Introdução à Fonologia. Nível Fonético e Nível Fonológico

June 29, 2017 | Autor: João Veloso | Categoria: Phonology, Portuguese, Phonetics and Phonology
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João Veloso. 2015. Introdução à Fonologia. Nível fonético e Nível fonológico. Porto: FLUP.

FA C U L D A D E D E L E TR A S U N I V E R S I D A D E D O P O RT O

INTRODUÇÃO À FONOLOGIA NÍVEL FONÉTICO E NÍVEL FONOLÓGICO

João Veloso 2015

Este texto corresponde a material inédito do autor e destina-se a fins pedagógicos na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Pode ser utilizado por terceiros com indicação expressa da fonte, para o que deve ser utilizada a seguinte referência bibliográfica: VELOSO, João. 2015. Introdução à Fonologia. Nível fonético e nível fonológico. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto (ms.) (doi: 10.13140/RG.2.1.1591.8805). Estas notas serão completadas em breve por outros textos de carácter semelhante relativos a outros tópicos de estudo específicos de fonologia. Comentários, notas e sugestões são bem-vindos e devem ser encaminhados diretamente para o autor: [email protected]

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1. CONSIDERAÇÕES DE PARTIDA: PRIMEIRA DEFINIÇÃO DE FONOLOGIA E A DISTINÇÃO ENTRE NÍVEL FONÉTICO E NÍVEL FONOLÓGICO

De forma muito simplificada, podemos afirmar que a fonologia, enquanto subdisciplina da linguística1, estuda o comportamento linguístico, a organização e a função dos sons e das suas propriedades teóricas ao nível do sistema e das estruturas da gramática de uma dada língua, operando com unidades e entidades estritamente gramaticais. Convém começar por distinguir claramente, como ponto prévio, entre a abordagem fonológica e a abordagem fonética dos fenómenos relacionados com a “componente fónica” das línguas. Com efeito, desde que Troubetzkoy (1939) propôs, de forma pioneira e em termos afirmativos e muito explícitos, a nítida separação entre a fonética e a fonologia, a questão da definição deste último nível de análise não pode evitar o tópico dessa destrinça. Um breve relance sobre alguns dos manuais universitários mais correntes que servem de introdução à fonologia (cf., p. ex., e entre muitos outros: Spencer 1996; Davenport & Hannahs 2005; Odden 2005; Clark, Yallop & Fletcher 2007) mostra que esta preocupação é ainda hoje presente.

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Como se torna claro no quadro terminológico da linguística generativa, a designação fonologia remete para duas entidades que, embora relacionadas, correspondem a duas realidades ontologicamente distintas: um módulo da gramática implícita (ou seja, um conjunto de unidades, estruturas, princípios e mecanismos abstratos, presentes no conhecimento da língua implícito dos falantes, que geram produtos linguísticos bem formados) e uma subdisciplina da linguística que se ocupa precisamente do estudo e da descrição dessa componente da gramática implícita. Na parte inicial deste texto, ocupar-nos-emos sobretudo da fonologia na segunda aceção (=fonologia enquanto ramo da descrição linguística), para voltarmos, mais adiante, à fonologia enquanto subcomponente da gramática implícita. As duas aceções serão de alguma forma assumidas em separado nas secções 1 e 2 destes apontamentos.

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O que a fonologia NÃO estuda. À fonética o que é da fonética; à fonologia o que é da fonologia Desse modo, continuamos bastante condicionados pela contingência de uma definição da fonologia “pela negativa”, isto é, como a disciplina que não estuda o objecto que é estudado pela fonética. Nesse sentido, podemos dizer que a fonologia não estuda o som da fala, ou seja, os fenómenos físicos (acústicos) resultantes da atividade do aparelho fonador com vista à transmissão oral de um enunciado verbal. Este será, na verdade, o objeto da fonética. A fonologia coloca-se num plano mais abstrato, naquele em que se encontram outras unidades e estruturas “não físicas” da língua, como as palavras e as frases e as regras de construção de umas e de outras, por exemplo.

De acordo com um ponto de vista consensual e fundamental nesta área de estudos (cf. novamente os manuais de fonologia acima citados), a fonética ocupa-se dos aspetos materiais (acústicos e articulatórios) dos sons emitidos pelo aparelho fonador com intenção de servirem de veículo a um conteúdo linguístico verbal (o que está na origem da sua subdivisão em duas áreas de investigação diferenciadas: fonética acústica e fonética articulatória2). A fonética ocupa-se, portanto, de um objeto físico, material, acústico, altamente sujeito a uma grande variação, virtualmente infinito. Podemos dizer que qualquer som proveniente do aparelho fonador humano e com conteúdo ou intenção linguística (o que exclui manifestações sonoras com origem em algumas estruturas partilhadas pelo mesmo aparelho fonador como a tosse, o soluço, o grito, etc.) é candidato ao interesse científico da fonética. Cabe aqui referir ainda, por outro lado, que o estudo fonético pode ser consideravelmente independente do estudo linguístico, na medida em que, teoricamente, um foneticista que não conheça o sistema gramatical da língua em que uma dada cadeia sonora é produzida pode submetê-la a estudo laboratorial e experimental com vista à deteção das propriedades puramente físicas, acústicas e articulatórias 3. Estas, mesmo que 2

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Um terceiro ramo fundamental da fonética – a fonética percetiva – ocupa-se ainda dos aspectos percetivos do sinal da fala, isto é, das particularidades acústicas que permitirão associar, a nível do processamento fonético e (psico/neuro)linguístico, uma cadeia sonora a um conteúdo semântico. Esta subdivisão da fonética, pela ligação mais estreita que apresenta a aspetos do processamento linguístico e pela ponte que estabelece entre o sinal acústico e as representações linguísticas, não será porventura tão separável da fonologia quanto a fonética articulatória ou a fonética acústica. Para esta divisão da fonética nestes três domínios e a relação que cada um deles estabelece com outras áreas de estudo, cf., p. ex., Denes & Pinson (1993). Vd. ainda as notas 3 e 10 para mais alguma informação relativa a este assunto. Em fonética percetiva, esta independência relativamente à estrutura linguística não é totalmente possível, dado que

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tenham estatutos funcionais diferentes de língua para língua, são materialmente as mesmas em todas as línguas. O seguinte exemplo do português, muito simples, e a discussão que dele faremos subsequentemente ilustram esta discrepância entre a abordagem fonética e a abordagem fonológica4.

