Intimidação e terrorismo: História Oral do Comando de Caças aos Comunistas

June 2, 2017 | Autor: G. Esteves Lopes | Categoria: Terrorismo, História do brasil república, Comando de Caça aos Comunistas
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“Intimidação e terrorismo: História Oral do Comando de Caça aos Comunistas (1962-1968)” Gustavo Esteves Lopes Mestrando em História Social-USP

O Comando de Caça aos Comunistas foi uma organização de extrema-direita que se caracterizou como para-militar. Basicamente constituiu-se por estudantes universitários, agentes policiais e militares, localizados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, e outras localidades do país. Adepto de diversas táticas de intimidação, potencialmente terroristas, na luta contra a “subversão comunista” instalada no Brasil, tinha o objetivo estratégico de induzir a crise política ao recrudescimento e aos anseios da chamada “Linha Dura” do Regime CivilMilitar1. Sabe-se que foi criado em tempos anteriores ao Golpe de 1964, pois ao “CCC” atribuiu-se o atentado a tiros contra o carro oficial do então Ministro João Pinheiro Neto, da Superintendência de Reforma Agrária (SUPRA), momentos antes de realizar uma palestra na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, que obviamente foi cancelada, em São Paulo a meados de 19632. Atribuiu-se também ao CCC o incêndio na sede da UNE, no Rio de Janeiro, que ocorreu durante a madrugada de 31 de março para 1º de abril3 de 1964, articulado a outro movimento para-militar, conhecido como Movimento Anti-Comunista, formado por jovens estudantes e militares. Suspeitava-se que este movimento de origem fluminense era ligado ao até então apoiador do golpe, o Governador da Guanabara, Carlos Lacerda4. 1

Nos meios políticos progressistas, atuantes anteriormente ao golpe de 1964, especulava-se

na época que muitas organizações para-militares de direita, entre as quais o Grupo de Ação Patriótica e Mobilização Democrática Mineira entre outras, foram auxiliadas em recursos técnicos e materiais pela CIA (Central Intelligence Agency). Cf. BANDEIRA, Moniz. A presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª ed. 1978. pp. 456-75. 2

DECKES, Flávio. Radiografia do terrorismo no Brasil: 1966-1980. São Paulo: Ícone. 1985. pp.

18-9. 3

ARNS, Dom Paulo Evaristo (pref.). Brasil: Nunca mais. Petrópolis: Vozes. 1985. pág. 132.

4

Cf. O CRUZEIRO , 9 de novembro de 1968, ano XL, nº. Importante parcela, das informações

apresentadas neste projeto, encontram-se em depoimentos reunidos no Dossiê de Iniciação Científica do projeto “Táticas de Intimidação e Terrorismo: Relatos de História Oral sobre a

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2 Fundado sob as arcadas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, o CCC esteve em silêncio por algum tempo, após os atentados em apoio ao golpe, pois as esquerdas (dos movimentos estudantis e sindicais) não haviam ainda organizado oposição concreta ao regime civilmilitar imposto. A nova situação política ainda não apresentava nenhum “perigo vermelho”. Todavia, tornaram a atuar mais ostensivamente a partir 1967, quando pressentiram uma possível revanche dos movimentos sociais de esquerda, os quais durante dois anos permaneceram em silêncio e autocrítica (como assim avalia Jacob Gorender), analisando os motivos pelos quais não se organizou uma contundente pressão ao golpe militar. As esquerdas



constituídas

por

sindicalistas,

intelectuais,

clérigos

progressistas, jornalistas, artistas, estudantes e ligas camponesas – voltaram a ser atacadas, sendo o CCC responsabilizado pelas ações ocorridas principalmente em São Paulo. As ações terroristas postas em prática pelo CCC tiveram seu auge em 1968, momento crucial em que os militares definiriam quão ditatorial deveria ser o regime imposto, constitucionalmente outorgado desde 1967. O CCC, em algumas das ocorrências supostamente associado a outras siglas, continuou a intimidar, realizar badernas e “quebra-paus” para obstruir processos eletivos das organizações estudantis fora da legalidade; encenações de peças teatrais que as consideravam imorais; e quaisquer manifestações públicas contra o processo ditatorial. Neste ínterim, agrediu fisicamente os atores e destruíram o cenário da peça de teatro “Roda Viva”, de Chico Buarque de Holanda, no Teatro Galpão, em São Paulo, a 18 de julho de 19685. Coordenou os atos de

atuação do Comando de Caça aos Comunistas (1968-1970)” (processo fapesp 01/09643-4). Os depoimentos que apresentam estas informações sobre o MAC foram concedidos por Gustavo de Carvalho Oliveira Andrade, e Cassio Scatena. Ambos se posicionam ideologicamente à “direita” em seus respectivos depoimentos, sendo que este último diz-se um dos fundadores do CCC. Ambos são advogados, colegas de profissão. 5

