Interpretação Constitucional e Justiça no Estado Democrático de Direito: Uma Análise Crítica Sobre o Positivismo Jurídico e a Interpretação do Direito Em Kelsen

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INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E JUSTIÇA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O POSITIVISMO JURÍDICO E A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO EM KELSEN

Gabriella Sabatini Oliveira Dutra1 Rafael Faria Basile2

RESUMO

O presente artigo visa reconstruir criticamente a proposta positivista e hermenêutica de Hans Kelsen, presente na obra Teoria Pura do Direito, com a finalidade de discutir sua inadequação ao paradigma procedimental estatal contemporâneo, no qual se insere a Constituição Federal de 1988, que apresenta como forma de planejamento social o pluralismo. Aqui passa a ser contestada a perspectiva sistemática interpretativa de Kelsen, na medida em que este sugere um sistema normativo pronto e acabado, cujo critério de validade de uma norma encontra-se no simples fato de está em conformidade com outra hierarquicamente superior, e por se encontrar nesse conjunto normativo deve ser cumprida. Nesse sentido passa a ser questionada a concepção de moldura estabelecida por Kelsen, ao admitir que sejam feitas interpretações absurdamente fora da mesma, provocando o surgimento de decisões que apresentam como fundamento validades intuitivas pessoais, o que fere a proposta democrática do Estado e da sociedade contemporânea. Dessa forma, este trabalho tem como intuito a instauração de um raciocínio problemático e não mais sistemático, passando a promover uma reconstrução dialógica como forma de 1

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Graduanda em Direito pela PucMinas. Brasil, ([email protected]).

Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela PucMinas. Professor do Curso de graduação e Pósgraduação Lato Sensu em Direito da PucMinas. Brasil, ([email protected]).

exercício da justiça, em que o sentido e a adequabilidade das normas e princípios constitucionais passam a ser definidos a partir das circunstâncias do caso concreto, proporcionando assim o alcance de soluções jurídicas nem certas nem erradas, mas razoáveis, sem que seja ignorado ou sopesado qualquer argumento ou princípio de maneira prévia. PALAVRAS-CHAVE: hermenêutica constitucional – hermenêutica jurídica – positivismo jurídico - Estado Democrático de Direito – pluralismo – justiça distributiva.

ABSTRACT

This article aims to critically reconstruct Hans Kelsen’s positivistic proposal and hermeneutics, from his work Pure Theory of Law, in order to discuss its inadequacy to the contemporary state procedural paradigm, in which the 1988 Brazilian Federal Constitution is inserted and presents pluralism as its form of social planning. Here, Kelsen’s interpretative systematic perspective is contested, as he suggests a ready and finished normative system, whose criterion of validity of a rule lies on the simple fact that it is in accordance to another one hierarchically higher, and for that reason must be fulfilled. Ergo, Kelsen’s concept of frame starts to be questioned, as it admits that interpretations are made absurdly out of it, causing the emergence of decisions which present intuitive personal validities as foundation, hurting the democratic proposal of the State and of contemporary society. Therefore, this paper targets the establishment of a problematic reasoning and no longer a systematic one, promoting a dialogical reconstruction as a form of exercising justice, in which the sense and adequacy of the norms and constitutional principles are now defined from the concrete case’s circumstances, allowing neither right or wrong, but reasonable legal solutions, without previously ignoring or weighting any argument in a prior way. KEYWORDS: constitutional hermeneutics – juridical hermeneutics – juridical positivism – Democratic State of Law – pluralism – distributive justice

1. INTRODUÇÃO

A interpretação jurídica apresenta-se como temática de grande relevância, não apenas para a Teoria do Direito, mas em especial para o Direito Constitucional. A construção da justiça e sua aplicação no Estado Democrático de Direito ocorre a partir da interpretação constitucional, a qual apresenta como premissa a hermenêutica jurídica. Nesta esteira, a problemática maior se instaura ao se constatar que a sociedade contemporânea apresenta como esteio fundamental o pluralismo. Esta concepção encontra-se confirmado na Constituição Federal Brasileira como forma de planejamento social, tornando o texto supremo uma organização jurídica que afasta o reducionismo a um único ideal ao assegurar a igualdade de manifestação. Neste sentido, a interpretação jurídica, e primordialmente a hermenêutica constitucional, remete ao processo de aplicação das normas e princípios constitucionais, a qual compete atender à sociedade, devendo as normas constitucionais suprir as situações específicas do caso concreto. As normas e princípios constitucionais encontram-se referenciadas em valores e é dessa forma que estes devem ser compreendidos, o que implica uma interpretação intrinsecamente relacionada à situação histórica da qual faz parte os sujeitos, o fato específico em que estes se firmam e a norma positivada imanente. Destarte,