(1). [ʃ] e [ʒ] em português: contraste fonético e oposição fonológica queixo

[ˈkɐjʃu]

as casas

[ɐʃ ˈkazɐʃ]

queijo

[ˈkɐjʒu]

as meninas

[ɐʒ mɨˈninɐʃ]

As realizações fonéticas encontradas em (1) põem em confronto as duas consoantes fricativas palatais do português: [ʃ], surda, e [ʒ], sonora. De um ponto de vista estritamente fonético – isto é, olhando apenas às propriedades físicas dos sons produzidos –, a diferença entre [ʃ] e [ʒ] é exatamente a mesma no par queixo/queijo e no par as casas/as meninas: [ʃ] é surda (produzida sem

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o seu foco de atenção se encontra precisamente nos mecanismos que explicam a atribuição de conteúdo semântico a cadeias sonoras. A investigação em fonética percetiva mostra que a própria forma como os sons são processados pelos ouvintes nativos de línguas diversas difere em função da organização interna dos sistemas linguísticos particulares: determinados produtos acústicos foneticamente distintos entre si podem ser processados, p. ex., numa língua como fonemas diferentes e noutra língua como realizações (não distintivas) do mesmo fonema – independentemente das propriedades físicas do sinal e dependentemente, portanto, de variáveis cognitivas ativadas pelos ouvintes em resultado da sua experiência linguística concreta. É o que se passa, p. ex., com as realizações de [ɾ] e [l], que os ouvintes do português processam como “sons diferentes”, porque na sua língua materna opõem significados (exº: faro/falo, [ˈfaɾu]/[ˈfalu]) – logo, são funcionalmente distintos e distintivos –, contrariamente ao que se passa com ouvintes nativos do japonês. Dado que, nesta última língua, estas duas consoantes não opõem significados e podem comutar-se de forma relativamente livre nas mesmas posições das realizações fonéticas das mesmas palavras, os ouvintes nativos do japonês, conforme demonstrado pelo estudo de Miyawaki et al. (1975), processam estas duas consoantes como o mesmo fonema, não se mostrando capazes de as distinguirem auditivamente. Dados como os resultados experimentais de Miyawaki et al. (1975) mostram não só a ligação da fonética percetiva às estruturas linguísticas, como também que o processamento da fala se faz de modo categorial: conforme demonstrado por investigações “clássicas” como Pisoni (1973; 1977) ou Eimas (1974), por estudos mais recentes como Goldstone (1994; 1998), Steinlen & Bohn (2003), Strange, Levy & Law (2009), Goldstone & Hendrickson (2010), Strange et al. (2011), Horslund et al. (2015), entre outros, e, ainda, pelos estudos reunidos em Harnad (ed., 1987) e Strange (ed., 1995), p. ex., a multiplicidade de realizações fonéticas é reduzida, no processamento percetivo, a um número limitado de respostas (=categorias), as quais coincidem com os fonemas da língua dos ouvintes. Este processamento, como já dissemos, assenta nas particularidades fonéticas do sinal da fala, mas assenta também no conhecimento implícito que os falantes possuem do sistema fonológico da sua língua. Exceto nos casos em que houver indicação em contrário, os exemplos do português encontrados neste texto com indicação da forma fonética serão maioritariamente dados em transcrição fonética larga, na qual se procurará seguir a norma padrão do português europeu contemporâneo. Quando pertinente, as transcrições ortográficas correspondentes, dadas em itálico, apresentarão em sublinhado a representação gráfica dos segmentos em discussão em cada momento.

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vibração das cordas vocais e sem energia acústica na zona de F0) e [ʒ] é sonora (produzida com vibração das cordas vocais e com energia acústica na zona de F0). Para um foneticista, não surgirão, em princípio, diferenças assinaláveis entre o [ʃ] de queixo e o [ʃ] de as casas, o mesmo se passando entre o [ʒ] de queijo e o [ʒ] de as meninas: em cada um destes pares, a configuração espectrográfica básica de cada uma das consoantes será a mesma num caso e noutro. O caso muda completamente de figura, porém, quando analisado por um fonólogo, que, a despeito das referidas semelhanças e dissemelhanças fonéticas, estabelecerá imediatamente uma diferença muito importante entre o par [ʃ]/[ʒ] de queixo/queijo e o mesmo par em as casas/as meninas. No primeiro par (queixo/queijo), a diferença surdo/sonoro opõe significados de duas palavras distintas, que só ganham lugares diferentes no dicionário da língua precisamente em função dessa oposição. Diz-se, por isso, que, nesse par, a diferença [ʃ]/[ʒ] está presente já no próprio léxico. Além disso, trata-se aqui de uma oposição obrigatória: salvo sob condições fonéticas muito precisas e excecionais, todas as realizações da palavra queixo apresentarão um [ʃ] não vozeado e todas as realizações de queijo apresentarão um [ʒ] vozeado. O mesmo se passa com as realizações fonéticas das duas raízes morfológicas destes dois nomes quando combinadas noutras palavras morfologicamente derivadas: queixinho, queixal, queixada, etc., admitem todas, obrigatoriamente, uma realização [ʃ] como último segmento da raiz derivacional; queijada, queijinho, queijaria, queijeiro, etc., contêm sempre, também obrigatoriamente, uma realização [ʒ] como último segmento da raiz derivacional. Já no caso da realização da forma as do artigo definido, a oscilação entre [ʃ] e [ʒ] é não distintiva – não opõe significados (as com um [ʃ] ou com um [ʒ] finais é sempre a forma de feminino plural do artigo definido) – e resulta, de forma previsível, do contexto fonético. Sempre que, em português europeu, o morfema de plural antecede uma consoante surda, ele é foneticamente realizado como [ʃ]; sempre que antecede uma consoante sonora, realiza-se como [ʒ]. Este último aspeto leva os fonólogos a proporem que o vozeamento das realizações deste morfema não é inerente ao próprio morfema (não está na sua especificação, ou “representação fonológica teórica”, presente no inventário lexical de morfemas da língua), sendo antes o produto do contexto. Ora, o contexto, naturalmente, não está presente no léxico (uma lista potencial de unidades morfológicas não combinadas em sintagmas ou frases), mas sim, unicamente, nas construções 5

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sintáticas concretas em que o morfema vier a realizar-se, depois de selecionado pelas regras morfológicas e, sobretudo, sintáticas. Por isso, de um ponto de vista fonológico, existe uma distinção muito nítida, que ultrapassa as meras propriedades fonéticas empiricamente observáveis, entre a oposição [ʃ]/[ʒ] de queixo/queijo e o mesmo contraste fonético em as casas/as meninas: a primeira é distintiva, fonémica e lexical; o segundo é não distintivo, subfonémico e pós-lexical. A distinção entre este tipo de situações atinge-se através da análise formal e racional dos dados linguísticos, que tem como objetivo determinar o seu estatuto teórico e funcional ao nível do sistema linguístico e tem em atenção não apenas as propriedades materiais dos sinais acústicos mas também, e principalmente, as suas propriedades abstratas e o seu comportamento gramatical/linguístico. O trabalho do fonólogo situa-se precisamente neste âmbito e é com base neste tipo de evidências – que enquadram os objetos sonoros no plano do funcionamento da língua enquanto um sistema gramatical abstrato – que se traçam as barreiras entre a fonologia e a fonética. Teoricamente, como dissemos, não seria estritamente necessário e obrigatório que um foneticista conhecesse o significado das palavras e expressões de (1) para poder estudá-las, pois a mera análise instrumental das amostras sonoras seria suficiente para pôr em evidência o principal aspeto a explicar – a distinção vozeado/não vozeado em todas as realizações de [ʃ] e [ʒ] . Todavia, a explicação fonológica destes mesmos dados exige que se tenha presente a organização e o funcionamento do léxico e da gramática da língua em que eles se encontram, bem como as oposições morfológicas, lexicais e semânticas em que se insere a distinção fonética em causa. Podemos, pois, afirmar que o fonólogo observa para além da realidade puramente fonética, em busca de regularidades de natureza mais abstrata, inacessíveis à pura observação empírica dos factos acústicos. A fonologia postula, assim, a existência de um nível abstrato, em que se situam as unidades e os fenómenos estudados, completamente distinto do nível concreto – físico – no qual se encontram as unidades e os objetos da fonética. É importante realçar, neste momento, que a distinção entre a fonética e a fonologia, nos termos aqui traçados, não é apenas uma diferença de perspetiva sobre o mesmo objeto: os próprios objetos de uma e de outra são de natureza completamente distinta entre si – com a fonética a tomar 6

