir o respectivo reconhecimento
(artigo 1034º/nº1) [86]. Se o autor não impugnasse o direito de propriedade
invocado pelo réu, seria "logo declarado improcedente o pedido do autor e
procedente o do réu, ainda que este não" tivesse contestado a posse daquele
(artigo 1035º/nº1).
Se o autor impugnasse o direito de propriedade invocado pelo réu e
este não tivesse contestado a posse daquele, "não podendo a questão de
propriedade ser decidida no despacho saneador", o réu seria logo condenado
no pedido formulado pelo autor, sem prejuízo do que viesse "a resolver-se a
final quanto à questão do domínio" (artigo 1036º/nº1).
Com a extinção dos processos especiais destinados às acções
possessórias, estas passaram a seguir processo comum de condenação (salvo o
embargo de terceiro), mas uma particularidade do regime anterior contida no
artigo 1036º/nº1 manteve-se (artigo 510º/nº5, Código de Processo Civil
actual).
Uma coisa, portanto, é certa: entre nós não é uso excluir totalmente o
petitório do âmbito do possessório, pois ambas as questões se podem
colocar, em simultâneo, no âmbito da tutela possessória. Solução que é
inculcada pelo disposto na parte final do nº 1 do artigo 1278º do Código
Civil (e que, de resto, já resultava igualmente do que se estabelecia no
artigo 489º do Código Civil anterior).


1.3.2. As acções possessórias no Código Civil
1.3.1. Questão prévia: conceito de posse
I) Não fazendo sentido numa obra deste género proceder a uma
dissertação sobre a natureza jurídica da posse, alguns tópicos a ela
relativos que não podem deixar de ser formulados.
É que justamente a acção ou o interdito possessório está instituído
para defesa da posse.


II) A discussão básica, neste capítulo situa-se entre posse como
sinónimo de situação exclusivamente factual ou posse como espécie
particular de situação jurídica e, designadamente, como um tipo de direito
subjectivo.
A primeira caracterização está hoje praticamente excluída – a simples
constatação, resultante da própria lei (artigos 1268º a 1300º do Código
Civil), de que a posse produz uma série de efeitos jurídicos inviabiliza,
salvo recursos estilísticos mais ou menos artificiais, outro entendimento.



III) A caracterização da posse como situação jurídica é certamente a
mais vulgar. E decorre precisamente da mesma referida constatação.
Sendo situação jurídica, só pode ter, por consequência, a natureza de
direito subjectivo, pois nenhuma outra situação jurídica activa quadra à
posse. De facto, é inteiramente admissível actuar por exclusão de partes:
direito potestativo, não é; direito-dever ou poder funcional, menos ainda;
expectativa jurídica, tão-pouco [87].
A qualificação como direito subjectivo sugere de imediato a questão
ulterior. Dentro da summa divisio atinente aos direitos patrimoniais, a
posse, a ser direito, terá natureza real ou creditícia?


IV) Dando seguimento à tradição mais vincadamente iniciada por
Savigny, a posse seria um direito de natureza creditícia, ou seja,
portanto, um direito subjectivo relativo.
A justificação estaria no seguinte.
A posse consistiria na vontade de exercer o senhorio de facto sobre
certa coisa. Pelo que a violação da posse constituiria violência contra a
vontade do possuidor porque colocaria um obstáculo ao seu exercício pleno.
Consequentemente, atentar contra a posse significaria, portanto, produzir
uma ofensa sobre a própria pessoa do possuidor.
Daí a razão para Savigny integrar os interditos possessórios nos
delitos ou nos quase-delitos (consoante quem importunava a posse alheia o
fizesse, respectivamente, com dolo ou com negligência [88]). De facto,
adoptando esta perspectiva, o interdito permitia reagir contra uma
injustiça cometida contra o possuidor. Pelo que, por conseguinte, o que
através dele se fazia valer dizia respeito ou era relativo (como em
qualquer situação do género) àquele que cometesse tal delito ou quase-
delito. Por outras palavras, o interdito fundava-se em razões que inter-
relacionavam exclusivamente o demandante com o demandado.


V) Esta construção obriga a tirar de imediato uma conclusão óbvia:
assim sendo, os interditos são acções de natureza penal [89].
De facto, nesta concepção, a violação da posse, ainda que não origine
a aplicação de penas no verdadeiro sentido do termo [90], equivale à
prática de um acto ilícito e culposo.
Só que, precisamente por isso, não se descortina a razão pela qual se
pode justificar a criação e a manutenção da tutela possessória dado que,
contra actos ilícitos culposos, existem meios próprios de protecção
(responsabilidade civil, responsabilidade penal, acção de reivindicação ou
negatória, etc.).


VI) Mais importante, porém, é a seguinte consideração: na óptica da
violação, todos os direitos subjectivos, seja qual for a sua espécie, são
direitos relativos. É que, uma vez lesado o direito, o respectivo titular
actua e só pode actuar, qualquer que seja a sua finalidade, contra o autor
da lesão (ou seja, da violação).
Por conseguinte, a admitir o entendimento que se critica e para manter
o nível comparativo, o direito de propriedade também seria então um direito
relativo porque, quando violado, o seu titular deve intentar, por exemplo
(se for esse o caso), acção de reivindicação contra quem eventualmente o
tenha esbulhado e acção de indemnização contra o mesmo pelo dano que
provavelmente não teria sofrido não fosse o esbulho. As razões invocadas
numa e noutra acção (rectius, num e noutro pedido) são, na verdade,
relativas ao esbulhador [91]!


VII) Acrescem dois argumentos que não sendo especificamente
resultantes da aplicação da teoria da vontade à fundamentação da tutela
possessória acrescentam aqui alguma consequência particular.
Primeiro, como explicar, com este entendimento, a protecção do
possuidor formal, especialmente do possuidor injustus (ou seja, daquele
que, por exemplo, adquiriu a posse com violência ou clandestinamente). Na
verdade, excepto (mas apenas numa certa medida) contra o esbulhado, é
inegável que tal possuidor também dispõe dos interditos possesórios. E
então se, por seu turno, for de novo esbulhado a injustiça que cometeu
merece amparo apesar de tudo? A vontade ilícita deve ser patrocinada?
Segundo, por outro lado, como sustentar este entendimento quando a
vontade do possuidor seja juridicamente irrelevante (v.g. menores,
interditos ou dementes)? Qual será então o quid que se tutela?


VIII) Numa concepção encetada por Jhering, a posse é vista como uma
"guarda avançada" do direito de fundo sobre a coisa do qual o possuidor
seja pretensamente titular [92].
A tutela possessória fundar-se-á, assim, numa presunção de
titularidade. Protege-se a posse porque, normalmente, o possuidor tem o
direito que justifica a sua posse. E também, já agora, porque sendo essa a
normalidade, se facilita a prova e, portanto, a eficácia da tutela:
enquanto numa acção petitória, especialmente na de reivindicação, o
demandante deve fazer prova "de um distante modo de aquisição" nisso
incluindo as chamadas "condições internas e externas" respectivas [93], nas
acções possessórias basta-lhe demonstrar a existência da própria posse (o
que habitualmente se faz através da constatação de um estado de facto e por
testemunhas).
Corre-se assim o risco de conferir protecção a quem a não merece (v.g.
o ladrão) uma vez que a titularidade sobre o "direito de fundo" não se
discute, em princípio, na acção possessória. Mas as vantagens suplantam os
defeitos. E, razão mais importante, os institutos jurídicos fundam-se no
socialmente típico, não no atípico.


IX) Apesar de, habitualmente, o problema não se colocar nos termos em
que a seguir se apresentam, julga-se existir uma observação básica a que
não se tem atendido ou a que se não tem dado suficiente atenção.
Começa-se por esta comparação: um contrato, por exemplo, ou qualquer
negócio jurídico, para ser mais abstractamente abrangente, é na sua
essência um facto, um acontecimento da vida social a que o Direito dá (ou
pode dar) relevância em determinados termos. O mesmo se diga para um
testamento. Ou para a actuação gestória em benefício de outrem. E o mesmo
se diga, talqualmente, para a posse [94]. Quer dizer, por outras palavras,
que qualquer facto com relevância jurídica é antes de mais, um facto social
e só depois (eventualmente) um facto jurídico.
Quando pelo Direito se dá significado a um facto social, a fixação das
condições, requisitos, elementos, etc., de existência, de validade, de
eficácia ou outros é construída juridicamente [95].
É assim para um contrato de compra e venda, outra vez por exemplo. O
Direito fixa os respectivos pressupostos de validade atinentes à pessoa –
v.g. capacidade de gozo e de agir, legitimidade, capacidade natural – ou
relativos ao respectivo objecto – v.g. possibilidade, determinabilidade –
ou ainda, mais importante, concernentes ao próprio facto – v.g.
esclarecimento e liberdade de motivação, formulação correcta da declaração,
inexistência de impedimentos à formação da vontade. Cumpridos estes e
outros requisitos, o contrato produzirá todos ou alguns dos efeitos que o
Direito lhe atribui, consoante o caso.


X) O mesmo vale para a posse. Esta, na sua base, é um facto social.
Terá relevância jurídica, alguma ou nenhuma, maior ou menor, conforme
certas condições estejam ou não estejam preenchidas.
Na verdade, tal como para o contrato, por paralelismo, há condições de
relevância jurídica atinentes à pessoa – v.g. capacidade para adquirir
posse – ou referentes ao objecto – v.g. carácter corpóreo ou incorpóreo da
coisa possuída [96] – ou respeitantes à própria posse – v.g. carácter
titulado ou não titulado, de boa ou de má fé, pública ou oculta, pacífica
ou violenta, efectiva ou não.
Tal como sucede com qualquer contrato, a posse é um facto do qual
podem derivar direitos: por exemplo, o direito aos frutos, na posse de boa-
fé (artigo 1270º, Código Civil); ou, por exemplo ainda, o direito
potestativo de invocar a usucapião (artigos 1287º, 1292º e 303º, Código
Civil).
Porém, como a posse, ao contrário de um contrato, não consiste numa
manifestação de vontade (ainda que evidentemente incorpore uma vontade),
não se pode colocar em relação a ela questões de validade. A posse é, na
sua essência, uma soberania de facto sobre uma coisa. Pelo que, portanto:
- ou existe ou não existe;
- e, existindo, ou tem certos efeitos ou tem certos outros, mais ou
menos amplos.


XI) Quando se coloca a questão de saber se os requisitos de existência
da posse estão ou não estão verificados o que se procura saber, no fundo, é
se verdadeiramente há posse ou apenas detenção (artigo 1253º, Código
Civil), dado que esta ainda é soberania de facto sobre uma coisa, mas
juridicamente irrelevante. Numa forma de colocação de um problema que é
recorrente em Direito, força-se a sua resolução fundada no critério de "ou
tudo ou nada" a partir de factos que são, pelo menos, externamente
idênticos. O que evidentemente dificulta sobremaneira a realização da
separação. A verdade é que o detentor não pode adquirir por usucapião
(artigo 1290º, Código Civil) e também não pode proteger a sua situação
recorrendo às acções possessórias uma vez que estas, à letra, servem para
tutela da posse.


XII) Quando a questão da eficácia da posse é colocada, o que está em
causa é apurar as suas características pois estas fazem variar a amplitude
de efeitos de que o possuidor beneficia ou pode beneficiar. Por exemplo, o
possuidor de boa-fé faz seus os frutos da coisa possuída até ao momento em
que souber que está a lesar o direito de outrem, ao passo que o possuidor
de má fé deve restituir os frutos eventualmente percebidos (artigos 1270º e
1271º, Código Civil). Por exemplo ainda, enquanto a posse for violenta ou
oculta os prazos de usucapião não começam a contar (artigo 1297º, Código
Civil). Na mesma situação, tão-pouco começa a contar o prazo de perda da
posse (artigo 1267º, nº1/d) e nº2, Código Civil) ou o prazo de caducidade
para intentar a correspondente acção possessória (artigo 1282º, Código
Civil).


XIII) Pode assentar-se, por conseguinte, na seguinte ideia: a posse é
um facto, não meramente material, mas social; e depois jurídico. De todo o
modo, um facto.
De particular, em relação a outros factos jurídicos apresenta:
- Primeiro, uma variedade e multiplicidade de efeitos jurídicos que
não são, porventura, tão habituais naqueles outros;
- Segundo, a possibilidade de recurso a um conjunto de acções que se
destinam não à tutela de um direito, como é vulgar, mas à protecção do
próprio facto em si mesmo considerado – ou seja, da posse [97]. Poder-se-á
dizer, no máximo, neste capítulo, que tais acções amparam a possibilidade
de "nas traseiras" da posse existir o chamado "direito de fundo"; mas não
protegem exactamente esse direito nem qualquer outro (quanto mais não seja
por não se saber se existe).


XIV) O direito de recurso às acções possessórias é, assim, abstracto
em relação ao "direito de fundo". Ou, por outras palavras, tal direito é
concedido independentemente da existência do direito substantivo (de
propriedade ou outro – artigo 1251º, Código Civil) por referência ao qual o
possuidor actua.
Mas não está em causa apenas o direito de acção no sentido do artigo
2º, n.º 2 do Código de Processo Civil [98]. De facto, este pode ser visto
também como um direito abstracto no sentido de a sua existência e o seu
exercício não estarem dependentes da razão que eventualmente assista ao
respectivo autor. Ou seja, mesmo que o autor não tenha o direito
(substantivo) que pretende fazer valer através da acção que intenta, o
direito de recorrer a juízo independe de tal e, portanto, persiste não
obstante aquele não existir ou não subsistir.
Nas acções possessórias, contudo, não é só isso que está em causa. É
que nestas a própria alegação e demonstração relativamente à existência do
"direito de fundo" é dispensada, ao passo que em qualquer outra acção o
autor de tal não fica isento ainda que a prova não seja convincente ou
suficiente. É neste sentido que se diz que o direito de recurso à tutela
possessória é abstracto já que se autonomiza totalmente, inclusive em
termos probatórios, do direito ao qual o exercício da posse se refere.

