Interromper o loading... ou, pela criação de novas análises da internet

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Interromper o loading... ou, pela criação de novas análises da internet Evygeny Morozov. To save everything, click here: the folly of technological solutionism. New York: Public Affairs, 2014, 432 pp. Luíza Uehara

Pesquisadora no Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária) da PUC-SP e no Projeto Fapesp Ecopolítica. Doutoranda no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP com bolsa CAPES. Contato: [email protected]. Internet:

termo

computadores”,

mas

as

suas

(entre) e net (rede). A Wikipédia,

se referência em pesquisas sobre

enciclopédia

online,

internet ao publicar The net Delusion:

define a internet como uma rede

the dark side of internet freedom [A

mundial de computadores interligados

ilusão da rede: o lado sombrio da

por

de

liberdade na internet], lançado em

informações. A palavra é recente,

2011 pela PublicAffair de New York.

tendo sido cunhada na década de

Neste livro, Morozov atacou o

1980 pelo Departamento de Defesa

que chama de hiperotimismo nos

dos Estados Unidos.

debates sobre internet e se posicionou

colaborativa

protocolos

além

para

troca

a

cético em relação à crença de que

internet tornou-se alvo de pesquisas

as recentes tecnologias trarão mais

na tentativa de se entender quais

liberdade e aprimorarão o exercício

transformações essa rede trouxe ao

da democracia. Em sua publicação

conectar objetos, pessoas, animais,

mais

locais,

click here: the folly of technological

etc.

da

a

de

de

implicações sociais. Morozov tornou-

Para

junção

de inter

internetwork

e

abreviado

terminologia,

Evygeny

Morozov,

recente,

To save everything,

pesquisador bielorrusso e professor-

solutionism [Para

visitante na Universidade de Stanford,

coisa, clique aqui: a loucura do

procura compreender a internet não

solucionismo tecnológico], lançado

somente como uma “rede mundial

pela

mesma

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

salvar

editora,

qualquer

Morozov

77

mantém

seus

ataques

ao

trazer

ciberpessimistas.

Os

pessimistas,

novos conceitos, questionamentos e

por exemplo, fazem uma leitura da

sugestões de análises para os estudos

internet como se ela fosse algo que

sobre as relações travadas na internet.

destrói tudo o que foi construído até

O livro divide-se em nove capítulos,

o momento. Um exemplo é Andrew

e logo em seu início faz um alerta

Keen, um grande empreendedor do

aos pesquisadores: a internet não foi

Vale do Silício e autor de O culto

inventada da noite para o dia. Foi

do amador (Zahar, 2007), no qual

projetada durante a Guerra Fria, nos

expõe o seu pessimismo em relação

laboratórios do MIT em pesquisas

à internet, e afirma que ela corrói

financiadas pelo governo dos EUA

cultura

interessado na construção de uma

qualquer coisa sem critério algum.

rede de comunicação resistente a

Tal afirmação só pode proceder,

bombardeios. Portanto, a primeira

segundo Morozov, se encararmos a

constatação: a internet não é neutra

internet como uma grande revolução

e só foi possível por conta de uma

capaz de realizar uma ruptura com o

série de outras tecnologias que já

tempo anterior. E todo o palavreado

estavam

desenvolvidas,

ruptura, rupture talk, nada mais é

como o telégrafo, o telefone, o

que um ingrediente essencial para o

rádio e a televisão. A partir disso,

epochalism.

altamente

Morozov passa a descrever o nosso

e

valores

ao

disseminar

Um dos maiores problemas do

tempo. Alguns acreditam que estamos

epochalism,

para

vivendo uma época sem precedentes,

crença em algo consolidado e o

algo nunca visto antes na história,

entendimento

uma época excepcional. Para o autor,

ter total controle sobre o que está

tais afirmações não passam de uma

acontecendo. Diante disso, aceitamos

falácia intelectual, que “eu chamo de

e legitimamos endurecimentos que

epochalism” (p. 36).

dificilmente aceitaríamos em outros

de

Morozov, que

é

a

precisamos

O epochalism (epocalismo) acredita

momentos. O epochalism possui uma

que o momento em que vivemos

influência paralisante que induz à

é

revolução

passividade e limita as respostas às

industrial, uma ruptura com o tempo

mudanças e, desse modo, qualquer

anterior. Esse fenômeno está presente

resistência passa a parecer fútil.

