Introdução à Psicopatologia e à Neurobiologia das Adições e Dependências Químicas e Comportamentais

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Psicopatologia e Neurobiologia dos Comportamentos Aditivos

Introdução à psicopatologia e à neurobiologia das adições e dependências químicas e comportamentais Hélio Tonelli O primeiro contato do ser humano com substâncias aditivas se deu há milhares de anos, quando nossos ancestrais caçadores-coletores já consumiam plantas capazes de modificar suas percepções, humor, cognição e níveis de consciência. Muitas das substâncias contidas nestas plantas também causavam um efeito recompensador, a despeito da ausência de valor nutritivo, reforçando sua procura e uso. O efeito recompensador de substâncias contidas nas folhas de tabaco, coca e maconha, por exemplo, faz com que seus usuários tendam a apresentar um comportamento de uso repetitivo, muitas vezes descontrolado e potencialmente comprometedor em diversas esferas da vida, característicos das adições. A compreensão das adições químicas e comportamentais (como o jogo patológico, o comprar patológico, as dependências de sexo, de internet e de redes sociais, as adições a exercícios físicos e o amor patológico) sempre envolveu o neurotransmissor dopamina, sabidamente liberado em contextos de gratificação (mas também em situações aversivas), todavia, do ponto de vista científico, esta compreensão vai muito além da popular crença de que o uso repetitivo de substâncias de abuso ou as dependências comportamentais acontecem apenas porque estes comportamentos estimulam a liberação de dopamina em áreas cerebrais relacionadas ao processamento das recompensas. Sabe-se que a dopamina também atua em mecanismos de condicionamento e aprendizado muito importantes na configuração de comportamentos aditivos. Definindo termos Uma adição ou um comportamento aditivo caracterizam-se por qualquer comportamento executado compulsivamente em que um indivíduo busca um estado de gratificação imediata. Este estado pode acontecer na forma de alivio de um desconforto, como a tensão, um humor negativo ou até mesmo os sinais de abstinência de uma substância; bem como na forma da procura por um estado de euforia ou de bem estar. Além disso, o comportamento aditivo persiste apesar de suas consequências adversas e de tentativas de inibi-lo ou interrompê-lo. Os componentes cardinais de uma adição são a saliência, a modificação do humor, a tolerância, a abstinência, o conflito e as recaídas. Por saliência subentende-se que o comportamento aditivo passa a ter prioridade na vida 1



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do sujeito, isto é, a adição assume a posição daquilo que é mais importante para o adicto. Modificação do humor, na forma de indução de afetos agradáveis ou fuga de afetos desagradáveis é o que todo o adicto busca. Tolerância refere-se à diminuição dos efeitos da repetida exposição a uma substância em doses constantes, sendo necessários aumentos progressivos da dose para obtenção dos efeitos desejados. A tolerância deriva de respostas celulares à excessiva exposição a uma droga e tem como objetivo compensar os seus efeitos sobre o organismo. A tolerância reflete o papel de diversos mecanismos envolvidos na criação de resistência do organismo a uma substância sistematicamente utilizada. Por exemplo, usuários de álcool acabam desenvolvendo um tipo de tolerância chamado de tolerância farmacocinética, em que enzimas do fígado aumentam sua capacidade de “desintoxicar” o organismo do álcool, fazendo com que os usuários precisem de doses maiores para obter os mesmos efeitos que esperam, já que seu corpo tornou-se mais “competente” para livrá-los dos efeitos físicos do etanol. A tolerância farmacológica não tem um papel importante em outras drogas que não o álcool. A maioria dos demais fenômenos de tolerância é incorporada ao termo tolerância farmacodinâmica, que diz respeito às alterações promovidas pelas substâncias de abuso no cérebro, gerando habituação. Quando os efeitos de uma droga aumentam com seu uso repetitivo, diz-se que houve sensibilização, um fenômeno muito comumente associado a estimulantes. De forma geral, os efeitos estimulantes de uma droga tendem a gerar sensibilização e os efeitos depressores tendem a diminuir em razão da tolerância. Abstinência é um termo que define grupos de sintomas e sinais que surgem

