Intoxicação por brachiaria decumbens

July 24, 2017 | Autor: K. Damasceno Neri | Categoria: Agriculture, Bovinos, Agropecuaria
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ISSN: 2238-9970

Arquivos de Pesquisa Animal, v.1, n.2, p.58-63, 2012

Intoxicação espontânea por Brachiaria decumbens em ovinos no Estado da Bahia Natural poisoning by Brachiaria decumbens in sheep in the State of Bahia, Brazil Ricardo S. de Oliveira1, Reanne M.M. da Silva1, Patrícia A. Dutra2, Eucimar A. Ferreira1, Emmanuel E.G. Pinheiro, Juliana T.S.A. Macêdo1 & Pedro M.O. Pedroso1* ABSTRACT An outbreak of poisoning by Brachiaria decumbens in sheep Santa Ines breed in Bahia, Brazil, is described. From a herd of 140 sheep, coming from a native area to an area of grass B. decumbens, fifty-three died. Twelve lambs of a total of fifty born on the farm that were introduced in the paddocks also died. The mortality rate of the farm was 34.2% (65/190). Clinical signs included weight loss, edema of the eyelid and ears, ocular and nasal discharge, alopecia around the eyes, difficulty walking, frequent falls and death. Three animals were necropsied. Gross lesions included, scar retraction of the ears, yellowish mucosae, and the liver was yellowish. Histologically, the changes occurred mainly in the liver and consisted of lymphoplasmocytic cholangitis, scattered necrosis of hepatocytes, discrete bile stasis, foamy macrophages, and some multinucleated cells were found. Birefringent crystals were observed in the liver of one case. The diagnosis was based on epidemiology, clinical signs and pathological changes. Keywords: poisoning, Brachiaria decumbens, sheep, cholangitis, Bahia.

RESUMO Descreve-se um surto de intoxicação por Brachiaria decumbens em ovinos Santa Inês na Bahia. De um total de 140 ovinos que haviam sido transferidos de uma área de campo nativo para uma área de capim braquiária morreram cinquenta e três matrizes. Nesse período, doze cordeiros de um total de cinquenta nascidos na fazenda que foram introduzidos nos piquetes de capim Braquiária também morreram. A taxa de mortalidade da fazenda foi de 34,2% (65/190). Os sinais clínicos observados foram emagrecimento, edema de pálpebra e de orelha, secreção ocular e nasal, alopecia ao redor dos olhos, dificuldade de locomoção, caiam com frequência e morte. Três animais foram necropsiados. As principais alterações macroscópicas consistiam de escore corporal baixo, crostas nas bordas das orelhas, mucosa ocular ictérica e fígado de coloração amarelada. Microscopicamente, observou-se colangite linfoplasmocitária, necrose aleatória de hepatócitos, discreta bilestase intraductal, presença de macrófagos espumosos e alguns hepatócitos multinucleados. Em um ovino foi observado imagens negativas de cristais no ducto biliar. O diagnóstico foi baseado na epidemiologia, sinais clínicos e alterações patológicas. Palavras-chave: intoxicação, Brachiaria decumbens, ovinos, colangite, Bahia.

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Laboratório de Patologia Veterinária, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Rua Rui Barbosa 710, Campus Universitário, CEP 44380-000, Cruz das Almas, Bahia. 2Doutoranda do Programa de PósGraduação em Zootecnia - Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia. *Autor para correspondência: [email protected].

Intoxicação espontânea por Brachiaria decumbens em ovinos no Estado da Bahia

INTRODUÇÃO

A

intoxicação por Brachiaria spp. (Poaceae) (B. decumbens, B. humidicola, B. brizantha) afeta bovinos, ovinos, caprinos, búfalos e equinos (RIET-CORREA & MÉNDEZ, 2007; ALBERNAZ et al., 2010; TOKARNIA et al., 2012). Ovinos são mais sensíveis à intoxicação por Brachiaria spp. que bovinos, embora seja bem mais comum observarem-se surtos de fotossensibilização em bovinos, dado que a pecuária ovina é mais restrita que a bovina nos trópicos (TOKARNIA et al., 2012). Anteriormente a toxicidade da Brachiaria decumbens era associada à presença do fungo Pithomyces chartarum, mas posteriormente foi demonstrado que a intoxicação em ruminantes é causada por saponinas esteroidais litogênicas presentes na gramínea (CRUZ et al., 2000; BRUM et al., 2007). Além da fotossensibilização, descrevese na intoxicação por Brachiaria decumbens, uma síndrome de emagrecimento progressivo (RIET-CORREA et al., 2002). Considerandose que grande parte das pastagens no país é constituída de Brachiaria spp. e que surtos ocorrem todos os anos, fica evidente que os prejuízos econômicos são significativos (TOKARNIA et al., 2012). Tratando-se da Bahia, o Estado possui o maior rebanho caprino e o segundo maior rebanho de ovinos do Brasil (IBGE, 2010), sendo a criação de pequenos ruminantes uma importante fonte de renda para pequenos e/ou grande produtores. Em muitas situações há casos de intoxicação por Brachiaria spp., principalmente em ovinos, porém são subnotificados e não há registros na literatura no Nordeste Brasileiro. O objetivo do presente trabalho foi descrever os principais achados epidemiológicos,