1.3.2. Tipos de acções possessórias contidos no Código Civil
I) Nominalmente, as acções possessórias servem para a tutela da posse.
A sua causa de pedir é assim "constituída pelo acto ou facto jurídico em
que o autor se baseia para alegar a posse que lhe pertence e pelo facto
lesivo dessa posse" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/01/1984,
Proc. nº 70607). Ou seja: "nas acções possessórias apenas se invoca a
posse, enquanto nas acções de reivindicação se invoca a propriedade"
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/1990, Proc. nº 079697).
Ou, ainda mais explicitamente: "IV - A causa de pedir na acção de
restituição de posse é o acto ou facto jurídico em que o Autor se baseia
para dizer que a posse lhe pertence, além do facto lesivo dessa posse, ou
seja o esbulho; na acção de manutenção de posse, a causa de pedir e a
turbação ou perturbação da posse" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 03/06/1992, Proc. n.º 082266) [99].
Como há, porém, situações em que a defesa possessória está atribuída
apesar de as mesmas não se enquadrarem no tipo definido pelo artigo 1251º
[100], das duas, uma: ou o âmbito da posse, para efeitos das acções que a
tutelam, é mais amplo do que aquele que resulta da referida disposição, ou
então é necessário reconhecer que, em alguns casos, o detentor também
legitimidade para intentar acções possessórias [101] (seja por, em certas
circunstâncias, a detenção equivaler a posse, seja, mais prosaicamente, por
"razões de equidade" [102]).
Embora a resolução desta questão envolva a consideração de aspectos
que não podem ser aqui integralmente levados em conta, parece evidente,
face ao disposto no artigo 351º/nº1 do Código de Processo Civil, que a mera
possibilidade de recurso às acções possessórias não implica que o
demandante tenha posse nos termos em que esta é definida pelo artigo 1251º
do Código Civil.
Aliás, esta disposição legal vai até muito mais longe do que
normalmente a doutrina e a jurisprudência se atrevia a ir: é que, se não
custa estender a aplicação da tutela possessória ao detentor, dado que
este, tal como o possuidor, tem o domínio de facto sobre a coisa, já a
extensão da dita tutela à defesa de "qualquer direito incompatível com a
realização ou o âmbito" de diligência de apreensão ou entrega de bens
judicialmente ordenada [103], mesmo que não exista sequer tal domínio de
facto [104], demonstra que a possibilidade de recurso às acções
possessórias não implica automaticamente a afirmação de que o respectivo
autor tenha posse.
A mesma conclusão se pode retirar do disposto no n.º 1 do artigo 2088º
do Código Civil pois o cabeça-de-casal não pode ser certamente considerado
possuidor dos bens contidos na herança e, no entanto, a lei concede-lhe o
recurso às acções possessórias, inclusivamente contra os herdeiros.


II) As acções possessórias destinam-se à defesa da posse. Supõem,
portanto, que o demandante tenha alguma vez entrado no exercício da mesma
[nem que tenha sido por intermédio de outrem – artigo 1253º/c), Código
Civil], isto é, que a tenha adquirido. Mas supõem ainda, obviamente, que a
mantenha. Daí a justificação geral para a existência de prazos de
caducidade para a propositura de acções possessórias.
A não manutenção da posse (não importa a razão) não impede, todavia,
se ao caso couber, o recurso aos meios de tutela do direito ao qual a posse
se referia [105].


III) Nas acções possessórias está em causa a tutela da posse tout
court. Quer dizer, seja ela causal – isto é, fundada na titularidade de um
direito real – ou formal – ou seja, aparentando o exercício de um direito
do qual juridicamente não se tem a titularidade – o recurso àquelas é
sempre exequível desde que, bem entendido, os respectivos pressupostos
estejam verificados. Por isso se pode dizer, por exemplo, que "tendo-se
constituído, a favor de outra pessoa, enquanto viva for, direito de
habitação sobre uma coisa, pelo proprietário desta, tem aquela o direito de
defender o seu direito através de acções possessórias" (Acórdão da Relação
de Lisboa de 07/05/1985, R. 12 230).


IV) A manutenção da terminologia clássica – interdito – em vez de
acção não configura nenhuma impropriedade, em virtude inclusivamente do
carácter mais célere que se pretende imprimir à tutela da posse. O que
sugere uma maior aproximação do interdito à providência cautelar do que a
uma acção propriamente dita. O que estaria aliás, primeiro, em
correspondência com as razões que justificaram historicamente o surgimento
da tutela da posse [106]; as quais, segundo, mantêm plena actualidade
atento o disposto no nº 5 do artigo 510º do Código de Processo Civil [107].

De facto, o interdito é inter dictum, é o dito entretanto, pelo que
tem algum carácter precário ou transitório, o que, de resto, levou muitos a
qualificar a posse que através dele é protegida como um direito real
provisório: a questão de fundo – a titularidade do direito subjacente à
posse – não se põe em discussão. E, se esta questão surgir, a acção passa a
ser petitória (ainda que tenha começado com etiqueta possessória).


V) Na versão original do actual Código de Processo Civil, as acções
possessórias de manutenção e de restituição seguiam, em princípio, processo
sumário de condenação (artigo 1033º) ainda que com algumas
particularidades, as quais permitiam afirmar, aceitando a própria
qualificação legal, que tinham procedimento especial (artigos 1033º a
1036º). Até aqui, mas apenas desde que o litígio ficasse circunscrito à
questão possessória, cumpria-se com uma singularidade típica dos
interditos: a pretensão de celeridade processual.
Mas, como atrás se disse, o réu poderia alegar que tinha o direito de
propriedade sobre a coisa objecto da acção e pedir o correspondente
reconhecimento. Nesse caso, a acção passaria a seguir processo ordinário
(artigo 1034º) e se o autor não impugnasse o pedido deduzido pelo réu a sua
pretensão seria logo considerada improcedente e procedente a do réu, mesmo
que este não contestasse a posse daquele (artigo 1035º/nº1). A acção
possessória convertia-se pois, por falta de impugnação especificada, numa
acção petitória, embora de modelo simplificadíssimo. Pode-se dizer que só
na sua identificação a acção era possessória – no fundo, era petitória
[108]. A inexistência de disposição similar no actual Código do Processo
Civil não impede a formulação de igual conclusão. A diferença é que não há
agora regras especiais de procedimento; a tramitação é a geral do processo
comum.
Ao invés, se o autor impugnasse [109] a pretensão deduzida pelo réu e
este não contestasse a posse daquele, não podendo a questão da propriedade
ser decidida de imediato no despacho saneador, o réu era logo condenado na
restituição ou cessação dos actos turbativos, remetendo-se para a decisão
final a resolução do litígio sobre o "direito de fundo" (artigo 1036º/nº1).
O que significa que a tutela possessória findava com a prolação do referido
despacho. A partir deste momento o litígio transferia-se para o âmbito
petitório [110]. A tutela possessória tinha, pois, carácter claramente
precário, o que estava (e está) de acordo, de novo, com a sua natureza
[111]. Esta solução manteve-se tal qual, pois, como também já se disse,
após a reforma do Código do Processo Civil – ela foi adoptada por força do
disposto no nº 5 do artigo 510º.
Quer tudo isto dizer que a acção só permanecia inteiramente no âmbito
possessório se o réu não alegasse a propriedade sobre a coisa objecto do
litígio e o consequente reconhecimento.


V) A acção de prevenção supõe que o possuidor tenha justo receio de
ser perturbado ou esbulhado. Trata-se pois, formalmente, de uma acção, mas
substancialmente de um procedimento de natureza claramente cautelar.
Tem legitimidade activa para esta acção, o possuidor que tenha o
referido receio; tem legitimidade passiva, o autor da ameaça de perturbação
ou de esbulho. Obviamente não há prazo: a acção pode ser intentada enquanto
o receio se mantiver.
A acção de prevenção é uma acção de condenação (com processo comum),
dado que se pretende que da sentença respectiva resulte a imposição ao
autor da ameaça de uma obrigação de non facere.


VI) A acção de manutenção pressupõe a perturbação, ou seja, pressupõe
a prática de actos que impedem o exercício normal da posse, desde que dos
mesmos não resulte a privação, total ou parcial, do domínio de facto. O
âmbito da acção de manutenção define-se assim por exclusão de partes face à
acção de restituição [112].
Tem legitimidade activa para esta acção, o possuidor perturbado ou os
seus herdeiros (artigo 1281º/nº1). Estes últimos, naturalmente, pressupondo
que a perturbação ocorreu ou começou em vida do autor da sucessão mas
entretanto se verificou o seu falecimento, (antes de decorrido o prazo de
caducidade decorrente do artigo 1282º, bem entendido). É que os herdeiros
continuam a posse do possuidor perturbado (artigo 1255º).
Tem legitimidade passiva, o autor da perturbação.
O prazo de caducidade desta acção é de um ano (artigo 1282º), a contar
da prática do acto turbativo ou a contar do início da perturbação (tratando-
se de uma actuação continuada).
Trata-se igualmente de uma acção de condenação (com processo comum),
pela mesma razão invocada para a acção de prevenção.


VII) A acção de restituição pressupõe o esbulho, ou seja, pressupõe a
privação total ou parcial do domínio de facto sobre a coisa [113]. O que
significa que se pretende obter a restituição desse domínio de facto.
Tem legitimidade activa, o possuidor esbulhado ou os seus herdeiros, e
estes últimos, claro, no suposto de o esbulho ter ocorrido em vida do autor
da sucessão e este ter falecido antes de caducado o prazo para intentar a
acção de restituição. É que, não tendo ainda decorrido este prazo, o
esbulhado também não perdeu ainda a posse por efeito do esbulho (artigo
1267º/nº1/d), pelo que (novamente) os herdeiros continuam a sua posse.
Tem legitimidade passiva, o esbulhador e os seus herdeiros, dado que
só se pode dizer que ocorreu esbulho quando aquele que privou outrem do seu
domínio de facto constituiu a seu favor um domínio de facto incompatível
com a manutenção do anterior. O que significa que só há esbulho quando
aquele que priva outrem do seu domínio de facto constitui a seu favor uma
posse nova ou, ao menos, uma posse de amplitude superior àquela que antes
tinha [114]. Por isso, a legitimidade passiva dos herdeiros do esbulhador
volta a fundar-se no disposto no artigo 1255º.
Tem ainda legitimidade passiva, aquele que adquira posse sobre a coisa
objecto do esbulho após o esbulhador (sempre contra a vontade do
esbulhado), desde que conheça o esbulho (portanto, neste sentido, desde que
esteja de má fé). Daqui decorre que nem o terceiro possuidor de boa fé tem
legitimidade passiva para esta acção, nem o detentor (seja a detenção em
nome do esbulhador, seja em nome dos herdeiros deste, seja em nome de
terceiro possuidor).
Tal como a acção de manutenção, a de restituição está sujeita ao prazo
de caducidade estabelecido pelo artigo 1282º [115].
Trata-se, de novo, de uma acção de condenação (com processo comum),
uma vez que se pretende obter do réu a cessação dos actos que causam a
privação da posse, com, em geral, a imposição da subsequente obrigação de
restituir a coisa objecto do esbulho. A condenação na restituição pode ser
obtida logo no despacho saneador se o réu "apenas tiver invocado a
titularidade do direito de propriedade, sem impugnar a posse do autor"
(artigo 510º/nº5, Código de Processo Civil).


VIII) Os embargos de terceiro são actualmente configurados como um
incidente da instância (artigos 351º e segs. do Código de Processo Civil).
Pressupõem que por acto judicial que ordene a apreensão ou a entrega de
bens se ofenda ou se possa ofender "a posse ou qualquer direito
incompatível com a realização ou o âmbito" desse acto judicial (artigos
351º/nº1 e 359º/nº1, Código de Processo Civil), quando o respectivo titular
não seja "parte na causa" [116]. Os embargos de terceiro destinam-se,
portanto, a retirar o direito daquele que embarga do alcance desse acto
judicial (penhora, arresto, etc) [117]. Se a dedução destes embargos é
posterior à efectivação da referida entrega ou apreensão de bens, diz-se
que o embargo é repressivo; se é anterior, diz-se que o embargo é
preventivo.
Tem legitimidade activa, o titular da posse ou de "qualquer direito
incompatível com a realização ou o âmbito" da diligência judicial de
entrega ou apreensão de bens desde que não seja "parte na causa". Têm
legitimidade passiva, as partes primitivas (artigo 357º, Código de Processo
Civil) do processo do qual resultou o acto judicial destinado à apreensão
ou à entrega de bens.
O embargo repressivo deve ser deduzido no prazo de trinta dias após
ter ocorrido a apreensão ou a entrega dos bens ou no prazo de trinta dias
após a data em que o embargante teve conhecimento destes factos. Mas,
obviamente, tratando-se de um incidente da instância, nunca poderão ser
deduzidos após a extinção dessa instância.
O embargo preventivo poderá ser deduzido após o acto judicial de
apreensão ou entrega de bens ter sido ordenado mas antes de ter sido
efectivado.


IX.I) Os que ficam enunciados são os meios de defesa da posse que a
lei etiquetou explicitamente como tal.
Há, porém, outros procedimentos relativamente aos quais, seguindo a
tradição romana, a questão se poderá colocar.
É o caso, antes de mais, do embargo de obra nova (artigo 412º, Código
de Processo Civil). Devendo notar-se até, logo de entrada e especialmente
no caso do embargo extrajudicial, a forte analogia de regime com o que se
dispunha Título XI do Livro VIII do Codicis Repetitae Praelectionis.
Conforme deriva do disposto no n.º 1 da citada disposição do Código de
Processo Civil, o embargo destina-se a proteger o titular de "direito de
propriedade, singular ou comum" ou de "qualquer outro direito real ou
pessoal de gozo" ou da "posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço
novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo".
Da simples leitura já resulta que, no fundo, o problema que aqui se
levanta é de natureza semelhante àquele que surge a propósito do embargo de
terceiro. Num caso e noutro, a lei não os rotula como acções possessórias.
Num caso e noutro, o âmbito de aplicação definido pela lei excede a defesa
do estritamente possessório.
Todavia, num aspecto, a qualificação do embargo de obra nova como um
procedimento destinado à defesa da posse até é mais fácil do que naqueles
outros em que o Código Civil recorreu à rotulagem acção possessória. É que,
por se tratar de providência cautelar, cumpre-se mais acentuadamente o
objectivo de celeridade processual característico dos interditos tal qual
como o Direito Romano os demarcou. Por conseguinte, nesta perspectiva, o
que se disser para o embargo de terceiro vale, até por maioria de razão,
para o embargo de obra nova.


