Introdução à Ciência Política

June 20, 2017 | Autor: Izabel Weber | Categoria: Ciencia Politica, Ciências Sociais, Ciência Política, Ciencias Sociales
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Introdução à Ciência Política Notas de Aula Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Disciplina: Introdução à Ciência Política

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Departamento de Ciência Política - UnB

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Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 01 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Política, Ciência Política e Teoria Política 1. Política 1.1. O que é? -

DEFINIÇÃO: existem muitas definições para esse termo, por exemplo a dada por Lasswell e Kaplan - “a arte de expor seus interesses com o escopo de atingir os objetivos desejados” – como sendo uma generalização moderna. Mas qual a origem do termo?

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ORIGEM: de acordo com o descrito no Dicionário do Bobbio, a origem da palavra “política” vem do grego - polis - logo, o termo “política” passou a ser usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a polis, ou seja, o Estado. Um assunto era político para os gregos quando se referia à cidade e não, simplesmente, a uma família, um clã, uma categoria social.

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{©CONCLUSÃO: já que o político se refere à cidade, ao Estado, logo, se refere também à organização do mesmo. Isso significa que a partir do momento em que o homem passou a viver em sociedade, surgiu a necessidade de alguém ou algum grupo orientar essa organização. Nesse momento surgiu a política - como processo em que as pessoas colocam suas demandas a outros que tomam as decisões – e uma das expressões do poder.

1.2. Qual a sua dimensão? Para quem é importante e por quê? -

DIMENSÃO (ou limite): tendo em vista o exposto acima, a política se mistura, coaduna com outras esferas, como o direito, a economia, entre outras e atinge toda a sociedade organizada, com o fim de realizar as prioridades de determinado grupo social.

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IMPORTÂNCIA: em outras palavras, a dimensão da esfera política é bem ampla e qualquer cidadão, mesmo aqueles que não atuam efetivamente se depara com a realidade política em seu dia a dia. Mas para realizar as prioridades e não prejudicarmos o nosso grupo social e nós mesmos é necessário que compreendamos que tanto aqueles que participam da política, quanto aqueles que se omitem de participar (conscientemente ou não) estão tomando uma decisão política e influenciando nos rumos da vida política de seu país. Em suma, o melhor meio de nos prevenirmos contra a política é participarmos dela de forma consciente, ou seja, conhecendo a significação política de nossos comportamentos.

1.3. Quando um fato é político? -

Se a política é um fenômeno amplo e que atinge toda a sociedade, o que faz com que um fato seja político e não só social, religioso, artístico, militar, etc.?

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• O ASSASSINATO DE UM AIATOLÁ - RELIGIOSO? • A SEPARAÇÃO DO PRÍNCIPE CHARLES / OS CASOS AMOROSOS DE BILL CLINTON FOFOCA? • A TAXAÇÃO SOBRE OS PRODUTOS IMPORTADOS - ECONÔMICO? -

Qual seria o ponto em comum entre esses eventos? é a ligação com o Estado.

2. Ciência Política 2.1. O que é (o que estuda)? -

ORIGEM: a ciência política como disciplina, nasceu na metade do século passado, juntamente com o desenvolvimento das ciências sociais. Anterior a esse período, ela se encontrava muito associada, ou melhor, dentro do Direito Público, mas a partir do século passado ela se desgarrou e ganhou força própria. No entanto, muitas obras clássicas desde Platão podem ser consideradas, e o são, obras da ciência política. Mas qual é a definição de ciência política?

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DEFINIÇÃO: é o estudo dos fenômenos e das estruturas políticas de forma sistemática e com o rigor que a noção de ciência requer. Em outras palavras, como se pode ler em Bobbio, ciência é o oposto de opinião, pois a ciência pressupõe a prova dos fatos. Sendo entendida, então, como a “ciência da política” ela se divide em duas grandes áreas: a) a da filosofia da política (normativa - do “dever ser”); e b) a da política prática, propriamente dita, caracterizada pela extrema cientificidade e por propor um “projeto para intervir”.

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O QUE ESTUDA: dentro desta última divisão, costuma-se dividir o estudo da política em duas partes, a saber: - a institucional, onde se estuda a estrutura do Estado e suas instituições formais tais como os partidos, o processo de decisão e o eleitoral e; - a comportamental, sendo a que estuda as chamadas instituições informais como a cultura política (que trabalha o comportamento dos grupos e indivíduos que têm ação política).

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ATUALMENTE: a ciência política dispõe de um número cada vez maior de dados colhidos nas observações empíricas além da associação com dados fornecidos por outras disciplinas como direito, economia, história, psicologia, sociologia e, mais recentemente, da comunicação.

2.2. Qual a sua dimensão? -

DIMENSÃO: exatamente por ter essa intercessão com outras áreas é que a ciência política demorou a se consolidar, pois seus primeiros expoentes lhe davam um prisma ora sociológico, ora jurídico, ora filosófico e assim por diante.

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DELIMITAÇÃO: essa complexidade na delimitação da esfera do estudo da ciência política, fez com que diversas correntes surgissem, quais sejam: 1) os franceses - usam o termo ciência política com um significado mais sociológico e filosófico; 2) os ingleses - que concentram seus trabalhos na experiência política vivida e acumulada nas instituições, ou seja, a luta entre as diferentes forças políticas; e 3) os alemães - quase todos juristas, trabalham principalmente a noção de poder e reduziram o termo ciência política à Teoria Geral do Estado com forte influência do pragmatismo americano.

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4) no Brasil - o termo Teoria Geral do Estado chegou ao país entre 1937 e 1940, na época da ditadura de Vargas. A disciplina foi imposta por conveniência ditatorial nos currículos das faculdades de Direito, pois justamente seus elementos filosóficos e sociológicos ficariam fora de discussão.

2.3. Para quem é importante e por quê? Mas será que a ciência política só interessa para aqueles que estudam direito, sociologia, filosofia, entre outras disciplinas?

- CIÊNCIA POLÍTICA e DIREITO CONSTITUCIONAL - o ramo da ciência jurídica que mais se aproxima à ciência política é o direito constitucional, pois ambos se preocupam com as instituições do Estado, só que a ciência política focaliza os fenômenos, ou seja, a disputa de interesses dentro de uma instituição ou entre instituições, enquanto o direito constitucional trabalha a regulação desses fenômenos e a criação das instituições. - Exemplo: é por isso que um golpe de Estado, conseqüência de fraqueza institucional, é entendido como uma violação do direito constitucional de um país e, ao mesmo tempo, um fato político.

CIÊNCIA POLÍTICA e ECONOMIA - a economia como disciplina, em outras épocas, era considerada, inclusive, uma das esferas da ciência política, por serem tão afins. De acordo com a definição de economia (estudo da maneira pela qual os homens utilizam recursos produtivos para produzir mercadorias e serviços para satisfazer as necessidades dos membros de uma sociedade) sabemos que seu principal foco é a escassez, pois as necessidades dos homens são infindáveis, enquanto que os recursos produtivos são limitados. A intercessão entre essas duas esferas ocorre, pois é o governo aquele capaz de decidir o que fazer e como resolver a questão da escassez. - Exemplo: a democracia e o socialismo, formas políticas de organização do poder, se apresentam como respostas a esse problema. Da mesma forma, o marxismo enfoca tanto o direito, como a ciência política e a economia, tendo como pano de fundo o Estado.

CIÊNCIA POLÍTICA e HISTÓRIA - a história se apresenta à ciência política como um valioso instrumento de contextualização, pois ela é a acumulação crítica de fatos e experiências vividas, enquanto a ciência política analisa os fenômenos políticos atuais com base nesses fatos históricos com vistas a esclarecer as possibilidades futuras. Como disse Jean Bodin: “O estudo da história é o princípio da sabedoria política”.

CIÊNCIA POLÍTICA e FILOSOFIA – a filosofia seria a base teórica da ciência política, como se poderá observar ao discutir o conceito de teoria. O ponto de partida, juntamente com a história, para se compreender o fato político.

CIÊNCIA POLÍTICA e ADMINISTRAÇÃO – a administração, quando se refere ao estudo das organizações, das estruturas organizacionais, está transferindo para o micro universo de determinada organização o que se pode observar do universo macro da organização estatal. Por isso, a ênfase em conceitos como poder, dominação, autoridade, entre outros.

CIÊNCIA POLÍTICA e PSICOLOGIA - a psicologia abriu espaço para um ramo em que se discute os problemas do homem moderno e de seus líderes, ou seja, a psicologia social, onde os “behavioristas” ou “comportamentalistas” se preocupam em estudar as relações em um dado grupo social. CopyMarket.com

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- Exemplo: traçar o perfil de determinado grupo de eleitores, indicando suas possíveis escolhas.

CIÊNCIA POLÍTICA e SOCIOLOGIA - são áreas extremamente afins, pois a área de estudo da ciência política - a “polis”, a sociedade, é o objeto de estudo da outra. Sendo assim, o ramo da sociologia que mais se aproxima e se confunde com a ciência política é o da sociologia política.

CIÊNCIA POLÍTICA e COMUNICAÇÃO - atual influência dos meios de comunicação na escolha de determinados representantes. - Exemplo: CRP (cenário de representação política) - Essa ligação com as demais disciplinas e a acumulação dos dados dela decorrente permite que se trabalhe e se aprimore os métodos de operacionalização tais como ocorre nas demais ciências naturais, por exemplo: uma classificação mais exata, a formulação de generalizações e conceitos gerais, determinação de leis (ao menos mais prováveis, regulares e uniformes) e elaboração de teorias.

3. Teoria Política 3.1. O que é a teoria de uma forma geral? - ORIGEM: A palavra teoria deriva de duas outras palavras do grego clássico – theoreiu – que significa admirar-se ou admirar; e, da palavra theasthai – que seria uma outra palavra para “olhar”, que também tem o sentido de admiração e denota uma experiência religiosa e o respeito que os seres humanos experimentavam quando fixavam o espetáculo de beleza e perfeição dos deuses e o cosmos. Além disso, originalmente, “teórico” – em grego – theoros - designava um observador de um festival religioso e se aplicava a alguém despachado pela polis para consultar o oráculo em Delfos ou para visitar uma cidade vizinha e informar sobre os rituais religiosos ou honrar divindades locais. Em outras palavras, o teórico observa o espetáculo (thea) e o que resulta é uma compreensão sob uma espécie de relatório, que eles denominavam de theorema. Em conseqüência, theoros passou a ser usado como um termo mais geral para espectador, e particularmente um espectador de competições atléticas e apresentações dramáticas nos Jogos Olímpicos, e para alguém comissionado para viajar a terras estranhas e delas trazer informação. Já podemos perceber que a palavra está associada a ação: observar, admirar, colher informação! Ou seja, se trata de um verbo, onde se contempla e depois se chega a conclusões. A informação desse alguém encarregado, era fruto da “sua” observação de outras realidades, há uma associação entre seu pensamento e as atividades práticas que ele observava. Há uma ligação entre pensamento e ação. Percebe-se, assim, uma ligação entre duas esferas distintas – pensamento e ação. A teoria representa uma esfera de transição entre outras duas esferas - a do pensamento (filosofia) e a da ação (prática). É por isso que ela engloba características de ambas as esferas. Apresentando o exposto de forma mais evidente e visual este seguiria o seguinte desenho:

Filosofia Teoria

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Prática

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3.2. Por que a teoria é importante? Qualquer atividade, tanto científica, como artística, ou seja, independentemente da esfera de atuação, para ser válida precisa estar bem fundamentada. E essa fundamentação só é alcançada com base na teoria. A teoria é o fundamento da ação e todos nós, quando necessitamos argumentar sobre qualquer ponto nos referiremos a ela de forma direta ou indireta. Alguns podem dizer: “- eu acho que eu prefiro vivenciar a realidade e a prática do que ficar teorizando”. Quer dizer, quase todo mundo contrapõe a prática à teoria. No entanto, deve-se entender que, até mesmo pela origem do termo, a prática e a teoria não são antagônicas, mas complementares. Não existe ação sem pensamento, a não ser que seja um ato irracional, é claro. Mas aí, quais seriam as conseqüências de atos irracionais...Eles seriam exemplos a serem seguidos ou defendidos? Não, né.

3.3. Sobre a teoria política... -

DEFINIÇÃO: a teoria política busca ver a atividade política como aquela atividade com a qual os homens procuram resolver os problemas de uma convivência ordenada, expressa principalmente na organização do poder político, que seria o Estado.

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CONCLUSÃO: a previsão é a principal finalidade prática da ciência política e a explicação é a principal finalidade teórica.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 02 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

1. Poder -

DEFINIÇÃO GERAL: o poder pode ser visto como a “capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos”. Mas essa noção de poder é muito ampla e pode se referir até a objetos ou fenômenos naturais. É preciso então restringi-lo ao nosso universo político. Sendo assim, quando nasceu a política?

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{©PODER SOCIAL: Assim, podemos entender o poder social como sendo a capacidade do homem ou de um grupo de determinar o comportamento de outro homem ou de outro grupo. Mas ainda dentro deste conceito a noção de poder foge do nosso interesse, pois, como vocês leram no dicionário do Bobbio, tanto o poder de um pai sobre o filho (de um homem sobre outro homem) quanto de um governo sobre seus cidadãos (um grupo sobre outro) são ambos exemplos de poder social. O que distinguiria um do outro e por que este último nos interessa mais?

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- AS ESFERAS: o que distingue um exemplo do outro é a esfera em que o poder é exercido (no primeiro, é o núcleo familiar; no segundo, é a comunidade política como um todo). Como mais tarde vai nos dizer Max Weber essas seriam as relações de mando e obediência que mais ou menos se confirmam no tempo.

2. Poder Político: -

DEFINIÇÃO: fala-se de poder político então quando se estuda os fenômenos políticos. Assim, como nós vimos na aula passada, são aqueles que envolvem a organização do Estado ou da comunidade política e sua estrutura.

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AS ESFERAS DO PODER POLÍTICO: mesmo dentro de uma comunidade ou entre comunidades o poder político é composto por várias esferas (como por exemplo a educacional, sanitária, urbanística, exterior, etc.) onde é possível observar as características das relações de mando e obediência em questão.

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CARACTERÍSTICAS: a primeira característica da noção de poder que nos diz respeito é o conceito de a) bilateralidade: não existe poder social ou político, diz Mario Stoppino, se não existe ao lado de quem o exerce, aquele que a ele está sujeito; b) natureza: logo, o poder político e social não se restringe a alguma coisa ou algo que se possui, mas é uma relação entre pessoas que se exerce por meio de instrumentos ou de coisas; e, por fim, o c) campo de atuação: no caso específico do poder político, aquele que é exercido no âmbito do Estado ou entre Estados.

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ASPECTOS DO PODER POLÍTICO: Até aqui falamos de exercício do poder político, mas nem sempre o exercício da capacidade de determinar o comportamento do outro precisa ser necessariamente posto em prática. Às vezes, basta apenas a ameaça ou o potencial para determinar, o que distingue o poder político em: a) poder potencial - o poder potencial é a possibilidade de determinar o comportamento dos outros, representando uma relação entre atitudes para agir. Esse termo está mais associado a noção de influência. O que mais caracteriza este tipo de poder político é a habilidade que quem exerce o poder deve ter para influenciar o comportamento dos demais. É saber utilizar os recursos certos na hora certa ou, ao menos, aparentar ter o potencial de agir, sem necessariamente ter que agir. b) poder de fato (poder atual) - entendido como uma relação entre comportamentos que se caracteriza pela intencionalidade ou certo interesse daquele que exerce o poder sobre aquele que a ele está sujeito; pela voluntariedade expontânea ou não daquele que sofre o exercício do poder; e pela concretização da mudança do comportamento deste último.

OBS.: Neste tipo de poder percebe-se a presença da força (direta ou indireta), tanto que para que essas duas últimas características sejam atendidas, muitos meios são utilizados como por exemplo - o exercício do poder coercitivo, o emprego direto da força física (violência), persuasão racional, a manipulação (propaganda camuflada), entre outros. Vale ressaltar que independente do meio utilizado se um indivíduo ou um grupo (A) determina o comportamento de outro (B) significa que há o que no texto chamamos de nexo causal. Essas duas vertentes do poder político (o poder potencial e o poder de fato) têm origens diversas e vão acabar por refletir no conceito de política.

3. Poder Potencial -

ORIGENS: A primeira linha, atualmente seguida, por exemplo, por Talcott Parson, um cientista político contemporâneo, segue a caracterização de poder feita pelos gregos antigos. Os gregos, como Aristóteles, entendiam a política como a procura da felicidade coletiva e consequentemente o poder como o meio para se chegar a este fim. Naquela época, a atividade política nas cidades-estados gregas eram exercidas pelos cidadãos que se reuniam em praça pública para tratar dos assuntos relativos ao Estado. Logo, todos detinham o poder de deliberar sobre as questões do Estado. O poder era eqüitativamente repartido entre os cidadãos, tanto que se utilizava o método do rodízio para os cargos públicos.

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CARACTERÍSTICA: O poder, então, não está associado à noção de força, mas sim com a de decisão.

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EXEMPLO: Um outro autor contemporâneo que nós já falamos aqui, Harold D. Lasswell, que juntamente com Abraham Kaplan, escreveu uma espécie de dicionário, chamado de Poder e Sociedade, tendo como ponto chave o Poder, expressa exatamente essa corrente definindo poder como a participação na elaboração das decisões.

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CONCLUSÃO: De acordo com o contexto histórico dos gregos antigos, a vida pública não estava caracterizada por uma hierarquia entre governantes e governados, pois “todos” participam do poder. Assim, apesar de acreditar que a política se exercia no interesse de todos, tanto que os cidadãos pretendiam participar da direção e assumir os encargos cívicos por rodízio (Livro III, cap. 6 - A Política), o próprio Aristóteles apontou para um problema interessante - ele começou a ver que alguns homens queriam se manter no poder para desfrutar das vantagens materiais que se tira(va) dos bens do Estado. Foi quando começou a ocorrer disputa pela direção do governo.

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4. Poder de Fato (ou atual) -

ORIGENS: Já os autores que seguem essa segunda corrente perceberam que ocorreram mudanças na vida sócio-econômica com conseqüências políticas em relação ao poder. A relação entre a política e o poder passou a ser interpretada como “a atividade social que se propõe a garantir pela força, fundada geralmente no direito, a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade política particular” (Julien Freund, Qu’est-ce que la Politique?).

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CARACTERÍSTICA: segundo os autores dessa corrente (como David Hume, por exemplo) o nascimento do poder deve-se, aparentemente, às necessidades da guerra, logo, a necessidade do poder impõe-se nas “sociedades ampliadas e requintadas”, quando as regras de justiça já não têm força suficiente em si próprias para que os homens as respeitem se não houver coerção - e quando existem grupos sociais com forte interesse em que a justiça seja ministrada de maneira segura.

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CONCLUSÃO: é baseado nessa característica do poder político que os principais teóricos modernos, como Hobbes, vão justificar a existência do Estado e a idéia de que deve ser ele - o Estado - e não o povo o detentor do poder político.

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EXEMPLO: Hobbes chegou a essa conclusão com base no que ele chamou de jus utile. Para ele o direito é aquilo que é útil. Para entender melhor essa proposição dele é necessário imaginarmos os primeiros momentos da vida em sociedade. Naquele momento o indivíduo tinha o “direito” a tudo o que ele quisesse, ele podia apoderar-se de tudo o que é bom para si, segundo o seu juízo. O direito (jus) é medido pelo útil (utilie) e todos têm as mesmas condições. Caso assim fosse e não existisse uma instância soberana, um poder que o indivíduo temesse, quem iria decidir sobre o que é útil ou não? Melhor, vamos dar um outro exemplo, se eu quero uma coisa e ele também e os dois acham que tem direito sobre aquilo, agente vai acabar se matando, porque nenhum dos dois vai abrir mão. Mesmo que agente resolva escolher ele, um terceiro, como um árbitro “imparcial”, dificilmente chegaríamos a um fim bom para os dois. Por quê? Porque caso ele (o árbitro) fosse favorável a mim ou a ele, o outro nunca concordaria. Mesmo que ele diga que considerou somente o que é justo em si, eu ou ele discordaríamos, porque o justo em si, nada mais é do que a opinião que ele (árbitro) tem do que é justo. Assim tanto ele quanto eu só respeitaríamos a decisão do árbitro se fôssemos forçados a isso. Quando o árbitro obtivesse esse poder (que seria político) de nos forçar a aceitar sua decisão ele estaria imbuído da noção de autoridade. Logo, percebe-se que Hobbes via como necessário um poder capaz de decidir, legislar e convencer os indivíduos a obedecer à lei. Em outras palavras, para Hobbes quer dizer que as pessoas não obedecem às leis por serem elas boas ou por elas terem um fim bom, porque se cada um fosse livre para decidir a obediência não seria mais garantida. “É a autoridade, não a verdade, que faz a lei”.

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LIMITES AO PODER POLÍTICO: Mas a visão de Hobbes, que garante uma soberania irrestrita ao governante, não é unanimidade. Foi importante porque expressou uma transformação do entendimento da política, mas limitada por ter sido uma das primeiras. Outros autores como Locke, por exemplo, observa a necessidade da presença central de um poder, mas perceberam, também, a necessidade de limitar este poder à tarefa que o Estado possui. É por isso que eles defendem o Estado Constitucional, limitado por leis legítimas, visto que são frutos do consenso dos cidadãos.

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5. Autoridade Voltando ao exemplo de Hobbes percebemos que aquele poder que o árbitro tinha de fazer valer a sua vontade lhe garantia autoridade. E o que vem a ser autoridade? -

DEFINIÇÃO: de uma maneira geral a autoridade é entendida como o poder formal, ou seja, a institucionalização do poder. E essa institucionalização implica a elaboração de uma Constituição, que é a lei magna, onde o poder é legitimado e legalizado, sendo utilizado em conformidade com as leis.

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CARACTERÍSTICAS: dessa forma, duas são as características principais da autoridade - a legalidade e a legitimidade.

6. Legalidade -

DEFINIÇÃO: Na linguagem política, entendemos por legalidade um atributo e um requisito do poder, daí o fato de dizermos que um poder é legal ou age legalmente quando é exercido no âmbito das leis, ou melhor, em conformidade com as leis estabelecidas ou, pelo menos, aceitas. Em outras palavras fala-se em legalidade quando se trata do exercício do poder. E qual seria a diferença básica entre legal e legítimo? Quando um poder é legal, ele necessariamente é legítimo? Basta estabelecer leis?

7. Legitimidade: -

DEFINIÇÃO: Quando se fala em legítimo trata-se de tudo aquilo em que há um consenso da parte do povo para que seja legal. Uma ordem ou uma decisão de uma autoridade será legal se estiver estabelecida em lei e será legítima se todos estiverem de acordo sobre a validade daquela lei e se ela for capaz de assegurar a ordem da sociedade sem incorrer na possibilidade do uso da força. A legitimidade tem, então, um sentido subjetivo de justiça e racionalidade.

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CONCLUSÃO: Logo, nem tudo que é legal é legítimo, pois a lei pode contrariar alguns dos princípios que culturalmente ou naturalmente o indivíduo não está interessado em prejudicar, como por exemplo: liberdade de expressão, de escolha, enfim, todas aquelas liberdades políticas conquistadas com a revolução francesa.

8. Fim: Enfim, nós podemos ver que essas duas vertentes que giram em torno do poder são seguidas por diversos autores, cientistas políticos e também juristas que pretendem através da história e da leitura dos clássicos legitimar o papel da ação do Estado e da abrangência e força das leis. E é por isso que sempre que nós vamos estudar política falamos em poder.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 03 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

1. Introdução As quatro palavras que foram trabalhadas antes (PODER, AUTORIDADE, LEGALIDADE e LEGITIMIDADE), juntas, representam a forma de organização política de qualquer grupo social, ou seja, representam mais abstratamente, o que hoje se entende por Estado. Se qualquer grupo quiser se organizar vai ter que analisar quem vai decidir, isto é, quem vai ter o PODER; sobre o que ele vai decidir, pois é preciso limitar esse poder estabelecendo sobre quais aspectos quem tem o poder tem AUTORIDADE para decidir; para garantir esses limites sem que haja controvérsias sobre ele, percebe-se a necessidade de estabelecê-los por escritos, LEGALIZANDO-OS; mas, com o consenso da população, afinal a força da lei está em sua LEGITIMIDADE dada por todos os que por ela são afetados. {©Formas de Governo: Assim, tem-se que, para organizar politicamente um grupo de pessoas, para criar um Estado, deve-se discutir essas questões. Em outras palavras, deve-se discutir sobre as formas de governo. As formas de governo são modos de organização da vida coletiva e, consequentemente, do controle e regulação do poder como condição da liberdade. Elas representam as formas de organização do poder político. É por esse motivo que Platão, Aristóteles, assim como nossos políticos atuais e nós mesmos, nos preocupamos com elas. Não faz muito tempo fomos chamados a decidir sobre qual o melhor sistema de governo – presidencialista ou parlamentarista – um ou um grupo decidindo; e qual regime político adotar no Brasil – monarquia ou república, ou seja, que tipo de organização política adotar: uma onde quem governa tem seu poder limitado por diversos pontos, ou outra onde quem assume o poder o tem ampliado, até mesmo, pela perpetuidade do cargo. Qual o preço que as monarquias atuais pagam por essa amplitude?

2. Platão - VIDA - De acordo com Bobbio, Platão trata de temas políticos, como as formas de governo, em várias de suas obras. Mas quais foram os motivos que o levaram a tratar desse assunto? Na introdução do livro Platão, da Coleção os Pensadores, vocês vão ver que Platão nasceu em 428/7 a.C. e morreu em 348/7 a.C., viveu sua juventude entre a decadência da famosa democracia ateniense e a guerra do Peloponeso, contra Esparta. OBS.: Essa guerra começou uns três anos antes de Platão nascer e durou cerca de vinte e oito anos, até por volta do ano de 400, quando ocorreu a vitória Espartana. Depois da derrota de Atenas até a metade do século III a. C., Atenas não viveu tranqüila, sofreu muitos desgastes econômicos e o regime aristocrático se fortaleceu em detrimento do democrático. Foi então que na segunda metade do século III a. C. a Grécia, enfraquecida e desordenada, foi invadida pela Macedônia e aí temos o final do período helênico. Platão percebeu esse período em que viveu como sendo conturbado, desordenado e fraco. Suas percepções foram fruto de uma participação ativa na política, pois ele pertencia a uma família aristocrática que partilhava, de forma efetiva, dos destinos políticos da Grécia (o pai dele, Ariston, foi um grande legislador), chegou a dizer: “Outrora na minha juventude experimentei o que tantos jovens experimentaram. Tinha o projeto de, no dia em pudesse dispor de mim próprio, imediatamente intervir na política”.

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- PERCEPÇÃO HISTÓRICA - Observando então a crise de Atenas de dentro do poder político, Platão via um governo exatamente conturbado, desordenado e fraco. Logo, todas essas condições passaram a ser desprezíveis para ele. Foi, portanto, que ele passou a ver a ordem como um objetivo e a sua realidade como sendo má. Na verdade Platão era pessimista e estava descontente com todos os sistemas políticos que conhecia, acreditando que todos eram ruins e/ou corrompidos em diferentes graus, sendo que a um ruim sucedia um pior ainda. Por esse motivo ele imaginou um Estado Ideal que nunca existiu, nem existia na sua época. As demais formas de governo eram classificadas de acordo com o distanciamento da Ideal. - REPÚBLICA - Foi em sua obra A República (Politeia - que significa tudo o que diz respeito à vida pública de um Estado incluindo os direitos dos cidadãos que o constituem) que ele desenvolveu a formação, a constituição desse Estado ideal, influenciado pelos modelos com os quais conviveu e estudou: por exemplo a timocracia de Esparta, a democracia ateniense, a aristocracia também ateniense, e assim por diante. Nessa obra surgem, inclusive, alguns dos conceitos e das questões que nos envolvem até hoje em relação à política. A personagem principal dessa obra é Sócrates (seu mestre), que se apresenta como filósofo (ou seja o amigo da sabedoria, aquele que busca a verdade) e a idéia central da obra é a de justiça (diké), que para ele é a própria condição de existência da Polis e o fundamento do seu Estado ideal. Juntamente com Sócrates estão outros personagens que com ele dialogam de acordo com o método dialético (contraposição de diferentes argumentos dos quais se chega a formulação de um conceito único). - JUSTIÇA - De um desses diálogos surgiu a idéia de Platão sobre justiça, que para ele seria a atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com suas próprias aptidões. E o que isso representa? Em outras palavras, o que o Platão conclui é que a justiça está intrinsecamente relacionada à ordem. Um homem justo é aquele que segue a ordem, cumpre seu papel, sua função específica - recebida de acordo com sua aptidão - em relação à organização do todo. OBS.: E de onde ele tirou essa idéia? Quando Esparta venceu Atenas, ele percebeu que o sistema de educação ao qual os cidadãos Espartanos eram submetidos deu algum resultado. Havia uma ordem, uma estrutura organizada. Só que ele imaginou que uma pessoa, que não nasceu com aptidões para a guerra, não adiantava tentar transformá-lo em um grande guerreiro. Uma pessoa com características de um guerreiro não conseguiria viver trabalhando de sol a sol sobre a terra. Se assim fosse teríamos o que? A desordem. Então ele percebeu que o Estado assim como alma deveria ser dividido em três partes de acordo com as motivações dos homens. - TEORIA ORGÂNICA DO ESTADO - É com base nessa noção de justiça que alguns intérpretes de Platão identificaram em sua obra uma teoria orgânica do Estado, isto é, Platão via no Estado uma pessoa política, à imagem e semelhança do corpo humano, ou melhor era a representação (macro) do indivíduo (micro). Ex.: pag. XXII do livro A República e pag. 51 do livro do Bobbio. - O INDIVÍDUO - Partindo do indivíduo então, Platão percebia uma divisão ternária da alma em: apetite, espírito ou (passional) e razão. Essa divisão seria as motivações dos homens que, por sua vez, se agrupariam de acordo com elas, formando respectivamente o grupo dos que buscam a verdade - os amantes da sabedoria -, os que buscam a honra e os que buscam a riqueza. - O ESTADO IDEAL - Dessa forma, quando ele descreve a Cidade Ideal, ele propõe que o Estado seja divido em três níveis, de acordo com a divisão ternária da alma: a esfera da filosofia - que dá condições aos homens de buscar a verdade - a esfera da política - onde os homens buscam a honra e o reconhecimento - e a esfera da economia - onde os homens buscam a satisfação das suas necessidades básicas. Assim teríamos três funções públicas de acordo com cada esfera: •

Filósofos: são aqueles indivíduos cuja virtude principal é a sabedoria e que colocam acima do prazer a verdade, tendo em mente ideais que formulariam as decisões para controlar os demais (governam, legislam);



Guardiães: indivíduos cuja virtude é a coragem e que se importam com o bem-público, o bem-comum, executando as tomadas de decisões dos filósofos; (defendem, administram);

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Introdução à Ciência Política - Aula 03 - Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Produtores: grupo que possui como virtude a disciplina e que se ocupa das atividades produtivas para nutrir os demais, visto que aqueles seriam grupos improdutivos, seguindo e obedecendo as decisões colocadas pelo primeiro grupo (obedecem).