clínicos e alterações patológicas de um surto de intoxicação por Brachiaria decumbens em uma propriedade de ovinos no Estado da Bahia. RELATO DE CASO O surto ocorreu em uma propriedade rural de criação semi-extensiva de ovinos localizada no município de Ruy Barbosa (latitude 12º17'02" sul, longitude 40º29'38" oeste, altitude de 368 metros) mesorregião do Centro-Norte Baiano. O histórico clínico e dados epidemiológicos foram obtidos com o médico veterinário e pelo proprietário da fazenda. Três ovinos foram necropsiados (ovinos 1, 2 e 3). Na necropsia foram coletados fragmentos de órgãos da cavidade abdominal, cavidade torácica e sistema nervoso central e fixados em formol 10%, processados de forma rotineira para histologia, emblocados em parafina, cortados a 5 micras de espessura e corados pela hematoxilina e eosina (HE). A propriedade apresentava um rebanho total de 340 ovinos da raça Santa Inês e mestiços de Santa Inês, de ambos os sexos sob regime de criação semi-extensivo. No mês de setembro de 2011, correspondente a época seca na região, foram adquiridos 140 ovinos fêmeas para servirem de matriz na fazenda. Os animais eram provenientes do município de Iaçu (latitude Sul 12º46’, longitude Oeste 40º13’, altitude de 280 metros, a 91,9 Km de distância de Ruy Barbosa). Os animais eram criados em vegetação nativa (caatinga). A média de idade dos animais era de 1 ano e apresentavam bom escore corporal.

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OLIVEIRA et al.

Todo o rebanho da fazenda foi inserido no sistema de rotação de pastagem, com 30 piquetes de 1 hectare formados somente por capim Braquiária (Brachiaria decumbens). Após dois meses da introdução já haviam morrido cinquenta e três matrizes. Nesse período, doze cordeiros de um total de cinquenta nascidos na fazenda que foram introduzidos nos piquetes de capim Braquiária também morreram. A taxa de mortalidade da fazenda foi de 34,2% (65/190). Segundo informações do médico veterinário e do proprietário, os animais começaram a apresentar os sinais clínicos em média 20 dias após serem introduzidos na pastagem. Os ovinos doentes ficavam apáticos, apresentavam emagrecimento, icterícia, edema de pálpebra e de orelha, secreção ocular e nasal, alopecia ao redor dos olhos, principalmente nos animais de pelagem mais clara, dificuldade de locomoção, caiam com frequência e morriam depois de dois a três dias. Foi realizado tratamento com antitóxico e antiparasitário. Os animais mais antigos e nascidos na fazenda não ficaram doentes. Na propriedade vizinha também havia histórico de mortes em ovinos que foram comprados do município de Iaçu e introduzidos em capim Braquiária. Na necropsia de três ovinos intoxicados havia baixo escore corporal, secreção ocular serosa, esclera, mucosa ocular e tecido subcutâneo ictérico, úlceras recobertas por crostas nas bordas das orelhas, alopecia nos membros torácicos, fígado de coloração amarelada (Fig. 1) com bordos levemente arredondados, hidropericárdio, linfonodos mesentéricos moderadamente aumentados de volume e enegrecidos (hepáticos). As principais alterações microscópicas nos três ovinos foram observadas no fígado, caracterizando-se por colangite difusa moderada com infiltrado linfo-plasmocitário e histiocítico além de moderada fibrose (Fig. 2),

em um dos casos, observou-se presença de imagens negativas de cristais no ducto biliar (Fig. 3). Havia também necrose aleatória de hepatócitos, discreta bilestase intraductal, presença de macrófagos espumosos (“foam cells”) que se organizavam em grupos, por vezes formando células multinucleadas.

