INTERSECÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO DISTRITO FEDERAL E NORDESTE GOIANO a

June 13, 2017 | Autor: Jose Drummond | Categoria: Environmental policy, Biodiversity Conservation, Brazilian cerrado
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INTERSECÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO DISTRITO FEDERAL E NORDESTE GOIANOa Roseli Senna Ganem1, José Augusto Drummond2, José Luiz Andrade Franco2 (1Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, Área XI - Meio Ambiente, Câmara dos Deputados, Anexo III, sala T38A - CEP: 70160-900, [email protected]; 2Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável, Setor de Autarquias Sul - Quadra 5 - Bloco H, 2o andar - sala 200 CEP: 70070-914 - Brasília/DF, [email protected]; [email protected]).b Termos para indexação: bioma Cerrado, manejo bioregional, corredor de biodiversidade Introdução O manejo biorregional constitui uma estratégia de conservação, a ser implantada em áreas extensas e biologicamente viáveis, abrangendo áreas-núcleo e corredores ecológicos imersos numa matriz de usos e padrões de posse da terra diversos. Deve basear-se em informação técnica sólida e fomentar a integração entre órgãos das diferentes escalas de governo, proprietários particulares e sociedade civil organizada (Miller, 1997). O nordeste goiano abarca quatro Microrregiões do Estado de Goiás – Entorno de Brasília, Vão do Paranã, Chapada dos Veadeiros e Porangatu – e contém um dos maiores maciços de Cerrado ainda conservado. A região do Vão do Paranã requer proteção urgente, por constituir importante área de endemismo do Cerrado sob processo de devastação, para extração de carvão e implantação de pastagens (Felfili et al., 2005). Nos Municípios de São João da Aliança e Padre Bernardo, as ameaças à biodiversidade decorrem da expansão da agricultura moderna. O Distrito Federal (DF) constitui um arquipélago de remanescentes do Cerrado em meio a extensas áreas desmatadas. O desmatamento decorre da acelerada expansão urbana e da atividade agropecuária moderna.

a

Este trabalho faz parte da tese de doutorado defendida por Roseli Senna Ganem no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, em dezembro de 2007, sob a orientação do Prof. José Augusto Drummond e co-orientação do Prof. José Luiz Andrade Franco (Ganem, 2007). b Este trabalho contou com a colaboração de Renato Prado dos Santos, consultor em geoprocessamento, para realização dos trabalhos de mapeamento.

Juntos, o DF e o nordeste goiano abarcam diversos polígonos de Áreas Prioritárias para a Conservação, definidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA/SBF, 2007). Os maciços de vegetação nativa da região ainda apresentam condições de conectividade com o Cerrado ao norte, pelo Estado do Tocantins, atingindo o Jalapão e o sul do Piauí. Este trabalho tem como objetivo discutir a intersecção de políticas públicas voltadas para a conservação da biodiversidade no Distrito Federal (DF) e nordeste goiano, bem como apresentar uma proposta de corredor de biodiversidade abrangendo a região, à luz das diretrizes do manejo biorregional. Material e Métodos A coleta de dados foi feita entre outubro de 2006 e abril de 2007. Inicialmente, foram identificados as ações voltadas para a conservação da biodiversidade, em desenvolvimento na região ou que haviam sido realizadas nos últimos dois anos. Foram realizadas 61 entrevistas, com membros de órgãos públicos federais e locais, representantes de organizações não governamentais (ONGs) e proprietários de terra. Posteriormente, foi feita a análise integrada das ações identificadas, aplicáveis à conservação da biodiversidade na região do DF e nordeste goiano. Essa análise apoiou-se no mapeamento dos principais projetos identificados, com uso do programa de ambiente SIG Arcgis. Foi realizada a classificação dos uso do solo e cobertura vegetal da região, com uso de imagens CBERS de 08 de setembro de 2006. Além disso, foram feitas visitas de campo às regiões rurais do DF, ao Vão do Paranã e à Chapada dos Veadeiros, entre janeiro e junho de 2007, para observação do estado de conservação dessas áreas. FInalmente, foi elaborada uma proposta de corredor de biodiversidade. Resultados e Discussão O mapeamento das políticas incidentes no DF e nordeste goiano revelou a sobreposição de diversas políticas públicas, entre elas o Projeto Corredor Paranã-Pireneus, a Reserva da Biosfera do Cerrado (Fases I e II), a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e do Entorno (RIDE) e diversas UCs federais e estaduais, de proteção integral e de uso sustentável.