quando

uma

substância

utilizada

sistematicamente

é

abruptamente

descontinuada. É importante saber que os sintomas de abstinência são diferentes para substâncias diferentes e que nem toda a droga de abuso os causa. Há quem não concorde que a abstinência seja um dos comemorativos clínicos essenciais de uma adição, na medida em que algumas substâncias, como as anfetaminas e a cocaína, não provocam sinais físicos de abstinência como o álcool e os opióides. Tolerância e abstinência são, no entanto, considerados os principais componentes da dependência física, os quais resultam de adaptação fisiológica do organismo. O termo dependência psicológica define um estado mental em que há um conjunto de crenças, afetos e percepções relacionados à necessidade de consumir uma droga ou de se envolver em um comportamento aditivo. A dependência psicológica surge porque os estados aditivos cooptam sistemas cerebrais de processamento de recompensas responsáveis por estados motivacionais fisiológicos como a fome, a sede e o desejo sexual, e também por estados 2



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motivacionais patológicos como as “fissuras” ou cravings observados em dependentes químicos. Nestes estados motivacionais patológicos existe um desejo excepcionalmente forte por procurar e consumir uma substância ou executar um comportamento aditivo. Sabemos que estados motivacionais mudam nossa visão de mundo, priorizando determinados comportamentos a outros. Por exemplo, quando estamos famintos prestamos muito mais atenção aos alimentos do que quando saciados. Estados motivacionais modificam nossa atenção, seleção de objetivos, investimento de energia e responsividade a diferentes estímulos, direcionando o comportamento para a satisfação de demandas homeostáticas e/ou reprodutivas. Conflito e recaídas são comuns na rotina de quem sofre de uma adição, pelo caráter imperativo que ela assume. Conflitos nas esferas familiar, profissional e financeira acontecem porque frequentemente elas são deixadas de lado ou em segundo plano na vida de um usuário de droga. Recaídas derivam do fato de que as adições são fenômenos persistentes, ou seja, não somente é difícil interromper o uso ativo de uma droga como o risco de voltar a usá-la após pode persistir por anos ou até por toda a vida, mesmo após longos períodos de abstinência. As adições são, portanto, doenças crônicas afetando sistemas cerebrais de recompensa, motivação e memória, em que fenômenos relacionados à plasticidade sináptica originam um “traço aditivo” que mantém o comportamento compulsivo a despeito de suas consequências negativas. Neurobiologia das adições Muitos dos estudos sobre os mecanismos neurais subjacentes às adições utilizaram modelos experimentais baseados em autoestimulação elétrica cerebral, em que animais experimentais são treinados a procurar pela estimulação de determinadas áreas do cérebro, tornando-se ávidos por continuarem a receber tais estímulos. O fenômeno da procura incessante pela estimulação cerebral observado nestes experimentos é denominado recompensa pela estimulação cerebral e ele mimetiza as propriedades recompensadoras de eventos naturalmente estimulantes. A circuitaria cerebral que medeia a recompensa é amplamente distribuída pelo cérebro; assim, efeitos recompensadores podem ser obtidos pela estimulação elétrica em diversos níveis cerebrais, desde o bulbo olfatório até o núcleo do trato solitário. Sítios particularmente envolvidos estão distribuídos ao longo do fascículo telencefálico medial, uma estrutura que, quando estimulada, ativa neurônios dopaminérgicos da área 3



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tegmental ventral do mesencéfalo. Estes neurônios projetam para o núcleo accumbens (o maior componente do estriado ventral), para a porção ventromedial da cabeça do núcleo caudado (no estriado dorsal), para o telencéfalo basal e para regiões do córtex pré-frontal. Quando ativados, os neurônios da área tegmental ventral aumentam comportamentos de procura por gratificação ou por recompensa que, são experimentados

subjetivamente

como

prazer

antecipatório.