importante

enunciar

que

a

hermenêutica

constitucional

contemporânea privilegia a compreensão de algo que se demonstra de maneira intrincada, tendo em vista que o texto constitucional tornou-se uma estrutura políticojurídica que positivam valores diversos e antagônicos. Nessa medida, a Teoria do Direito sofreu importante deslocamento nos últimos anos, haja vista que a hermenêutica passa a não se submeter à certeza da investigação científica.

2. O PLURALISMO E O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O pluralismo emergente nas sociedades contemporâneas acentua a competitividade, na medida em que permite a possibilidade de disputa entre os

vários grupos e planos individuais que apresenta autonomia em relação ao poder central. E aqui este se confirma, sendo designado como a multiplicidade de realidades e particularidades, que envolvem um conjunto de fenômenos diversos e independentes. Citada concepção advoga em contrário aos paradigmas estatais modernos, quais sejam o Estado Liberal e o Estado Social. O Estado Liberal propõe uma estrutura jurídica mecânica e formalista e uma organização social ritualizada, impondo um único ideal a ser seguido, ou seja, o vinculado à autoridade estatal. O Estado Social por sua vez, admitia a existência de conflitos entre os diversos planos sociais, entretanto a organização jurídica estabelecia um modelo arbitrário e alternativo que elimina tal conflito. Em contra partida, o Estado Democrático de Direito admite a essência conflituosa na sociedade, marcada por contrastes e constantes transformações, passando a apresentar a estrutura jurídica constitucional um caráter comunitárioparticipativo. Nesta seara, a Constituição passa a demonstrar um dissenso e não mais um consenso ao permitir o exercício do pluralismo, já em seu preâmbulo como um dos “valores supremos”, tornando o texto constitucional uma organização normativa de valores, por expressar os valores da sociedade, passando a moldar uma dimensão expandida da interpretação jurídica. O constitucionalismo contemporâneo brasileiro encontra-se incidente em um horizonte jurídico participativo, não se demonstrando adstrito a um normativismo positivista rigoroso de pretensão acrítica, haja vista que a interpretação do Direito perfaz um exercício político comunicativo, revelando na hermenêutica jurídica contemporânea, através da interpretação constitucional, um caráter axiológico.

3. O POSITIVISMO JURÍDICO E A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO EM HANS KELSEN

Hans Kelsen, certamente um dos maiores juristas da Teoria do Direito do século XX, argui que compete à Ciência do Direito apenas a descrição de seu objeto, ou seja, das normas jurídicas, e não dos valores contidos nestas normas.

Essa perspectiva influenciou tal autor a denominar sua teoria como teoria pura do Direito, também intitulação de sua principal obra. Citado jurista elaborou uma teoria em que o Direito se demonstra autônomo, não estando vinculado ao particularismo de cada Nação. Para tanto desenvolveu um método puro, “pureza” esta que implica um estudo delimitado do Direito, sem interferência de outros campos da ciência. Em outros termos, sua teoria visa responder o que é o Direito e não o que deveria ser. A concepção de pureza de Kelsen é garantida por meio de seu conceito de sistema jurídico, ao demonstrar uma estrutura que encontra em si mesmo seu referencial normativo, reduzindo a validade de uma norma, a outra hierarquicamente superior. A partir da explanação da teoria positivista de Kelsen, é possível adentrar na teoria da interpretação jurídica, iniciada por este autor por meio do Capítulo VIII da obra “Teoria Pura do Direito” cuja versão final eclodiu em 1960, e é perante esta versão que será discutido o postulado interpretativo kelseniano. Hans Kelsen enuncia um processo interpretativo efetivado pelos órgãos estatais, os quais realizam concomitantemente a aplicação e a criação do Direito. Nestes termos, “Kelsen equipara qualitativamente o elemento decisório do ato de legislar com o elemento decisório da aplicação do direito.” (SGARBI, 2007, p. 97). Para Kelsen a interpretação jurídica ocorre através da criação do Direito, e esta pode decorrer tanto da formulação das normas pelo processo legislativo quanto pela aplicação das normas gerais ou individuais. Entretanto para criar o Direito a aplicação deve ser feita por órgãos aplicadores do Direito, caracterizando assim uma interpretação autêntica, a qual se apresenta em formato de lei, demonstrando uma essência genérica que “cria o Direito não apenas para um caso concreto, mas para todos os casos iguais” (KELSEN, 2000, p. 387). Contudo, Kelsen referencia uma interpretação jurídica que apresenta um cunho delimitado, exercido pelos indivíduos por meio do cumprimento da norma préestabelecida e as Ciências Jurídicas ao disponibilizar as interpretações possíveis para as normas vigentes a serem aplicadas, não oferecendo estas, caráter vinculante. A interpretação não autêntica decorre da descrição das várias possibilidades semânticas da norma a ser aplicada, as quais são realizadas pela Ciência Jurídica, interpretação esta que implica a formulação de uma “moldura interpretativa”, a qual