Figura 1. Intoxicação por Brachiaria decumbens em ovinos no Estado da Bahia. Ovino 3. Fígado com coloração amarelada.

Figura 2. Intoxicação por Brachiaria decumbens em ovinos no Estado da Bahia. Ovino 02. Colangite com infiltrado linfo-plasmocitário, necrose do epitélio do ducto biliar e fibrose. HE, Obj.20x.

DISCUSSÃO O diagnóstico de intoxicação por Brachiaria decumbens em uma propriedade de criação de ovinos Santa Inês no Estado da Bahia foi baseado nos dados epidemiológicos, sinais clínicos e alterações patológicas. Na epidemiologia da intoxicação por Brachiaria spp., deve-se destacar: (1) presença de pastagens de Brachiaria spp. na propriedade,

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(2) categoria de animais jovens sendo mais afetada que os adultos, e (3) alta frequência de animais acometidos criados em pastagens sem essa gramínea, após a introdução em pastagens de Brachiaria spp. (RIETCORREA et al., 2011). Até então, os ovinos desse surto eram jovens e estavam em áreas de pastagem nativa sem a presença da gramínea. Sabe-se que animais introduzidos pela primeira vez em pastagens de capim Braquiária são mais suscetíveis à intoxicação (RIET-CORREA & MÉNDEZ, 2007). Na espécie ovina foi comprovado que animais criados em pastagens de Brachiaria spp. apresentam maior resistência à intoxicação que os ovinos criados em outras pastagens (MUSTAFA, 2009). A idade média dos animais acometidos foi de 1 ano, sendo uma categoria mais suscetível à intoxicação do que os adultos. Na intoxicação por capim Braquiária, a morbidade é variável, e, geralmente, a mortalidade é baixa (RIETCORREA & MÉNDEZ, 2007). No presente trabalho a mortalidade foi de 34,2% entre ovelhas e cordeiros introduzidos na pastagem. No Estado do Pará, em dois surtos de fotossesnsibilização hepatógena em ovinos por B. brizantha, as taxas de mortalidade foram de 35,39% e 12,5% respectivamente (ALBERNAZ et al., 2010).

Figura 3. Intoxicação por Brachiaria decumbens em ovinos no Estado da Bahia. Ovino 2. Cristais birrefringentes na luz de um ducto biliar (setas). HE, Obj. 40x.

Atualmente sabe-se, que a fotossensibilização observada em bovinos e ovinos mantidos em pastagem de Brachiaria spp no Brasil, são causados pelas próprias gramíneas, e não pela toxina esporodesmina produzida por esporos do fungo Pithomyces chartarum (TOKARNIA et al., 2012). Os animais deste relato apresentaram a forma subaguda a crônica, sendo esta à forma mais frequente observada, com manifestação clínica de 15-45 dias após a introdução na pastagem (MUSTAFA, 2009). Neste caso, os principais sinais clínicos encontrados foram anorexia, depressão, perda de peso, edema de face e orelhas, conjuntivite, descarga nasal, icterícia e dermatite de face e orelhas, sendo semelhantes aos casos descritos anteriormente na literatura (RIET-CORREA et al., 2011; TOKARNIA et al., 2012). Em ovinos de pelagem escura da raça Santa Inês, o único sinal de fotossensibilização observado é o edema periocular com olhos lacrimejantes, epífora e conjuntivite (MUSTAFA, 2009; RIET-CORREA et al., 2011). A principal alteração macroscópica observada foi o fígado de coloração amarelada (RIET-CORREA et al., 2002). As lesões microscópicas observadas nesse trabalho foram semelhantes às descritas por outros autores (SOUZA et al., 2010; RIETCORREA et al., 2011; TOKARNIA et al., 2012). Algumas lesões são importantes para confirmar o diagnóstico, principalmente tumefação e necrose individual de hepatócitos e a presença de cristais birrefringentes ou imagens negativas nos ductos biliares (SOUZA et al., 2010; TOKARNIA et al., 2012). A presença de cristais birrefringentes semelhantes a fendas de colesterol, só visíveis em aumentos maiores, representa material fagocitado por macrófagos (CRUZ et al., 2000). Esses achados associados a sinais clínicos de fotossensibilização, indicam a presença de saponinas esteroidais na