algo

maior

que

a

tanto nos ciberotimistas como nos

Diante

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

disso,

aceitam-se

os

78

cookies, conhecidos também como

permitimos que nossas buscas sejam

de

conexão,

que

mapeadas e arquivadas não somente

nossas

atividades

para

para termos um bom produto ou

mostrar aos sites quais seriam as

acharmos o que queremos, mas para

preferências; aceitam-se as spiders,

que estejamos protegidos do outro.

testemunhos registram

os web crawlers [rastreador web] da

Em 2011, o Facebook passou a

Google, que varrem a internet em

utilizar o PhotoDNA, desenvolvido

busca de novos sites para que nada

pela Microsoft, para scanear todas

fique incógnito na deep web.

as

Outro efeito do epochalism é a

fotos

que

posteriormente,

postadas

e,

compará-las com

aceitação de monitoramentos. David

imagens

Price, pesquisador na Universidade

do banco de dados do FBI. Esse

de Washington, mostrou que, após

programa

os vazamentos proporcionados por

copia qualquer imagem para barrar

Edward Snowden, alguns usuários

pornografia em geral. “O Facebook

ficaram abalados com as práticas

é a vanguarda do algoritmo de

de

monitoramentos

vigilância: da mesma forma que a

planetários pelo governo dos EUA.

polícia se baseia em estatísticas de

Entretanto,

foi

crimes anteriores, o Facebook se

pesquisa

baseia em arquivos de bate-papos

realizada pelo jornal Washington Post

que precederam agressões sexuais.

alguns dias depois das declarações de

Curiosamente, o Facebook justifica

Snowden, 56% da população julga

a utilização do algoritmo por conta

que o programa PRISM é ‘aceitável’

de solicitações para serem menos

e 45% acredita que o Estado deve

invasivos que as pessoas. ‘Nós nunca

‘ser capaz de vigiar os e-mails de

quisemos criar um ambiente onde os

qualquer pessoa na luta contra o

funcionários olham as comunicações

terrorismo’.

não

privadas, por isso é muito importante

surpreendem: há mais de dez anos, os

utilizarmos a tecnologia que possui

meios de comunicação, especialistas

um baixo índice de erro’, disse o

espionagem

contornado:

e

esse

abalo

“Segundo

Esses

logo

resultados

e dirigentes políticos apresentam a vigilância como arma indispensável à guerra contra o terrorismo”.1 Assim, 1

PRICE, David. “A história social

de

são

se

pornografia expandiu

infantil e

agora

das escutas telefônicas”. In: Le monde diplomatique. 01 de agosto de 2013. Disponível em: http://www.diplomatique. org.br/artigo.php?id=1476 (consultado em 05/03/2015).

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chefe de segurança do Facebook à Reuters” (p. 186). Todo

esse

Assim, o epochalism consolida uma série de enrijecimentos que, em outras

recolhimento

de

situações,

seriam

desconsiderados.

informações modifica a maneira de

A crença na revolução também faz

identificar

criminoso,

com que se acredite que a geração

terrorista, pedófilo e, para Morozov,

atual é composta de nativos digitais,

pretende diminuir crimes e punir mais.

como

Esse recolhimento de dados não ocorre

Anthony

apenas quando se está conectado

famoso

por meio de smartphones, tablets

colaboração em massa pode mudar o

ou computadores, mas também por

seu negócio (Nova Fronteira, 2007).

meio de outros aparelhos domésticos.

Esses nativos trariam uma nova

As futuras casas inteligentes serão

ética de abertura, participação e

compostas por eletrodomésticos que

interatividade nos locais de trabalho.

colherão dados ininterruptamente. As

Deste modo, seríamos mais céticos

TVs inteligentes já estão presentes e

às autoridades, e a revolução digital

ligadas ao NetFlix, ao Youtube ou

mudaria as instituições da sociedade.