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como seus objetos materiais que pertencem ao mundo físico e a fonologia a tomar em consideração objetos puramente teóricos, abstratos, imateriais e racionais. Ambas as abordagens têm, naturalmente, pontos em comum (o que explicará que, em certos contextos, subsista uma certa confusão entre estes dois níveis de estudo e que, significativamente, surjam propostas de integração dos dois domínios ao nível da investigação científica, em paradigmas como a “fonética linguística” (cf., e.o., Keating 1985) ou a “fonologia de laboratório” (cf., e.o., Pierrehumbert et al. 2000)): em termos saussureanos5, ambas se aproximam da face significante – isto é, da dimensão das realizações linguísticas largamente independente do conteúdo semântico das mesmas. Contudo, e voltando às dicotomias de Saussure (1916), a fonética situar-seá no domínio da fala, ao passo que a fonologia se restringirá ao da língua. Na sua exposição pioneira dos argumentos em que se baseia esta divisão, Troubetzkoy (1939) afirma mesmo que a fonética é um ramo das ciências naturais, com ligações óbvias à acústica e à anatomia, que tem um objeto físico (as ondas sonoras) do qual se aproxima através de métodos laboratoriais e experimentais, e que a fonologia é, das duas, a única que pertence verdadeiramente ao domínio da gramática e da linguística – pertencendo, como tal, ao reino das ciências humanas: “C’est pourquoi il convient d’instituer non pas une seule, mais deux «sciences des sons du langage», l’une devant avoir pour objet l’acte de parole et l’autre la langue. Leur objet étant différent, ces deux «sciences des sons du langage[»] doivent employer des méthodes de travail tout à fait différentes: la science des sons de la parole, ayant affaire à des phénomènes physiques concrets, doit employer les méthodes des sciences naturelles ; la science des sons de la langue doit au contraire employer des méthodes purement linguistiques, psychologiques ou sociologiques. Nous donnerons à la science des sons de la parole le nom de phonétique et à la science des sons de la langue le nom de phonologie.”

(Troubetzkoy 1939: 3) Para Troubetzkoy (1939), portanto, tudo distingue a fonética da fonologia: os objetivos, a metodologia e os próprios objetos. Segundo o fundador da fonologia científica moderna, com efeito, ao empirismo estrito da fonética opõe-se de forma muito nítida o racionalismo da fonologia. O 5

Referimo-nos aqui às dicotomias língua/fala e significante/significado, de Saussure (1916). A primeira estabelece um contraste entre um sistema de regras abstrato e, nas palavras de Saussure (1916), “coletivo” (partilhado por todos os falantes) (=língua) e a sua realização concreta por parte de cada falante em cada momento (=fala). A segunda opõe, numa unidade linguística, a sua forma independente do conteúdo, muitas vezes identificada com o alinhamento de sons encontrado nas realizações de uma palavra (=significante), e o seu conteúdo semântico ou funcional (=significado) (cf. Saussure 1916: 27-24 ss., 30-32, 36-39, 97 ss.).

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objeto da primeira pertence ao universo das realidades físicas, concretas e materiais. Os sons da fala – ou fones, na terminologia americana posterior (cf., p. ex., Coxhead (2006), que nos apresenta uma discussão detalhada da distinção entre as unidades fonéticas e as unidades fonológicas) – são entidades físicas, sensorialmente acessíveis, registáveis com equipamento tecnológico adequado e sujeitáveis à quantificação e à mensuração (propriedades físicas e psicoacústicas das ondas sonoras que veiculam os fones, como a amplitude/intensidade, a duração e a frequência/altura podem ser medidas em unidades como os decibéis, os milissegundos e os Hertz). Os fones de uma língua são em número infinito (enquanto houver falantes de português, haverá produção de cadeias sonoras com vista à transmissão de significado linguístico nesta língua, p. ex.). Os fones são ainda irrepetíveis: uma vez articulado um determinado fone, a sua duração circunscreve-se a esse momento. Em sentido oposto, os modelos teóricos abstratos que presidem à realização e à perceção desses fones – os fonemas (Troubetzkoy 1939: 37-38, 41 ss.) – só são acessíveis à análise racional. São entidades puramente teóricas, armazenadas no conhecimento da língua dos falantes, em número finito e reduzido em cada língua. Enquanto modelos teóricos, têm uma representação durável nesse conhecimento, sendo recursivamente ativados na produção e processamento dos sons da fala; este reconhecimento torna-se patente quando qualquer um dos fones em número infinito é categorialmente reconhecido como a realização de um dos fonemas (=modelos teóricos) do inventário fechado armazenado pelo falante6. O lugar ocupado por cada fonema no sistema fonológico a que pertence é em grande medida determinado pela função linguística que ele detém em tal sistema. A principal função linguística do fonema, neste enquadramento teórico (a que chamaremos genericamente “fonologia estruturalista”, englobando nesta designação os autores que mais diretamente se reveem na herança epistemológica de Troubetzkoy (1939) e seus continuadores mais próximos), é a função distintiva. É esta função que confere ao fonema a capacidade de distinguir significados no próprio léxico da língua e que lhe assegura uma posição dentro do inventário fonémico da língua, baseada nas relações de proximidade e distância que irá estabelecer com os restantes fonemas desse sistema organizado. Trata-se de uma função imprescindível para se atribuir caráter fonémico a uma unidade fonológica 6

Como referimos nas notas 2, 3 e 10, este aspeto põe em evidência o carácter categorial da perceção da fala e a natu reza categorial do fonema enquanto unidade percetiva.

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segmental. Por outras palavras: um contraste fonético (contrapondo dois sons com características físicas distintas) será um contraste fonémico se e só se puder suportar um contraste semântico entre duas unidades linguísticas. A deteção desta função distintiva requer que se encontre para cada oposição fonémica da língua pelo menos um par mínimo7, ou seja, um par de palavras realmente existentes no léxico, com o mesmo número de segmentos sonoros sucessivos, iguais em todos os níveis da segmentação exceto num só, no qual a comutação de um som por outro acarrete obrigatória e necessariamente uma mudança de significado (exemplos em português: casa/caça; mala/mula; toca/coca). Os sons assim postos em destaque correspondem então a fonemas diferentes na língua: a partir destes escassos dados do português, poderíamos concluir, de acordo com os pressupostos de Troubetzkoy (1939), que os fones [z], [s], [a], [u], [t] e [k] encontrados nas palavras que acabamos de exemplificar correspondem a fonemas distintos nesta língua, que é possível e costume representar como, respetivamente, /z/, /s/, /a/, /u/, /t/ e /k/ 8. Fora desta condição de verificação estrita, e de acordo com os pressupostos da fonologia estruturalista, torna-se praticamente impossível aceitar ou refutar a existência de um fonema numa dada língua. Desta forma, convém ainda realçar que os fonemas veem a sua existência confinada a cada língua, podendo dar-se o caso de dois sons foneticamente contrastantes corresponderem, numa dada língua, a dois fonemas distintos (por oporem significados em pares mínimos), mas serem, numa outra língua, meras variantes (subfonémicas, não distintivas ou alofónicas) de um mesmo fonema. É o que se passa, por exemplo, com o par [g]/[γ]: não opondo significados em português, não são dois fonemas distintos nesta língua, sendo apenas duas realizações distintivas do mesmo fonema /g/9; já em turco, porém, opõem significados, pelo que corresponderão aos dois fonemas 7