- SISTEMA EDUCATIVO - A estrutura descrita necessitava do apoio de um aparato educacional que fosse capaz de identificar as necessidades de cada indivíduo (as escolas públicas sustentadas pelo Estado surgiram ainda no período helenístico fruto dessa proposta de Platão). Também existia espaço para aqueles que buscam algo mais do que o prazer material - como a pintura, a poesia e a música - e para estas necessidades é necessário um certo território adicional que seria função do Estado, através da guerra, conquistá-lo, diz Platão. - AS FORMAS DE GOVERNO - Associando a visão da história de Platão (pessimista - com um governo ruim sendo sucedido por um pior ainda), com a teoria orgânica do Estado, vemos no livro que (já na pág. 46, Bobbio) Platão identificou as seguintes formas de Governo em A República: monarquia/aristocracia, timocracia, oligarquia, democracia e tirania. As duas primeiras formas se aproximavam da ideal (pág. 46 - Bobbio). A timocracia representava o que Platão admirava na forma de governo espartana. As demais representavam a deterioração da anterior. Em cada uma prevalecia um tipo de comportamento humano que se degenerava até se transformar naquele que representaria a próxima forma. Em sua última obra - As Leis, no entanto, Platão propõe uma conciliação entre monarquia constitucional e democracia (pág. 16 - Os Pensadores) e em O Político ele estabelece a distinção entre as formas boas (aquelas em que o governo se baseia no consentimento e vontade dos cidadãos) e as más (aquelas em que o governo se baseia na violência). Ainda em O Político, Platão reformula sua classificação substituindo a timocracia por dois tipos de democracia, em suma: monarquia, aristocracia, democracia positiva, democracia negativa, oligarquia e tirania. Em ordem decrescente as três primeiras seriam boas e as três últimas más. (Pág. 54 - Bobbio.) FORMAS DE GOVERNO (de acordo com Platão em O Político) POSITIVAS

NEGATIVAS

(baseada no consentimento) Monarquia Aristocracia

Democracia Positiva

(baseada no uso da violência) Democracia negativa Oligarquia

Tirania

3. Aristóteles - HERANÇA DE PLATÃO - Aristóteles aproveita as idéias do mestre, ordena-as e confronta-as com uma crítica sistemática e prática. Ele não se utiliza da dialética, mas de um método chamado “geométrico”: diante de uma questão dada qualquer, formula-se suas conseqüências extremas, para então concluir com um solução mediana, ou ponto de equilíbrio. - POLÍTICA - Assim como para Platão a questão central da política é o conceito de justiça, para Aristóteles a questão central é a felicidade. Para ele a política é a procura da felicidade coletiva. Mas a partir do momento em que critica Platão na elaboração de uma cidade ideal, também repensa o conceito de justiça. CopyMarket.com

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- PÓLIS - Para ele, o homem é um animal, que se distingue por ser racional e político, que já nasce na Polis, ou seja a cidade não é criada pelos homens. A Polis é a continuação da aldeia, ou tribo, que nada mais é do que o prolongamento da família. - CRÍTICA À PLATÃO - Isso é muito importante ter em mente, porque é dessa percepção de Aristóteles que podemos inferir que a partir do momento em que a Polis não é criada, ela passa a ser entendida como fruto das necessidades dos homens, ou seja, não adianta mudá-la para se obter uma mudança no comportamento dos indivíduos. São os indivíduos que devem naturalmente mudar para que essa transformação atinja a Polis. (pág. 12 da Coleção) E é de acordo com essa percepção diferente entre ambos que eles vão adotar metodologias diferentes. enquanto Platão parte diretamente para a crítica da Polis existente, Aristóteles se transforma no primeiro analista do sistema político. - UNIDADE (teoria orgânica) X HETEROGENEIDADE - Dessa forma, o que constitui o cerne da obra de Aristóteles é sua crítica à hipotética Cidade Ideal de Platão. O que ele critica é um ponto que será comum entre todas as demais propostas utópicas que é o ideal de máxima unidade, ou seja, uniformização: no grego, homogeneização da sociedade. Para Aristóteles, ao contrário, a razão de ser da Polis é a pluralidade ou, em grego, a heterogeneidade da sociedade. E essa heterogeneidade é baseada nas diferenças morais, ou de mérito. - JUSTIÇA - Quer dizer que sua proposta é a oposição ao pensamento de Platão, pois uma sociedade seria injusta se não levasse em consideração as diferenças de mérito. Merece mais quem mais contribui para o bem comum. Sobre a Justiça vale ressaltar ainda que Aristóteles a percebe em seu sentido original (díkaion = justo; dikha = dividida ao meio) e a distingue em dois tipos: a) uma natural (ou quantitativa) - onde “todos devem ser tratados igualmente”; e b) outra moral (ou qualitativa) - que prevê “tratamento igual para iguais (em mérito) e desigual para desiguais (em mérito)”. - REVOLUÇÃO - No capítulo V, de sua obra mais popular A Política, Aristóteles comenta sobre as causas da revolução. Na verdade ele coloca que o que causa a revolução é uma percepção de injustiça. As revoluções serão, portanto, ou do tipo “democrático” (quando o primeiro tipo de justiça não é atendido), ou do tipo “aristocrático”. - PROPRIEDADE - Aristóteles esposa a segunda definição de política, se opondo a Platão no que se refere a abolição da propriedade e da família. Segundo ele estas seriam modificações anti-naturais, destinadas ao fracasso. (pág. 207. Os Pensadores) - PONTO INTERMEDIÁRIO - (Lembrar do Oráculo de Delfos) Aristóteles era realista e conhecedor (ou melhor reconhecedor) da natureza humana, percebendo, portanto, que deve haver limites para essa sua opção de justiça qualitativa ou meritocrática. Ele entende que haveria a necessidade de uma solução intermediária entre esses dois tipos de justiça, a quantitativa e qualitativa. A solução encontrada por ele foi desenvolvida em um outro livro dele muito importante, Ética à Nicômaco, onde ele propõe uma maneira “corretiva” do tipo qualitativo. A maneira corretiva seria necessária porque, afinal, tanto o mérito quanto as diferenças podem se acumular de tal maneira que chegam a por em risco a própria continuidade da comunidade, ou da polis. Daí que, para a preservação da comunidade, há que se corrigir a desigualdade pela igualdade de oportunidades (cap. V da Ética), conseguida por uma educação igual. - COMUNISMO X POSSE E USO- A percepção de justiça de Aristóteles é tão diferente da de Platão que ele rebate a proposta platônica de comunismo, pois a vê como contraria à natureza da Polis. Segundo ele a propriedade é direito natural humano e o homem só se empenha naquilo que sabe ser seu. Mas, aqui também se requer limites, para a preservação da comunidade. É por esse motivo que Aristóteles elabora a distinção entre Posse e Uso, distinção que até hoje é adotada pela Doutrina Social da Igreja e que seria: o direito à Posse tem seu limite no direito de Uso coletivo. Ou seja, o direito à propriedade particular terá seu limite quando implicar em detrimento do usofruto comum. CopyMarket.com

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- AS VÁRIAS FORMAS DE GOVERNO: Ao invés de pensar em um modelo Aristóteles, desenvolve com realismo e clareza as formas de governo existentes até então e tece argumentos sobre formas opcionais de sistema ou regimes de governo e suas constituições, propondo o chamado regime misto, ou composição balanceada entre democracia e a oligarquia, como o sistema com maiores chances de estabilidade. FORMAS DE GOVERNO (de acordo com Aristóteles) POSITIVAS

NEGATIVAS

(visa ao bem-comum)

(não visa ao bem-comum)

Monarquia

Tirania

(governo de um só)

(governo de um só)

Aristocracia

Oligarquia/Timocracia

(Governo de poucos-“virtuosos”) Politéia

(governo de poucos - “ricos” ou das “armas”) Democracia

(governo de muitos)

(governo de muitos demagogos”)

- FORMA MISTA DE GOVERNO - De todas essas observações feitas da obra de Aristóteles podemos dizer que o que causa a revolução, para ele, não é a simples percepção da desigualdade, mas sim da desigualdade arbitrária, não legítima, não justificada. A desigualdade é perfeitamente aceitável e assim o tratamento desigual. Desde que consentida pelos demais. Em suma, ele acredita que o poder deve, quase sempre, vir revestido de um discurso permanente de legitimação, capacitando a obediência pelo consentimento. E a garantia dessa legitimação do poder e de uma maior estabilidade é encontrada somente na Politia. - POLITIA (ou Politeia) - poder exercido por muitos - perdeu-se com o tempo e a democracia passou a ter uma conotação positiva. Para Aristóteles a Politia é uma fusão entre a oligarquia e a democracia, onde a riqueza é distribuída de forma a garantir à classe média um maior poder do que as duas classes extremas. - GOVERNO MISTO - A idéia da mistura que origina a Politia influenciou e influencia até hoje o pensamento político ocidental de que o bom governo é fruto de uma mistura de diversas formas de governo, cuja melhor sintetização foi dada por Políbio. - PODER EXECUTIVO

MONÁRQUICO (responsabilidade pessoal na execução das leis)

- PODER LEGISLATIVO

ARISTOCRÁTICO (competência colegiada na formulação das leis)

- PODER ELEITORAL

DEMOCRÁTICO (todos participam na escolha dos legisladores e executores)

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Tema: Entre os Clássicos e Maquiavel - O Pensamento Político Medieval 1. Introdução - POLÍBIO (nasceu na Grécia no século II a.C., mas foi deportado para Roma) - Em sua obra História ele elabora 3 teses fundamentais: 1) Sobre as Formas de Governo: - na qual explica que existem fundamentalmente seis formas de governo (três boas e três más). No entanto, diferentemente do critério aristotélico (distinção entre público e privado), Políbio vai adotar o modelo platônico (que classifica de acordo com o uso ou da violência). FORMAS DE GOVERNO (de acordo com Políbio) BOAS

MÁS

(consenso e vontade)

(uso da violência, força) naturalmente

Monarquia

Tirania

(governo de um só)

(governo de um só)

Aristocracia

Oligarquia/Timocracia

(Governo de poucos-“virtuosos”) Democracia (governo de muitos)

(governo de poucos - “ricos” ou das “armas”) Oclocracia (gov. popular na sua forma corr.)

{©2) Sobre a visão da história: a qual, acredita ele, apresenta uma sucessão ritmada em forma de ciclo repetido no tempo. Em outras palavras, Políbio entende que a evolução é um processo histórico desenvolvido ciclo por ciclo, seguindo uma tendência degenerativa (como a de Platão), de caráter fatalista, pois a transformação de uma forma em outra é considerada natural e determinada (e.g.: a monarquia sempre vai degenerar na tirania, ..., ressaltando, ainda, que essa transformação é causada pela corrupção originada no interior de cada constituição). Na verdade, Políbio faz uma síntese da visão cíclica, de Aristóteles, com a pessimista, de Platão. Assim, para ele há um alternância entre as formas boas e más, porém, a segunda forma boa é sempre pior do que a precede, do mesmo modo ocorre com as más. CopyMarket.com

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Platão

Políbio

Tirania

Oclocracia

3) Sobre o “Governo Misto” - tese na qual Políbio mostra que o objetivo de uma constituição é ordenar os cargos governativos, permitindo o desenvolvimento regular, ordeiro e natural da vida civil. Logo, se o aspecto da ordem é primordial, essa constante degeneração das formas SIMPLES boas nas formas SIMPLES más é ruim, porque gera instabilidade. Em suma, todas as formas SIMPLES não são as mais adequadas (nem as boas), pois permitem facilmente sua degeneração. É por esse motivo que Políbio vai sugerir o GOVERNO MISTO. Este, sendo a fusão das três formas boas, se mostrou estável (mas não eterno, como a história deixou claro em relação a constituição espartana e romana), equilibrando-se os diversos poderes correspondentes. OBS.: Princípio do equilíbrio: Esse equilíbrio acima referido deu origem ao “princípio do equilíbrio”, que mais tarde foi incrementado e desenvolvido por Montesquieu. Para Políbio, portanto, a estabilidade da constituição de um “governo misto” está no mecanismo de controle recíproco dos poderes. [A teoria do governo misto de Políbio não deve ser confundida com a teoria da separação e do equilíbrio entre os poderes, tão bem formulada por Montesquieu, mas de certa forma a precede]. - CÍCERO (romano que viveu no século I a.C.) - escreveu De Republica, obra onde podemos encontrar uma semelhança com o pensamento de Políbio, defendendo o “governo misto” por sua estabilidade.

2. Antigüidade Clássica x Idade Média x Renascimento a) Antigüidade Clássica - Por todo o exposto nesta aula e na aula passada, pode-se traçar o seguinte quadro do pensamento dominante na Antigüidade clássica e responder a 1ª das três questões da aula de hoje. 1) De forma geral, quais eram as principais características do pensamento pré-cristão? Visão da história: vimos que desde Platão (mesmo que este não tenha deixado tão explícito quanto Aristóteles, Políbio e os demais) a evolução da história humana aparece como uma sucessão e governos e fatos onde ao chegar ao fim, à pior forma, retomamos ao início, à melhor forma, respeitando um longo ciclo natural. Essa visão foi denominada de ANACICLOSE e foi influenciada pela percepção que esses pensadores tinham tanto da natureza humana quanto do papel do Estado. Visão da natureza humana: Assim, voltando a Platão e a sua teoria orgânica do Estado, vimos que a cada forma de governo correspondia um tipo de natureza humana. Platão, então, caracterizou o homem tirânico, o aristocrático, etc. Aristóteles, da mesma maneira que Políbio, via a natureza do homem como natural, ou melhor, “era como era”, nem boa, nem má - simplesmente natural. Em todos eles, portanto, percebemos que o homem não é visto como essencialmente bom ou mal, mas com características mutáveis (que Aristóteles chama de acidentes) - ora boas e ora más. Visão do papel do Estado: Desse modo, se o homem não era essencialmente bom ou mal, não cabia ao Estado, com sua função reguladora e ordenativa da atividade pública e civil, preocupar-se em controlar diretamente a conduta humana, mas sim atender aos indivíduos em suas necessidades e anseios coletivos. Por esse motivo é que percebemos a preferência dos pensadores pré-cristãos pelas formas de governo baseadas no consenso e na vontade dos cidadãos (como colocava Platão e Políbio) ou na busca pelo bem-comum (como afirmava Aristóteles), ou seja, as formas retas. Enquanto que as formas tirânicas (ou que visavam ao benefício próprio), tanto de um como o de todos, eram claramente relegadas. CopyMarket.com

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b) Idade Média Mas, qual seria a diferença marcante entre o pensamento pré-cristão, dominante na Antigüidade clássica, e o cristão, que prevaleceu durante toda a Idade Média? Nós vamos saber respondendo a 2ª questão. Porém, primeiro vamos procurar lembrar resumidamente dos principais aspectos que marcaram esse longo período de 1000 anos. -

CONTEXTUALIZAÇÃO - Como todos devem lembrar a Idade Média começou com a queda do Império Romano em 476 d.C. e durou até 1453, quando Constantinopla foi tomada.

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QUEDA DO IMPÉRIO - Logo após a queda do Império romano, que foi invadido pelos bárbaros, viu-se a desagregação da antiga ordem (lembrar aqui que essa antiga ordem era o exemplo de “governo misto” e “estável” de que se valeram Políbio e Cícero) e a divisão do Império em diversos reinos bárbaros.

-

FEUDALISMO - Essa divisão deu origem, mais tarde, aos pequenos feudos, unidade típica do feudalismo (este representava uma nova organização social, política e econômica, caracterizado pelo sistema de suserania e vassalagem, economia auto-suficiente e descentralização política).

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CRISTIANISMO - Desde que o poder central do Império se enfraqueceu, só restou em comum entre seus antigos membros a crença no cristianismo. Vale lembrar que foi justamente no final do Império romano que o cristianismo se tornou a religião oficial, fortalecendo uma ligação entre o Estado e a Igreja. O cristianismo passou a representar, então, já na Idade Média: o ideal de Estado Universal; o desejo de unidade frente a desagregação do poder; e, por fim, a restauração da ordem perdida

-

AS DUAS ESPADAS (ou a Cruz e a Espada) - esse simbolismo expressa a situação que nós descrevemos anteriormente, isto é, a existência de dois poderes, um material (e por isso temporal) e outro espiritual (pois se referia aos valores eternos da religião).

De acordo com esse contexto, 2) Quais seriam as influências do pensamento cristão na produção intelectual da Idade Média? Visão da história: como bons cristãos os principais pensadores da época acreditavam numa evolução que leva a Deus, logo, possuíam uma visão ascendente do processo histórico, onde o fim se encontrava na “cidade de Deus” e não na dos “homens”. Por quê? Visão da natureza humana: Porque o homem apresentava uma natureza má em sua essência, pois ele era fruto do pecado original, era o filho do primeiro homem e da primeira mulher pecadores e, portanto, já nascia pecador. Visão do papel do Estado: Essa concepção da natureza má do homem influenciou a finalidade do Estado, o papel do Estado (que passou a ter uma conotação negativa - ressaltar o importante papel de Santo Agostinho - 354/430 - período final do Império Romano, foi influenciado por Platão). Este deixou de ser visto como o promotor do bem (contrariamente aos helênicos, lembrando que o próprio Aristóteles dizia que a política era a busca da felicidade coletiva e, que era papel do Estado realizá-la) e passou a ser visto única e exclusivamente como instrumento de controle, por meio de todos os mecanismos possíveis (principalmente a força e a espada), da conduta humana. Em outras palavras, a felicidade só era alcançada no céu, não aqui na Terra. Por isso o Estado era visto como um “mal necessário”; por isso eram eleitos os príncipes e reis, para que com o terror e a repressão livrem os seus súditos do mal e lhes garanta a salvação eterna., “obrigando-os, pelas leis, a viver retamente” (vai nos dizer Isidoro de Sevilha em sua obra Sententiae, III, 47). Enfim, só o despotismo pode controlar essa natureza pecadora do homem e o levar “à vida eterna”. c) O Renascimento Mas o que aconteceu na história para que houvesse uma ruptura entre o Estado e a Igreja? Podemos descobrir respondendo à 3ª questão. CopyMarket.com

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3) Quais foram as principais características do Renascimento que romperam com o pensamento cristão? -

CONTEXTUALIZAÇÃO - A partir do final do século XI, ocorre o renascimento comercial, urbano e cultural. A expansão do comércio e o mercantilismo contribuíram para o fim do relacionamento entre senhores e servos do feudo e o conseqüente crescimento das cidades. Dessa forma, a antiga relação hierárquica de suserania e vassalagem começa a dar a espaço a uma relação entre iguais - vendedores e compradores.

-

A RETOMADA DOS CLÁSSICOS - No final do século seguinte, no século XII, foram descobertas, ou melhor, tornadas públicas as obras de Aristóteles, por muito guardadas pela cúpula da Igreja, que deteve por toda a Idade Média o acesso ao conhecimento. Traduzido, porém, por São Thomas de Aquino, este o revestiu de uma “áurea” cristã e deturpou parte de seu pensamento. Ocorreu, no entanto uma busca cada vez maior pela leitura dos clássicos no original, sem a interferência do pensamento cristão. No entanto, as novas idéias não provocaram alterações políticas imediatas, mas permitiu que se iniciasse uma lenta e profunda transformação, principalmente no que se refere aos três aspectos que nós estamos observando.

Visão da história: Sobre a visão da história a concepção progressista e positiva, mas pouco palpável no ambiente terreno, do pensamento cristão foi dando espaço para a retomada da visão cíclica da história (todos nós nascemos, crescemos e morremos, seguindo um ciclo natural), bem como a da concepção da natureza humana. Visão da natureza humana: A natureza humana voltou a ser entendida como antes, ora boa, ora capaz do mal e do erro, mas nem por isso punível por natureza (Maquiavel dizia: “o céu é sempre o mesmo sobre nossas cabeças”- ou seja, a natureza humana não mudou desde a percepção feita pelos clássicos). O homem passou a ser valorizado (admirado tanto com suas qualidades e defeitos - lembrar do David de Michelangelo) depois de tanto tempo subjugado à concepção da Igreja. Essa valorização recebeu o nome de ANTROPOCENTRISMO. Houve uma busca desenfreada pelo conhecimento perdido, sendo exigido a perfeição em todos os sentidos (escultura, escrita, pintura, etc.), visto que o homem foi considerado durante toda a Idade Média como imperfeito desde o nascimento. Houve também, em conseqüência, o pavor à mediocridade, pois o homem queria mostrar essa perfeição, que podia alcançar o sucesso na Terra e se tornar imortal pelo que fez e não por ter alcançado a salvação pela Igreja. Visão do papel do Estado: Eis que o Estado volta a ter, portanto, uma concepção positiva - apenas de regulador das relações humanas e, garantidor da busca do bem-comum, pois “os indivíduos merecem”. Mais importante ainda é a ruptura entre o Estado e a influência da Igreja, ou seja, o fim do Estado não está mais em controlar os homens para que eles alcancem o céu, mas está em manter a estabilidade e a ordem, conforme pregavam os autores da antigüidade clássica. OBS.: O grande tema da política medieval é a dicotomia Estado-Igreja, não a variedade histórica das formas de governo. A salvação do indivíduo (sua felicidade) depende de outra sociedade paralela ao Estado - a comunidade eclesiástica. Tal fator tem uma explicação, qual seja: o problema central dos escritores políticos dos primeiros séculos do cristianismo é antes de tudo um problema moral. Trata-se da relação Estado-Justiça.

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Tema: Teoria das Formas de Governo - Maquiavel -

VIDA E OBRA - Maquiavel nasceu em Florença em 03/05/1469 e morreu em 21/06/1527, aos 58 anos. Esse foi o período áureo do Renascimento (Pré-renascimento - 1350/1450; auge do Renascimento 1450/1550). Maquiavel conseguiu seu primeiro emprego público no ano de 1498, já durante um período instável na vida política da península, e ficou nesse mesmo emprego durante 14 anos, quando os Médicis assumiram o governo de Florença (em 1512) e dissolveram a República, mantendo-o exilado dentro do próprio território italiano. No ano seguinte ele começa a escrever O Príncipe e Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Maquiavel que sempre quis trabalhar no e pelo Estado ficou afastado das funções públicas até 1520, quando recebeu o encargo público de escrever sobre a história de Florença. Só que sete anos mais tarde, quando ele pensou que poderia realmente se sentir livre, pois os Médicis foram depostos e a República restituída, os novos republicanos o acusaram de ser aliado da família deposta.

1) Como se apresentava o quadro político da Europa na época de Maquiavel? Antes de falar sobre o Renascimento, porém, pergunta-se o que ocorreu na Europa e na Itália durante este período que possa nos interessar? -

{©EUROPA - Em Portugal, Espanha, França e Inglaterra, a tendência à centralização do poder político coincidiu com a própria formação da nação. O mesmo não ocorreu com a Itália e a Alemanha, onde a tendência à centralização do poder foi local. Tal centralização se deu por motivos econômicos e sóciopolíticos. Pouco a pouco o feudalismo deu espaço ao mercantilismo que influenciou as relações sociais, gerando novos grupos capazes de disputar o poder político, pois a posse da terra não era mais o único medidor de riquezas. Os comerciantes aumentaram sua esfera de influência e sentiam a necessidade de homogeneizar os meios de troca, isto é, as moedas, os pesos e medidas, ajudando a fortalecer o poder real. Ainda no plano político, os poderes do Sacro Império e do papa começaram a se enfraquecer.

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CASO PARTICULAR DA ITÁLIA - A Itália era constituída por uma série de pequenos Estados cada qual com um desenvolvimento político, econômico e cultural diferente. Tal quadro favoreceu o surgimento de contínuos conflitos, além de permitir que por várias vezes a Itália fosse invadida pelos Estados que já estavam consolidados (mais especificamente a França e a Espanha). Apesar do grande número de pequenos Estados a Itália era dominada por cinco grandes forças:



AS CINCO FORÇAS - No sul da Itália, tinhamos a influência do Reino de Nápoles (Aragão), no centro, os Estados Papais e a República de Florença (Médicis), ao norte, o ducado de Milão e a República de Veneza.

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OBS.: Até 1494 (quando Maquiavel contava com 25 anos) Lourenço Médici, o Magnífico, conseguiu garantir à península certa tranqüilidade. Apartir deste ano até 1516, no entanto, deu-se início a uma série de guerras que geraram desordem causadas tanto pelas dissensões internas quanto invasões externas. Mas o que realmente ocorreu? - França: os franceses tinham o direito legal, por herança, ao Reino de Nápoles, mas de início não se preocuparam em efetivar a posse de tal território. Com a expansão comercial o então rei da França, Carlos VIII, queria conquistar Nápoles com o fim de transformá-la em ponto estratégico para alcançar o oriente. Carlos VIII chegou a tomar a cidade, mas foi derrotado pela Liga de Veneza (formada pelo Estado Papal, Espanha, Veneza e outros pequenos Estados italianos). O sucessor dele, Luís XII, abdicou de Nápoles em favor da Espanha, mas resolveu lutar pelo ducado de Milão. Mas uma coalizão liderada pelo Papa, acabou por derrotá-lo. Foi assim que em 1515, Francisco I, rei da França que o sucedeu invadiu a Itália e derrotou as forças italianas que defendiam o ducado de Milão. Durante esse período, a maior parte dos governantes não conseguia se manter no poder por mais de dois meses. 2) Quais eram as características da Renascença que influenciaram a obra de Maquiavel? Associado às questões políticas, qual o outro fator que poderia ter influenciado as obras de Maquiavel? O legado deixado pelo Renascimento. - Retomada dos Clássicos (visão cíclica da história/a história não tem fim, é uma sucessão de fatos, logo deve-se buscar o paraíso aqui na Terra. Além disso, ele estuda a história, pois se a natureza humana é comum - imutável, fica mais fácil de prever o futuro)/Valorização do homem/racionalismo (convicção de que tudo pode ser explicado ela razão do homem e pela ciência, a recusa de acreditar em qualquer coisa que não tenha sido provada)/individualismo/arte-perfeição/ pavor da mediocridade. 3) Qual foi a ruptura de Maquiavel com o pensamento cristão? Adiantando a próxima questão, vale lembrar que para ele o Estado era a preocupação principal, mas não qualquer Estado, sim aquele capaz de manter a ordem. Um Estado real fruto da verdade efetiva das coisas (verità effetuale). Sua principal pergunta era como instaurar um Estado estável para estabelecer e garantir a ordem de forma concreta? -

EVOLUÇÃO DA HISTÓRIA - Para responder essa questão, Maquiavel rompe com toda uma tradição que vê a evolução da história como sendo natural e eterna (Políbio e Pensamento cristão, mesmo ressaltando as diferenças), pois a ordem não é natural e, assim como o poder, é incerta e sujeita às contingências. Na verdade, para Maquiavel nada é estável e a natureza humana é o cerne de tal pensamento que o influenciou em sua percepção da evolução da história. “A história é cíclica, ... , já que não há meios absolutos para domesticar a natureza humana”(pg. 20, Clássicos).

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NATUREZA HUMANA - Nessa passagem podemos perceber que para Maquiavel a história não é só função da natureza humana. Mais importante ainda é ver que para ele o homem é o próprio sujeito da história. Esse homem é composto, ao mesmo tempo, tanto por um possível lado bom, quanto por um lado capaz do erro e do mal (pg. 19, Clássicos). E é claro que essa composição gera instabilidade. O que pode variar, diz Maquiavel são os tempos de duração das formas de convívio entre os homens (como dizia Políbio ao defender o “governo misto”. Maquiavel aliás sofre uma influência explícita de tal autor).

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PAPEL DO ESTADO - O Estado, para estabelecer a ordem e garantir um convívio harmonioso entre os homens, deverá trabalhar sobre duas bases instáveis: a natureza humana e o fato de sempre existirem dois grupos na sociedade - os que querem dominar e os que não querem ser dominados. O problema político e, consequentemente, o papel do Estado é encontrar mecanismos para tornar a existência dessas duas bases instáveis em uma relação estável. Dois foram os mecanismos apresentados pela história: o Principado (ou monarquia) e a República. Duas formas de governo que se farão necessárias de acordo com as contingências e não com as idéias abstratas.

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AS FORMAS DE GOVERNO - Também sobre essa questão Maquiavel rompe com uma velha tradição. Desde Platão e aprimorada por Aristóteles, vimos o modelo composto por três formas de governos e suas degenerações. Mas Maquiavel vai dizer:

“Todos os ESTADOS que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou principados (monarquia)”. Com essa afirmação, na verdade, Maquiavel além de romper com a visão clássica da tripartição (governo de um, de poucos e de muitos, que deu origem a teoria aristotélica das seis formas de governo) do poder - que poucas alterações sofreu ao longo do tempo - introduz o termo ESTADO (ao que os gregos chamavam de Polis e os romanos de Res Publica). -

DISTINÇÃO DAS FORMAS DE GOVERNO - De acordo com Maquiavel, as formas de governo passam a ser distinguidas em: Principado (que eqüivale ao reino de uma monarquia) e República (tanto a aristocrática quanto a democrática). Em outras palavras, a distinção agora é se o poder político reside na mão de um só (pessoa física) ou na vontade coletiva (na figura de uma pessoa jurídica). Dessa maneira, menor relevância Maquiavel vai dispor à distinção entre república democrática e aristocrática, visto que a vontade coletiva (qualquer que seja sua dimensão) necessita do respeito de determinadas regras de procedimento para sua formação. Mais adiante tratar-se-á da distinção utilizada por Maquiavel entre as formas boas e más de governo, que conclui essa nova visão proposta por ele.

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SOBRE AS DUAS ESFERAS (religiosa e política) - que de todas é a principal ruptura de Maquiavel com o pensamento anterior, trataremos mais adiante, após trabalharmos os conceitos que o levaram a tal rompimento.

4) Qual a preocupação de Maquiavel que permeia todas as suas obras e por que ele escreve o Príncipe? -

O ESTADO - Se o Estado estiver desordenado, desagregado e deteriorado (como era o caso da Itália de seu tempo), só a figura de um “príncipe” virtuoso poderia restaurar um governo forte e ordenado. Em um segundo momento, quando o Estado tiver alcançado a estabilidade, o povo - este agora virtuoso- estaria preparado para viver na República. Assim, a formação do Estado, um Estado italiano é o que mais preocupava Maquiavel. Foi por esse motivo que ele escreveu O Príncipe, para mostrar “quem” deveria conseguir esse objetivo.

5) Quais eram as características principais que um Príncipe devia ter? Descreva-as Mas o que Maquiavel entendia como sendo um homem virtuoso? Para ele, era aquele capaz de dominar a fortuna. Mas o que era a fortuna para ele? -

FORTUNA - Mais uma vez rompendo com a tradição cristã, Maquiavel resgata o sentido original dessas palavras. Assim sendo, ele vê a fortuna como uma deusa boa (conforme dizia a mitologia grega antiga), que

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deveria ser conquistada, como toda mulher, para se obter dela os bens da honra, riqueza, glória e do poder, que ela possuía e oferecia àqueles que a atraíssem. -

VIRTÙ - Para seduzir essa deusa, para ele volúvel como toda mulher, era necessário a força e a coragem de um homem vir (viril), que lutando pode alcançar todos aqueles bens que o pensamento cristão impedia de alcançar aqui na terra.

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PODER E OCCASIONE - Com essas definições de fortuna e virtù, Maquiavel, consequentemente, redefine a questão do poder. Este não se refere mais à força bruta para controlar o povo, mas sim à sabedoria do uso da virtù na conquista da fortuna e, principalmente, na sua manutenção, gerando a occasione.

6) Qual deve ser o objetivo desse Príncipe? -

CONQUISTA E MANUTENÇÃO DO PODER - Fazendo uma analogia do homem virtuoso ao bom governante, percebemos que a força (característica da virilidade) fundamenta o poder, no entanto, é a sabedoria no uso da virtù (ser bom quando necessário e mau quando a situação exige) o segredo do sucesso na política, qual seja: a manutenção do poder, isto é, a estabilidade e a legitimação do poder. E é esse o conceito que ele utiliza para distinguir entre as formas de governo boas e más, como eu havia citado anteriormente.

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RUPTURA ENTRE AS DUAS MORAIS - Logo, dessa analogia, podemos chegar a conclusão (e Maquiavel deixa explícito o caminho para isso) de que um “príncipe sábio é aquele que se guia pelas necessidades e não pelos preceitos cristãos”. Deve procurar aparentar a bondade cristã, porém, ao mesmo tempo, demonstrar sua força cruel quando as circunstâncias assim pedirem. Maquiavel vai simbolizar este homem como sendo a fusão do leão (força) e a raposa (astúcia). Em suma, a política tem uma ética e uma lógica prórias que envolvem o Estado e que não são as mesmas que envolvem a Igreja, reflexo do pensamento cristão.

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CRITÉRIO DE DISTINÇÃO - Como distinguir dessa maneira, o critério entre a boa política e a má? É o êxito da política. Este êxito é medido, então pela capacidade de manter o Estado (influência do critério de estabilidade defendido pelos clássicos). Maquiavel ainda completa seu pensamento (no cap. VIII, O Príncipe), dizendo que os que aplicam a força e a violência somente uma vez com o fim de conquistar o poder, podem se redimir diante de Deus e dos homens, ao procurar mantê-lo. Assim, no cap. XVIII do mesmo livro ele cita aquela famosa frase de que “... os fins justificam os meios ...”. E qual é o fim do príncipe? Depois de conquistar, manter o poder!