ao PopCorn Time, mapeando todas

Para Morozov, é difícil afirmar a

as nossas preferências. Em breve, da

viabilidade disso, pois muitos jovens

escova de dente à geladeira, todos

aceitam

serão smarts. Essa é a internet das

tendem

coisas em que a Google investe

sobre a cultura digital: desconhecem

com a sua filial Nest2. Todo esse

o

recolhimento de dados permite à

privacidade de um site, fornecem

Google oferecer exatamente o que a

seus dados sem restrições e deixam

pessoa procura. O melhor resultado

as instituições inabaladas.

o

potencial

afirmam

Don

Tapscott

Williams,

autores

e do

livro Wikinomics: como a

cegamente a

entender

funcionamento

protocolos muito

dos

e

pouco

termos

de

pode ser encontrado e o produto mais

Não é possível dizer que existam

adequado ofertado no momento exato.

esses nativos digitais ou uma geração da net advinda da década de 1980;

A Nest produz termostatos inteligentes, alarmes de fumaça (tanto para cigarros como para incêndios) e câmeras para os cômodos da casa que podem ser acessadas de qualquer lugar. Disponível em: https://nest.com/ (consultado em 05/03/2015). 2

não há como homogeneizar todos e o uso que fazem da tecnologia. A

internet

não

determinou

uma

geração. É preciso desconstruir a crença de que a internet determina

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relações. “Mas a realização de tais

para que a internet continue a existir,

estudos, obviamente, não é tão sexy

caso

como refletir sobre ‘a mudança de

Security Agency of USA), a Google,

cada instituição da sociedade por

a Apple irão destruí-la com suas

meio da revolução digital’. Esta

propagandas

última possibilidade paga melhor,

Temos ainda a leitura de que a

também” (p. 46). E, para Morozov,

internet possui demandas de ativistas

esses

deterministas,

(contra a censura, reforma de direitos

dos pessimistas aos otimistas, não

autorais, pela neutralidade na rede) e,

acrescentam nada às discussões sobre

simultaneamente, uma exigência de

a internet; escrevem o que se espera

modificação de instituições obsoletas

ser lido e não passam de líderes de

a partir do uso de tecnologia...

pesquisadores

torcida.

contrário

a

e

NSA

(National

monitoramentos.

Independentemente da explicação

Morozov

procura

que

plausível para este paradoxo, estamos

a internet por si só não trouxe a

confusos diante da internet. Não se

modificação

relações.

sabe o que ela é e nem qual seria

Não há natureza da internet, não é

a sua possível finalidade. Isso se

possível dizer que ela possua uma

deve tanto à sua naturalização como

natureza

só,

ao desconhecimento da história das

como aparece nos escritos de Clay

tecnologias. Uma amnésia tecnológica

Shirky (A cultura da participação:

define a discussão atual sobre a

criatividade e generosidade no mundo

internet.

das

mostrar

nossas

colaborativa

por

si

conectado. São Paulo: Zahar, 2011;

Morozov não desmerece os avanços

Lá vem todo mundo: o poder de se

da internet e as modificações que

organizar sem organizações.

São

Paulo: Zahar, 2012).

proporcionou

em

nossas

relações.

Propõe que as mudanças desencadeadas

Portanto, estamos inseridos em

pelas tecnologias sejam analisadas e

paradoxos a respeito do que é a

investigadas historicamente; não se

internet:

que

pode acreditar que há uma natureza

devemos adaptar nossas instituições

da internet, que ela é a protagonista da

à internet, pois ela é uma das

chamada cultura do compartilhamento

maiores invenções humanas e jamais

ou responsável pela queda de alguns

deixará de existir; outro dia, postula-

valores, como escreve o conservador

se serem necessárias variadas regras

Keen.

um

dia

afirma-se

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

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Para Morozov, assumir uma postura

O

tornou-se

internet-centrismo

em que a internet é a protagonista

algo como uma religião que crê na

de nossas vidas é a mesma coisa

internet como um modelo para a

que dizer que a cultura da impressão

sociedade. Por exemplo, acredita-se

ocorreu apenas com a invenção da

que o crowdfunding é uma alternativa

impressora. A imprensa não foi uma

aos financiamentos para realizar um

realização do nada, ela foi produto

projeto. Entretanto, esta é somente

de processos históricos longos; a

uma outra forma de financiamento,

chamada cultura da impressão também

não confronta o neoliberalismo, mas

não apareceu do nada, não é um

o fortalece como qualquer outra

atributo da tecnologia de imprimir,

instituição financiadora.

