Introdução. Revoltas, motins, revoluções: das Ordenações ao Código Criminal. In DANTAS, Monica Duarte (org.), Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo, Alameda, 2011.

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Introdução Revoltas, Motins e Revoluções: das Ordenações ao Código Criminal

Monica Duarte Dantas

Esta sedição vai tendo um caráter bastante sério [...] vai dando vizas de rebelião. 1

(Subdelegado de Buíque, Pernambuco, 1852)*

Com estes termos informava o subdelegado de Buíque, ao chefe de polícia de Pernambuco, o crescimento do movimento que eclodira na província em fins de 1851 contra os decretos que estabeleciam o censo geral do Império e o registro civil de nascimentos e mortes. A princípio, a declaração da autoridade local parece apenas um jogo de palavras, não fora, contudo, os tipos penais estabelecidos no Código Criminal do Império de 1830 e que pareciam informar o alarme contido na correspondência.1 Os três primeiros movimentos abordados no presente livro ocorreram todos ainda quando da vigência do livro quinto das Ordenações Filipinas2, enquanto os restantes não só terminaram (como eclodiram) após a promulgação do referido Código3 (que só deixou de vigir já na República, em 1890).4 

Ver Maria Luiza Ferreira de Oliveira, “Resistência popular contra o Decreto 798 ou a ‘lei do cativeiro’: Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Ceará, 1851-1852” (cap. 11 deste livro).

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A repressão aos movimentos de 1817, à comunidade localizada na Serra do Rodeador (em Pernambuco) e à Confederação do Equador tinha por base o estabelecido no título VI do Livro V das Ordenações, intitulado “Do crime de Lesa Majestade”. Lesa Majestade quer dizer traição comettida contra a pessoa do Rey, ou seu Real Stado [...]. 1. Os casos, em que se comette a traição, são estes. O primeiro, se algum tratasse a morte de seu Rey, ou da Rainha sua mulher, ou de algum de seus filhos, ou filhas legitimas, ou se a isso desse ajuda, conselho e favor. 2. O segundo he, se o que tiver Castello, ou Fortaleza do Rey, elle, ou aquelle que da sua mão a tiver, se levantar com Ella, e a não entregar logo á pessoa do Rey, ou a quem para isso seu special mandato tiver, ou a perder por sua culpa. 3. O terceiro, se em tempo de guerra algum se fosse para os inimigos do Rey, para fazer guerra aos lugares de seus Reinos. 4. O quarto, se algum de conselho aos inimigos do Rey, per carta, ou per qualquer outro aviso em seu desserviço, ou de seu Real Stado. 5. O quinto, se algum fizesse conselho e confederação contra o Rey e seu Stado, ou tratasse de se levantar contra elle, ou para isso desse ajuda, conselho e favor. 6. O sexto, se ao que fosse preso por qualquer dos sobreditos casos de traição, algum desse ajuda, ou ordenasse como de feito fugisse, ou fosse tirado da prizão. 7. O sétimo, se algum mattase, ou ferisse de propósito em presença do Rey alguma pessoa que estivesse em sua companhia.

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8. O oitavo, se algum em desprezo do Rey quebrasse, ou derribasse alguma imagem de sua semelhança, ou armas Reaes, postas por sua honra e memória.5

Assim, como estabelecido na lei de 20 de outubro de 1823, aprovada pela Assembleia Geral Constituinte, enquanto não passasse nova legislação, deveriam ser aplicadas no Brasil as leis, regimentos, alvarás e outras normas editadas pelos reis de Portugal até 1821.6 Segundo as notas feitas por Candido Mendes de Almeida ao parágrafo 5º do título VI (acima citado), a Carta Régia de 21 de outubro de 1757 “declarou que esta Ordenação tinha aplicação ao motim ou sedição do Porto de 23 de fevereiro do mesmo ano”7: Sendo-me presente que na Relação, e Casa do Porto houve alguns Ministros, que com reprehensivel leveza se atreverão a proferir, que não era crime de Lesa Majestade da primeira cabeça a Sedição nessa cidade maquinada desde o mez de outubro do anno próximo passado, nella sucessivamente prosseguida pela confederação dos que a maquinarão nos muitos e repentinos conventículos, que para esse fim tiverão, até ultimamente ser declarada em vinte e três de fevereiro deste presente anno com os atrozes insultos de se atreverem os Réos da mesma sedição não só a rebellar-se formalmente contra huma Lei minha [...] concitando o Povo a esse fim, [...] mas também a devaçarem totalmente, oppondo-se as Tropas com força declarada [...], até o excesso de chegarem a pôr Cartéis públicos, para se sustentarem na Rebellião. [...] Declarando ao mesmo tempo que todas as vezes que houver confederação, ajuntamento, vozes sediciosas, e Tumulto para se opporem os assim amotinados ás Minhas

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Leis, e Ordens, como taes conhecidas, e ao Meu Alto, e Supremo Poder; ou pretendendo, que se não cumpram as ditas Leis, e Ordens, ou resistindo com vozes de Motim aos Ministros, e Officiaes, executores dellas: se julguem estes crimes, e qualquer delles, indubitavelmente, e sem haver disputa, senão sobre as provas, por crime de Lesa Majestade de primeira cabeça; e como taes sentenciados [...].8

Não é à toa, portanto, que os movimentos de 1817 e 1824 fossem referidos como rebelião e sedição, e seus participantes como rebeldes e sediciosos. Assim, amotinados, confederados, conjurados, sediciosos, rebeldes, sublevados, traidores, etc, todos estavam sujeitos a serem condenados nas penas previstas para o crime de lesamajestade, ou seja, morte natural cruel e confisco dos bens.9 Também a população localizada na Serra do Rodeador em Pernambuco, atacada pelas tropas realistas em 1820, foi chamada de rebelde10 e, de acordo com o Conselho Militar de Investigação, seu ajuntamento ou associação deveria ser considerado como feito para “Conselho e confederação contra ElRey e contra o Estado, e que os Seus Autores, e Cabeças, ou Chefes da mesma Associação”.11 Mesmo que depois de 1830, os participantes dos outros onze movimentos tratados no presente livro continuassem a ser chamados por vários dos epítetos utilizados na legislação portuguesa, a situação não era mais a mesma – e foi essa nova configuração que informou a carta do subdelegado de Buíque.12 Já no primeiro ano de funcionamento da Câmara dos Deputados, em 1826, atendendo ao artigo da constituição que previa a organização, o quanto antes, de “um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade”, o deputado José Clemente Pereira13 ofereceu à casa, em 3 de junho, as bases de um projeto de código criminal14. No ano seguinte foi a vez de Bernardo Pereira de Vasconcelos fazer o mesmo, oferecendo ao plenário um projeto de código criminal.15 Não que o determinado pela Constituição fosse uma preocupação secundária para os deputados, mas não há dúvidas que a importância de um Código Criminal era tanto maior quanto o desejo de deixar para trás a legislação

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portuguesa, especialmente aquela que dispunha sobre matéria penal, e que a outorga da carta tornara difícil de ser aplicada.16 A tradição historiográfica coloca, em geral, como fontes primeiras do Código Criminal brasileiro de 1830 o código de Pascoal de Mello Freire de 1786, o Código Penal napoleônico de 1810, bem como a tradição iluminista e utilitária. Porém, mais do que isso, muitos costumam se referir ao dito Código de 1830 como obra de Bernardo Pereira de Vasconcelos; impressão que tem sua razão de ser no fato de que a primeira comissão nomeada para examinar os dois projetos deixou clara sua preferência pelo projeto do deputado mineiro, a partir do qual se propunha então a trabalhar.17 Os capítulos do presente livro corroboram, contudo, a partir das fontes consultadas por seus autores, a indicação de Lenine Nequete de que o Código finalmente aprovado em 1830 possuía mudanças significativas em relação ao projeto de 1827, inclusive na parte aqui em questão sobre os “crimes contra a segurança interna do Império e a pública tranqüilidade”, título IV da segunda parte do Código (“Dos crimes públicos”).18 Enquanto o projeto de Vasconcelos, no título referente aos “delictos publicos”, previa os crimes de traição, rebelião, sedição, resistência, forçamento e arrombamento de cadeia, e fugida de presos; o Código de 1830, entre os crimes públicos, caracterizava os de conspiração, rebelião, sedição, insurreição, resistência, tirada ou fugida de presos e arrombamento de cadeias e, finalmente, desobediência às autoridades19. Ou seja, à primeira vista, o Código não só deixava de reconhecer a existência do crime de traição, como também introduzia os tipos penais “conspiração”, “desobediência às autoridades” e “insurreição”. Cap. IV – Insurreição Art. 113. Julgar-se-há commetido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força. Penas – Aos cabeças – de morte no gráo Maximo; de galés perpetuas no médio; e por quinze annos, no mínimo; - aos mais – açoutes.

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Art. 114. Se os cabeças da insurreição forem pessoas livres incorrerão nas mesmas penas impostas, no artigo antecedente, aos cabeças, quando são escravos.20

Os deputados e senadores brasileiros aprovaram, portanto, em 1830, um tipo penal que se destinava a caracterizar e punir os escravos que tentassem obter a liberdade por meio da força, bem como os livres ou libertos que os auxiliassem nesse intento. Curiosamente, não havia no projeto de Vasconcelos qualquer tipificação semelhante. Menções à palavra insurreição (e seus derivados, insurgentes ou insurretos) já haviam aparecido em documentos escritos no Brasil a partir de meados da década de 1810, mas com conteúdo bastante distinto daquele atribuído pelo Código de 1830; ainda que a palavra não tivesse sido dicionarizada seja por Bluteau, no século XVIII, ou por Morais e Silva já no começo do oitocentos.21 Em seu Typhis Pernambucano, frei Caneca se utilizou da palavra “insurreição”, por exemplo, em 8 de janeiro de 1824: Depois de se ter demonstrado nos números antecedentes a falsidade do motivo que a perversa facção portuguesa teve a habilidade de empregar para iludir e violentar a s. m. i. a acabar com a soberana Assembléia Constituinte brasiliense, arriscando desta feição a integridade do império com a desconfiança e a insurreição das províncias, e abrindo o Brasil os abismos da anarquia e guerra civil, fazia-se frustrâneo dizer uma palavra que fosse sobre o demais conteúdo nos decretos, proclamação e manifesto de 16 de novembro [...]22

A comissão militar encarregada de julgar os participantes da Confederação do Equador, já na primeira página do “Processo verbal e sumaríssimo dos réus”, também declarou que “aos 20 dias do mês de dezembro do dito ano, reunida a comissão militar [...] para o fim de processar e julgar muito sumária e verbalmente

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os chefes da insurreição e rebeldia, havida na Província de Pernambuco”23, os julgaria “pelo crime de rebellião”24. Na sentença, diziam as autoridades que “apresentando em horroroso quadro o estado de todas as províncias, com o que se espalhou o alarma pelas da parte do norte, que as fez estremecer, à vista do que lhes fazia acreditar estarem todas as outras províncias a sacudir o laço da união nacional; e isto causou o desvairamento de uma delas a ponto de arvorar o estandarte da insurreição, levando-se pela sedutora idéia da Projetada Confederação do Equador [...]”.25 Quanto ao crime cometido pelos sentenciados, dizia a acusação que: Achando-se a integridade deste império ameaçada pela desastrosa rebeldia e facção de alguns habitantes de Pernambuco, desgraçadamente alucinados pelo rebelde Manuel Carvalho Paes de Andrade, chefe da mesma, que temerariamente ousou proclamar a desmembração daquela província do império de outras do norte [...].26

Tal uso, de insurreição das províncias, implicando quase uma secessão, ou guerra civil, lembra bastante o sentido do vocábulo “insurgente”, tal como usado por d. Pedro I no “Manifesto - de 10 de dezembro de 1825 [...] que justifica o procedimento da côrte do Brazil a respeito do Governo das províncias unidas do Rio da Prata; e dos motivos que a obrigaram a declarar guerra ao referido Governo”. É bem nottorio que, quando rebentou a revolução das Provincias Hespanholas do Rio da Prata, incluindo Buenos Ayres, a Côrte do Rio de Janeiro manifestou constantemente a mais resctricta neutralidade, apesar de todas as prudentes considerações, que faziam receiar o perigo do contágio revolucionário. Porém os insurgentes, sem a menor provocação da nossa parte, como que para fazer-nos arrepender do systema pacifico, que se procurou sempre adoptar, começaram desde logo a infestar as fronteiras da

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Provincia do Rio Grande de S. Pedro. Elles convocavam os Indios ao seu partido, reuniam tropas, para invadirem a Provincia visinha, e espalhavam proclamações sediciosas para excitarem os Povos das Sete Missões á rebellião. Sua Magestade Fidelissima bem Reconheceu que era inevitavel, para por os seus Estados a coberto das perniciosas vistas dos insurgentes, levantar uma barreira segura, justa e natural entre elles e o Brazil [...].27

A palavra “insurgente” é usada, assim, juntamente com o mais constante vocábulo rebelião, um tipo de crime em que havia o “perigo do contágio revolucionário” e “proclamações sediciosas”. Ou seja, o uso de frei Caneca, da comissão militar encarregada de julgar os envolvidos na Confederação, ou mesmo do próprio d. Pedro I não remete à acepção atribuída por nossos legisladores ao “crime de insurreição” previsto no Código de 1830. Para entender então, a inclusão desse tipo penal e outras modificações realizadas no projeto de Vasconcelos é necessário recuperar rapidamente algumas das discussões da Câmara e do Senado no período. Como colocado acima, foi inicialmente formada uma comissão na Câmara dos Deputados para estudar os dois projetos de Código apresentados à Casa. Em 14 de agosto de 1827, seus cinco membros – os deputados José Antonio da Silva Maia, Cândido José de Araújo Viana, José da Costa Carvalho, M. C. de Almeida e Albuquerque e João Candido de Deus e Silva28 – apresentaram parecer afirmando que iriam se basear preferencialmente no projeto de Vasconcelos. Já em 1828, em 8 de maio, quando da discussão do estabelecimento do júri em matérias criminais, Vasconcelos, que considerava que a Câmara não deveria se ocupar de tal questão, uma vez que estava contemplada em seu projeto, propôs que se convidasse o senado a “nomear uma comissão, que com outra desta augusta camara, revejão os projetos do código criminal já oferecidos; deste modo se facilitará a discussão dos códigos em ambas as câmaras, e só assim poderemos abreviar a reforma da justiça criminal”. Dois dias depois era enviada ao Senado uma resolução da Câmara dos Deputados informando acerca do convite para que membros das duas casas formassem a referida comissão mista; junto à resolução seguiam os