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pastagem de Brachiaria spp. (TOKARNIA et al., 2012). Deve ser ressaltado que os cristais birrefringentes, que não são descritos em casos subclínicos de intoxicação, não aparecem em todos os casos clínicos da mesma, portanto, a sua ausência não descarta a intoxicação (SOUZA et al., 2010). Em estudo realizado em bovinos intoxicados por Brachiaria spp. no Estado de Mato Grosso do Sul, em todos os casos de emagrecimento progressivo havia lesões hepáticas características das causadas pela ingestão de Brachiaria spp., incluindo a presença de cristais birrefringentes, que anteriormente era descrito apenas em casos de fotossensibilização (SOUZA et al., 2010). Em animais de produção deve-se realizar diagnóstico diferencial com as plantas que causam fotossensibilização hepatógena. No Brasil são descritas a Lantana spp., Panicum spp., Myoporum laetum, Stryphnodendron spp. e Enterolobium spp. Dessas plantas, somente Myoporum laetum não se encontra no Estado da Bahia (TOKARNIA et al., 2012). O diagnóstico é realizado principalmente pelos dados epidemiológicos com a identificação da planta na propriedade (RIET-CORREA & MÉNDEZ, 2007; TOKARNIA et al., 2012). As lesões de pele devem ser diferenciadas da dermatofilose (MACÊDO et al., 2008). A principal diferença é que na fotossensibilização por ingestão de Brachiaria spp. a retração cicatricial das orelhas não é observada na dermatofilose (LEMOS & LEAL, 2008). Em casos de intoxicação por B. decumbens a medida mais eficaz é a não utilização dessa pastagem para ovinos e bovinos jovens. No Brasil, nos últimos anos tem havido uma substituição das pastagens de B. decumbens por outras espécies, aparentemente menos tóxicas (RIET-CORREA & MÉNDEZ, 2007).

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fundação de Apoio a pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERNAZ, T.T. et al. Fotossensibilização em ovinos associada à ingestão de Brachiaria brizantha no estado do Pará. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.30, n.9, p.741-748, 2010. BRUM, K.B. et al. Crystal associated cholangiopathy in sheep grazing Brachiaria decumbens containing the saponin protodioscin. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.27, n.1, p.39-42, 2007. CRUZ, C. et al. Isolation of steroidal sapogenins implicated in experimentally induced cholangiopathy of sheep grazing Brachiaria decumbens in Brazil. Veterinary and Human Toxicology, v.42, n.3, p.142145, 2000. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção da pecuária municipal. Disponível em: . Acesso: 10 jul. 2012. PURISCO, E. & LEMOS, R.A.A. Plantas que causam fotossensibilização hepatógena. In: LEMOS, R.A.A. & LEAL, C.R.B. Doenças de impacto econômico em bovinos de corte: perguntas e respostas, Editora UFMS: Campo Grande, p.231-243, 2008. MACÊDO, J.T.S.A. et al. Doenças da pele em caprinos e ovinos no semi-árido brasileiro. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.28, n.12, p.633-642, 2008. MUSTAFA, V.S. Intoxicação por Brachiaria spp. em ovinos no Brasil Central. 2009. 71f. Dissertação (Mestrado em Saúde Animal) - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2009. RIET-CORREA, B. et al. Brachiaria spp. poisoning of ruminants in Brazil. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.31, n.3, p.183-192, 2011. RIET-CORREA, F. & MÉNDEZ, M.C. Intoxicações por plantas e micotoxinas. In: RIET-CORRREA, F. et al. Doenças de Ruminantes e Equídeos, 3ed. Pallotti: Santa Maria, v.2, p.99-219, 2007.

AGRADECIMENTOS Arquivos de Pesquisa Animal, v.1, n.2, p.58-63, 2012

Intoxicação espontânea por Brachiaria decumbens em ovinos no Estado da Bahia RIET-CORREA, G. et al. Wasting and death in cattle associated with chronic grazing of Brachiaria decumbens. Veterinary and Human Toxicology, v.44, n.3, p.179-180, 2002.

TOKARNIA, C.H. et al. Plantas tóxicas do Brasil para animais de produção. Editora Helianthus: Rio de Janeiro, p.305-348, 2012.

SOUZA, R.I.C. et al. 2010. Intoxicação por Brachiaria spp. em bovinos no Mato Grosso do Sul. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.30, n.12, p.1036-1042, 2010. Recebido para publicação em 11.09.12. Aprovado em 28.11.12

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