O Corredor Ecológico Paranã-Pireneus (CEPP) resultou de um projeto de cooperação entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), implantado entre 2003 e 2006. O projeto abrangeu o DF e as regiões da Serra do Pireneus, o Vão do rio Paranã e a Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Seus objetivos estavam voltados principalmente para a educação ambiental e a articulação institucional (Jica, 2006). A Reserva da Biosfera do Cerrado abrange o DF (Fase I) e o nordeste de Goiás (Fase II). Tem como objetivo proteger porções do bioma contendo ecossistemas característicos da zona nuclear e áreas de transição (Cobramab, 2002). Sua implantação, ainda não efetivada, está a cargo da Unesco, em parceria com os órgãos ambientais federais, distritais e do Estado de Goiás. Na Ride, foi realizado o diagnóstico ambiental na escala de 1:250.000. Embora o mapeamento possibilite a identificação de áreas propícias para a conservação, ainda não foi concluída a definição das zonas de intervenção. Diversas UCs foram criadas na região. Duas UCs de proteção integral (Parque Nacional de Brasília, no DF, e Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás) contam com cercamento, centro de visitantes e vigilância. Três UCs federais de uso sustentável (APA do Planalto Central, no DF e Municípios ao norte; APA do Rio Descoberto e APA do Rio São Bartolomeu, ambas no DF); a APA estadual do Pouso Alto (GO) e APA distrital do Cafuringa ainda não foram implantadas. Foram criadas unidades de conservação e parques ecológicos distritais de pequena extensão, a maior parte não implantada. O Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS) é financiado pelo GEF e coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza. Apoia iniciativas de ONGs e de associações de base comunitária, visando a promoção de meios de vida sustentáveis no bioma Cerrado. O Projeto Conservação e Manejo da Biodiversidade do Bioma Cerrado foi coordenado pelo Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado e executado por essa instituição, em parceria com a Universidade de Brasília, o Ibama e o Royal Botanic Garden, com recursos financeiros do Department for International Development, do Reino Unido. Foi executado entre 1997 e 2005 e abrangeu 34 municípios do nordeste de Goiás. Objetivou a realização de

estudos de caracterização, recuperação e manutenção do bioma, bem como a disseminação de conhecimento para a conservação e o manejo dos recursos naturais. Além desses programas e projetos, incidiram sobre a região projetos específicos do Ministério da Integração Nacional, na Mesorregião de Águas Emendadas. A região abrange, ainda, áreas acima de 1.200 m, consideradas de preservação permanente pela Lei do Estado de Goiás nº 12.596/1995, além das áreas de preservação permanente instituídas pelo Código Florestal. Não há monitoramento dessas áreas. Observa-se,

portanto,

a

sobreposição

de

inúmeras

ações

recentes

ou

em

desenvolvimento na região de estudo, voltadas para a conservação da biodiversidade local. Entretanto, essas ações não resultaram na ampliação da área conservada na região, seja pela criação de novas UCs, seja pela proteção da cobertura vegetal em áreas privadas. Os dados revelam que não é a carência de políticas públicas que fragiliza a conservação na área. Se cada uma das ações identificadas tivesse alcançado os seus fins, ter-se-ia o Zoneamento Ecológico-Econômico, pelo menos nos municípios que compõem a Ride; UCs protegendo efetivamente a biodiversidade; corredores ecológicos envolvendo uma malha de áreas de preservação permanente, reservas legais, RPPNs e outras áreas protegidas; estruturas de educação e capacitação ambiental atuantes; produtores rurais e comunidades locais engajadas na conservação; populações extrativistas produzindo e inseridas no mercado local, regional e até mesmo internacional. Obviamente, esse não é o caso. O nordeste goiano ainda não foi amplamente devastado, mas está, de fato, entre as linhas de fronteira agrícola de ocupação e sob forte ameaça. A sobreposição de espaços de intervenção pública demonstra claramente a ausência de diálogo entre os diversos órgãos governamentais. Os ministérios, e mesmo órgãos distintos dentro de um mesmo ministério, têm territórios diferentes de atuação e não dialogam entre si. Um exemplo contundente é a sobreposição da Reserva da Biosfera do Cerrado, do Corredor Paranã-Pireneus e da APA do Planalto Central, a cargo do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama. Essa sobreposição implica a criação de três conselhos, envolvendo técnicos governamentais e representantes da sociedade civil, recursos financeiros, esforços de zoneamento e gestão redundantes, com a mesma finalidade (gestão da biodiversidade) e numa mesma área.