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nomes dos cinco deputados da comissão especial.29 Na sessão de 12 de maio, os senadores leram a resolução e nomearam então, para a comissão mista, os senadores visconde de Alcântara (João Inácio da Cunha), marquês de Caravelas (José Joaquim Carneiro de Campos), Francisco Carneiro de Campos, marquês de Inhambupe (Antonio Luís Pereira da Cunha) e João Antonio Rodrigues de Carvalho.30 No ano seguinte, em 26 de maio de 1829, o secretário do Senado dava conta de novo ofício do secretário da Câmara dos Deputados, “participando que havendo a Comissão especial, criada por aquela Câmara na sessão do ano passado, dado princípio, juntamente com outra deste Senado, ao exame dos dois projetos de código criminal, e exigindo imperiosamente o interesse nacional, a continuação de tão importante trabalho, resolveu aquela câmara para semelhante fim convidar de novo a este Senado; tendo reduzido o número dos cinco membros, de que se compunha a referida Comissão Especial, a três somente, que são os Srs. Deputados José da Costa Carvalho, João Candido de Deus e Silva e José Antonio da Silva Maia”. Ficando o Senado inteirado, passou-se à eleição da comissão especial (agora com três membros), sendo escolhidos os senadores Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, com 24 votos; o visconde de Alcântara, com 22; e o marquês de Caravelas, com 14.31 Assim, apenas em 31 de agosto de 1829, mais de um ano depois da nomeação da primeira comissão mista (e dois anos depois da designação da comissão especial da Câmara), chegava finalmente às duas casas o parecer da comissão “encarregada de examinar os dois projetos do código criminal, que se aprovou para imprimir com as emendas que a comissão oferecesse”. No parecer32, assinado pelos deputados José Antonio da Silva Maia, José da Costa Carvalho e João Candido de Deus e Silva, e pelos senadores Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque33, a comissão informava que tomara por padrão o projeto de Vasconcelos, como havia indicado a primeira comissão especial da Câmara. O parecer descrevia que o projeto apresentado pela comissão dividia-se em quatro partes: a primeira tratando dos “crimes e penas em geral”; a segunda, “dos crimes contra os interesses gerais da nação”; a terceira, “dos crimes contra os interesses individuais”, e a quarta dos “crimes policiais sobre o que a autoridade

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pública deve cuidadosamente velar para prevenir maiores males”. Ou seja, em termos de distribuição das matérias e da nomenclatura das partes, não se tratava mais do projeto de Vasconcelos, mas tampouco do texto que viria a ser aprovado em 1830. A ordem das matérias já era similar àquela do futuro Código Criminal34, mas as partes segunda e terceira teriam seus nomes ainda modificados: a parte segunda, intitulada pela comissão “dos crimes contra os interesses gerais da nação”, passaria, no Código, a se chamar “Dos crimes públicos”; e a terceira, “dos crimes contra os interesses individuais”, viraria “Dos crimes particulares”. Além disso, a comissão informava que quisera suprimir a pena de morte, mas que não pudera fazê-lo “frente ao estado atual da população”. Dizia ainda que o projeto partira do artigo 179 §2º da Constituição que previa que “nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública”35. Finalmente, a comissão, convencida da necessidade do código e premida pela impaciência da nação, pedia “que o projeto oferecido seja adotado sem passar pelas discussões dos regimentos das câmaras, cuidando-se só em corrigir os seus defeitos mais salientes”, propondo então que o projeto redigido pela comissão mista fosse impresso e distribuído; que as emendas e memoriais fossem remetidos a uma comissão ad hoc, composta de três membros; e que, assim que a comissão apresentasse as emendas e estas fossem impressas, fosse dado o projeto com elas à ordem do dia. “A discussão começará pela questão, se o projeto deve ou não ser admitido? Vencendo-se que sim, serão discutidos os artigos emendados, tendo-se os outros como aprovados.”36 A despeito da “impaciência da nação”, quase um ano depois, apenas em 6 de maio de 1830 é que a discussão seria iniciada. Nos próximos dias seguiu-se longo debate entre os deputados, primeiramente para saber como seriam analisadas as emendas e, em segundo lugar, para saber se o código admitiria ou não a pena de morte. O deputado Ernesto Ferreira França37, mesmo considerando que a legislação criminal no Brasil era a pior possível, defendeu a transformação da Câmara em Comissão Geral – para discussão do parecer sobre o código – a fim de que cada deputado pudesse falar quantas vezes quisesse. Logo em seguida, seu pai, o também deputado Antonio Ferreira França38, declarou que a pena de morte estava “abolida pela Constituição”. O filho propôs então quatro emendas: primeiro, que

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se aceitasse as emendas substitutivas de todo projeto; segundo, que a Câmara se convertesse em Comissão Geral quando da discussão; terceiro, que o dia da discussão fosse marcado com oito dias de antecedência; e, quarto, que “desde já se suprima no projeto a morte natural, e com este pressuposto se reforme a escala das penas”. Foram aprovadas a primeira e a terceira, ficando, “por deliberação da câmara a quarta emenda para della se tratar em ocasião competente”.39 No dia seguinte, em 7 de maio de 1830, foi nomeada a comissão ad hoc para receber as emendas e memórias sobre o Código, tomando parte os deputados Pinto da Gama, Carneiro Leão e Muniz Barreto40. O presidente da casa marcou então um prazo para a discussão das emendas que fossem oferecidas até o dia 1º de junho. Em 10 de setembro de 1830, o presidente da Câmara colocou em discussão, conforme o parecer da comissão mista, se o projeto devia ou não ser admitido. O deputado Paula e Araújo, considerando que seria muito longo o debate por artigos, propôs a discussão por capítulos. Ernesto Ferreira França, por outro lado, pontuou que a discussão era importantíssima e que assim convinha fazê-la por artigos. Foi então rejeitada a proposta de Paula e Araújo. O deputado Silva Maia, um dos membros da comissão mista, ponderou que uma vez que o artigo 4º do projeto deveria ser emendado, ele mesmo oferecia uma emenda à comissão. O presidente consultou a Câmara e resolveu-se que seriam aceitas todas as emendas e não só as já impressas.41 Em discussão sobre quem seriam os autores e cúmplices é interessante notar que Ferreira França, ao comparar o projeto da comissão mista com o projeto de Vasconcelos, deixa claro que o projeto de código da comissão já alterara bastante o que havia sido proposto pelo deputado mineiro em 1827.42 A discussão sobre cúmplices continuou durante toda a sessão do dia 10 e adentrou na sessão do dia seguinte. Paula e Souza colocou, então, o seguinte requerimento: que se criasse uma comissão especial para, tendo em vista as emendas existentes, impressas e manuscritas, apresentar aquelas que julgasse indispensáveis, “para sobre ela discutir-se e votar”. Ernesto Ferreira França propôs que a comissão fosse de 5 deputados. Pinto Chichorro apresentou, em seguida, novo requerimento: que a comissão proposta por Paula e Souza “só entre no exercício do trabalho que lhe vai ser cometido, de vencida a idéia se deve ou não admitir-se as penas de morte e galés”.43

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Finalmente a Câmara aprovou as seguintes emendas apresentadas ainda na mesma sessão por Ernesto Ferreira França: 1º, que se nomeasse por escrutínio absoluto uma comissão de 3 membros; 2º, que a comissão ouvisse mas não fosse obrigada a aceitar os artigos propostos pelos deputados; 3º, que sua aprovação ou rejeição fosse global; 4º, que antes do trabalho da comissão se decidisse se as penas de morte e galés seriam ou não conservadas. De acordo com o proposto na 1ª emenda, foram eleitos os deputados Limpo de Abreu, Paula e Souza e Luiz Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque44. Em 11 de setembro tiveram então início as discussões sobre a manutenção, ou não, das penas de morte e galés. Durante quatro dias a questão foi discutida fervorosamente no plenário, com falas inflamadas tanto por parte daqueles que pediam sua extinção, quanto de outros que advogavam a necessidade de sua manutenção frente ao estado da população. Vale destacar – especialmente no que tange à redação final do código – as opiniões de Rego Barros e Paula e Souza. Segundo Rego Barros, em sessão de 15 de setembro de 1830: A pena de morte deve com efeito ser abolida nos casos políticos, porém não nos casos de homicídio, e para se conter a escravatura, pois que esta é a única pena que a pode conter. Nos erros políticos não a posso admitir, porque eles procedem da má inteligência das coisas; e mesmo muitas vezes, o partido vencido, seja o bom partido; isto é, aquele que faria a felicidade da nação se o seguisse.45

O mesmo deputado propôs então uma emenda com o seguinte teor: “Extingase a pena de morte nos erros políticos”. Paula e Souza submeteu outra, diríamos complementar: “Que no código só se conserve a pena de morte no grau máximo do crime de homicídio, e de cabeças de insurreição”. Ambas foram apoiadas.46 Ou seja, fica evidente pelas falas de Rego Barros e Paula e Souza que a comissão mista, para além da referida alteração na ordem das matérias, também havia modificado o conteúdo de parte do projeto de Vasconcelos, como no caso dos

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artigos referentes aos autores e cúmplices, mas também com a inclusão do crime de insurreição (provavelmente já como crime específico da população escrava). Vasconcelos colocou-se então em posição discordante. Disse que cada um já tinha seu juízo a respeito da pena de morte e que “o meu foi apresentado no projeto do código, em que admito a pena de morte em muitos poucos casos”. Falou também que na lei de responsabilidade dos ministros a pena de morte já estava prevista; e que o Senado já a aprovara, questionando assim por que iriam os senadores mudar de opinião a esse respeito. Dessa maneira, votaria pela pena de morte nos casos estabelecidos no código e, igualmente, pela pena de galés enquanto não fossem feitos estabelecimentos próprios para os réus condenados a trabalhos públicos. Sobre esse último ponto apresentou emenda: “A pena de galés subsistirá enquanto não forem feitos estabelecimentos próprios para os condenados ao trabalho”. Continuaram as discussões e as defesas da extinção da pena capital.47 Finalmente, no mesmo dia 15, a questão foi colocada em votação. Foi aprovada a emenda de Rego Barros (pelo fim da pena de morte nos erros políticos), rejeitada a de Paula e Souza, e Vasconcelos, por sua vez, pediu para retirar a sua, o que lhe foi concedido. No dia seguinte, vários deputados fizeram constar suas declarações de voto.48 Assim, resolvida a questão da pena de morte e galés, e conforme proposta de Ernesto Ferreira França em 11 de setembro, as emendas apresentadas foram entregues à comissão de três membros, constituída pelos deputados Antonio Paulino Limpo de Abreu, Francisco de Paula e Souza e Luiz Cavalcanti, para que finalmente decidisse quais aceitar ou rejeitar. Em 19 de outubro a comissão especial designada para rever as emendas apresentou seu parecer: A comissão não alterou o método com que estava organizado o código; julgou isto superior às suas forças, muito mais em tão breve tempo. Ela limitou-se a escolher entre as emendas oferecidas as que lhe pareceram necessárias, e persuade-se que tal ela apresenta já pode o código, bem que ainda imperfeito, ser muito de suma utilidade pública.

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Seria muito longo enumerarem-se as alterações e emendas adotadas pela comissão; isto muito melhor se depreenderá pela leitura do código apresentado; limita-se portanto a comissão a notar que o sistema penal sofreu grande alteração, ou fosse na qualidade das penas que quis melhor proporcionar à natureza dos delitos, ou mesmo em sua quantidade; em todos os delitos classificou graus e só deixou a pena de morte no delito de homicídio em certas circunstâncias, e no de cabeça de insurreição de escravos (delito em que há sempre homicídios atrozes) e ainda nesses delitos só a deixou no grau máximo. Lembrou-se a comissão de destacar do código todas as disposições relativas à expressão do pensamento deixando-as na lei especial, assim como fez quanto à responsabilidade ministerial que ela destacou, ficando regulada pela lei especial; mas refletindo que nenhuma das anteriores comissões que se ocuparam do código lembrou se disto, sem duvida para que não ficasse manco o código; refletindo além disto que a lei especial tem bastantes defeitos, sobretudo quanto ao sistema das penas, adotou finalmente a opinião de conservam-se no código tais disposições e trabalhou para melhorá-los, não só evitando o perigo de uma indevida e injusta cumplicidade, como apropriando as penas com discernimento. A comissão finalmente adotou a supressão de alguns delitos e mudou a classificação de alguns outros, tendo sempre em vista o que lhe pareceu o melhor. Ela não sabe se satisfará ao voto desta augusta câmara, mas pode afirmar que muito desejou satisfazer e que para isto fez quanto estava ao seu alcance. A. P. Limpo de Abreu – F. de Paula e Souza – Luiz Cavalcanti, vencido.49

Vale destacar que, se Paula e Souza tivera sua emenda rejeitada – que propunha a restrição da pena de morte apenas aos casos de insurreição e homicídio –, ao final,

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após a intervenção da comissão da qual fazia parte, o Código não parecia ter se distanciado muito do que queria o deputado paulista, afinal estavam sujeitos à pena capital apenas os “cabeças de insurreição”, aqueles acusados de homicídios com agravantes (e somente no grau máximo) e, finalmente, os condenados por roubo seguido morte (e também apenas no grau máximo).50 Além disso, no ano seguinte, em sessão de 8 de outubro de 1831, quando da discussão sobre o código de processo, o deputado Luiz Cavalcanti, que fizera constar no parecer da última comissão do código penal seu voto vencido, fez, segundo Andréa Slemian, um desabafo, reclamando daqueles que agora consideravam muito brandas as penas estabelecidas, “tinha deixado de falar na Câmara para não estorvar sua marcha”.51 Em 23 de outubro, foi colocado em votação o “projeto do código criminal com uma pequena alteração de redação proposta pela comissão de emendas”, sendo aprovado e adotado para ser remetido ao Senado.52 No mesmo dia, o senador Rodrigues de Carvalho leu o parecer da Comissão de Legislação do Senado53, do qual era membro, aconselhando sua adoção “sem outra discussão mais do que a de se mostrar que é mais conveniente adotá-lo assim, deixando alguma correção para o que a prática for demonstrando digno de reformas, do que privar o Império por mais um ano do benefício que deve resultar da sua admissão, a qual acaba de um golpe com leis bárbaras e repugnantes do estado atual. Paço da Câmara dos Senadores, em 28 [sic] de novembro de 1830 – Marquês de Inhambupe – Nicolau Pereira de Campos Vergueiro – Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque – João Antonio Rodrigues de Carvalho”.54 No dia seguinte, o Senado abria a última discussão sobre a conveniência de ser adotado o Código. Vencendo o sim, deveria ser remetido para Sanção imperial; em 16 de dezembro de 1830 o país tinha então seu primeiro Código, no caso o “Código Criminal do Império do Brasil”. A partir das discussões na Câmara e no Senado fica evidente, portanto, que alterações foram feitas no projeto apresentado por Vasconcelos, primeiramente pela comissão mista, e depois pela comissão especial de revisão das emendas. Voltemos então à questão da insurreição. Esse crime, tal como previsto no Código aprovado em 1830, não só não aparecia no projeto de Vasconcelos, como sequer era mencionado em qualquer um dos Códigos que, a priori, os legisladores