mas, no próprio contexto histórico

Nestas

plataformas

de

em que se desenvolveu a impressora

financiamento, segundo Morozov, é

já havia uma cultura de impressão.

muito provável que um projeto sobre

Entretanto, Morozov não se coloca na

missão

de

história

ativistas será financiado. Enquanto

verdadeira da internet. Segundo o

um projeto de documentário sobre as

autor, todos que tentam fazer isso

causas da Primeira Guerra Mundial

deturpam o passado nos deixando

não

apenas com uma leitura pobre da

depender

história e em uma confusão a respeito

financiamento.

do futuro. Isso leva Morozov a fazer

como todo financiamento, é seletivo.

considerações a respeito do internet

E, para Morozov, é um erro acreditar

centrismo,

que

a

da

história

contar

a

aquecimento global divulgado entre

conseguirá

ser

apenas

realizado

desse O

meio

se de

crowdfunding,

tenta

reescrever

que as pessoas assumiram papéis

internet

mostrando

antes

como todas as outras tecnologias

realizados

por

instituições

públicas.

pavimentaram o caminho para a

Para além do crowdfunding, a

construção da internet. O internet-

articulação do solutionism com o

centrismo pauta-se na crença de

internet-centrismo produz a crença

que precisamos consertar as coisas

de

do passado, já que estamos vivendo

transparência

tempos revolucionários, em que as

maior responsabilidade civil, o que é

verdades anteriores já não possuem

ilusório para Morozov, pois a internet

funcionalidade.

é uma tecnologia, e não determina

que

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a

internet e

nos

pode

trazer

possibilitar

82

o comportamento político ou as

faz com que distorçamos processos

relações de qualquer pessoa.

sociais

Morozov propõe uma leitura em

e

políticos.

Acreditamos

no que vemos na tela como um

que a internet não se sobreponha à

reflexo

sociedade, mas que procure entender

quando se está longe de conexões.

como

se

Mas os sites como Google, Twitter,

relacionam. Se o internet-centrismo

Facebook e Linkedin possuem seus

está presente, precisamos de uma

algoritmos que fazem seleções do

secularização da comunicação. “Esta

que cada um verá. O que as pessoas

secularização não pode mais ser

veem passou por uma seleção: a

adiada. Precisamos encontrar uma

propaganda é individual e a busca

maneira de esquecer temporariamente

trará um resultado para cada usuário.

tudo o que sabemos sobre ‘the

Todos os nossos acessos, todas as

internet’ – tomamos muitas coisas

nossas pesquisas, todas as fotos e

para permitir esses dias –, arregaçar

postagens estão em um banco de

as mangas, e trabalhar para assegurar

dados unificado que terceiros podem

que as tecnologias não vetem o

vasculhar para oferecer aquilo que

crescimento humano, mas o faça

cada um espera.

tecnologia

e

sociedade

prosperar” (p. 62). Morozov

fidedigno

do

que

ocorre

Acredita-se que os serviços da

refere-se

à

internet

Google são gratuitos, que o acesso à

como the internet. The internet, um

internet é gratuito (ou que pagamos

substantivo antecedido de um artigo,

apenas

designa uma série de tecnologias

mas todos os nossos dados estão

interligadas, e que não podem ser

rastreados. Fornecemos dados que

personificadas. The internet está em

geram lucro para grandes servidores

vários aparelhos, modula as nossas

e

relações e tem inúmeros componentes

monitoramento.

(protocolos,

monitoramentos,

configurações de um usuário que

interfaces...). Por isso, nas obras de

use o Gmail da Google que se verá

Morozov, a internet sempre aparecerá

de onde este acessou o e-mail, a

entre aspas ou em itálico.

partir de qual aparelho e quais as

um

nos

valor

abrimos

pela

para

Basta

conexão),

qualquer acessar

as

Temos de entender a internet

especificações técnicas deste. Assim,

enquanto um processo do qual todos

The internet nos afeta não somente

são dependentes. Essa dependência

quando estamos conectados. Como

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afirmam os hackers do site PirateBay.