FOLHA de S. Paulo. Comando de Caça aos Comunistas diz como atacou “Roda Viva” em 68. São Paulo,

17 de julho de 1993. encontram-se reproduzidas as notícias do acontecimento em: FERNANDES, Rofran; MAGALDI, Sabato (pref.). Teatro Ruth Escobar: 20 anos de resistência. São Paulo: Global. 1985; FOLHA de S. Paulo. Comando de Caça aos Comunistas diz como atacou “Roda Viva” em 68. São Paulo, 17 de julho de 1993. Por que não fazer uma alusão entre um membro de um CCC e o personagem Perdigoto de “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade, como assim o fez Zé Celso Martinez Corrêa – em entrevista concedida para esta

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3 depredação e violência, utilizando-se de armas de fogo de alto calibre e produtos químicos, nos conflitos acontecidos a 2 e 3 de outubro, entre estudantes da Universidade Mackenzie e da Filosofia da USP, na Rua Maria Antonia; no qual resultou muitos feridos e a morte do estudante secundarista José Guimarães. Realizou a série de atentados a tiros promovidos contra o CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo), a inícios de dezembro de 19686. No Rio de Janeiro, houve explosões de bombas no Jornal do Brasil e Correio da Manhã (esta última, reivindicada pelas siglas CCC/MAC), a 7 de novembro e 7 de dezembro de 1968, respectivamente; nas livrarias Civilização Brasileira e Forense (reivindicada pelas siglas FUR/MAC/CCC), a 13 de outubro e 1° de novembro do mesmo ano, respectivamente; no periódico “O Pasquim”, a 12 de março e 10 de maio de 19707. Demonstrando o alcance obtido do uso da sigla CCC em diversas partes do país, a meados de outubro de 1968, professores e alunos de extrema-direita localizados em Maceió (cite-se o professor Wanillo Galvão e seu filho Keitel, que organizaram uma tal Patrulha Nacional Cristã, em repúdio ao comunismo e à subversão estudantil alagoana) picharam pelas paredes da Faculdade de Educação da UFAL a sigla CCC em apoio à prisão dos estudantes no Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, interior de São Paulo, referindo-se à mais uma “vitória” do movimento estudantil de direita na após trágica briga da Rua Maria Antonia8. Após o AI-5, em Recife, acusou-se um CCC pelo assassinato do Padre Henrique Pereira Neto – missionário auxiliar do Bispo de Arquidiocese de Olinda, Dom Hélder Câmara, freqüentemente ameaçado

pesquisa em sua fase de iniciação científica? Esta peça foi pela primeira vez encenada em 1967 pelo Teatro Oficina, após 30 anos de sua publicação. De alguma forma, a presença de um personagem que satiriza o “reacionário folclórico” irritou a sociedade conservadora paulistana da época. O lançamento de “Roda Viva”, também sob a direção de Zé Celso, foi a “Gota d’Água”. Cf., “Táticas de Intimidação e Terrorismo...” 6

CF., SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos (org.). Maria Antônia: uma Rua na Contra-mão.

São Paulo: Nobel. 1988; AÇÃO Popular. O Livro Negro da Ditadura Militar. São Paulo: Libertação. 1972. 7

Cf., DECKES, F. op. cit. pp. 132-3; GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo:

Ática, 6ª edição. 2000. 8

Cf., OLIVEIRA, José Alberto Saldanha de. A Mitologia Estudantil: uma abordagem sobre o

Movimento Estudantil Alagoano. Maceió: Secretaria de Comunicação Social do Estado de Alagoas/SERGASA. 1994. pp. 91-94.