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brasileiros teriam como modelos principais, ou seja, o código penal de Pascoal de Mello Freire de 178655 e o código napoleônico de 181056. Em 1822, as Cortes espanholas mencionaram a palavra insurreição em seu Codigo Penal Español, mas com um sentido semelhante àquele dos documentos relativos à Confederação do Equador e à Guerra Cisplatina, como sinônimo de levante ou rebelião contra a monarquia, ou seja, com um conteúdo completamente distinto daquele atribuído no Código Criminal brasileiro de 1830.57 Neste ponto, mais uma vez os anais da Câmara e do Senado são fundamentais para o entendimento das modificações feitas pelas duas comissões. Na sessão de 21 de maio de 1829, quase três meses antes da comissão mista apresentar – a partir das bases de Clemente Pereira e do projeto de Vasconcelos – sua proposta de Código Criminal, o taquígrafo anotara nos anais da Câmara a seguinte informação: “A oferta feita pelo cidadão João Clemente Vieira Souto de um exemplar da tradução do projeto de código penal para a Luisiana, foi recebida com agrado”.58 João Clemente Vieira Souto era o editor da Astréa que, segundo Sérgio Buarque de Holanda, “ajudou a Aurora Fluminense de Evaristo da Veiga a formar o pensamento liberal brasileiro vitorioso no 7 de abril e predominante durante boa parte da Regência”. No primeiro reinado, a Astréa, em decorrência da publicação de cartas de terceiros ou de textos de autoria de seu editor, sofreu uma série de processos por abuso de liberdade de imprensa; ainda que em grande parte das vezes os acusados tenham sido inocentados pelo júri. Assim, para editores como Vieira Souto, o sistema do júri apresentava-se então como um meio eficaz de resistência aos promotores e juízes indicados pelo poder central. Tal como publicado na Astréa em março de 1829, acreditava-se que o sistema de jurados, ao permitir o julgamento por seus próprios pares, guiava-se não pela lei escrita, mas pelo senso comum e pela luz da razão.59 Nesse sentido não é de se estranhar que Vieira Souto entregasse à Câmara um projeto de código penal que não só defendia a atuação do júri em todos os julgamentos de matéria criminal, como também propunha a penalização daqueles que atuassem de modo a limitar a liberdade de imprensa. É provável que o texto entregue pelo editor da Astréa fosse uma tradução do plano para o código penal

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da Luisiana que Edward Livingston apresentou – impresso tanto em inglês como em francês – ao legislativo daquele estado norte-americano em março de 1822.60 Edward Livingston, um nova-iorquino de nascimento que se mudou para Nova Orleans no começo do século XIX, foi, em 1821, incumbido pelo legislativo da Luisiana de revisar as leis penais do estado, apresentando, no ano seguinte, o referido plano ou Report made to the General Assembly of the State of Lousina of the Plan of a Penal Code for the said State. Anos depois terminaria a obra publicada com o título de A System of Penal Law for the State of Lousiana, que compreendia, além de um “Code of crimes and punishments”, no caso o código penal propriamente dito, outros três códigos – “Code of Procedure”, “Code of Evidence” e “Code of Reform and Prison Discipline” – e um “Book of Definitions”.61 Ainda que nenhum deles tenha sido adotado pelo estado sulista, a publicação da obra tornou-o famoso; filósofos, juristas e publicistas norte-americanos e europeus fizeram elogios ao trabalho, além dos monarcas da Rússia, Suécia e Holanda.62 Um ano depois de Vieira Souto ter entregue a tradução do plano de código penal de Livingston à Câmara, foi a vez de outro cidadão presentear o plenário com mais um trabalho do jurista norte-americano. Em 12 de maio de 1830 – quando a comissão ad hoc que deveria receber as emendas acabara de ser nomeada (em 7 de maio) –, José Silvestre Rebello (o primeiro encarregado do Império brasileiro em Washington)63, ofertou “um exemplar do código criminal da Luiziana” que “foi recebido com agrado e remettido à comissão respectiva”.64 Desta vez, tratavase provavelmente do “Code of crimes and punishments”, anterior à obra completa, A system of penal Law for the State of Lousiana, que, além do código penal, trazia também os outros três códigos e o livro de definições. No mesmo dia em que Rebello fez sua oferta, o deputado Ernesto Ferreira França encaminhou à mesa um requerimento em que pedia “que se nomeie quanto antes uma comissão de fora presidida por um membro desta câmara, a qual se encarregue o fazer com a possível brevidade a tradução da legislação penal organizada para o estado da Luisiana por Livingston”. Consta dos anais que após a leitura do requerimento, o deputado pediu urgência, no que teria sido apoiado, porém, depois de rápida discussão, “que não apanhou o tachygrapho, foi posta à votação e não vencida: ficando o requerimento para delle se tratar em occasião competente”.65

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Dois dias depois, em 14 de maio de 1830, a questão da tradução voltou à discussão no plenário; Ferreira França novamente leu seu requerimento. Para o deputado Ferreira de Mello66 a tradução deveria ser feita, mas não por uma comissão externa, e sim, como explicado na emenda que apresentou, por uma comissão de membros da casa, “podendo a mesma comissão propor outra de fora para coadjuvar”. Ferreira França ponderou, contudo, que os deputados já se encontravam muito ocupados com a ordem do dia e diversas comissões e que, assim, seria melhor que fossem escolhidas pessoas de fora da casa, “sendo porém o presidente um membro della, que una aos outros conhecimentos o da legislação e o da língua inglesa”. Hollanda Cavalcanti rejeitou ambas as propostas, sugerindo que o governo ficasse encarregado de mandar traduzir e imprimir o “codigo penal organisado para o estado da Luisiana por Livingston, com a maior brevidade possível, dividindo o trabalho por differentes emprehendedores e provendo ao pagamento destes, segundo fôr mais conducente ao fim da prompta execução da presente resolução”. Vasconcelos, por sua vez, - a quem parecia que dos códigos nada se poderia tirar, pois, caso contrário “outro há de ser o resultado de todo este trabalho” – declarou votar contra o requerimento, pois a Câmara já havia decidido “que o código vá à comissão especial sobre o mesmo, que taes emendas sejam recebidas até o 1º de Julho” e que, portanto, caso o trabalho de Livingston fosse encaminhado para tradução, uma tarefa de três ou quatro meses, ficaria suspensa “a discussão sobre o código, do que resultaria não termos um sofrível, indo atrás do optimo”. Hollanda Cavalcanti67 secundou o colega mineiro, alegando desta vez que, caso fosse para tradução, uma vez que havia um só exemplar, a comissão não poderia consultá-lo; propunha então que, não existindo muitos deputados com capacidade de traduzir o inglês, o código de Livingston fosse consultado “naquellas cousas que forem mais precisas”. Julgando-se a matéria discutida, ficou estabelecido o primeiro encaminhamento proposto, ou seja, o envio da obra de Livingston à comissão.68 Alguns dias depois, em 26 de maio de 1830, Ernesto Ferreira França mais uma vez apresentava um requerimento, desta vez aprovado: Requeiro que se encarregue a comissão criada para receber as emendas ao código criminal, de examinar o organizado

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por Eduardo Livingston para a Luisiana, e interpor o seu parecer acerca do mérito deste código comparativamente com o que serve atualmente de base às emendas. Paço da camara dos deputados, 26 de maio de 1830 – E. F. França.69

Além das ofertas feitas à Câmara, o nome de Livingston foi referido algumas vezes nas sessões de 1830. Lino Coutinho70 fez menção ao “código da Luiziana”, em 10 de setembro de 1830, quando da discussão acerca de cúmplices e autores.71 Paula e Souza também mencionou, na sessão seguinte, em 11 de setembro, o código do norte-americano ao defender que um “código é um sistema completo”, e que nunca deveria ser feito por assembleias legislativas.72 O próprio Ernesto Ferreira França, referiu-se a ele, em seu discurso de combate à pena de morte, dizendo: “Livingston afirma que na Luiziana, no espaço de 17 anos, o único crime que tinha pena de morte foi muito mais freqüente que os outros”73. Antônio Pereira Rebouças74, também combatendo a manutenção da pena capital, declarou: “Não são ocultos a ninguém os escritos de Eduardo Livingston, e de Charles Lucas, onde se acham conservados infinitos exemplos da verdade que refiro, atestados igualmente por Liancourt, Esquirol, Tailandier, Wright, etc.”.75 Sem dúvida, considerando a dificuldade colocada pela leitura de uma obra em inglês, é possível que a menção ao jurisconsulto americano fosse apenas um artifício retórico, mas um discurso no Senado parece apontar para a real influência do código da Luisiana. O visconde de Cairu76, falando a seus pares senadores em 25 de novembro de 1830 – dois dias depois da Comissão de Legislação da casa recomendar a adoção da versão final Código –, parece reiterar não só o conhecimento, como a importância da obra de Livingston na revisão e modificação do projeto de Vasconcelos: “Sr. Presidente, o Código Criminal tem por fonte próxima o recente Código Criminal da Luisiana, ainda que também nele se inseriram doutrinas dos acreditados publicistas deste século.”77 Ao menos no que tange ao crime de insurreição, o visconde estava provavelmente certo, a legislação brasileira parecia de fato inspirada no Code of Crimes and Punishments de Edward Livingston. Vale lembrar que, tal como no restante do sul dos Estados Unidos (e, obviamente, como ocorria no Brasil), a mão-de-

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obra escrava era fundamental para a economia da Luisiana. Não era sem fundamento a preocupação de Livingston, ou da legislatura estadual, com possíveis revoltas escravas, uma vez que, em 1820, os escravos perfaziam mais de 40% da população do estado (no Brasil, na época da Independência, eles correspondiam a aproximadamente 30% da população do país).78 Cap. IV – Insurreição Art. 113. Julgar-se-há commetido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força. Penas – Aos cabeças – de morte no gráo Maximo; de galés perpetuas no médio; e por quinze annos, no mínimo; - aos mais – açoutes. Art. 114. Se os cabeças da insurreição forem pessoas livres incorrerão nas mesmas penas impostas, no artigo antecedente, aos cabeças, quando são escravos. Art. 115. Ajudar, excitar, ou aconselhar escravos a insurgirse, fornecendolhes armas, munições, ou outros meios para o mesmo fim. Penas – de prisão com trabalho por vinte annos no gráo Maximo; por doze no médio; e por oito no mínimo. [Código Criminal do Império do Brasil]79 Incitação à insurreição [of exciting insurrection] Art. 115. Qualquer pessoa livre que auxiliar uma insurreição de escravos contra os habitantes livres deste estado, que aderir a qualquer ajuntamento de escravos, no qual se planeje tal insurreição, com o fim de promovê-la, ou incitar ou persuadir quaisquer escravos a tentarem uma tal insurreição, será condenado a prisão perpétua com trabalho. Art. 116. Por “insurreição” se entende um ajuntamento armado, com o intento de se conseguir a liberdade pela força.

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Art. 117. O termo “incitar” na descrição desta ofensa, significa fornecer qualquer fomento ou incentivo que tenha por fim imediato a insurreição. Ele exclui a interpretação que tornaria culpados aqueles que apenas se utilizassem de uma linguagem pensada para tornar os escravos descontentes com sua situação. Feito isto, com o fim de promover o descontentamento, trata-se de uma ofensa punível com multa, de não menos de cinquenta e não mais de duzentos dólares; ou prisão solitária, por não menos de trinta dias e não mais de seis meses. [A System of Penal Law]80

A influência do código da Luisiana também aparece em outras partes do título IV (sobre crimes contra a segurança interna do Império) do Código de 1830. Ainda que no projeto de Vasconcelos já fosse previsto o crime de resistência – que implicava fazer oposição por meio “da força à execução das ordens das autoridades competentes” –, um novo artigo introduzido ou bem pela comissão mista ou pela comissão de revisão das emendas era uma adaptação livre do congênere norte-americano: Art. 117. As ameaças de violência capazes de aterrar qualquer homem de firmeza ordinária, considerar-se-hão neste caso iguaes a uma opposição de effectiva força. [Código Criminal do Império do Brasil]81 Art 164. Ameaças de uso de violência que a parte teria poder de infligir, e que seriam suficientes para intimidar um homem de firmeza ordinária, equivalem a uma oposição violenta no sentido deste e do próximo capítulo, bem como ao crime de tirada de presos. [A System of Penal Law]82

O Code of crimes and punishments também parece ter inspirado uma pequena modificação no texto de um dos artigos a respeito do crime de “Tirada ou

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fugida de presos do poder da justiça e arrombamento de cadeias”. O projeto de Vasconcelos estabelecia que se presos fugissem ou tentassem fugir eles não seriam por isso castigados, mas “encerrados em prisões mais severas, ou lhes serão postos ferros”.83 No caso do Código de 1830, contudo, a expressão foi substituída por “metidos em prisões solitárias, ou lhes serão postos ferros”.84 O curioso, contudo, é que a prisão solitária não constava no Código como uma das penas passíveis de serem aplicadas85. Porém, não só o código da Luisiana previa o “imprisonment in close custody”86, como colocava claramente seu uso no artigo 175, referente a “Breach of prison”: Art. 175. Se alguém legalmente encarcerado em qualquer prisão pública, antes ou depois da condenação, por qualquer ofensa ou processo civil, por meio do uso da violência contra qualquer pessoa empregada na manutenção ou guarda de tal prisão, escapar ou tentar escapar de tal prisão, será encarcerado em prisão solitária, por não menos de seis meses e não mais de dois anos, a partir de findo o tempo original de seu encarceramento.87

A inspiração norte-americana não aparece só nos “crimes contra a segurança interna do Império e a pública tranqüilidade” (título IV da parte referente aos “crimes publicos”), mas também na parte dedicada aos “crimes policiaes”. No projeto de Vasconcelos os crimes policiais já haviam merecido um título à parte e, entre os vários tipificados, o deputado mineiro propunha: Art. 117. É crime o ajuntamento de mais de vinte pessoas em lugar público, não tendo fim algum permitido ou tendo-o, se mostrar tendência perigosa. Quando o juiz de paz receiar males de taes ajuntamentos poderá desfazê-los apresentando-se com o seu escrivão e pedindo civilmente aos reunidos que se retirem.