Estes

neurônios

dopaminérgicos recebem influências regulatórias de outros neurotransmissores, como a acetilcolina e o ácido gamaminobutírico (GABA). Em tese, drogas e comportamentos aditivos recrutam os circuitos cerebrais dopaminérgicos de processamento da recompensa, direta ou indiretamente. Estudos que registram as concentrações extracelulares de dopamina no núcleo accumbens e outras estruturas cerebrais por um método denominado microdiálise por cateter demonstram que todas as drogas de abuso aumentam a quantidade extracelular de dopamina nestas regiões do cérebro. De fato, muitos estudos de microdiálise mostram que existem aumentos transitórios da concentração de dopamina no núcleo accumbens após administração de morfina, etanol, nicotina, anfetamina e cocaína. Drogas que não têm este efeito não parecem ter um potencial aditivo. A hipótese dopaminérgica das adições tem sido reiteradamente desafiada pela comunidade científica; por exemplo, demonstrou-se que ratos que não possuem a proteína transportadora da dopamina, também chamada de bomba de recaptação de dopamina – a qual tem sua função inibida pela cocaína, o que aumenta a concentração sináptica do neurotransmissor e, portanto, sua ação – podem, surpreendentemente, continuar a se autoestimular. Isso acontece porque estes animais acabam por desenvolver um mecanismo compensatório de recaptação de dopamina através de proteínas transportadoras de outros neurotransmissores, as quais também são inibidas pela cocaína. Estas observações estimularam o desenvolvimento de animais experimentais desprovidos de bombas de recaptação para outros neurotransmissores. Estes animais, quando expostos à cocaína, não desenvolvem autoestimulação, apesar de apresentarem o fenômeno quando são expostos às anfetaminas. Isso acontece porque estas substâncias têm um mecanismo de ação dopaminérgico diferente da cocaína, não afetando a proteína transportadora da dopamina. As anfetaminas penetram os terminais pré-sinápticos dos neurônios dopaminérgicos através da bomba de recaptação da dopamina e, uma vez no citoplasma, elas promovem transporte reverso da dopamina 4



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para fora das vesículas e para fora da membrana pré-sináptica, devolvendo-a à sinapse, onde terá sua ação prolongada. Pode-se afirmar que, enquanto a cocaína é um inibidor da recaptação de dopamina, as anfetaminas são estimulantes de sua liberação. A morfina tem suas propriedades reforçadoras originárias em um pequeno núcleo do tronco cerebral contendo neurônios gabaérgicos, o núcleo pedúnculopontino tegmental. Estes neurônios exercem atividade inibitória sobre os neurônios dopaminérgicos da área tegmental ventral; assim, a atividade inibitória da morfina sobre estes neurônios é que dá o seu caráter aditivo em usuários. Em outras palavras, ao inibir a ação de neurônios gabaérgicos que regulam a liberação da dopamina, inibindo-a, a morfina gera inibição da inibição, o que, em última análise equivale à estimulação da liberação de dopamina. O mecanismo de adição dos benzodiazepínicos – drogas ansiolíticas – parece ser muito semelhante. Quanto ao álcool, parece não restar dúvida de que ele também aumenta a atividade dopaminérgica, produzindo comportamentos aditivos. Contudo, os mecanismos celulares que levam à adição ao álcool ainda não estão bem estabelecidos. Três diferentes mecanismos celulares possibilitam a classificação das drogas aditivas: há drogas que despolarizam neurônios dopaminérgicos diretamente, como a nicotina; drogas que interferem com a recaptação ou com a liberação da dopamina, como a cocaína, as anfetaminas e o ecstasy; e drogas que levam à desinibição dos neurônios dopaminérgicos, como os opioides, a canabis e os benzodiazepínicos. Ao aumentarem a atividade fásica da dopamina, importante na neurofisiologia do erro de predição, drogas aditivas “sequestram” o sistema levando ao uso compulsivo em detrimento de outros comportamentos. É interessante que alguns autores dizem que as adições são doenças onde há “ganho de função”. O que estes autores querem dizer com isso é que o aumento sustentado da atividade dopaminérgica produzida por uma substância estaria relacionado aos efeitos reforçadores de seu uso por conta do aumento das chances de um comportamento associado àquela substância ser aprendido, em razão da amplificação da ação dopaminérgica produzida pelas drogas de abuso. Por exemplo, quando animais experimentais têm seus neurônios dopaminérgicos mesencefálicos estimulados em um determinado ambiente, eles passam a ter preferência por aquele lugar, porque “aprenderam” uma relação entre uma recompensa e o local onde a receberam. Apesar das drogas de abuso estimularem neurônios dopaminérgicos indistintamente, projeções específicas da área tegmental ventral parecem ter um papel 5