IX.II) O mesmo se diga para a denúncia de dano temido (ou de obra
ruinosa, como se quiser chamar, ainda que a primeira expressão seja mais
rigorosa por não ser apenas o perigo derivado da ruína de obras que está em
causa).
Ao contrário do que sucedia no Direito Romano, não existe no nosso
direito legislado qualquer previsão normativa que admita terminantemente
este meio de tutela. Mas ele resulta implicitamente do disposto no artigo
1350º do Código Civil: "se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo
de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos
para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável
pelos danos, nos termos do artigo 492.º, as providências necessárias para
eliminar o perigo".
E em termos processuais ele cabe certamente, sem dificuldade, no
conceito (geral) da providência cautelar não especificada: "sempre que
alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente
reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou
antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito
ameaçado" (artigo 381º/nº1, Código de Processo Civil). O que até sai
reforçado pela própria possibilidade de o requerente pedir o
estabelecimento de sanção pecuniária compulsória, acolhida pelo n.º 2 do
artigo 384º do Código do Processo Civil, permitindo assim colocar esta
providência a funcionar, dentro deste circunstancialismo, em moldes
similares à cautio damni infecti.


IX.III) Uma conclusão preliminar se pode tirar já a partir, por um
lado, dos três casos que ficam apresentados em que a etiqueta acção
possessória não foi conferida por lei – embargo de terceiro, embargo de
obra nova e denúncia de dano temido – e, por outro lado, a partir daqueles
outros em que a lei concedeu a protecção possessória a titulares de
situações jurídicas cuja actuação, não obstante, não corresponde ao
exercício de um direito real (artigos 1125º/n.º 2, 1133º/n.º 2, 1188º/n.º 2
e 2088º/n.º 1, todos do Código Civil).
De facto, uma coisa é a definição geral do facto possessório que
decorre do disposto no artigo 1251º do Código Civil. É nele que radicam a
maioria dos efeitos possessórios. Outra coisa é que para outros efeitos
(específicos ou particulares), se adoptem também outros conceitos de posse,
mais ou menos amplos ou restritos. A primeira não colide com a segunda.
E, na realidade, é o que sucede com a tutela possessória.


IX.IV) Em primeiro lugar, no que toca ao embargo de terceiro, ao
embargo de obra nova e à denúncia de dano temido, o que se poderia dizer,
desde logo, é que servem também para tutela da posse, além de servirem
igualmente para a defesa de outras situações eventualmente mais ou menos
próximas do conceito de posse resultante do disposto no artigo 1251º do
Código Civil.


1.3.3. Âmbito
I) Tradicionalmente, entre nós, define-se o campo de aplicação das
acções possessórias por referência ao direito de propriedade ou, no máximo,
aos demais direitos reais de gozo. Isto pese embora o disposto no artigo
1251º do Código Civil – posse é o poder que se manifesta quando alguém
actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de
outro direito real –, ao conceptualizar a posse, não proceder a qualquer
limitação deste género dentro da categoria direito real.
O preconceito está ligado a uma ideia simples que se explica
sumariamente: é que só muito recentemente se formou a categoria dos
chamados direitos reais de garantia e a categoria dos direitos reais de
aquisição (por comparação com a categoria dos direitos reais de gozo).
Partir daí para a afirmação de que só pode haver posse quando o seu objecto
de referência seja um direito real de gozo tornou-se assim um pequeno
passo.


II) Não é aqui o lugar próprio para entrar na discussão sobre se e em
que medida a qualificação direito real é atribuível tanto àqueles que
concedem o gozo de uma coisa, como àqueles que afectam o seu valor de troca
à garantia de um crédito, como, por fim, àqueles que permitem adquirir
outros direitos.
É preciso não esquecer, todavia, que quando se diz que um direito
incide sobre uma coisa, daí resulta que os benefícios que essa coisa é
susceptível de proporcionar estão (no todo ou em parte) reservados ao
respectivo titular. É a consequência do reconhecimento da existência de um
direito sobre uma coisa: somente o seu titular poderá proceder ao
aproveitamento das utilidades (ou de certas das utilidades) que essa coisa
é apta a fornecer. Nesse âmbito, todas as demais pessoas estão excluídas.
Os direitos sobre coisas são, por isso, uma espécie dos chamados
direitos de afectação [118], de soberania ou de exclusivo (como se
preferir).
Ora, mesmo quando um direito permita a aquisição de outro direito
sobre determinada coisa, haverá uma reserva, ainda que indirecta e
condicional, das utilidades dessa coisa (através, como é óbvio, deste outro
direito) a favor do titular do direito de aquisição.
Não será suficiente para que se possa dizer que, em casos deste
género, o direito é relativo a uma coisa? Muito particularmente, a partir
do momento em que se admite que o valor de troca de certa coisa ainda
constitui uma utilidade da mesma, que é o que sucede nos direitos reais de
garantia? Sendo certo que nestes, de resto e em geral, a reserva de tal
utilidade também é condicional: só pode ser obtida se o crédito garantido
não for satisfeito.
Quanto mais não seja, deve ao menos levar-se em conta o seguinte: a
recondução dos direitos de aquisição relativos a uma coisa à categoria
geral dos direitos potestativos não é capaz de realçar a individualidade
que aqueles representam dentro destes.
Além disso, também não se pode esquecer que a generalidade daquelas
concepções que nega a inserção dos direitos de aquisição potestativa dentro
da categoria dos direitos reais, fá-lo por entender a imediação
característica destes no sentido, muito materialista, do domínio de facto
sobre a coisa. Sendo um entendimento legítimo, também é verdade que, assim,
uma grande parte dos direitos de garantia tão-pouco terá natureza real (por
exemplo, a hipoteca ou os privilégios creditórios especiais) [119].


III) Não há razão para limitar o âmbito da posse aos direitos reais de
gozo. Qualquer outro direito real que implique em senhorio de facto sobre
uma coisa concede posse (dentro do perímetro desse direito, como é
evidente). Isso não só é confirmado pela lei, quando atribui a tutela
possessória, por exemplo, ao credor pignoratício ou ao retentor
(respectivamente, artigos 670º, alínea a), 758º e 759º, n.º 3 [120], Código
Civil), como é, acima de tudo, uma necessidade.
É claro que se deve entender esta extensão do âmbito da posse aos
direitos reais de garantia sem descurar a respectiva função. Trata-se de
direitos destinados a assegurar o cumprimento de uma obrigação pelo que,
portanto, estão concebidos para ser exercidos no caso de esta não ser
voluntariamente cumprida. Pelo que o seu local próprio de exercício é,
tipicamente, o processo executivo. Por isso "V - O direito de retenção –
direito real de garantia – não é incompatível com a apreensão judicial,
para subsequente venda, dos bens sobre que incide. VI - O titular do
direito de retenção não pode, por isso, embargar de terceiro, devendo,
antes, reclamar o crédito respectivo no concurso de credores suscitado no
processo executivo, por forma a vê-lo graduado no lugar que lhe competir
(Acórdão do STJ de 22/09/2005, Proc. 05B1488)". Mas isso não invalida que
as demais acções possessórias estejam ao seu alcance como, de resto, é
confirmado pelas disposições legais supramencionadas.


IV.I) Já há fundamento formal, contudo, para limitar o âmbito da posse
às coisas dentro do comércio [121] (artigo 202º/nº2, Código Civil), uma vez
que ela se extingue pela colocação fora do comércio da coisa sobre a qual
se exerce [122].
E a solução tem algum sentido uma vez que, não estando submetidas a um
regime jurídico de Direito privado, não podem os respectivos "possuidores"
invocar efeitos jurídicos correspondentes a esse ramo de Direito.


IV.II) "Nada impede, contudo, nem de iure condendo, nem de iure
condito, a existência de direitos reais sobre coisas do domínio público ou,
em geral, fora do comércio [123], a começar pelo direito de propriedade
(pública) [124].
É o que pode suceder quando, "com base num título jurídico
individual", seja "consentido a uma ou algumas pessoas determinadas" o uso
privativo (através de licença resultante de acto administrativo ou de
contrato administrativo) de certo bem integrado no domínio público [125] ou
quando seja concedida a exploração de bens dominiais a "alguém que toma o
lugar da pessoa colectiva de direito público titular do domínio" [126].
E é possível configurar, pelo menos, "duas espécies de direitos reais
nessas condições: por um lado, aqueles que podem ser designados como
direitos reais administrativos por estarem integralmente sujeitos a um
regime de direito administrativo (de que é exemplo, repete-se, a servidão
administrativa); por outro, aqueles que, incidindo sobre coisas fora do
comércio, são ainda de Direito privado, muito embora com especialidades de
regime, que em parte, maior ou menor, será de Direito administrativo. É o
que sucederá, por exemplo para este último caso, com o direito de
propriedade sobre águas (originariamente) públicas que derive de concessão
administrativa [artigo 1386º/nº1/e)/f), Código Civil]" [127].
Por isso mesmo não se vislumbra obstáculo que, na falta de disposição
legal em sentido contrário, impeça o titular de direitos privativos (isto
é, o sujeito de Direito privado) sobre coisas de domínio público de
recorrer às acções possessórias para tutela da sua situação. É que, de todo
o modo, posse é posse, qualquer que seja a natureza jurídica do objecto
sobre o qual ela se exerça [128]. E se àquele sujeito não restar outro meio
de protecção do seu direito, não se vê razão para lhe recusar o acesso aos
interditos possessórios [129]. Pelo menos na hipótese em que pretenda "o
emprego das acções possessórias contra os particulares que perturbarem ou
esbulharem a referida posse" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-
12-1937, Proc. nº 049140).

2. A tutela possessória do promitente-adquirente
2.1. Colocação do problema
I) De grande transcendência prática é a questão da extensão da tutela
possessória à protecção do promitente-adquirente (maxime do promitente-
comprador) quando este tenha obtido a entrega da coisa objecto do contrato
prometido.
Outorgado o contrato-promessa de alienação, ambos os contraentes ou um
deles, consoante aquele seja bilateral ou unilateral, ficam adstritos à
obrigação de proferir as declarações negociais correspondentes ao contrato
que prometeram celebrar (contrato prometido). É este o efeito típico
resultante da celebração de um contrato-promessa da referida espécie.


II) Sucede, contudo, que outros efeitos podem resultar da celebração
do contrato-promessa amparados no princípio da autonomia da vontade.
Pode ocorrer, por exemplo, como é vulgar na prática, que todo ou parte
do preço seja pago ao seu abrigo. (Se estiver em causa o exemplo
paradigmático do contrato-promessa de compra e venda, a lei presume, de
qualquer modo, que tal pagamento tem carácter de sinal – artigo 441º,
Código Civil).
Ou pode acontecer, ainda por exemplo, que o promitente-alienante
proceda à entrega da coisa objecto do contrato prometido antes da
respectiva celebração (caso para o qual é indiferente que ele tenha o poder
de disposição sobre a coisa capaz de justificar tal entrega, uma vez que
está apenas em causa a aquisição da respectiva posse, não a do "direito de
fundo").
Esta entrega pode, pelo menos, efectuar-se a dois títulos:
- por mera tolerância do promitente-alienante; ou [130]
- por este ter assumido a obrigação de efectuar a entrega.


III) Na primeira hipótese, em virtude da expressa qualificação
resultante do disposto na alínea b) do artigo 1253º do Código Civil, o
promitente-adquirente não pode ser mais do que um detentor. Razão pela qual
os efeitos associados à posse e, designadamente, a possibilidade de recurso
às acções possessórias fica excluída à partida.
Na segunda hipótese, o promitente-adquirente torna-se titular de um
direito de crédito contra o promitente-alienante por via do qual pode
exigir que este lhe entregue a coisa objecto do contrato prometido. Mas,
dado que a finalidade da entrega consiste em antecipar os efeitos práticos
deste outro contrato, o direito do promitente-adquirente é também o de
exigir que o promitente-alienante lhe assegure o correspondente gozo. Quer
dizer, por outras palavras, que o primeiro se torna titular de um direito
de gozo. O qual só pode ter natureza pessoal uma vez que apenas do
promitente-alienante pode o promitente-adquirente pretender a respectiva
satisfação. Nesta hipótese, todavia, do ponto de vista possessório o
promitente-adquirente permanece um detentor [131], embora, de harmonia com
uma tese relativamente divulgada [132], já tenha acesso às acções
possessórias na medida em que se pode retirar da lei uma regra segundo a
qual a titularidade de qualquer direito pessoal de gozo confere a
susceptibilidade de recurso às mesmas.


IV) A questão, delicada, que seguidamente se coloca diz respeito à
primeira hipótese (quando colocada a propósito da situação do promitente-
adquirente, que é o que agora importa, ou quando colocada a propósito da
situação de qualquer outro exercente de um domínio de facto de qualificação
duvidosa): surge então justamente a questão de saber quando é que este
somente beneficia da tolerância do promitente-alienante ou, ao invés,
quando é que já está para além disso.
Parece razoavelmente evidente que caso o promitente-adquirente se
limite a receber a coisa objecto do contrato-prometido e nada mais realize
em termos factuais nunca será outra coisa a não ser detentor. Provavelmente
nem isso. A detenção só coloca problemas na demarcação perante a posse
precisamente quando o detentor exerça um certo domínio de facto, pois só
então surge a dificuldade de percepção externa em que gravita a realização
da distinção. Na verdade, a cisão entre a detenção e a posse é um problema
que só faz sentido na medida em que ambas são e sejam externamente
confundíveis.
Pode assim assentar-se que a fasquia mínima para que se instale a
questão relativa à natureza possessória da situação do promitente-
adquirente, pressupõe que este, após receber a coisa objecto do contrato-
prometido, inicie e mantenha uma determinada actuação de facto sobre a
mesma [133]. De outro modo não há sequer um quid sobre o qual o juízo de
apreciação possa assentar.