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4 por um CCC de cunho policial e estudantil do nordeste, além do próprio governo –, nos arredores da Universidade Federal de Pernambuco em Recife, a 26 de maio de 1969. Houve grande censura sobre a imprensa local ao divulgar o fato9. Todavia, a população local ficou ciente de que a covardia foi obra de um CCC, como reitera Márcio Moreira Alves10. Tais crimes fizeram do CCC um aparente movimento para-militar organizado em escala nacional, devido à cabal disseminação pública dessa sigla, empreendida pela imprensa da época, do qual foi vítima de ameaças e de violência física, no decorrer de 21 anos de Regime Civil-Militar conivente, senão opressor à liberdade de expressão, à democracia e aos direitos civis. O CCC aproveitou esta fama – uma vez que foi foco da “grande imprensa” para espalhar ainda mais o sentimento de medo e terror (nos níveis físicos aos psicológicos) sobre a sociedade civil contrária ao processo de fechamento ditatorial – mesmo sobre quem não era de esquerda11. Após os seguidos traumas enfrentados pelos movimentos sociais, poderia se dizer que no meio político conservador, quem fosse um nazista, um fascista, mesmo um liberal, era um possível sujeito identificado com o CCC12.

9

Percebe-se que após o AI-5 não mais havia sinais de liberdade de expressão, nem como

forma de mercadoria da “grande imprensa”, que até o dia anterior ao “golpe dentro do golpe” flertava com um público “progressista”,

mas que forçosamente teve de abandoná-lo e

persegui-lo. Cite-se também o caso do jornal “Folha da Tarde”, do grupo Folha da Manhã, que em sua trajetória durante o Tempo de Ditadura deixou de ser uma voz dos protestos contra o autoritarismo, para se tornar conhecido como o “Diário Oficial da OBAN”. Cf, KUSHNIR, Beatriz. Cães-de-Guarda: Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo:

Boitempo. 2004.

10

Cf., ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a Política no Brasil. São Paulo: Brasiliense. 1979.

11

Cf. VEJA

E

LEIA, 9 e 16 de outubro1968. Ano I, nº 5 e 6; O Cruzeiro,

Ano XL, nº 45-9.

Nestas edições encontram-se importantes reportagens sobre as atuações do CCC durante aqueles momentos finais de 1968. 12

A título de exemplo, o jornalista Boris Casoy, em depoimento concedido à Beatriz Kushnir,

negou sua participação neste movimento, na época limitando-se a apoiar individualmente a “Revolução de 1964”. Fora denunciado pela revista “O Cruzeiro”, por ter conclamado os estudantes mackenzistas a defender o patrimônio de sua faculdade contra uma possível invasão de subversivos da Faculdade de Filosofia. Justamente o contrário foi o que aconteceu. Desde então, seu nome é vinculado ao CCC. Cf, KUSHNIR, B. OpCit. Cite-se também o deputado federal José Roberto Batochio, que também fora denunciado na mesma edição de “O Cruzeiro”. A vida inteira tivera que se explicar publicamente, e que tudo não passava de um mal entendido. Também concedeu depoimento em “Táticas de Intimidação e terrorismo...”

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5 O CCC foi desaparecendo da cena política a partir dos finais de 1968, momento da edição do AI-5, o chamado “golpe dentro do golpe. A centralização das ações ostensivas foi necessária para a contemplação dos objetivos estatais,

cuja eficácia deveu-se à concessão de poderes

incomensuráveis aos órgãos oficiais de repressão para atuarem sobre o cotidiano político dos brasileiros. Uma vez que o terrorismo fora praticado pelo próprio Estado, alguns integrantes mais ostensivos do CCC decidiram profissionalizar-se na tortura e repressão, de modo a tornarem-se servos da ditadura e da burocracia estatal, como assim o foram os conhecidos delegados “Raul Careca” e “Otavinho”13. Nos tempos de reabertura política, a finais da década de 1970, com o volta do povo aos espaços públicos, novamente apareceram grupos estudantis que reivindicavam a sigla CCC, justamente em seus antigos nichos: as faculdades de Direito em São Paulo, principalmente da USP e do Mackenzie, que mais uma vez ganharam simpatizantes no resto do país, como anteriormente. À maneira do CCC “original”, tentavam empastelar reuniões

e

processos

eletivos

estudantis;

agrediam

fisicamente

esquerdistas; incendiavam bancas de jornal que trabalhavam com materiais ditos “subversivos”; e suspeitava-se sua autoria também em relação às explosões de bombas nas sedes das empresas “Folha da Manhã” e do “O Estado de São Paulo”, seguidas vezes durante as décadas de1970 ede 1980. Se a anulação dos movimentos de esquerda durante o Tempo de Ditadura foi um dos objetivos pretendidos pela direita, tanto civil e quanto militar, pode-se dizer que, ao menos, este foi um intuito alcançado. Entretanto, percebe-se lacunas no campo do conhecimento histórico sobre 13