A ineficácia de tantas políticas sobrepostas denota falha na fase de planejamento e acarreta desperdício de recursos. Conter o desmatamento na região e promover a conectividade entre os remanescentes de vegetação depende da implantação de uma política pública que incorpore os princípios do manejo biorregional, capaz de articular órgãos públicos aos proprietários privados e às iniciativas das ONGs. A análise do uso do solo na região revelou a existência de uma área de três milhões de hectares propícia à implantação de um corredor de biodiversidade. O critério para a definição desses limites foi a presença de maciços de vegetação nativa remanescentes, onde o Poder Público e as ONGs possam trabalhar com proprietários rurais, em torno da manutenção da conectividade ainda existente. Sugere-se, portanto, a implantação efetiva de um corredor de biodiversidade, com base nos princípios do manejo biorregional. Implantar esse corredor é fundamental para a conservação da biodiversidade do Cerrado, pois a Chapada dos Veadeiros e o Vão do Paranã são indicados como centros de endemismos do bioma (Felfili et al., 2005). As UCs de proteção integral são insuficientes para proteger a diversidade florística da região (Unesco, 2002; Felfili et al., 2005). No DF, o tamanho reduzido e o isolamento das UCs colocam em risco a conservação das populações da fauna e da flora nelas contidas (Unesco, 2002). Esses fatores apontam a necessidade de atuação das instituições governamentais e não-governamentais visando a conservação da vegetação nativa nas áreas de interstício entre as UCs de proteção integral. As formações nativas remanescentes, entre o DF e a Chapada dos Veadeiros, encontram-se entre linhas de fronteira agrícola provenientes do sul goiano e do oeste da Bahia. Confrontando-se os dados levantados neste trabalho com os do MMA (2007), observase o avanço do desmatamento pelo lado oeste de Serra da Mesa, alcançando Colinas do Sul; pelo leste, passando pelos municípios de Cabeceira Grande e Cabeceiras e alcançando Formosa; pelo centro, atravessando o DF e o Município de Padre Bernardo, inserindo-se nos municípios de Planaltina, Mimoso de Goiás, Água Fria de Goiás e São João d’Aliança. Existe, também, o avanço da fronteira do desmatamento proveniente do oeste baiano. De fato, os remanescentes da região estão se tornando cada vez mais reduzidos e, caso o Poder Público e as entidades ambientalistas não atuem rapidamente, as UCs do DF perderão conectividade com aquelas da Chapada dos Veadeiros.

A análise da cobertura vegetal da região mostrou que, no nordeste goiano, parte das áreas mais conservadas situa-se em regiões de relevo mais movimentado, nas nascentes do rio Maranhão, na APA do Planalto Central; nas escarpas do Vão do Paranã, de Formosa a Alto Paraíso, e no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Os terrenos limítrofes ao parque, a oeste, abrangem área de latossolos de baixa declividade, correspondentes ao Vão do rio Claro (IBAMA/JICA, 2005), afluente do rio Tocantins. Inserida na APA estadual do Pouso Alto, essa área é ocupada com pastagem extensiva e abrange cerrado strictu senso em bom estado de conservação, mas não goza de suficiente proteção, tendo em vista que o processo de implantação dessa APA ainda não foi iniciado. As áreas mais planas, nos municípios de Padre Bernardo, Água Fria de Goiás e São João da Aliança, encontram-se ocupadas por pastagens plantadas e culturas de grãos. No Vão do Paranã, ocorre intensa fragmentação das matas mesofíticas e cerradões. Observou-se que o processo é mais intenso no trecho entre Formosa e o limite sul do de São João da Aliança. Ao norte, a vegetação está menos fragmentada, mas não menos ameaçada, como evidenciam as carvoarias do povoado de Forte. A vulnerabilidade dessas matas e a sua importância biológica justificam a adoção de medidas urgentes para a sua proteção. Conclusões A sobreposição de políticas públicas de conservação, como ocorre no DF e nordeste goiano, é evidência de falhas no planejamento ambiental e de falta de interlocução entre os órgãos governamentais. Os corredores de biodiversidade devem ter como meta principal a conservação da fauna e da cobertura vegetal nativa e constituem uma estratégia de manejo biorregional. Têm como finalidade ampliar a área protegida, pela preservação ou promoção do uso sustentável nos interstícios entre UCs. A criação de unidades de conservação, a educação ambiental, a articulação e a integração institucional, a implantação do uso sustentável da flora, da fauna e dos demais recursos são atividades a serem desenvolvidas, tendo em vista a conservação. Os projetos de conservação no DF e nordeste goiano devem levar em conta a necessidade urgente de proteger as manchas de cerrado, matas mesofíticas e matas ciliares ainda existentes. Os limites do corredor proposto neste trabalho buscam incluir os