2.2. Concepção de posse
I) A questão relativa à situação possessória do promitente-adquirente
que obteve a entrega da coisa, não se pode dissociar de uma outra, antiga
mas sempre renovada: a da concepção de posse.
O Código Civil, no artigo 1251º, não interfere minimamente com o
problema uma vez que se limita a sublinhar um aspecto: como quer que se
defina a posse, os seus efeitos, ao menos em geral, somente se produzem
quando o direito ao qual esta se refira tenha natureza real. Por
conseguinte, ainda que a concepção que se perfilhe permita estender a
qualificação possessória para além deste âmbito, a relevância da posse fica
circunscrita àquele outro [134]. É o máximo de intromissão que o legislador
promoveu neste domínio.
Quer dizer: a posse somente produz em bloco os efeitos que lhe são
atribuídos pelos artigos 1268º a 1300º do Código Civil se tiver por
referência um direito real. Pelo que, mesmo sendo possível afirmar a
existência de posse em relação a direitos não reais (o que não se revela
particularmente difícil para quem perfilhe uma concepção objectiva sobre a
mesma), esta não terá os efeitos jurídicos enunciados naquelas disposições
legais por causa do delineamento que se efectuou através da descrição
contida no artigo 1251º.


II) Para realizar a qualificação da situação do promitente-adquirente
o recurso ao confronto entre concepção objectiva e concepção subjectiva da
posse é incontornável [135].
Pela chamada concepção objectiva da posse:




O corpus é sinónimo de domínio de facto sobre uma coisa. Portanto, de
acordo com o esquema, haverá posse sempre que tal corpus exista. Só haverá
detenção quando da lei (directa ou implicitamente) for possível extrair tal
qualificação.
Ao invés, pela, por oposição designada, concepção subjectiva,


A existência de posse supõe a presença não só do corpus mas também do
chamado animus possidendi (propósito de agir como titular do direito
correspondente ao corpus que se exerce [136]). Pelo que haverá detenção
sempre que tal animus inexista (podendo, segundo a doutrina, a demonstração
do contrário fazer-se em abstracto, atendendo à causa de aquisição do
corpus, ou caso a caso, em função dos actos concretamente praticados por
aquele que exerce o domínio de facto).


III) De harmonia com uma concepção objectiva sobre a posse, o
promitente-adquirente é possuidor, não detentor. Nesta concepção, quando
haja domínio de facto, o seu exercente é, em princípio, possuidor. Pelo que
a posse é a regra; a detenção, a excepção. Ora, nada havendo, neste caso,
que indicie a detenção como a qualificação adequada à situação possessória
do promitente-adquirente, resta a aplicação da regra, ou seja, a
adjectivação de tal domínio de facto como correspondente a posse.

IV) Ao invés de acordo com uma concepção subjectiva da posse tudo
depende da forma como se tirar a presunção de existência do animus
possidendi. Se tal presunção for tirada em abstracto, o promitente-
comprador não tem posse porque o contrato-promessa não é acto de natureza
translativa ou constitutiva de um direito real. Diversamente, se a referida
presunção for obtida em função dos actos concretamente praticados tudo
dependerá da actuação do promitente-adquirente [137]: se, por exemplo, este
recebeu a chave do apartamento, se instalou nele, fez benfeitorias, mudou a
fechadura, começou a pagar as prestações de condomínio, contratou luz,
água, telefone, gás, televisão por cabo, terá praticado actos que revelam a
intenção de actuar como proprietário [138].


V) Há concepções particulares, as quais, para a hipótese em
consideração, fazem independer a qualificação em causa da concepção de
posse que se perfilhe.
Assim, pode entender-se, por exemplo, que o contrato-promessa apenas
funda os efeitos obrigacionais que tipicamente dele decorrem: vinculação à
manifestação futura da vontade nos termos prometidos.
Se os promitentes tiverem acordado igualmente a entrega da coisa, esta
não se produz ao abrigo do contrato-promessa mas antes por causa de um
contrato real abstracto [139], mediante o qual o promitente-alienante cede
a posse da coisa objecto do contrato prometido ao promitente-adquirente.
Utiliza-se assim, para este caso particular, a mesma construção jurídica
que no Direito alemão se utiliza para a generalidade dos actos inter vivos
translativos ou constitutivos de direitos reais (§ 873 do Código Civil
alemão).
Para além do facto a figura do contrato real abstracto ser estranha ao
nosso ordenamento jurídico, somente a anterior constatação já faz duvidar
da adequação construtiva. E, por outro lado, é pelo menos curioso que a
mesma se adopte para proceder ao enquadramento de um contrato preliminar e
não se faça o mesmo para encaixar o próprio contrato translativo ou
constitutivo. O que, entre outras coisas, quer dizer que os vícios da
causa, ao menos perante terceiros, são ininvocáveis naquele mas invocáveis
neste! Ou ainda, por outras palavras, que a posição do adquirente, do ponto
de vista possessório, é mais segura no contrato-promessa do que no contrato
prometido!


VI) Há um aspecto da questão cuja consideração não deve ser descurada
a propósito da qualificação da situação do promitente-adquirente: o caso de
a totalidade ou grande parte dos efeitos práticos do contrato-prometido já
se terem produzido ao abrigo do contrato-promessa (ou por causa da sua
celebração, se se entender preferível).
Tome-se o exemplo paradigmático da compra e venda como contrato-
prometido. Se, por força do contrato-promessa correspectivo, uma parte
substancial ou a totalidade do preço já foi entregue ao promitente-vendedor
e se este já entregou a coisa objecto da compra e venda ao promitente-
comprador, é insustentável asseverar que a situação deste último permanece
inteiramente instável, designadamente no que toca ao domínio de facto que
exerce sobre a tal coisa.
Por conseguinte, algumas hipóteses dentro deste âmbito deverão ser
reconhecidas como susceptíveis de configurar casos de posse. Ou, pelo
menos, como sendo capazes de outorgar efeitos possessórios. A negação
absoluta desta possibilidade afronta a rectidão.

2.3. Excurso: aplicação do conceito de posse acima enunciado
I) Já atrás se acentuou que o disposto no artigo 1251º do Código Civil
apenas acarreta que o reconhecimento em bloco dos efeitos possessórios ao
exercente de certo domínio de facto dependa de a sua actuação corresponder
"ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real". Nada
impede, a contrario, que algum ou alguns dos efeitos possessórios sejam
reconhecidos individualmente ou ad hoc a quem exerça um domínio de facto
por referência a direito de distinta natureza.
Convém salientar, antes de mais, que a posse, qualquer que seja a
concepção que dela se adopte, se exerce tendo sempre um direito por
fundamento [140], realmente ou apenas pretensamente. Isto é, o que tem o
poder de facto actua, v.g., como sendo proprietário, como sendo
usufrutuário, como tendo uma servidão de passagem, como sendo arrendatário,
como tendo um comodato a seu favor, etc.
A associação estabelecida por lei entre posse e direitos reais,
correspondendo indiscutivelmente a uma tradição histórica muito enraizada,
não obedece a nenhum critério racional. Não há razão para manter semelhante
entendimento.


II) Todavia, enquanto uma disposição como aquela que está contida no
artigo 1251º do Código Civil se mantiver e para lhe dar alguma utilidade,
outro remédio não resta a não ser aceitar as consequências decorrentes da
conexão nele estabelecida.
Isso não constitui obstáculo, porém, a que se deva dar relevância
jurídica àquelas situações possessórias cujo exercício se não refira a um
direito real mas sim a direito de outra qualquer natureza.
Como antes já se tinha assinalado, no que concerne pelo menos às
situações possessórias subjacentes aos direitos do parceiro pensador, do
comodatário e do depositário com poderes de uso (respectivamente, artigos
1125º, n.º 2, 1133º, n.º 2 e 1188º, n.º 2 do Código Civil) foi a própria
lei a conceder-lhes a possibilidade de recurso às acções possessórias. Ora,
isso só pode querer dizer que a situação destes é pelo menos análoga à
daqueles cujo domínio de facto se faz por referência a um direito de
natureza real.
De resto, a manutenção da clivagem nos termos literalmente impostos
pelo artigo 1251º do Código Civil – a actuação correspondente a um direito
real vale como posse e a não correspondente é sinónimo de detenção – dá
origem a uma contradição: é que daqui resulta enorme imprecisão quando,
aparentemente, o que se quis terá sido justamente o inverso. De facto, nem
a lei dá definição alguma do que deve entender-se por direito real, nem a
doutrina é unânime na sua concepção. Por isso, enquanto para uns, o que se
estabelece naquele conjunto de disposições legais referidas por último
constitui uma excepção [141] à regra (segundo a qual o detentor, justamente
por o ser, não pode valer-se das acções possessórias), para outros as
mesmas apenas confirmam a regra (pela qual apenas o possuidor pode acudir a
tais acções).


III) Deve reconhecer-se, não obstante, que o disposto no artigo 1251º
do Código Civil deve ter algum significado relevante no seguinte aspecto: é
que, como se mencionou, à situação possessória que nele se integre associam-
se em bloco (ou seja, globalmente) a totalidade dos efeitos possessórios
enunciados entre os artigos 1268º e 1300º do Código Civil, pois somente em
tal hipótese é coerente fazê-lo. Na verdade, por exemplo, não tem sentido
conceder o benefício da aquisição por usucapião – que, a longo prazo, é o
principal efeito da posse – a quem tenha exercido o domínio de facto de
forma correspondente ao exercício de um direito pessoal de gozo. De facto,
v.g., a usucapião pelo comodatário só poderia dar-se contra aquele
(comodante) que tivesse suportado a respectiva posse; bastaria, portanto,
que a propriedade mudasse de mãos após a invocação daquela para que o
direito de gozo do comodatário se extinguisse [142].


IV) Qualquer outra situação possessória insusceptível de integração no
âmbito do disposto no artigo 1251º do Código Civil deve, não obstante isso,
ter relevância jurídica. Passe a redundância, precisamente por se tratar de
posse.
Todavia, sempre que a situação possessória em causa se não enquadre no
campo delimitado pela referida disposição legal, torna-se necessário
descortinar, para cada caso, quais sejam os commoda possessionis que lhe
podem estar associados. Ora, tirando a usucapião, que exclusivamente serve
para adquirir direitos reais de gozo (e, mesmo assim, não todos – artigos
1287º e 1293º do Código Civil), e que, portanto, implicitamente
circunscreve o seu emprego à posse referida a tais direitos, nada impede
que os demais benefícios da posse sejam susceptíveis de extensão à posse
cujo objecto de referência seja qualquer outro direito.
O caso é, pois, que em causa esteja posse e não simples detenção.


V) A circunscrição dos efeitos possessórios à situação possessória que
se enquadre no disposto no artigo 1251º do Código Civil deve fazer-se
apelando para o efeito ou à concepção subjectiva ou à concepção objectiva
da posse. Não há alternativa.


V.I) A concepção subjectiva de posse coloca dificuldades extremas mas
manifestamente desnecessárias na definição do conceito. De facto, qual a
razão pela qual se há-de exigir a presença do requisito do animus
possidendi quando a sua demonstração não pode ser feita de outro modo a não
ser caprichosamente, em função do convencimento subjectivo que se gerar no
espírito do julgador. É verdade que há domínios jurídicos, como os da
responsabilidade civil ou penal, onde o recurso a critérios voluntarísticos
ou anímicos não pode ser inteiramente afastado. Porém, no que à posse diz
respeito, não se vê razão para tal, tanto mais quanto, avaliando-se o
animus possidendi em concreto, como é prática quase unânime na
jurisprudência portuguesa, esse elemento apenas serve para "colorir" a
decisão: o corpus é que se revela peremptório.
Acresce, por outro lado, como já antes se disse, que acima de tudo são
as concepções sociais que definem o que se deve entender por posse. O
emigrante português na América do Sul que deixou em Portugal, por exemplo,
uma casa à qual não se desloca há mais de trinta anos não deixa, por isso,
de ser considerado possuidor da mesma, não obstante não exercer uma
soberania de facto actual sobre a coisa, pois, na visão social, assim é
entendido.


V.II) A concepção objectiva da posse, por seu turno, alarga
excessivamente o respectivo âmbito (tendo em conta o disposto no artigo
1251º do Código Civil), dado que, de harmonia com o critério atrás
enunciado, situações jurídicas como as do comodatário ou do depositário
devem ser qualificadas como susceptíveis de conferir posse.
Todavia, como não se trata já de atribuir em bloco os efeitos
possessórios mas apenas de conferir a tutela possessória a situações não
enquadráveis no campo de aplicação da referida disposição, não se vislumbra
obstáculo à afirmação da referida qualificação.
Aliás, se outra razão não houvesse, sempre faz mais sentido conferir a
tutela possessória a situações que, não cabendo embora na demarcação
realizada pelo artigo 1251º do Código Civil, sejam, não obstante isso,
classificáveis como possessórias, do que reconhecer aquela tutela a quem é
mero detentor!


V.III) Acresce, como já atrás se aludiu, que o disposto no n.º 1 do
artigo 351º do Código de Processo Civil, veio promover nesta matéria uma
significativa alteração de perspectiva: "se a penhora, ou qualquer acto
judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou
qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência,
de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer,
deduzindo embargos de terceiro".
Originalmente, de facto, o embargo de terceiro era concebido não como
um incidente da instância mas como uma estrita acção possessória sujeita a
processo especial. Como se estabelecia no, entretanto revogado, artigo
1037º do Código de Processo Civil: "quando a penhora, o arresto, o
arrolamento, a posse judicial, o despejo ou qualquer outra diligência
ordenada judicialmente..., ofenda a posse de terceiro, pode o lesado fazer-
se restituir à sua posse por meio de embargos".
Esta disposição estava em estrita harmonia como o disposto no artigo
1285º do Código Civil segundo a qual "o possuidor cuja posse for ofendida
por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse
mediante embargos de terceiro".
A modificação literal acarretou uma óbvia implicação: o alargamento do
âmbito de aplicação do dito embargo para além do campo estritamente
possessório. Quer dizer que, tal como está actualmente definido pela lei
processual, o embargo de terceiro, não deixando de servir também para
defesa da posse, serve ainda para a tutela de outras situações jurídicas
que como tal não sejam qualificáveis [143] (independentemente da concepção
de posse que sem perfilhe pois somente assim se pode retirar algum conteúdo
útil da disposição em causa).
Ora, assim, o argumento é: se o embargo de terceiro é extensível para
além do âmbito da defesa da posse tal como esta surge recortada pelo
disposto no artigo 1251º do Código Civil, não se vislumbra razão que impeça
o alargamento dos demais interditos possessórios para fora daquele
mencionado âmbito.