Estes nomes são dos mais recordados pelos colaboradores em seus depoimentos

realizados para o projeto “Táticas de Intimidação e Terrorismo”. Otávio Gonçalves Moreira Júnior foi assassinado em 1973 por um comando guerrilheiro em plena Praia de Copacabana, devido as torturas sofridas por colegas de faculdade (cite-se Maria Aparecida Costa e Percival Maricato) no exercício de sua autoridade policial. Raul Nogueira de Lima, que já era agente policial do DOPS antes de 1964, esteve presente em diversas ações do CCC por também ter sido estudante de Direito na Universidade Mackenzie; mas após sua aposentadoria retirou-se da vida pública para um ostracismo do qual dificilmente há como retirá-lo, porque “ninguém sabe aonde vive, e o que faz da vida hoje”. Percebe-se que para ser do CCC, antes de ser policial, o direitista deveria ser estudante universitário. Isto conferia à organização um aparente status ideológico e corporativo que a diferenciava de outros movimentos para-militares.

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6 esta tentativa de anulação por meio do terrorismo para-militar de direita no Brasil. Pois poucos trabalhos aprofundaram-se na investigação sobre o que foi o CCC e organizações similares. Quer dizer, a historiografia sobre o Regime-Civil Militar se preocupou até o atual momento, principalmente, com o terrorismo de Estado, praticado no Brasil sistematicamente a partir do AI5, no qual se compreendia o terrorismo para-militar profissional. São necessários o levantamento de dados mais precisos sobre o que foi o CCC e similares, e uma maior definição de conceitos de terrorismo, para diferenciá-los

categoricamente

de

organizações

para-militares

profissionalmente constituídas como a “Operação Bandeirantes”, fundada em 1971 sob tutela do II e patrocinada por grandes empresários. Enquanto o caso do CCC for alheio à historiografia, permanece-se a sensação de estar lidando com o terrorismo de um “mito político” surgido no seio do movimento estudantil de direita. Encarar o CCC enquanto “mito político” não seria menosprezar a evidência dos fatos nos quais se envolveu; e tampouco o sofrimento e o testemunho de vítimas de sua violência e convívio? Embora seja algo aparentemente polêmico, para além disto, significa pois compreendê-lo como uma “comunidade imaginada”, sobre a qual foram impostos os adjetivos

paradigmáticos

de

“movimento

para-militar”,

“organização

terrorista”, os quais historicamente são mais cabíveis ao “Esquadrão da Morte” e à “Operação Bandeirantes”, atuantes durante o Combate nas Trevas14. A importância de se discutir se o CCC foi ou não um “mito político” do Tempo de Ditadura15 é cabível porque existiu, era real. Mas tornou-se um ícone “midiático” do terrorismo, da violência política e do medo que fora veiculado pela “grande imprensa” até 196816. Mesmo intimidada com a série de ameaças e agressões, valia a pena para a “grande imprensa” vender a imagem do “CCC ou o Comando do Terror”, antes que mais um

14

Referência à clássica obra de Jacob Gorender, Op. Cit.

15

Referência ao título dos CADERNOS AEL. Tempo de Ditadura. Campinas. AEL/IFCH, v. 8, os n 14/15. 1º e 2º

Semestres de 2001. Esta é a definição que melhor cabe ao que se pode também denominar “Regime Civil-Militar”. 16

Mircea Eliade identifica nas “mass medias” uma das importantes fontes geradoras de

mitos nas sociedades contemporâneas. Cf., “Myth and Reality”. New York: Harper & Row. 1963.