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Art. 118. Se o juiz de paz não for atendido poderá empregar força para desfazer o ajuntamento. Se depois de desfeito o ajuntamento, tornar-se a formar-se [sic] de novo, o juiz de paz o tornará a desfazer, e então poderá prender por um a dous mezes os que lhe parecerem mais culpados. Art. 119. Se taes ajuntamentos tem por fim cometer delitos contra o estado, o juiz de paz procederá à formação da culpa na forma prescripta neste Código.88

Sua redação lembra vagamente aquela do Código napoleônico89, mas é bastante diferente do texto aprovado no Brasil em 1830. No capítulo 3º, da parte referente aos crimes policiais, não se falava mais simplesmente em ajuntamentos, mas em “ajuntamentos ilícitos”, recuperando a priori um termo do Código Criminal de Pascoal de Mello Freire90, mas atribuindo-lhe conteúdo bastante distinto: Art. 285. Julgar-se-á cometido este crime, reunindo-se três, ou mais pessoas com a intenção de se ajudarem mutuamente para cometerem algum delito, ou para privarem ilegalmente a alguém do gozo, em exercício de algum direito, ou dever. Art. 286. Praticar em ajuntamento ilícito algum dos atos declarados no artigo antecedente. Penas – de multa de vinte a duzentos mil réis, além das mais, em que o réu tiver incorrido. Art. 287. Se o ajuntamento ilícito tiver por fim impedir a percepção de alguma taxa, direito, contribuição, ou tributo legitimamente imposto; ou a execução de alguma

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Lei ou sentença; ou se for destinado a soltar algum réu legalmente preso. Penas – de quarenta a quatrocentos mil réis, além das mais em que o réu tiver incorrido.91

Trata-se, como no artigo 117 sobre “resistência”, de uma tradução, quase literal, de alguns trechos ou expressões do Código da Luisiana. O primeiro capítulo do título IV, “Of offences against the public tranquility”, da obra de Livingston tratava de “unlawful assemblies and riots”: Art. 209. Se três ou mais pessoas se JUNTAREM com o intento de se auxiliarem por meios violentos a cometer uma ofensa, ou ilegalmente destituir uma pessoa do gozo de um direito, tal ajuntamento será chamado de ajuntamento ilegal [unlawful assembly], e os culpados serão multados em não menos de cinquenta e não mais de 300 dólares, e serão condenados a prisão solitária por não menos de três e não mais de doze meses. Art. 211. Se o fim de um ajuntamento ilegal for o de se opor à cobrança de quaisquer taxas, portagens, impostos, ou tributos legalmente instituídos, ou à execução de qualquer lei do estado, ou sentença legal de um tribunal, ou efetuar o resgate de um prisioneiro legalmente preso por qualquer crime, a pena da ofensa será aumentada em metade.92

A impressão que se tem é que os legisladores brasileiros preferiram, baseando-se no modelo norte-americano, minorar o impacto, ou punibilidade, de certas perturbações da “publica tranquilidade”. É fundamental perceber que ao optar pelo modelo de Livingston, o Código brasileiro aprovado – diferentemente do previsto no projeto de Vasconcelos – retirava dos artigos referentes aos ajuntamentos a determinação de que caso tivessem por fim a realização de delitos

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contra o Estado eles fossem punidos como tal, ou seja, como crimes públicos (cujos artigos previam penas bem mais duras do que as multas estipuladas para os casos de ajuntamento ilícito).93 Neste sentido, é importante retomar as ponderações de Thomas Flory sobre o Código de 1830. Segundo o historiador, ele fora pensado em parte para se adaptar às metas políticas de oposição ao monarca, fim claramente expresso nos artigos a respeito da definição e do castigo dos delitos políticos. Com o pretexto de revisar as leis desumanas de Portugal, os liberais, que se opunham ao imperador e queriam restringir seu poder para perseguir seus inimigos políticos, inclinaram o Código no sentido de favorecer os “dissidentes” e “revolucionários políticos”.94 Retomando as discussões feitas na Câmara, e considerando a opção pela exclusão da pena de morte nos casos de crimes contra o Império (prevista por Vasconcelos em seu projeto), parece lícito conjecturar que o Código tinha importância central no combate político ao monarca, merecendo, portanto, grande preocupação por parte do plenário. Para tanto, alguns deputados, em especial aqueles que tomaram parte nas comissões, não só se inspiraram em vários dos artigos do código da Luisiana (recuperando-os quase na íntegra ou adaptando-os aos projetos aqui existentes), como também alteraram o conteúdo de outros, redefinindo certos tipos penais (como rebelião e sedição), incluindo novos (como conspiração), e mesmo excluindo outros (caso do crime de traição). No projeto do deputado mineiro, a parte referente aos “crimes contra a ordem interior cometidos pelos que não são empregados públicos” contemplava os já referidos crimes de resistência e fugida de presos, como também o crime de sedição. Para Vasconcelos, “todo o ajuntamento de mais de 20 pessoas, armadas todas ou parte delas, feito com ânimo de perturbar a ordem pública é crime de sedição”, sujeito à pena de banimento por 5 a 20 anos95. O Código de 1830 manteve o crime de sedição (capítulo 3), mas com outra redação: Art. 111. Julgar-se-há commetido este crime, ajuntando-se mais de vinte pessoas, armadas todas, ou parte dellas, para o fim de obstar á posse do empregado publico, nomeado competentemente, e munido de titulo legitimo; ou para o

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privar do exercício do seu emprego; ou para obstar a execução, e cumprimento de qualquer acto, ou ordem legal de legitima autoridade. Penas – Aos cabeças – de prisão com trabalho por três a doze annos.96

Sedição para Vasconcelos era, portanto, todo o ajuntamento de mais de 20 vinte pessoas para perturbar a ordem pública. Seu conteúdo parecia remeter àquele do título XVI do Código Criminal de Pascoal de Mello Freire, que determinava ser “Sedição todo o ajuntamento de dez pessoas do povo, e dahi para cima, armadas todas ou a maior parte dellas, ordenado directamente não com fins e intenções particulares, mas com o animo de confundir e perturbar o socego e ordem publica”.97 O Código de 1830, contudo, era bem mais específico: sedição se referia sim ao ajuntamento de mais de 20 pessoas, mas apenas para obstar a atuação de um empregado público (fosse para impedilo de tomar posse ou cumprir ordens legais), sendo puníveis apenas os cabeças do movimento.98 Assim, não é toa que o subdelegado de Buíque tenha se referido ao movimento contra os decretos do censo e do registro civil como uma sedição, mas que, frente ao avolumar de pessoas, tenha avisado ao chefe de polícia que tomava o rumo de uma rebelião. Vasconcelos, no artigo 318 de seu projeto, determinava que era “crime de rebellião a perpetração dos crimes do artigo... por uma povoação ou povoações de mais de trinta mil pessoas, ou auxiliar o inimigo em caso de invasão”. É possível que as reticências presentes no projeto, tal qual publicado nos Anais da Câmara de 1829, se referissem aos parágrafos constantes do artigo 311 que qualificavam o “crime de traição”: tentar diretamente e de fato destruir a constituição política do Império; tentar destronar o imperador; diretamente ou de fato concorrer para uma falsa justificação de impossibilidade física ou moral do imperador; tentar contra a regência; opor-se à reunião da assembleia geral legislativa; tentar destruir a integridade do Império; empregar senadores fora da Corte no ano em que se tem de convocar a assembleia geral legislativa.99

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Se, de fato, o crime de rebelião remetia à tentativa de perpetração de crimes de traição por uma povoação ou povoações de mais de trinta mil pessoas, também era considerado crime de traição: Art. 312 – “O concerto entre mais de vinte pessoas para perpetrar qualquer dos crimes do artigo antecedente, ainda que não se principie a reduzir a acto, reputa-se de crime de traição”.100

No caso do Código de 1830, quando 20 ou mais pessoas concertavam-se para perpetrar os crimes previstos nos artigos 68, 69, 85, 86, 87, 88, 89, 91 e 92101 – “não se tendo começado a reduzir a acto” – não se tratava de crime de traição, antes de “Conspiração”.102 Quando o crime fosse intentado por mais de vinte mil pessoas, então instauravase uma rebelião: Art. 110. Julgar-se-há commetido este crime, reunindo-se uma, ou mais povoações, que comprehendam todas mais de vinte mil pessoas, para se perpetuar algum, ou alguns crimes mencionados nos artigos sessenta e oito, sessenta e nove, oitenta e cinco, oitenta e seis, oitenta e sete, oitenta e oito, oitenta e nove, noventa e um, e noventa e dois. Penas – Aos cabeças – de prisão perpétua com trabalho no gráo Maximo; de prisão com trabalho por vinte annos no médio; e por dez no mínimo.103

Para além de pequenas alterações na qualificação de rebelião – e, sem dúvida na mudança da pena capital para pena de prisão perpétua com trabalho (e aplicável apenas aos cabeças do movimento) –, não se pode esquecer a supressão da palavra traição e a transformação do conluio de vinte ou mais pessoas em crime de conspiração. Assim, se Vasconcelos optara por excluir o crime de lesa-majestade

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de seu projeto104 (talvez pelas razões já explicadas por Flory), os membros da comissão mista ou da comissão de revisão das emendas quiseram também extirpar o crime de traição – quem sabe em razão de seu significado na legislação e da atuação da Coroa portuguesa na segunda metade do século XVIII105, ou mesmo em decorrência das experiências de 1817 e 1824 –, preferindo em seu lugar o termo conspiração.106 Por fim, vale destacar a incorporação, no Código de 1830, do termo motim, inexistente no projeto de Vasconcelos. No artigo 98, constante do título II “Dos crimes contra o livre exercício dos Poderes Políticos”, integrante da segunda parte, sobre os “crimes públicos”, a palavra motim aparecia na seguinte circunstância (e só nela, em todo o código): “Levantar motim, ou excitar desordem, durante a sessão de um Tribunal de Justiça, ou audiência de qualquer Juiz, de maneira que se impeça, ou perturbe o ato”.107 A palavra “motim” não era estranha ao léxico português do século XVIII, vide seu uso no Código de Pascoal de Mello Freire, no título XVI, “Das sedições, tumultos e outros ajuntamentos”: §2. A força cometida por um ou outro particular contra outro ou contra a justiça, e o mesmo ajuntamento casual ou de propósito de dez ou mais pessoas, com armas ou sem elas, não sendo ordenado com o referido fim, não se pode chamar sedição, nem tumulto no sentido acima dito, mas uma briga, rixa, desafio ou resistência judicial, assuada ou motim do povo, de que se falará nos seus lugares.10

Ou como explicava o jurista português em suas Provas: O animo de perturbar a ordem pública é também, e principalmente, necessário para haver sedição ou tumulto; e nisto é que difere da assuada, cujo fim é a utilidade e ofensa particular, e do motim popular, que é um ajuntamento da gente sem motivo nem fim.109

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Ou seja, o sentido atribuído no Código diferenciava-se do que propunha Mello Freire ao implicar necessariamente um fim para o motim ou desordem e, nesse ponto, aproximava-se, um pouco, daquele atribuído por Livingston às “riots”.110 Contudo, no ano seguinte à aprovação do Código, já em 1831, uma nova lei do Império estabelecia que “Qualquer tumulto, motim ou assuada, não especificados no Codigo Criminal, serão punidos com um a seis meses de prisão com trabalho”, fornecendo então ao crime de motim um conteúdo mais semelhante àquele do jurista português e, além disso, tornando-o equivalente aos crimes de assuada e tumulto que o próprio Mello Freire fizera questão de diferenciar.111 Motins, porém, não estavam previstos apenas no Código Criminal, e na lei de 1831, mas se mantinham, na época, como crimes no foro militar; tanto assim que, na Sabinada, mais de dez dos envolvidos, todos militares, foram condenados à morte, por um “conselho de guerra”, por terem incorrido no crime de “motim militar”.112 A despeito do Código não contemplar os foros privilegiados (como era o caso do militar), a partir da concordância das duas casas e da sanção do Imperador, seus artigos deveriam ser aplicados em todo o país. Assim, depois de 1830, quando vários dos movimentos descritos no presente livro foram considerados crimes de resistência, sedição ou rebelião, o uso desses vocábulos, como bem demonstrou o delegado de Buíque, não era necessariamente fortuito – poderiam, a depender de quem falava, estar referidos a um ou mais artigos do Código Criminal. É evidente que os termos usados nos documentos coevos não se limitavam àqueles prescritos na legislação criminal e, nesse sentido, os vocábulos revolução e revolta (e seus derivados) são os mais exemplares. Não constituíam tipos penais, mas pareciam encerrar significados bastante claros para quem os utilizava. Já em 1817, o termo revolução aparece no título de um texto apócrifo datado de 1818, “Memórias históricas da Revolução de Pernambuco” redigido, segundo Denis Bernardes, sob o ponto de vista daqueles que a combateram.113 Em carta enviada ao redator do Correio Braziliense, datada de 27 de julho de 1817 e publicada no número XIX do mesmo periódico, o missivista também se utilizava do termo “revolução” para nomear o movimento, e da palavra “revoltosos” para se referir àqueles que dele haviam tomado parte.114 O termo revolução (e seus

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derivados) também não era estranho aos documentos oficiais do governo; as autoridades da Paraíba e do Rio Grande do Norte fizeram uma lista de nomes “que pela devassa se mostra haverem influído em pretensão de rebelar esta capitania” e a esse rol de acusados dava-se o nome de “lista dos revolucionários”, assim como eram chamados os acusados do Ceará (“relação dos revolucionários”).115 Mesmo alguns anos depois, as autoridades pernambucanas ainda se referiam ao movimento como revolução, como escreveu, em 1820, ao governador da província, o marechal de campo encarregado de bater a comunidade do Rodeador.116 Em relação à Confederação do Equador, o termo Revolução também aparecia nas fontes oficiais brasileiras. Nos autos do processo contra os chefes da “insurreição e rebeldia, havida na província de Pernambuco”, Manuel Carvalho Paes de Andrade era acusado por suas “pérfidas, incendiárias, revolucionárias e malvadas proclamações”, como também era chamado de “rebelde revolucionário”, “chefe da facção” que liderara o movimento.117 Até no acórdão da Relação, de 25 de março de 1825, que condenava à morte os réus João Guilherme Ratclife, João Metrovich e Joaquim da Silva Loureiro, falava-se em “progresso da revolução”, “crise revolucionária”, projeto de revolução”, além de se mencionar algumas vezes a própria palavra “revolução”.118 Mesmo depois de aprovado o Código de 1830, as autoridades continuaram a utilizar os termos revolucionário ou revoltoso para designar os participantes dos movimentos tratados no presente livro; como se pode ver nos relatórios dos Ministros da Justiça e dos Presidentes de Província em relação àqueles que tomaram parte, por exemplo, na Cabanagem (no Pará), na Farroupilha (no Rio Grande do Sul), na Sabinada (na Bahia), na Balaiada (no Maranhão), na Revolta Liberal (em São Paulo e Minas Gerais), na Praieira (Pernambuco), e mesmo no Ronco da Abelha.119 Os líderes praieiros também usaram os termos revolta ou revolução, mas não, é claro, para se referir ao próprio movimento, e sim àqueles que ocorreram durante a presidência de Chichorro da Gama e que foram protagonizados por seus inimigos políticos conservadores; a esses movimentos chamaram, como colocam Marcus Carvalho e Bruno Câmara, “Revolta” ou “Revolução” Guabiru.120 Mesmo em 1857, quando os ganhadores de Salvador (escravos e libertos) suspenderam o trabalho