VI) Como acima se dizia, a posse é um facto jurídico. É um facto
socialmente relevante ao qual, através de uma remota e longuíssima evolução
histórico-jurídica, se associaram sucessivamente diversos efeitos
jurídicos. Entre esses encontram-se, no Código Civil, os seguintes: a
presunção de titularidade do direito (artigo 1268º); os frutos (artigos
1270º e 1271º); as benfeitorias (artigos 1273º e 1275º); a usucapião
(artigos 1287º e segs.); e, bem entendido, as acções possessórias (artigos
1276º a 1286º).
Nada obriga a que a qualquer situação possessória sejam sempre
reconhecidos todos os referidos efeitos. Aquelas que se inscreverem no
âmbito do artigo 1251º eles são, como se disse, conferidos em bloco. Às
demais, verificar-se-á caso a caso.






José González
Lisboa, 11 de Abril de 2007


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[1] "Era essencial às acções; 1º, que todos os actos constitutivos
d'ellas fossem praticados sem interrupção e seguidamente; 2º, em pessoa e
não por procurador; 3º, somente em certos dias designados no calendario;
4º, com formulas solemnes e termos consagrados. Não admittiam 5º dia ou
condicção; 6ª, nem podiam finalmente reiterar-se a respeito do mesmo acto"
(António Secco, Manual Histórico de Direito Romano, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1848, pág. 73).
[2] Daí que, nas acções possessórias, tendo sido "requerida a
manutenção em lugar da restituição, ou esta em vez daquela, o juiz
conhecerá do pedido correspondente à situação realmente verificada" (artigo
661º/nº3, Código de Processo Civil).
[3] Dentro da qual se identificam, de resto, um número muitíssimo mais
extenso de acções do que aquelas que aqui se deixarão referidas (ver, por
exemplo, Castán Tobeñas, Derecho civil español, comun y foral, tomo II,
vol.I, págs. 195 e segs., ou Santos Justo, Direito Privado Romano – III
(Direitos reais), págs. 109 e segs.).
[4] "Os Romanos sujeitarão" as acções "a Fórmulas impreteríveis. Esta
escrupulosa observância teve a utilidade de fixar o estado da questão,
contestar a causa em poucas palavras sem debates, ou protelações; e obrigar
os litigantes a ser exactos, e a instruir com precisão o seu direito, e
provas antes de as oferecer, e deduzir em Juízo". (…) As Fórmulas solenes
dos Romanos desterrarão-se do Foro de todas as Nações do Continente da
Europa. (…) Mas apezar desta liberdade … o Advogado, e o Juiz devem
conhecer as Fórmulas das Acções; pois que deste conhecimento resulta
saberem na Pratica, o que he essencial em cada huma para deduzir-se, e
provar-se" (Elementos da Pratica Formularia, Rocha Peniz, Tomo I, Regya
Typografia Silviana, Lisboa, 1816).
[5] Cfr., de todo o modo, a antepenúltima nota.
[6] E é "pelo pedido formulado que se determina a propriedade ou a
impropriedade do meio utilizado" (Acórdão da Relação do Porto de 14-03-96,
P. 9521271).
[7] "Hay unas acciones que son reales, las cuales tambien se llaman
vindicaciones; y otras personales que tambien se llaman condiciones (…).
Tanto las acciones reales como las personales se subdividen en civiles y
pretorias" (J. Heineccio, Elementos de Derecho Romano, trad. esp., pág.
291, Madrid, 1829).
[8] Gaio, Inst., 4.1. a 4.3.
[9] Artigo 2º do Código do Processo Civil de 1876: §1º "as acções
reais têm por objecto a restituição de coisas mobiliárias ou imobiliárias";
§2º "as acções pessoais têm por objecto o cumprimento de obrigações".
[10] Ainda houve quem (por exemplo, José Ignácio da Rocha Peniz,
Elementos da Prática Formulária ou Breves Ensaios sobre a Praxe do Foro
Portuguez escriptos no anno lectivo de 1807 para 1808, 1808, Regya
Typografia Silviana, Lisboa, 1816, pág. 17) acrescentasse a acção mista:
aquela em "que se pede o domínio por virtude do contrato".
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2004: 1. Nas
acções reais – de que é exemplo a acção de reivindicação – a causa de pedir
é o facto jurídico de que deriva o direito real (artigo 498º/4); é o título
invocado como aquisitivo da propriedade ou do direito real limitado que o
autor pretende ver reconhecido. 2. Julgada improcedente uma acção de
reivindicação de um imóvel intentada com fundamento num certo título
(compra, doação, sucessão testamentária), não fica precludida a
possibilidade de o autor intentar nova acção, desde que fundada em título
diferente. 3. Uma sentença pode servir como fundamento da excepção de caso
julgado quando o objecto da nova acção já foi, total ou parcialmente, por
aquela definido, i.e., quando o autor pretenda ver reconhecido, na nova
acção, o mesmo direito que já lhe foi negado por sentença proferida noutra
acção - identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto,
mas também através da sua causa ou fonte. 4. É que, nos termos do artigo
663º do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e
termos em que julga.
[12] Apesar da letra desta disposição identificar a causa de pedir nas
acções reais como "o facto jurídico de que deriva o direito real", isso só
pode bastar quando não estiver em litígio a titularidade respectiva, que é
justamente o que está em discussão, por exemplo, na acção de reivindicação
(artigo 1311º, Código Civil). Num caso como este, é necessário provar,
acima de tudo, a validade do referido facto jurídico, o que pode facilmente
implicar que "o facto jurídico de que deriva o direito real" seja
constituído, não por um, mas por uma sucessão de factos.
De resto, mesmo quando não é a titularidade do direito real que está
em discussão, continua a ser essa titularidade que constitui a causa de
pedir nas acções reais; a prova da mesma é que não necessita ser tão
exigente, bastando então a simples demonstração da provável existência da
titularidade em causa, avaliada por regras de normalidade. Assim, por
exemplo, aquele que intenta acção de demarcação fá-lo por ser proprietário
de certo prédio e não por o ter comprado, recebido em doação ou por
sucessão, etc.; sendo certo que, precisamente por não estar em litígio a
titularidade dessa propriedade, se pode partir do princípio que, pela
normalidade, aquele que demonstra beneficiar de uma venda ou de uma doação
é titular de um direito sobre a coisa objecto de um destes actos. Cfr.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/1995: I. Em acção real
fundada na aquisição derivada, o autor tem de alegar factos tendentes a
mostrar que adquiriu a coisa por um título e que o direito de propriedade
já existia na pessoa do transmitente. II. A simples invocação de um negócio
translativo de propriedade não basta para caracterizar a causa de pedir nas
acções reais, pelo que o autor, quando não for beneficiado por qualquer
presunção legal de propriedade, terá de invocar factos dos quais resulte a
aquisição originária por usucapião, por parte dele ou de um transmitente
anterior. III. Carecendo a petição inicial da alegação de factos destinados
a demonstrar que o direito de propriedade já existia na pessoa do
transmitente ou de que o autor tem a seu favor a usucapião, torna-se
evidente que a acção não pode proceder, devendo a petição ser liminarmente
indeferida.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/1999: I. Na acção
pessoal de restituição ex contractu a propriedade da coisa é estranha ao
processo, enquanto na acção real de reivindicação o autor prescinde da
invocação de qualquer relação obrigacional com o réu. II. A sentença
proferida nos termos do artigo 830º do C.Civil produz efeitos ex nunc, que
decorrem a partir do seu trânsito em julgado. III. Não produz efeitos
quanto ao arrendatário da coisa, terceiro na acção, para afastar a
aplicação da norma imperativa que é o artigo 1057º do C.Civil.
[14] J. Heineccio, Elementos de Derecho Romano, trad. esp., págs.
292/293.
[15] Neste sentido, Teixeira de Sousa, Sobre a exceptio dominii nas
acções possessórias e nos embargos de terceiro, ROA, ano 52, vol. I, Abril
1992, págs. 22 a 24.
[16] Em aplicação da regra dominus habetur qui possidet donec probetur
contrarium.
[17] Tanto assim, quanto a esta última, que, por exemplo, o Despacho
de 12-3-1985 (D.R., II série, de 20 de Março), permitia que a Direcção-
Geral das Florestas, para a celebração dos contratos com pessoas singulares
a realizar no âmbito do Projecto Florestal, ao abrigo do Decreto-Lei nº
291/81, de 14 de Outubro, dispensasse a exigência de prova da propriedade
dos terrenos através de certidão da matriz cadastral, aceitando em sua
substituição um atestado da junta de freguesia respectiva declarando quem
são os efectivos possuidores do terreno e indicando a natureza do título de
aquisição da posse, e, ainda, uma certidão da repartição de finanças da
área do prédio comprovando que os possuidores tinham feito a declaração a
que se referia a Portaria nº 194/84, de 3 de Abril.
[18] A afirmação segundo a qual a prova da propriedade pode ser feita
por presunção não implica obviamente que qualquer outro meio de prova seja
inadmissível (ver, por exemplo, o Acórdão do STJ de 29-4-1992 (P. 81478):
"apesar de incumbir ao autor neste tipo de acções a prova do invocado
direito de propriedade e de a aquisição derivada ser dominada pelo
princípio «nemo plus jus ad alium transferre potest quam ipse habet» deve
admitir-se que a prova do direito do autor resulte de confissão do réu
nomeadamente quando o facto ficou a constar da especificação").
[19] Aliás, ao admitir-se que a presunção derivada do registo é
superada pela presunção derivada da posse quando esta seja mais antiga
(artigo 1268º/nº1, Código Civil), como faz unanimemente a doutrina e a
jurisprudência, já se está a dizer que aquela segunda presunção é tão
valiosa como a primeira.
[20] Neste sentido veja-se, por exemplo, o Acórdão do STJ de 16-06-83
(P. 70486): "Na acção de reivindicação, cabe ao demandante a prova do
direito de propriedade, a qual terá de ser feita através de factos dos
quais resulte demonstrada a aquisição originaria do domínio, por sua parte
ou de qualquer dos antepossuidores. Quando a aquisição for derivada, como
sucede no caso da transmissão por compra e venda, tem de ser provadas as
sucessivas aquisições dos antecessores ate a aquisição originária, excepto
nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade, como a
resultante da posse ou a resultante do registo".
[21] "Possessiones, quas ad te pertinere dícis, more iudiciorum
persequere; nec enim possessori incumbit necessitas probandi, eas ad se
pertinere, quum te in probatione cessante, dominium apud eum remancat" (C.
IV, XIX, 2).
[22] Mas "a titularidade da propriedade não faz presumir a posse. Na
verdade, prevendo o artigo 1268º, nº 1, do Código Civil que o possuidor
seja presuntivamente o titular do direito respectivo, não prevê a lei igual
presunção para o titular do direito em relação à respectiva posse" (Acórdão
da Relação de Lisboa de 02-06-1999, R. 3203/99).
[23] Pois actore enim non probante, qui convenitur, etsi nihil ipse
praestiterit, obtinebit (C.II,I,4).
[24] Razão pela qual, ainda que por mera exclusão de partes a partir
do disposto nos artigos 1º e 2º do Código do Registo Predial, "as acções
possessórias não estão sujeitas a registo" (Acórdão da Relação do Porto de
17-2-1998, R. 9820033).
[25] António Secco, Manual Histórico de Direito Romano, pág. 72.
[26] António Secco, Manual Histórico de Direito Romano, pág. 75.
Confiram-se as Institutas de Gaio (4.12).
[27] António Secco, Manual Histórico de Direito Romano, pág. 76.
[28] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, Editoral Ramón Areces, Madrid, 1991, pág. 7.
[29] Por comodidade de linguagem não se identificam outros
magistrados, como os Edis ou os Proconsules, que participaram igualmente na
promulgação de Éditos.
[30] Por exemplo, um Édito do Pretor sobre coisas arrojadas ou
vertidas: Darei uma acção pelo dobro do valor do dano que se tenha causado
ou produzido contra aquele que habitar ali onde se haja arrojado ou vertido
algo num lugar pelo qual habitualmente se transita ou se está. Alegando-se
que por tal razão morreu um homem livre, darei uma acção pelo valor de
cinquenta áureos. Se sobreviver e alegar que sofreu lesões darei uma acção
pelo valor que por tal causa parecer equitativo ao juíz (D.9.3.1).
[31] António Secco, Manual Histórico de Direito Romano, pág. 100.
[32] TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion sinóptica de la historia del
Derecho Romano, CONCORDANCIA, G. Haubold, tradução de Antonio Maria
Valderrama, Madrid, 1848, Establecimiento Tipografico-Literario de D.
Nicolás de Castro Palomino y Compañia, pág. 426.
[33] "Los interdictos se usaban en los negocios urgentes que podian
producir entre las partes recursos de hecho: de este número eran los
relativos á la posesion y á la cuasi posesion" (Explicación Histórica de
las Instituciones del Emperador Justiniano, M. Ortolan, tradução espanhola
de Pérez de Anaya e Pérez Rivas, Tomo I, Madrid, Libreria de Leocadio
López, 1884, pág. 363).
[34] José Ignácio da Rocha Peniz, Elementos da Prática Formulária ou
Breves Ensaios sobre a Praxe do Foro Portuguez escriptos no anno lectivo de
1807 para 1808, pág. 16.
[35] Gaio, 4.30. Parece, no entanto, que verdadeiramente terá sido com
a lex Iulia iudiciorum privatorum (17 a.C.) que principiou a derrogação
definitiva das legis actiones e a consequente generalização do procedimento
formulário (A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, pág. 57).
[36] "As adopsões, nupsias, funeraes, testamentos, votos, juramentos,
consagrações, e especialmente a redacção dos annaes, indicação dos dias
fastos e nefastos, e ultimamente a disposição do calendário, eram tudo
matérias da sua particular superintendencia (dos pontificies)" (José
Ignácio da Rocha Peniz, Elementos da Prática Formulária ou Breves Ensaios
sobre a Praxe do Foro Portuguez escriptos no anno lectivo de 1807 para
1808, pág. 142).
[37] Petitoria autem formula haec est, qua actor intendit rem suam
esse (Gaio, Inst. 4.92). Por exemplo: Sendo juiz Tício. Se resulta que a