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Tal como a designação fone, par mínimo surge explicitamente, no glossário técnico dos linguistas, com os autores estruturalistas americanos (cf. , p. ex., Jakobson & Waugh 1979: 11). Fones e fonemas costumam ser representados graficamente através, basicamente, dos mesmos símbolos do Alfabeto Fonético Internacional. Para se distinguir se estes símbolos dizem respeito ao nível fonético ou ao nível fonológico, adota-se a convenção de encerrar os símbolos do nível fonético entre parênteses retos ([k] representa, assim, um fone) e os símbolos do nível fonológico entre barras oblíquas (/k/ representa, desta forma, um fonema do português). Sobre algumas limitações associadas a estas convenções, vd. a nota seguinte. Poderíamos questionar-nos por que razão falamos, num caso como o exposto, de um fonema /g/ do português com as realizações fonéticas [g] e [γ] e não de um fonema /γ/ com essas mesmas realizações. Até certo ponto, julgamos que esta é uma falsa questão: se usássemos para a transcrição fonética e para a notação fonológica conjuntos de símbolos distintos, ou se os fonemas fossem referidos nas descrições linguísticas por códigos específicos ou com recurso a qualquer outra convenção (como uma matriz completa de traços, caracteres inspirados em alfabetos corren tes, símbolos alfanuméricos, pictogramas, letras maiúsculas, ...), esta questão, na verdade, não se colocaria. Pode-

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distintos /g/ e /γ/10 (cf. Zimmer & Orgun 1992). Assim, o fonema, além da sua imaterialidade (já antes referida), possuirá outras propriedades importantes: a sua indivisibilidade11 e, de extrema importância, a sua distintividade12.

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mos dizer que em português existe com valor fonémico uma consoante velar sonora que, dependendo do contexto e de outras variáveis, pode ser foneticamente realizada como oclusiva ([g]) ou como “aproximante” ou contínua não estridente ([γ]). O importante seria salientar que esta unidade abstrata se individualiza no português por poder opor significados como nos pares gato/bato ou baga/bala, p. ex., e que as várias realizações desse fonema assim posicionado no sistema fonológico da língua não são distintivas entre si. Poderíamos simbolizar esse fonema em abstrato através de convenções como, p. ex., /G/ ou /{g, γ}/ (ou ainda por algo como “fonema 325”; ou, como se faz por vezes, através de uma matriz combinatória de traços abstratos unários e/ou binários). De todas estas questões nos ocuparemos mais aprofundadamente noutro texto deste conjunto de notas de estudo, especificamente dedicado à unidade fonema. Por uma questão de tradição e de convenção, porém, é costume simbolizar cada fonema através de um símbolo do Alfabeto Fonético Internacional (ainda que os fonemas não sejam “sons fonéticos”, na verdade), sendo normalmente escolhido o correspondente a uma das realizações fonéticas do fonema. Em princípio, é escolhido o símbolo que corresponde à realização mais comum, mais independente do contexto e/ou mais “simples” do ponto de vista articulatório (isto é, com o que é caracterizado com um menor número de “traços”). A este respeito, tenham-se presentes as seguintes palavras de Spencer (1996): “It might be asked at this point why we choose to represent the phonemes […] the symbols /p t k/ rather than, say, /ph th kh/, or, indeed, entirely different symbols with no relation to phonetic transcription, such as /P T K/. First, phonologists tend to assume that the basic form of a phoneme is identical to its most widespread allophone. In addition, it is generally assumed that the basic form of a phoneme will be phonetically somehow ‘simpler’ than other forms. […] The decision can only be the result of a careful analysis of the phonological system. We chose that solution which gives us the simplest, most elegant overall description of the system.” (Spencer 1996: 8-9). A nível percetivo, portanto, [ g] e [γ] terão respostas diferentes junto de ouvintes nativos do português e do turco (vd. notas 2 e 3). Uma das evidências experimentais mais importantes da perceção categorial da fala consiste na ausência de discriminação intracategorial: em cada língua, os ouvintes sem treino fonético explícito não se mostram geralmente capazes, em testes de laboratório, de detetar percetivamente as diferenças entre estímulos fonéticos pertencentes à mesma categoria fonémica, sendo esta incapacidade adquirida ao longo do desenvolvimento linguístico na infância (Miyawaki et al. 1975; Werker & Tees 1984; Kuhl 1987; 1993; Mehler et al. 1988; Kuhl et al. 1992; Lacerda 1992; 1993; Jusczyk 1993; Werker & Polka 1993). Trata-se de um efeito já previsto por Troubetzkoy (1939: 54), que menciona o “filtro fonológico”, um efeito de filtragem, diferente de língua para língua e instalado nas capacidades percetivas dos ouvintes, que faz com que só os contrastes fonéticos com valor distintivo em cada língua sejam detetados auditivamente pelos respetivos ouvintes nativos. Assim, como dissemos, um ouvinte nativo do português não discriminará [g] e [γ], mas um ouvinte nativo do turco será capaz de tal discriminação. Para estudos experimentais deste tipo de efeitos das variáveis ligadas ao conhecimento (implícito) da língua sobre o processamento de contrastes fonéticos, cf., p. ex., além dos trabalhos acima referidos, estudos como os citados na nota 3; para uma exploração experimental deste tipo de efeitos relativamente ao português, cf. os nossos estudos anteriores em Veloso (1995; 1999). “Ces unités phonologiques qui, au point de vue de la langue en question, ne se laissent pas analyser en unités phonologiques encore plus petites et successives, nous les appellerons des phonèmes. Le phonème est donc la plus petite unité phonologique de la langue étudiée. La face signifiante de chaque mot existant dans la langue se laisse analyser en phonèmes et peut être représentée comme une suite déterminée de phonèmes.” (Troubetzkoy

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A dimensão “platónica” da divisão entre fonética e fonologia. Os objetos fonológicos como objetos puramente racionais A dicotomia clássica entre um nível fonético e um nível fonológico (cujas raízes não serão totalmente alheias à divisão platónica entre “mundo inteligível” e “mundo sensível” 13), conforme o que acabamos de expor, é assumida por diversos autores como um ponto de partida básico para qualquer entendimento fundamental das questões associadas a uma reflexão inicial como esta, conforme patente na seguinte citação, retirada de um outro manual universitário de introdução à fonologia: “The recognition of two levels of representation, a surface representation and a more abstract underlying representation, is the cornerstone of phonological theory.” (Gussenhoven & Jacobs 1998: 62; negrito nosso).