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em razão de uma postura, o Jornal da Bahia, em 5 de junho, chamou o movimento de “ameaçadora crise, uma revolução”, a “revolução dos ganhadores”.121 De acordo com o Vocabulário portuguez e latino de Raphael Bluteau, de 1712, a palavra revolta significava “perturbação, desordem, confusão, & c. Tumultus [...] Revolta do povo [...] Por a Republica em revolta [...]”122. O revoltoso era então “aquelle que causa desavenças & revoltas”.123 Já no Diccionario da Lingua Portugueza, de Antonio Moraes Silva, publicado em segunda edição (“emendado e muito accrescentado”) em 1813, o vocábulo revolta era definido como “levantamento, perturbação da ordem doméstica, política: v.g. ‘há sobre este reinar tanta revolta, que já aconteceu em hum dia fazerem três Reis, hum per morte do outro’ [...]. revolta do povo: ‘puzerão em revolta a Corte de Priamo’ [...]. Desordem, confusão de muita gente [...]”.124 Revoltoso era então aquele “que suscita, e causa revoltas, [...] ‘tinha grande ódio a homens revoltosos’ homem revoltoso, e inquieto. [...] ‘He culpado de revoltoso, e malicioso.’ Litigioso, suscitador de demanda, e accusações.”125 Revolução para Bluteau significava: “tempos revoltosos. Revoltas & perturbações na Republica [...]. Acharse em tempos muito revoltosos [...]. Em tempos tão revoltosos, como forão os passados.” Trata ele então do significado de revolução dos astros para depois colocar outro sentido “Revolução do Estado. Mudança. Nova forma de governo”, apresentando finalmente o sentido de “revolução de humores no corpo”, “revolução de cabellos”, e “revolução das almas”.126 Já no dicionário de Moraes Silva, o verbete revolução começa diretamente com a ideia de “movimento pela orbita”, “revolução dos ceos”, colocando apenas rapidamente o sentido de “Revoluções nos estados, mudança na forma, e policia, povoação”.127 Não existindo em ambos os dicionários verbete para a palavra revolucionário (ao contrário de revoltoso). João Paulo Pimenta, analisando o vocabulário político luso-brasileiro na década de 1810, encontra para a palavra “revolução” dois sentidos usados concomitantemente: o sentido antigo, “ainda dominante na época” de movimento circular e, portanto repetitivo (tal como fora dicionarizado); e o sentido novo, utilizado especialmente a partir da Revolução Francesa, de “total subversão da ordem política e social”. Ao analisar o Correio Braziliense – no que tange aos relatos referentes aos movimentos hispano-americanos do período –, o historiador percebe

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que a palavra revolução é utilizada conjuntamente com guerra civil, insurreição e sublevação, o que faz com que o primeiro vocábulo ganhe uma significação negativa (“porque destruidora” – ao contrário do sentido positivo anterior). Considerando a utilização de “revolução” na quase totalidade dos documentos arrolados neste livro, parece que a versão “negativa” impôs-se durante o Império, colocando em segundo plano seu entendimento anterior, de um acontecimento positivo (porque restaurador).128 Assim, não é estranho que raramente os próprios envolvidos utilizassem revolução (e menos ainda revolta) para designar seus movimentos. No caso de 1817, Francisco Muniz Tavares, que participou do movimento, intitulou sua versão dos fatos de História da revolução de Pernambuco em 1817129, mas é necessário destacar que sua publicação data de 1840; ou seja, muitos anos depois da Independência e mesmo da Abdicação de Pedro I. Segundo Denis Bernardes, Muniz Tavares procurava reabilitar e valorizar o movimento “como referência e legado fundamentais da formação política da nação”.130 Mesmo no caso dos farrapos, durante o período de vigência do movimento, o uso de “revolução” parece ter sido raro; há menção, por exemplo, mas em uma carta privada, enviada por um dos líderes para David Canabarro, em que salientava “dos melhores escravos que possuía quando arrebentou a revolução, reservei 17 que aluguei em Montevidéu para, com seus jornais manter minha família”.131 Porém, ainda que algumas palavras não constassem da legislação portuguesa ou, posteriormente, do Código de 1830 – ainda que parecessem encerrar significados bastante claros para, ao menos, a maioria das autoridades –, e que outras, apesar da alteração de significado imposta pela nova lei penal do Império, continuassem com um uso que poderíamos chamar de tradicional, as inovações propostas pelos deputados e senadores brasileiros em matéria penal não podem ser desconsideradas. Nesse sentido, pensando no significado jurídico dos termos usados seja na legislação de origem portuguesa, seja no Código de 1830, optamos por utilizar no título do livro justamente as palavras que parecem ter sido menos afetadas pelas mudanças normativas ocorridas no século XIX, mas que, ainda assim, eram de uso corrente para denominar os mais diversos tipos de movimentos.

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No caso de insurreição, a inovação do Código tornava clara a distinção entre movimentos políticos em geral e crimes escravos em particular; tão clara, na verdade, que implicava não só definições distintas, mas também penas completamente diferentes (as insurreições, juntamente com os homicídios e os roubos com agravantes, eram os únicos crimes que previam a pena capital). Nesse sentido, a legislação penal brasileira corrobora, inclusive, a opção do presente livro em tratar apenas de movimentos que tenham mobilizado necessariamente a população livre e liberta (mesmo que em várias ocasiões, seus líderes não tenham saído desses grupos).132 Finalmente voltamos pela última vez ao subdelegado de Buíque. A autoridade local do interior de Pernambuco indica um caminho para o próprio entendimento dos movimentos. Enquanto os movimentos ocorridos nas décadas de 1830 e 1840 foram considerados rebeliões133, e seus participantes, rebeldes, aqueles acontecidos na segunda metade do século XIX foram classificados como crimes de “sedição”, “resistência”, “ajuntamento ilícito” ou “motim”. Ainda que a repressão contra os vários movimentos tratados no livro tenha variado imensamente, de acordo com o lugar ou a conjuntura, essa transformação aponta para uma mudança política inerente à própria construção e consolidação do Estado e, mais ainda, para uma mudança na forma de atuação e nas expectativas das camadas livres pobres e libertas do Império.

Notas 1 As ponderações aqui postas se valem dos questionamentos e resultados de uma pesquisa em andamento intitulada “Poderes e práticas: poder judiciário e arranjos políticos no Império do Brasil (1826-1889)”, que visa ao entendimento das propostas e modelos apresentados no Parlamento brasileiro – no que tange à organização do judiciário no Império –, bem como das implicações dos códigos e reformas na organização política e nos modelos de governo no período em questão. Essa investigação se insere nos trabalhos do Grupo de Pesquisa (CNPq) “O Império Negociado”, por mim coordenado juntamente com a Profa. Miriam Dolhnikoff. Aproveito para agradecer ao professor Antonio Manuel Hespanha o auxílio prestado ao longo de toda a pesquisa,

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mostrando-se sempre solícito para dirimir dúvidas e indicar fontes e bibliografia. Agradeço também a ajuda de minhas orientandas Marina Garcia de Oliveira, Ana Priscilla Barbosa de Lucena, Jessica Manfrim de Oliveira e Vivian Chieregati Costa, e dos funcionários do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. 2 Denis Antonio Mendonça Bernardes, “O tempo da Pátria: justiça, fiscalidade e recrutamento no movimento de 1817”; Guillermo Palacios, “Uma nova expedição ao Reino da Pedra encantada, 1820”; Denis Antonio Mendonça Bernardes, “A gente ínfima do povo e outras gentes na Confederação do Equador” – respectivamente capítulos 1, 2 e 3 deste livro. 3 O inciso 18, do art. 179 da Constituição brasileira, outorgada em 1824, já determinava a organização, o quanto antes, de “um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade”. Nesse sentido, como coloca José Reinaldo de Lima Lopes, uma vez que a própria carta impôs os códigos, o Brasil não teve que viver o debate sobre a codificação que ocorreu na Europa dos séculos XVIII e XIX; mas também nos Estados Unidos oitocentista. José Reinaldo de Lima Lopes, “Iluminismo e jusnaturalismo no ideário dos juristas”, in Istvan Jancsó (org), Brasil: formação do Estado e da nação, São Paulo, Hucitec/ FAPESP/ UNIJUI, 2003, p. 199. Ver também do mesmo autor, O Direito na História: lições introdutórias, 2ª edição revista, São Paulo, Max Limonad, 2002, p. 312. “Constituição Política do Império do Brazil”, Colleção das Leis do Império do Brasil de 1824, parte 1ª, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1886, p. 34 (doravante CLIB) - as coleções de leis do Império do Brasil foram consultadas no site da Câmara dos Deputados http://www2.camara.gov.br/legislacao/publicacoes/ doimperio. 4 Os capítulos deste livro, como indica o próprio título da obra, dedicam-se ao estudo da participação da população livre pobre e liberta em movimentos ocorridos no século XIX. Obviamente, o livro não se pretende exaustivo a esse respeito, tendo existido muitos outros movimentos no período e que também contaram com livres pobres e libertos, fosse lutando sob o comando de figuras de elite ou protestando por demandas próprias, mas que, dadas as limitações de uma única obra ou mesmo a relativa falta de estudos a seu respeito, não puderam ser contemplados. Contudo, é necessário destacar, fez-se uma opção deliberada pela não inclusão de insurreições escravas e também de revoltas que tiveram nos imigrantes estrangeiros seus principais agentes, opção cujas razões encontram-se explicitadas ao longo desta introdução e também no epílogo que encerra o livro. 5 Ordenações Filipinas (reprodução fac-similar da edição feita por Cândido Mendes de Almeida em 1870), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, livro V, p. 1153-54.

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6 Índice das Leis da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823, lei de 20 de outubro de 1823, p. 1-2. 7 Ordenações, op. cit., livro V, p. 1153, segunda coluna, §5º. A Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro – uma das estruturas monopolistas geradas no âmbito da política econômica pombalina – foi criada, por alvará régio, em 1756. A Companhia, além da exclusividade do comércio com a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo – de vinhos, aguardentes e vinagres -, também era a fornecedora única no raio de três léguas da cidade do Porto. Como coloca Joaquim Veríssimo Serrão, “é evidente que a nova companhia tinha de arruinar interesses privados”, causando o fechamento de muitas tabernas e o aumento do preço do vinho. A nova situação gerou, segundo o autor, “um motim popular”, em 1757, do qual participaram algumas centenas de pessoas “que puseram a cidade em alvoroço”. Os desembargadores da Relação do Porto não foram unânimes em considerar o movimento um “motim”, alegando que fora apenas uma “assuada” (punível, portanto, com uma pena mais branda). Na carta régia citada, a Coroa expunha justamente sua estranheza perante tal entendimento, confirmando que “quaisquer tumultos impeditivos da execução das ordens régias deviam considerar-se delitos de lesa-majestade”. José Luís Cardoso, “Política Econômica”, in Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva (org.), História Econômica de Portugal, 1700-2000, Lisboa, ICS/ Imprensa de Ciências Sociais, 2005, v. 1: o século XVIII, p. 361; Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, 5ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1996, v. 6: o despotismo iluminado (1750-1807), p. 211-216. 8 Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das ordenações, redegida pelo desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa, Typographia Maigrense, 1830, p. 555-56. Grifos nossos – disponível no site Ius Lusitaniae, http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/. 9 Ordenações, op. cit., livro V, título VI, § 9, p. 1154. 10 “Conselho de investigação para conhecer algumas circunstâncias mais essenciais dos Rebeldes da Pedra do Rodeador”, Recife, 28/10/1820, apud Palacios, “Uma nova expedição ao Reino da Pedra Encantada do Rodeador” (cap. 2 deste livro). 11 “Juizo ou opinião do Conselho” em “Processo summario e interrogatório feitos aos presos que assistião na Serra do Rodeador e em outros differentes lugares pertencentes a esta Província de Pernambuco”, 24/11/1820, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, IJJ9245, apud ibidem. 12 Marcus J. M. de Carvalho, “Um exército de índios, quilombolas e senhores de engenho contra os ‘jacubinos’: A Cabanada, 1832-1835”; Luís Balkar de Sá Peixoto Pinheiro, “Cabanagem: percursos históricos e historiográficos”; César Augusto Barcellos Guazzelli, “Libertos, gaúchos, peões livres e a Guerra dos Farrapos”; Hendrik Kraay,

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“‘Tão assustadora quanto inesperada’: a Sabinada baiana, 1837- 1838”; Matthias Röhrig Assunção, “‘Sustentar a Constituição e a Santa Religião Católica, amar à Pátria e o Imperador’. Liberalismo popular e o ideário da Balaiada no Maranhão”; Erik Hörner, “A revolta liberal de 1842”; Marcus J. M. de Carvalho e Bruno Dornelas Câmara, “A Rebelião Praieira”; Maria Luiza Ferreira de Oliveira, “Resistência popular contra o Decreto 798 ou a ‘lei do cativeiro’: Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Ceará, 1851-1852”; João José Reis, “Quem manda em Salvador? Governo local e conflito social na greve de 1857 e no protesto de 1858 na Bahia”; Luciano Mendonça de Lima, “Quebra-quilos: uma revolta popular na periferia do Império”; Sandra Lauderdale Graham, “O Motim do Vintém e a Cultura Política do Rio de Janeiro 1880” – respectivamente capítulos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 deste livro. 13 José Clemente Pereira nasceu em 1787, em Portugal; cursou direito e cânones na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado pelo Rio de Janeiro para a legislatura de 1826 e novamente para 1830. Organizações e programas ministeriais. Regime parlamentar no Império, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1962, 279-289 (obra redigida em 1889, por determinação da câmara dos deputados, pelo barão de Javari); S. A. Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, Brasília, Senado Federal, 1999, v. 1, p. 41-46. Frente ao grande número de deputados e senadores que tomaram parte no debate sobre o Código Criminal, optamos por informar somente, e quando possível, a data e local de nascimento (no caso de nascidos no Brasil, a referência remete à capitania/ província e não à cidade, vila ou freguesia), sua formação e participação seja nas Cortes Constituintes de Lisboa, na Assembleia Geral Constituinte, na Câmara dos Deputados ou no Senado do Império, até a aprovação do referido código; uma vez que muitos dos políticos do século XIX ficaram, por vezes, mais conhecidos pelos títulos nobiliárquicos com que foram agraciados do que por seus próprios nomes de batismo, os títulos que receberam, e as respectivas datas, também foram elencados. 14 Annaes do Parlamento Brazileiro. Câmara Dos Srs. Deputados. Sessão de 1826, tomo segundo, Rio de Janeiro, Typographia do Imperial Instituto Artístico, 1874, p. 15-16 (doravante APB-CD) – os anais da câmara dos deputados estão disponíveis no site http://www2.camara.gov.br/documentos-epesquisa/ publicacoes . Na verdade, a discussão sobre a necessidade dos códigos começara antes mesmo da apresentação das bases por Clemente Pereira, já em “12 de maio duas propostas surgiam, visando a sua elaboração, uma, do deputado Silva Maia, para que a comissão de legislação indicasse com urgência as medidas conducentes à organização dos dois códigos, criminal e civil, outra, do deputado Pires Ferreira, para que se concedesse prêmio a quem, dentro de dois anos, apresentasse o melhor projeto de codificação”. Alfredo Pinto Vieira de