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mais importante para a recompensa e, por conseguinte, para as adições em geral e as evidências apontam para um papel crítico das projeções mesencefálicas para o núcleo accumbens. Mecanismos celulares parecem ter um papel importante na criação de uma “marca” ou um “traço” de exposição a uma droga de abuso, que colabora para as recaídas quando a substância não é mais utilizada. O mecanismo envolvido na criação destas marcas é denominado plasticidade sináptica induzida por drogas e envolve mudanças na transmissão glutamatérgica central. Lembrando que o conceito de plasticidade sináptica abrange a capacidade de sinapses serem fortalecidas ou enfraquecidas ao longo do tempo, já foi observado que aferências excitatórias aos neurônios dopaminérgicos mesencefálicos – ou a “força” das sinapses entre neurônios dopaminérgicos e glutamatérgicos – podem ser potencializadas por vários dias após uma primeira exposição de um animal experimental a uma droga de abuso. Este fenômeno parece depender do papel de receptores de glutamato localizados na membrana dos neurônios dopaminérgicos, chamados de receptores NMDA, e tem sido associado a uma série de comportamentos observados em usuários de substâncias, tais como o comportamento de procura disparado por pistas ambientais e a aversão à abstinência. Do ponto de vista psicopatológico a plasticidade neuronal induzida por drogas pode explicar o comportamento de busca deflagrado por pistas ambientais, sejam elas pessoas, sensações ou toda a parafernália utilizada pelos usuários de substâncias. Tais pistas são, portanto, armazenadas na memória e associadas a comportamentos, o que, em um nível sináptico poderia ser explicado como, em um primeiro momento, terem sido “criadas” pela atividade dopaminérgica e, em um segundo momento, “facilitadas” pela plasticidade sináptica. Os mecanismos celulares aqui envolvidos podem corresponder ao mesmo fenômeno observado em diversos tipos de aprendizado e de memória, denominados potencialização de longo prazo. Características clínicas das intoxicações e dos sinais de abstinência de diferentes substâncias de abuso Intoxicação, dependência e abstinência são conceitos clínicos associados ao uso de substâncias de abuso. Dizemos que alguém está intoxicado por uma substância quando a pessoa está apresentando os efeitos da substância em seu organismo, independentemente desta pessoa ser dependente dela. Por exemplo, ao ingerirmos 6



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álcool, os efeitos da intoxicação alcoólica podem variar desde leve euforia e desinibição, até uma severa depressão do sistema nervoso central, na dependência da quantidade que foi consumida. Uma dependência química inclui tanto os sinais de adaptação fisiológica do organismo ao uso contínuo de uma substância (o componente físico da dependência) e as crenças desenvolvidas a respeito daquela substância, após exposição sistemática a ela (o componente psicológico da dependência). O quadro abaixo resume os sinais de intoxicação e de abstinência (quando houver) para diferentes grupos de substâncias de abuso. Substância

Sinais de intoxicação

Sinais de abstinência

Álcool

Relaxamento, sociabilidade,

Aumento da frequência cardíaca

euforia, desinibição,

e respiratória, aumento da

irritabilidade, confusão,

temperatura corporal, tremores,

diminuição do pulso, diminuição

náusea e delirium tremens, um

da temperatura corporal e parada

quadro severo onde há aumento

respiratória, na dependência da

da pressão, vômitos, diarreia,

dose utilizada.

insônia, confusão mental, tremores intensos e alucinações visuais e auditivas.

Sedativos e hipnóticos

Relaxamento, euforia,

Ansiedade, insônia, cefaleia,

desinibição, déficits cognitivos,

tremores, abalos musculares,

incoordenação motora,

depressão e convulsões.

alucinações, paranoia, ataxia, aumento do risco de acidentes, coma e parada respiratória, na dependência da dose utilizada. Cocaína

Euforia, humor expansivo,

Fadiga, depressão, “fissuras”,

loquacidade, inquietação,

agitação e agressão.

irritabilidade, agressividade, paranoia, ataques de pânico, alucinações, aumento da frequência cardíaca, tremores, rápido desenvolvimento de tolerância. Anfetaminas

Euforia, sociabilidade,

Fadiga, depressão, agitação,

hipervigilância, ansiedade,

alucinações e agressão.

comportamentos estereotipados, agitação psicomotora. Nicotina

É leve e geralmente não

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Fadiga, depressão, irritabilidade



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comprometedora.

e “fissuras”.

Opioides

Euforia, apatia, disforia,

Náuseas, insônia, febre,

(Ópio, heroína, morfina,

relaxamento, comprometimento

“fissuras”, dores.

codeína, metadona)

da respiração, rápido desenvolvimento de tolerância.