Assume-se assim um nível das realizações fonéticas – um nível material, físico, empiricamente constatável, aproximável do “mundo sensível” de Platão – oposto ao nível teórico, abstrato, imaterial e, no sentido platónico do termo, puramente “inteligível” das representações fonológicas (que subjazem às primeiras). Lass (1984: 9), reforçando a natureza puramente inteligível (racional) do nível fonológico, designa-o como inobservável14. Trata-se de um nível que só é alcançável a partir da análise racional e do encadeamento lógico-argumentativo; dada a natureza do objeto fonológico, todos os postulados possíveis a seu respeito têm um carácter eminentemente (ou mesmo obrigatoriamente) conjetural, na medida em que não são empiricamente verificáveis15; a análise dos dados fonéticos será uma, mas não a única, das vias de acesso de tipo 12

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1939: 37-38; negrito nosso). Para uma apresentação mais demorada da noção de distintividade, com algum destaque para o pensamento estrutu ralista a seu respeito e algumas referências aos estudos de fonética percetiva, cf. ainda o nosso estudo anterior em Veloso (1996). Para explicações filosóficas desta oposição, cf., p. ex., Ranzoli (1963: 1082), Ferrater Mora (1974: 219-220, 359360) e Runes (1983: 265). Atentemos, a título de exemplo, na seguinte explicação de um destes autores: “Quando è opposto a intelligibile [“sensibile”] designa tutto ciò che può divenire oggetto di percezione, vale a dire il mondo dei fenomeni; per opposizione a ciò che è oggetto dell’intendimento puro, ossia il mondo delle idee e delle relazioni astratte. Gli scolastici distinguevano la species sensibilis e la species intelligibilis (…).” (Ranzoli 1963: 1082). “That is, since many of the things we will be talking about are unobservables, i.e. structural principles, hypothesized units, etc. that ‘lie behind’ the observable reality we are trying to fathom, we will have to talk in terms of whether particular systems of hypotheses do better or worse jobs of making sense of the data. If anything, that’s what the whole [phonological] enterprise is about: making sense of things.” (Lass 1984: 9). Durand (1990) enfatiza que as representações abstratas postuladas pelos fonólogos são sempre “constructos teóri cos” provisórios, sujeitos a comprovação racional: “All representations and rules have the same status of ‘theoretical constructs’, not in the weak ‘conventionalist’ interpretation adopted by Bloomfield, but as descriptive statements

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inferencial para se chegar a uma descrição e caracterização das representações fonológicas abstratas.

***** Em síntese: resumo das principais características que opõem fonética e fonologia No quadro seguinte ((2)), contrapomos alguns dos principais critérios que permitem uma distinção sumária entre nível fonético e nível fonológico, partindo da leitura e interpretação do texto de Troubetzkoy (1939) e de outros autores e respetivas propostas que se lhe seguiram. Para a elaboração deste quadro, baseámo-nos na súmula das principais informações resumidas nas secções anteriores. (2). Principais argumentos de base da divisão fonética/fonologia FONÉTICA FONOLOGIA  “disciplina natural”  “disciplina linguística” 

objeto físico: os sons da fala (fones)





estudo dos sons em si mesmos, nas suas propriedades físicas e materiais (articulatórias e acústicas) “mundo sensível” (Platão) unidade mínima: fone (unidade física, irrepetível, empiricamente acessível, mensurável e quantificável) variação ilimitada dos fones



 



 



objeto imaterial, linguístico e gramatical (teórico, abstrato, “ideal”): os modelos teóricos (mentais) que presidem ao processamento dos sons da fala (fonemas, ...) estudo do comportamento e da função linguística dos sons e das suas propriedades “mundo inteligível” (Platão) unidade mínima: fonema (unidade teórica; modelo armazenado no conhecimento linguístico dos falantes) função distintiva dos fonemas (=modelos linguísticos razoavelmente estáveis e cristalizados no conhecimento implícito da língua dos falantes)

tentatively offered as true of a given domain.” (Durand 1990: 23; itálico nosso).

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No desenvolvimento destas considerações, procuraremos isolar algumas questões mais delimitadas que nos ajudarão a aprofundar, em várias vertentes específicas, a distinção entre a abordagem fonética e a abordagem fonológica à “face significante” (ou “exposta”) da língua 16. Algumas das implicações desta distinção que serão focadas nos parágrafos seguintes foram já objeto de alguma exposição e desenvolvimento nas secções precedentes.

Variação e fixidez das unidades fonéticas e fonológicas No nível fonético, como já foi referido, as unidades encontradas caracterizam-se por uma grande dispersão e variação das suas propriedades acústicas e articulatórias. Esta dispersão é atribuível a uma grande quantidade de fatores, de entre os quais se destacam a origem geográfica (dialetal) e social (socioletal) dos falantes, as características físicas do aparelho fonador de cada locutor, a situação de comunicação precisa (situação formal vs. situação informal; discurso de débito rápido vs. discurso de débito lento; etc.), a vizinhança fonética (o contexto) em que cada som se realiza, etc. Quer isto dizer, p. ex., que uma palavra do português como “baixo” pode dar origem a um número teoricamente infinito de realizações fonéticas diferentes. De algumas dessas formas diferentes podemos aperceber-nos de forma quase “intuitiva” (p. ex., qualquer falante será capaz de dizer se determinada produção desta palavra efetivamente ouvida inclui ou não a presença de uma semivogal anterior antes da consoante palatal, sendo genericamente possível distinguir com facilidade entre [ˈbajʃu] e [ˈbaʃu]). Porém, para a deteção de outras variações, mais subtis, será necessário ou conveniente o recurso a técnicas laboratoriais de análise acústica (que nos permitiriam verificar, p. ex., diferenças por vezes mínimas nos valores de intensidade e frequência dos diversos formantes das vogais da palavra, da duração do ditongo – nas realizações em que haja ditongo, naturalmente – ou da fricativa surda, entre outras marcas fonéticas). Poderíamos mesmo verificar, através da análise laboratorial, que distintos falantes – e, inclusivamente, que o mesmo falante – em ocasiões diversas produzirão cada um dos sons da palavra de formas acusticamente diferentes, 16

“Face exposta da língua” é uma expressão, encontrada no título da obra de Mateus (2002), que, quanto a nós, se aplica de forma muito adequada para se fazer referência à face “significante” da língua que, com base nos ensinamentos de Saussure (1916) e Troubetzkoy (1939), é a que é estudada pela fonologia.

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podendo mesmo, em algumas ocorrências, elidir alguns desses sons e/ou acrescentar-lhe alguns segmentos: [ˈbajʃu], [ˈbajʃ], [ˈbaʃ], [ˈbaʃw], … Esta variação é obrigatoriamente tida em conta na abordagem fonética. À fonologia, por contraste, interessará a abstração de toda essa variação. Uma das motivações para esta abstração reside em que todas as realizações materialmente diferentes da mesma palavra (ou do mesmo som, a um outro nível) não são distintivas – não opõem significados – entre si. Assim, a fonologia procura determinar para cada “som”, para cada morfema, para cada palavra da língua uma única forma teórica invariável. Esta forma teórica, fixa e invariável para cada palavra da língua, é, em conformidade com o que já dissemos antes, uma forma conjetural, postulada ou reconstituída pelos fonólogos unicamente com base nas análises racionais e formais das estruturas linguísticas abstratas, baseada numa observação inicial de dados de natureza fonética posteriormente completada com a consideração de níveis linguísticos superiores. Podemos assim afirmar que cada palavra da língua admite um número muito elevado (e potencialmente infinito) de realizações fonéticas possíveis, mas uma e só uma representação teórica, fixa e invariável, armazenada no conhecimento da língua implícito dos falantes. Se o número de representações teóricas fosse igual ao número de realizações fonéticas, não seriam possíveis nem o armazenamento de um léxico que possibilitasse a comunicação linguística – os recursos de processamento têm de ser necessariamente finitos, para poderem ser armazenados num meio físico finito como o cérebro humano e para assegurarem um processamento rápido da informação linguística –, nem, consequentemente, o reconhecimento das palavras17. Este mesmo aspeto é explicado de forma muito clara por Freitas et al. (2012) nos seguintes termos, e partindo da alternância entre realizações fonéticas da vogal da raiz derivacional corp- do português (em palavras como corpo [ˈkoɾpu], corpos [ˈkɔɾpuʃ] e corporal [kuɾpuˈɾał]):

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Vd. nota 19.