da destruição ou as pessoas de

org, nossas relações hoje são somente

sua desorganização, e lhes renderá

AFK (away from keyboards – fora

um bom contrato com uma grande

dos teclados) ou não. Trata-se apenas

empresa ou que poderá ser vendido

de uma questão física, de qualquer

a uma dessas.

maneira estamos atravessados pelo processo The internet. Morozov

BinCam que pretende modernizar uma

as lixeiras e que está em fase de

ou

elaboração na Alemanha e na Grã-

na ilusão de uma internet livre a

Bretanha. Uma câmera é acoplada à

ser regulamentada e defendida, mas

tampa da lixeira e, cada vez que algo

busca compreender como os dados

é descartado e a tampa fechada, uma

de usuários são utilizados, como

foto é tirada. A imagem é enviada

dados são importantes tanto para

para a Amazon, que analisa o que

a

cada um jogou: “Qual é o total de

defesa

não

Em seu livro, lê-se sobre o projeto

de

cai

em

compartilhamentos

economia

como

também

para

influenciar medidas de austeridades. Um dos autores que Morozov analisa

é

Jonathan

Zittrain,

itens na imagem? Quantos deles são recicláveis? Quantos são comida?”

da

Depois dessa etapa, a foto é postada

Universidade de Harvard, que afirma

no perfil do Facebook do dono da

que a capacidade de compartilhamento

lixeira. Dependendo de como for a

da internet fará com que esta seja

foto, o usuário ganhará pontos em

um objeto imortal. Acreditar nisso é

um jogo online de consumo verde.

crer que a internet satisfez todas as

“Missão comprida; planeta salvo” (p.

nossas necessidades e desejos. Esse

2).

é o fim da história, aos moldes de

Esse sistema de pontuação é nomeado

Francis Fukuyama, presente no Vale

por Morozov de gamification. Por

do Silício, ou a impossibilidade de

meio de rankings e pontos, atinge-

se imaginar qual inovação poderá ser

se determinadas metas, por exemplo,

desencadeada.

jogar Nintendo Wii para emagrecer.

Morozov é impulsionado também

Morozov

aponta

outro

exemplo:

pelas pesquisas tecnológicas do Vale

“Recyclebank (...) é uma companhia

do Silício. Ali, inúmeros jovens

que

buscam desenvolver um algoritmo ou

para incentivar os consumidores a

um aplicativo que salvará o mundo

tomarem atitudes ecológicas. Uma vez

usa

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

pontos

e

recompensas

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que você acumula pontos pelo seu

campos de colheita de batatas ou

comportamento verde, Recyclebank

trigo, e quando a motivação baixou,

possibilita que você os converta em

foram

descontos, ofertas gratuitas e cartões

pontos” (p. 351).

de presente” (p. 297).

atribuídos

identificações

e

Para demonstrar o funcionamento

A gamification também é um

da gamification, Morozov faz um

meio de aumentar a eficiência. Os

paralelo entre o psicólogo Burrhus

aplicativos HabitRPG ou The Habit

Frederic Skinner e o engenheiro

Factory, auxiliam seus usuários a

Frederic Taylor e afirma que a

construírem uma rotina como se

promessa

estivessem em um jogo de RPG;

bônus pode-se extrair um melhor

assim,

desempenho dos corpos, sejam ratos

você

saudáveis

pode

e

criar

moderados.

hábitos A

cada

de

mais

comida

ou

ou trabalhadores.

atividade concluída o usuário deve

Morozov mostra que as ações

colocá-la no aplicativo: ações como

humanas podem ser influenciadas

leitura e trabalho produtivo valem

por motivações extrínsecas, seja pela

pontos, enquanto comer porcarias

punição ou pela busca de prazer/

leva à perda de pontos. A premiação

recompensa (p. 302). Entretanto, os

é ficar acima no ranking e passar de

humanos são incitados também às

level. A gamification, então, renova a

motivações intrínsecas. Estas ocorrem

recompensa para evitar a ineficiência,

quando se realiza algo porque se

motiva com pontos e torna hábito

acredita que é o que se quer, porque

práticas ecológicas e saudáveis.

se acha que é o correto fazer. A

Morozov mostra que a gamification

grande questão da gamification, então,

não é uma característica apenas do

é como fazer que as motivações

ocidente, ou que se desenvolveu nos

extrínsecas tornem-se intrínsecas.