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 06 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Teoria das Formas de Governo - Hobbes e Locke Apesar de Hobbes e Locke adotarem a mesma estrutura filosófica, vale ressaltar que ambos viveram momentos históricos diferentes, o que contribuiu para que cada um pensasse de forma diferente os mesmos passos.

1. Quais foram os principais aspectos históricos que influenciaram respectivamente Hobbes e Locke? - Reformas; Hobbes: Disputas religiosas e entre o Parlamento e o Rei; - Locke: Revolução Gloriosa - QUADRO HISTÓRICO 44 anos depois 1588

nasce Hobbes

47 anos depois 1632

1651

nasce Locke Lev.

25 anos depois 1679

morre Hobbes

1704

morre Locke

Obs.: 1558 - 1603 (Reinado de Elizabeth I Tudor - protestante anglicana - que impôs o absolutismo na Inglaterra); 1603 - 1625 (Reinado de Jaime I Stuart - protestante anglicano - seguiu o absolutismo); 1625 - 1649 (Reinado de Carlos I, filho de Jaime I - também absolutista e protestante anglicano); 1649 - 1658 (decapitação de Carlos I. Inicia o governo do puritano Oliver Cromwell. A República é estabelecida. Logo após, ocorreu após um choque entre o exército e o parlamento, vitória daquele e início da ditadura de Cromwell de 1653 até 1658). 1658 - 1688 (morre Cromwell, seu filho não tem capacidade de governar, assume Carlos II e depois, seu filho Jaime II); CopyMarket.com

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1688 (Jaime II, com tendências católicas, tenta restaurar o absolutismo, mas não consegue. É o fim do absolutismo - Revolução Gloriosa). INGLATERRA -

REFORMA RELIGIOSA - Da mesma forma que o Renascimento Cultural contribuiu para marcar o fim da Idade Média, o Renascimento Comercial, o fim do feudalismo e o início do mercantilismo, assim a reforma marcou a ruptura definitiva entre o poder da Igreja na esfera do Estado.

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{©PERÍODO ANTERIOR (ESTADO X IGREJA) - Na Idade Média, vimos que o poder da Igreja predominava. A Igreja sustentava o feudalismo e era grande proprietária das terras. Já no final da Idade Média, como o Renascimento aflorou em todas as esferas, acabou por influenciar também a religião. A estrutura da Igreja não estava acompanhando o desenvolvimento econômico-social, além do que a formação dos Estados Modernos, estava intensificando o poder do rei que se igualava cada vez mais ao da Igreja. A influência dos papas e as terras da Igreja começaram a ser questionados por esses reis em ascensão.

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ABSOLUTISMO - Em um primeiro momento, o absolutismo (na Inglaterra de Elizabeth I) contribuiu para o processo de transição entre o feudalismo e o mercantilismo (conseqüência da expansão comercial e da formação dos Estados Modernos), pois as empresas marítimas e as indústrias nascentes eram protegidas pelo governo.

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ANGLICANISMO - Com a separação entre a Igreja e o Estado, desde Henrique VIII, a Inglaterra conheceu o auge do mercantilismo e do desenvolvimento comercial, período no qual o absolutismo também se consolidou, principalmente nas mãos de Elizabeth I, filha de Henrique VIII que estabeleceu o anglicanismo associado ao absolutismo e que se manteve com seus sucessores.

HOBBES -

VIDA E OBRA - Hobbes nasce no final do reinado de Elizabeth I (em 1588). Seu pai era rude e sem muita educação, motivo pelo qual foi levado a ser criado com seu tio pastor. Só então pode ter uma boa educação. Depois que ele terminou os estudos começou como a trabalhar como preceptor de filhos de nobres ricos, ou seja, ele convivia com a nobreza e dependia dela.

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PARLAMENTO X REI - Já na vida adulta, vivida sobre o reinado de Carlos I (quando inclusive foi tutor do filho do rei, o futuro Carlos II), ele se viu no meio das lutas entre o Parlamento e o poder real. Naquela época havia uma série de facções protestantes que tinham representantes no Parlamento. Na verdade, essas facções representavam grupos com interesses econômicos distintos sob a capa da religião. A burguesia em ascensão ansiava por uma parcela do poder político, que até aquele momento era totalmente gerenciado pelo Rei, ora concedendo favores a nobreza que o sustentava, ora a burguesia comercial.

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VISÃO DE HOBBES - Hobbes, convivendo dentro da nobreza e, principalmente, ao lado do Rei (lembrando que ele não era um nobre, mas dependia deles), via as disputas pelo poder político como desarticuladoras do bom andamento do governo. O fato da Inglaterra ter conhecido um grande período de desenvolvimento, durante o reinado absoluto e anglicano de Elizabeth I, contribuiu par reforçar o pensamento de Hobbes.

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CONSEQÜÊNCIAS - O ambiente de constantes lutas pelo poder político entre diversos grupos (muitas dessas lutas com derramamento de sangue), estava levando ao terror, a falta de segurança. Justamente esses eram os sentimentos que tanto preocupavam a Hobbes - “Eu e o temor somos irmãos gêmeos”, disse ele. Assim, temendo em exagero as instabilidades entre as forças “religiosas” e o poder real, que muitas vezes acabavam em mortes e decapitações, Hobbes se exilou voluntariamente na França, antes mesmo da Guerra civil estourar (pensando na repercussão de um de seus escritos, De Corpore Político (que circulava clandestinamente) e de Carlos I ser decapitado. Com a morte do rei a República foi instaurada pelo líder militar puritano (e burguês) Cromwell, que também era membro do Parlamento.

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CROMWELL - Após perceber que Cromwell tinha pulso firme e reestabeleceu a ordem no país ele, mesmo preceptor de Carlos II, voltou para a Inglaterra e se submeteu ao novo governo instaurado. Foi durante esse período que ele escreveu o “Leviatã”, publicado pela 1º vez em 1651.

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LEVIATÃ - A admiração de Hobbes pela ordem estabelecida por Cromwell foi tamanha que dizem tê-lo influenciado na elaboração da capa do Livro. Nela nós podemos observar os seguintes símbolos: de um lado temos os símbolos da ordem temporal (ou militar) e outro da ordem espiritual (ou eclesiástica). Atrás um gigante, cuja fisionomia assemelha-se a de Cromwell, e o corpo aparece constituído de pequenos indivíduos. Talvez a obra não seja dirigida somente a ele, mas a todos aqueles que buscassem exercer o poder político para manter a ordem e a segurança de seus súditos.

LOCKE -

VIDA E OBRA - Quando Hobbes publicou o livro, Locke contava com 19 anos. Filho de uma família de burgueses comerciantes e puritanos, os mesmos que representavam aquela força em ascensão que havia destronado o Rei Carlos I, Locke se viu influenciado por aquele que seu pai tanto admirava, Lord Cromwell. No entanto, antes mesmo de entrar para a política, Locke tornou-se médico e começou a trabalhar para a família de uma das principais figuras políticas da Inglaterra o Conde de Shaftesbury, que acabou por convecê-lo a entrar para a atividade política. Porém o fez em momento um pouco conturbado.

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A MORTE DE CROMWELL - Com a morte de Cromwell (em 1658), seu filho não teve capacidade de governar e a Inglaterra teve o poder real retomado nas mãos de Carlos II. Era a volta do poder real, só que agora bem mais limitado pela força burguesa, movimento denominado de Restauração. Tal movimento, foi em um primeiro momento aceito por todos.

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O PARLAMENTO - O Parlamento nessa época entre o governo de Carlos I e de seu filho, Jaime II, estava composto basicamente por dois grupos rivais: os tories (partidários da extensão da prerrogativa real, constituído de membros do Partido Conservador - Tory) e os whigs (adversários, constituídos por membros do Partido Liberal - Whig). O Conde de Shaftesbury, ao convencer Locke a envolver-se na política, levou-o consigo para o Partido Liberal. No período da Restauração, o conde lutou e garantiu o restabelecimento do poder real ao lado dos Tories, contudo, em um segundo momento causado pelo abuso do poder político por parte do então governante, o mesmo acabou se desentendendo com o rei e passou ao Partido Liberal.

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O EXÍLIO - A Carlos II, sucedeu seu filho Jaime II que tentou restaurar o absolutismo na Inglaterra e, além disso, declarou-se católico (pois sua segunda esposa assim o era) e defensor do direito divino dos reis. O medo de Locke, puritano e assumidamente defensor da limitação dos poderes dos governantes, o fez fugir para a Holanda juntamente com o Conde de Shaftesbury. Sua preocupação era que o catolicismo defendido por Jaime II, o qual ele associava ao absolutismo católico francês, que estava espalhando o terror naquele país (pois o tio de Jaime II, Tiago II, que muito o influenciou estava ligado ao absolutismo francês), chegasse definitivamente na Inglaterra.

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ABSOLUTISMO - O absolutismo que antes favoreceu o desenvolvimento do mercantilismo, acabou, em um segundo momento, se tornando um entrave ao desenvolvimento do capitalismo comercial, sistema econômico conseqüente do mercantilismo. Além do que a burguesia ascendente também queria sua parcela de poder definitivo. Logo, começou um acirrado questionamento e revolta em relação ao direito divino dos reis.

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REVOLUÇÃO GLORIOSA - A tentativa de Jaime II acirrou os descontentamentos e favoreceu o desencadeamento da Revolução Gloriosa. Essa revolução recebeu tal nome, não por ter sido violenta, corajosa ou definitiva, mas por ter sido sensata, fruto de um acordo selado - o Acordo da Revolução (1689) entre aqueles dois grupos do Parlamento, citados anteriormente (o Wigh e o Tory).

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OS MOTIVOS - A Inglaterra já estava totalmente envolvida com “o protestantismo e o espírito do capitalismo” (fazendo apologia ao o livro do Weber). Dessa forma, a tentativa de Jaime II e de seu pretenso sucessor, Tiago II, partidário do catolicismo, não estava agradando a burguesia comercial. Foi assim que o genro de Tiago II, Guilherme de Orange, holandês, protestante, acabou, por ser convidado a se tornar o

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novo Rei da Inglaterra, desde que assumisse o respeito a determinadas leis e liberdades individuais. Seu lema era “pela liberdade”, “pela religião protestante” e “pelo Parlamento”. É o fim do absolutismo na Inglaterra. Na segunda questão, nós vamos tratar da metodologia que é comum aos dois, pois, eles, como eu já falei, se utilizam da mesma metodologia:

2. De uma forma geral, como estava estruturada (como era composta) a metodologia utilizada por ambos? -

Método aristotélico-medieval (concepção histórico-sociológica do Estado)

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jus-naturalismo (concepção racionalista do Estado, percepção da existência de direitos naturais, moralmente articulados em torno da justiça e que precedem a formação do Estado). É a base do contratualismo.

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CONTEXTOS DIVERSOS - Mesmo apontando os diferentes contextos históricos vividos por Hobbes e Locke, percebe-se em ambos a busca da legitimação do poder sem a intervenção divina. Sob o ponto de vista do Hobbes, para trazer a ordem, já do ponto de vista do Locke, para garantir as leis e as liberdades individuais.

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PONTOS EM COMUM - Em outras palavras, ambos tiveram influência das conseqüências do Renascimento, da reforma religiosa e do fim do modo de produção feudal. Ambos queriam que a existência do Estado fosse legitimada e garantida, fora da esfera de influência do poder da Igreja Católica.

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A FORMA - O intuito de ambos era buscar explicar a origem do Estado, se não historicamente, ao menos dedutivamente, de forma a sustentar sua necessária existência. É dessa forma que tanto Hobbes quanto Locke desenvolvem uma teoria, chamada de contratualista, onde a legitimidade do Estado é o foco central. Como seria então a estrutura de tal teoria?

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ESTRUTURA - a humanidade supostamente passou por três estágios: 1) O Estado de Natureza: é um período pré-político, antes da formação dos Estados; 2) Contrato Social: por necessidade, os indivíduos se unem em busca de uma convivência organizada, em torno de um ente artificial - o Estado - por meio de um pacto, ou seja, é uma ordem racional da construção artificial do Estado, fundamentando o padrão entre governantes e governados. (Lembrar da capa do livro do Hobbes) 3) A Sociedade Civil: É todo o mundo da produção, são as relações entre as pessoas fora da esfera estatal, mas que são garantidas por ela.

3.

Quais as diferentes visões adotadas por cada um deles em relação às fases dessa metodologia?

Exatamente por viverem em épocas diversas, em ambientes diferentes, cada um deu sua interpretação a determinados pontos dessa mesma metodologia. Por isso, nós vamos pegar os aspectos principais dela: estado de natureza, pacto e estado civil e contrapor um autor ao outro, respondendo a essa última questão

3.1. ESTADO DE NATUREZA HOBBES -

Natureza humana - apesar das naturezas individuais dos homens, eles não vivem sozinhos (1ª condição natural); os homens são iguais em seu conjunto (igualdade de capacidade), ou seja, mesmo que haja alguém mais forte que o outro, este pode vencer pela astúcia; e são, portanto, concorrentes (e, assim, vivem em um

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constante estado de guerra - homo homini lupus); os indivíduos, neste estado, são dotados de razão, mas esta seria apenas um cálculo racionalista e materialista que uniria os homens por interesses comuns. -

Ambiente - os homens possuem condições emocionais e racionais para deixar esses estado de guerra de todos contra todos: 1) as condições emocionais, devido as características inerentes aos homens, se fundamenta no temor da morte. O temor da morte é o primeiro motivo da busca pela paz, que consiste na sua salvação e liberdade; 2) e a razão sugere convenientes artigos de paz, que ele denomina de leis de natureza, que levam a um acordo de convívio entre os homens.

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Falta - Porém, nem mesmo o temor da morte em si garante o convívio entre os homens, pois neste estado não há poder comum, não há lei, logo, não há injustiça e tampouco justiça, há uma guerra constante onde não há propriedades particulares: “só pertence a cada um o que se pode tomar e durante o tempo em que o puder conservar” (lembrar do jus utile). Falta, portanto, um poder que force os homens a obedecerem às leis de natureza.

LOCKE -

Natureza humana - os homens vivem em perfeita liberdade e igualdade e também não vivem sozinhos; o convívio entre esses homens, ao contrário do que pensava Hobbes, não é de constante conflito, mas é regulado pela razão (razão de cada um que os protege do prejuízo à vida, à saúde, à liberdade e ao próprio bem); assim, cada um é juiz em causa própria.

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Ambiente - Nesse estado de natureza, existem direitos naturais que vão proteger os homens do abuso do poder, isto é, eles irão subsistir no estado civil para fundar a liberdade. Dois são os poderes que os indivíduos possuem que fundamentam os seus direitos naturais: 1) direito de fazer todo o necessário para sua conservação e a dos outros; 2) poder para punir os crimes cometidos contra às leis naturais.

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Falta - Apesar de Locke imaginar um estado de natureza bom, ele vai dizer que os homens sentiram a necessidade de passar para um estado melhor ainda, pois no estado de natureza existiam alguns inconvenientes, a saber: a) faltavam leis estabelecidas, conhecidas, recebidas e aprovadas por meio de comum consentimento; b) juizes reconhecidos, imparciais, criados para terminar todas as contendas de acordo com as leis estabelecidas; c) enfim, um poder coativo, capaz de assegurar a execução dos juizes proferidos.

3.2. CONTRATO HOBBES: exatamente pelo interesse de garantir a sobrevivência, os homens do estado de natureza se uniram e firmaram um pacto para transferir o direito natural que cada um possui (de conquistar e manter o que é seu), para um terceiro que substituirá a vontade de todos, a todos representando. - Características do contrato (contrato de submissão): a) essa é para Hobbes, a origem do Poder Político, isto é, a transmissão total dos direitos naturais absolutos dos homens a um terceiro, o soberano; b) como a transferência dos direitos naturais ao soberano foi absoluta, logo o poder político do soberano é uno, indivisível e indissolúvel; c) para garantir o papel do soberano, Hobbes imagina que dois pactos foram firmados em um só momento - i) os homens naturais se constituem em sociedade política; ii) ao mesmo tempo em que se submetem a um senhor, a terceira parte que será o soberano, que, por sua vez, não está obrigado pelo pacto, nem a ele CopyMarket.com

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deve se submeter, visto que o contrato, prevê um único pacto firmado entre os homens e não entre eles e a terceira parte. LOCKE: como foi citado anteriormente, para ele os homens estavam bem, mas preferiram estar melhor. Para tal, só o consentimento de certo número de homens livres pode instituir o corpo político, só assim, ele será legítimo (logo, conclui que o governo absoluto, não pode ser legítimo). - Características do contrato (depósito de confiança): a) foi criado para preservar tanto quanto possível as liberdades naturais, dessa forma, o governo que dele surgirá, nascerá limitado em seus poderes e baseado no consentimento; b) na verdade, mais do que contrato, a palavra usada por Locke é confiança (trust) - “o poder é um depósito confiado aos governantes, em proveito do povo (pág. 113). Esta é a base do consentimento, a relação fiduciária; c) diferentemente de Hobbes, Locke prevê que o contrato foi firmado em dois momentos distintos: i) o primeiro, firmado uma única vez, instaura a sociedade política ou civil; ii) o segundo, sujeito a modificações e renovações pelo consentimento do povo, escolhe seu soberano. É importante ressaltar que uma vez dividido o contrato em dois pactos, o governante escolhido, não é mais alheio ao pacto, mas sim parte integrante dele com deveres e obrigações.

3.3. SOCIEDADE CIVIL HOBBES: Devido a todas as considerações feita por Hobbes, ele vai concluir, diferentemente da tradição aristotélica-medieval (que afirmava que o homem era naturalmente político ou social), que “o homem só busca companheiros por interesse, ou necessidade”, logo, “a sociedade política é o fruto artificial de um pacto voluntário, de um cálculo de interesse”. -

Estrutura - Assim, independente da forma de governo adotada (apesar de deixar explícita sua preferência pela monarquia e enumerar suas vantagens), os homens, ao firmarem o pacto, entregaram seus direitos naturais absolutos ao soberano e se submeteram a uma soberania que é indivisível. Em outras palavras, Hobbes acredita que a divisão dos poderes pode ser a causa da dissolução do poder político supremo, o Estado.

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O Poder Político - Dessa maneira poder político para Hobbes possui quatro características: 1) deve ser absoluto - o rei, ou a assembléia de homens não estão sujeitos as leis que criam; 2) o poder deve estar concentrado (executivo, legislativo e judiciário); 3) deve ser autoritário, para controlar todas as manifestações políticas e culturais da sociedade; e, por fim, 4) deve ser regulador e detentor da esfera econômica.

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Papel do Estado - mesmo o pacto sendo voluntário, dada a natureza humana descrita por ele, nem mesmo o temor da morte e a voluntariedade de defender as leis de natureza, são suficientes para garantir o necessário convívio entre os homens e o respeito ao contrato. Para tal, faz-se necessária a presença da força do Estado, pois “os pactos sem espadas (swords) não são mais do que palavras (words)”.

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Propriedade - Da mesma maneira que aconteceu com os demais direitos naturais, a propriedade passou a ser um dos atributos da soberania e, como tal, passou a ser regulamentada pelo Estado, pelas leis do Estado. Em conseqüência, para Hobbes a propriedade é uma relação jurídica e sua legitimação, uma emanação do poder soberano, da vontade do Estado.

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Justiça - É o Estado que possui o direito de ouvir e julgar o que diz respeito às leis e aos fatos, pois detém o monopólio da justiça. Hobbes afirma que os súditos, para esquecerem do temor da morte, devem ter a sensação de que o Estado punirá, ou seja, esperam que haja uma introjetividade da punição como sendo uma sensação automática.

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LOCKE: da mesma forma que Hobbes, porém, divergindo nas conclusões, Locke acredita que “a sociedade política é o fruto artificial de um pacto voluntário”. Contudo, devido as características observadas em sua definição do estado de natureza, o pacto em questão se encontra baseado não em um “cálculo de interesse”, mas na defesa dos direitos naturais. -

Estrutura - Sendo assim, a sociedade civil para Locke, herdou os dois poderes naturais encontrados no estado de natureza. Esses dois poderes irão dar origem a sua concepção sobre o papel do Parlamento e do Governante: 1) o primeiro poder , ao passar para a sociedade no estado civil, se transforma nas leis reguladoras e administrativas da sociedade (Poder Legislativo); 2) o segundo poder se transforma no poder de empregar a força natural para que as leis sejam executadas, conforme julgar conveniente a sociedade (Poder Executivo).

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O Poder Político - para Locke o poder deve encontrar-se em diferentes mãos, por duas razões: 1) o Poder Executivo deve estar sempre a postos para fazer valer as leis; 2) enquanto o Poder Legislativo não, pois não há a necessidade de estar sempre gerando leis. Logo, a tentação de buscar o poder atinge mais facilmente aquele que já possui ambos os poderes.

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Papel do Estado - como Locke acredita na divisão dos poderes de acordo com os direitos naturais, ele pressupõe que tanto o Poder Legislativo, quanto o Poder Executivo, que constituem o Estado, possuem funções distintas, a saber: 1) o Poder Legislativo (que é o fundamento, o supremo poder) determina como se devem empregar as forças de um Estado para a conservação da sociedade e de seus membros, isto é, tem por fim exclusivo a conservação; 2) já o Poder Executivo (que é subordinado ao primeiro, sendo um simples delegado às ordens do Legislativo) deve assegurar no interior a execução das leis positivas e, no exterior, os tratados de paz e guerra por meio do Poder Federativo a ele vinculado;

OBS.: Locke, prevê ainda o Poder Discricionário como sendo uma prerrogativa do Poder Executivo. Este seria dado ao governante como uma garantia contra a superioridade que o Poder Legislativo pode assumir (e também um agrado a seu amigo Guilherme de Orange). Vale ressaltar que se o Poder Legislativo previsto por Locke, não encontrasse nenhum limite, por ser supremo se tornaria absoluto. Dessa forma, Locke parte do pressuposto que os direitos naturais subsistem para limitar o poder do Estado (todos eles) e fundar a liberdade, respeitando o bem público - “ninguém pode conferir a outrem poder maior do que tem; portanto, não caberia ao Legislativo um poder excedente ao de cada um dos que formam a sociedade”. Em outras palavras, o povo (este sim detentor do poder soberano potencial em reserva), reunido no consentimento para a formação do estado civil, confia tanto no Legislativo, quanto no Executivo, ambos limitados pela realização do bem público. E é o povo, por meio do direito de insurreição, quem garantirá a harmonia entre os poderes. -

Propriedade - Locke, diferencia-se de Hobbes, exatamente por entender que os direitos naturais dos homens não são transferíveis e devem ser garantidos, Portanto, para Locke, a propriedade que é um direito natural, de onde decorrem todos os demais, não deve ser apropriada pelo Estado. O direito à propriedade será estabelecido conforme a força de trabalho de cada um, pois todo homem tem em si uma propriedade, que é sua força de trabalho. O trabalho transforma a natureza e acrescenta valores a ela.

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Justiça - Em decorrência à questão da propriedade, Locke entende que alguns acordos foram estabelecidos antes da formação do Estado. Vale lembrar que logo no início da exposição, foi ressaltado que Locke acredita que, pela razão de cada um, protege-se do prejuízo à vida, à saúde, à liberdade e à propriedade. Estes acordos por tal proteção, constituem os espaços não-estatais, da instância privada independente do Estado, onde este não deve intervir. Todas essas considerações vão fazer de Locke o construtor filosófico do pensamento liberal.

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Introdução à Ciência Política – Aula 07 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Teoria das Formas de Governo - Montesquieu

Montesquieu

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INTRODUÇÃO: Dar-se-á continuidade aos estudos dos teóricos políticos clássicos abordando o tema comum a todos eles - as formas de governo. Em Montesquieu, porém, será possível tratar de uma série de outras questões que marcaram o pensamento político até os dias de hoje.

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MONTESQUIEU (1689/1755): O autor escreve sobre a natureza e o princípio de um governo, ou seja, os fenômenos que caracterizam as formas de governo e a relação dessas formas com as leis que regulam e criam determinadas instituições.

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{©INFLUÊNCIAS: Montesquieu viveu em um período de transição, sofrendo, por isso, influência dos contratualistas, mas não seguiu a mesma metodologia. Leu os clássicos, principalmente Aristóteles e Maquiavel, mas não os segue de todo. Se encontra entre o racionalismo, quer dizer, se utiliza da dedução para chegar a algumas conclusões, mas procura associá-lo ao historicismo, ou seja, a observação da evolução real pela qual passou a história1. É determinista em alguns momentos, o que significa apresentar uma relação “necessária” de causa e efeito particular, mas estabelece critérios universais de caráter formal (morais e filosóficos). Em outras palavras tudo o que acontecia e que era de seu conhecimento, todas as descobertas científicas e os relatos históricos, acabaram por repercutir em suas obras.

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PRINCIPAL OBRA: Montesquieu dedicou toda uma vida (especificamente, 20 anos para escrever, mas toda ela para elaborar) à criação do Espírito das Leis (1748). Em sua obra percebe-se a preocupação com os princípios, as causas gerais, a “mola propulsora”, ou melhor, o espírito que move os homens e as relações entre eles. O ponto fundamental desse espírito, onde ele se reflete, é nas leis.

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ESTADO DE NATUREZA: É por isso que ele talvez inicie sua obra pela definição e compreensão das leis. Como foi dito anteriormente, devido a influência dos contratualistas, ele se vê obrigado a considerar os homens e as leis existentes antes do estabelecimento das sociedades. Na verdade, ele, como bom historiador e leitor de Aristóteles, não acredita realmente que tenha havido homens que não vivessem agrupados, mas apenas que podemos tentar conceber, pela razão, o que é o homem, sem levar em conta a influência da coletividade que ele vive.

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Na verdade, Montesquieu é o precursor do historicismo, método que só tomará corpo posteriormente, com seus sucessores.

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CARACTERÍSTICAS: Nesse estado hipotético, todos seriam iguais em condições, mas não fisicamente. Os homens seriam dotados de razão (contudo, possuiriam mais a faculdade de conhecer do que conhecimento propriamente dito, pois este seria cumulativo) e perceberiam antes de tudo suas principais condições - a fraqueza e o medo. Apesar de serem iguais, de todos possuírem essas mesmas condições, ninguém se sente igual, todos se sentem inferiores. Mas é devido a essa percepção que ninguém ataca ninguém (como sugeriria Hobbes, a quem ele rebate explicitamente). Nasce daí a primeira das leis de natureza - a busca pela paz.

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AS LEIS DE NATUREZA: Montesquieu identifica quatro leis naturais decorrentes desse estado de natureza. A primeira já foi citada, 1) é a busca pela paz (temor + sentimento de inferioridade = paz); as demais leis naturais são: 2) fraqueza + necessidades = busca por alimentos; 3) medo + aproximação = busca pelo sexo oposto; e, consequentemente, 4) busca do outro + conhecimentos = desejo de viver em sociedade (referência direta à concepção de Aristóteles).

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DAS LEIS EM GERAL: O que ele pretende com a descrição desse estado de natureza é explicar duas coisas a) que todos os seres do mundo (inclusive Deus) são governados por leis (naturais ou positivas que sejam); e que b) haverá sempre o estabelecimento de leis quando houver uma relação entre dois seres. Com essas duas afirmativas, Montesquieu contribui com Maquiavel para romper de fato com a influência divina, pois para ele, então, desde que o homem passou a viver com outros homens, passou também a existir um relação causal, logo, o mundo não é governado por uma “cega fatalidade”, nem pela Providência.

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SOCIEDADE POLÍTICA: Após o estado de natureza, quando as leis naturais surgiram, percebeu-se que para assegurar o respeito a essas leis, os homens foram obrigados a darem-se outras leis - as leis positivas promulgadas em todas as sociedades pela autoridade à qual incube manter a coesão do grupo (de acordo com a especificidade de cada um dos grupos). Esse é o motivo do estabelecimento da sociedade política, formalizar um tipo de organização social adequada a cada grupo, mas com o intuito geral de manter a coesão, ou melhor, a “estabilidade” dos diferentes povos.

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TEORIA GERAL DA SOCIEDADE: Dessa maneira, o que Montesquieu pretende é buscar um conceito geral de princípios e naturezas (em outras palavras, de causas e efeitos) que fundamentem a organização de uma sociedade estável. Para isso ele faz uma análise histórica de todas as formas de organização social, isto é, de todas as formas de governo e as suas respectivas leis.

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CAUSA DAS VARIEDADES DAS LEIS: Antes de falar dos diversos modos de organização social, vale ressaltar as causas que Montesquieu aponta para diferenciar as leis que sustem essas organizações, a saber: a) as causas “físicas” ou “naturais” (clima, solo); b) as causas “econômico-sociais” (estabelecendo as seguintes relações - os povos selvagens eram caçadores; os bárbaros, pastores; os civis, primeiro agricultores e, depois, comerciantes); e, por fim, c) as causas “espirituais” (como a religião). Montesquieu completa que todas essas causas representam os princípios e natureza das coisas e a lei é uma relação entre esses princípios e naturezas.

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O ESPÍRITO DAS LEIS E O ESPÍRITO GERAL: “Toda lei representa um elemento da realidade física, social ou moral” o espírito das leis é a relação dessas causas com as leis. Já por Espírito Geral ele entende a resultante de todas essas relações com todo um conjunto de causas, sendo estas as constituidoras do Espírito Geral de cada nação - “governo, religião, tradições, costumes e maneiras, assim como o clima”.

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TEORIA DAS FORMAS (OU TIPOS) DE GOVERNO: Agora, pode-se compreender, então, “as relações das leis com a natureza e o princípio de cada governo”. A natureza é a estrutura particular do governo, enquanto o princípio é o que o faz agir, é o seu elemento dinâmico (o que move).

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Assim Montesquieu supera as tradições que o antecederam e influenciaram mostrando que sua distinção dos tipos de governo é, ao mesmo tempo, um distinção das organizações (fim, objetivo, mola - princípio) e das estruturas sociais (“quem” e “como” governa - natureza). Portanto, segundo Montesquieu, tem-se: a) República Democrática natureza: conjunto de cidadãos exercendo o poder soberano. princípio: interesse geral associado à virtude política (chegando a um não privatismo). b) República Aristocrática natureza: certo número de cidadãos exercendo o poder soberano. princípio: moderação na desigualdade (a fim de limitar privilégios). c) Monarquia natureza: uma pessoa exercendo o poder soberano, de acordo com as disposições das leis fixas e estabelecidas. princípio: honra (baseada na desigualdade de mérito e privilégios), o espírito de corpo e a prerrogativa (“cada um se dirige ao bem comum, julgando buscar seus interesses particulares”). d) Despotismo natureza: uma pessoa exercendo o poder acima de quaisquer leis. princípio: o medo, o temor.

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MONARQUIA x DESPOTISMO: Logo, o que distingue a monarquia e o despotismo? As leis. Para se compreender então a distinção de estrutura entre essas duas formas de governo é preciso ter em mente que a Monarquia pressupõe a existência de poderes intermediários e um depósito de leis.

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PODERES INTERMEDIÁRIOS: São três elementos que representam as três forças sociais que limitam o poder real - a nobreza, o clero e as cidades (ou o “povo”). Cada qual deve ter sua representação no novo corpo intermediário - o Parlamento.

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DEPÓSITO DAS LEIS: O Parlamento é, na verdade, o Depósito das leis, local onde as três forças sociais se encontram e se confrontam defendendo seus respectivos interesses, dando origem ao que ele chama de “pesos e contrapesos”, de contraforças. Dessa forma, é o Parlamento que sustenta o Estado monárquico e o que pode torná-lo moderado.

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TEORIA DA LIBERDADE POLÍTICA: Só os governos moderados, vai dizer Montesquieu, é que permitem o desenvolvimento e a garantia da liberdade política, fundada na distinção e relação entre os diferentes poderes.

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Liberdade: Mas o que Montesquieu entende por liberdade? É fazer aquilo que se quer? Não. A liberdade (política, pois se trata aqui da sociedade política, organizada) é o poder das leis - é o poder fazer aquilo que a lei permite, garantindo a segurança aos cidadãos temerosos por natureza frente aos demais. A liberdade está em impedir que um cidadão (ou um grupo) abuse do poder sobre os outros, impedindo que os indivíduos vivam livremente respeitando as leis, como acontece no despotismo.