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Mello, “O poder judiciário do Brasil (1533-1871)”, Revista do IHGB, tomo especial, parte IV, 1914, p. 154. 15 Bernardo Pereira de Vasconcelos nasceu em Minas Gerais, em 1795; estudou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado, por Minas Gerais, nas legislaturas de 1826 e 1830. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 279-287, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 387-394. APB-CD, 1827, tomo 1º, Rio de Janeiro, Typographia de Hyppolito José Pinto & Cia, 1875, Sessão de 4 de maio de 1827, p. 16. 16 “O Código Criminal – promulgado em 16 de dezembro de 1830 – precisava ser feito para revogar o Livro V das Ordenações, ainda em vigor de forma geral. Alguns princípios gerais de política penal já estavam definidos no mesmo art. 179 da Constituição do Império: abolição de açoites, tortura, marca de ferro quente e ‘demais penas cruéis’; a pessoalidade das penas (nenhuma pena passaria da pessoa do delinqüente, abolido o confisco e a infâmia hereditária); as cadeias deveriam ‘ser seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes’. Curiosamente devido ao caráter excessivamente rigoroso do Livro V das Ordenações o resultado vinha sendo o oposto do esperado. A lei excessivamente rigorosa provocava nos juízes um desejo de mitigá-la. Afinal, terminava-se com uma crescente impunidade”, Lopes, O direito na história, p. 286. Ver também Alexandre Ribas de Paulo, “O discurso jurídico-penal iluminista no direito criminal do império brasileiro”, in Arno Dal Ri Junior et alli, Iluminismo e direto penal, Florianópolis, Fundação Boiteaux, 2008, p. 183-86. 17 APB-CD, 1827, tomo 4º, Rio de Janeiro, Typographia de Hypolito José Pinto & Cia, 1875, sessão de 14 de agosto de 1827, p. 130-131. 18 Lenine Nequete, em 1973, a despeito de reconhecer que o Código era originário de dois projetos diferentes, ressaltava as “profundas modificações que lhe foram introduzidas durante os trabalhos parlamentares”. Lenine Nequete, O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência, vol I: Império, Porto Alegre, Livraria Sulina Editora, 1973, p. 50. 19 “Projecto do código criminal apresentada em sessão de 4 de maio de 1827 pelo deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos”, APB-CD, 1829, tomo 3º, Rio de Janeiro, Typographia de H. J. Pinto, 1877, 104-109 (doravante citado apenas como “Projecto do código criminal”); “Código Criminal do Império do Brasil”, CLIB, 1830, parte primeira, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876, p. 157-60 (doravante citado apenas como “Código Criminal do Império do Brasil”). Supostamente, Vasconcelos teria entregue também um esboço de Código de Processo Criminal, contudo, vale destacar que ao fim do tomo 3º dos Anais da Câmara de 1829, em que se imprimiu o Projeto de

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Vasconcelos – que ora tomamos como base – consta apenas a parte primeira, referente ao código criminal. 20 “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 158. 21 Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino, Coimbra, Colegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 (disponível no site http://www.ieb.usp.br/online/index. asp); Antonio de Moraes Silva, Diccionario da Lingua Portugueza, Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813. 22 Frei Joaquim do Amor Divino Careca, organização, introdução e notas de Evaldo Cabral de Mello, São Paulo, Editora 34, 2001, p. 319. 23 Ibidem, p. 609. 24 Ibidem, p. 612. 25 Ibidem, p. 638. 26 Ibidem, p. 609-610. 27 CLIB, 1825, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1885, p. 95. A palavra insurgente aparece de novo na página 101, utilizada juntamente com os vocábulos sublevação e rebeldes. 28 José Antonio da Silva Maia nasceu em Portugal, em 1789; estudou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado por Minas Gerais à Assembleia Geral Constituinte em 1823. Foi representante da mesma província na Câmara dos deputados nas legislaturas de 1826 e 1830. Cândido José de Araújo Viana nasceu em 1793, em Minas Gerais; em Coimbra dedicou-se ao estudo do direito. Foi eleito deputado, por Minas Gerais, à Assembleia Geral Constituinte, em 1823; e novamente, pela mesma província, representante junto à Câmara dos Deputados em 1826 e 1830. Recebeu o título de marquês de Sapucai em 1872 (tendo sido agraciado, em 1854, com o de visconde de Sapucai). José da Costa Carvalho nasceu na Bahia, em 1796, e estudou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado à Assembleia Geral Constituinte, em 1823, depois à Câmara dos deputados nas legislaturas de 1826 e 1830 – sempre pela província da Bahia. Titulou-se marquês de Monte Alegre em 1854 (tendo recebido antes, no início da década de 1840, os títulos de barão e visconde). Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque nasceu em Pernambuco, em 1753; segundo Sacramento Blake “preparado com os estudos possíveis naquella epoca em sua pátria, foi capitão do regimento de milicianos dos nobres e nomeado sucessor de seu pai no officio de escrivão dos defuntos e ausentes, capellas e resíduos, officio que mais tarde passou a ser vitalício. Foi um dos mais exaltados patriotas de 1817, por cujo motivo esteve preso até 1821”. Foi eleito, por Pernambuco, deputado à Assembleia Geral Constituinte, em 1823. Tomou assento na Câmara dos Deputados, em 1826, como representante da mesma província. Foi nomeado senador por Pernambuco em 1828. João Cândido

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de Deus e Silva nasceu no Pará, em 1787, e depois foi a Portugal para estudar em Coimbra. Tomou assento na legislatura de 1826 como representante de sua província natal, depois da morte do titular e de seu primeiro suplente. Foi reeleito por seus conterrâneos para a legislatura de 1830. Organizações e programas ministeriais, 273-75, 279-289, 407-413; Augusto Victorino Alves Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro (edição facsimilar), Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1970, v. 1, p. 147-153, v. 4, p. 310-311, v. 6, p. 49-50; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 81-84; Graças Honoríficas Conferidas no Brasil entre 1808 – 1891, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional (cópia xerográfica); André Roberto de Arruda Machado, “Redesenhando caminhos. O papel dos representantes do Grão-Pará na primeira legislatura do Império do Brasil”, Almanack Braziliense, São Paulo, n. 10, nov. 2009, p. 86-87 (www.almanack.usp.br). 29 “Resoluções da Câmara. [...] Ilmo. E Exmo. Sr. – Sendo de reconhecida evidencia que nem dos objetos de maior importância e urgência, de que se deve ocupar a assembléia legislativa deste império, é a formação dos códigos de direito particar [sic] brasileiro, e havendo-se proposto nesta câmara dois projetos de código criminal que já foram submetidos ao parecer de uma comissão especial composta dos membros constantes da relação inclusa, resolveu a mesma câmara, afim de dar o mais pronto andamento a este negocio, convidar a câmara dos Srs. Senadores, para que nomeie outra comissão de igual número, a qual unida à desta câmara, tenha por objeto examinar maduramente cada um dos artigos dos mencionados projetos, interpor o seu parecer sobre a preferência, oferecer as emendas que julgar necessárias, e propor os meios que parecerem mais eficazes para abreviar a discussão em ambas as câmaras. O que tenho a honra de participar a V. Ex. para que seja presente no senado – Deus guarde a V. Ex. - Paço da Câmara dos deputados em 9 de maio de 1828 – José Antonio da Silva Maia – Sr. Visconde de Cairú. Relação dos Srs. Deputados que formam a comissão especial, a que se refere o ofício da mesma data. O Sr. José Antonio da Silva Maia. O Sr. Cândido José de Araújo Viana. O Sr. Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque. O Sr. João Candido de Deus e Silva. Secretaria da câmara dos deputados, em 9 de maio de 1828.” APB-CD, 1828, tomo 1º, Rio de Janeiro, Typographia Parlamentar, 1876, sessão de 8 de maio de 1828, p. 24-26; sessão de 10 de maio de 1828, p. 37. 30 João Inácio da Cunha nasceu em 1781, no Maranhão; cursou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito senador por sua província natal em 1826. Segundo o barão de Javari, era magistrado e foi conselheiro de Estado honorário. Tornou-se barão de Alcântara em 1825, e no ano seguinte foi elevado a visconde de Alcântara. José Joaquim Carneiro de Campos nasceu na Bahia, em 1768; estudou matemática, teologia e direito na Universidade de Coimbra. Em 1823, substituiu, na Assembleia Geral

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Constituinte, o deputado, pelo Rio de Janeiro, Joaquim Gonçalves Ledo que não tomou assento. Como conselheiro de Estado, foi um dos dez incumbidos da redação da Constituição outorgada em 1824. Foi nomeado senador, pela Bahia, em 1826. Recebeu o título de visconde de Caravelas em 1825, sendo elevado a marquês no ano seguinte. Francisco Carneiro de Campos nasceu, em 1765, na Bahia; também estudou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado, por sua província natal, à Assembleia Geral Constituinte em 1823. Em 1826, foi eleito, pela mesma província, senador do Império. Antonio Luís Pereira da Cunha, baiano de nascimento (1760), estudou direito em Coimbra. Foi eleito deputado, pelo Rio de Janeiro, à Assembleia Geral Constituinte em 1823 e, em 1826, foi nomeado senador por Pernambuco. Como conselheiro de Estado foi um dos dez nomeados para a redação da Constituição outorgada em 1824. Recebeu o título de visconde de Inhambupe em 1825, sendo elevado a marquês no ano seguinte. João Antonio Rodrigues de Carvalho nasceu em meados do século XVIII, no Rio de Janeiro; também estudou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado, pelo Ceará, à Assembleia Geral Constituinte em 1823. Tornouse senador, pela mesma província, em 1826. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 273-75, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 2, p. 62-68, 201-204; Graças Honoríficas, op. cit.; Kátia Queiroz Mattoso, Bahia século XIX. Uma província no Império, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992, p. 284-285; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 3, p. 327; site do Senado http:// www.senado.gov.br/sf/senadores/Periodo_Imperio.asp; Annaes do Senado do Império do Brazil, 1828, tomo 1º, Rio de Janeiro, 1913, sessão de 12 de maio de 1828, p. 49 (doravante ASIB) – disponíveis no site http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/. 31 Vê-se no caso do Senado que não houve simplesmente uma redução, conforme pedido da câmara, de três para cinco membros, tendo ocorrido na realidade nova eleição. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro nasceu em 1778, em Portugal. Bacharelou-se em direito pela Universidade de Coimbra. Foi eleito, pela província de São Paulo, deputado às Cortes de Lisboa. Em 1823 tomou assento como representante da mesma província na Assembleia Geral Constituinte. Em 1826 mais uma vez representou a província na Câmara dos Deputados. Em 1828, foi eleito senador por Minas Gerais. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 273-75, 279-283, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 379-383; ASIB, 1829, v. 1, Rio de Janeiro, 1914, sessão de 26 de maio de 1829, p. 236. 32 O conteúdo do parecer aparece transcrito apenas nos Anais da Câmara. Nos Anais do Senado, consta somente que Vergueiro teria lido o parecer. APB-CD, 1829, tomo 5º, Rio de Janeiro, Typographia H. J. Pinto, 1877, sessão de 31 de agosto de 1829, p. 84. ASIB, 1829, v. 2, Rio de Janeiro, 1914, sessão de 31 de agosto de 1829, p. 223.

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33 Vale destacar que dos três senadores eleitos para a, diríamos, segunda comissão mista (de três deputados e três senadores), apenas um deles, Vergueiro, assinou o parecer. O senador Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, que também respondeu pelo parecer, não era, contudo, estranho à discussão; em 11 de agosto de 1828, ele fora eleito para substituir Francisco Carneiro de Campos na primeira comissão mista de cinco membros. ASIB, 1828, v. 2, Rio de Janeiro, 1913, sessão de 11 de agosto de 1828, p. 167. 34 O projeto de Vasconcelos dividia-se em cinco títulos, sendo eles: “Dos crimes e das penas em geral”; “Dos crimes policiaes”; “Dos crimes particulares”; “Dos delitos públicos”; e, finalmente, “Disposição geral”. Todos esses títulos integravam a “Parte primeira: dos crimes e das penas”. De acordo com discurso do próprio Vasconcelos na câmara, essa parte era seguida de outra, sobre o júri, e de uma terceira à qual não se referiu explicitamente. O Código, tal como aprovado pelas duas casas e sancionado pelo imperador, dividia-se em quatro partes “Dos crimes e das penas”, “Dos crimes públicos”, “Dos crimes particulares”, “Dos crimes policiaes”. Ou seja, a não ser pela troca da palavra delito por crime (no caso dos crimes públicos) e pela alteração da ordem das matérias, colocando-se os crimes públicos na segunda parte, há aparentemente uma grande semelhança entre projeto e código. “Projecto do código criminal”; “Código Criminal do Império do Brasil”. 35 No parecer, impresso nos anais da câmara, a referência é ao artigo 169 da Constituição, o que se trata claramente de um erro tipográfico. 36 APB-CD, 1829, tomo 5º, Rio de Janeiro, Typographia H. J. Pinto, 1877, sessão de 31 de agosto de 1829, p. 84. 37 Ernesto Ferreira França nasceu na Bahia, em 1804, e bacharelou-se em direito pela Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado por Pernambuco para a legislatura de 1830. Era filho do também deputado Antonio Ferreira França. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 284-289; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 2, p. 286; http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro. asp?periodo=stj&id=291 (site do Supremo Tribunal Federal). 38 Antonio Ferreira França nasceu na Bahia, em 1771; formou-se em Coimbra em medicina, matemática e filosofia. Foi eleito deputado à Assembleia Geral Constituinte em 1823; em 1826 tomou assento na Câmara dos deputados, sendo reconduzido em 1830 (todas as vezes como representante da província da Bahia). Organizações e programas ministeriais, op. cit., 273-75, 279-287; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 1, p. 161-163. 39 APB-CD, 1830, tomo 1º, Rio de Janeiro, Typographia de H. J. Pinto, 1878, sessão de 6 de maio de 1830, p. 78-79.

