Introdução, Literatura, poder e imaginários sociais no Mediterrâneo Antigo

August 29, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Ancient History, Mediterranean archaeology, Historia Antiga
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FUNARI, P. P. A. . Prefácio ao volume Literatura, poder e imaginários sociais no Mediterrâneo Antigo. In: Ana Teresa Marques Gonçalves; Luciane Munhoz de Omena. (Org.). Literatura, poder e imanginários sociais no Mediterrâneo Antigo. 1ed.Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2010, v. 1, p. 13-15. Introdução

O estudo da Antiguidade passou por grandes transformações, nas últimas décadas, no mundo e no Brasil. Por muito tempo, a Antiguidade foi utilizada para justificar o status quo e a manutenção das relações de poder. Os imperialismos modernos serviram-se, em não poucas ocasiões, de gregos e romanos para alicerçar suas ações em regiões periféricas. Também na esfera social, foram usados exemplos antigos para manter relações iníquas entre os gêneros ou entre os grupos sociais. A exclusão social das mulheres e mesmo a escravidão encontraram sustentáculo em leituras conservadoras do passado antigo, assim como comportamentos considerados reprováveis foram combatidos com o recurso a autores antigos ou a situações antigas.

Este quadro mudou muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e, mais ainda, a partir dos anos 1950, 1960 e 1970, quando os movimentos sociais sacudiram o mundo ocidental. Os direitos civis, a luta pela descolonização, contra a guerra, pela liberdade sexual e pelo respeito à diversidade, resultaram em mudanças profundas no ambiente social e acadêmico. Difundiram-se as críticas àquilo que viria a ser denominado de modelos normativos, que interpretavam as sociedades como homogêneas, estáveis e fundadas na aceitação das normas e regras sociais. Tais interpretações consideravam os comportamentos que se afastavam das supostas normas como desvios a serem corrigidos.

As sociedades ocidentais, ao se reconhecerem como heterogêneas e variadas, em fluidez constante, tolerante à diferença, passaram a formular interpretações, a partir de diversos pontos de vista, abertos a essa variedade. As sociedades do presente e do passado passaram a ser observadas como heterogêneas e compostas de uma miríade de grupos, com comportamentos variados, muitas vezes conflitivos, mas sempre fluidos e em interação.

O estudo da Antiguidade não deixou de ser afetado por esses movimentos. Documentos antes ignorados ou mesmo escondidos, sejam obras literárias, sejam arqueológicos e iconográficos, foram incorporados à atenção acadêmica e científica. Os museus começaram a exibir artefatos, como a Warren Cup, que haviam ficado ocultados, assim como autores da tradição literária, como Luciano, também passaram a ser reconhecidos como legítimos objetos de estudo. Essas mudanças foram acompanhadas por uma multiplicação dos temas e para a crescente incorporação de questões pertinentes para o presente, a mostrar a relevância da Antiguidade para a Modernidade e vice-versa.

No Brasil, o estudo da Antiguidade, para além dessas tendências universais, apresentou características específicas. A ditadura (1964-1985) inibiu a liberdade de pesquisa e tardou, portanto, a inserção da ciência brasileira no âmbito internacional. O conhecimento das línguas clássicas e das disciplinas relativas ao mundo antigo demorou, também, a difundir-se nas universidades. Já ao final da ditadura, surgia a Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC) e incrementava-se a profissionalização de campos como a História Antiga, a Arqueologia Clássica e o estudo das línguas e literaturas clássicas. O diálogo da ciência brasileira com os centros de excelência no estrangeiro passou por essa profissionalização, pelo crescente reconhecimento da necessidade de

capacitar os estudiosos da área. O sistema de pós-graduação foi importante nesse processo, com a institucionalização de mestrados e doutoramentos que formaram os estudiosos profissionais do último quartel, em regime democrático.

Este livro representa bem este processo, pois é o resultado de um programa de pósgraduação, voltado, portanto, para a formação de profissionais capacitados, ao corrente das discussões internacionais. O tema das identidades, imaginários e poderes insere-se nas preocupações atuais da pesquisa acadêmica estrangeira e nacional e mostra o vigor da produção científica da Universidade Federal de Goiás. Sua publicação contribui, de forma particular, para divulgar a produção no campo da História Antiga proveniente do Centro Oeste e serve de emulação para outras instituições de pesquisa.

Pedro Paulo A. Funari1

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Professor Titular do Departamento de História, Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp, www.gr.unicamp.br/ceav.

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