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Mecanismo: Para que essa liberdade seja garantida é necessário que o “poder detenha o poder”, isto é, que o poder não esteja unido nas mãos de um ou de poucos cidadãos, mas distribuídos e separados, em diferentes mãos.

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A Separação e a Distribuição: Montesquieu nunca se utilizou do termo “separar o poder”, essa foi uma interpretação posterior que acabou se difundindo. Contudo, o que podemos dizer que seria “separar” o poder para ele? É definir diferentes funções, quais sejam – a) fazer leis; b) executar as resoluções públicas; e c) julgar os crimes ou as desavenças dos particulares. E o que seria distribuir o poder? É dar a cada força social - para o povo, nobreza e monarca - uma dessas funções.

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GOVERNO MISTO: Influenciado pelos clássicos e por John Locke, eis que Montesquieu elabora o que ele entende como sendo a estrutura da organização social que melhor alcança e mantém a “estabilidade” - uma espécie de “Governo Misto” composto por um Poder Legislativo, Executivo e outro Judiciário. Assim temos:

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O PODER LEGISLATIVO - Representado pelo Parlamento. Este é composto por duas esferas e tem por função criar leis. Dessa maneira, o mecanismo de controle que o protege dos outros poderes é o direito de estatuir – criar e modificar leis. Defesa e recursos.

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O Povo: o povo não age por si mesmo, mas por seus representantes. Montesquieu coloca que, por meio do sufrágio universal e o voto por circunscrição ou distrito eleitoral, deveriam ser eleitos os representantes do povo para constituírem o que na Inglaterra seria a Câmara dos Comuns.

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A Nobreza: a nobreza tem interesses que devem se defendidos também, mas respeitando a natureza dessa força social - hereditária , Montesquieu separa a Câmara dos Lords para que ela possa discutir seus propósitos. Como é ela que detém o dinheiro é um direito dela julgar sobre esse tema (matéria de finanças, orçamento).

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O PODER EXECUTIVO - Atende à necessidade de decisões momentâneas e imediatas. Para tal é melhor um agindo do que muitos.

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O Monarca: Esse é o monarca - uma figura inviolável, sendo os sues ministros os responsáveis. (Esse ponto, mais tarde, foi alvo de muitas críticas).

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O PODER JUDICIÁRIO - É um poder nulo, “os juizes (são) ... a boca que profere as palavras da lei”.

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CONCLUSÃO: Montesquieu não fala que esses três poderes devam ser totalmente isolados, aliás ele nunca, como já foi colocado, utilizou o termo “separação dos poderes”. Na verdade, ele defende uma correlação entre os diferentes poderes de forma a que cada um se defenda e, ao mesmo tempo, garanta a existência dos demais.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Tema: Teoria das Formas de Governo - Rousseau Rousseau -

INFLUÊNCIAS - Nascido em Genebra (1712 - 1778), foi um dos maiores nomes do iluminismo, sendo inclusive convidado por seus amigos enciclopedistas para escrever um verbete sobre a música (sua paixão inicial). Os enciclopedistas, aliás, o influenciaram até que com eles rompeu se transformando no precursor do romantismo (“Eu senti antes de pensar”).

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ROUSSEAU - Longe da nobreza só obteve reconhecimento em 1750, quando ganhou o concurso sobre as ciências e as artes, promovido pelo governo francês. Apesar de genebrino, morou muitos anos entre a Suíça e a França devido, principalmente, a perseguições. Em uma das fugas se hospedou na casa de David Hume.

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OBRAS - Rousseau desenvolveu sua interpretação da formação do Estado, ou seja, sua Teoria contratualista, em duas obras: Discurso sobre a Origem e os Fundamentos das Desigualdades entre os Homens e o Contrato Social. Todas as duas irão marcar os ideais da Revolução Francesa de 1789.

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PARTICULARIDADE - A principal diferença deste autor é o caráter utópico de sua análise. Rousseau defende, ao contrário dos demais contratualistas, a possibilidade de mudança na natureza humana. Sua visão da vida em sociedade é negativa, a esperança latente de uma nova mudança pode, portanto, ser inferida em sua obra.

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{©DISCURSO E DESIGUALDADES - O objetivo do Discurso é assinalar no progresso da história o momento em que o direito sucedeu à violência. Além disso, constatar como tal momento introduziu uma nova forma de desigualdade entre os homens. A desigualdade física é a provinda da natureza e remete-se à força corporal e às qualidades mentais; a desigualdade política surge como o contrato social, depende, portanto, de uma convenção e consiste nas diferenças de privilégios.

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O ESTADO DE NATUREZA - O estado de natureza de Rousseau, desenvolvido no Discurso sobre a Origem e o Fundamento das Desigualdades entre os Homens, é pacífico. A característica principal é o “isolamento” total, inclusive porque as pessoas não tem a capacidade de comunicação e são, portanto, livres. Logo, os homens vivem sob um primitivismo absoluto, onde a linguagem, veículo básico de troca de conhecimento, ainda não era conhecida.

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O HOMEM - Nesse estado de natureza, segundo Rousseau, o homem é mais animal do que humano. Por viverem isolados os homens são movidos por seus instintos e dois seriam eles que regeriam todos os indivíduos, a saber: o instinto de auto-conservação e a piedade para com seus semelhantes. As únicas características humanas existentes são, portanto, a piedade e a capacidade de adaptar-se ao meio ambiente e utilizá-lo de forma mais habilidosa.

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IGUALDADE - A grande vantagem, o grande valor desse estado de natureza é a igualdade que reina entre todos os indivíduos. Uma igualdade não só formal, mas, principalmente, substantiva.

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DIFERENÇAS - Nesse estado de natureza três seriam as diferenças que, contudo, não chegam a gerar uma desigualdade marcante, devido exatamente ao isolamento: a inteligência, a beleza e a força. Dessa forma, mais do que bondade é o desconhecimento do vício que impede os homens de deixarem de ser virtuosos. Assim, se essas diferenças não são marcantes, se o homem é piedoso (alguns dirão o “bom selvagem”), o que o leva a se agrupar? Alguns são os fatores levantados por Rousseau que respondem a essa pergunta.

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FIM DO ESTADO DE NATUREZA: Rousseau vai então dizer que as causas que levaram os homens ao fim do estado de natureza foram: 1) a busca pela segurança (não em relação aos próprios homens, mas aos outros animais e aos fenômenos naturais); e, posterior a esse primeiro momento de agrupamento, temos 2) a busca pelo conforto. Em outras palavras, depois que os homens se agruparam por segurança, surgiu a necessidade de juntos encontrar a melhor forma de se relacionarem atendendo suas necessidades.

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PRIMEIRAS DESIGUALDADES - Essa saída do estado de natureza para essa situação sociável marca o surgimento das primeiras desigualdades. Por quê?

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Política: - Após essa condição de sociabilidade, isto é, com a união dos homens, desperta-se a noção de vaidade, fruto da comparação entre habilidades diferentes, eis então que as desigualdades começam a ser percebidas. A busca pela segurança associada ao fato do(s) mais forte(s) ou mais inteligente(s) ser(em) escolhido(s) como líder(es), gera a primeira desigualdade política.

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Econômica: Já a busca pelo conforto associada às diferenças físicas que, agora, podem ser comparadas, acabam gerando uma divisão do trabalho que permite a alguns conquistarem mais do que outros (a possuírem mais), dando origem a primeira desigualdade econômica entre ricos (aqueles que terão direito à propriedade sobre aquilo que conseguiram) e pobres (os que nada possuem).

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PRIMEIRO PACTO: É nesse momento de agregação dos indivíduos, baseado em desigualdades, que Hobbes e Locke propuseram o estabelecimento do Pacto Social. Para Rousseau, no entanto, o primeiro pacto que gerou o Estado é uma ilusão. Tal, diz Rousseau, é fruto de um pacto nefasto, pois os pobres caíram na besteira de abrir mão de sua liberdade para proteger aquilo que só os ricos têm - a propriedade. Em suma, o pacto em questão manteve as desigualdades que surgiram com a vida em sociedade. Logo, qual seria o benefício que esse pacto poderia trazer para a sociedade civil dele decorrente? Nenhum, somente o agravamento de conflitos entre os dois grupos - os que possuem e os que nada possuem.

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ESTADO DE GUERRA - Os conflitos citados anteriormente, conseqüência do nascimento da sociedade e a combinação entre noção de propriedade, habilidades diferentes e o acerbamento das paixões por um lado e a falta de um poder central por outro, geraram o que Rousseau denominou de estado de guerra. Um estado onde, ao mesmo tempo em que se estabeleceram leis e a instituição de uma magistratura, estabeleceu-se a mudança do poder legítimo para o arbitrário e o fortalecimento das desigualdades entre os homens. Assim Rousseau termina sua obra Discurso..., mostrando que diante desse estado de guerra, sobram apenas duas opções, quais sejam: ou se volta para aquele estado de natureza primitivo, onde a igualdade e a liberdade eram absolutas e comum a todos ou se continua a viver nesse estado de guerra, marcado pelas desigualdades de condições.

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CONTRATO SOCIAL - Porém, ao pensar melhor, Rousseau oferece uma terceira via, desenvolvida em sua outra obra O Contrato Social. Nela ele propõe uma organização social (artificial) que permita ao indivíduo viver em comunidade, ao mesmo tempo, em que lhe é garantido tanto a liberdade quanto a igualdade. Para estabelecer essa organização social faz-se mister firmar-se um novo pacto entre os homens. Um pacto não mais baseado em desigualdades, mas baseado em uma nova noção de liberdade e igualdade, visto que, o que garantia esses dois princípios no estado de natureza era o caráter de isolamento que ora não é mais possível.

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SEGUNDO CONTRATO - Mas como Rousseau vai justificar a legitimidade desse segundo pacto sobre o primeiro? Pelo fundamento de cada um deles, ou seja:

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1) o primeiro pacto se fundamentou na agregação - reunião de partes separadas; e 2) o segundo pacto se fundamentará na associação - fusão em todo orgânico, visando ao bem da coletividade. De acordo com esse segundo pacto, “ideal”, todos os homens têm que abrir mão de todos os seus direitos (inclusive à vida e à propriedade) em benefício de todos. E o que acontece depois, em um estado civil ideal, posterior a esse segundo pacto? -

SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL - No Contrato Social, Rousseau passa a discorrer sobre à vida após o pacto de formação do Estado. O contrato social é a alienação total de cada associado em favor da comunidade visando a sua auto-conservação. É um trato entre esfera privada e pública. O homem troca a liberdade natural pela civil, limitada pela liberdade geral e pelo direito de propriedade. O homem natural é diferente do homem social. A lei institui uma igualdade moral e legítima entre homens. Só a maioria dos contratados representa a vontade geral, o poder soberano.

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VONTADE GERAL - Fundamentada no conceito de associação (fusão em todo orgânico), exposto anteriormente, Rousseau definirá a vontade geral como sendo a vontade coletiva voltada para o interesse comum. Dessa maneira, Rousseau estabelece que se o homem abriu mão de todos os seus direitos para recebê-los de volta, expressos pela vontade geral, esta deve ser “inalienável, indivisível, infalível, absoluta, sagrada e inviolável”.

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VONTADE DA MAIORIA - Baseada naquela noção de agregação, a vontade da maioria representa a soma das vontades individuais (das “partes separadas”) em benefício da pessoa privada e que pode ser prejudicial ao interesse comum. Essa é um crítica feita ao princípio do governo monárquico moderado de Montesquieu.

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OBS.: o que vai diferenciar as duas vontades não é um critério quantitativo, mas sim qualitativo - o bem comum - e o fundamento de cada uma dessas vontades.

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SOBERANO - O soberano é o povo incorporado que representa, por meio da lei, a vontade geral. A soberania do povo é, então, expressa pelo Legislativo (constituído por assembléias freqüentes de todos os cidadãos) e não pode ser representada, ou seja, os cidadãos não devem escolher um representante, mas devem exercer diretamente seu poder. Além disso, a soberania é indivisível, o que faz com que Rousseau seja contra a divisão dos poderes.

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GOVERNO - O governo é o Poder Executivo, delegado do poder soberano e executor fiel da vontade geral. Este poder, visto que é uma concessão do poder soberano, pode ser representado por um, poucos ou muitos. Em qualquer dessas formas ele se apresenta como um corpo intermediário encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade e recebe o nome de Príncipe.

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FORMAS DE GOVERNO - O objetivo de toda legislação, que é expressão do soberano, é a igualdade e liberdade entre os homens. Logo, em Rousseau, repetem-se as distinções entre Estado e governo e/ os três tipos de governo - Monarquia, Aristocracia e Democracia, visto que este pode ser representado.

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REPRESENTAÇÃO - Um ponto importante é sua crítica à representação. Com representantes (conseqüência do crescimento dos Estados, do esfriamento do patriotismos e com o aumento da preocupação com a esfera privada) os homens deixam de ser livres, pois é impossível a vontade geral ser representada pela minoria. As desigualdades entre os homens são acentuadas pela instituição da representação política da soberania. Só o governo pode, dessa forma, ser representado por um (monarquia), poucos (aristocracia) ou muitos (democracia). Vale ressaltar que ele só identifica as formas retas, visto que, elas estarão limitadas pela vontade geral.

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O LEGISLADOR - Em algumas poucas situações seria necessário um guia para orientar a vontade geral, caso ela não seja seguida. Esse guia (sobrenatural), a quem ele denomina de “o Legislador”, não poderia criar ou estabelecer leis, apenas identificar a vontade geral, quando a vontade particular se sobrepusesse à geral.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 09 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Estado e Democracia (Liberalismo e Democracia) -

INTRODUÇÃO - Diferentes regimes políticos já se atribuíram a característica de democrático. Será que só pode ser democrático aquele Estado que garante as liberdades políticas e econômicas de uma sociedade [ou seja, o moderno, que também é conhecido como liberal por garantir essas liberdades]? Ou só pode ser democrático aquele que propicia uma determinada igualdade a seus cidadãos?

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{©HISTÓRICO - Na verdade, o que nós podemos perceber é que um Estado liberal não é necessariamente democrático, pelo contrário, nós já observamos historicamente que eles nasceram em sociedades onde a participação no poder era “bastante restrita às classes possuidoras”; da mesma forma, nem sempre um regime democrático fez (ou faz) nascer um Estado liberal, pois também percebe-se, no processo histórico, o Estado totalitário de esquerda se considerar democrático.

Então, o que vem a ser liberalismo e democracia? -

LIBERALISMO - de uma forma geral, pode ser entendido como uma determinada concepção do Estado onde o Estado tem funções e poderes limitados, se contrapondo assim tanto ao Estado social, quanto ao Estado absoluto.

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PRESSUPOSTO FILOSÓFICO - é a doutrina dos direitos do homem elaborada pela escola do direito natural (ou jusnaturalismo) [explicar o jusnaturalismo, pg. 11], que tem por objetivo fundar os limites do poder, ou seja, justificar os limites do poder do Estado [lembrar o que diziam todos os contratualistas e ler o trecho da Declaração dos Direitos do Homem, pg. 13]

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SURGIMENTO DO ESTADO LIBERAL - O contexto do surgimento se encontrava caracterizado pela erosão do poder absoluto do rei, conseqüência de graves crises históricas que nós já vimos, ocorridas na Inglaterra do século XVII e na França do final do século XVIII. Essas causas contribuíram então para justificar, de acordo com o exposto sobre o jusnaturalismo, e estabelecer a relação entre o dever de proteção (por parte do soberano) e o dever de obediência (por parte do súdito) também denominada por “obrigação política” [em latim - pactum subiectionis].

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CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS - O contratualismo tem como foco de análise a concepção individualista da sociedade, e não vice-versa como sustenta o organicismo, segundo o qual a sociedade é anterior aos indivíduos [lembrar de Platão]. De acordo com essa visão a sociedade deixa de ser vista como um fato natural (existindo independentemente da vontade dos indivíduos) e passa a ser compreendida como um corpo artificial criado pelos indivíduos e fundado em um acordo entre aqueles que irão se submeter a um poder político superior e aqueles a quem esse poder vai ser confiado [que seria a distinção entre a visão aristotélica medieval X a do jusnaturalismo. Aqui falar também das nuanças dos diferentes contratualistas];

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CONSTITUCIONALISMO - sob tal acordo pretendia-se, como já foi dito, limitar o Estado, mas que tipo de limite? Dois seriam eles, representados por duas formas respectivas, a saber: a) os limites dos poderes (representados pela forma do Estado de Direito); e b) os limites das funções (representados pela forma do Estado Mínimo). [Aqui já é possível perceber a distinção entre dois tipos de liberalismo, o primeiro se refere ao liberalismo político e o segundo, ao liberalismo econômico] Obs.: Tanto uma quanto a outra forma são englobadas pela doutrina liberal, mas as duas formas não foram alcançadas em um mesmo momento, por isso, chegaram a serem tratadas separadamente, e até de modo excludente, de acordo com os seguintes exemplos: •

Observou-se a existência de um Estado de Direito que não era necessariamente mínimo - como o Estado contemporâneo;



da mesma maneira, observou-se o surgimento do Estado mínimo sem que ele fosse um Estado de direito - como o hobbesiano, pois era absoluto, porém liberal economicamente [explicar que isso ocorreu devido ao fato dele imaginar como sendo o papel, o dever do Estado, garantir apenas aquelas características naturais como a paz, a ordem e a segurança para que seus súditos exerçam suas atividades. Em outras palavras, as funções do Estado estariam limitadas apenas à manutenção da ordem pública].

Em resumo, diz-se que o Estado liberal luta contra o absoluto em prol do Estado de direito e contra o Estado máximo em favor do mínimo (mesmo que esses dois movimentos não ocorram simultaneamente, como já foi citado). -

LIMITES DO CONSTITUCIONALISMO - Ainda sobre o constitucionalismo, faz-se mister explicar cada uma dessas formas que expressam os limites do poder do Estado de modo mais claro, como segue abaixo: •

Por Estado de direito - entende-se aquele em que os poderes públicos são regulados e limitados por normas gerais, quer dizer, significa a subordinação dos poderes públicos às leis gerais e também, subordinação das leis aos direitos naturais e invioláveis, contendo os seguintes mecanismos para tais limitações: 1) o controle do Poder Executivo (governo) por parte do Poder Legislativo (parlamento); 2) o controle do Poder Legislativo (em seu exercício ordinário) por parte do Poder Judiciário (a quem é pedido uma averiguação a cerca da constitucionalidade das leis); 3) autonomia dos governos locais em relação ao governo central; e 4) uma magistratura (composta pela classe dos magistrados - juizes, desembargadores, ministros e todos os demais que exercem a função de distribuidor da justiça) independente do poder político.



Já o Estado mínimo - é aquele que estende sua intervenção ao menor âmbito possível, isto é, o Estado deve se intrometer o menos possível na esfera de ação dos indivíduos [como diz Wilhelm von Humboldt “...o Estado não deve se imiscuir na esfera dos negócios privados dos cidadãos,... pg. 25].

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No Estado liberal, parece que os mecanismos de controle do poder são mais facilmente desenvolvidos no Estado mínimo, pois é mais fácil controlar um Estado que exerce poucas funções.

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O Estado é visto então, de acordo com o pensamento liberal, como um mal necessário [ler pg. 21 sobre o comentário de Thomas Paine].

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OBJETIVOS E OUTROS CONCEITOS - O Estado liberal nasceu como crítica ao paternalismo (e demais formas de governo benevolentes) e em defesa da autonomia da pessoa humana. Quem, no entanto, deverá cumprir o papel de provedor das necessidades dos homens? Os próprios homens, lutando por seus interesses particulares, luta essa expressa pelo antagonismo?

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ANTAGONISMO - Sim, a existência do antagonismo representa a liberdade de existência de grupos de interesses plurais que lutam para verem seus objetivos atendidos. Observa-se que o antagonismo propõe, ou melhor, permite a variedade, além de ser o meio que homem encontrou para “satisfazer seus próprios interesses em concorrência com os demais” (Kant, pg. 28), representando o núcleo essencial do pensamento liberal.

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NEOLIBERALISMO - Enquanto que o antagonismo e a livre concorrência, seriam termos aceitos tanto pelo liberalismo político quanto pelo liberalismo econômico, existe uma das correntes liberais que privilegia o segundo tipo de liberalismo em relação ao primeiro. Trata-se do neoliberalismo, pois este seria uma doutrina principalmente econômica, onde o liberalismo político nem sempre é necessário (sendo inclusive um obstáculo, às vezes).

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LIBERALISMO CLÁSSICO - Já o liberalismo clássico seria a teoria do poder do Estado, regulada pela premissa relativa aos direitos (principalmente o de propriedade individual) e aos interesses dos indivíduos, ambos considerados como anteriores à formação do poder político. Pode-se perceber a intrínseca correspondência desse liberalismo ao liberalismo político.

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LIBERALISMO MODERNO - Enquanto que o liberalismo moderno se associa diretamente ao liberalismo econômico e, consequentemente, à doutrina do Estado mínimo. Este está historicamente ligado em sua formação ao significado de democracia formal.

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DEMOCRACIA - em um sentido amplo, compreende uma das várias formas de governo, onde o poder é distribuído nas mãos de todos ou da maior parte, se contrapondo à forma monárquica e da oligarquia (ambas formas autocráticas. Por autocracia entende-se o governo de um príncipe, ou de um grupo, com poderes limitados e absolutos).

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PRESSUPOSTO FILOSÓFICO - De acordo com Norberto Bobbio, o conceito de democracia passou por diversas conotações no decorrer da história, dentro do estudo de teoria no pensamento político, a saber: a) a teoria clássica; b) a teoria medieval; e c) a teoria moderna. Alguns autores como Giovanni Sartori, no entanto, apontam por um quarto período, atual, onde a teoria da democracia está sendo “revisitada”.

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SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA DEMOCRACIA a) Teoria Clássica - De acordo com a teoria clássica, como demonstra Benjamim Constant, no seu discurso A Liberdade dos Antigos Comparada a dos Modernos, para os gregos antigos a liberdade significa a partilha do poder social entre os cidadãos de uma mesma pátria. Assim, a democracia deveria permitir que os cidadãos deliberassem de forma direta a administração do governo. Em outras palavras, a sociedade mais democrática para os antigos - conceito comum entre os gregos da época - era aquela onde todos os “cidadãos” (vale ressaltar aqui que eram considerados cidadãos somente os homens com renda mínima para votar; as mulheres, estrangeiros, escravos e aqueles que não possuíam bens ou renda líquida não eram considerados como tal) podem se reunir em praça pública e deliberar sobre as questões do Estado. Benjamim Constant coloca esse argumento ressaltando que o contexto sócio-político da Grécia, naquele período, propiciava tal pensamento. A escravidão era comum, os homens de posse não trabalhavam e por isso tinham tempo de se envolverem com as questões do Estado. Além disso, a divisão política das regiões também contribuía, pois era o período das Cidades-Estados gregas.

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Logo, sendo as localidades pequenas e sendo menor ainda o número de habitantes considerados cidadãos e que, apesar de serem homens de posse, não trabalhavam, mais fácil se tornava para esse grupo se encontrar e discutir as políticas públicas de suas cidades, como se dava em Atenas. A democracia dos antigos representa, então, o modo de exercer o direito de tomar as decisões coletivas de forma muito ampla, ou seja, quanto mais diretamente e objetivamente o povo participa, maior a democracia. Obs.: Apesar dessa colocação, tanto Platão quanto Aristóteles, dois “gregos antigos”, viam o exemplo ateniense de democracia com olhos profundamente críticos. Para Platão, nesse regime vigorava a ignorância (a falta de conhecimento por parte dos indivíduos referente aos respectivos papéis na sociedade - e essa ignorância é que era o mal da democracia). Aristóteles, da mesma forma, observava a democracia com olhos críticos, como já foi citado. Sendo a democracia, para ele, uma forma negativa da politeia, guiada pelos demagogos e sem visar ao bem-comum. Enfim, tanto para Platão como para Aristóteles os pressupostos da democracia - liberdade e igualdade - não eram vistos como princípios, mas, pelo contrário, como negação de princípios. Esse argumento decorre do fato de que para Platão, por exemplo, a igualdade para todos e entre todos não é justa (lembrando da divisão do Estado em três grupos, de acordo com a divisão ternária da alma). Da mesma forma, para Aristóteles essa igualdade também não é justa, pois ele pregava a proporcionalidade, ou seja, mais aos que valem e merecem mais (por trabalharem pelo bem comum) e menos aos que merecem menos. Mas, retomando o discurso de Benjamim Constant, podemos observar que a medida que as cidades ou os Estados crescem, devido ao mercado, ao intercâmbio de mercadorias, as pessoas não podem mais deliberar em praça pública, nascendo o conceito de representação. Os cidadãos passam a escolher alguém que represente seus interesses enquanto cuida de seus negócios particulares. Prefere-se a liberdade individual em detrimento da vida em comum, enquanto antes, era preferida a vida em comum em detrimento da liberdade individual, pois o Estado geria inclusive o matrimônio e as demais relações sociais. b) Tradição Romano-Medieval - Com o conceito de representação nasce também a tradição romano-medieval de soberania popular, ou seja, após a escolha de um representante, quem deteria o poder soberano? A princípio chegou-se a estabelecer que fosse quem fosse o efetivo detentor do poder soberano, a fonte originária seria sempre o povo, como nos mostra Norberto Bobbio. Mas fez-se necessário estabelecer a distinção entre o titular do poder e aquele que realmente o exerce. c) Tradição Moderna - Quem inaugurou a tradição moderna foi Maquiavel, nascida com o Estado moderno nas formas das grandes monarquias (lembrando do intuito de Maquiavel ao escrever O Príncipe, qual seja, a unificação da Itália, de forma a torná-la forte o suficiente diante dos outros Estados Modernos europeus que estavam se constituindo). Maquiavel faz uma distinção essencial entre duas formas de governo: a monarquia (ou principado) e a república, sendo que a antiga democracia, nada mais era do que uma república, enquanto a monarquia era aristocrática. O importante a ressaltar é que a partir dele se faz a associação entre república e democracia, onde o governo é genuinamente popular. -

A DEMOCRACIA MODERNA - entende-se que o conceito é o mesmo que o dado pelos antigos, o que mudou foi o valor. A democracia moderna é caracterizada pela democracia representativa. Nasceu da convicção de que os representantes eleitos pelos cidadãos estariam em condições de avaliar melhor quais seriam os interesses gerais, já que o povo está demasiadamente preocupado com seus próprios interesses particulares. Obs: O tema democracia, até hoje, é bastante discutido, tanto que um livro lançado recentemente (a cerca de quatro anos), A Teoria da Democracia Revisitada, de Giovanni Sartori, comenta em um volume as discussões clássicas e no outro, temas atuais que versam sobre uma mesma questão, a convivência entre liberdade e igualdade, os dois pressupostos básicos da democracia, que porém se confrontam quanto à participação no caráter democrático.

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CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS - A principal característica a ser ressaltada sobre o conceito de democracia é o fato deste, como citado anteriormente, incorporar dois pressupostos - a liberdade e a igualdade - que, de acordo com os diversos valores a eles atribuídos, irão defini-la de diferentes modos. O interessante a ser lembrado é a convivência entre esses dois pressupostos. Além de nunca ter sido harmoniosa é ela o foco dos diferentes conceitos atribuídos à democracia no passar do tempo, como pudemos observar. Tanto os regimes liberais (político e econômico) quanto as sociedades socialistas e (antes) as comunistas, reclamavam o cunho democrático de seus regimes. A diferença é que em cada um deles prevalece um dos dois pressupostos.

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OBJETIVOS E OUTROS CONCEITOS - Percebe-se que a liberdade e a igualdade são termos antitéticos, logo, para aqueles que privilegiam a liberdade o objetivo da democracia é a expansão da personalidade individual. Enquanto que aqueles que defendem a igualdade, o fim principal da democracia é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto.

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DEMOCRACIA REPRESENTATIVA - No entanto, uma das formas de se conseguir um certo equilíbrio entre esses dois princípios seria na democracia representativa, que seria o povo elegendo seus próprios representantes. Desse conceito derivam outros dois termos relativos à democracia, a saber:

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DEMOCRACIA FORMAL - de sentido jurídico-institucional, é entendida como governo do povo, se diferenciando da democracia substancial.

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DEMOCRACIA SUBSTANCIAL - a democracia substancial: que já expressa um significado ético é entendida como governo para o povo.

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CONCLUSÃO - Bobbio nos fala que a única forma de igualdade compatível com a liberdade é a igualdade na liberdade, fórmula essa que aparece em duas possibilidades: a) a igualdade perante às leis; e b) a igualdade dos direitos (que compreende a igualdade em todos os direitos fundamentais

enumerados em uma Constituição. Esses direitos, no entanto, são variáveis, mas representam os direitos que em uma determinada Constituição são atribuídos a todos os cidadãos indistintamente).

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Introdução à Ciência Política - Aula 09 - Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 10 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Capitalismo, Socialismo e Comunismo. Karl Marx {©- VIDA E OBRA - Karl Marx nasceu em Trier, Prússia (1818 - 1883). Sua cidade, quinze anos antes dele nascer, foi ocupada pelos franceses à época de Napoleão I, porém, em 1815, com o Congresso de Viena, voltou para a Prússia. Seu pai era advogado e se converteu do judaísmo ao protestantismo liberal. Sua obra é divida em três fases: 1) os escritos da juventude (filosofia de Hegel); 2) uma fase de transição (marcada pela preocupação com a teoria geral da sociedade, focalizando, principalmente, a ciência política e histórica francesa - período em que escreveu O Manifesto Comunista); e, por fim, 3) em sua fase adulta se preocupou com o modo de produção capitalista, tendo como foco o modelo da economia inglesa (foi quando escreveu O Capital). - CONTEXTO HISTÓRICO - Todos os fatores que marcaram a Prússia influenciaram Marx em suas considerações. Desses fatores, vale ressaltar, as invasões sofridas pelos alemães na época de Napoleão I. Com as invasões, o Código Civil Napoleônico, que acabava com privilégios e a tradicional estrutura de classes, suscitou nos judeus e demais grupos de pequenos burgueses, até então excluídos, um entusiasmo e ambição para entrarem no comércio e profissões que antes lhe eram negados. No entanto, tais invasões não acabaram com a monarquia hereditária, pelo contrário, após a derrota e o exílio de Napoleão, a nobreza alemã tratou de reforçar todos aqueles aspectos que garantiam o sistema (semi) feudal e datavam da idade média. Esse quadro propiciou uma distância entre o governo alemão e os anseios sociais (dos judeus e pequenos/médios comerciantes), pois o governo procurou ser cada vez mais autoritário para impedir que as idéias e instituições liberais da cultura européia em geral atingissem e influenciassem a sociedade alemã. Mas ainda assim, as idéias iluministas chegaram até os alemães, principalmente os pensamentos de Voltaire e Rousseau. Dessa forma, as mudanças geradas pela influência francesa duraram pouco tempo e foram destruídas pelos príncipes alemães, gerando uma insatisfação ainda maior para a comunidade judaica alemã. Foi o que aconteceu com o pai do Marx que, frustado, abandonou o judaísmo e se converteu em um típico burguês alemão, defensor, inclusive, da monarquia - obediência que irritou muito o jovem Marx. Tal política levou a um sistemático desestímulo do comércio e da indústria em contraposição ao desenvolvimento econômico que estava ocorrendo em ritmos diversos nos demais países da Europa. Mas como isso o atingiu? - JUVENTUDE - Em 1815 ele entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de Bonn e, no ano seguinte, foi para Berlim dar seguimento ao seu curso. Foi em Berlim que ele tomou contato com a filosofia hegeliana, que estava em voga.