segundo Kelsen pressupõe “pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas” (KELSEN, 2000, p. 395), não operando a criação do Direito. Os órgãos aplicadores, ao decidir qual interpretação a adotar dentre as várias possibilidades fornecidas pela atividade cognoscitiva, exerce um ato de vontade perante o caso concreto, visando assim afastar a indeterminação do ato de aplicação do Direito. Todavia, Hans Kelsen não estabelece a escolha de uma única interpretação correta entre as oferecida pela Ciência Jurídica. E é a partir desta problemática que Kelsen insere a indeterminação não intencional, a qual é conseqüência da descrição normativa das situações fáticas possíveis. Nesta medida, a escolha feita pelo intérprete autêntico proporciona uma aplicação que apresenta como alicerce a moldura na qual situam os várias sentidos possíveis disponibilizados pela Ciência Jurídica. Hans Kelsen ensina que a interpretação correta não é objeto da Teoria do Direito, mas da política e da sociologia, tendo em vista que o órgão aplicador é livre para escolher entre as várias possibilidades semânticas da norma, a que cria o Direito, denominada de ato de vontade.

4. CRÍTICA AO POSITIVISMO JURÍDICO E À INTERPRETAÇÃO DO DIREITO EM HANS KELSEN DIANTE DO PARADIGMA ATUAL

O estudo da interpretação jurídica contemporânea, e consequentemente da hermenêutica constitucional, apresenta como pressuposto a análise da primeira e maior perspectiva sistemática interpretativa sobre o Direito do século XX que permanece, até hoje relevante, qual seja, a doutrina de Hans Kelsen. Resumidamente a teoria do direito de Kelsen visa conferir objetividade e cientificidade ao Direito, apresentando como enfoque a descrição das normas jurídicas ao refutar toda consideração de cunho valorativo, confirmando sua aspiração de “pureza”. Quanto à interpretação kelseniana esta é justificada através da aplicação das normas realizadas pelos órgãos estatais, aliando o ato de conhecimento ao ato de vontade, ao escolher um dentre os sentidos presentes na norma jurídica.

Entretanto o ideal pluralista passa a ser boicotado, na medida em que a perspectiva sistemática é facilmente aceitável na criação das normas jurídicas, mas não em sua aplicação, tendo em vista que o legislador é influenciado por forças políticas, econômicas e culturais de uma sociedade conflituosa. Ao definir uma estrutura sistemática caracterizada por uma correspondência harmônica entre as normas, apresenta um conjunto normativo com pontos de vista que devem ser considerados como dominantes por se encontrar em uma descrição normativa caracterizada por sucessivas autorizações entre as normas existentes, e assim devem ser cumpridas. Neste sentido, para Kelsen o Direito não se compromete com o caráter fático, político e social da Constituição, mas tão somente com o seu cumprimento, que se confirma através de sua validade. Esta concepção sistemática interpretativo elimina toda possibilidade de se pensar o plural, na medida em que esta perspectiva significa a pré-existência das normas, e de sua interpretação, ao caso concreto, em que necessariamente parte-se do todo em direção ao particular, sendo adotado um entendimento desde o início. Todavia, este modelo é evidentemente inadequado ao constitucionalismo contemporâneo, na medida em que a Constituição apresenta um compromisso axiológico, passando, este contexto, a exigir uma interpretação sofisticada e criativa, em que “o procedimento hermenêutico de captação do sentido do conteúdo das normas torna-se compreensão valorativa conforme procedimentos próprios da análise e da ponderação de valores” (FERRAS JUNIOR, 1989, p.11). Neste sentido, a seara pluralista atual exige uma interpretação que ocorre por meio de um raciocínio não mais sistemático, mas problemático, em que os contornos dos fatos delineiam o sentido das normas. A partir deste raciocínio parte-se do problema em direção às normas, passando a interpretação a ter como fundamento uma reconstrução dialógica do ordenamento jurídico e não uma mera produção monológica realizada pelo legislador, a qual apresenta limites prontos e acabados para a decisão a ser proferida. O pensamento pluralista vivenciado na contemporaneidade exige uma interpretação que não apresenta como premissa um sistema normativo completo, fechado e independente, ao revés, o exercício hermenêutico em que os fatos se