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7 ato institucional fosse editado, cerceando a liberdade de expressão vivida desde 1967; e antes que novamente tivesse que se adequar à “regra do jogo” das “cobras criadas”.17 O CCC pode ser um “mito político” também porque sua existência fornece um exemplo de conduta humana e social digna de reflexão sobre os medos, ressentimentos, o ódio, e mesmo a “esquizofrenia” de ser parte ativa do processo político de um tempo de ditadura – sejam seus atores contra ou a favor da conjuntura política18. Entende-se a formação do mito político enquanto processo que se desenvolve em tempos críticos, permeados por traumas sociais que se tornam psíquicos. Apreendidos pelas memórias individuais e coletivas, assume-se enquanto paradigma histórico para posteriores gerações daquela comunidade de destino (ou afetiva), as quais o reviverão por meio do rito político.19 Vivenciado por seguidas gerações de estudantes direitistas e adversários, fora fundado contra a possível “sindicalização” da República, impedida pela “Revolução” de 1964; atuante contra o espírito libertário de 1968; ressurgido (saudosistamente) durante o “processo lento, gradual e seguro” de abertura política; e enterrado desde a aparente estabilidade política consolidada pela Constituição de 1988. Portanto, este foi o Comando de Caça aos Comunistas, uma das representações de “mito político” do Tempo de Ditadura. * * * Á guisa de uma breve apresentação do corpus documental “consagrado” referente ao tema, vale dizer que sua preservação, mantida em arquivos públicos e privados ainda, encontra-se em situação precária – o que não diminui de forma alguma a validade de seu conteúdo. Por exemplo, nos Arquivos do Estado de São Paulo e o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, responsáveis por grande parcela dos prontuários policiais do DOPS (no caso de São Paulo, do DEOPS) recolhidos nestes Estados, não são mantidas as condições exigidas de sustentar tal acervo sobre o Tempo 17

Cf., CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas: David Nasser e “O Cruzeiro”. São Paulo:

SENAC. 2001. Cite-se também, KUSHNIR, B. Op. Cit. 18

Cf., BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (Orgs.). Memória e (Res)sentimento: Indagações

sobre uma questão sensível. Campinas: Unicamp. 2001. Sobre questões a serem levantadas sobre as noções dos significados de “ressentimento”, cite-se mais especificamente capítulos 1, 2, 15-7, 24. 19

GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Cia. das Letras. 1987. pp. 183-4.

SEIXAS, Jaci Alves. Percursos de Memórias em terras de História: problemáticas atuais” , in: BRESCIANI S; NAXARA, M (Orgs.). Op. Cit. Pp. 51-55.

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8 de Ditadura. Sobretudo por condições de ordem política que tocam os dias de hoje há esta falta de compromisso das autoridades públicas. São compreensíveis os motivos pelos quais tais informações arquivadas podem ser prejudiciais, nefastas a personalidades e entidades influentes na cena política do Brasil pós-Constituição de 1988, remanescentes do Regime CivilMilitar. Não seria interessante a distorção senão o esquecimento dos fatos documentados dos quais participaram desde antes da “Revolução” de 1964? Paul Thompson, reconhecido pioneiro da História Oral – metodologia “empregada” nesta pesquisa – considera de válida importância os estudos em História Oral aplicados às temáticas de História Política contemporânea, no Brasil e América Latina, devido à “urgência adicional num continente em que seguidas rebeliões políticas destroem regularmente a documentação escrita”.20 A viabilidade de se estudar a atuação do Comando de Caça aos Comunistas, por meio dos recursos metodológicos oferecidos pela História Oral, deve-se ao fato de muitas pessoas que se envolveram no caso estarem vivas. Para este projeto, não somente há depoimentos cujas informações suprem razoavelmente a deficiência historiográfica – caso houvesse

apenas

uma

pesquisa

realizada

somente

em

arquivos

(organizados ou não) – como também se permitem ao diálogo com o corpus documental “oficial e consagrado” (composto de prontuários policiais, jornais e revistas, fotografias, livros de memória). Os colaboradores deste projeto – que dá continuidade à referida pesquisa de Iniciação Científica – são vítimas, testemunhas e ex-membros do CCC que a eles está sendo oferecida oportunidade de participar de uma pesquisa que pretende narrar e pôr em reflexão historiográfica suas atuações e pontos de vista, sobre os processos políticos dos quais fizeram parte. Deve-se dar a palavra a todos que estão dispostos a contarem suas respectivas histórias de vida. Este é um compromisso público da História Oral, como afirma José Carlos Sebe Bom Meihy, em seu “Manual de História Oral”.21

20

Cf., Thompson, Paul. A Voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1992.

p. 90. 21

Cf., Meihy, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 4ª edição.

2002.