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- HEGEL - Hegel tentou aplicar a doutrina “metafísica”1 aos acontecimentos históricos. Em outras palavras, para ele “a história se torna nada mais que mera sucessão de acontecimentos externamente relacionados, ou seja, passa a ser um processo racional, fruto da intenção de Deus ou dos homens (o espírito), que lhe dão significado” (BERLIM, 1991), isto é, o dado primeiro é o pensamento que cria a realidade e esta, nada mais é do que a manifestação do pensamento. Por essas considerações é que Hegel é conhecido como dialético idealista. - O MATERIALISMO DIALÉTICO (filosofia/forma de pensar) - Marx, aproveita o início da cadeia de pensamento de Hegel que percebe a história como um processo, mas acaba por vira-la ao contrário. Segundo Marx e Engels, no lugar do espírito está a matéria, pois para ele as idéias e a história são conseqüências da matéria. Tal concepção de Marx originou a corrente filosófica do materialismo dialético. - O MATERIALISMO HISTÓRICO (teoria científica/forma de observar) - Engels, amigo e co-produtor da maior parte dos textos de Marx, explica que quando estudam a história, eles buscam a causa última, a grande força que movimenta todos os eventos históricos no desenvolvimento econômico da sociedade, que seriam, principalmente, fruto de três elementos, a saber: (lembrar de Rousseau) a) as transformações do modo de produção e de troca; b) a conseqüente divisão da sociedade em classes distintas; e c) a luta dessas classes umas com as outras. Com essas observações ele desenvolve o que ele entende por método dialético - para ele são as contradições que movem o mundo (como dizia Hegel - tudo possui seu contrário em si mesmo), gerando a tríade tese, antítese e síntese, que apontam para um desenvolvimento progressivo da história, tendo como início o mundo material - é o que denominamos de materialismo histórico. Infra-estrutura e Superestrutura - Marx a explicará sua percepção da história pela estrutura material da sociedade, onde a idéia é derivada das condições materiais. Dessa forma, a infra-estrutura corresponde a essa estrutura material da sociedade - sua base econômica -; enquanto que a superestrutura se refere à estrutura jurídico-política (o Estado, o direito, etc.) e ideológica (formas de consciência social - cultura, arte, pensamento). - TRANSIÇÃO - Essa concepção da história pode ser encontrada nos textos que marcaram a passagem do jovem Marx para o Marx moderno (autor de O Capital), quais sejam: O Manifesto Comunista (escrito a cerca de 150 anos atrás - 1846), As Lutas de Classe na França (1848-1850) e O 18 Brumário de Luís Bonaparte. - O MANIFESTO - O tema central é a luta de classes, que ele expressa logo no início do texto ao comentar que a história humana se caracteriza pela luta de grupos humanos - as classes sociais, representando de um lado o antagonismo dos opressores e dos oprimidos e, por outro lado, a tendência a uma polarização da sociedade em dois blocos e somente em dois. Esse momento decisivo, dizem Marx e Engels, vai marcar o fim da pré-história e o início de uma história sem antagonismos. - AS CLASSES SOCIAIS - Nos três trabalhos citados, Marx esclarece que cada classe representa um grupo que ocupa um lugar determinado no processo (tecnológico e jurídico) de produção. Uma classe é organizada não só por ter uma mesma fonte de renda (se assim for, seria apenas uma “classe em si”), mas por possuir uma unidade psicológica, consciência de unidade e vontade de ação comum (transformando-se em uma “classe para si”). Influência do Espírito absoluto (autoconsciente) de Hegel. - LUTAS DE CLASSE - Nesses textos, ao estudar a luta de classes em determinado período da história francesa, Marx percebe uma existência de outros grupos sociais (intermediários entre opressores e oprimidos), que seriam:

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A metafísica é a ciência que estuda o que, por sua essência, é inexperimentável, imutável e, de algum modo, espiritual

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- a burguesia financeira; - a burguesia industrial; - a burguesia comercial; - a pequena burguesia; - o campesinato;

Essa é a estrutura social da França em 1848

- o proletariado; e - o lumpenproletariado Esses diferentes grupos sociais não vão de encontro com a teoria de Marx sobre a divisão da sociedade em dois blocos e somente em dois. Representam apenas uma fase de transição onde esses grupos marginais e os sobreviventes da antiga ordem estrutural da sociedade, não se uniram ainda aos proletários ou aos capitalistas. Para Marx, então, pode até ser que naquele momento, na França, outros grupos sociais participem e se expressem, mas no futuro ele serão chamados a se posicionarem em dois blocos - opressores e oprimidos. Porém, de uma forma geral, quando ele analisa a Revolução de 1848 ele vai perceber a forma de contradição que existe entre o aumento das riquezas (nas mãos de uma minoria) e a miséria crescente da maioria. Essa condição para eles é conseqüência do desenvolvimento histórico. Logo na primeira página do livro ele vai dizer que “os homens fazem a história, mas não da maneira como querem”, quer dizer então que os homens promovem as revoluções e as mudanças, mas com base em fator determinante - o desenvolvimento econômico. - MODO DE PRODUÇÃO - Já foram tratadas aqui as classes e as lutas entre elas, agora falta falar do terceiro elemento que representará a evolução histórica para Marx - buscar, por meio de uma análise histórica da humanidade, a mudança nos modos de produção. É para responder a essa busca que Marx escreve O Capital, para explicar o modo de funcionamento, a estrutura social e a história que levou ao regime capitalista. - O CAPITAL - Marx procura entender esse regime capitalista sob a ótica de três aspectos: a) o funcionamento: perguntando-se por que os homens são explorados no regime da propriedade privada? E por que este regime está condenado, devido a suas próprias contradições, a uma revolução que o destruirá?; b) a história: levantando o questionamento de como se deu a evolução histórica por meio dos modos de produção até chegar ao capitalismo?; e c) a estrutura: ou seja, Marx procura descrever a condição dos homens no interior desse regime. Para explicar esses aspectos, Marx utiliza alguns temas essenciais: a propriedade privada dos instrumentos de produção; e a busca pelo lucro (essência do capitalismo). Esses temas vão sendo definidos a medida que se esclarece alguns conceitos básicos, a saber: - MERCADORIA - A mercadoria é fruto do trabalho humano, logo, pressupõe uma quantidade de trabalho nela contida e pode ter um valor de uso, mas possui, principalmente, valor de troca; - TROCA IMEDIATAMENTE INTELIGÍVEL - é aquela que não proporciona lucro nem excedente. - TROCA POR INTERMÉDIO DO DINHEIRO - a primeira representa uma relação onde não se visa ao lucro (M-D-M → vender para comprar), a outra representa a forma que caracteriza o capitalismo, por meio do dinheiro, que é o equivalente universal das mercadorias (D-M-D → comprar para vender, ou melhor, comprar barato para vender mais caro). CopyMarket.com

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Para explicar o segundo tipo de troca, Marx desenvolve duas teorias: 1) a do valor-trabalho; e 2) a da mais-valia. 1) A TEORIA DO VALOR-TRABALHO - O valor de qualquer mercadoria, diz Marx, é, de modo geral, proporcional à quantidade de trabalho social médio nela contida (horas de trabalho gastos normalmente, por exemplo, na fabricação de uma cadeira), pois essa quantidade é o único elemento quantificável que se descobriu na mercadoria. - PREÇO E VALOR - Com essa teoria ele procura demonstrar a diferença entre preço (variável) e valor (fixo), onde essa diferença é explicada e sanada pela lei da oferta e da procura. - O TRABALHADOR - Essa mesma proposição citada anteriormente, que diferencia o preço do valor, é transferida à esfera do trabalhador. Estes são os indivíduos que, no sistema capitalista, não possuem os meios de produção. Como eles poderão participar daquela segunda forma de troca? Os trabalhadores irão vender sua força de trabalho analogamente como acontece com a mercadoria. Logo, o valor da força de trabalho deve ser vendida pelo preço justo (que seria a expressão das necessidades de sustento do próprio trabalhador e de sua família) que, como a mercadoria, também será determinado socialmente. Mas o que vai acontecer para que o preço justo represente apenas um prato de comida ou pão e água? 2) A MAIS VALIA - O tempo de trabalho necessário para o operário produzir um valor igual ao que recebe sob forma de salário é inferior à duração efetiva de seu trabalho. Por exemplo, o trabalhador é contratado para trabalhar 12 horas... - BASE PARA A TAXA DE EXPLORAÇÃO - O quadro abaixo representa a relação entre mais valia e o capital variável, expressando a base para a taxa de exploração sobre o trabalhador. Contrato de 12 horas

X: salário;

4 horas

4h: trabalho necessário;

X

8 horas Y

Y: de mais-valia; 8h: sobre-trabalho.

- O TRABALHO NECESSÁRIO - Esse período inicial de trabalho é assim denominado, pois com essas 4 horas de trabalho, o trabalhador produz o suficiente para cobrir os gastos com seu salário. - O SOBRE-TRABALHO - O tempo de trabalho excedente é denominado de sobre-trabalho. - MAIS -VALIA - O valor produzido durante o sobre-trabalho (arrecadado pelo comprador da força de trabalho, o capitalista), é denominado de mais-valia. A mais-valia reverte em forma de capital para o capitalista, que pode ser transformado em capital fixo ou variável. - CAPITAL FIXO - Todos os investimentos feitos nos meios de produção e nas matérias primas recebem o nome de capital fixo. - CAPITAL VARIÁVEL - O capital variável representa os investimentos feitos com e para o trabalhador (salário, por exemplo). - DIVISÃO DO TRABALHO - Se com 4 horas o trabalhador paga os gastos com ele, o restante de horas trabalhadas reverterá unicamente em lucro para o capitalista que poderá ou investir em máquinas ou na contratação de outros trabalhadores e continuar tendo mais lucro. Esse processo se dá graças a divisão do trabalho, conforme nos mostrou Rousseau. Lembrem-se que este autor francês afirmou que no fim do estado de CopyMarket.com

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natureza, graças a divisão do trabalho, uns poucos passaram a ter direito de propriedade e outros não. Qualquer coisa que se dê para quem nada possui, já é alguma coisa, mesmo que seja pão e água. - ALIENAÇÃO - Quando o operário vende sua força de trabalho no mercado, o que ele produzir não mais lhe pertence, nem fará sentido para ele (lembrar do filme de Charles Chaplin), separando o agir do pensar e causando a não identificação dos produtores com o fruto de seu trabalho - essa é a alienação. - O FIM DO CAPITALISMO - Contudo, Marx vai ressaltar que o fim do sistema capitalista está contido no próprio sistema, pois como vai este indivíduo alienado participar da unidade social e torná-la democrática, uma vez que este não tem conhecimento de nada. É assim que cada vez mais irá se acentuando a distância entre o grupo dos opressores e dos oprimidos, aumentando este e diminuindo cada vez mais aquele. - CONCLUSÃO - Para Marx, o capitalismo encobre então uma relação social que sempre existiu. Os escravos trabalhavam para se alimentar e se vestir e trabalhavam para o seu senhor. Os servos, no período feudal (onde essa relação ficou um pouco mais clara), trabalhavam três dias para si e quatro para o seu senhor. Com o advento do capitalismo parece que o operário trabalha só para si, mas pelo fim da mais-valia (lucro para os proprietários dos meios-de-produção) se percebe que a mesma relação se mantém (ele trabalha 4 horas, por dia, para si e 8 para o “seu senhor”) - o antagonismo continua. Essa relação só terá fim quando os antagonismos de classe terminarem, quando se terá uma (verdadeira) “democracia real”, onde os homens abandonarão a particularidade para obter a universalidade, por meio da abolição da propriedade privada sobre os meios de produção, acabando, assim, com a alienação. TESE - comunismo primitivo (afirmação) ANTÍTESE - todas as sociedades de classes antagônicas (negação) SÍNTESE - indivíduo e coletividade em união (negação da negação, fundindo unidade e totalidade). - SOCIALISMO E COMUNISMO - Nesse caminho até o fim dos antagonismos a sociedade passará por dois estágios: 1) o socialismo; e 2) o comunismo. - Socialismo: na primeira fase, denominada de socialismo, a classe operária se organizaria em um partido que destruirá o Estado burguês e organizará um novo Estado, dirigido pelo proletariado até que a classe burguesa se extinga. Para tal, esse novo Estado é necessário, bem como, uma burocracia, um aparelho repressivo e um aparelho jurídico, de forma a evitar uma revolução por parte dos burgueses (a contra-revolução). O princípio de tal regime seria: “De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo seu trabalho” (quem tiver mais capacidade para trabalhar mais, merece mais reconhecimento). - Comunismo: o comunismo representa a segunda fase do processo, onde a luta de classes desaparecerá e, consequentemente, também o Estado, garantindo um desenvolvimento prodigioso das forças produtivas, visto que todas as necessidades seriam atendidas. Seu princípio seria então: “De cada um, segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades” (quem trabalhar mais receberá de acordo com suas necessidades). - FIM DA HISTÓRIA - Seria este o fim da história? Não, pois para Marx, com a sua visão da história sendo movida pela contradição, a mesma deve continuar. Só que a contradição não é mais entre classes distintas, mas entre o progresso e as forças conservadoras.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 11 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Estado e Max Weber -

PREOCUPAÇÃO: assim como Pareto e Durkeim, Weber fez parte da geração da passagem do século 1, logo, ele percebia que as sociedades só mantinham sua coerência por meio de crenças em comum. E a realidade que ele estava vendo era que essas crenças em comum (de ordem transcendente como a fé, por exemplo), fruto das tradições, estavam sendo abaladas pelo desenvolvimento científico nas sociedades contemporâneas.

-

VISÃO DA HISTÓRIA: essa percepção de Weber de que a sociedade só podia manter sua estrutura e coerência sob a condição de que uma fé comum pudesse reunir os membros da coletividade, o fazia acreditar que o motor da história era algo que se encontrava dentro da consciência dos indivíduos.

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TEMAS PRINCIPAIS - e é exatamente por isso que os temas principais abordados na maior parte de sua vasta produção intelectual são:

-



racionalização e sufocamento;



ciência neutra - útil para o homem de ação e para a política

PONTO DE PARTIDA: quando se fala em homem de ação se fala no ponto de partida da análise weberiana - o indivíduo e aquilo que o faz mover (a ação). Assim, Weber identificou quatro tipos de comportamento individual que determinam a conduta dos indivíduos (quer dizer, dão à ação do indivíduo um certo sentido) a saber: 1) ação racional instrumental (com relação a um fim ou objetivo); 2) ação racional com relação a um valor;

Estado Contemporâneo

3) ação tradicional; e 4) ação afetiva ou emocional. -

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OBRAS - Identificado esses quatro tipos de ação, Weber os associa a seus questionamentos sobre a racionalidade na sociedade contemporânea, partindo da relação entre MEIOS e FINS, Em seus dois discursos, “Ciência como Vocação” e “Política como Vocação”. Ou seja, toda a ação humana visa a um objetivo e para que este seja alcançado é necessário que se escolha os meios. No entanto, além dos meios

A geração da passagem do século tinha como principal preocupação as relações entre religião e ciência.

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serem variados os homens se baseiam em valores, para a determinação dos meios. Valores esses que precisam ser explicitados. -

{©CIÊNCIA COMO VOCAÇÃO - E é nesse ponto que Weber vai mostrar a importância da Ciência como indicadora dos meios necessários para se atingir determinados objetivos. Para isso ele vai ressaltar o fato de que a Ciência, ou melhor, a ação científica, seria orientada por uma combinação entre os dois primeiros tipos de ações: a racional com relação a um fim e, a com relação a um valor. Pois o fim da ciência é a verdade, ou seja, é um objetivo permeado pelo julgamento de valor.

-

Ciência: Essa ciência descrita por Weber (positiva e racional) - utilizando as palavras do próprio - é resultado, quer dizer, faz parte do processo histórico de racionalização, em que a vocação é determinada pelo fato da ciência ter atingido um estágio de especialização, antes desconhecido. Esse estágio não deve ser associado ao cálculo frio, mas além do esforço e do trabalho é necessário a inspiração, a intuição. Ou seja, na ciência como na arte, aquele que tem vocação deve dedicar-se a ela, deve ter personalidade.

-

O Cientista: A idéia é que o cientista por vocação esteja sempre indagando, ao concluir uma obra, um conceito anterior e, ao mesmo tempo, pede para ser ultrapassado. Esse estágio da ciência (conhecimento altamente especializado) onde predomina esse sentido da vocação (dedicação e busca da superação visando a verdade), ele associa (na pg. 30) à idéia de se ter consciência e de se poder provar, constantemente, o desencantamento do mundo (ter em mente que, em princípio, não existe nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira, mas que se pode dominar tudo por meio da previsão).

-

O Significado da Ciência: Nesse ponto ele levanta a pergunta: qual seria o significado da ciência diante desse processo de contínua renovação? Em outras palavras, qual seria a validade universal da ciência? Utilizando o exemplo do "mito da caverna" de Platão (pg. 32), ele vai responder que a validade exige que o cientista não projete seus juízos de valor no processo de investigação, de forma a não incutir nos homens suas convicções.

-

Ciências Sociais e Ciências Naturais: Com essa ressalva Weber indica que apesar das ciências da natureza e a sociologia (e a história) terem uma inspiração racional, elas diferem quanto à "natureza da relação entre o trabalho científico e os pressupostos que o condicionaram" (isto está na pg. 36). Para Weber, então, a "compreensão" de ambas diferem: uma é mediata e a outra é imediata. O que ele quer dizer (R.A. pg. 468) é que nas ciências da natureza os fenômenos precisam estar baseados em pressupostos que precisam ser provados através da experiência. Quanto às ciências sociais, a compreensão dos fenômenos pode ser alcançada sem a intermediação de pressupostos gerais. (R.A. pg. 469)

-

A Contribuição: Em seguida (pg. 45), o próprio Weber vai levantar uma outra questão: de acordo com as colocações feitas anteriormente, qual seria a contribuição positiva da Ciência? - a ciência nos oferece certos conhecimentos que nos permitem, dominar tecnicamente a vida por meio da previsão; - nos oferece métodos de pensamento (instrumentos e uma disciplina); - contribui para a clareza (desde que o cientista a tenha de antemão). O que ele quer dizer com essa última colocação (ou condição) é aquela idéia de que os homens de ciência "podem - e devem - mostrar que essa ou aquela posição adotada (esse ou aquele meio) vêm, deriva, se originou no significado desta ou daquela visão última e básica do mundo, ou seja, deste ou daquele princípio".

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O Papel do Professor: Ele vai dizer que o "professor" que consegue levar a clareza desse sentido de responsabilidade (da explicação) conseguirá contribuir e evitar a imposição de convicções (pg. 46). Quando ele fala "professor" está se referindo ao fato de que o jovem que acredita ter vocação para a ciência deve possuir qualidades de cientista e de professor. Professor no sentido de compreender o fenômeno e tentar transmiti-lo de maneira "neutra".

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Valores: Mas para que o "professor" aja dessa maneira é necessário ter em mente "a distinção entre o julgamento de valor e a relação aos valores. (R.A. pg. 470) - os julgamentos de valores são pessoais e subjetivos. - enquanto que a relação aos valores é um procedimento de seleção e de organização da ciência objetiva. Esse processo de seleção encerra ainda uma outra questão além do porquê, como selecionar? O porquê, Weber vai responder com a idéia de que ao se relatar um fato histórico seria impossível reconstruir perfeitamente todo o pensamento dos personagens e o contexto inserido. Seleciona-se, portanto, fatos com base em valores estéticos, morais ou políticos, transformando um trabalho científico da área em "um conjunto de interpretações, todas seletivas e inseparáveis do sistema de valores escolhido." (R.A. pg. 472)

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Conclusão: Seguindo esse raciocínio podem existir inúmeras interpretações de um mesmo fenômeno. Para solucionar o impasse Weber, como eu já falei, responde que mesmo os resultados do trabalho científico sendo obtidos, a partir de uma escolha subjetiva, é importante que os procedimentos possam estar sujeitos a verificação (R.A. pg. 474). Tudo isso que Weber fala é para limitar a compreensão e interpretação do significado dos problema às intenções subjetivas do agente, mas que elas sejam claras.

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A POLÍTICA COMO VOCAÇÃO - Já em seu texto “A Política como Vocação”, Weber entende a política como sendo a direção do Estado, ou seja, um conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou influenciar na sua divisão entre Estados ou dentro de um mesmo Estado.

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O Estado: Mas, o que viria a ser o Estado? É a comunidade humana que reivindica o uso legítimo da violência física dentro do seu território, ou seja, a dominação do homem sobre o homem fundada no instrumento da violência legítima, não só nela, mas, principalmente.

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Fundamentos da Obediência e da Dominação: Vale ressaltar que três são as formas de fundamentos que legitimam a obediência e a dominação, que eu explicarei mais pormenorizadamente adiante. Porém, em suma, seriam: a) a dominação racional-legal (a autoridade se baseia na legalidade); b) a caracterizada pelo poder carismático (profetas, soberanos escolhidos - autoridade fundada nos dons pessoais e extraordinários do indivíduo, isto é, em seu carisma); c) aquela que está baseada no poder tradicional (patriarca, senhor de terras - dominados por uma autoridade dos costumes santificados pelo hábito dos homens em respeitá-los;

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A Ação Racional : Weber identificou quatro tipos de comportamento individual que determinam a conduta dos indivíduos (quer dizer, dão à ação do indivíduo um certo sentido) a saber: 1) ação racional instrumental (com relação a um fim ou objetivo); 2) ação racional com relação a um valor; 3) ação tradicional; e 4) ação afetiva ou emocional.

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Ação Social: Quando um indivíduo passa a se relacionar com os outros, as suas ações individuais passam a interferir na dos outros, logo teremos ações sociais e não mais individuais. Em outras palavras ação social significa: que, de acordo com o sentido que lhe atribui o ator, ela (ação) se relaciona com o comportamento de outras pessoas, gerando uma relação social.

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Ordenamento: Para que as relações sociais sejam regularizadas, faz-se necessário a existência de um ordenamento legítimo, que será fundamentado de acordo com os quatro tipos de ação identificados por Weber. Contudo, Weber associa esses ordenamentos, também em relação à história, portanto, um dos três tipos de motivação não aparece como fundamento de tais ordenamentos - a ação racional com relação a valores - por não encontrar seu correspondente histórico. * Quando se trabalha para se obter uma regularização (ou ordenamento) de uma sociedade, percebemos a primeira desigualdade, aquela entre os que vão mandar e os que vão obedecer. Aqui Weber inclui três outros termos: combate, poder e dominação.

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Combate: para Weber o conflito é inerente a qualquer sociedade e é uma “relação social fundamental”. Refere-se ao atrito entre aquele que quer impor sua vontade a outro que oferece resistência. E a esfera do combate é a própria esfera da política (pois para ele política é luta).



Poder: probabilidade de um ator impor sua vontade a outro, independente da resistência deste, expressando aquela situação de desigualdade citada anteriormente. Aqui, nem o comando é necessariamente legítimo, nem a obediência um dever.



Dominação: “probabilidade de um senhor de contar com a obediência dos que, em teoria, devem obedecê-lo.”

As Motivações: Por fim, são as motivações das ações de obediência que nos permitirá distinguir entre os diversos tipos de dominação - a legal, a tradicional e a carismática. De acordo com Weber, a dominação pode se fundamentar então em três aspectos principais respectivamente: •

no conjunto de interesses (daqueles que obedecem);



no costume;



ou simplesmente no afeto;

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Fundamentos: No entanto, nós poderemos observar que se a dominação se baseasse somente nesses três aspectos seria instável e, para que isso não aconteça a dominação se consolidará em torno de princípios jurídicos que sustentem sua legitimidade.

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Princípios das Diferentes Estruturas: Estes princípios jurídicos é que irão estabelecer a clara distinção entre esses três tipos de dominação. São esses princípios que vão determinar as diferentes estruturas de Estado, quais sejam:

1) DOMINAÇÃO RACIONAL-LEGAL: aqui o tipo mais puro é o modelo burocrático, onde a idéia motriz é que qualquer direito pode ser gerado e modificado a partir de uma lei positiva, de um estatuto (lei orgânica de um Estado). Em outras palavras tudo está associado às leis e sua execução. Logo, não se obedece a nenhuma pessoa de acordo com algum direito que ela diga possuir, só se obedece a uma regra estabelecida, onde quem ordena também obedece. Além disso quem ordena, tem esse cargo legitimado por alguma regra estabelecida, fruto de uma formação profissional livre de influências pessoais. Dessa forma as relações que predominam dentro dessa estrutura são aquelas baseadas em contratos, com pagamento fixo e graduado segundo uma hierarquia de valores, na qual os subordinados inferiores devem obedecer aos seus superiores com disciplina. 2) DOMINAÇÃO TRADICIONAL: já nesse tipo de dominação o tipo mais puro é o patriarcal e acontece quando quem obedece crê na santidade das ordens e poderes senhoriais tradicionais, implicando na fidelidade dos súditos. Enquanto na anterior novas regras poderiam ser criadas por lei, aqui é quase impossível mudar as regras sem afetar a tradição, a não ser que o senhor assim o queira. Em suma, se o senhor pode modificar determinadas regras, não existe o caráter formal do modelo racional-legal. Quanto ao quadro administrativo, ou seja, a estrutura do Estado, é composto por “servidores” que são os dependentes pessoais do senhor (parente, amigos pessoais, ou aqueles que lhe devem favor). De acordo com essa estrutura, as relações que predominam são de fidelidade e não de disciplina. Dentro desse tipo de dominação além da patriarcal tem também a estamental que é um meio termo entre o modelo anterior e esse. 3) DOMINAÇÃO CARISMÁTICA: Essa dominação acontece quando aqueles que obedecem assim o fazem devido à devoção afetiva sobretudo relacionada ao carisma do líder. A obediência não está então baseada em regras instituídas, mas sim na vontade do líder enquanto seu carisma persistir. É até lógico que o quadro administrativo é composto com base nos preceitos de carisma e vocação pessoal e não na qualificação profissional. Aqui Weber faz uma ressalva para que nos resguardemos dos tipos carismáticos. Assim, como aconteceu com Luís Bonaparte III, apesar da autoridade carismática ser uma grande força revolucionária, ela ao mesmo tempo é revestida de um autoritarismo dominador, que garanta sua continuidade. CopyMarket.com

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 12 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Teoria das Elites e Grupos de Pressão -

DEFINIÇÃO: Nas sociedades modernas, com a democracia representativa, é comum falar em uma distribuição assimétrica do poder político. Na verdade, esse termo é de difícil definição e compreensão. Muitos teóricos o classificaram de diferentes modos e conteúdos, mas uma noção geral que permeia todas as diversas conceituações sobre elites é que “a elite é constituída pelos que são influentes”.

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OBSERVAÇÃO: Se tomarmos por base essa definição geral, poderemos utilizar indistintamente o termo dizendo que “os padrões de educação são fixados em grande parte pelos exames vestibulares das faculdades”, “os filmes têm maior impacto sobre o senso de responsabilidade das pessoas do que as Igrejas”, ou seja, será que aqueles que elevam os padrões de educação ou os que fazem filmes fariam parte de uma elite e que os membros da Igreja, porém, não o fariam?

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TEORIA: Percebe-se que essa noção é obviamente muito ampla e imprecisa e é por isso que os teóricos das elites vem em nosso auxílio - para limitar e especificar o tipo de elite com a qual realmente nos interessa trabalhar. E qual seria ela?

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ELITE, ESTADO E DEMOCRACIA: A elite que nos interessa seria aquela que se restringe ao âmbito do Estado e pode ter ou não uma relação conflituosa com a democracia

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OS TEÓRICOS: O conceito de elite política foi apresentado por Mosca e Pareto como um termo-chave em uma nova ciência social, mas possuía outra faceta, um pouco menos evidente em suas obras: isto é, fazia parte de uma doutrina política que se opunha ou tomava uma atitude crítica em relação à democracia moderna (Pareto mais do que Mosca), e ainda mais em relação ao socialismo moderno.

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HIERARQUIA: Alguns autores nos apontam para o fato de que as doutrinas européias do século XIX acerca da supremacia de uma elite de indivíduos superiores eram todas fruto de uma sociedade contendo ainda muitos vestígios feudais e representavam diferentes tentativas para reviver antigas noções de hierarquia social e erigir obstáculos contra a propagação de idéias democráticas.

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DESIGUALDADE E DEMOCRACIA: A relação pouco harmoniosa, portanto, entre o reconhecimento da existência de elites e sua convivência com a noção de democracia, pode ser observada inicialmente dada a insistência por parte dos teóricos elitistas em ressaltar a desigualdade de atributos individuais. Tal posicionamento vai de encontro (choca-se) com um elemento fundamental do pensamento político democrático, a igualdade básica entre os indivíduos.

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MINORIA: Como conseqüência da colocação anterior, um outro ponto de divergência refere-se ao fato dos elitistas evidenciarem a existência de uma minoria governante, pois tal fato contradiz a teoria democrática de governo da maioria.

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{©DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: Mas a convivência entre esses dois conceitos não precisa ser encarada como excludente, pelo contrário, alguns autores defendem a perfeita ligação entre esses termos, desde que alguns elementos sejam levados em consideração. Assim, tais estudiosos dirão que a democracia pelo povo - a democracia formal (que em seu sentido jurídico-institucional, é entendida como governo do povo) se tornou impraticável nas complexas sociedades modernas. Faz-se mister, então, buscar uma democracia substancial (que, lembrando, já expressa um significado ético, pois é entendida como governo para o povo), onde as posições de poder na sociedade encontrem-se abertas em princípio para todos, que haja competição pelo poder e, por fim, que seus detentores estejam prontos para prestar contas de seu exercício a qualquer momento perante o eleitorado, ou seja, as bases da democracia representativa.

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IGUALDADE: O que se entendia por igualdade pura e simples em um momento anterior do processo de mudança no conceito de democracia, passa a ser entendido como “igualdade de oportunidades”. Dessa forma, a democracia será então vista como um tipo de sociedade em que as elites são, em princípio, “abertas” (quer dizer, seus membros podem ser recrutados dos diferentes estratos sociais na base do mérito individual). Essa concepção de elite dentro da democracia moderna foi melhor trabalhada em Mosca.

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ELITE X SOCIALISMO: Em suma, a intenção primeira dos teóricos elitistas não era a de ir em oposição à democracia, mas sim ao socialismo de Marx, pois como Mosca deixou claro em seu trabalho: 1º) o conceito marxista de “classe dominante” é errôneo, visto que a contínua circulação de elites impede que, na maioria das sociedades e especialmente nas modernas sociedades industriais, se forme uma classe dominante estável e fechada; 2º) da mesma forma, Mosca mostra ser impossível uma sociedade sem classe, pois em toda sociedade precisa-se de uma minoria que efetivamente governe. Marx afirmava que a história de todas as sociedades era a história das lutas de classe, divididas entre aqueles que dominam e os que são dominados. Os elitistas, complementam essa frase dizendo que a história não pode deixar de ser assim.

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LIÇÕES DE MOSCA E PARETO: Quem primeiro criou o conceito que mais tarde veio a ser denominado de elite, foi um pensador italiano, também da geração da passagem do século, Gaetano Mosca. Em seu primeiro trabalho publicado em 1806 (o primeiro volume) e revisto em 1923 (com a publicação de um segundo volume), Mosca apresenta uma teoria, onde ressalta a existência de uma “classe política”, “classe governante” ou ainda “classe dirigente”, como foco de suas análises.

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MOSCA: De maneira clara a idéia básica de Mosca seria, em suas próprias palavras, as seguintes: “Entre os fatos e tendências constantes encontrados em todos os organismos políticos, um é tão óbvio que é visível até ao olhar menos atento. Em todas as sociedades - desde as parcamente desenvolvidas que mal atingiram os primórdios da civilização até as mais avançadas e poderosas - existem duas classes de pessoas - uma classe que dirige e outra que é dirigida. A primeira, sempre a menos numerosa, desempenha todas as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens que o poder traz consigo, enquanto a segunda, a mais numerosa, é dirigida e controlada pela primeira de uma forma que ora é mais ou menos legal, ora é mais ou menos arbitrária e violenta”...”o domínio de uma minoria organizada, obedecendo ao mesmo impulso, sobre a maioria desorganizada, é inevitável. O poder de qualquer minoria é irresistível ao se dirigir contra cada um dos membros da maioria tomado isoladamente, o qual se vê sozinho face à totalidade da minoria organizada. Ao mesmo

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tempo a minoria é organizada exatamente por ser uma minoria - e também pelo fato da minoria ser geralmente composta de indivíduos superiores - ...os membros de uma minoria dominante sempre possuem um atributo, real ou aparente, que é altamente valorizado e de muita influência na sociedade em vivem”. -

PARETO: Outro autor italiano, também da geração da passagem do século, Vilfredo Pareto, foi o primeiro a definir e nomear o conceito desenvolvido por Mosca como “elite” e a estabelecer a distinção entre dois estratos da população: I)

um estrato inferior, a não-elite (com cuja possível influência sobre o governo não nos preocupará no momento);

II) um estrato superior, a elite, dividida em dois substratos: a)

uma elite governante; e

b)

uma elite não-governante.