EUA. O autor viveu os últimos anos

A gamification é uma expressão da

do regime soviético na Bielorússia e,

crença no solucionism. Ao internalizar

sobre esse período, recorda: “Como

o score, acredita-se que a tecnologia

alguém que cresceu nos últimos anos

irá sanar todos os problemas, desde a

da URSS, sempre me lembro da

obesidade até as mudanças climáticas.

propensão que os gestores soviéticos

Com os novos aplicativos, cada um

tinham

os

poderá monitorar o outro, até o seu

para

lixo, e dizer se a prática cotidiana

para

estudantes

a

eram

gamification: enviados

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

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de cada um vale pontos ou não.

solucionismo – isto é, transcendendo

Como nos novos jogos online de

os limites que ele impõe em nossas

RPG, nesses aplicativos nunca se

imaginações e rebelando-se contra o

alcança a meta final, mesmo após

seu sistema de valores é que vamos

dias e horas consecutivas de jogo.

entender por que alcançar a perfeição

Agora, como se estivéssemos em

tecnológica,

World of Warcraft, precisamos jogar

complexidade intrínseca ao homem e

e

Nunca

sem compreender o complexo mundo

terminará, pode-se apenas conquistar

de práticas e tradições, pode não

uma posição alta em um ranking, mas

valer à pena” (p. XIII).

monitorar

infinitamente.

nunca se pode deixar de monitorar

sem

atentar

para

a

A proposta de Morozov é uma

para se ter certeza que ninguém

política

de

internet

inteligente,

mistura nas lixeiras lixo orgânico e

com uma rede de segurança digital

reciclável. Monitora-se a si e aos

que poderia ser mais humana sem

outros com objetivo de melhorar e

barrar a inovação ao mesmo tempo.

cultivar hábitos saudáveis, produtivos,

“Designers e engenheiros sociais não

ecológicos e felizes.

devem se tornar burocratas ansiosos

No Vale do Silício, o lema já

com medo da inovação, mas, por

não é mais “Innovate or die”, mas

outro lado, eles podem praticar a

“Ameliorate or Die”. Há uma crença

inovação de um modo diferente.

de que a tecnologia pode tornar

O objetivo das intervenções – em

as pessoas melhores, uma orgia do

produtos e políticas – não devem

melhoramento, “ou, como os geeks

apenas prover respostas, mas também

diriam, com aplicativos, todos os

deixar mais fácil a postura de novas

bugs da humanidade são superficiais”

questões. Se a tecnologia determinar

(p. VIII).

que são inevitáveis, e se algumas

Morozov, entretanto, não é um

formas

de

soluções

não

podem

tecnofóbico, nem um tecno-otimista,

ser evitadas, devem deixar claro

mas

do

ao menos que essas soluções são

melhoramento e rejeita o determinismo

auto-reflexivas, talvez, de um certo

tecnológico. É preciso se afastar do

modo, até neuróticas. Somente por

internet-centrismo e do solucionismo

meio do auto-questionamento radical

e

pode-se

critica

refletir

esse

sobre

imperativo

o

impacto

da

tecnologia: “Desvencilhando-nos do

solucionar

e

transcender

suas limitações inerentes” (p. 352).

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

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Portanto, é fundamental questionar

crenças de como a internet salvará

o uso da internet. Morozov propõe

ou arruinará nossas vidas e o planeta.

uma reflexão da internet e de nossas

Acreditamos

na

internet

para

práticas sem querer reconstruir um

identificar suspeitos de terrorismos e

dogma ou afirmar uma nova crença

ofertar o produto adequado para todas

de como será bonito o nosso futuro

as necessidades. Com os inúmeros

a partir do uso de tecnologias.

aplicativos, vivemos a crença do

Enquanto

isso

se

continua

Vale do Silício. Nesse processo, cada

aceitando múltiplos bancos de dados

dia mais aceita-se e reafirma-se a

no processo the internet. Continua-se

necessidade de autogoverno com o

no loading de monitoramentos que

auxílio da tecnologia.

nunca se conclui e na atualização de

ecopolítica, 11: jan-abr, 2015 Interromper o loading..., 77-87

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