Introdução à filosofia política em Platão

August 6, 2017 | Autor: L. Ouro Oliveira | Categoria: Platão, Filosofia Politica, Filosofia antiga
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• . . , , . p i nulo se mantém a opinião certa do que se deve e do que não se deve I I M M C M , ,i obra do artesão e todas as demais funções, quando se concor• i i i -m relação a quem deve governar. Quando não há esse acordo, quando as partes da cidade pensam que um homem de natureza guerreira, por exemplo, deve governar, a i K l, ide torna-se injusta. A determinação do governante da cidade caracterizará o tipo de constituição em que se vive e o grau de justiça e Injustiça presente nela. Após a construção da cidade e da educação de seus habitantes, de se encontrar a definição de todas as virtudes, inclusive a da justiça, de se apontar a composição tripartite da alma, de se mostrar o processo educativo do governante na Alegoria da Caverna, deve-se retomara questão presente no começo do diálogo. Dada a definição de justiça, Sócrates e seus interlocutores podem então pesquisar quais são suas propriedades, se ela é boa ou ruim, por si mesma e/ou por suas recompensas. Para isso, diz ele, é preciso comparar a vida do mais justo dos homens com a do mais injusto, percebendo, assim, qual deles é mais feliz. Para determinar quem é o mais justo e quem é o mais injusto dos homens, Sócrates usa como instrumento a cidade. Na cidade rnais justa encontraremos o homem mais justo, e na mais injusta, o rnais injusto. Ora, a cidade é determinada pela alma dos homens que a habitam. Porque os homens da cidade ideal são justos, é essa cidade justa. Sendo assim, é preciso que se encontrem os tipos de constituição possíveis para que se chegue à determinação dos tipos de alma humana existentes, da mais justa a mais injusta. No livro VIII do diálogo, Sócrates descre-

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ve os vários tipos de constituição, podendo observar como seria a vida do homem que sob cada uma vivesse. Na cidade ideal construída no diálogo mora o homem mais justo. Esta cidade tem a aristocracia como forma política, já que o governo ou a força, krátos em grego, é do(s) melhor(es), do(s) nobre(s), ár/sros. Ela é regida pelo desejo da sabedoria próprio ao filósofo governante, elemento mais importante para o nascimento e a sobrevivência da cidade ideal. Do ponto de vista da cidade, os desejos de honra são próprios à classe dos guardiões e os de prazeres estão presentes na classe dos artesãos. Todos esses desejos, de sabedoria, honra e prazer, existem na cidade em limites apontados pelo(s) governante(s), que fazem com que esses desejos só tragam coisas boas e nunca algo ruim. Quando esse tipo de governo ocorre na alma, a parte logistikón, onde há razão, governa as outras. O homem cuja alma é governada pelo lógos obtém sabedoria, a parte thymoeidés encontra honra e a parte que deseja, epithymetikón, encontra os prazeres de comida, bebida e sexo. Nenhuma das partes deseja algo para além do que pode alcançar e do que seja bom e belo que alcance. Se a classe de guardiões toma o governo da cidade, o desejo que prevalece nela deixa de ser de sabedoria para ser o de honra. Trata-se da timocracia. Uma cidade timocrática quer, além de tudo, ser honrada, pois seu governante possui a alma de prata, a alma de guardião. Repare que a honra depende dos outros homens que honram. Não pode ser adquirida de forma autônoma, como a sabedoria. Além disso, para obter honras, a cidade deverá envolver-se em guerras, o que traz à vida de seus habitantes dor e tristeza. Somente por esses fatores podemos perceber como a aristocracia é uma forma política melhor do que a timocracia.

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MI liiuii.r., •.omriite prazeres. Ele é o único dentre os outros tipos i.ibalha tendo em vista o dinheiro, pelo qual pode comi.oipoiais obtidos pela comida, bebida e sexo. Os desejos iloantiB tipos de prazer são chamados por Sócrates, nessa altura do > i i ilmi". i l i - 'losejos necessários, já que são imprescindíveis para a vida i, u,:; K) humana. ........ l- um artesão ostn no governo, a cidade deseja, acima de i u. 1. 1 in ilielro. Tendo como valor a riqueza, os homens mais ricos gover'lade. Ela deixa de ser única e é dividida em duas: a dos ricos e ' ' l"-, pobres. Note-se que a descrição das cidades na ordem de sua 'l • n li -i H 1.1 v, n da mais justa à mais injusta, assim como da mais unida ' i u. UM dividida. Na cidade com constituição oligárquica encontramos a i 'limeira divisão na cidade, entre os ricos e os pobres. A oligarquia corresponde, em nossa alma, ao governo da parte que i d < M '•inihymetikón. Quando esta parte governa, nossos desejos de prazer, desejos necessários para a nossa sobrevivência, não encontram limites. Sendo assim, nunca se pode realizar a todos. Sem realizar tudo O que deseja, o homem com esse tipo de alma nunca está satisfeito, sempre quer algo além do que tem. Depois da aristocracia, timocracia e oligarquia, Sócrates descreve a democracia. Essa parte do texto é bastante interessante para nós, já que, tendo escrito há tanto tempo, Platão soube descrever diversos males de nosso sistema político como se pudesse prever o futuro ou como se a democracia ateniense tivesse os mesmos defeitos que a nossa. Como o próprio termo diz, a democracia é o governo de todos, do povo, dêmos. Nessa constituição, não há somente desejos necessários, mas se deseja além daquilo que se precisa e daquilo que convém, pois todos são livres para desejar o que quiserem, como qui-

Em nossa alma, esse governo corresponde à injustiça do poder da cólera, thymós, sobre a razão, lógos, caracterizando um homem amante de guerras para obtenção de honras.