direcionam as normas jurídicas, realizando assim uma articulação comunicativa do ordenamento jurídico pelos cidadãos. Neste ponto passa a ser realizar uma análise crítica à teoria interpretativa de Kelsen, especificamente no Capítulo VIII da “Teoria Pura do Direito”, na medida em que os questionamentos até então, por mais que repercuta sobre a hermenêutica kelseniana, encontraram-se concatenado na teoria positivista deste jurista. A maior indagação perante a teoria interpretativa de Kelsen encontra-se em sua concepção de moldura, pelo fato desta permitir a possibilidade da produção de normas absurdamente fora da mesma. Citada fragilidade é demonstrada.

(...), pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa. (KELSEN, 2000, p. 394).

A moldura ao estabelecer um leque de sentidos para normas entre as quais uma será escolhida pelos órgãos estatais proporciona uma contradição à concepção de “pureza” tanto defendida por Kelsen. Entretanto a apresentação de uma moldura flexível provoca um estoicismo judiciário, que nega a proposta democrática do Estado e da sociedade contemporânea. Portanto, a possibilidade de interpretações fora da moldura permite aos órgãos aplicadores a delinear os ditames do Direito de maneira inconveniente ao apresentar como embasamento validades intuitivas pessoais, proporcionando graves inflexões políticas. Neste sentido, percebe-se como a teoria kelseniana tornou-se vulnerável perante a Constituição Federal de 1988 e o paradigma estatal vigente que confirma as divergências sociais e exige uma articulação entre o Direito atual e os fatos específicos, resguardando concomitantemente a segurança do Direito e a justiça nas decisões proferidas.

Com efeito, a Constituição se manifesta como estrutura jurídica que positiva contrastes e valores reconhecidos pela sociedade, permitindo a participação políticojurídica dos cidadãos, tornando estes, atores de um exercício interpretativa aberta.

5. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E O EXERCÍCIO DA JUSTIÇA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Para a análise do desenvolvimento da interpretação constitucional é exigível uma conceituação ampla, na medida em que o intérprete deste texto supremo é todo aquele que o vivencia. A seara pluralista e os contrastes e valores reconhecidos pela sociedade fornecem meios para uma interpretação constitucional aberta. Dessa forma, a nova orientação hermenêutica afasta o sentido da interpretação como sendo mera subsunção da norma ao caso concreto ou passiva submissão, revelando-se a Constituição como uma organização política e social ao legitimar as forças pluralistas evidenciadas na realidade contemporânea. Destarte, há uma renovação na cultura jurídica a partir da abertura do processo interpretativo da Constituição, pensado através dos movimentos sociais, se legitimam a partir de afirmação de direitos construídos historicamente que se manifestam no texto constitucional através princípios e valores de conduta. O pluralismo jurídico anuncia os princípios jurídicos, em especial os constitucionais, de maneira não harmônica em sua aplicação, refletindo contrastes e divergências sociais. Nestes termos, enuncia Esser que “não existe um princípio supremo, já que todas as funções do direito podem expressar-se em princípios que, a cada vez, atuam antinomicamente” (ESSER, 1961, p. 64). Destarte, ainda que haja uma contradição entre muitos destes princípios nenhum “goza simplesmente de primazia perante outro” (ALEXY, 1993b, p.13), sendo percebido por meio da aplicação de tais princípios que estes “conduzem a resultados incompatíveis, quer dizer, a dois juízos de dever-ser jurídico contraditórios” (ALEXY, 1993b, p. 87), apresentando a solução destes conflitos, um caráter particular, haja vista que cada caso concreto apresentará uma solução diferente.