Pareto pode ter chegado a essa estratificação talvez pela influência de Mosca. -

PONTOS EM COMUM: De acordo com as posições de Pareto e Mosca, podemos observar que ambos se preocupavam com as elites quanto grupos de indivíduos que exercem diretamente o poder político, ou que estão em condições de influir em seu exercício.

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CIRCULAÇÃO DAS ELITES: Da mesma forma, tanto em Pareto quanto em Mosca percebemos outras noções comuns, por exemplo, quanto ao fato de que em toda a sociedade existe e não pode deixar de existir, uma minoria que controla o restante da mesma. Esta minoria - a “classe política”, diria Mosca, ou a “elite governante”, vai nos dizer Pareto, composta dos que ocupam os cargos de comando político e, mais vagamente, dos que podem influir diretamente nas decisões políticas - sofre mudanças na sua composição dentro de certo período de tempo, em geral através do recrutamento individual de novos membros nos estratos inferiores da sociedade, por vezes; pela incorporação de novos grupos sociais e ocasionalmente pela substituição total da elite estabelecida por uma “contra - elite”, como ocorre nas revoluções. Esse fenômeno é denominado de “circulação das elites”, que é visto, contudo, de forma diferente por Mosca e Pareto.

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PONTOS DIVERGENTES: Do estudo dos dois teóricos pode-se dizer que Pareto, trabalha mais as distinções entre a elite e a não elite, enquanto Mosca é quem examina de forma mais minuciosa a composição da própria elite, especialmente nas modernas sociedades democráticas. Logo, o principal foco de divergência entre eles refere-se a “circulação das elites”.

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SUBELITE: Em Mosca encontramos, mais especificamente, uma concepção de subelite que torna seu esquema anterior (dividido em dois grupos) um pouco mais flexível, trata-se de um grupo bem maior que compreende toda a “nova classe média” (composta por funcionários públicos, gerentes e empregados de loja e escritório, cientistas e engenheiros, estudiosos e intelectuais). A importância deste grupo se encontra no fato de que este fornece os novos membros para a elite e promove a estabilidade de qualquer organização política, pois esta depende do nível de moralidade, inteligência e atividade atingido por essa subelite. Essa definição de subelite torna o conceito de Mosca muito vago, pois existem só dois grupos ou não? Quem faz parte desses grupos? É que Mosca estava pensando nos elementos emergentes, reflexos das forças sociais que representam novos interesses. Em outras palavras o processo de “circulação das elites”, para ele, representa uma interação maior entre a minoria dirigente e a maioria dirigida, ao invés de um simples domínio daquela sobre esta, pois as modernas sociedades apresentam um quadro sociológico complexo e integralizado, segundo ele.

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Já Pareto, tende a acentuar mais a separação entre dominadores e dominados em toda a sociedade, por esse motivo ele acredita que atém mesmo o sistema político democrático não difere de nenhum outro (autoritário, por exemplo), pois o democrático, assim como os demais, apresenta uma sociedade dividida entre um pequeno grupo que manda e um grande que obedece. Então, como ele explicaria a “circulação das elites”? Ele se baseia fundamentalmente em fatores psicológicos, utilizando a noção de resíduos (sentimentos e instintos humanos básicos). -

SÍNTESE DE BOTTOMORE: Depois de Mosca e Pareto vários autores procuraram trabalhar o conceito de elite. Bottomore, ao estudá-los fez uma síntese brilhante dos dois teóricos, não só esquematizando o pensamento de cada um, mas aproveitando-as conjuntamente em suas interpretações pessoais relacionadas à elite e à democracia.

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CLASSE POLÍTICA: Dessa forma ele se utiliza do termo empregado por Mosca, “classe política”, para referir-se a todos os grupos que exerceram poder ou influência política e estão diretamente empenhados em disputas pela liderança política. De uma certa forma é mais difícil delimitar a expansão de tal grupo, mas de maneira sintética fariam parte:

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aqueles que compõe a elite política;

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mas também os da “contra-elite”, isto é, os chefes de partidos políticos que estão fora do governo e representantes de novos interesses sociais ou classes (ex.: líderes sindicais), bem como grupos de homens de negócios e intelectuais ativos politicamente. A classe política, portanto, compõe-se de muitos grupos que podem estar empenhados em diversos níveis de cooperação, competição ou conflito entre si.

ELITE POLÍTICA: Por “elite política” (grupo menor originado da “classe política”, segundo Bottomore), termo que ele tomou emprestado de Pareto, compreende-se o grupo cujos membros, ou indivíduos exercem o poder político em uma sociedade em qualquer época. Sua extensão será limitada pelos: - membros do governo e da alta administração; - chefes militares; e, em alguns casos, - famílias politicamente influentes de uma aristocracia ou casa real; e - dirigentes de poderosos empreendimentos econômicos.

GRUPOS DE PRESSÃO E GRUPOS DE INTERESSES -

DEFINIÇÃO: estudos envolvendo as tomadas de decisão do governo e do Legislativo permitiram identificar a representação de grupos econômicos perante o Congresso, representação essa feita por um mecanismo extralegal de natureza tão completa e tão influente quanto o sistema partidário.

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GRUPOS DE PRESSÃO: de uma forma geral supões a inspiração apenas de motivos econômicos, de acordo com David. B. Truman.

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GRUPOS DE INTERESSE: já os grupos de interesses se referem a qualquer grupo que, baseado em uma ou mais atitudes compartilhadas, faz certas exigências a outros grupos sociais, para o estabelecimento, manutenção ou melhora das formas de comportamento implícitas nas atitudes compartilhadas.

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ORIGENS: A origem de tal conceito na ciência política e social deriva da identificação do lobby compreendido como atividade de pessoas (lobbyists) que, através de contato com membros do governo, procuram influenciar decisões políticas ou a aprovação ou rejeição de leis pelo Poder Legislativo. A inserção desse termo na ciência política com essa denominação se deu em 1908, por Arthur F. Bentley.

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LOBBY: Em 1928, um outro autor, Pendleton Herring, incorporou definitivamente esse conceito ao campo da ciência política, delimitando a definição geral do termo citado anteriormente.

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GRUPOS DE PRESSÃO X GRUPOS DE INTERESSES: Alguns estudos esparsos e pouco específicos quanto aos termos envolvidos foram publicados até 1951, quando David B. Truman, publicou um livro que distinguia perfeitamente os grupos de pressão dos grupos de interesse e a importância de cada um.

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CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS, ATIVIDADES E OBJETIVOS: A principal característica dos grupos de pressão é a de procurar influir através de pessoas que não ocupam posições políticas de responsabilidade, mas isso não impede que aconteça (Ex.: da França).

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Táticas - As táticas de influência dos grupos de pressão são relativamente bem estudadas e incluem desde o contato pessoal direto dos agentes dos grupos interessados com os representantes do governo, até as ações coletivas e as formas mais sutis de propaganda e formação de uma opinião pública favorável às reivindicações dos grupos, ou as contribuições para as campanhas eleitorais de candidatos sabidamente favoráveis a determinados interesses.

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Instrumentos - Assim, pessoalmente, os representantes dos grupos procuram, antes de tudo, persuadir, prestar informações técnicas ou confidenciais, fazer pequenos favores ou dar presentes que não compram consciências, mas predispõem favoravelmente os beneficiários, chegando a casos extremos como intimidação ou suborno. Contudo, às vezes é mais indicada a ação coletiva, que costuma se manifestar de diversos modos: como o grupo comparecendo maciçamente a determinado lugar ou evento, promovendo greves, obstruções do tráfego, fechamento das lojas comerciais, etc.

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Objetivos - Os principais objetivos dessas táticas seriam: - favorecer nomeações para os cargos governamentais importantes ou, ao contrário, forçar ou contribuir para a demissão de altos funcionários, prefeitos e até ministros; propiciar a aplicação de determinada política ou impedi-la de ser; conseguir investimentos em determinados lugares ou atividades ou buscar evitar que sejam empregados em outros fins; dentre outros.

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OS GRUPOS DE PRESSÃO NO BRASIL: No Brasil também é percebida e identificada a presença de grupos de pressão tais como: - grupos comerciais, industriais e agropecuários; - grandes empresas concessionárias de serviços públicos; - representantes de capitais estrangeiros; - sindicatos de operários, uniões de servidores civis e militares, de estudantes; e outros com maior ou menor força.

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ORIGENS: Em 1958, realizou-se no Rio de Janeiro, a Primeira Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil e entre os temas debatidos nessa conferência, um era a questão do lobby.

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FAVORÁVEL OU NÃO: O relator da matéria, na época, Nehemias Guerreiros afirmou que o lobby era para ele “uma atividade correta e corregedora, espécie de higiene da lei”, acrescentando que era uma prática comum no Brasil, não tendo porque não ser legalizada. Sustentava ainda que “o que resta aos advogados que o desempenham é proclamar que o fazem, é faze-lo ostensivamente, mantendo as suas atividades dentro dos cânones da ética profissional e parlamentar”. As palavras do relator foram aceitas e aprovadas pela Conferência.

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INFLUÊNCIAS: As influências dos lobbistas, dos grupos de pressão e de interesse, mais especificamente continuaram tanto no Legislativo, quanto no Executivo, até terem suas influências negativas denunciadas pelo deputado Gabriel de Rezende Passos, em 1960, que em discurso proferido na Câmara afirmou que os negócios públicos do Brasil estavam sendo dirigidos no sentido de privilegiar grupos mais fortes em detrimento dos pequenos grupos, no sistema tributário, citando o exemplo do aumento de preços e taxas influenciados por grupos de pressão.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 13 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Partidos Políticos -

DEFINIÇÃO: os partidos são organizações políticas que representam a via natural de ação política (mas não a única), ou seja, caminho institucionalizado pelo qual se pode buscar formalmente o acesso ao poder.

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WEBER: Segundo Max Weber, o Partido Político é “uma associação...que visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’ como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder e, conseqüentemente, glória para os chefes e sequazes1, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntamente”.

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ORIGENS: Maurice Durverger vai nos dizer que os verdadeiros partidos, ..., datam apenas de cerca de um século, sendo que o desenvolvimento dos partidos parece associado ao da democracia (isto é, à extensão do sufrágio popular e das prerrogativas parlamentares).

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DUAS FONTES: De acordo com essa descrição feita por Durverger, ele identifica duas fontes para o surgimento dos partidos: 1) aqueles que nasceram de criação eleitoral e parlamentar, tendo sido criados pelo estabelecimento de uma ligação permanente entre grupos parlamentares ou de comitês eleitorais, sendo que o primeiro tipo antecedeu o segundo; e 2) aqueles que tiveram uma origem externa ao Parlamento, provenientes de grupos sociais situados fora do sistema político propriamente dito: grupos de pressão, sociedades de pensamento, associações de antigos combatentes.

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HISTÓRICO: A teoria que distingue essas duas fontes de origem para a formação dos partidos políticos já foi muito criticada por sua generalidade, mas nos serve de ponto de partida para falar que os primeiros partidos políticos modernos, como já foi dito, representam um fenômeno relativamente recente.

⇒ Partidos Políticos Modernos: -

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Americanos: Estudos apontam para o fato dos primeiros partidos políticos modernos a se organizarem foram os americanos em 1828, sendo, portanto, considerado o sistema de partidos mais antigo do mundo.

Sequaz é aquele que segue ou acompanha com assiduidade. Também denominamos sequazes aqueles que são partidários, prosélitos (singularmente é a pessoa que abraçou o judaísmo ou, então, uma religião diferente da sua, mas, de uma forma geral, é o indivíduo convertido a uma doutrina, idéia ou sistema), seguidores, ou seja, pessoas integrantes de um banco ou partido.

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Ingleses: Já os partidos ingleses nasceram das reformas eleitorais de 1832 (com o Referendum Act, o qual, ampliando o sufrágio, permitiu que as camadas industriais e comerciais do país participassem juntamente com a aristocracia, na gestão dos negócios públicos) e 1867 (época em que realmente se regulamentou e consolidou os partidos como organização política própria para o acesso ao poder governamental).

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Franceses: Na França os partidos políticos aparecem somente depois de 1848. Os tipos de organizações que deram origem a esses partidos modernos, no entanto datam do século XVIII.

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CRITÉRIOS: mas como separar entre essas organizações e os partidos? Por que não as consideramos como sendo um partido? Porque para considerarmos uma organização política como sendo partido e não facção, grupos de pressão, ligas, ou qualquer outro termo, precisamos levar em conta quatro critérios, que seguem abaixo: 1o) ser uma organização durável - quer dizer que a expectativa de vida política do partido tem que ser maior que a dos seus próprios dirigentes (esse critério os diferencia das simples ligas e facções que tem sua vida útil limitada pelos seus criadores); 2o) ser uma organização completa, incluída a escala local - o que implica a existência de uma rede permanente de relações entre o centro nacional e as unidades de base da organização (esse critério permite distinguir entre partidos políticos e mero grupo parlamentar); 3o) a vontade deliberada de exercer diretamente o poder - tal vontade é de explicação mais evidente e permite a distinção em relação aos grupos de pressão, que simplesmente buscam influenciar o poder, pois estes têm a tarefa de defender uma categoria social específica, um interesse particular, exercendo nitidamente pressão sobre o poder, mas não necessariamente fazendo parte dele; e por fim 4o) a vontade de procurar o apoio popular - esse apoio seria tanto o de militantes quanto de eleitores que com isso fortalecem e mantém a estrutura partidária, além de garantir uma maior arrecadação de votos (esse critério contribui para diferenciar entre os partidos políticos das simples agremiações).

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BRASIL: Agora que nós já estabelecemos os critérios para a existência de um partido, pergunta-se: há diferenças entre os partidos ou, por respeitarem os critérios anteriores, são todos iguais? O PFL, por exemplo, é estruturalmente semelhante ao PT?

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TIPOLOGIAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS: Maurice Durverger vai nos dizer que todos os partidos políticos necessitam desses critérios para serem considerados como tal, porém a estrutura dos partidos políticos apresentam diferenciações nítidas entre um tipo e outro. Assim, teríamos uma primeira distinção entre: a) {©Partidos de Quadro: que seriam aqueles que mais do que um grande número de adeptos buscam a reunião de pessoas ilustres, privilegiando, assim, a qualidade à quantidade. Essas pessoas ilustres são chamadas a participarem por vários motivos, como prestígio devido a uma influência moral, por sua fortuna (que permita ao partido cobrir os gastos das campanhas eleitorais) ou por sua influência no poder. Este tipo de partido prevalece durante todo o século XIX, na maior parte dos países europeus e estão associados àquela primeira fonte de origem dos partidos, ou seja, do Parlamento; b) Partidos de Massa: já estes procuram inicialmente conseguir o maior número de adeptos possíveis, pois estes constituiriam o cerne do partido e a substância de suas ações. Tal acontece porque os primeiro partidos de massa surgiram “com o programa de promover um novo modo de convivência civil, de

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que seriam artífices as classes subalternas política e socialmente emancipadas”. “Para esse fim, era necessário educar as massas, torná-las politicamente ativas e conscientes do próprio papel” (por isso a rigidez na organização da estrutura deste tipo de partido, por meio do voto, para as tomadas de decisão do partido). Vale ressaltar também que financeiramente este tipo de partido vive das contribuições feitas por seus próprios membros, pois surgiram com o desenvolvimento do movimento operário a partir do final do século XIX, quando surgiram os primeiros partidos dos trabalhadores. - OBSERVAÇÃO: Pelo crescente avanço dos partidos de massa, os partidos de quadro acirraram sua oposição diante deles. Por esses partidos da burguesia terem “em mãos as principais levas do poder político e podendo contar com a ação do exército e da burocracia, ... puderam impedir, durante um certo período, a integração política dos partidos dos trabalhadores e neutralizar, portanto, a concorrência no mercado político”. -

OUTRAS DISTINÇÕES: Essa seria apenas uma primeira distinção (aceita pela maior parte dos teóricos da área desde de 1951, quando foi proposta por Durverger), mas não é a única, comenta Durverger. É possível ainda perceber a distinção entre: a) Partidos Flexíveis: que seriam aqueles onde não haveria uma disciplina de voto; b) Partidos Rígidos: que seriam aqueles teriam uma disciplina de voto e apresentariam uma maior centralização. Obs.: geralmente os partidos de massa são rígidos enquanto os de quadro seriam flexíveis, mas o exemplo inglês (partidos de quadro rígidos) mostra que há exceções.

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PARTIDO INDIRETO: Durverger ressalta ainda a existência de um tipo intermediário que seria o Partido Indireto, onde no lugar dos notáveis, escolhe-se representantes oficiais de organizações. Na verdade, comenta ele, percebe-se um processo de mudança em todos os dois modelos tradicionais, onde o partido de quadro está, cada vez mais, caminhando em direção ao partido de massa e o mesmo acontecendo em sentido inverso.

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FUNÇÕES DOS PARTIDOS POLÍTICOS: as funções se referem “a todas as atividades dos partidos que geram conseqüências mais ou menos relevantes no sistema político e social”. De acordo com o desenvolvimento dos partidos observou-se, mais especificamente, 2 funções (instrumentos úteis aos grupos sociais, para introduzi-los no sistema político), a saber: 1) ser veículo de expressão das próprias reivindicações e necessidades desses grupos (“questionamento político”); e 2) ser o meio para alcançar a participação na formação das decisões políticas.

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SISTEMAS DE PARTIDOS: conjuntos de partidos inter-relacionados, que representam o elemento essencial das instituições políticas, tanto que regimes democráticos privilegiam...

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 14 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Sistemas Representativos e Eleitorais. Origens Históricas I) Sistema Representativo: 1) Origens → A partir do final da Idade Média, todos aqueles fatores que levaram ao surgimento do Estado Liberal, levaram também à idéia de representação. Se nós lembrarmos dos contratualistas - principalmente Rousseau - veremos que eles buscaram justificar o papel do Estado, traçando um processo evolutivo hipotético no qual se apresentava a saída do estado de natureza por meio de um pacto artificial. Neste pacto se estabelecia o Estado como ordenamento jurídico-institucional e se escolhia o soberano. É exatamente esse processo de escolha, de atribuição de funções e responsabilidades ao escolhido que denominamos como “representação política”. Pode parecer, sob uma análise mais imediata, uma visível incompatibilidade entre a representação política (assim como o liberalismo) e o conceito de democracia, pois, de acordo com os antigos, nela os governantes são também os governados (afinal, todos participavam das decisões dos negócios do Estado em praça pública), enquanto a representação pressupõe que só alguns serão os governantes e os demais governados. {©Porém, da mesma forma que o conceito de democracia mudou e vem mudando de acordo com o tempo, o conceito de representação também. Assim, a representação política, atualmente é perfeitamente compatível com o conceito de democracia, mas um novo tipo de democracia – a dos modernos – visto que a complexidade do mundo moderno não nos permite compreender a fundo, nem participar diretamente de todas as questões relativas ao Estado. Dessa forma, toda a sociedade (da qual emana o poder, segundo Rousseau) participa diretamente na escolha de seus representantes, por meio de processos formais, regulares e periódicos e estes terão como função decidir sobre os negócios públicos vinculados aos desejos do povo. Denomina-se tal democracia de democracia representativa. Em outras palavras, podemos definir a representação política em um sentido amplo, como sendo... 2) Definição → Um mecanismo político particular, que expressa um enorme processo de competição entre diferentes forças (as organizações partidárias) pela conquista ou pela conservação das posições de mando (as parlamentares e governamentais). Tal mecanismo é usado para a realização de uma relação de controle entre governados - ou seja, aqueles que não podem exercer pessoalmente o poder político - e governantes - aqueles que foram escolhidos para exercerem o poder político. Vimos que, em suma, a representação política é uma representação eletiva e regulamentada frente a um público com funções de juiz, pois já que ele não exerce diretamente o poder político ele tem o direito de controlar aqueles que ele escolheu para exercê-lo. [OBS.: Essa relação e dinâmica entre governados e eleitos não aparece de um só modo. Por exemplo, se nós escolhermos um representante da turma, vamos ter que definir se ele vai apenas fazer e falar aquilo que nós determinamos ou se ele (por ter sido escolhido de acordo com determinadas qualidades como bom senso e CopyMarket.com

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polidez e tendo o conhecimento das nossas necessidades) irá decidir por nós em algum encontro entre representantes. Além disso, nós teremos que decidir se escolheremos apenas um representante ou um representante do lado direito, um do lado esquerdo e outro do centro, entre outras decisões.] Pelo que podemos observar, distinguir os modelos de representação não é tão simples, mas alguns teóricos identificaram três deles... 3) Tipologia dos Modelos de Representação Política [Esses primeiros dois modelos correspondem exatamente aos do exemplo anterior]. a) Representação por delegação: nesse tipo de representação o representante aparece como um executor (privado de iniciativa e autonomia) das funções que os representados lhe distribuem. Esse foi o primeiro modelo de representação, logo, tem uma origem medieval (por exemplo, os antigos embaixadores), onde a característica principal é a noção de “mandato imperativo”. -

vantagens: funciona como um dos elementos de controle mais eficaz sobre o representante, pois fica estabelecido de antemão as atribuições dele, além de ser mais fácil cobrá-las;

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desvantagens: por ser um sistema de instruções vinculantes, torna o representante limitado em sua ação pelos desejos daqueles que o elegeram. Assim, caso o grupo de eleitores não seja informado o suficiente, nem detenha o conhecimento adequado sobre a complexidade dos negócios públicos, duas coisas podem ocorrer - i) não propiciarem instrumentos necessários para que os representantes exerçam suas atividades da melhor forma; e ii) ou enganarem os representados quanto a sua atuação.

b) Representação por confiança: nesse segundo modelo (considerado como alternativa tradicional ao primeiro modelo) é atribuído ao representante uma posição de autonomia, supondo-se que a única orientação para a sua ação seja o interesse dos representados (como pensava Locke). Um dos maiores defensores desse tipo de representação foi Edmund Burke, em seu “Discurso aos Eleitores de Bristol” -

vantagens: caracterizado pelo mandato autônomo, esse modelo propicia ao representante fiduciário buscar os melhores meios para atender os interesses de toda a nação - a nação passa a ser o ponto central da representação - de modo a superar a fragmentação particular que inevitavelmente brota da representação por delegação.

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desvantagens: No entanto, o modelo não oferece uma solução satisfatória para uma situação onde há pontos de vista diferentes entre os governados e os governantes, o que é, aliás, um dos problemas cruciais da vida política diária.

c) Representação “espelho” ou representatividade sociológica: esse terceiro modelo, onde a figura do representante, propriamente dita, é secundária, o foco de atenção recai sobre o organismo representativo, que deve espelhar ou reproduzir as características do corpo político como um todo. -

vantagens: há uma identificação maior entre o corpo social e o organismo representativo, de forma a produzir nos eleitores uma sensação de partícipes integrados da organização política, ou seja, percebe-se uma correspondência das percepções que respectivamente têm os representantes e os representados dos interesses destes últimos.

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desvantagens: o primeiro problema que surge se refere às características do corpo social que merecem ser reproduzidas pelo organismo representativo, quais seriam elas? Por que uma deveria e uma outra não? Os sistemas eleitorais proporcionais foram um instrumento institucional eficaz na reprodução bastante fiel de características político-ideológicas, mas e outras como as sócio-econômicas, as profissionais, religiosas, culturais, étnicas e raciais, e até as diferenças de sexo,...

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4) Síntese → Depois de apresentar as vantagens e desvantagens de todos os modelos puros de representação, pergunto se não haveria saída. Será que não existiria um modelo de representação onde só houvesse vantagens? Um autor italiano, Maurizio Cotta, propôs a seguinte solução, visto que, isoladamente, nenhum desses três modelos se mostraram completos: definir o representante como um fiduciário controlado que em algumas de suas características espelha as dos seus eleitores. Por quê? - Do modelo por confiança se aplicaria a necessidade de uma certa margem de autonomia que lhes permita atender melhor os interesses dos cidadãos sem os limites do mandato imperativo; - já do modelo delegado, se aproveitaria o elemento do vínculo ao qual o representante ficaria sujeito, em qualquer hipótese, garantindo um certo grau de controle dos cidadãos sobre o poder político; - o modelo de representação sociológica, contribuiriam com a legitimidade e a credibilidade dada ao quadro dos representantes, pois este responderia às exigências tanto de ordem simbólica, quanto psicológicas que, em determinados momentos, são tão ou mais importantes. 5) Conclusão → Observamos que, a partir do momento em os homens passaram a viver em comunidade, eles não puderam dispensar o elemento de liderança (aproveitando alguns dos pressupostos da teoria das elites), por meio de algum método de escolha. Como conseqüência, a idéia de escolha nos remete à noção de delegação de poderes e à disputa por estes poderes. Tendo em vista que a política pode ser considerada como a disputa pelo poder político, logo concluímos que o método de escolha influencia em todos os aspectos da vida política de um país. Da mesma forma, quando se fala nas formas e métodos de escolha, automaticamente se fala em sistemas eleitorais. [De uma forma geral, sem querer antecipar o grupo, podemos dizer que os sistemas eleitorais podem ser compreendidos como os processos e/ou métodos que permitam a melhor aferição da vontade do eleitorado. Em outras palavras, é um conjunto de normas legais que estabelece a relação entre os votos da população e o número de representantes].

II) Sistemas eleitorais: 1) Origens → Alguns autores mostram que os sistemas eleitorais tiveram início na Grécia, por volta do século VII a.C. e na Fenícia, segundo algumas especulações, mas a este respeito não existem dados suficientes. No entanto, todos concordam que tais sistemas passaram por algumas fases históricas distintas, a saber: 1ª Fase – É conhecida como período heróico, onde as escolhas das lideranças se davam por competição, eleição, por um conselho de magistrados ou até por aclamação. 2ª Fase – Nela predomina o exemplo da democracia grega. Nesta fase existia uma primeira divisão de classes – entre os bem-nascidos e o povo. Logo, quando se falava em cidadão, estava se falando apenas sobre os bemnascidos, sendo excluídos o povo em geral e os escravos. As escolhas sobre determinada questão do Estado ou de líderes e governantes se davam por reunião dos cidadãos em praça pública, onde as contagens dos votos se dava pelo número de mãos levantadas, por “cédulas”, por número de pedras (este último modelo era utilizado principalmente nos casos de ostracismo, pois o réu não podia ver quem votou contra ou a favor. OBS.: em Atenas, preocupados com a possibilidade da tirania, posteriormente se adotou o método de rodízio, para a eleição dos líderes, sendo estes escolhidos por sorteio e excluídos os vitoriosos nos sorteios seguintes. CopyMarket.com

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3ª Fase – Nesta predomina um modelo um pouco mais complexo caracterizado pelo exemplo da República Romana, onde as eleições eram feitas em dois graus. Praticamente, havia uma primeira eleição em que o eleitorado (composto por “cidadãos” – descendentes dos patrícios fundadores de Roma) de uma circunscrição, denominada de tribo, escolhia os componentes de uma segunda circunscrição, o centúrio, que votavam, então, indiretamente nas lideranças do Império. 4ª Fase – Último período da evolução histórica dos sistemas eleitorais é dividido em duas partes. No início, os Estados não promoviam ainda eleições, mesmo porque era a época dos burgos e feudos, quando, portanto, os Estados ainda não se encontravam consolidados. No feudalismo, pelas leis e costumes, não existiam eleições, mas sim um relacionamento de consentimento mútuo entre os lordes e os vassalos, mas posteriormente cada um passou a possuir sua respectiva assembléia. Nesse primeiro momento a Igreja era quem promovia eleições para compor seu quadro hierárquico, realizandoas por camadas. Na Inglaterra, então, após esse primeiro momento, as eleições eram feitas nas comunidades locais. A área rural inglesa era divida em condados (Shire) que escolhiam dois cavalheiros, da mesma forma, na área urbana, cada burgo escolhia dois outros cavalheiros. Em um segundo momento, portanto, entre os séculos XVII e XVIII, os Estados nacionais começaram a se consolidar, a constituir assembléias, até o surgimento dos Estados Liberais, da democracia representativa e, finalmente, os dias de hoje. 2) Definição → Atualmente, em um sentido geral os sistemas eleitorais são entendidos com um processo que expressa um conjunto de métodos que permitem a melhor aferição da vontade do eleitorado, cujos resultados devem (ou melhor, deveriam) traduzir os desejos da comunidade, a vontade do eleitorado. Significa dizer que eles representam um conjunto de normas legais que estabelece a relação entre o número de votos da população e o número de representantes que irão assumir determinadas “cadeiras”. 3) Alguns conceitos → antes de dar continuidade ao tema, porém, vale ressaltar alguns conceitos essenciais que dele fazem parte e que, em muitos casos, se confundem, a saber: a) Eleição X Escrutínio: Essas são duas palavras que algumas pessoas acabam por confundir por não saberem seu significado real. Assim, temos que eleição é todo o complexo que envolve a votação para determinados cargos em determinada época, sendo que cada eleição aplica um determinado sistema eleitoral, fixando-se quem pode votar e ser votado, o tipo de mandato, o número de tornos ou graus, a tipologia do voto e o sistema de apuração, entre outros, que serão vistos em um quadro posterior. Já escrutínio representa a nomenclatura usada para indicar e determinar a própria votação, por exemplo, “escrutínio uninominal” (votação em um só candidato). b) Voto X Sufrágio: O voto é o veículo de escolha, mas o que é o sufrágio? Em linguagem comum voto e sufrágio podem significar a mesma coisa, ou seja, o ato de se escolher representantes. Porém, em linguagem jurídica há uma distinção, pois sufrágio significa o direito de votar (por exemplo, sufrágio universal, restrito), enquanto o voto, seria o ato de escolher (por exemplo, voto secreto, a descoberto). Apesar disso, o próprio Código Eleitoral brasileiro de 1965 usa indiscriminadamente os dois termos (na Lei no 4765, de 15/07/98, no Art. 103, IV, encontramos sobre a eleição, norma que versa sobre a questão da urna – “... emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio”. Vale ressaltar que há alguns juristas que não distinguem mais voto de sufrágio.

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c) Grau X Turno: O grau envolve votações com finalidades diferentes e se aplica às eleições indiretas. Na votação de 1º grau as eleições são geralmente diretas em que se escolhe um colégio eleitoral e este, em um 2º grau e de forma indireta, escolhe os representantes. Enquanto os turnos, usados geralmente em eleições diretas, representam fases diferentes que fazem parte de um mesmo processo eletivo, isto é, se refere ao número de vezes que os mesmos eleitores são chamados a votar na mesma eleição. Ex. Eleições majoritárias (“atualmente”) no Brasil. d) Circunscrição X Distrito Eleitoral: A circunscrição é uma denominação geral relativa à área onde se processa a eleição de determinados candidatos. Porém, o distrito eleitoral é uma conceituação mais específica que se enquadra dentro da idéia de circunscrição, pois se emprega o termo quando se divide o país em áreas diferentes da divisão política do mesmo. e) Líderes, Magistrados, Conselhos X Representantes: Os líderes escolhidos nem sempre recebem a característica de representantes. Historicamente isso se comprova devido ao fato que inicialmente eram escolhidos um homem ou um grupo de indivíduos que deveriam guiar, dirigir ou governar uma comunidade sem, contudo, assumir responsabilidades, pois cumpriam suas funções de acordo com sua própria vontade. Somente quando passou-se a compreender que “o poder emana do povo” e que este não poderia exercer diretamente tal poder é que se passou a adotar a noção de representante, sendo aquele que representaria a vontade do cidadão, ou seja, não mais governaria segundo sua própria vontade, mas de acordo com a vontade do eleitor. Daqui surge a noção dos diferentes tipos de mandato. É claro que hoje, na maior parte das vezes, estendemos o conceito a qualquer governante escolhido, mas vale lembrar a diferença. 4) Atualidade → Hoje, convivem juntos um grande número de modelos de sistemas eleitorais, cerca de 300, que se distinguem de acordo com os seguintes critérios:

a) QUANTO AO TIPO DE ELEIÇÕES (o foco de análise, neste caso, é o eleitor e a abrangência da eleição) - o número de turnos (Ex.: França, Brasil) - o número de graus (Ex.: EUA) - a obrigatoriedade do voto - obrigatório - facultativo -

a abrangência de eleitores

- a abrangência geográfica

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- sufrágio universal - sufrágio restrito

Quem vota? Quem pode? Quem deve?