serem, quando quiserem. Todos são tidos como iguais, então nenhum desejo prevalece frente aos demais. Não há um valor comum a todos, como acontecia antes, em que todos valorizavam a sabedoria ou a

Já uma cidade oligárquica nasce quando um homem naturalmente artesão torna-se governante. O artesão, na cidade, não deseja sabedo-

honra ou os prazeres necessários. Nessa sociedade, cada um tem o seu valor e vive de acordo com ele. É manifesto que a unidade da

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cidade aristocrática, perdida na oligárquica que se divide em duas, é ainda mais comprometida na democrática. Nela, cada um parece viver por si. A cidade não parece uma, mas várias. A variedade é característica marcante da cidade democrática. O homem cuja alma corresponda à estrutura democrática encontra-se numa situação um pouco pior que o homem oligárquico. Nele governam, sem medida, não somente os desejos necessários, mas também os não necessários. À medida que aumentam seus desejos, aumenta sua insatisfação, dada a impossibilidade de realizá-los. Por fim, Sócrates descreve a pior constituição de todas: a tirania. Nela, nenhum desejo governa. Os homens de uma cidade tirânica são escravos do governante, não podendo realizar nada do que queiram. Tendo apresentado os cinco tipos de constituição possíveis - aristocracia, timocracia, oligarquia, democracia e tirania -, Sócrates passa à comparação entre o mais justo e o mais injusto dos homens. A alma do homem mais justo, como vimos, deseja na medida em que pode realizar o que deseja. Realizando seus desejos, ela é feliz. Além de realizar tudo o que deseja, ela é a única a obter o melhor prazer dentre todos: o prazer do conhecimento. Homens com outros tipos de alma, governadas pelo desejo de honra ou de prazeres, não desenvolvem seu lógos, não podendo conhecer. Já a alma do mais injusto dos homens, o tirano, não governada pelo conhecimento do que é melhor, deseja sem limites e, portanto, como já afirmamos, torna impossível a realização de seus desejos. Um homem com uma alma injusta está sempre insatisfeito, deseja sempre algo a mais do que tem. Um homem injusto não é livre; é sempre escravo dos seus desejos. Ele é o mais infeliz de todos os homens. E quando, como é o caso de um homem numa cidade tirânica, não pode realizar nenhum, temos a maior das desgraças. Glaucon obtém de Sócrates o que desejava. Eles concluem, junto com Adimanto, que o homem justo, cuja alma faz e deseja o que convém por natureza, é o mais feliz de todos os homens. A justiça é boa não somente por suas recompensas sociais, mas por si mesma. Ouan-

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MU l HMII ,i |>i-n lê todos fazei bem ao governante, ou a qualquer outro hnbi da cidade, e razet bem a todos e, assim, também a si mesmo. A posição de Sócrates em relação à política é estranha a nossa dado contemporânea. Atualmente, quem "faz política" precisa es colher entre o bem do povo e o bem das classes favorecidas, ou entre o bem de todos e o bem próprio, ou entre qualquer outra disputa de vantagens entre grupos sociais ou indivíduos; a política tornou-se um jogo de interesses onde todos querem "levar a melhor", onde, na maioria dos casos, quem está no poder promulga leis que visam a seu bem particular, ou, se optarmos pela visão de Sócrates, seu bem particular ilusório, já que, para ele, o bem particular é idêntico ao bem de todos. A política está em crise: poucos se interessam por ela e quem com ela se envolve corre o risco de se misturar, mesmo indiretamente, com a corrupção. A corrupção, assim como todo ato que vai contra a lei, é um reflexo da política feita segundo a compreensão de Trasímaco. Se ser justo é fazer bem ao criador da lei e se o bem dele é diferente do meu, por que não tentar burlar a lei para conseguir vantagens particulares?

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Se a justiça é boa somente pelas suas recompensas sociais e a injustiça ruim só pelas punições estabelecidas, se é possível escapar dessas punições e obter vantagens, por que não o fazer? A prática política perdeu o seu sentido. Os homens vivem cada vez mais isolados e preocupados com suas conquistas individuais. A causa dessa crise política, segundo alguns autores, é o abandono das concepções políticas clássicas (STRAUSS, 1964, p. 1-2). Somente a partir da concordância com a tese de Sócrates, somente concordando com a tese de que o bem público corresponde ao particular, somente percebendo a necessidade da boa condição dos outros para a nossa, que a prática política faria sentido. Mas vivemos hoje numa sociedade capitalista onde alguns vivem muito bem enquanto outros passam por dificuldades em relação às necessidades humanas básicas. Isso é fato. Mas poderíamos nos perguntar: será que é agradável viver nessa sociedade? Nossa cidade nos traz, ricos ou pobres, harmonia, saúde e bem-estar? Estamos ao ar livre contemplando o céu e os astros ou em prisões cavernosas, mesmo sendo elas luxuosas, em condomínios gradeados? REFERÊNCIAS ARISTÓFANES. As nuvens. Tradução: Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. ARISTÓTELES. A política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. . Metafísica. Tradução: Marcelo Perine (da tradução italiana de Giovanni Reale, edição bilíngüe). São Paulo: Loyola, 2002. v. 1-3. AUGUSTO, M. das G. de M. Politéia e dikaiosyne: uma análise das relações entre a Política e a Utopia na República de Platão. Tese (Doutorado). Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 1989. BAILLY A. Lê grand Bailly. Dictionnaire Grec-Français. Paris: Hachette, 2000. NIETZSCHE, F. O crepúsculo dos ídolos: ou como se filosofa às marteladas. Tradução: Delfim Santos. Lisboa: Guimarães, 1985. . A República. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2006. . A República. Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. . As leis. Tradução: Edson Bini. 1. ed. Bauru: Edipro, 1999.

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