Canabis

Relaxamento, euforia,

Não há sintomas de abstinência

percepções alteradas, sensação

específicos, mas o uso

de tempo mais lento, aumento do

prolongado pode levar a

apetite. Ansiedade e paranoia em

síndrome amotivacional.

sujeitos susceptíveis. Alucinógenos

Intensificação de percepções,

Não há sintomas de abstinência

(LSD, dióximetanfetamina ou

alucinações, desrealização,

específicos.

ecstasy)

euforia, confusão, paranoia, perda de controle.

Inalantes

Euforia, alucinações visuais,

Não há sintomas de abstinência

(Colas, aerossóis, solventes,

sensação de distorção do tempo,

específicos, mas o uso crônico

gasolina, corretivos)

confusão, irritabilidade, pânico.

pode levar a sérios prejuízos à saúde, como danos ao aparelho respiratório, olhos, rins e fígado.

Adições comportamentais Vários comportamentos podem ser tão recompensadores quanto o prazer causado por substâncias e, por isso, podem se tornar aditivos, sendo repetidos apesar de suas consequências adversas. O conceito de dependências ou adições comportamentais é muito controverso e, embora muitos pesquisadores não concordem, algumas dependências comportamentais, como o jogo patológico, têm sido comparadas do ponto de vista clínico às dependências químicas. Até mesmo o comportamento alimentar de algumas pessoas tem sido caracterizado como adição à comida, apesar dos protestos de muitos pesquisadores, que alegam não ser possível se desenvolver adição a alimentos. Outros pesquisadores argumentam que não nos tornamos adictos a alimentos, mas podemos nos tornar adictos ao comer. Alguns comportamentos, como o comprar patológico, a escoriação patológica, a adição ao sexo (ou hipersexualidade não parafílica), o bronzeamento patológico, a adição à internet e às mídias sociais e a 8



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dependência de videogames, classificadas como transtornos do controle de impulsos, parecem compartilhar da fenomenologia e até mesmo da neurobiologia das adições a substâncias. O aspecto comportamental essencial de um comportamento aditivo é a perda do controle, ou a incapacidade de resistir a um impulso comportamental, mesmo sabendo ser ele potencialmente danoso à pessoa ou a outras pessoas. O padrão de envolvimento contínuo neste comportamento acaba por interferir no funcionamento do indivíduo em outros domínios de sua vida, da mesma forma que as dependências químicas. Outras semelhanças entre dependências comportamentais e dependências químicas incluem sentimentos de tensão ou ativação mental antes da execução do ato e prazer, gratificação ou alívio após executá-lo. “Fissuras”, “baratos”, tolerância, sintomas de abstinência e disforia quando não é possível executar o comportamento aditivo são, também, relatados por muitos pacientes. Indivíduos com dependências comportamentais, da mesma forma que acontece com dependentes químicos, costumam ter altos escores em instrumentos que medem impulsividade e busca por novidades e baixos escores em instrumentos que medem aversão ou esquiva a danos, apesar de alguns estudos reportarem que sujeitos com alguns tipos de comportamentos aditivos, como a adição à internet ou jogo patológico possam obter altas pontuações para aversão aos danos. Os adictos a substâncias e a comportamentos aditivos também têm baixo desempenho em testes de tomada de decisão envolvendo risco e recompensa, como o Iowa Gambling Task, quando comparados a indivíduos saudáveis, o que sugere que estes indivíduos tenham algum tipo de prejuízo no processamento do componente emocional das decisões, realizado no córtex órbitofrontal. Múltiplos sistemas de transmissão estão envolvidos na neurobiologia dos comportamentos aditivos, mas o sistema dopaminérgico é o mais estudado, uma vez que está diretamente relacionado a processos de aprendizado, motivação, saliência de estímulos e recompensa. A serotonina, por sua vez, tem sido amplamente associada à inibição comportamental e controle da impulsividade. Indivíduos com baixos níveis sanguíneos de metabólitos da serotonina parecem ser mais impulsivos e mais ávidos por novas sensações.