remanescentes de vegetação nativa da região, de forma a propiciar uma atuação mais efetiva das instituições em áreas que ainda apresentam boas condições de conectividade A definição desse contorno é pré-requisito para o encadeamento dos projetos de implantação das políticas públicas de conservação. Referências bibliográficas COBRAMAB Comissão Brasileira para o Programa Man and Biosphere. Cerrado Biosphere Reserve. Brasília, Cobramab. 2002. Trabalho não publicado. FELFILI, J. M.; SOUZA-SILVA, J. C. & SCARIOT, A. Biodiversidade, ecologia e conservação do Cerrado: avanços o conhecimento. In: SCARIOT, A.; SOUZA-SILVA, J. C. & FELFILI, J. M. (org.). Cerrado: ecologia, biodiversidade e conservação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2005. p. 25-44. GANEM, R. S. Políticas de conservação da biodiversidade e conectividade entre remanescentes de Cerrado. Brasília: UnB/CDS. Tese de Doutorado. 2007. IBAMA/JICA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis & Agência de Cooperação Internacional do Japão). Corredor Ecológico do Cerrado Paranã-Pireneus visto pelo Sistema de Informação Geográfica. Brasília: Ibama. 2006. IPDF (Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal). PDOT: documento de referência; perfil do Distrito Federal; estudos setoriais. Brasília: IPDF. 1996. JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão). Projeto de conservação de ecossistemas do Cerrado: Corredor Ecológico do Cerrado Paranã-Pireneus. Relatório de Avaliação Final. Brasília: JICA BRAZIL. 2006. MILLER, K. R. Em busca de um novo equilíbrio: diretrizes para aumentar as oportunidades de conservação da biodiversidade por meio do manejo biorregional. Brasília: IBAMA. 1997. MMA (Ministério do Meio Ambiente). Mapas de cobertura vegetal dos biomas brasileiros. Brasília: MMA. 2007b. MMA/SBF (Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Biodiversidade e Florestas). Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: atualização – Portaria nº 9, de 23 de janeiro de 2007. Brasília: MMA, 2007. PINHEIRO, C. E. G. Estudos comparativos sobre a fauna de borboletas do Distrito Federal: implicações para a conservação. In: SCARIOT, A.; SOUSA-SILVA, J. C. & FELFILI, J. M. (org.). Cerrado: ecologia, biodiversidade e conservação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2005. p. 295-303. SCARIOT, A. & SEVILHA, A. C. Biodiversidade, estrutura e conservação de florestas estacionais deciduais no Cerrado. In: SCARIOT, A.; SOUSA-SILVA, J. C. & FELFILI, J. M. (org.). Cerrado: ecologia, biodiversidade e conservação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2005. p. 121-139. SILVA, J. M. C. da & SANTOS, M. P. D. A importância relativa dos processos biogeográficos na formação da avifauna do Cerrado e de outros biomas brasileiros. In: SCARIOT, A.; SOUSA-SILVA, J. C. & FELFILI, J. M. (org.). Cerrado: ecologia, biodiversidade e conservação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2005. p. 219233. UNESCO. Vegetação do Distrito Federal – tempo e espaço. 2ª ed. Brasília. 2002.

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