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9 Referências bibliográficas: Abaixo está apresentado o conjunto bibliográfico que compõe o projeto “Intimidação e Terrorismo: História Oral do Comando de Caça aos Comunistas (1962-1970)”, dividido tematicamente em quatro definidos segmentos: -

História e Memória do Regime Civil-Militar no Brasil (1964-85), nos quais estão incluídos trabalhos produzidos por meio da História Oral;

-

Conceitos de “terrorismo”;

-

Conceitos de “mito político”;

-

Teorias e Métodos acerca de Memória, História Oral e Historiografia. * * *

Ação Popular. O Livro Negro da Ditadura Militar. São Paulo: Libertação. 1972. Adusp. O Livro Negro da USP. São Paulo: Brasiliense, 2 ª edição. 1979. Alves, Márcio Moreira. A Igreja e a Política no Brasil. São Paulo: Brasiliense. 1979. Andrade, Oswald. O Rei da Vela. Rio de Janeiro: José Olympio. 1937. Argolo, José (org.). A direita explosiva no Brasil: a História

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a

Ditadura

Militar;

in:

Revista

de

História.

São

Paulo:

Humanitas/FFLCH-USP, número 141. 1999. Cadernos AEL. Tempo de Ditadura. Campinas. AEL/IFCH, v. 8, nos14/15. 1º e 2º Semestres de 2001. Texto integrante dos Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH/SP-UNICAMP. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.

10 Carvalho, Luiz Maklouf de. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Globo. 1998. _______. Cobras Criadas: David Nasser e “O Cruzeiro”. São Paulo: SENAC. 2001. Couto, Ronaldo Costa. Memória Viva do Regime Militar: Brasil (1964-1985). Rio de Janeiro: Record. 1999. Corrêa, José Celso Martinez Corrêa. O Rei da Vela: Manifesto do Oficina; in: Andrade, Oswald de . O Rei da Vela. São Paulo: Globo. 2003. D'Araújo, Maria Celina; Castro, Celso (orgs.). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 2ª edição. 1997. D'Araújo, Maria Celina, Soares, Gláucio Ary, Castro, Celso (orgs.). Visões do golpe: A memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1994. _______. Os Anos de Chumbo: A memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1994. _______. A volta aos Quartéis: A memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1994. Deckes, Flávio. Radiografia do terrorismo no Brasil: 1966-1980. São Paulo: Ícone. 1985. Dreyfuss, René Armand. A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes. 1981. _______. O jogo da Direita: Na Nova República. Petrópolis: Vozes. 1988. Dulles, John W. Foster. A Faculdade de Direito e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945. São Paulo: Edusp/Nova Fronteira. 1984. Fernandes, Rofran; Magaldi, Sabato (pref.). Teatro Ruth Escobar: 20 anos de Resistência. São Paulo: Global. 1985. Folha de S. Paulo. Comando de Caça aos Comunistas diz como atacou “Roda Viva” em 68. São Paulo, 17 de julho de 1993. Fon, Antônio Carlos. Tortura: a História da repressão no Brasil. São Paulo: Global, 4a edição. 1979. Freire, Alípio; Almada, Isaías; Granville Ponce, J. A. (orgs.). Tiradentes: Um Presídio da Ditadura. São Paulo: Scipione. 1997. Gorender, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 6a edição. 2000. Ianni, Otávio. Imperialismo e Cultura. Petrópolis: Vozes. 1979.

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11 Kushnir, Beatriz. Perfis Cruzados: Trajetórias e Militância Política no Brasil. Rio de Janeiro: Imago. 2001. ________. Cães-de-Guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à constituição de 1988. São Paulo: Boitempo. 2004. Lima, Ruth Ribeiro de. Nunca é tarde demais para saber: Histórias de vida, Histórias da guerrilha. São Paulo, 1998. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Lopes, Gustavo Esteves. “Táticas de Intimidação e Terrorismo: Relatos de História Oral sobre a atuação do Comando de Caça aos Comunistas (19681970)”. Dossiê de Iniciação Científica – FFLCH/USP. 2003. (processo FAPESP 01/09643-4) Martins Filho, João Roberto. Movimento Estudantil e Militarização do Estado no Brasil: 1964-1968. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp. 1986. Matias, Simão (Coord.). Os Acontecimentos da Rua Maria Antonia (2 e 3 de Outubro de 1968). São Paulo: FFLCH/USP. 1988. Mir, Luís. A Revolução Impossível: a esquerda e a luta armada no Brasil. São Paulo: Best Seller. 1994. Nader, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: História Oral de vida política. São Paulo: Paz e Terra. 1998. Oliveira, José Alberto Saldanha de. A Mitologia Estudantil: uma abordagem sobre

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