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“Queremos dizer com isto que se trata de três segmentos fonológicos do Português? Certamente que não, uma vez que sabemos que o radical destas três palavras é o mesmo, remetendo para o significado “parte física dos seres animados”. Por outras palavras, no léxico do Português, não queremos ter três representações de três radicais distintos para corpo [ˈkoɾpu], corpos [ˈkɔɾpuʃ] e corporal [kuɾpuˈɾał]), uma vez que o radical nestas palavras transporta um mesmo valor semântico, o que as transforma em palavras da mesma família lexical. O que queremos é um sistema que seja capaz de captar o facto de as vogais [o], [ɔ] e [u] serem três formatos fonéticos diferentes de uma mesma unidade fonológica (/o/), integrando um mesmo radical […] e não três radicais distintos, cada um com sua vogal […]” (Freitas et al. 2012: 42)

O reconhecimento de formas foneticamente diferentes do mesmo morfema faz-se justamente através da confrontação de sinais acústicos muito díspares e em número infinito com um número relativamente reduzido de modelos consideravelmente invariáveis de reconhecimento e processamento que asseguram, entre outros resultados importantes, a atribuição de significado às cadeias fonéticas. Tomemos o seguinte exemplo: a palavra livro – que, em português, tem um único significado básico – conta, foneticamente, com um número muito extenso (potencialmente infinito, como dissemos) de realizações possíveis, de que as formas [ˈlivɾu] [ˈliβɾu] [ˈlivɾ] [ˈli̥v̥ɾ̥u] [ˈli̥v̥ɾ] [ˈli̥β̥ɾ], etc., são somente alguns exemplos genéricos. Um ouvinte do português, confrontado com qualquer uma destas (ou de outras) realizações fonéticas, reconhecerá em todas elas um significante que remeta para o significado de “livro”. Isso só se torna possível, lógica e necessariamente, se todas estas formas forem associadas, a um nível superior de processamento, a uma e só uma forma teórica (que podemos aqui representar, de momento, como /livɾ+u/), altamente independente de variações individuais. O postulado de uma forma teórica única para cada unidade da língua não só assegura, assim, o princípio da economia estrutural e descritiva da língua 18, como respeita também as exigências mais fundamentais do processamento linguístico, do armazenamento lexical e do reconhecimento de um significado estável a partir de sinais fonéticos muito variados. A inexistência de uma representação teórica invariável para cada morfema ou palavra da 18

Entendemos aqui por economia estrutural a propriedade de as gramáticas serem maximamente reduzidas, em virtude, nomedamente, da sua finitude e da finitude do aparato cognitivo e físico em que se encontram instaladas.

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língua impossibilitaria, de facto, o processamento linguístico, e a existência de tantos modelos quantas as formas foneticamente diferentes – o que, dado o número infinito de produtos fonéticos, é uma possibilidade meramente teórica – tornaria o processamento linguístico lento e pesado 19, virtualmente impossível, pois não permitiria o acesso a representações partilhadas por todos os falantes que explicassem a convergência de intenções comunicativas entre diferentes sujeitos, em diferentes momentos, dentro da mesma comunidade linguística. Admitimos então as unidades e as representações fonológicas como detentoras de modelos teóricos fixos, “cristalizados”, como tal presentes no conhecimento da língua dos falantes, largamente invariáveis de sujeito para sujeito 20. A fonologia procura na cadeia sonora que é a manifestação externa do seu objecto reflexos dos grandes princípios organizadores que estruturam a gramática da língua, semelhantes aos que regem domínios centrais da língua como a sintaxe ou a morfologia. Representações e realizações Deixámos claro, na primeira parte deste texto, que a diferença entre a fonética e a fonologia radica numa diferença entre os objetos de uma e de outra: a fonética ocupa-se de sons em concreto – isto é, de realizações físicas – e a fonologia estuda os modelos teóricos que subjazem a essas realizações sonoras. Tais modelos recebem em fonologia o nome de representações. Sendo componentes da gramática implícita, as representações são objetos cognitivos, “mentais”, no sentido de Chomsky (1986). Esta distinção entre um nível representacional fonológico (em que cada representação, como vimos, é teoricamente invariável) e um nível realizacional fonético (caracterizado pela grande variação dos produtos atestados) é outro dos argumentos fundamentais para compreendermos 19

20

Como salientam Gussenhoven & Jacobs (1998: 57-58), apoiados em investigação psicolinguística, o processamen to linguístico ficaria muito comprometido se a identificação lexical tivesse de percorrer uma lista mais “pesada” (quantitativa e qualitativamente) de entradas lexicais. Estamos, naturalmente, a partir de um quadro conceptual como o proposto pela teoria generativa, desde os seus tex tos iniciais (como Chomsky 1965) até textos programáticos posteriores (como Chomsky 1986; 1995), nos quais se propõe que todos os falantes da língua tenham interiorizado um conjunto de conhecimentos implícitos da sua língua – a sua gramática implícita –, largamente invariáveis, nas suas propriedades nucleares, de sujeito para sujeito. Na forma como expusemos este assunto no corpo do texto, não admitimos explicitamente, embora aqui a reconheçamos, a possibilidade de estas representações teóricas das unidades linguísticas variarem limitadamente ao longo das várias etapas da história da língua e, a uma escala muito limitada, em função de alguns fatores como a dispersão ge ográfica e sociodemográfica dos falantes.

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melhor a diferença entre o nível fonológico e o nível fonético de que aqui nos ocupamos. Um princípio muito importante desta relação entre o nível das realizações e o das representações, no qual insistimos novamente neste mesmo momento da nossa apresentação, é o de que qualquer unidade linguística (uma palavra, um morfema ou um fonema) contará sempre com um número infinito de realizações possíveis mas com uma e só uma representação teórica. Podemos designar esta relação assimétrica entre realizações e representações como Princípio da Unidade de Representação (PUR), formalizável da seguinte forma: (3). Princípio da Unidade de Representação (PUR) Numa dada língua, qualquer unidade lexical ou gramatical (palavra, morfema, fonema, etc.) tem, a nível das representações teóricas, uma e só uma forma teórica invariável, independentemente do número potencialmente infinito de correspondentes realizações fonéticas possíveis.