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40 Antonio Pinto Chichorro da Gama nasceu em 1800, na Bahia; estudou direito em Coimbra e foi eleito deputado por Minas Gerais em 1830. Honório Hermeto Carneiro Leão nasceu em 1801, em Minas Gerais; também estudou direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito representante de Minas Gerais junto à Câmara dos Deputados na legislatura de 1830. Em 1852 foi titulado visconde de Paraná, sendo elevado a marquês dois anos depois. Organizações e programas ministeriais, 284-289, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 21-24; Graças Honoríficas Conferidas no Brasil entre 1808 – 1891, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional (cópia xerográfica). Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto nasceu na Bahia, em 1800; formou-se em direito pela Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado pela Bahia para a legislatura de 1830. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 284-289, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 21-24; Graças Honoríficas, op. cit.; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 4, p. 131-132; site do Senado http:// www.senado.gov.br/sf/senadores/Periodo_Imperio.asp; APB-CD, 1830, tomo 1º, Rio de Janeiro, Typographia de H. J. Pinto, 1878, sessão de 7 de maio de 1830, p. 80. 41 APB-CD, 1830, tomo 2º, Rio de Janeiro, Typographia de H. J. Pinto, 1878, sessão de 10 de setembro de 1830, p. 487. 42 “Diz o [artigo do] projecto: ‘Quando duas ou mais pessoas commetterem juntamente o crime. Etc’ (Leu.); ou refere-se ao primeiro, ou a palavra cumplices refere-se ao criminoso, de modo que a commissão mudou essencialmente a phrase, e o que mudou foi sobre aquilo que o Sr. Maia já refutou. Eu também não sei se cúmplices e sócios são cousas diversas, ou se querem dizer a mesma cousa. A redação da lei é uma cousa extraordinária, e as palavras significão cousas; e assim como o projecto teve o cuidado de dizer ao principio crimes ou delitos, etc. (Leu.) Diz agora a comissão: ‘Quando uma ou mais pessoas, etc.’ (Leu.) Eu acho que o caracter com que a commissão separa o autor do cúmplice será na verdade aquelle por onde se pode achar o autor mais depressa. Diz aqui. (Leu.) Não poderá haver um crime se não houver um autor; mas não se deve chamar a todos os criminosos autores; aquelle que tiver mais parte no crime será o autor, e o outro qualquer será o cúmplice. [...] Eu, portanto, prefiro o que está no projecto ao que está na emenda, com o perdão dos senhores da commissão.” Ibidem, sessão de 10 de setembro de 1830, p. 487-88. 43 Francisco de Paula e Souza e Melo nasceu em São Paulo, em 1791; a despeito de não ter cursado nenhuma universidade, segundo Sisson, seria proficiente não só em latim, italiano e francês, como também em inglês, além de ter se dedicado ao estudo do direito. Foi eleito deputado às Cortes de Lisboa; em 1823 tornou-se representante da província de São Paulo junto à Assembleia Geral Constituinte. Representou a mesma província nas legislaturas de 1826 e 1830 junto à Câmara dos Deputados. Organizações

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e programas ministeriais, op. cit., 273-75, 279-283, 284-289, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 2, p. 369-376; APB-CD, 1830, tomo 2º, op. cit., sessão 11 de setembro de 1830, p. 491. 44 Antonio Paulino Limpo de Abreu nasceu em 1798, em Portugal; estudou Direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado por Minas Gerais em 1826, sendo reeleito na legislatura seguinte. Foi titulado visconde de Abaeté em 1854. Luis Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque nasceu em Pernambuco, “no último quartel do século XVIII” (de acordo com Sacramento Blake), e formou-se em direito na Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado por Pernambuco para as legislaturas de 1826 e 1830. Como explicam Marcus Carvalho e Bruno Câmara, Luís Francisco era irmão de “Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (futuro visconde de Suassuna) e Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque (futuro visconde de Albuquerque)”. Luís Francisco, que era “considerado pelo Marquês de Paraná o mais capaz dos três, não viveu o suficiente para nobilitar-se como os outros dois. Um quarto irmão mais moço, Pedro Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (futuro visconde de Camaragibe), só se destacaria na política no final da década de 1840. Francisco, Antonio e Pedro se tornariam senadores do império”. Organizações e programas ministeriais, op. cit, 279-87; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 57-63; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 5, p. 405; Marcus J. M. Carvalho e Bruno Dornelas Câmara, “A Rebelião Praieira” (cap. 10 deste livro); APB-CD, 1830, tomo 2º, op. cit., sessão de 11 de setembro de 1830, p. 492. 45 Sebastião do Rego Barros nasceu em Pernambuco, em 1803; segundo Sisson, destinado à carreira militar, sentou praça em 1817. Iniciou os estudos em ciências matemática e filosóficas na Universidade de Coimbra, mas terminou por obter o grau de bacharel na Universidade de Gottingen. Foi eleito deputado por Pernambuco em 1830. Organizações e programas ministeriais, op. cit., p. 284-289; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 2, p. 143-150; APB-CD, 1830, tomo 2º, op. cit., sessão de 15 de setembro de 1830, p. 512. 46 APB-CD, 1830, tomo 2º, op. cit., sessão de 15 de setembro de 1830, p. 512. 47 Ibidem, sessão de 15 de setembro de 1830, p. 512-513. 48 Sessão de 16 de setembro de 1830. “Declaramos que na sessão de 15 de corrente votamos contra a admissão da pena de morte no código criminal. Paço da câmara dos deputados, em 16 de setembro de 1830 – José Joaquim Vieira Souto – Ernesto Ferreira França – Lourenço Pinto de Sá Ribas – Antonio Fernandes da Silveira – Manoel Maria do Amaral – Antonio Ferreira França – José Ribeiro Soares da Rocha – Antonio Pereira Rebouças – Francisco de Paula de Araújo e Almeida – José Lino Coutinho – Antonio Pinto Chichorro da Gama – Inácio de Almeida Fortuna – Manoel Pacheco Pimentel

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– Martim Francisco Ribeiro de Andrada.”; “Declaro que na sessão de ontem votei pela pena de morte nos únicos casos declarados no projeto do código criminal – Gervásio Pires Ferreira.”; “Declarão os abaixo assinados que na sessão do dia 15 de setembro de 1830, votaram pelas pena de morte e galés nos casos do código criminal, com suas emendas. Paço da câmara dos deputados, em 16 de setembro de 1830. A. P. Limpo de Abreu – J. B. L. Ferreira de Melo – H. H. Carneiro Leão – Bernardo Belisário Soares de Souza – José Custódio Dias – João Antonio de Lemos – Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto – Antonio Maria de Moura.” Ibidem, sessão de 16 de setembro de 1830, p. 519. 49 Ibidem, sessão de 20 de outubro de 1830, p. 612-13. 50 “Código Criminal do Império do Brasil”, artigos 113-114, 192, 271, p. 158, 173 e 184. 51 Andréa Slemian, “À nação independente, um novo ordenamento jurídico: a criação dos Códigos Criminal e do Processo Penal na primeira década do Império do Brasil”, in Gladys Sabina Ribeiro (org.), Brasileiros e cidadãos: modernidade política 1822-1930, São Paulo, Alameda, 2008, p. 198. 52 APB-CD, 1830, tomo 2º, Rio de Janeiro, Typographia de H. J. Pinto, 1878, sessão de 23 de outubro de 1830, p. 617. 53 O Senado possuía várias Comissões permanentes, dentre elas a de Legislação. Em 4 de maio de 1829 foram eleitos para participar da referida comissão os senadores Francisco Carneiro de Campos, com 31 votos; Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque, 26 votos; João Antonio Rodrigues de Carvalho, com 21 votos; Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, 19 votos; e marquês de Inhambupe, 17 votos (todos eles senadores que haviam participado, em algum momento, das comissões mistas, da primeira de 5 deputados e 5 senadores ou da segunda de 3 membros por casa). ASIB, 1829, v. 1, op. cit., sessão de 4 de maio de 1829, p. 43. 54 ASIB, 1830, v. 3, Rio de Janeiro, 1914, sessão de 23 de novembro de 1830, p. 578. 55 Segundo José Reinaldo de Lima Lopes, o jurista português Pascoal José de Mello Freire (1738-1798) “destacou-se ao ensinar o direito pátrio estabelecido pela reforma pombalina na Universidade de Coimbra. Sua pertença aos estratos superiores das elites portuguesas fica evidente em sua carreira pública: além de deter uma cátedra na Universidade de Coimbra, verdadeiro ofício público na época e posto privilegiado no Reino, foi nomeado membro da Junta do novo Código em 1783. A Junta estava encarregada de reformar toda a legislação portuguesa e Melo Freire aproveitava a oportunidade para apresentar um código criminal bastante inspirado nas idéias da Ilustração penal (particularmente de seus contemporâneos Beccaria e Filangieri). Embora a missão da Junta nunca se completasse, Melo Freire fez sua parte apresentando um esboço completo do código criminal”. José Reinaldo de Lima Lopes, As palavras e a lei. Direito,

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ordem e justiça na história do pensamento jurídico moderno, São Paulo, Ed. 34/ Edesp, 2004, p. 61. Para uma análise profunda das transformações, em matéria de direito, em Portugal do século XVII e, especialmente, das inovações e impacto do código de Mello Freire, ver Antonio Manuel Hespanha, “Da ‘iustitia’ à ‘disciplina’. Textos, poder e política penal no Antigo Regime”, in idem (org.), Justiça e litigiosidade: história e prospectiva, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993; Pascoal José de Mello Freire, Código criminal intentado pela Rainha D. Maria I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1844 (disponível no site http://www.fd.unl.pt). 56 Para Arno Dal Ri, “espelhando-se na ação de Justiniano, Napoleão cercou-se dos melhores juristas da sua época e ‘ordenou’ a confecção de um código penal que, tal como a sua codificação civil, deveria durar eternamente. Exaustiva e completa, esta magnífica obra deveria repensar todas as principais normativas de caráter penal até então editadas, condensando-as em um único corpus. Emanada no ano de 1810, a codificação penal de Napoleão pode ser apontada como um dos marcos do surgimento das políticas penais de matriz liberal. Tratava-se, no dizer de Franz Von Liszt, de uma obra que marcou a história pela sua linguagem técnica, precisa e clara, exercendo larga e profunda influência sobre as legislações dos países estrangeiros, principalmente sobre os latino-americanos. Elaborada por uma comissão dirigida pelo jurista Guy JeanBaptiste Target, a nova legislação era severíssima, fundamentalmente baseada no uso da pena como meio de intimidação. [...] Como afirmava o jurista francês no relatório que acompanhava o projeto de código penal: ‘Às calamidades presentes, é necessário opor remédios rápidos tal é o objetivo das leis criminais e do código penal’”. Arno Dal Ri Junior, O Estado e seus inimigos: a repressão política na história do direito penal, Rio de Janeiro, Revan, 2006, p. 205-207; “Codes des delits et des peines (décrété le 12 février 1810. Promulgué le 22 du même mois)”, Corps de Droit Français, civil commercial et criminel, par L. Rondonneau, Paris, Garnery Libraire, 1810. 57 De acordo com o código espanhol, seria “rebellion el levantamineto ó insurreccion de uma porcion mas ó menos numerosa de súbditos de la Monarquia, que se alzan contra la patria y contra el Rey, o contra el Gobierno supremo constitucional y legitimo de la Nacion [...]”. A não ser por essa menção, insurreição tampouco aparecera no código de 1786 da Toscana, naquele do imperador José II da Áustria, de 1787, no código francês de 1791, ou no Código Penal da Baviera, de 1813. Codigo Penal Español, decretado pelas Cortes em 8 de junio, sancionado por El Rey, y mandado promulgar em 9 de julio de 1822, Madri, Imprenta Nacional, 1822; Nouveau Code Criminel pour le Grand Duché de Toscane, Lausanne, François Grasset et Comp. Libraires & Imprimeurs, 1787; The Emperor’s New Code of Criminal Laws, Dublin, Printed by John Rea, 1787; Loi. Code Pénal. Donnée à Paris, le 6 Octobre 1791, Saint-Flour, G. Sardine Imprimieur

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du Département du Cantal, 1791; Code Pénal du Royaume de Bavière, Paris, Auguste Durand Libraire-editeur, 1852. 58 APB-CD, 1829, tomo 2º, Rio de Janeiro, Typogaphia H. J. Pinto, 1877, sessão de 21 de maio de 1829, p. 115. 59 Segundo Nelson Werneck Sodré, a Astréa, de João Clemente Vieira Souto (também chamado de José Clemente Vieira Souto ou José Joaquim Vieira Souto), com oficina à rua do Sacramento, foi criada pouco depois da abertura dos trabalhos legislativos em 1826, mantendo-se até 1832; William Wisser traz o interessante dado de que em 1831 a Astréa já publicara 688 números. Após o aparecimento da gazeta de Vieira Souto, outras tantas foram criadas, refletindo e aprofundando, de acordo com Sodré, “a cisão entre o imperador e as forças políticas que haviam realizado a autonomia com ele e consagrando-o. [...] Aquela cisão se caracterizaria pelas divergências entre o imperador e a Câmara, cujos debates a imprensa refletia e acompanhava”. O próprio d. Pedro I, consoante Sodré, não só estimulou seus defensores a tomarem parte no debate da imprensam, como participou pessoalmente, manifestando-se com freqüência no Diário Fluminense. “Assim, ora agia no terreno legal, promovendo denúncias por crimes de imprensa cometidos pelos que o combatiam – José Clemente Vieira Souto, redator da Astréa, foi algumas vezes submetido a processo – como brandia a mesma arma de seus adversários e utilizava a mesma linguagem, quando não a excedia”. Para Wisser, o posicionamento de editores como Vieira Souto colocava-os na frente de batalha e, por conseguinte, na arena judicial. Ainda que destaque que nos últimos meses do primeiro reinado as ações contra abuso de liberdade de imprensa tenham se tornado menos frequentes, o autor demonstra que, entre 1826 e 1829, de todos os processos abertos por abuso apenas três não tiveram a Astréa como réu; mesmo que, várias vezes (a despeito da denúncia do promotor e de instaurada a ação judicial) a gazeta não tenha sido condenada. Nesse sentido, é necessário lembrar que, desde 1822 (de acordo com o decreto de 18 de junho), cabia aos juízes do fato (ou jurados) o “julgamento dos crimes de abuso de liberdade de imprensa”. O sistema de jurados era, então, segundo Wisser, um meio eficaz de combate à corrupção e ao patronato, garantindo a voz do povo nas matérias judiciais. Vieira Souto foi eleito deputado para a segunda legislatura, 1830-1834, pela província do Rio de Janeiro. Ou seja, chegou ele mesmo a testemunhar as discussões que precederam a aprovação do Código de 1830; sendo, por exemplo, um dos representantes que votou contra a admissão da pena de morte. Sérgio Buarque de Holanda, “Prefácio”, in Jeanne Berrance de Castro, A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850, 2ª ed., São Paulo, Editora Nacional, 1979, p. XIII; William M. Wisser, Rhetoric and Riot in Rio de Janeiro, 1827-1831, dissertação de mestrado, Chapel Hill, Universidade da Carolina do Norte, 2006, p. 18, 22-23,