- ampla/ unidade política - limitada/distrito eleitoral - mista/unidade política e distrito eleitoral

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b) QUANTO À RELAÇÃO ENTRE ELEITOR E ELEITO (aqui o foco é o representante e a extensão de sua capacidade) - mandato

- imperativo - livre

c) QUANTO AO TIPO DE VOTO (claro, o foco é o próprio voto) - publicidade

- secreto - a descoberto

- limitação em relação ao número de vagas - número de votos por candidato

- todas as vagas - voto limitado/ou incompleto

- um só voto - mais de um/cumulativo

- número de indicados no mesmo voto

- uninominal - plurinominal

- peso do voto em relação ao eleitor e ao candidato

- igualitário - diferenciado

- voto em separado no candidato e no partido - voto transferível

d) QUANTO À FORMA DE APURAÇÃO - majoritário

- maioria simples - maioria absoluta

- proporcional

- quociente

- dos eleitores - dos votos

- Sistema - móvel - fixo

- sobras - p/ a maioria - p/ minoria - sistema especial

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Tema: Diferenças entre Sistemas Eleitorais. Exemplos no Brasil INTRODUÇÃO: Os resultados finais de uma eleição qualquer diferem segundo as diversas fórmulas adotadas, de acordo com os diferentes sistemas eleitorais – o que explica as numerosas manipulações das leis eleitorais. DUAS ORIGENS: duas seriam as origens de tal manipulação – a) quando se utiliza das normas de conversão de votos em cadeiras; e b) quando se dificulta o conhecimento que o eleitor tem das fórmulas adotadas (causando reações que podem suscitar no eleitor inclusive a mudança de seu voto, em razão da derrota de seu candidato que se antecipa). CIÊNCIA POLÍTICA E DIREITO: Os sistemas eleitorais representam um dos principais pontos de ligação entre as duas áreas, pois sabe-se agora a influência das fórmulas e das leis eleitorais na vida política de cada país, bem como seu sistema partidário. O ponto de discussão que ocorre entre as duas áreas é a questão da influência. Grande é então a responsabilidade (não só por parte do cidadão) daqueles que são chamados a decidir sobre as fórmulas e as leis eleitorais de um país. DISTINÇÃO ENTRE SISTEMAS ELEITORAIS: De acordo com o exposto anteriormente e seguindo a seqüência da aula anterior trataremos dos critérios que distinguem os sistemas eleitorais descrevendo e comentando cada item, começando pela variação de acordo com o tipo de eleição e de voto. 1. QUANTO AO TIPO DE ELEIÇÕES: Nesse caso, vale ressaltar que o principal foco de análise é o voto 1.1.

O NÚMERO DE TURNOS: as eleições podem ser em um ou mais turnos, como foi visto na aula anterior. Esse critério surgiu com o intuito de reforçar a representatividade dos candidatos eleitos por uma maioria. Está associado ao tipo de maioria requerida em um eleição, pois quando o critério é a maioria simples, não há a necessidade de um outro turno. No Brasil, se adota para as eleições majoritárias um total de 2 turnos, caso o candidato não alcance a maioria necessária em um primeiro turno.

1.2.

O NÚMERO DE GRAUS: a utilização de variados graus (conceito cuja definição se encontra na aula n.º 20) surgiu nos Estados Unidos como uma técnica para escolher um presidente que não fosse eleito nem pelo povo – para evitar a ditadura da maioria – nem, tampouco, pelo Congresso – para lhe garantir maior autonomia. Assim, seria escolhido um colégio eleitoral especialmente para escolher o presidente da república. No entanto, essa “técnica” passou a ser utilizada para escolher um colégio eleitoral restrito, sempre composto pelas mesmas pessoas (quando se estabelece, por exemplo, o voto censitário) e que não expressam a vontade dos cidadãos. Um exemplo foi a primeira eleição geral do país (1821), a qual

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era realizada em quatro graus. Nelas, os candidatos de cada grau deveriam ter uma renda maior que o anterior, para o último grau, só poderia se candidatar um pequeno grupo seleto de grandes proprietários. A técnica passou a ser considerada uma “manobra”. 1.3.

A OBRIGATORIEDADE DO VOTO: Essa é uma discussão que hoje interessa a grande parte dos cidadãos brasileiros. No nosso país o voto é obrigatório, enquanto em outros países como os Estados Unidos o voto é facultativo. Será que existe vantagem de uma sobre outra forma? Na verdade todas as duas formas de voto possuem vantagens e desvantagens, a saber: a) {©voto obrigatório: quando o voto é uma obrigação todos (ou aqueles que a lei estabelecer) têm o direito e o dever de votar, ou seja, são obrigados a votar, estando sujeitos a punição por parte do Estado – mediante multa, acesso vetado a cargos públicos, impedimento a retirada de documentos para a plena cidadania. A justificativa está na idéia de que o direito de votar é (e deve ser) dado a todos (sem nenhum tipo de restrição decorrente de qualquer juízo social – classe social, riqueza, cultura, grau de instrução), em contrapartida, nenhum eleitor, pode deixar de exercer esse direito (ainda que vote em branco), visto que não está em questão o interesse privado ou particular (mesmo que coletivo), mas o interesse público. Aqueles que defendem esse modelo afirmam, então, que ele é fruto de um pensamento nitidamente comunitário, no sentido que a escolha de representantes só é válida se todos participarem do processo. Logo, a representatividade é garantida quantitativamente, isto é, o representante eleito expressa a vontade da maior parte da população. Aqueles que o criticam, contudo, observam que esse tipo de voto coíbe a liberdade individual a partir da obrigação e que não exprime, necessariamente, a vontade geral; b) voto facultativo: quando o voto é facultativo, todos têm o direito de votar, mas não o dever, pois vota aquele que estiver disposto a participar do processo eleitoral, não lhe sendo imposta nenhuma sanção. Aqueles que argumentam a favor desse modelo acreditam que dessa forma o voto é mais representativo do que quando é uma obrigação oferecendo uma legitimidade democrática ao eleito, pois só votam aqueles que desejam expressar sua vontade. Logo, a representatividade é garantida qualitativamente, pois o candidato eleito expressa a vontade de uma parte da população consciente. Enquanto os que se posicionam contrariamente a essa corrente afirmam que a participação política do eleitorado tende a diminuir devido ao comodismo.

1.4.

A ABRANGÊNCIA DE ELEITORES: aqui questiona-se quem vota, quem pode votar, ou melhor, quem “deve” ter o direito de votar. Quais devem ser as qualidades de um eleitor? Essas são questões que surgiram desde a origem dos sistemas eleitorais, lembrando que o sufrágio universal foi uma conquista recente em todo mundo. Antes de todos terem o direito de votar, apenas alguns cidadãos poderiam fazelo. As restrições mais comuns, independente da idade e das demais disposições naturais, eram quanto: a)

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grau de instrução: Assis Brasil (que juntamente com João Cabral e Mário Pinto Serva, elaboraram os princípios do nosso Primeiro Código Eleitoral – instituído pelo Decreto no 21.076/32) era partidário do sufrágio universal, pois acreditava que todos os homens, independentes de qualquer diferença (econômica, grau de instrução, gênero) são capazes de escolher seus representantes, visto que não se trata de decidir sobre nenhum assunto público complexo, mas simplesmente de escolher alguém para resolvê-lo. Apesar disso, em seu projeto de lei, foi contra o voto do analfabeto, mas por outra razão que não a incapacidade dos mesmos. É que ele percebia a vulnerabilidade desses eleitores diante das fraudes eleitorais. Essa questão é tão complexa que, inclusive em países considerados como exemplo de democracia – nos Estados Introdução à Ciência Política - Aula 15 - Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

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Unidos, em determinada época ainda nesse século, exigia-se um teste para verificar o grau de alfabetização dos que desejavam votar. No Brasil, a Lei no 3.029/1881 – a chamada Lei Saraiva, reconheceu o direito de voto do analfabeto, mas que foi logo tolhido nos primeiros anos da República, em 1889. b) nível de renda: Desde o período do Império no Brasil se estabeleceu o voto censitário, bem como a limitação da renda até mesmo para a elegibilidade. Essa é uma discussão comum em todo o mundo, pois refere-se ao problema do interesse geral em benefício do particular. A idéia básica é sobre a contribuição ao Estado, quem trabalha e possui renda, paga suas contas e, portanto, tem o direito de opinar sobre os negócios do Estado. Da mesma forma, a outra idéia básica é a de que quem tivesse muito dinheiro, não faria questão de mais, além de ter tido provavelmente melhores condições de vida e de instrução, devendo por isso ser o mais capaz para escolher ou ser votado. c) diferença de gênero: Desde o final do Império e os primeiros anos de nosso período republicano questionava-se sobre a participação da mulher. Essa participação não era só negada devido às condições familiares na qual ela se encontrava – de completa subordinação ao marido –, mas devia-se também às condições sociais, pois a mulher não possuía renda própria, nem instrução adequada, sendo por isso alijada do processo conforme as argumentações dos itens anteriores. Somente com o 1º Código Eleitoral do Brasil (já citado anteriormente) é que a mulher conseguiu o direito de voto no Brasil aprovado pelo Decreto n.º 21.076, de 24 de fevereiro de 1932. OBS.: O que é importante ressaltar é que todas essas restrições (econômicas e sociais) irão refletir na escolha do candidato. 1.5.

A ABRANGÊNCIA GEOGRÁFICA: trata-se de estabelecer a expansão territorial de uma eleição. a) Ampla/unidade política: nesse caso a representação é ampla, porque coincide com a unidade política do país (circunscrição). Logo a eleição, que poderá contar com vantagens e desvantagens, será caracterizada pelo modelo proporcional (descrito no texto Sistemas Eleitorais, ou no cap. IV, pág. 170 do Livro Elementos de Teoria Geral do Estado, de Dalmo Dallari). Aqueles que defendem o modelo proporcional, como Assis Brasil, acreditam que o resultado de uma eleição deve atender a quatro requisitos: i) não desprezar nenhum voto; ii) cada representante seja eleito por um eleitorado aglutinado; de modo que iii) nenhum eleitor seja representado por alguém que não deseje ter como representante; e, como conseqüência iv) o corpo de representantes seja definido pela decisão consensual do eleitorado.; b) Limitada/distrito eleitoral: Da mesma forma, caso corresponda a um distrito se poderá obter outras vantagens e desvantagens e será caracterizada pelo modelo de apuração majoritáriodistrital, principalmente no que concerne a eleições para o órgão legislativo. De acordo com Assis Brasil e, mais tarde, Gilberto Amado, nesse modelo algumas de suas vantagens são, na verdade, desvantagens. Como exemplo temos o argumento daqueles que defendem o voto distrital de que o mesmo aproxima o eleitor do eleito. Tanto para Assis Brasil como para Amado, esse argumento não expressa a realidade, a qual mostra que essa aproximação favorece não só a corrupção, como também a primazia dos interesses locais sobre os interesses gerais, da Nação, além de perturbar o

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representante eleito em suas decisões, visto que teria que atender as inúmeras promessas feitas durante o período de campanha. Mas as vantagens defendidas por aqueles que preconizam este modelo são muitas e devem ser ressaltadas.

2. QUANTO Á RELAÇÃO ENTRE ELEITOR E ELEITO: Aqui, o interesse recai sobre a extensão da capacidade do representante. 2.1. MANDATO IMPERATIVO: De acordo com este tipo de mandato, discutido na aula anterior associado ao modelo de representação por delegação, uma vez eleito o candidato deve cumprir as promessas feitas diretamente ao seu eleitorado. Hoje, esse tipo de mandato está diretamente relacionado com o modelo majoritário-distrital, principalmente no que se refere às eleições para os órgãos legislativos. 2.2. MANDATO LIVRE: Da mesma forma que o primeiro se relacionava com o modelo de representação por delegação, este está associado ao modelo de representação por confiança e/ou espelho, onde o representante prega maior autonomia para agir. Em outras palavras, o representante eleito deve se desligar do eleitor para ser o mandatário de toda a comunidade. Nos dias de hoje, esse tipo de mandato se refere ao sistema de apuração proporcional, também no que concerne às eleições para os órgãos legislativos. OBS.: Vale lembrar que uma outra diferença relativa a esses dois mandatos se refere ao fim que o representante que não cumprir seu papel leva. No primeiro caso, se o representante for, ao prestar contas diretamente ao seu eleitorado, omisso ou desobediente pode até perder o mandato. Já no segundo caso, a punição ao representante que tenha desempenhado mal seu papel será a perda da reeleição.

3. QUANTO AO TIPO DE VOTO: O terceiro critério que diferencia os sistemas eleitorais, tem como premissa os diferentes tipos de voto 3.1. A PUBLICIDADE: discussão essa diretamente associada, juntamente com a expansão do direito de voto, à questão da democracia. O que é mais democrático, expressar seu voto abertamente ou ter o direito de salvaguardá-lo quanto a possíveis imprevistos? É por esse motivo que temos as seguintes possibilidades: a) Voto aberto (ou a descoberto): certos estudiosos da área irão argumentar que o voto a descoberto é um ato de afirmação do eleitor, isto é, deixa bem claro qual a vontade do mesmo, sendo, portanto, mais democrático. No entanto, outros teóricos sustentarão que dessa forma o indivíduo perde a privacidade de escolha, justamente quando sujeito à repressão; b) Voto secreto: nesse caso acredita-se que quando da adoção do voto secreto o eleitor fica protegido pelo anonimato, se transformando em apenas mais um número, não ficando exposto à repressão, além de ter garantido sua liberdade de escolha. Esse modelo é garantido por três elementos essenciais: - cédulas oficiais, - cabine indevassável, e - urna inviolável. OBS1.: José de Alencar, ao escrever seu livro sobre o Sistema Representativo, dizia que a melhor e mais democrática forma de expressar o voto era declarando-o em voz alta. Mas é claro que nos dias de hoje isso seria CopyMarket.com

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inviável, reconhece ele, não só pela possibilidade de repressão, mas principalmente pela fraude, pois como comprovar posteriormente que determinado eleitor realmente se decidiu por este ou aquele candidato?! OBS2.: Uma outra observação é que para as eleições políticas no Brasil o voto é secreto de forma a evitar a repressão e propiciar a liberdade de escolha. Mas, no caso de decisões parlamentares como os eleitores vão saber, por exemplo, se os congressistas estão sendo coerentes com suas posições ideológicas e com promessas feitas a seus eleitores? Assim sendo, o voto de nossos representantes deveria ser a descoberto? Deve-se adotar um dos dois diferentes tipos de votos de acordo com a finalidade da eleição? 3.2. LIMITAÇÃO EM RELAÇÃO AO NÚMERO DE VAGAS a) Todas as vagas – nesse modelo, se há uma vaga o eleitor vota em um candidato, mas se há três vagas o eleitor escolhe três candidatos. b) Voto limitado/ou incompleto – Nesse modelo o eleitor vota em um número menor que o de vagas a serem preenchidas e o restante é assumido pela minoria. Adotado no Brasil com a Lei no 2.675 (de 20/10/1875) – a Lei do Terço, esse modelo estabelecia que, para assegurar a representação das forças minoritárias, poderiam ser sufragadas apenas dois terços das vagas para deputados, ficando o terço restante reservado à representação minoritária. 3.3. NÚMEROS DE VOTO PARA CADA CANDIDATO a) um só voto: é o caso do Brasil nos dias de hoje, onde cada voto eqüivale a escolha de um representante. b) mais de um/cumulativo: O Brasil já adotou esse sistema com a Lei Rosa e Silva, de 1904, que se manteve até o fim da Primeira República associada ao voto limitado. Nesse caso, se existem 3 vagas o eleitor tem direito a três votos que ele pode atribuir como quiser ou escolher três candidatos ou acumular em um só candidato. A argumentação contrária a esse modelo afirma que com ele o número de votos não vai corresponder ao de eleitores, o que dificulta o controle das fraudes. 3.4. NÚMEROS DE INDICADOS NO MESMO VOTO a) uninominal: na votação se indica um candidato para cada vaga, ou seja, o eleitor tem que escolher apenas uma pessoa para assumir determinada vaga disputada. b) plurinominal: também denominado de contingente, plúrimo ou alternativo, é aplicado na Austrália onde em cada voto o eleitor estabelece uma ordem de preferência (ou colocação) para que a vaga seja preenchida. Em outras palavras, o eleitor vota numa lista em que os indicados têm maior valor na ordem de colocação, de acordo com uma escala de preferências. 3.5. PESO DO VOTO EM RELAÇÃO AO ELEITOR E AO CANDIDATO a) igualitário: nesse caso fica estabelecido que cada voto tem um peso, o que significa que todos os votos têm o mesmo valor, isto é, um. Assim, como os candidatos são todos iguais, não se distinguem por nenhum fator. b) diferenciado: existem vários modelos entre eles o voto por pontos (relacionados ao candidato) – muito semelhante a uma prova de títulos, onde cada título ou fator tem uma pontuação. Dessa forma, cada colocação, relacionada ao fato do candidato ser casado ou ter um número de filhos, refere-se a uma pontuação. Os que argumentam contra este tipo de voto dizem que o resultado final da eleição vai ser de acordo com os pontos e não simplesmente com os votos obtidos, ou seja, é complexo e também não protege as minorias. A outra forma de expressão desse tipo de voto é o denominado voto plural (relacionado ao eleitor), aquele no qual o voto vale mais ou menos conforme os atributos do eleitor, sendo que estes CopyMarket.com

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atributos devem constar em seu alistamento. De acordo com este sistema, o voto de um eleitor solteiro e analfabeto, por exemplo, vale menos que o de um diplomado casado e assim por diante. 3.6. VOTO SEPARADO NO CANDIDATO E NO PARTIDO: denominado de duplo voto simultâneo, corresponde ao modelo no qual o eleitor deposita duas cédulas, uma pelo seu partido e outra com os nomes dos candidatos, visando ao fortalecimento dos partidos independente da votação em cada candidato. OBS1.: Há também o voto preferencial com lista aberta, que é o modelo adotado no Brasil, onde se tem a possibilidade dos eleitores escolherem entre os diversos candidatos de um partido aquele que é o seu preferido (voto uninominal). Ao mesmo tempo, no modelo brasileiro, caso o eleitor não tenha preferência há a possibilidade de se votar no próprio partido (voto de legenda). Dessa maneira, temos que a votação total de um partido (que será usada para a alocação das cadeiras) é o resultado da soma dos votos dados à legenda mais os votos nominais dos candidatos daquele partido. OBS2.: As características do sistema eleitoral brasileiro quanto a essa questão são: -

os nomes que compõem as listas são escolhidos pelos dirigentes partidários;

-

os candidatos estruturam as campanhas com autonomia em relação ao partido, sendo responsáveis pela captação de votos e financiamentos;

-

a bancada eleita é produto agregado da ação individual de cada candidato;

-

o sucesso eleitoral do partido depende de lançar candidatos competitivos;

-

os dirigentes costumam escolher um ou mais candidatos como puxadores de votos, oferecendo benefícios. Mas todos esses temas serão retomados na próxima aula quando se fizer o quadro evolutivo do sistema eleitoral brasileiro.

3.7. VOTO TRANSFERÍVEL: Como acontece na Irlanda. Lá cada eleitor dispõe de um só voto e este deve ser atribuído a um candidato determinado (ou seja, uninominal), mas o mesmo pode ser transferível em dois casos: -

ou quando o candidato beneficiado já tiver obtido a suficiente quantidade de votos para se eleger (de acordo com um quociente estabelecido entre o número de votos + 1 e o número de cadeiras + 1), e então seus votos excedentes irão para um segundo candidato mais votado e assim sucessivamente;

-

ou quando um candidato não tem mais chances de conseguir uma cadeira mesmo com as transferências e seus votos então serão distribuídos entre os que tiverem maior número de votos do que ele.

4. QUANTO À FORMA DE APURAÇÃO: Esse é o último critério que diferencia os sistemas eleitorais – a forma de apuração dos votos. Segundo alguns teóricos esse critério influi diretamente no sistema partidário como veremos nas próximas aulas 4.1. O MAJORITÁRIO: No sistema majoritário as fórmulas visam à obtenção de uma maioria como critério de desempate dos candidatos e estas irão variar de acordo com o tipo de maioria necessária para que o candidato ganhe a eleição. Os tipos podem ser maioria relativa ou absoluta; a) maioria relativa: ou simples, nela a vitória é dada ao candidato que obtiver o maior número de votos, mesmo que a quantidade de votos que ele tenha recebido seja inferior ao total dos votos atribuídos aos outros candidatos. Logo, tudo é resolvido num só turno, como foi a eleição de Vargas em 1953 (ele com 3.849.040 votos, contra 2.342.284 de Eduardo Gomes e 1.697.193 de Cristiano Machado); CopyMarket.com

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b) maioria absoluta: já essa fórmula exige que o candidato vencedor deva ter um número de votos superior ao total dos votos concedidos aos outros candidatos, não necessariamente metade dos votos mais um, mas pode se fixar um percentual mínimo fundamental que valide a eleição, de forma a garantir uma maior representatividade do eleito. No Brasil essa questão foi levantada em 1955, na época da eleição de Jucelino Kubitschek. Nessa eleição ele não obteve a metade dos votos e a Constituição mencionava apenas que o vencedor seria o que obtivesse a “maioria”. 4.2. O PROPORCIONAL: Agora no sistema proporcional, diferentemente do modelo majoritário, o ideal é que, da melhor maneira possível, todos sejam representados, todas as tendências sejam representadas, buscando uma fórmula que permita tal resultado. Em outras palavras, que seja dado um número de cadeiras proporcional ao número de votos obtidos por cada tendência. O que acontece na prática é que essa fórmula genérica se decompõe em várias outras fórmulas particulares, que acabam por não produzirem os resultados eleitorais uniformes, ou seja, em uma mesma eleição se você utilizar duas fórmulas diferentes de inspiração proporcional, você não vai obter necessariamente o mesmo resultado. Os principais fatores que levam a essas diferenças são: o mecanismo de distribuição das sobras e a definição do quociente. a) quanto ao quociente: este pode ser móvel ou fixo; b) quanto às sobras: elas podem ser distribuídas para - a maioria: - a minoria: - sistema especial: 4.3. SISTEMA MISTO: Um modelo muito discutido é o sistema distrital misto. Nesse sistema, procura-se combinar os dois modelos básicos – o proporcional e o majoritário. Por esse modelo em uma única eleição o eleitor vota duas vezes. Parte dos representantes é eleita segundo o modelo majoritário, com o estado dividido em distritos com magnitude igual a 1. Outra parte dos representantes é escolhido segundo o modelo proporcional.

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Introdução à Ciência Política – Aula 16 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Evolução Política do Brasil -

INTRODUÇÃO: Poderia se começar a trabalhar a evolução política do país desde sua colonização, pois nessa fase da nossa evolução histórica vão se manifestar as primeiras práticas eleitorais nos Municípios (Governo Municipal/Câmaras Municipais/Ordenações do Reino/inexistência de Executivo autônomo). Na verdade, muito antes da emancipação política do país, o Brasil já contava com instituições representativas (Capitanias Hereditárias/D. João III/1531 – Martim Afonso/Vila de São Vicente/eleição dos conselhos/eleições indiretas em dois graus e dois turnos/de três em três anos/mandato de um ano/escolha pelo monarca).

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FAMÍLIA REAL NO BRASIL: Mas antes da vinda da família real (29/11/1807 – 22/01/1808) as decisões políticas importantes vinham da metrópole, após a chegada é que ocorreram muitas mudanças estruturais, feitas por meio de Cartas Régias que asseguravam a relação de dependência entre a Colônia e a Metrópole. Assim, se começará a tratar do desenvolvimento político do Brasil a partir do ano de 1821, quando do primeiro Decreto do Brasil Colônia, pouco antes da independência (07/09/1822).

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{©CONSTITUCIONALISMO PORTUGUÊS: Esse período foi dominado pela Revolução liberal do Porto, vitoriosa em 1820 (24/08/1820). Essa revolução foi assim chamada por convocar as Cortes Gerais Extraordinárias Constituintes da Nação Portuguesa (a Assembléia Constituinte) – desativadas desde 1698 por força absolutista – para elaborar uma Constituição para o reino de Portugal. Para o Brasil essa revolução foi importante por dois motivos. O primeiro porque deveriam se escolher deputados que representassem o Brasil na Corte, sendo esse, portanto, o motivo do 1º Decreto que, estabelecido pelo (recém) príncipe regente do reino unido, decretava as primeiras eleições gerais aqui realizadas. O segundo motivo importante foi a forte pressão portuguesa para barrar a crescente autonomia do Brasil, gerando um movimento denominado de recolonização.

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1AS ELEIÇÕES: As eleições se dariam em 4 graus, logo seriam indiretas. Sob esse esquema *, foram eleitos 72 deputados que, no entanto, representavam uma minoria frente aos 130 lusos. Além disso, apenas 50 dos 72 eleitos ousaram viajar para Portugal. Até esse período a independência do Brasil não havia sido proclamada, mas Dom Pedro já governava com certa autonomia quando rompeu com Portugal em 07/09/1822, consolidando o início da evolução política do país. Na verdade, a Independência não representou uma mudança estrutural nem marcante na sociedade brasileira.

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* Esquema das Primeiras Eleições Gerais do Brasil (Decreto de 07/03/1821). POVO (inclusive os analfabetos) 1º Grau COMPROMISSÁRIOS (ou votantes) 2º Grau ELEITORES DE PARÓQUIA 3º Grau ELEITORES DE COMARCA (Se reuniam na Capital da Província) 4º Grau DEPUTADOS (1 para cada 30.000 habitantes)

Obs.: No primeiro grau, em que todos (excluindo mulheres, escravos, menores de idade, entre outras restrições impostas pela lei) podiam votar, existia um senão, as mesas é que identificavam o povo, permitindo ou não que ele votasse. -

FATORES QUE LEVARAM À INDEPENDÊNCIA: A regência de Dom Pedro (abril de 1821 – setembro de 1822), não foi tranqüila. Os choques entre a política recolonizadora das cortes e os interesses autônomos dos proprietários e das camadas urbanas do Sudeste brasileiro pontilharam esse período. Faz-se mister ressaltar então que a Independência do Brasil foi marcada por fatores políticos, econômicos e sociais, a saber: •

Fatores Político-sociais: o Brasil já sofria influências da expansão do liberalismo político, gerada pela Revolução Americana (1776) e aqui expressada pela Inconfidência Mineira (1789), Conjuração Baiana (1798) e pela Revolução Pernambucana (1817);



Fatores Econômicos: apesar da vinda da família real propiciar uma melhoria dos meios de vida material, operando um certo desenvolvimento econômico e do nível intelectual, acabou, por meio dos tratados de 1810, por transformar o Brasil em um país economicamente dependente da Inglaterra. É desse período, então que situação financeira do Brasil se caracterizava pelo déficit na balança comercial e pela desvalorização da moeda;



Fatores Políticos (externos): associado a esses fatores temos, como foi citado anteriormente, as exigências dos revolucionários portugueses por ocasião da Revolução do Porto, de recolonização do Brasil. Com esse intuito, foram lançados vários decretos pela Corte na tentativa de anular os poderes político, administrativo, militar e judicial de D. Pedro, para forçá-lo a voltar para Portugal;



Fatores Políticos (internos): a classe dominante brasileira, a aristocracia, sabia que ceder a esses decretos representaria o fim de uma certa autonomia econômica conquistada até então. Ao mesmo tempo, sabia que a partida de D. Pedro levaria ao esfacelamento do Brasil. Foi assim que nascia o contraditório

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Partido Brasileiro1, que englobava líderes moderados e líderes mais radicais, democratas e aristocratas, com o fim único de ganhar o apoio do príncipe regente.

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DIA DO FICO: Foi assim que no dia 09/01/1822 – o famoso Dia do Fico -, D. Pedro cedeu às pressões e atendeu a um abaixo-assinado com 8.000 assinaturas, solicitando sua permanência no país. A partir desse momento a tensão entre a Corte e o governo do Rio de Janeiro cresceu. Em junho, Dom Pedro convoca eleições para a Assembléia Constituinte e no dia 07/09/1822, estava declarada a Independência.

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INDEPENDÊNCIA: Como já foi dito anteriormente, a Independência não representou uma mudança na estrutura social e administrativa brasileira, na medida em que ocorreu um pacto entre elites que preservou a ordem estabelecida: a estrutura administrativa, a grande propriedade, a economia agro-exportadora e a escravidão. Mas enfim, concluída a separação da metrópole, tratava-se agora de organizar o novo governo: escolher ministros e formar ministérios, constituir um exército e elaborar uma Constituição para reger o Império.

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FORMA DE GOVERNO: De antemão a forma de governo a adotar já havia sido decidida mesmo antes de 07 de setembro. A participação de D. Pedro na defesa dos interesses dos grupos dominantes durante o processo de independência garantiu-lhe a continuação do regime monárquico e o posto de Primeiro Imperador do Brasil. Porém, quanto à Constituição não havia ainda um consenso.

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FORMAÇÃO DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1822: Em 03/06/1822, D. Pedro expede o decreto de convocação da “Assembléia Constituinte Luso-Brasiliense” e, nove dias depois, José Bonifácio publica as instruções para eleição da “Assembléia Geral Constituinte do Brasil”, a ser composta de 100 deputados mantendo-se o sistema indireto, mas em 3 graus (Povo – Votantes - Eleitores de Paróquia – Deputados) (cf. Fávila Ribeiro, ob. cit. p. 34).2

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ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE (início dos trabalhos – 03/05/1823): Depois de formada a Assembléia deu-se início às discussões, nelas destacavam-se dois grupos, considerados na época como partidos políticos3 – embora não possuíssem organização formal, plataforma política ou regime interno – que eram o Partido Brasileiro e o Partido Português. •

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Partido Brasileiro: era dominado pelos fazendeiros e se encontrava dividido. De um lado a facção “aristocrata”, liderada por José Bonifácio, que desejava uma Constituição que mantivesse as medidas ditadas pela Corte joanina durante sua permanência no Brasil e um regime centralizado (sob o controle da Corte). Do outro lado, se encontrava a facção “democrata”, que exigia o federalismo, ou seja, a autonomia para as províncias, o que, no entanto, enfraqueceria o Executivo. Aos “aristocratas” interessava diminuir a representação dos democratas na Constituição. Para garantir a Constituição que seu grupo ansiava, José Bonifácio tinha, portanto, que se opor ao Partido Português e, ao mesmo tempo, eliminar a facção “democrata” de seu próprio partido, objetivo este alcançado quando o mesmo foi nomeado ministro do Império. De uma forma geral o Partido Brasileiro, maioria na Assembléia, desejava uma monarquia constitucional que limitasse os poderes do Imperador.

Ver comentário nota número 3. Ribeiro, Fávila, Direito Eleitoral, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1976. Na verdade, segundo Paulo Bonavides: “não andaria exagerado pois quem datasse da Constituição de 1946 a existência verdadeira do partido político em nosso país, existência que começa com o advento dos partidos nacionais”.

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Partido Português: este partido representava os interesses de militares, funcionários públicos e comerciantes, em sua maioria portugueses, tentando influir para que a Constituição atendesse a seus interesses recolonizadores. O Partido Português de inspiração absolutista e representante de uma minoria na Assembléia, pretendia ganhar a simpatia do Imperador para uma possível reaproximação com Portugal. Dom Pedro apresentou uma preferência discreta pelo Partido Português.

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REPÚBLICA E FEDERALISMO: Antes de continuar a tratar sobre o desenvolvimento partidário e da Primeira Constituição do Brasil, vale tecer alguns comentários sobre a questão do federalismo e da República. Essas duas questões representaram o moto de algumas das manifestações ocorridas antes mesmo da declaração da nossa independência, aparecendo explícita ou implicitamente. Quando aparecem implicitamente são expressados por tendências de um liberalismo (político) mais ou menos avançado que impulsionou o surto insurrecional alimentado, também, por inspirações de autonomia, defendidos em projetos nítidos de descentralização.