coisa litigiosa é propriedade civil de Aulo Agerio e não lhe é restituída
segundo o teu arbítrio, condena juiz o Numerio Negidio a pagar a Aulo
Agerio o valor da coisa.
[38] Gaio, Inst. 4.139 e 4.161 a 4.170.
[39] Gaio, Inst. 4.39.
[40] Essenciais, por isso, na medida em que pelo menos uma delas
deveria estar presente para a redacção da fórmula (A. Fernández Barreiro –
Javier Paricio, Fundamentos de Derecho Patrimonial Romano, pág. 103).
[41] Para uma descrição da sequência processual da generalidade dos
interditos veja-se Arnaldo Biscardi, La tutela interdittale ed il relativo
processo, Rivista di Diritto Romano,
http://www.ledonline.it/rivistadirittoromano, págs. 27 a 31.
[42] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, pág. 56.
[43] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, págs. 61/62.
[44] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, pág. 83.
[45] De todo o modo, encontra-se aqui o embrião dos princípios da
instância e do contraditório que caracterizam o moderno direito processual
civil.
[46] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, pág. 99.
[47] Por exemplo: Iudex Numerium Negidium Aulo Agerio sestercium X
milia condemna; Si non paret, absolve (Juiz condena Numerium Negidium a
pagar cem mil sestércios a Aulo Agerio; se não parecer que Numerium
Negidium deve pagar, absolve – Gaio 4.43).
[48] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, pág. 125.
[49] A. Fernández Barreiro – Javier Paricio, Fundamentos de Derecho
Patrimonial Romano, págs. 103 a 106.
[50] Extra ordinem na medida em que inicialmente concorria com o
procedimento formulário.
[51] George Mousourakis, The Historical and Institutional context of
Roman Law, Ashgate Publishing, Laws of Nations Series, Auckland, 2003,
págs. 367 a 371; Ignazio Buti, La cognitio extra ordinem da Augusto a
Diocleziano, in Aufstieg und Niedergang der Römischen Welt, Hildegard
Temporini/Wolfgang Haase/Joseph Vogt, de Gruyter, 1982, págs. 34 a 42.
[52] J. Heineccio, Elementos de Derecho Romano, trad. esp., pág. 330.
[53] "Cualquiera persona á quien en virtud de mi edicto se haya
conferido la posesion de los bienes, tiene derecho á la restitucion de los
que otro le detenga en concepto de heredero ó de simple poseedor, ó los
haya abandonado con dolo, con tal que no hayan llegado á prescribirse"
(TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion sinóptica de la historia del Derecho
Romano, SENTENCIAS DEL EDICTO PRETORIO e EDILICIO, G. Haubold, tradução de
Antonio Maria Valderrama, Fragmento 55, Madrid, 1848, Establecimiento
Tipografico-Literario de D. Nicolás de Castro Palomino y Compañia, pág.
399).
[54] Como adiante se destacará, força não constituia necessariamente
sinónimo de violência.
[55] "Defenderé la posesion que se tenga en un edificio ó en el suelo,
siempre que no adolezca de violencia, ocultacion ó precario. Respecto de
las cloacas no tendrá lugar este interdicto, ni otra accion que la de
perjuicios dentro de un año útil" (TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion
sinóptica de la historia del Derecho Romano, SENTENCIAS DEL EDICTO PRETORIO
e EDILICIO, G. Haubold, tradução de Antonio Maria Valderrama, Fragmento 73,
pág. 401).
[56] Analogamente existia o interdito de danno infecto (ou de obra
ruinosa, como às vezes se diz) destinado a reagir contra a probabilidade de
derrocada ou desmoronamento de construção alheia capaz de causar danos a
quem demandava. Sucede que, no Direito Romano, a pessoa ameaçada obtinha
antes de mais, através de tal interdito, a cautio damni infecti, pelo que,
sendo esta prestada, não se produziam consequências possessórias ("tendrá
lugar la promesa y fianza de responder del daño aun no causado, en
cualquier tiempo que jure el que le teme que no la pide maliciosamente, ni
tampoco la persona en cuyo nombre gestiona, hasta el dia que se fijará con
conocimiento de causa. (…). No dando caucion, mandaré poner en posesion, y,
llegado el caso, poseerá en efecto el actor. Pero si el requerido se
resistiese á dar caucion, ó á permitir la mision y la posesion, será
condenado en lo mismo que deberia pagar, si hubiera afianzado en virtud de
un decreto mio ó del juez competente. Y si aun habiendo encomendado la
posesion al actor, no quiere afianzar el demandado, acordaré que ambos
posean juntamente" – TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion sinóptica de la
historia del Derecho Romano, SENTENCIAS DEL EDICTO PRETORIO e EDILICIO, G.
Haubold, tradução de Antonio Maria Valderrama, Fragmento 39, pág. 96).
[57] Assim, por exemplo e no rigor dos termos, no interdito chamado
unde vi haveria verdadeiramente um decreto, e só no uti possidetis ou no
utrubi existiria um interdito em sentido estrito.
[58] Os interditos "se dividían en cuatro clases. 1.° Interdictos para
adquirir la posesion que todavía no se había alcanzado (adipiscenciae
possessionis causa). 2.° Para conservar la posesion que se tenia y que
alguno nos disputaba (retinendae possessionis). 3.º Para hacerse restituir
la posesion que nos habia sido arrebatada (recuperandae possessionis) ; y
4.°, en fin, interdictos dobles, tanto para adquirir, cuanto para recobrar
la posesion" (Explicación Histórica de las Instituciones del Emperador
Justiniano, M. Ortolan, pág. 363).
[59] Havia também o interdito sectorium para aquele que tivesse
adquirido bens em hasta pública (Gaio, Inst. 146).
[60] Quod vi aut clam factum est, qua de re agitur, id cum experiendi
potestas est, restituas (Ulpianus 71 ad Ed.; Dig. 43.24.1pr.).
[61] Este era aquele através do qual se proibia a utilização de
violência para impedir o proprietário de bolota caída em terreno alheio de
a recolher em dias alternados (D.43.28.1pr.). "El dueño del fruto caido
dentro del campo vecino, tiene tres dias para recogerlo , en los cuales no
es dado ponerle impedimento" (TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion sinóptica
de la historia del Derecho Romano, SENTENCIAS DEL EDICTO PRETORIO e
EDILICIO, G. Haubold, tradução de Antonio Maria Valderrama, Fragmento 92,
pág. 403).
[62] Servia para obter a restituição da coisa que estivesse em poder
do demandado a título de precarista ou que este tivesse dolosamente deixado
de ter em seu poder (D.43.26.2pr.). O precarium era o empréstimo ou
concessão livremente revogável. O precarista tinha a coisa em seu poder
exclusivamente por tolerância do seu possuidor, como se diria hoje [artigo
1253º/b), Código Civil], uma vez que a respectiva entrega se fundava numa
prece (dirigida a este último). Por isso, "se restituirá inmediatamente á
su dueño lo que otro tenga en precario, ó haya dejado de tener com dolo"
(TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion sinóptica de la historia del Derecho
Romano, SENTENCIAS DEL EDICTO PRETORIO e EDILICIO, G. Haubold, tradução de
Antonio Maria Valderrama, Fragmento 89, pág. 403).
É de assinalar, todavia, que para Rudolf von Jhering, o interdito de
precario não tinha natureza possessória (Über den Grund des
Besitzesschutzes, tradução portuguesa de José González, Universidade
Lusíada Editora, Lisboa, 2007, págs. 85 a 87).
[63] Este utilizava-se para obter a restituição de um lugar ao seu
estado originário quando se tivesse construído antes da denúncia de obra
nova ter expirado ou de ter sido remitida (D.39.1.20pr.).
[64] Para ordenar que se exibam as tábuas correspondentes ao
testamento (de Lucio Ticio) se estão em poder do demandado ou se este
actuou dolosamente para deixar de as ter (D.43.5.1pr.). "Tienes obligacion
de exhibir las tablas del testamento que Lucio Ticio asegura haber dejado
en tu poder, si efectivamente las posees ó has cesado maliciosamente de
poseerlas. En este decreto se comprende tambien el libelo ú. otro cualquier
documento" (TABLAS CRONOLOGICAS ó Ilustracion sinóptica de la historia del
Derecho Romano, SENTENCIAS DEL EDICTO PRETORIO e EDILICIO, G. Haubold,
tradução de Antonio Maria Valderrama, Fragmento 56, pág. 99).
[65] Destinado a mandar exibir a pessoa livre que o demandado
retivesse dolosamente (D.43.29.1pr).
[66] Também conhecido como Lex Visigothorum, Código de Recesvindo,
Livro dos Juízos, Liber Iudicum, Liber Gothorum, Fori Iudicum, Forum
Iudicum ou Forum Iudiciorum.
[67] Que é, na verdade, uma tradução e adaptação do Código Visigótico
para vigorar em Castela, operada por ordem do Rei Fernando III.
[68] Ou seja, para além dos respectivos marcos.
[69] Fuero Juzgo en Latin y Castellano, Real Academia Española, Ibarra
– Impresor de Cámara de S.M., 1815, págs. 170/171.
[70] Nas Ordenações Afonsinas existem, em rigor, duas Leis sobre este
assunto: uma de D. Afonso III e outra, sim, de D. Dinis, embora esta
indubitavelmente mais extensa e minuciosa.
[71] Nesta sequência o Alvará de 9 de Novembro de 1754 "determina que
por morte do fallecido a posse dos seus bens passe logo, a quem pertencer".
[72] Manoel d'Almeida e Souza (de Lobão), Tractado encyclopedico,
compendiario, pratico, systematico, dos interdictos possessorios, geraes e
especiaes, Lisboa, Impressão Regya, 1829, págs. 16/17.
[73] Daí a justificação para o aparecimento da antiga e venerável
expressão "posse de ano e dia" como sinónimo de posse mais valiosa.
[74] "Nesta figura peculiar, que escapa ao perfil das providências
cautelares, apesar de se misturar com elas, e cuja origem data do direito
romano, a definição do conceito de violência tem suscitado ao longo dos
tempos, repetidas dificuldades e constantes controvérsias, nomeadamente a
questão de saber se essa violência, também abrange os actos sobre coisas
(…).
À criação e permanência desta figura, de rápida intervenção, no elenco
dos meios de defesa duma situação possessória, preside uma ideia de
desencorajamento de acções violentas, pela forte ameaça que elas
representam ao valor da liberdade de determinação do homem.
Sendo este procedimento um meio de defesa da posse deve atender-se ao
conceito de violência consagrado na lei, para efeitos de caracterização da
aquisição da posse, actualmente constante do artº 1261º, nº 2, do C.C.:
«Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou
de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art.º 255º».
Quer a coacção física, quer a coacção moral (art.º 255º, nº 1, do
C.C.), exigem uma acção física ou psicológica sobre o declarante que, ao
constrangê-lo, lhe retira a capacidade para se determinar livremente.
No caso de esbulho, para que o mesmo seja considerado violento, deve
ser levado a cabo através duma acção que, constrangendo o esbulhado, o
coloque numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de
desapossamento, permitindo-o. Assim, se essa acção recair sobre coisas e
não directamente sobre pessoas, a mesma só poderá ser considerada violenta
se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois só
assim estará em causa a liberdade de determinação humana" (Acórdão da
Relação do Porto de 16/10/2006, P. 0655160). Na verdade, se a posse, para
ser violenta, pressupõe que a sua aquisição se tenha fundado no exercício
de alguma espécie de coacção (absoluta ou relativa), a utilização de força
sobre uma coisa não a pode caracterizar como violenta dado que, exceptuando
as pessoas, nada mais é susceptível de coacção pois nada mais há que tenha
uma vontade juridicamente atendível.
[75] Artigo 381º/n.º 1 do Código do Processo Civil: "sempre que alguém
mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente
reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou
antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito
ameaçado".
[76] Fundamento que se mantém qualquer que seja a fase do processo em
que os litigantes se encontrem. Daí que pelo Acórdão Uniformizador n.º
9/2009 o Supremo Tribunal de Justiça tenha estabelecido que "os
procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de
recurso".
[77] "O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um
estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício
de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de
sanções processuais".
[78] Ainda que "se a providência for considerada injustificada ou vier
a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos
culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência
normal" e "sempre que o julgue conveniente em face das circunstâncias, pode
o juiz, mesmo sem audiência do requerido, tornar a concessão da providência
dependente da prestação de caução adequada pelo requerente"
(respectivamente, n.º1 e n.º2 do artigo 390º do Código de Processo Civil).
[79] Acórdão da Relação do Porto de 30/10/2007, Proc. nº 0725016.
[80] Salvo os casos de violência excepcionalmente lícita (como os
integráveis na acção directa ou na legítima defesa).
[81] Os sucessores aqui em causa apenas podem ser os herdeiros, na
medida em que os legatários são (simples) credores da herança (artigo
2265º/nº1, Código Civil) pelo que, portanto, adquirem posse não por
continuação mas por algum dos modos enumerados no artigo 1263º do Código
Civil (Oliveira Ascensão, Direito Civil – Sucessões, Coimbra Editora,
Coimbra, pág. 387).
Há quem distinga, para aplicar o disposto no artigo 1255º do Código
Civil, entre posse jurídica e posse material (v.g., Carvalho Fernandes,
Lições de Direito das Sucessões, Quid Juris, Lisboa, 1999, págs. 263/264),
afirmando que apenas a primeira está em causa para o referido efeito, pelo
que, portanto, a citada disposição nada prova no que toca à pretensa
diferente natureza e fundamento de aquisição do herdeiro e do legatário.
Mas o que está em consideração quando se trata de dar relevância jurídica à
posse é sempre a posse dita civil. O senhorio material sobre uma coisa é um
circunstancialismo natural mas não essencial para se afirmar a existência
de posse, uma vez que ele não determina a subsistência nem, às vezes, a
própria obtenção de posse, como se pode comprovar, por exemplo, a partir do
facto desta se poder exercer através de outrem [artigo 1253º/b)], de
prosseguir enquanto for possível exercê-la (artigo 1257º) ou de se poder