O pluralismo indica que os princípios jurídicos, incluindo os constitucionais, não se apresentam de maneira harmônica, haja vista que o texto constitucional, por meio de seus princípios, enuncia diversas ideais. E é aqui que se identifica a importância de separação do âmbito de justificação e aplicação das normas, tão criticada perante a teoria sistemática interpretativa de Kelsen, na medida em que o aplicador deve considerar que as normas e princípios constitucionais, determinam quase tudo, exceto sua aplicação. Destarte, ensina Günther que ao serem aplicados tais princípios, é necessário um juízo de adequabilidade, tendo em vista que os princípios constitucionais são igualmente válidos, não podendo na maioria das vezes serem aplicados simultaneamente. Nesta esteira, a aplicação dos princípios constitucionais requer um senso de ponderação, haja vista que estes não podem ser aplicados concomitantemente. E dessa forma, pelo fato dos princípios não apresentarem em sua semântica as delimitações circunscritas em sua aplicação, esta será fornecida dialogicamente pelas partes envolvidas. Assim, ao considerar o pluralismo social como elementar da Constituição, passa a ser a melhor forma de solução de conflitos por meio do exercício da justiça, a aplicação discursiva do sentido da norma pelos envolvidos, apresentando como delinear as circunstâncias do caso concreto. Dessa forma, a partir da perspectiva habermasiana, percebe-se que o sentido das normas é instaurado por meio da discussão presente em sua aplicação, ao ser feita uma abordagem em relação aos limites das normas e de sua validade perante o fato específico, articulada através da atuação das partes envolvidas. Destarte, o sentido da norma jurídica e a escolha da mais adequada ao caso concreto, ocorre através do discurso entre, e é nesse sentido que os intérpretes da Constituição tornaram-se todo o povo e não simplesmente um órgão estatal. A estrutura linguística proporciona a relação entre o sujeito e a sociedade, constituindo o que Habermas denominou de intersubjetividade. Nestes termos, o diálogo encontra-se relacionado com a hermenêutica, na medida em que, segundo Habermas, é impossível a dissociação entre linguagem e entendimento, implicando a interpretação, auto-reflexão e crítica, cujo sentido das normas jurídicas será estabelecido através de um consenso racional que apresenta como pressuposto a discussão comunicativa entre as partes envolvidas.

De tal sorte, os sujeitos capazes de linguagem e ação exercem um saber compartilhado a luz de valores de sua própria cultura, sendo o processo argumentativo a forma mais hábil para a problematização reflexiva das decisões a serem tomadas. Não considerando o texto constitucional como um todo, mas o seu caráter prático, ao proporcionar um alargamento do círculo interpretativo. A Constituição Democrática plural é uma “ordem concreta de valores” compartilhados discursivamente pela comunidade, possibilitando a construção da justiça. Todavia o fato de que o exercício da justiça encontra-se moldado pela linguagem, projetada caso a caso, seria mais um elemento delineador da instabilidade na sociedade contemporânea? Com efeito, a resposta à crítica em relação à concepção de justiça distributiva fundamentada na prática argumentativa, encontra-se no fato de que o seu caráter linguístico permite uma ruptura com quaisquer inflexões políticas alheias ao Direito, a partir da realização de um acordo baseado em razões apresentadas comunicativamente. Deste modo, a técnica dialógica possibilita o alcance de uma decisão nem certa e nem errada, mas juridicamente razoável, haja vista que esta implica uma escolha racional, sem ignorar ou sopesar previamente qualquer argumento ou princípio. Sendo a razoabilidade a maior premissa existente em relação ao exercício da justiça em uma sociedade plural sob a égide de uma Constituição Democrática repleta de antinomias. Por fim, importante evidenciar que a hermenêutica constitucional provoca ardente vicissitude ao estudo da interpretação jurídica, ao compreender os enunciados

normativos

constitucionais

através

do

exercício

valorativo

e

comunicativo, ou seja, como estrutura jurídica sujeita às relações sociais estabelecidas linguisticamente. E é aqui que o Direito Constitucional vigente passa a adquirir um sentido, a partir da fixação de um discurso de aplicação, em que os envolvidos percebem-se não como autores de um raciocínio crítico problemático, o que permite o exercício da justiça sem impor uma supremacia principiológica, alcançando assim uma solução jurídica razoável.

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