Estado Federado: de acordo com as palavras de Jellinek, trata-se de um “Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal” 4. Segundo a própria definição aparece claramente uma forte influência da história americana, onde vários Estados se associaram com vistas a uma integração harmônica entre si. Os Estados-membros, no caso, não possuem soberania externa e, internamente, se acham sujeitos a um poder único – o federal – e em parte conservam sua independência, podendo agir livremente, quanto a sua auto-organização (poder de fundar uma ordem constitucional própria), na esfera da competência constitucional que lhes foi assinalada. Existem dois princípios básicos que sustentam uma federação, quais sejam: a) a lei da participação – segundo a qual os Estados-membros tomam parte no processo de elaboração da vontade política válida para toda a organização federal e contribuem para construir o aparelho institucional da Federação, entre outras funções. Em outras palavras os Estados-membros e o Estado Federal adquirem o vínculo do poder político; e b) a lei da autonomia – a mais levantada pelos defensores do federalismo, pois por meio dela se manifesta o caráter estatal das unidades federadas. Tais unidades podem estatuir livremente uma ordem constitucional própria, estabelecer a competência dos três poderes que habitualmente integram o Estado (executivo, legislativo e judiciário) e exercer tais poderes, claro, na estrita observância dos princípios básicos da Constituição Federal. O Estado Federal possui também os três poderes próprios, sendo estes soberanos. O judiciário constitui entre eles um dos órgãos fundamentais do sistema federativo, com seus tribunais e sobretudo com uma corte de justiça federal e suprema, destinada a dirimir os litígios da Federação com os Estados-membros e entre estes, representando o equilíbrio de toda a ordem.



A República: era comum entre os movimentos pela independência do país, a defesa da República associada ao federalismo. No sistema republicano, uma nova bandeira e novos costumes deveriam ser implantados. Desejava-se garantir, por meio da forma republicana de governo, a liberdade de consciência e de imprensa, além disso os “republicanos” eram contrários aos tributos exigidos, pois tornavam desigual a sorte dos habitantes de um mesmo país. Em suma, desejavam que os direitos, inclusive o de propriedade, e garantias individuais fossem assegurados a todos os cidadãos. Posteriormente será tratada a Proclamação da República, onde determinados aspectos serão vistos com mais profundidade.

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A CONSTITUIÇÃO DE 1824: Após o início dos trabalhos da Assembléia Constituinte (quase um ano depois de sua convocação), muitos problemas ocorreram dentro da própria Assembléia, mas principalmente

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Por curiosidade o traço que distingue uma Federação de uma Confederação é a inexistência, nas Confederações, de legislação unitária ou comum, criando indiferentemente direitos e obrigações imediatos para os cidadãos dos diversos Estados que a constituem.

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fora dela. Na verdade, a declaração da Independência não foi aceita em princípio por todas as regiões do país, houve muita resistência por parte de determinadas províncias que acabaram por desviar a atenção de todos. Enquanto isso, no interior da Assembléia Constituinte estava sendo proposta uma Constituição mais de cunho liberal, levada por Antônio Carlos (um dos irmãos Andrada) – era a chamada “Constituição da Mandioca”. Nesse projeto, uma forte tendência anti-Portugal ficava clara, tanto que houve inúmeros debates em torno da questão, chegando inclusive a contar com a participação popular. Foi então que o Imperador resolveu dissolver, em 12/11/1823, a Assembléia e prender vários deputados entre eles José Bonifácio e Antônio Carlos Andrada. Foi então que nasceu a Primeira Constituição do Brasil Independente outorgada em 1824, imposta pelo imperador, representando a reação absolutista e a tomada do poder pelo Partido Português. Apesar disso a Constituição outorgada estava claramente baseada no projeto de Antônio Carlos, mas representava a vitória do Executivo sobre o Legislativo e do Imperador sobre a aristocracia agrária. -

COMO FICOU O IMPÉRIO:



A Constituição: moldada pelas idéias francesas, inglesas e com algumas influências da Constituição portuguesa, estabelecia – uma monarquia unitária; um governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo; o catolicismo como religião oficial; a submissão da Igreja ao Estado; o voto censitário e a descoberto, eleições indiretas em dois graus; e a existência de quatro poderes (Executivo, Judiciário, Legislativo e Moderador).



Poder Executivo: era da competência do imperador e dos seus ministros – o imperador podia nomeá-los e demiti-los quando assim o quisesse, com base no Poder Moderador.



Poder Moderador: Um dos pontos mais importantes que surgiram nessa Constituição foi a criação do poder moderador (influenciado pelo conceito de poder neutro, do teórico liberal francês Benjamim Constant, porém, modificado totalmente em sua essência), passando a ser compreendido como uma atribuição do monarca que lhe conferia o direito de dissolver a Câmara, convocar, adiar ou prorrogar a Assembléia Geral, sancionar seus decretos e resoluções, nomear senadores, nomear e demitir os ministros de Estado, suspender os magistrados, aprovar e suspender as resoluções dos conselhos provinciais, perdoar ou moderar penas impostas, conceder anistia e criar um Conselho de Estado com membros vitalícios, o que de fato ocorreu apenas com função consultiva.



Poder Judiciário: estava a cargo do Supremo Tribunal de Justiça.



Poder Legislativo: era exercido pela Assembléia Geral, composta pela Câmara dos Deputados (eleita por quatro anos) e pelo Senado (vitalício e por nomeação do imperador).

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ABSOLUTISMO E DECLARAÇÃO UNIVERSAL: O Poder Moderador expressava, dessa forma, a legalização do absolutismo no país. É interessante e vale ressaltar que essa mesma Constituição incluía, contudo, parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789. Ao que parece D. Pedro não se ressentia de outorgar uma Constituição na qual convivia poder absoluto e certas liberdades individuais. Na prática essa aliança lhe dava autoridade para desrespeitar tais liberdades, por meio do Poder Moderador, e declarar com orgulho o caráter liberal da nossa Constituição. Em outras palavras, a Constituição de 1824, representava a ideologia da aristocracia rural brasileira da época: liberal na forma, conservadora na prática.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 17 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: República e Democracia: o período republicano brasileiro e conceitos básicos de democracia Esta aula se propõe a observar a importância do advento da república no Brasil, o papel dos juristas na vida política do país, a partir de então, e as Constituições Republicanas brasileiras, espelho de nossa cultura política e reflexo deste papel. Retomando o assunto das aulas anteriores, observou-se que as idéias republicanas, juntamente como o federalismo, representaram o moto de algumas das manifestações ocorridas antes mesmo de nossa independência (a Inconfidência Mineira - 1789, a Revolução Pernambucana - 1817, entre outras) e, posteriormente, as revoltas do período regencial. E em todos esses movimentos o objetivo republicano aparece explícita ou implicitamente. Quando implicitamente são expressados por tendências de um liberalismo (político) mais ou menos avançado que impulsiona o surto insurrecional, freqüentemente também alimentados pelas inspirações de autonomia, definidas em projetos nítidos de descentralização, como as propostas de federalismo. Vimos, também, que essas tendências começaram a se consolidar quando a classe dominante começou a perder o interesse pelo regime que ela sustentara por tanto tempo (da mesma forma como aconteceu no processo de independência). As idéias que permeavam a classe dominante e expressiva do país sofreram, portanto, uma influência originada da ascensão da cultura do café na balança comercial brasileira, associada às idéias e teorias, como o naturalismo, o positivismo, o evolucionismo, que também motivaram e modificaram a sociedade européia da época. Embora os efeitos de tais idéias não fossem sentidos de imediato no Brasil, com certeza percebe-se seus traços em nossos fatos históricos. Na verdade, as mudanças que aqui ocorreram não demonstram o perfil progressista dos gabinetes conservadores, representam, apenas, que a mentalidade conservadora dirigia as mudanças progressistas para continuar a manter o controle prático das coisas e da sociedade. As conseqüências da Guerra do Paraguai e as insatisfações diante da ditadura do poder Moderador, permitiram um ambiente propício à publicação do Manifesto Republicano, em 03 de dezembro de 1870. {©De uma forma geral as principais queixas dos republicanos estavam na crítica ao poder Moderador e na excessiva centralização do poder. Segundo eles: a Monarquia era um regime de privilégios (privilégios de raça, religião, sabedoria, posição...); o poder do Imperador era excessivo; faltava uma representação nacional, pois não havia eleições livres. Afirmavam ainda que a Monarquia, sendo hereditária e coma a concentração dos poderes na figura do Imperador, era contrária aos interesses do povo, além de impedir a participação popular e a escolha dos presidentes de províncias. De fato, quanto a participação popular, podemos observar que as mudanças ocorriam quando a classe dominante se movimentava, ou seja, quando coincidentemente seus interesses convergiam com os das camadas populares. Estas eram usadas mais como linha de frente nas rebeliões, do que como foco de demandas a serem atendidas. CopyMarket.com

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Em suma, os republicanos atacavam a Monarquia hereditária, o Senado vitalício, o sistema eleitoral, a centralização do poder, o excessivo poder de D. Pedro II e propunha um novo regime de governo - a República Federativa. Em linhas gerais, os fatores econômicos, políticos e sociais que levaram à Proclamação do Brasil foram: a) econômicos: com maior vulto, temos a questão da escravidão, acrescida do interesse da classe cafeeira, pois o trabalho escravo era básico para a economia agrária tradicional e a extinção do tráfico, a partir de 1850, como vimos anteriormente, desacompanhada de medidas que amortecessem suas conseqüências, representou um elemento de desarticulação da economia, com repercussões imediatas na área político-social, refletindo, portanto, nas relações civis dos cidadãos e no desenvolvimento da consciência jurídica da Nação no zelo dos direitos individuais. Faz-se mister ressaltar, o fato dos próprios membros do Partido Republicano, em sua maioria esmagadora, representantes dos grandes produtores e proprietários de terra, não aderiram de imediato à idéia da abolição. O perfil liberal do Partido, por eles apregoado, não se detinha aos problemas do trabalho servil e, na verdade, nunca os incentivou a se posicionarem claramente em relação à escravidão (talvez por habilidade política). b) políticos: dentre eles a centralização política e administrativa, o parlamentarismo, o regime eleitoral e o governo pessoal do soberano. Quanto a questão da centralização, contribui para a insatisfação política - um pouco amortecida pela relativa autonomia -, o fato dessa autonomia não estar relacionada à tributação e a nomeação dos presidentes de província. Já o nosso modelo de parlamentarismo se transformou em um dos males da Monarquia, devido ao fato dos interesses políticos dos partidos se sobreporem ao da Nação. Quanto ao sistema eleitoral a maior insatisfação estava relacionada ao voto, indireto e censitário, que expressava a vontade de apenas uma das classes dominantes - a dos proprietários de terra, fazendeiros tradicionais e donos de engenhos. c) sociais: dentre os fatores sociais encontramos os efeitos da instrução e, logo, da supremacia dos bacharéis em Direito na direção da política nacional; do espírito de classe do exército associado a falta de representação militar no Parlamento e a direção civil das pastas técnicas (inclusive, em um dos últimos gabinetes do império, o Ministro do Exército era um civil). Foi nesse período que surgiram as associações militares - que muito contribuíram ao advento da República -, e que os estudiosos da área de direito introduziram diversos autores europeus, principalmente alemães, no Direito e franceses, ingleses e americanos em quase todas as áreas das ciências humanas e da literatura, influenciando os intelectuais do país. A principal conseqüência da Guerra do Paraguai para o Exército brasileiro foi a mistura de classes sociais que, posteriormente, permitiu que seus membros mais influentes se tornassem representantes da classe média, que até então não possuía um veículo de expressão na esfera do poder. Todos esses fatores, enfim, contribuíram para a Proclamação da República, sendo o primeiro representante desse novo regime o Marechal Deodoro da Fonseca e seu vice, Marechal Floriano Peixoto. Assim, por meio do Decreto nº1, de 1889, o Marechal Deodoro consagrava o início da República nos Estados Unidos do Brasil. O próprio nome da nossa República deixa claro o quanto nossos juristas se basearam na Constituição americana. Mas, antes de tratar do tema constitucional relacionarei de forma breve os diferentes momentos pelos quais nossa história republicana passou. Apesar da Proclamação ter se dado no dia 15 de novembro de 1889, somente em 15 de setembro de 1890 é que se reuniu a Assembléia Constituinte, promulgando em 24 de fevereiro de 1891 a primeira Constituição republicana do Brasil, cuja vigência (sofrendo apenas poucas alterações) permaneceu até 1930. O Ministro da Fazenda desse primeiro período, Rui Barbosa, pretendendo que o desenvolvimento do capitalismo brasileiro alcançasse o europeu, promoveu uma política emissionista sem lastro-ouro associada a uma política de crédito aberto - denominada de encilhamento (onde o governo facilitava os empréstimos bancários, além de reconhecer e legalizar empresas sem muito controle, propiciando o surgimento de empresas-fantasmas criadas pelos especuladores), que resultaram em uma violenta inflação e em uma desenfreada especulação na Bolsa de Valores (enriquecendo alguns poucos, enquanto o incipiente grupo dos pequenos industriais ia a falência devido à inflação). CopyMarket.com

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A crise econômica rapidamente se evidenciou e o Marechal Deodoro se viu acusado por todos os lados. Foi então que ele, em dezembro de 1891, dissolveu o Congresso e decretou o estado-de-sítio. Logo depois, então, o Marechal Deodoro renunciou e seu sucessor, Floriano Peixoto, governou por mais três anos de crise, conseguindo, no entanto, consolidar o regime republicano. O primeiro presidente civil, Prudente de Morais, representou o fim da república das espadas, citada na aula anterior, e o início da república das oligarquias, afastando, por um bom período, os militares do poder. Com seu sucessor, Campos Salles, a cultura do café ganha ainda mais força. É em seu governo que se observa a criação de uma poderosa máquina política que garantia a continuidade das classes dominantes no poder: a Política dos Governadores, que consistia em uma troca mútua de favores entre os governantes estaduais (oligarquias) e o governo federal. A Campos Salles substituiu Rodrigues Alves, caracterizado por atuações políticas de incentivo a pesquisa e ao ensino público, além de promover a política de valorização do café. Foi sucedido por Afonso Pena, que continuou suas obras e procurou incentivar a política externa do Brasil. Afonso Pena morreu antes do término de seu mandato e foi sucedido por seu vice, Nilo Peçanha, que terminou o quadriênio, criando, nesse período, o SPI (Serviço de Proteção ao Índio). Em 1910, o candidato da situação, Hermes da Fonseca, é eleito para assumir a presidência durante quatro anos marcados por várias revoltas políticas e sociais, como a Revolta da Chibata, dos Fuzileiros Navais, do Juazeiro e a Guerra do Contestado. Em 1914 sobe ao poder um legítimo representante da Política dos Governadores, Venceslau Brás, no mesmo período que estourou a I Guerra Mundial. O Brasil participou da Guerra fornecendo matérias primas às Nações da Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia), além de enviar enfermeiros, mais tarde. É desse período também as primeiras greves operárias do Brasil e a política do café-com-leite - onde se alternavam no poder membros da aristocracia cafeeicultora de São Paulo e agricultores e criadores de gado de Minas Gerais. Exatamente nesse período (e de acordo com a política do café-com-leite) Rodrigues Alves é eleito novamente. Contudo, o novo presidente nem chegou a tomar posse por haver sofrido uma enfermidade que o levou à morte, sendo substituído por seu vice, Delfim Moreira. Delfim convocou eleições, para que se terminasse o quadriênio de Rodrigues Alves, na qual venceu o político Epitácio Pessoa. Ao final de seu mandato Artur Bernardes, assumiu a presidência. O governo de Artur Bernardes se manteve sob constante estado-de-sítio, impondo uma reforma constitucional que restringia os direitos individuais, limitando o uso do Habeas corpus - que na época estava sendo utilizado com fins políticos. O último presidente eleito antes do ciclo de Vargas foi Washington Luís. Durante seu governo a cultura do café passou por problemas de superprodução, acarretando uma baixa de preços, ao mesmo tempo em que estourou a crise mundial de 1929 (com a queda da Bolsa de Valores americana). O então presidente, negando-se a prestar auxílio aos produtores de café, arruinou com suas políticas as oligarquias cafeeiras. As eleições de sucessão deram a vitória ao político gaúcho Getúlio Vargas, que para calar aqueles que não pensavam em permitir sua posse, promoveu a Revolução de 1930 e deu início a quinze anos de governo autoritário e populista. A vitória de Vargas evidenciou o fim da política do café-com-leite e foi marcada por vantagens concedidas tanto à classe dos produtores de café quanto aos operários das grandes cidades. Uma das principais políticas de garantia da cultura cafeeira foi o controle da produção e armazenamento, de forma a manter estáveis e elevados os preços do produto brasileiro no mercado internacional (muito se falou de que Vargas mandara jogar ao mar ou queimar o excedente produzido da safra). Outra política marcante foi a Industrialização Substitutiva à Importação (ISI). Os países da Europa, depois das Guerras, não mais exportavam seus produtos em grande quantidade, nem a um baixo preço, o que aumentara os custos de importação para o Brasil. Uma das saídas propostas por Vargas foi a implantação de indústrias de base nacionais que atendessem o mercado interno brasileiro e substituíssem o material importado. Em suma, a estruturação do modelo republicano no Brasil, a partir da era Vargas se alterará apenas quanto aos temas básicos: nacionalismo, consenso e participação para o desenvolvimento social e econômico do país. CopyMarket.com

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A segunda fase da república brasileira é conhecida como: fase do Planejamento, tendo como os principais projetos de governo o Plano de Metas (1956 - 1961), o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963 - 1965), o Plano de Ação Econômica do Governo - PAEG (1964-1966), o Plano Estratégico de Desenvolvimento (1968 - 1970), os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) e os Planos de Ação Regionais. O governo Fernando Henrique Cardoso também propôs um Plano de Metas, talvez baseado nas características por ele observadas ao escrever Aspectos Políticos do Planejamento, em 1973. Essa fase de Planejamento, na verdade, ressalta a importância de associar os avanços políticos aos avanços econômicos. No fundo, poucas foram as diferenças observadas entre aqueles que dominavam o poder político no império e aqueles que passaram a exercer o poder na República. De fato, pode-se constatar que a instauração do novo regime político (República) não chegou a transformar a ordem política do país nas suas bases sociológicas e nem nas suas bases jurídicas, já que grande parte da legislação e das instituições governamentais que foram criadas durante o império - e mais especificamente no II império - continuou no período republicano. O Brasil continua perpetuando essa característica, pois parece que nunca se compreendeu, como era de se compreender, que o poder político não resulta apenas da delegação de soberania popular. Parece ser de difícil compreensão entre nossa classe política e jurídica que não se governa pela simples lógica da imitação. O que não se compreende é que a ciência política trabalha sobre uma realidade concreta; enquanto é justo o contrário o que acontece no Brasil. Montesquieu parece ter sido esquecido, pois pretende-se, até hoje, fixar o governo de uma sociedade por um Estado e não pelo povo. Em outras palavras, desde 1824 que continuamos a fazer a mesma coisa que é construir leis, fazer legislação como se a ordem política caminhasse separada da ordem natural. Todos os fatores, ideologias e aspectos históricos descritos do período republicano brasileiro, coexistem e estão formalizados nas nossas Constituições de cunho republicano. Platão (em seu Diálogo Político) já dizia que “as Constituições são necessárias para regular a vida entre os homens, são como os regulamentos das competições. Mas se alguém conhece leis melhores do que as existentes, não tem o direito de dá-las à própria cidade, senão com o consentimento de cada cidadão”. São as constituições que regulam a convivência social. No entanto, o caso brasileiro, por exemplo, nem sempre percebeu-se uma correspondência necessária e direta entre a letra da lei, as Constituições - como sistemas jurídicos - e o seu ecossistema social e político. O que se pôde observar de nossa história é que por meio das nossas Constituições republicanas, percebe-se o período de descontinuidade democrática, seus hiatos e lacunas e, ao mesmo tempo, a desvinculação entre as instituições de base popular, firmadas em nome do regime republicano e as próprias raízes populares, cada vez mais distanciadas do que constavam em nossas Constituições e nos modelos políticos que nelas estavam conformados. Um primeiro exemplo a ser dado está na própria Constituição republicana de 1891. Nela estabeleceu-se o nome da Nação brasileira como sendo Estados Unidos do Brasil. Como já foi citado, isso representa não só uma clara influência do modelo americano, mas também nosso perfil de “remendo” (pois além de copiar a Constituição americana incluiu-se elementos da Constituição Suíça e Argentina para “melhorá-la”). No entanto, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, onde Estados se uniram para garantir a segurança contra forças externas, no caso brasileiro se tratava de um Estado unitário que estava dando maior autonomia a suas províncias. A formação das nossas províncias, inclusive, correspondia puramente a critérios geográficos e não sóciojurídicos, herança das terras doadas pela Coroa portuguesa - as Capitanias Hereditárias. Tamanha foi a inconveniência do artificialismo em outorgar competências aos Estados para elaborar seus próprios códigos de processo, que não correspondia à nossa realidade histórica. Faltava vinculação com a realidade do país, não tendo, portanto, eficácia social, acabou por não reger os fatos que previa, ou seja, não foi cumprida, principalmente porque estabeleceu uma autonomia postiça, estranha. Logo, não foi mantida, porque não lhe era preexistente, não conquistada.

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Notas de Aula Disciplina: Introdução à Ciência Política Departamento de Ciência Política - UnB Professora Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Introdução à Ciência Política – Aula 18 Maria Izabel Braga Weber Vanderlei

Tema: Revolução. Golpe. Dilemas da Consolidação Democrática -

{©INTRODUÇÃO: O Brasil passou por vários momentos de mudança, sendo o mais recente o Golpe Militar de 64. Desde o início da evolução política do país foram dados exemplos de movimentos que se organizaram com a intenção de reivindicarem determinadas demandas. Por que alguns deles receberam o nome de “revolução”, outros de “revoltas” e, por fim, “golpe”? Existe diferenças entre esses termos e é importante saber distingui-los para poder analisar a finalidade de cada um, finalidade esta que justificará ou não o movimento.

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REVOLUÇÃO x REVOLTA x GOLPE

1) Revolução: é a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim de efetuar profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na esfera sócio-econômica. Dessa forma, vale enfatizar que os processos revolucionários são aqueles que procuram provocar tais mudanças ao mesmo tempo. 1.1)

Revolução não vitoriosa: a) os revolucionários não conseguem consolidar seu poder e, depois de um breve período em que eles governam paralelos ao governo anterior, são derrotados e eliminados. (Ex.: Comuna de Paris, 1871; Revolução Pernambucana, 1817); b) os revolucionários conseguem conquistar o poder e o administram sós, se revelam incapazes, no entanto, de proceder à transformação radical do quadro político institucional e das relações sócio-econômicas. (Ex.: Revolução Boliviana, 1952; Cabanagem, 1833).

1.2)

Violência: O uso da violência em uma revolução se faz praticamente necessário, pois as classes dirigentes não cedem seu poder espontaneamente; em conseqüência, os revolucionários se vêem obrigados a adotarem a força para conquistar o poder; contudo, as mudanças feitas pelos revolucionários, dificilmente seriam aceitas pacificamente; logo, as classes que perderam poder e status com a revolução se organizarão para se defender com força ainda maior; sendo, por fim, necessário que os revolucionários recorram à violência e ao terror para conter tal reação.

1.3)

Guerra civil: dado o quadro anterior, vale ressaltar que toda revolução, vitoriosa ou não, conta com um período de lutas mais ou menos prolongado – de acordo com a força respectiva de cada grupo - ao qual denominamos de guerra civil (Ex.: Revolução Farroupilha, 1835/1845)

1.4)

Origem do conceito: o conceito, como nós entendemos hoje, é moderno e tem sua origem na Renascença, numa referência ao movimento longo, regular e cíclico das estrelas. Mas é no século XVII que a palavra vem a ser usada na esfera da política. No entanto, nesse período o termo possuía uma conotação ainda diferente do que conhecemos, pois estava relacionada ao retorno a um estado antecedente de coisas, a uma ordem preestabelecida que foi perturbada (Ex.: Revolução Gloriosa, 1689 – fim da República de Cromwell e restauração da Monarquia). É com a Revolução Francesa que o conceito passou a ser entendido como a substituição de uma antiga ordem pela possibilidade de criação de uma nova ordem. Nesse mesmo período, no século XVIII, Voltaire deu à revolução um perfil positivo associando-a à idéia

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de progresso. Antes do surgimento do conceito como se entende atualmente, é claro que ocorriam guerras, revoltas, mudanças, o pretorianismo (termo surgido no período avançado do império romano para designar a deposição dos governantes pelos chefes do exército), rebeliões, insurreições; Aristóteles dedicou todo o livro V às “revoluções” e suas causas. Mas não se conhecia o nome (Renascença) e sua definição, conforme apareceu com a Revolução Francesa. Na verdade, Aristóteles se referia apenas as mudanças cíclicas das formas de governo e não mudanças institucionais e econômicas. 1.5)

Conotação Positiva ou Negativa: Marx dará ao conceito, também, uma conotação positiva, contrária aquela negativa, muitas vezes associada ao termo. Para ele, a Revolução surge como instrumento essencial para a conquista da liberdade, identificada com o fim da exploração do homem pelo homem e, por conseqüência, com a possibilidade de vencer a pobreza, mas também como meio de conseguir a igualdade, posta na justiça social.

1.6)

Conclusão: “só se pode falar de Revolução, quando a mudança se verifica com vistas a um novo início, quando se faz uso da violência para constituir uma forma de Governo absolutamente nova e para tornar real a formação de um novo ordenamento político, e quando a libertação da opressão visa pelo menos à instauração da liberdade” (H. Arendt,op. cit. em Bobbio, 1123).

2) Golpe de Estado: é devido a este último motivo (instauração da liberdade) entre outros fatores que não podemos confundir Golpe de Estado com Revolução, pois o Golpe se caracteriza apenas como uma tentativa de substituição das autoridades políticas existentes dentro do quadro institucional, sem nada ou quase nada mudar dos mecanismos políticos e sócio-econômicos, sendo apresentada apenas algumas reformas. Além disso, o golpe é tipicamente levado a efeito por escasso número de homens já pertencentes à elite, mais especificamente, membros – diretos ou indiretos – do próprio Estado, sendo, por conseguinte, realizado de cima para baixo. OBS.: A tomada de poder por parte de revolucionários pode até acontecer por um golpe de Estado, mas só se torna revolução com a introdução de profundas mudanças nos sistemas político, social e econômico. 2.1)

Origens do termo: O termo sofreu, praticamente, poucas alterações, passando por três concepções que se diferem quanto a determinação de quem realiza o golpe – em um primeiro momento, o soberano; posteriormente, o titular ou titulares do poder político legal; e, por fim, um setor de funcionários públicos, ou seja, os militares. É claro, que esses não são fenômenos estanques, nem a distinção dependente do tempo (Ex.: Peru, hoje – Fujimori). Assim, de início o termo surgiu para designar um ato levado a cabo pelo próprio soberano para reforçar seu poder. Esse ato era geralmente realizado de surpresa, para evitar reações por parte daqueles que se prejudicariam com as conseqüências. Essa definição era aceita por volta do século VXII, na literatura francesa. Pouco a pouco o termo foi encontrando o caminho que o leva à definição atual, principalmente depois do movimento do constitucionalismo.

2.2)

Constitucionalismo: definição recente também, se refere à técnica jurídica pela qual é assegurado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o Estado em condições de não os poder violar (lembrar dos ideais dos contratualistas e da Revolução Francesa). Associado a esse movimento, o conceito de Golpe de Estado passou a caracterizar as mudanças no Governo feitas na base da violação da Constituição legal do Estado, normalmente de forma violenta, por parte dos próprios detentores do poder político. Em outras palavras, de acordo com a tradição francesa, temos por Golpe de Estado a violação deliberada das formas constitucionais por um governo, uma assembléia ou um grupo de pessoas que detém a autoridade (Ex.: Luiz Bonaparte, 1851).

2.3)

O Conceito Atual: o termo sofreu sua última alteração por volta do início dos anos 70, quando mais da metade dos países do mundo tinha governos saídos de Golpe de Estado (Ex.: América Latina), mas nesses casos específicos, os atores dos Golpes mudaram – na maioria dos casos, quem toma o poder político através de Golpe de Estado são os titulares de um dos setores chaves da burocracia estatal: os

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chefes militares. Desde essa época o golpe militar tornou-se a forma mais freqüente do Golpe de Estado. 2.4)

Golpe de Estado e Sublevação: o que difere um Golpe da simples sublevação (Ex.: Argentina) é que o Golpe mobiliza até elementos que fazem parte do aparelho estatal, enquanto a sublevação restringe a ação dos militares, ou demais grupos, a uma insurreição não organizada, que tem escassas ou nenhuma probabilidade de triunfar na tentativa de derrubar a autoridade política do Estado moderno. Vale ressaltar ainda que o Estado moderno possui setores estratégicos que tanto o reforçam, quanto podem se tornar seu ponto fraco (Ex.: redes de telecomunicações, centrais elétricas, entroncamentos rodoviários, etc.).

2.5)

Conclusão: Em suma, a teoria jurídica demonstra, segundo as palavras do professor Kelsen como o próprio Golpe de Estado instaura sempre um novo ordenamento jurídico, dado que a violação da legalidade do ordenamento precedente implica também na mudança da sua norma fundamental e, por conseguinte, na invalidação de todas as leis e disposições emanadas em nome dela. Em outras palavras o Golpe implica na instauração de um novo poder de fato que imporá uma nova legalidade. Por essas razões é que, segundo o direito internacional, o novo governo criado por algum Golpe de Estado tem de pedir um novo reconhecimento dos outros Estados.

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BRASIL – 1964: O que ocorreu no Brasil, em abril de 64? Uma Revolução ou um Golpe de Estado? O regime militar no Brasil, iniciou-se com um Golpe de Estado, mas de caráter provisório, tendo se transformado, porém, em um regime autoritário. Uma de suas características que o caracteriza como Golpe, é que se procurou manter suas instituições funcionando, a vida partidária, enfim, muitas de suas instituições democráticas...quais teriam sido as conseqüências?

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DILEMAS DA CONSOLIDAÇÃO: Existe um processo que vai do fim de um regime autoritário, passa por um período de transição para, enfim, chegar à consolidação democrática. No caso brasileiro esse processo de transição enfrentou tantos problemas que dificulta a consolidação democrática.

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O PROCESSO IDEAL: O processo de transição ideal se caracteriza por desarticular a ordem política anterior e construir uma nova; sendo necessário para tal uma estratégia adequada – entendida como a distribuição do poder entre as forças políticas relevantes. Essas forças políticas relevantes são atores (quase sempre coletivos) com interesses e objetivos distintos e, às vezes, conflitantes que atuam em um determinado quadro (ambiente). Esse quadro é constituído sob influências das condições econômicas, sociais, culturais e políticas. As forças políticas relevantes podem modificar esse quadro por meio de um processo dotado de certo grau de racionalidade. Em outras palavras, esse quadro, de acordo com uma estratégia adequada, deveria, especialmente no final do período de transição determinar as regras para a formação da ordem política. Tais regras seriam as garantias de procedimentos. Dessa forma, para a nova ordem política ser considerada como democrática ela precisaria de instituições adequadas, construídas por mecanismos que organizem os conflitos (a competição política). Todas essas condições deveriam atrair as forças políticas relevantes obtendo delas credibilidade e adesão, mas principalmente justiça social.

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O CASO BRASILEIRO: Em relação a estratégia adequada, ela, na verdade, não foi adequada, isto é, devido a uma estratégia mal formulada (transição contínua) o processo de transição carregou os resquícios do regime militar com conseqüências péssimas, prejudicando, portanto, a distribuição do poder entre as forças políticas relevantes. Com uma distribuição desigual o quadro se desestabilizou, interferindo na criação das regras (as que constituem as garantias de procedimento), não construindo instituições adequadas. Sem instituições adequadas não se pode ter uma ordem política democrática e muito menos, justiça social.

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