adquirir por constituto possessório [artigos 1263º/c) e 1265º].
[82] "Celui qui agit au fond n'est plus recevable à agir au
possessoire" (artigo 1266) e "le défendeur au possessoire ne peut agir au
fond qu'après avoir mis fin au trouble" (artigo 1267).
[83] Arnaldo Biscardi, La tutela interdittale ed il relativo processo,
Rivista di Diritto Romano, http://www.ledonline.it/rivistadirittoromano,
pág. 18.
[84] Über den Grund des Besitzesschutzes, tradução portuguesa, pág.
62.
[85] Dando seguimento à regra de Direito romano segundo a qual "el
posesorio se opone al petitorio, pero no se puede establecer sino despues
de concluido aquél, l.18.§1.De vi, cap. Significaverunt 36.X. de test.et
attesttat." (J. Heineccio, Elementos de Derecho Romano, trad. esp., pág.
333).
[86] Na jurisprudência dizia-se, todavia, que: "I - Nas acções
possessórias não é normalmente admissível a reconvenção a pedir
indemnização ou reconhecimento do direito de propriedade, sendo-o, porém,
quando por esse meio se pretender a restituição ou a manutenção da posse do
Réu que alegue ter sido turbado ou esbulhado dessa posse" (Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 03/06/1992, Proc. nº 082266).
[87] Estes conceitos não são fáceis (especialmente os dois últimos),
mas de qualquer maneira confronte-se a respectiva definição, por exemplo,
em Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. I, tomo I,
Almedina, Coimbra, 1999, págs. 136 e 137, para ver que nada têm em comum
com a posse.
[88] As fontes das obrigações, na conhecidíssima partição que surge
nas Institutiones (3, 13, 2), são: sequens divisio in quattuor species
diducitur: aut enim ex contractu sunt aut quasi ex contractu, aut ex
malefício aut quasi ex malefício.
De acordo com o disposto no artigo 1383 do Código Civil Francês, o
quase-delito ocasiona responsabilidade na medida em que "chacun est
responsable du dommage qu'il a causé non seulement par son fait, mais
encore par sa négligence ou par son imprudence".
[89] Jhering, Über den Grund des Besitzesschutzes, tradução
portuguesa, pág. 65.
[90] Recorde-se, mesmo assim, a consequência que se estabelecia nas
nossas Ordenações contra aqueles que "forçozamente filham posse da cousa,
que outrem possue".
[91] Há quem deduza o carácter relativo da posse a partir do que
resulta do artigo 1281º/nº2/in fine (artigo 1169, Código Civil italiano)
(Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, pág. 130/131). Contudo, crê-se
que esta disposição apenas restringe o âmbito da oponibilidade, sem a
negar. Aliás, o argumento invocado também prova excessivamente: a ser como
se diz, tão-pouco a propriedade seria direito real, na justa medida em que
ela não vale contra terceiro que esteja nas condições do artigo 291º do
Código Civil. E dizendo-se, como parece mais acertado, que verificada a
hipótese descrita nesta última disposição, a protecção do referido terceiro
(registal) implica afirmar a perda do direito daquele contra quem se
produzem as consequências de tal protecção, o mesmo se deve dizer na
hipótese do artigo 1281º/nº2: se o terceiro adquirente da posse estiver de
boa fé, isso acarreta a perda da posse daquele que anteriormente tinha sido
esbulhado.
[92] Über den Grund des Besitzesschutzes, tradução portuguesa, pág.
62.
[93] Jhering, Über den Grund des Besitzesschutzes, tradução
portuguesa, pág. 62.
[94] A construção jurídica da posse faz-se com base numa noção pré-
jurídica da mesma – pelo que, assim, há posse sempre que o senhorio de
facto sobre uma coisa como tal seja qualificável pela "consciência comum"
(Wolff – Raiser, Sachenrecht, trad.esp., vol. I, págs. 42 a 44).
[95] "O mesmo se diga, mutatis mutandis, na relação jurídica que se
estabelece entre o titular do direito real e a coisa seu objecto.
Na verdade, também não é certo que a coisa, no seu sentido técnico-
jurídico, seja uma realidade exclusivamente fáctica. Nem mesmo considerando
que o conceito de coisa é natural ou social e, portanto, pré-jurídico e
extrajurídico. É que, caso contrário, mais valeria abdicar do referido
conceito, dado que, do ponto de vista social, o termo coisa tem um alcance
tão amplo (na sequência, aliás, da própria amplitude que o termo res sempre
teve na tradição cultural romana) que se torna praticamente indefinível.
Aliás, se a noção de coisa não derivasse de uma determinada valoração
normativa, nem faria sentido proceder-se ao habitual elenco doutrinário das
características que uma realidade deve revestir para poder ser havida como
coisa em sentido jurídico. Bastaria importar o conceito tal e qual como ele
nos é natural ou socialmente imposto (supondo que isso seria possível).
Esta última consideração conduz ao essencial da questão. Parece hoje
indiscutível que o conceito de coisa se constrói sobre uma ideia da mesma
anterior a qualquer elaboração científica. Por outras palavras, as coisas
são dados pré-jurídicos.
No entanto, isso só quer dizer que o Direito não pode contrariar a
natureza das coisas, ou seja, para este efeito, a realidade que o antecede
tal como ela é.
Já não quer dizer que o Direito não possa precisar os critérios da
coisificação. Embora também não queira dizer que o Direito possa
ultrapassar considerações de interesse social, não havendo como coisa algo
que socialmente o é" (José González, Direitos Reais e Direito Registal
Imobiliário, pág. 77).
[96] "No amplo sentido que lhe pode ser atribuído, serão coisas
incorpóreas, os direitos subjectivos, as universalidades de direitos, as
criações intelectuais, as próprias prestações, etc.
Na verdade, dada a sua indefinição:
- para alguns, o conceito de coisa incorpórea acaba por se confundir
com o próprio conceito de objecto da relação jurídica;
- para outros, serve sobretudo para integrar aquelas situações em que
uma realidade não corpórea é objecto de um direito subjectivo através do
qual se procede à atribuição de um bem em termos estruturalmente idênticos
à dos direitos sobre coisas corpóreas.
Assim, por um lado, o conceito de coisa incorpórea revela-se
extraordinariamente impreciso. Imprecisão essa que sem dúvida decorre do
próprio conceito de imaterialidade.
Igualmente, por outro lado, e no que aos direitos reais concerne, há
determinados aspectos do regime de certos direitos, incluindo o de
propriedade (acessão, usucapião, ocupação, etc.), assim como há
determinados direitos reais (servidão predial, propriedade horizontal,
superfície, etc.), inconcebíveis em relação às ditas coisas incorpóreas.
Acresce que é a própria lei, através do disposto nos artigos
1302º/1303º que, na prática, retira toda a relevância, em termos de fixação
de regime, à referida qualificação.
Afigura-se por isso, que, em rigor, o conceito de coisa se deve
restringir às coisas corpóreas. Não só por apenas em relação a estas se
poder pensar num regime jurídico uniforme, como, acima de tudo, por a
qualificação desta ou daquela realidade como coisa incorpórea, ser
perfeitamente arbitrária (já que o conceito corrente é, no mínimo, vago).
Na realidade, o conceito de coisa incorpórea acaba por funcionar como um
resíduo face ao de coisa corpórea.
De resto, para os casos paradigmáticos de coisas incorpóreas – as
criações intelectuais – a sua inserção no conceito de coisa representa uma
construção quase grosseira. É que, se é possível dizer-se que a criação
intelectual pertence ao seu autor, e se é suposto encontrar alguma
semelhança entre a forma dessa pertença e outras historicamente objecto de
maior concretização, é com a paternidade/maternidade e não com a
propriedade que essa semelhança deve ser buscada. Na verdade, a criação
intelectual pertence ao respectivo autor, não propriamente no sentido de
que é dele, mas, acima de tudo, no sentido de que é obra sua". Ou seja, o
autor de obra intelectual é mais o pai/mãe da mesma do que seu proprietário
(José González, Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário, pág. 126).
[97] Quer dizer: o facto de a todo o direito corresponder uma acção
(artigo 1º do Código do Processo Civil) não acarreta automaticamente que
toda a acção se destine à defesa de um direito.
[98] "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário,
corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo".
[99] Ainda que, no que toca à delimitação da causa de pedir na acção
de restituição, este aresto tenha ido largamente para além do razoável. Na
realidade, não é necessário provar como é que se adquiriu a posse – basta
provar que se tem a posse.
[100] Confiram-se os exemplos mais do que habituais: artigos
1125º/nº2, 1133º/nº2, 1188º/nº2, etc., do Código Civil.
[101] Caso paradigmático do que se afirma é o que ocorre em relação ao
locatário por causa do que se estabelece no artigo 1037º/n.º 2 do Código
Civil: "I – Nas acções possessórias permitidas ao arrendatário nos termos
do artigo 1037º, nº 2, do Código Civil a causa de pedir é a relação
jurídica dessa detenção" (Acórdão da Relação de Évora de 29/07/1987, R.
662/86). Embora não falte jurisprudência, certamente induzida pela letra
algo contraditória da referida disposição legal, a sustentar que "O
locatário não pode socorrer-se da acção possessória de prevenção, mas tão-
só das acções de manutenção e restituição de posse" (Acórdão da Relação de
Lisboa de 16/10/1990, R. 3253), razão pela qual "I – Um arrendatário que
nunca entrou na posse do local arrendado não pode propor acção possessória
contra o detentor do locado. II – Estando o inquilino do anterior
arrendamento na posse do locado, não pode o novo arrendatário do mesmo
andar accionar validamente o anterior que nunca largou posse do «locado»"
(Acórdão da Relação de Évora de 07/04/1988, R. 419/87).
[102] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/1993, Proc. n.º
083127: "I - Não obstante o locatário não ser possuidor da coisa arrendada,
pode lançar mão das acções possessórias, mesmo contra o locador, por a
tutela possessória lhe ser expressamente outorgada, por motivos de
equidade, pelo artigo 1037 do Código Civil. III - Consistindo o esbulho,
para efeitos de procedência da acção de restituição de posse prevista no
artigo 1278 do Código Civil, na circunstância de o possuidor (ou detentor,
no caso de locação) ficar privado do exercício ou da possibilidade de
exercício dos poderes correspondentes à sua posse (ou detenção), verifica-
se esse esbulho quando o proprietário de uma parcela de terreno rústico
anteriormente arrendada envia para ela homens que para si trabalham e que
aí procedem ao amanho da terra para a cultura do arroz, cultura essa até
então fruida pelo arrendatário".
[103] "II – Com a profunda alteração introduzida no nosso ordenamento
jurídico pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 e Decreto-Lei nº 180/96, de 95-12-12
e de 96-09-25, respectivamente, aquele instituto jurídico não só passou a
constituir, antes, um incidente da instância, com tratamento legislativo em
sede própria (Livro III, Subsecção III, Secção III, Capítulo III, Título I,
do Livro III, do Código de Processo Civil), como passou a abranger, para
além das situações de posse, a defesa de qualquer outro direito
incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular
um terceiro – cfr. artigo 351º, nº 1, do C.P.C. e artigo 237º, nº 1, do
C.P.P.T." (Acórdão do S.T.A. de 31/10/2001, R. 26 282).
[104] Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, págs. 158/159.
[105] Acórdão da Relação de Évora de 29/07/1987 (R. 662/86): "II – A
concessão aos arrendatários dos meios possessórios previstos naquele artigo
não os impede de utilizar o processo comum para defesa dos direitos
resultantes do arrendamento, designadamente no caso de caducidade da acção
possessória. III – O recurso às acções possessórias está vedado ao
inquilino que não tenha chegado a entrar na detenção e gozo da coisa".
[106] Rudolf von Jhering, Über den Grund des Besitzesschutzes, págs.
72 a 81, 85 a 108 e 135 a 142.
[107] "Nas acções destinadas à defesa da posse, se o réu apenas tiver
invocado a titularidade do direito de propriedade, sem impugnar a posse do
autor, e não puder apreciar-se logo aquela questão, o juiz ordena a
imediata manutenção ou restituição da posse, sem prejuízo do que venha a
decidir-se a final quanto à questão da titularidade do direito".
[108] Uma vez que o objecto de qualquer acção – ou seja, o quid que
vai ser matéria de apreciação pelo tribunal – não pode estar formado, na
melhor das hipóteses, antes de finda a fase dos articulados.
[109] Sendo certo que se tinha "por impugnado o direito de propriedade
invocado pelo réu quando o autor, na petição inicial", já tivesse "alegado
o seu domínio como causa da posse que pela acção" pretendia fazer valer"
(artigo 1035º/nº2).
[110] Se o autor impugna a pretensão de domínio deduzida pelo réu e
este contesta a posse daquele, a acção pertence igualmente ao âmbito
petitório porque o que está em causa, acima de tudo, é o "direito de
fundo".
[111] Ver, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-
04-88, Proc. nº 075940: "II - A lei protege a posse apenas por presumir
que, por detrás dela, existe, na titularidade do possuidor, o direito real
correspondente (cfr. artigo 1268 n. 1 do citado Código). III - Tendo-se
apurado, no procedimento cautelar de restituição provisória de posse, o
direito de propriedade das requeridas, através de actos administrativos
definitivos e executórios (não anulados nem com a eficácia suspensa), a
protecção conferida ao possuidor já não tem razão de ser por se tratar de
uma tutela provisória".
[112] O que não exclui a existência de numerosas dificuldades práticas
na definição do âmbito de aplicação de uma e de outra acção (ver, por
exemplo, o Acórdão da Relação Lisboa de 17-1-1991, R. 1942: "I – É de
turbação da posse e não de restituição desta a acção em que se pede a
condenação dos réus a reporem uma situação anterior e a eliminarem obras
por elas feitas que dificultam, mas não impedem, o exercício do direito
invocado pelos autores").
[113] Como é óbvio, o esbulho não priva a posse. Caso contrário, o