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Estudos de neuroimagem também reforçam a tese de que dependências químicas e comportamentais compartilhem alterações em circuitos cerebrais bem determinados. Atividade anormal de diversas regiões corticais, incluindo o córtex pré-frontal ventromedial, o córtex órbitofrontal, o córtex pré-frontal dorsolateral, o cíngulo anterior e o núcleo accubens, têm sido reportadas tanto em indivíduos sofrendo de comportamentos aditivos quanto de dependências químicas. Do ponto de vista clínico, os critérios diagnósticos para dependências comportamentais são muito parecidos com os critérios para as dependências químicas e incluem preocupação e envolvimento constantes com o comportamento, diminuição da capacidade de inibir ou controlar o comportamento, tolerância, abstinência e consequências psicossociais adversas. Amor

patológico

(Love

addiction):

mais

uma

controversa

dependência

comportamental A paixão pode ser considerada um estado motivacional semelhante à fome, à sede e ao desejo sexual. Ela dirige nossa mente para a busca de um vínculo afetivo. Qualquer pessoa que já tenha estado apaixonada sabe que as características deste estado mental incluem tanto fortes sensações de prazer quanto uma espécie de falta ou “saudade” intensas da pessoa amada, que passa a ser o principal objetivo de sua vida. O estado de paixão costuma acontecer umas 3 a 5 vezes na vida de uma pessoa normal e pode durar de semanas a até alguns anos. A paixão, portanto, é um estado mental universal, que equivale subjetivamente a uma importante motivação para estar com alguém e admite até mesmo alguma “fissura” por ela. Todavia, apesar destas características, não se pode afirmar que ela seja um estado aditivo. A paixão se diferencia do amor patológico por sua reversibilidade e também pela possibilidade de, através de um vinculo estável, transformar-se em um estado emocional amoroso sem os aspectos obsessivos do período inicial. Por Amor patológico subentende-se uma condição clínica em que a motivação por estar com uma pessoa e o sentimento de falta caracterizam um padrão problemático de relações amorosas que leva a estresse e consequências desastrosas. A fase inicial de um relacionamento afetivo pode lembrar muito um estado de intoxicação por uma droga, pois inclui sentimentos de euforia, ausência de crítica a respeito de consequências adversas, saliência e persistência na memória. A mudança de um estado amoroso fisiológico para um estado aditivo é, na 10



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maioria das vezes imperceptível, mas é possível dizer que a adição se instala quando o desejo de estar com ou a saudade (ou “fissura”) do parceiro tornam-se necessidades compulsivas, substituindo o prazer por sofrimento. Quem “ama” patologicamente tem fortes “fissuras” pela pessoa amada, um padrão obsessivo de ligação a ela, além de perda de controle e comprometimento da crítica a respeito das potenciais consequências deste padrão de relacionamento. Quem sofre desta condição pode, ainda, sentir perda do interesse ou incapacidade de sentir prazer em outras esferas ou atividades que não o relacionamento amoroso, da mesma forma que ocorre em dependências químicas. Similarmente, pistas externas associadas ao objeto de amor disparam memórias poderosas da relação. Além disso, os pacientes podem ser insaciáveis em suas expectativas românticas, padecerem de intermináveis temores de rejeição e de novidades na relação e tendem a desenvolver um comportamento caracterizado por parasitismo emocional, dependência, manipulação, exigindo uma devoção total por parte do parceiro. Referências Bibliográficas 1. Rosenberg KP e Feder LC: An Introduction to Behavioral Addictions. In: Rosenberg KP e Feder LC : Behavioral Addictions. Criteria, Evidence, and Treatment 2014: 1 – 17. 2. Tapert et al.: Substance Abuse: An Overview. In: Sutker e Adams: Comprehensive Handbook of Psychopathology 2002, 3rd Edition. 559 – 594. 3. Lüscher C: The Emergence of a Circuit Model for Addiction. Annu Rev Neurosci 2016, 39: 257 – 276. 4. Shizgal P e Hyman SE. Homeostasis, Motivation, and Addictive States. In: Kandel ER, Schwartz JH, Jessell TM, Siegelbaum SA, Huspeth AJ: Principles of Neural Science, 2013, 5th Edition: 1095 – 1115. 5. Grant E, Potenza MN, Weinstein A, Gorelick DA. Introduction to Behavioral Addictions. Am J Drug Alcohol Abuse 2010, 36 (5): 233 – 241. 6. Karim R, Chaudhri P. Behavioral addictions: an overview. J Psychoactive Drugs. 2012 Jan-Mar; 44(1):5-17.

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7. Rosenberg KP e Feder LC: An Introduction to Behavioral Addictions. In: Rosenberg KP e Feder LC : Behavioral Addictions. Criteria, Evidence, and Treatment 2014: 1 – 17. 8. Reynaud M, Karila L, Blecha L, Benyamina A. Is Love Passion an Addictive Disorder? The American Journal of Alcohol and Drug Abuse 2010, 36: 261 – 267.

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