Alternâncias morfofonológicas Um outro conjunto de dados linguísticos que põem em destaque a distinção e as especificidades do nível fonético e do nível fonológico, e que se relaciona com a distinção entre contrastes fonémicos e não fonémicos, encontra-se nas chamadas alternâncias morfofonológicas (AMF): contrastes regulares entre realizações fonéticas do mesmo morfema que variam em função de certas propriedades fonológicas ou morfológicas patentes nas formas de superfície em que se integram. Encontramos um exemplo deste tipo de fenómeno nas oposições entre vogais semifechadas e semiabertas que acompanham as oposições entre nomes e verbos num vasto conjunto de raízes derivacionais do português, conforme exemplificado nos casos de harmonização vocálica de (4): na primeira coluna do quadro, apresentamos diversas raízes derivacionais desta língua (em transcrição ortográfica). A última vogal desta raiz realizar-se-á, por harmonização vocálica com a vogal temática da palavra em ocorrerá, como semifechada se tal raiz se combinar com morfemas por forma a gerar um nome de tema em /u/ (vogal fechada) (vd. segunda coluna do quadro); se a raiz

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sofrer um processo combinatório por forma a dar origem a uma forma de um verbo da primeira conjugação (com vogal temática /a/, aberta), a sua última vogal realizar-se-á, através do mesmo processo, como semiaberta (vd. terceira coluna do quadro). Sublinhe-se que, nestes casos, o grau de abertura da vogal da raiz é claramente condicionado de forma muito sistemática e regular pelas propriedades morfológicas da palavra, conforme tentamos aqui explicar.

(4) . Um exemplo de alternância morfofonológica condicionadora da realização fonética divergente dos mesmos morfemas teóricos: Harmonização vocálica, abertura da última vogal da raiz derivacional e classe gramatical/classe temática Nome Verbo (vogal semifechada) (vogal semiaberta) [e] [ε] desprez[dɨʃˈpɾezu] [dɨʃˈpɾεzu] govern[guˈveɾnu] [guˈvεɾnu] segred[sɨˈgɾedu] [sɨˈgɾεdu] começ[kuˈmesu] [kuˈmεsu] acert[aˈseɾtu] [aˈsεɾtu] [o] [ˈʒogu] [ˈʃoɾu] [ałˈmosu] [ˈfoRu] [kõˈsolu]

jogchoralmoçforrconsol-

[ɔ] [ˈʒɔgu] [ˈʃɔɾu] [ałˈmɔsu] [ˈfɔRu] [kõˈsɔlu]

A importância deste tipo de dados para o estabelecimento da diferença entre o nível fonético e o nível fonológico reside no seguinte: de um ponto de vista estritamente fonético, os contrastes [e]/[ε] e [o]/[ɔ] dos pares encontrados em (4) – os quais são motivados por características gramaticais das formas morfológicas em que estas vogais ocorrem – não se distinguem do que acontece em pares como sede [ˈsedɨ] vs. sede [ˈsεdɨ] ou corte [ˈkoɾtɨ] vs. corte [ˈkɔɾtɨ], p. ex., em que esta motivação morfossintática não existe. Foneticamente, não existe nenhuma distinção entre todos estes caso (tal como não existia, conforme vimos no início destas notas, nas distinções [ʃ]/[ʒ] 18

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de queixo/queijo e as casas/as meninas). No entanto, para a explicação cabal deste tipo de fenómenos, torna-se absolutamente necessário introduzir um nível suplementar (e mais abstrato) de observação, que incorpora a informação gramatical das palavras, para darmos conta devidamente dos diferentes tipos de oposição que, no plano da descrição teórica do sistema linguístico, temos em presença e para podermos postular representações abstratas subjacentes diferentes para as diferentes formas fonéticas atestadas21. Nos exemplos que acabamos de apresentar, com base em todos os argumentos previamente apresentados e discutidos, poderíamos estabelecer uma tabela de correspondências entre fones e fonemas, para os segmentos em causa, como em (5)22.

21

22

Num outro texto deste conjunto de notas de estudo, relativo à noção de fonema e ao estabelecimento do inventário fonémico do português, aprofundaremos melhor a própria noção de forma subjacente e, ainda, um conjunto de questões relacionados com a sua determinação, especificação e notação simbólica. No presente caderno, temos considerado de forma quase exclusiva o fonema como a única unidade fonológica (e o nível segmental como o único nível fonológico pertinente), por razões que se prendem com o carácter introdutório destas notas explicativas; futuramente, serão apresentadas outras unidades e níveis da organização fonológica das línguas. Deixamos para um outro módulo deste curso a justificação de algumas opções de notação transpostas para o qua dro (5). De momento, refira-se somente que representações teóricas como /e/, /ε/, /o/ e /ɔ/ assumem que, no nível mais abstrato das representações fonológicas, o grau de abertura vocálica se encontra já completamente especificado, por assegurar a distinção de entradas lexicais como sede [ˈsedɨ] ≠ sede [ˈsεdɨ] ou corte [ˈkoɾtɨ] ≠ corte [ˈkɔɾtɨ]. Representações como /E/ e /O/ admitem que, nesse nível mais abstrato, em que as raízes derivacionais não se en contram sequer combinadas com outros morfemas para darem origem a palavras da língua, o grau de abertura vocálica não se encontra ainda completamente especificado (estamos, portanto, perante segmentos lexicalmente subespecificados). Tal especificação resultará de operações pós-lexicais como, justamente, a combinação das raízes com vogais temáticas, pelo que a abertura vocálica não assegura, ainda, nenhuma oposição lexical.

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(5). Correspondência entre realizações fonéticas e representações fonológicas Forma/palavra

Realização fonética da última vogal da raiz

Representação fonológica da última vogal da raiz

[desprezo]Nome

[e]

/E/

[desprezo]Verbo

[ε]

/E/

[almoço]Nome

[o]

/O/

[almoço]Verbo

[ɔ]

/O/

[sede]Nome (≈necessidade de ingestão de [e]

/e/

líquidos)

[sede]Nome (≈edifício principal de uma

[ε]

/ε/

[corte]Nome (≈grupo de individualidades [o]

/o/

empresa ou organização) que tem acesso direto ao rei)

[corte]Nome(≈resultado da ação de

[ɔ]

/ɔ/

“cortar”, entre outros signifidados)

***** Nos exemplos e observações que reunimos, de forma muito sintética, nos parágrafos anteriores, quisemos explicitar as principais motivações que subjazem à distinção de base entre um nível fonético e um nível fonológico e, consequentemente, à diferenciação entre as abordagens diferentes da fonética e da fonologia. O nível fonológico, como se depreende dos dados do português que foram apresentados, só é corretamente apreendido se a análise do material linguístico fizer apelo a fenómenos, regularidades, relações e dados que não são absolutamente aparentes a partir da mera observação empírica dos objetos físicos fonéticos. É nesse sentido, também, que se pode dizer que a fonologia é uma ciência formal e abstrata, que procura certas relações aparentemente “invisíveis”23 entre objetos imateriais.

23

Alguns autores, na senda de Kiparsky (1973), falam desta propriedade das representações fonológicas em termos de opacidade fonológica. Cf., p. ex., o livro de McCarthy (2007) e, para um exemplo da discussão que esta publicação suscitou, o artigo de Angoujard (2009).