esbulhado não teria legitimidade para intentar a acção possessória de
restituição!
[114] Se assim não se entender, será necessário admitir o contra-senso
de que, mesmo após caducado o prazo para intentar a acção de restituição, o
esbulhado mantém a sua posse (uma vez que se o esbulho se puder verificar,
supondo já que isso é possível, mesmo quando o esbulhador não constitua a
seu favor um domínio de facto incompatível com o do esbulhado, não há uma
"nova posse de outrem", e, portanto, não se verifica a hipótese prevista
pelo artigo 1267º/nº1/d)).
[115] Como se disse, no artigo 1279º do Código Civil está prevista uma
providência cautelar específica para reagir contra o esbulho violento. Mas,
como é evidente, "I – A instauração de procedimento cautelar de restituição
provisória de posse não serve para interromper ou suspender o prazo de
caducidade previsto no artigo 1282º do Código Civil para a acção de
restituição de posse. II – Só a propositura da acção de restituição de
posse tem a virtualidade de impedir que opere a caducidade" (Acórdão da
Relação de Évora de 26-10-2000, R. 1116/00).
[116] Daí que o embargo de terceiro seja uma modalidade dos incidentes
relativos à intervenção de terceiros.
[117] Acórdão da Relação de Lisboa de 18-4-1991 (R. 2734): "I – As
acções possessórias propriamente ditas pressupõem um litígio entre
entidades privadas; enquanto os embargos do terceiros são o meio de defesa
da possa contra actos judiciais".
[118] Ver, por exemplo, Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol.
I, págs. 460 a 462.
[119] José González, Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário,
pág. 94.
[120] Acórdão da Relação de Lisboa de 6-4-2000 (R. 1692/2000): "O
empreiteiro, seja qual for a modalidade de empreitada, tem direito de
retenção sobre a obra (total ou parcialmente realizada), para garantia do
pagamento das despesas que realizou com a execução da mesma, e pode usar
das acções possessórias para defesa da respectiva posse".
[121] A expressão utilizada – poder ou não "ser objecto de direitos
privados" – não veicula claramente a ideia subjacente. Como resulta, por
exemplo, do artigo 823/1 do Código Civil italiano, sobre as coisas do
domínio público podem incidir certos "direitos privados", reais ou não (ver
G. Canotilho – V. Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada,
pág. 414, nota XI). O que se deve entender é que a coisa fora do comércio é
aquela em que os direitos que sobre a mesma incidam estão fora do "comércio
jurídico privado" (cfr. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação
jurídica, vol. I, pág. 277).
[122] "I – Os caminhos públicos, ou seja, afectados ao uso público
geral, estão fora do comércio jurídico, sendo por isso insusceptíveis de
posse. II – Não sendo passíveis de domínio privado ou de apropriação, antes
de desafectados, não podem ser objecto de acções possessórias ou da
respectiva providência cautelar de restituição da posse" (Acórdão da
Relação de Coimbra de 9-3-1999, R. 1940/98).
[123] O domínio público em si está fora do âmbito dos direitos reais,
embora apresente semelhanças profundas com a propriedade privada (daí,
aliás, o disposto no artigo 1304º). Ao contrário do Código Civil italiano
(artigos 822 e segs.), o nosso Código não estabelece o regime jurídico
básico do domínio público, o que tem colocado a matéria quase
exclusivamente no campo constitucional-administrativo.
[124] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II,
pág. 870.
[125] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II,
págs. 913 a 921.
[126] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II,
págs. 924 a 927.
[127] José González, Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário,
pág. 128.
[128] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/1937, Proc. nº
049140: "Os túmulos construídos em cemitérios municipais ou paroquiais são
susceptíveis de posse, a qual os concessionários e seus sucessores podem
defender pelos respectivos meios".
[129] Ao réu resta sempre a possibilidade de, contestando, convencer o
autor "na questão da titularidade do direito" (artigo 1278º/n.º1, Código
Civil).
[130] Não pode assim acompanhar-se o que se diz no Acórdão do STJ de
04/12/2007 (Proc. 07A4070) segundo o qual "em regra, o promitente-comprador
que obteve a traditio, apenas frui um direito de gozo, autorizado pelo
promitente-vendedor e por tolerância deste – é, nesta perspectiva, um
detentor precário – art. 1253º do Código Civil – já que não age com animus
possidendi, mas apenas com o corpus possessório (relação material)". De
facto, a existência de um direito, ainda que de natureza pessoal, é
incompatível com a simples tolerância que nem uma simples expectativa
confere.
[131] Conferir neste sentido, por exemplo, o Acórdão do STJ de
27/04/2004 (Proc. n.º 041037): I- O instituto jurídico da posse não se
confunde com a ocupação material da coisa. II- O promitente-adquirente,
ainda quando utilizador da coisa prometida transmitir é um detentor (em
nome alheio, através dele prossegue a posse do promitente alienante) e não
um possuidor (formal ou causal). III- Não sendo a traditio realizada em
consequência de um acto de alienação do direito de propriedade e sim de um
acto destinado a proporcionar o direito pessoal do gozo da coisa (salvo
prova de situação excepcional por parte do promitente-adquirente; estes
direitos envolvem, no que se assemelham aos direitos reais de gozo sem,
todavia, o serem, sempre um poder de uso, de fruição ou de utilização da
coisa, de conteúdo variável consoante a natureza do direito), tendo em
vista a sua futura alienação, não se pode concluir pelo animus
correspondente a um direito real nem concluir pela inversão do título. IV-
Os poderes que exerce sobre a coisa, que sabe ainda não ter adquirido,
correspondem ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o
promitente-alienante – uma pessoa pode gozar directamente de poderes
imediatos (de detenção, de uso ou de fruição) sobre a coisa,
independentemente de ser titular de um direito real, mas no exercício de um
simples direito pessoal de gozo.
[132] Neste entendimento, a faculdade de recurso às acções
possessórias (artigos 1276º a 1286º do Código Civil) é genericamente
atribuída aos titulares de direitos pessoais de gozo por analogia com o
disposto nos artigos 1125º, n.º 2, 1133º, n.º 2, 1188º, n.º 2 (na hipótese
do artigo 1189º, a contrario) (cfr., por exemplo, Henrique Mesquita,
Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 51, nota). Cfr., por exemplo, o Acórdão
da Rel. de Lisboa de 13/02/1997 (Col. de Jur., 1997, 1, 126): Ao
comodatário, enquanto se mantiver vigente o contrato de comodato, por não
demonstrada a obrigação de restituição da coisa ou verificada a resolução
do mesmo, assiste o direito de mesmo contra o próprio comodante fazer uso
dos meios facultados ao possuidor, incluindo a restituição provisória de
posse, sempre que for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício
deles.
[133] Por isso é perfeitamente justificável que o locatário só possa
recorrer às acções possessórias (artigo 1037º, n.º 2, do Código Civil) se
já tiver entrado no gozo da coisa locada (Henrique Mesquita, Obrigações
Reais e Ónus Reais).
[134] O que não inviabiliza alguma maleabilidade na determinação do
campo de aplicação do disposto no artigo 1251º do Código Civil dado que a
etiqueta "direito real" fica também, por seu turno, dependente do critério
que se utilize para identificar direitos dessa natureza (sendo certo que a
lei não impõe critério algum, apenas pressupõe certas marcas
identificadoras típicas dadas pela História jurídica).
[135] Está em causa, sobretudo, a posse formal, ou seja, aquela que
surge dissociada de um direito que a justifique (o "direito de fundo"). Por
isso, a questão de saber, por exemplo, se o contrato-promessa celebrado por
apenas um dos cônjuges como promitente-vendedor confere posse ao promitente-
comprador a quem a coisa objecto do contrato-prometido foi entregue não se
resolve pela afirmação de que "é válido o contrato promessa celebrado pelo
cônjuge marido, sem autorização da mulher, relativamente a um bem imóvel
comum do casal, produzindo efeitos obrigacionais entre as partes
subscritoras da promessa" mas "esse contrato não produz efeitos reais,
nomeadamente translativos da propriedade ou da posse a favor do promitente-
comprador" (Acórdão do STJ de 13/01/2005, Proc. n.º 04B3339). É
precisamente no pressuposto de o "direito de fundo" não ter sido adquirido
que, quase sempre, se ergue o problema da qualificação da situação
possessória subjacente. E não é a não produção do efeito aquisitivo que
impede a atribuição de posse ao pretenso adquirente do "direito de fundo".
[136] Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, pág. 85.
[137] Um exemplo marcadamente característico: I – Celebrado contrato-
promessa de compra e venda sobre prédios rústicos em 11 de Abril de 1977,
tendo havido tradição dos prédios para os promitentes-compradores, havendo
estes pago a totalidade do preço e estando desde aquela data a cultivar os
terrenos de modo pacífico, sem interrupção e sem queixas até 1 de Abril de
1996, os promitentes-compradores adquiriram por usucapião os prédios em
causa. II – A tradição da coisa na sequência e em razão do contrato-
promessa de compra e venda confere a posse e não mera detenção em nome do
promitente-vendedor, quando circunstâncias especiais a revelem, como é o
caso se, paga a totalidade do preço, a coisa é entregue aos promitentes-
compradores como se fosse sua e neste estado de espírito eles praticam
diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de
propriedade (Acórdão do STJ de 14/03/2000, BMJ – 2000, n.º 495, págs. 310-
316). Razão pela qual, a contrario: I – Não se exercendo o poder de facto
sobre a totalidade de um prédio, não pode reclamar-se a respectiva posse,
carecendo de fundamento a pretensão de aquisição, por usucapião, do direito
de propriedade sobre a totalidade do mesmo. II – Verificando-se a
precariedade da estrutura de aproveitamento — instalação de um pavilhão de
madeira desmontável destinado a serviço de restaurante — é a mesma
incompatível com a actuação uti dominus; a precariedade da estrutura e da
respectiva utilização não é, por via de regra, socialmente conforme com a
titularidade do direito (Acórdão da Relação de Évora de 06/04/2000, BMJ n.º
496, 2000, pág. 320).
[138] O que importa, sublinha-se, é que os actos em causa tenham
intensidade suficiente para permitir firmar a presunção de existência de
animus possidendi. Por exemplo, celebrado contrato-promessa de compra e
venda de um imóvel e passando o promitente-comprador, nesta qualidade e na
previsão da futura outorga da compra e venda prometida, a conduzir-se como
se o imóvel fosse seu, os actos possessórios são praticados com o animus de
exercer o direito de propriedade em seu próprio nome e interesse, e não no
do promitente-vendedor, sendo a sua posse lícita e legítima e, por isso
mesmo, susceptível de fundar a aquisição por usucapião, desde que concorram
os demais requisitos que a esta conduzem (Acórdão da Relação de Évora de
13/05/1999, BMJ n.º 487, 1999, pág. 376).
[139] Menezes Cordeiro, A Posse – perspectivas dogmáticas actuais,
Coimbra, Almedina.
[140] Não necessariamente direito subjectivo. Pode tratar-se, por
exemplo, de direito-dever ou poder funcional. Justamente um caso típico
deste género é constituído pela chamada posse de função, a qual, como
qualquer situação possessória, é susceptível de ter natureza causal ou
formal (uma hipótese desta última espécie resulta do disposto no artigo
369º, n.º 2, do Código Civil).
[141] Embora sempre se deva acrescentar que a concessão de acções
possessórias a quem não é possuidor constitua uma profunda dissonância.
[142] Nota-se aqui, por vezes, alguma confusão no que toca aos efeitos
decorrentes do reconhecimento de posse a quem não actue por referência a um
direito real mas antes por referência a qualquer outro direito (e, muito
particularmente, no que respeita à usucapião).
O que está em causa não é saber se o possuidor pode adquirir a
propriedade por usucapião, pois isso não pode suceder nunca, por a posse a
ela não se referir, ou pode suceder sempre, se tiver ocorrido inversão do
título da posse (artigo 1265º do Código Civil). O que está sim em causa é
saber se o direito pelo qual se pauta a actuação do possuidor pode ser
obtido por via da usucapião.
[143] Acórdão do STA de 31/10/2001, R. 26.282: I – Os embargos de
terceiro tal como se mostravam legalmente tipificados e eram entendidos
pela jurisprudência e doutrina, constituíam verdadeiras acções possessórias
e destinavam-se, consequente e exclusivamente, à defesa da posse em sentido
técnico-jurídico rigoroso (cfr. artigo 1251º e seguintes, do Código Civil,
artigo 1037º e seguintes do Código de Processo Civil e artigo 319º, do
Código de Processo Tributário). II – Com a profunda alteração introduzida
no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 e Decreto-Lei nº
180/96, de 95-12-12 e de 96-09-25, respectivamente, aquele instituto
jurídico não só passou a constituir, antes, um incidente da instância, com
tratamento legislativo em sede própria (Livro III, Subsecção III, Secção
III, Capítulo III, Título I, do Livro III, do Código de Processo Civil),
como passou a abranger, para além das situações de posse, a defesa de
qualquer outro direito incompatível com a realização ou âmbito da
diligência, de que seja titular um terceiro – cfr. artigo 351º, nº 1, do
C.P.C. e artigo 237º, nº 1, do C.P.P.T. (Acs. Dout. do STA, 488-489, 1158).



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Posse

excepto se
for possível retirar da lei a qualificação
Detenção


Corpus =


corpus + animus possidendi


Posse


falta de animus possidendi = Detenção

animus possidendi avaliado em abstracto

animus possidendi avaliado em concreto
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