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2. A FONOLOGIA COMO UM MÓDULO DA GRAMÁTICA (UM “OBJETO”) OU COMO UM CAPÍTULO DA DESCRIÇÃO LINGUÍSTICA (UMA “DISCIPLINA”)

Temo-nos referido, até ao momento, à fonologia como uma subdisciplina da linguística, o que equivale a dizer que este termo designa um ramo do saber que estuda um objeto externo (a organização fonológica das gramáticas). Porém, este termo apresenta, como pretendemos fazer ver na presente secção, mais do que uma aceção. As várias aceções de fonologia que, por isso, deveremos ter sempre presentes na continuação do nosso texto relacionam-se e decorrem das várias aceções que encontramos, no quadro da linguística generativa, associadas ao termo gramática (de que a fonologia é uma componente). Recordamos aqui que, nesta corrente teórica (p. ex.: Chomsky 1986; 1995; Raposo 1992), a gramática é concebível como: (i) o conjunto de todos os mecanismos que asseguram a boa formação de todos os produtos linguísticos, ou (ii) o conhecimento mental interiorizado desses mecanismos. Uma conceptualização da gramática como a que acabamos de sintetizar pode ser encontrada, conforme dissemos, em vários textos de carácter mais teórico ou programático do principal mentor da gramática generativa (cf., p. ex., e para além dos já citados: Chomsky 1957: 15, 16, 64; 1965: 1516; 1984: 12; Chomsky & Halle 1968: 3-4). A gramática é assim assumida como uma parcela das disposições cognitivas dos indivíduos, ou seja, como a parte dos conhecimentos implícitos da cognição humana que diz respeito às estruturas e aos princípios que regulam toda a atividade linguística. A posse de um conhecimento implícito 24 da língua corresponde, de acordo com esta 24

Diz-se que este conhecimento é implícito na medida em que os sujeitos falantes, capazes de gerar, processar e ava liar um número ilimitado de frases de forma automática e não necessariamente consciente, não têm obrigatoriamente a capacidade de explicitar os princípios abstratos que subjazem a essas atividades. Tal capacidade é encontra-

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perspetiva, a uma faculdade intrínseca à própria especificação biológica do Homem, formatada por fatores de natureza biológica e resultante de uma predisposição inata para se adquirir uma língua de forma inconsciente, não formal e relativamente rápida a partir de uma exposição mínima a estímulos linguísticos (cf., entre muitos outros: Chomsky 1986; Raposo 1992; Pinker 1995). Concordantemente com esta posição que aceita a gramática como uma componente do conhecimento implícito dos falantes de uma língua, aceitaremos a fonologia – que é um dos “módulos” da gramática – como: - (i) o conjunto de todos os mecanismos que asseguram a boa formação fonética de todos os produtos linguísticos; - e (ii) o conhecimento mental interiorizado desses mecanismos. Por outras palavras: por fonologia poderemos entender quer um conjunto de mecanismos fonológicos responsáveis pela boa formação fonética de todos os enunciados da língua, quer a representação mental e cognitiva, implícita e interiorizada de todos esses mecanismos no conhecimento da língua de cada falante. A explicitação desses mecanismos e da sua representação mental implícita corresponde, consequentemente, ao objetivo principal do fonólogo, o que permite que atribuamos ao termo fonologia uma terceira aceção, que faz dela uma subdisciplina da linguística. O esquema apresentado em (6) pretende visualizar esta “tripla aceção” que podemos passar a atribuir, em face do exposto, ao termo “fonologia”. (6). A “tripla aceção” de fonologia FONOLOGIA: 

Subonjunto

de

mecanismos

linguísticos/gramaticais

(=“mecanismos

fonológicos”) 

Conhecimento implícito dos mecanismos fonológicos



Descrição explícita dos mecanismos fonológicos

da num conjunto mais restrito de falantes, como, p. ex., os linguistas, que a desenvolvem no âmbito de uma experi ência cultural, formal e deliberada, que visa a consciencialização explícita e a capacidade de verbalizar a atividade linguística dos falantes em geral. Segundo Chomsky (1986), o conhecimento da língua implícito encontra-se fisicamente instalado no aparato biológico dos falantes, no sistema a que o autor chama a “mente/cérebro”. Para uma apresentação mais aprofundada e mais geral da faculdade da linguagem no quadro do pensamento chosmkyano, remetemos para, entre outras, as obras de Chomsky (1986), Raposo (1992) e Pinker (1995).

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Tal como a gramática (implícita) se confunde, em Chomsky (1986), com conhecimento da língua, podemos dizer que uma das dimensões possíveis de fonologia será então a de conhecimento fonológico. A seguinte citação de Burton-Roberts, Carr & Docherty (2000), justificando o título do livro de que é retirada (Phonological Knowledge), ilustra bem este ponto de vista: “As the title Phonological Knowledge indicates, we have assumed that phonological theory is about a form of knowledge. The assumption that phonological theory is about a form of knowledge is generally based on two other assumptions: (a) that phonological theory is part of linguistic theory, and, a specifically Chomskian assumption, (b) that linguistic theory in general is about a form of knowledge.” (Burton-Roberts, Carr & Docherty 2000: 2)

A posse de uma gramática implícita manifesta-se, nos falantes, pela sua capacidade de processar um número infinito de frases. A nível da componente fonológica da gramática implícita, a evidência de que os sujeitos são possuidores do conhecimento fonológico implícito que acabamos de mencionar e cuja descrição explícita cabe aos fonólogos encontra-se na capacidade genérica que os falantes de qualquer língua têm de reconhecer intuitivamente uma cadeia fonética como bem formada ou anómala do ponto de vista fonológico. Esta capacidade requer que qualquer falante “saiba”, implícita e intuitivamente: -

quais são os segmentos e contrastes que fazem parte do inventário fonémico da sua língua e quais são os que não integram tal inventário;

-

quais são os contrastes distintivos e não distintivos da língua;

-

quais podem ser os sons que correspondem a variedades articulatórias (fonéticas) de cada fonema;

-

quais são as principais formas fonéticas associadas a cada entrada lexical;

-

de que forma se combinam os sons para formarem unidades mais complexas, como, p. ex., as sílabas;

-

quais são as combinações sonoras permitidas e não-permitidas;

-

quais são os contornos entoacionais associados a certas propriedades gramaticais e 23

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pragmáticas dos enunciados; -

quais são os mecanismos de atribuição do acento de palavra.

Exemplificando, de forma relativamente simples: qualquer falante do português rejeitará sequências como [ˈɟɞθʉ] ou [bvgzlna] como palavras da sua língua, no primeiro caso por conter segmentos estranhos ao inventário fonológico do português, no segundo porque, apesar de todos os segmentos serem existentes enquanto fonemas do português, eles estão combinados de forma “ilegítima” na língua. Simultaneamente, mesmo que não seja capaz de lhes associar um conteúdo semântico, o mesmo falante do português poderá aceitar como palavras possíveis (“potenciais”) do português sequências como [ˈlɔkiɾu] ou [nɨˈsibɾɐ], que combinam fonemas da língua de acordo com as regras de constituição silábica e atribuem proeminências silábicas conformes às regras de acentuação de palavra previstas pela fonologia da língua. *****

Podemos então concluir que o termo fonologia adquire duas dimensões diferentes: por um lado, a fonologia é um ramo do saber que estuda determinados fenómenos que, de certa forma, lhe são externos; por outro lado, a fonologia é uma componente do conhecimento implícito dos falantes que contém os fenómenos estudados pela fonologia na primeira aceção. Nas presentes notas, teremos sempre presente esta dupla aceção do termo. Por um lado, procuraremos descrever as regularidades que parecem subjazer à organização gramatical do sistema dos sons da língua, assumindo sempre, em consonância com os princípios teóricos e programáticos do generativismo, que tais regularidades têm sempre alguma correspondência mental e cognitiva na mente/cérebro dos falantes.

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