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43-46, 51-54; Nelson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 114, 128-129; “Decreto – de 18 de junho de 1822. Crêa Juízes do Facto para julgamento dos crimes de abusos de liberdade de imprensa”, CLIB, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1887, p. 23-24. 60 Em seu plano, Edward Livingston defendia que os jurados eram não só dificilmente influenciáveis, bem como menos inclinados a proceder de acordo com “idéias falsas acerca do dever oficial”, como dizia ocorrer com os magistrados. Em sua defesa da instituição destacava inclusive o valor cívico e educativo da participação dos mais obscuros cidadãos no júri, afirmando que “além do mais, o exercício frequente dessa função importante propicia um senso de dignidade e respeito próprio não só condizente com o caráter de um cidadão livre, mas que contribue para a felicidade individual”. Nesse sentido, criticava o modo como o código napoleônico de 1808 havia previsto a instituição, modificando-a de tal maneira “que pouco lembrava sua origem; tornou-a um corpo seleto de sessenta homens, escolhidos pelo prefeito que devia seu cargo à vontade da Coroa”. Quanto às “ofensas contra a liberdade de imprensa”, considerava que as garantias dadas à propriedade deveriam ser estendidas também ao direito de expressão; ou seja, se ninguém podia ser privado do uso de uma propriedade, também não poderia ser impedido de se expressar livremente. O plano de Livingston, ou Report made to the General Assembly of the State of Lousiana of the Plan of a Penal Code for the said State, foi publicado em Nova Orleans, em 1822, em inglês e francês, e teve dois anos depois uma edição na Inglaterra (mas já com um título diferente) e, em 1825, outra na França. Além disso, foi objeto de uma nota elogiosa na Revue Enciclopedique, logo após sua publicação nos Estados Unidos, bem como de uma resenha na Westminster Review, em janeiro de 1825. Edward Livingston, Report made to the General Assembly of the State of Lousiana of the Plan of a Penal Code for the said State, Nova Orleans, Benjamin Levy & Co, 1822 (tradução livre); Rapport fait à l’Asssemblée Générale de l’Etat de la Lousiane sur Le projet d’um Code Pénal por ledit Etat, Nova Orleans, Benjamin Levy & Co, 1822; Project of a new Penal Code for the State of Louisiana, Londres, Baldwin, Cradock and Joy, 1824; M. A. H. Taillandier (ed.), Rapport sur le projet d’un Code penal fait a l’Assemblée générale de l’état de la Lousiane, par M. Édouard Livingston, Paris, 1825; Jennifer Denise Henderson, “A Blaze of reputation and the echo of a name”: the legal career of Peter Stephen Du Ponceau in post-revolutionary Philadelphia, dissertação de mestrado, Florida State University – College of Arts and Sciences, 2004, p. 69; Charles Haven Hunt, Life of Edward Livingston, Nova York, D. Appelton Company, 1864, p. 276-77. 61 Edward Livingston nasceu no estado de Nova York, em 1764, e lá faleceu em 1836. Graduou-se, em 1781, no College of New Jersey (depois Universidade de Princeton),

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dedicando-se então ao estudo do direito. De 1795 a 1801 representou seu estado natal no Congresso Nacional; nos dois anos seguintes foi promotor e prefeito da cidade de Nova Iorque (em razão de uma acusação de desfalque foi condenado a restituir o dinheiro e se afastou da política nova-iorquina). Mudou-se então para Nova Orleans, onde se dedicou à prática do direito (vale destacar que era irmão do chanceler Robert Livingston, que havia negociado com Napoleão, no começo do século, a compra, pelos Estados Unidos, do território de Orleans). Como presidente do comitê de defesa pública de Nova Orleans, organizou a resistência à invasão inglesa em 1814. Se, em 1821, o legislativo da Luisiana lhe encomendou uma revisão das leis penais, em 1822 foi incumbido, desta vez juntamente com os jurisconsultos Louis Casimir Moureau-Lislet e Pierre Derbigny, da revisão do Código Civil do estado, bem como da preparação de um Código Comercial e, finalmente, da formulação de um tratado sobre as normas das ações civis e um sistema de processo para ser utilizado pelos tribunais. Ainda que o Código Comercial – tal como seu A System of Penal Law - nunca tenha sido adotado pelo legislativo do estado, o Código Civil foi promulgado em 1825, seguido poucos meses depois do Code of Practise. Entre 1823 e 1829 atuou como deputado junto ao Congresso Nacional, desta vez pelo distrito de Nova Orleans; em 1829 elegeu-se senador. Em 1831 apresentou ao Senado americano seu projeto de Código Penal para os Estados Unidos (já publicado em 1828), mas que também nunca chegou a ser adotado. Nesse mesmo ano foi escolhido secretário de Estado, encarregado das Relações Exteriores dos Estados Unidos, cargo que exerceu até 1833. William B. Hatcher, Edward Livingston. Jeffersonian Republican and Jacksonian Democrat, Louisiana State University Press, 1940; Charles Noble Gregory, “Bentham and the codifiers”, Harvard Law Review, v. XIII, n. 5, 1900. Sobre o debate da codificação nos Estados Unidos ver Jennifer Denise Henderson, “A Blaze of reputation and the echo of a name”, op. cit.; e Charles M. Cook, The American Codification Movement. A study of Antebellum Legal Reform, Westport/ Londres, Grenwood Press, 1981. 62 Segundo William Hatcher, para redigir sua obra Livingston se baseou nas Partidas e em outras leis espanholas, bem como no Código francês de 1810, e no direito consuetudinário inglês; sendo também evidentes as influências de Cesare Beccaria, Denis Diderot, Montesquieu, Voltaire, Jeremy Bentham e “outros reformadores sociais da Europa e também da América”. Depois de sua publicação, Thomas Jefferson envioulhe uma carta em que se dizia “satisfeito com o estilo e linguagem de suas leis”. Outras manifestações se seguiram, entre elas as de Victor Hugo e Jeremy Bentham, que requereu ao Parlamento inglês que imprimisse a codificação de Livingston para a Luisiana “para a orientação e uso da nação inglesa”. Taillandier, por sua vez, pouco antes da apresentação da obra ao legislativo do estado, escreveu que chegava o momento em

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que a legislatura da Luisiana iria discutir os códigos propostos, e que esperava que seus princípios fossem aceitos, e que o estado adotasse o mais nobre corpo de leis penais existentes até então em qualquer nação. Finalmente, não só o governo da Guatemala traduziu sua obra para o espanhol, como adotou seu “Code of Reform and Prison Discipline”. Edward Livingston, A System of Penal Law for the State of Louisiana, Pittsburgh, John L. Kay & Brother, 1833. Hatcher, Edward Livingston, op. cit., p. 283286. Hunt, Life of Edward Livingston, op. cit., p. 277-278 (tradução livre). 63 José Silvestre Rebello, de acordo com Álvaro da Costa Franco, nasceu em Portugal, “no último quartel do século XVIII”. Teria vindo moço ao Brasil, dedicando-se ao comércio no Rio de Janeiro. Em 1820, publicou uma obra “de fôlego” intitulada Comércio Oriental. Repertório de informações sobre os portos, mercadorias, pesos e medidas da rota do Cabo da Boa Esperança ao Japão. Também lhe são atribuídos o livro O Brasil visto de cima, com o pseudônimo de “Trezgeminos Cosmopolitas”, e alguns artigos, publicados na imprensa, em 1822, sob o mesmo pseudônimo. Teria sido, também, dos primeiros a “aderir à idéia da emancipação política do Brasil, sendo um dos fundadores e secretário da sociedade ‘Philotécnica’” que, segundo Zacarias de Góis e Vasconcelos, tinha por fim “reunir as diferentes províncias em comunidade de idéias e da qual deviam fazer parte os homens mais ilustrados da época e que se achassem em caso de encaminhar convenientemente os povos com os seus conselhos”. Conforme Costa Franco, “Silvestre Rebello foi também juiz comissário da Comissão Anglo-Brasileira, destinada a arbitrar as questões decorrentes do apresamento de navios negreiros”. Em janeiro de 1824 foi encarregado dos negócios de Washington, chegando aos Estados Unidos em abril do mesmo ano; cargo que exerceu até agosto de 1829. Rebello levava instruções para “obter o reconhecimento formal do Império pelo governo norte-americano; sondar as possibilidades de um tratado de aliança defensiva e ofensiva entre os Estados Unidos e o Brasil, receoso de um conflito com Portugal; negociar a aquisição de navios para equipar a nascente armada nacional”. Em maio de 1824, “ao apresentar suas credenciais ao presidente James Monroe”, garantiu o reconhecimento norte-americano da independência do Brasil. Para Costa Franco, se, por um lado, Rebello buscava ressaltar “aos olhos das cortes européias o mérito de manter um regime monárquico no hemisfério ocidental, insinuando mesmo a possibilidade de estímulo ao surgimento de outras monarquias no continente americano”, por outro, “revelava aos olhos de Washington uma outra face, que condenava ‘a política tortuosa e maquiavélica da Europa’”, como escreveu em ofício de fevereiro de 1829. Por fim, a leitura dos despachos e ofícios redigidos ou recebidos pelo primeiro embaixador traz informações interessantes quanto à difusão das ideias de Livingston. Em 26 de junho de 1824, Rebello enviou um ofício a Luís José de Carvalho e Melo (ministro dos

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Negócios Estrangeiros) em que informava que três dias antes recebera “do deputado ao Congresso pela Louisiana Edward Levingston, um exemplar limpamente encadernado de um plano de um código criminal, com uma carta, oferecendo-o a S. M.”, e que iria remetê-lo no primeiro barco seguro que houvesse. Em 10 de dezembro do mesmo ano, um despacho do ministro informava ter levado “à presença de S. M. o Imperador o plano do código que mr. Edward Livingston apresentou à Assembleia Geral da Louisiana como seu deputado e o mesmo senhor recebeu com especial agrado aquela oferta, dignando-se de lhe mandar escrever a carta inclusa de agradecimento, que V. Mce. lhe fará entregar com segurança”. Finalmente, em ofício de 25 de junho de 1825, Rebello informava que estava de posse da “carta que S. M. I. mandou escrever ao dr. Livingston, sobre o Código Criminal, que ele lhe ofereceu; como o não encontrei, tenho a carta em meu poder para lhe entregar quando ele aqui se recolher, o que não será antes de dezembro; segundo creio, foi, me disseram, para a Louisiana”. Considerando a data em que Livingston teria encontrado com o embaixador brasileiro, a obra em questão era o já mencionado plano de código penal; ou Report made to the General Assembly of the State of Lousina of the Plan of a Penal Code for the said State. É provável que o código já pronto tenha sido trazido por Rebello quando de seu regresso ao Brasil. Brasil – Estados Unidos, 1824-1829, Rio de Janeiro, Centro de História e Documentação Diplomática/ Brasília, Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, v. 1, p. 52, 107-109, 251-254; Álvaro da Costa Franco, “Apresentação”, in idem, p. 9-13. 64 APB-CD, op. cit., sessão de 12 de maio de 1830, p. 117 e 123. 65 APB-CD, op. cit., sessão de 12 de maio de 1830, p. 123. 66 José Bento Leite Ferreira de Mello nasceu em 1785, em Minas Gerais; segundo Sisson, destinado pelos pais à vida eclesiástica, tornou-se então padre. Foi eleito deputado pela província de Minas Gerais para as legislaturas de 1826 e 1830. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 279-283, 284-289; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 2, p. 421-427. 67 Antonio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque nasceu em 1797, em Pernambuco; segundo Sacramento Blake, teria sentado praça no exército aos dez anos de idade, sendo promovido “a diversos postos até o de tenente-coronel”. Em 1824, lutou ao lado das forças legalistas contra a Confederação do Equador. Foi eleito deputado geral, por Pernambuco, para a legislatura de 1826, sendo reeleito em 1830. Em 1854 foi agraciado com o título de visconde de Albuquerque. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 279-287, 407-413; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 1, p. 172-173. 68 APB-CD, op. cit., sessão de 14 de maio de 1830, p. 143-44.

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69 APB-CD, 1830, tomo 1º, Rio de Janeiro, Typographia de H. J. Pinto, 1878, sessão de 26 de maio de 1830, p. 234. 70 José Lino Coutinho nasceu na Bahia, em 1784; formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra. Segundo Sacramento Blake, foi “um dos membros da junta provincial da Bahia”, quando da luta pela independência. Representou sua província natal nas Cortes de Lisboa. Foi eleito deputado pela Bahia para as legislaturas de 1826 e 1830. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 279-283, 284-289; Sacramento Blake, Diccionário bibliographico brazileiro, op. cit., v. 5, p. 7-8. 71 APB-CD, op. cit., sessão de 10 de setembro de 1830, p. 488. Uma vez que já no Report, Livingston tratava da questão, não fica claro à que obra se referia o deputado. 72 Paula e Souza se confunde ao dizer que “Levingston ofereceu à assembléia legislativa da Virginia, um excelente projeto de código que foi adotado”. APB-CD, op. cit., sessão de 11 de setembro de 1830, p. 490. 73 Ibidem, sessão de 13 de setembro de 1830, p. 505. 74 Antônio Pereira Rebouças nasceu em 1798, na Bahia; não tendo condições econômicas para frequentar uma universidade, tornou-se autodidata em direito, conseguindo, em 1821, do Tribunal do Desembargo do Paço licença para advogar em sua província de origem (em 1847 seria autorizado a advogar em todo o país). Foi eleito representante pela Bahia para a Câmara dos Deputados na legislatura de 1830. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 284-287; Keila Grinberg, “Antonio Pereira Rebouças”, in Ronaldo Vainfas (org.), Dicionário do Brasil Imperial (1822-1829), Rio de Janeiro, Objetiva, 2002, p. 54-55. 75 APB-CD, op. cit., sessão de 14 de setembro de 1830, p. 508. Essas referências valem para mostrar o conhecimento dos deputados acerca da existência da obra de Livingston. Não é o foco deste texto analisar os argumentos apresentados então para a retirada da pena de morte do Código Criminal brasileiro. Segundo Andréa Slemian, levandose em conta o plano do jurista norte-americano, é “interessante notar que seu autor, Edward Livingston, descarta totalmente qualquer razão de fundo religioso para sustentar um sistema de jurisprudência, e rebate os argumentos daqueles que apoiavam a pena de morte em valores do cristianismo (exatamente ao contrário do que acontecia no Brasil)”. Andréa Slemian, “À nação independente”, op. cit., p. 195, nota 63. 76 José da Silva Lisboa nasceu em 1756, na Bahia; estudou filosofia e direito canônico em Coimbra. Foi eleito deputado, pela Bahia, à Assembleia Geral Constituinte em 1823, e nomeado senador, pela mesma província, em 1826. Em 1825 foi agraciado com o título de barão de Cairu, sendo elevado a visconde no ano seguinte. Organizações e programas ministeriais, op. cit., 273-75, 407-413; Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, op. cit., v. 1, p. 158-163. Graças Honoríficas, op. cit..

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77 ASIB, 1830, v. 3, op. cit., sessão de 25 de novembro de 1830, p. 596. 78 Considerando-se os Estados Unidos como um todo os escravos, em 1820, representavam apenas 16% - mas isso, é claro, contabilizando-se também a população dos estados que já haviam abolido a escravidão. Mesmo em comparação com a Georgia (um dos tradicionais estados escravocratas do país), com 43% de cativos, a porcentagem de escravos na Luisiana era bastante alta. William Darby, View of the United States, historical, geographical, and statistical, Philadelphia, H. S. Tanner, 1828, p. 436, 507, 527. 79 “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 158. 80 Título 2, “Of offences against the Sovereign Power of the State”, cap. 3; Livingston, A system of penal law, op. cit., p. 381 (tradução livre). 81 O crime de resistência (cap. 7, do título 4º, “Dos crimes contra a segurança interna do Império e a pública tranquilidade”) previa: “Art. 116. Oppor-se alguém de qualquer modo com força á execução das ordens legaes das autoridades competentes. Se em viturde da opposição não se effectuar a diligencia ordenada, ou, no caso de effectuarse, se os oficciaes encarregados da execução soffrerem alguma offensa physica da parte dos resistentes. [...] Art. 118. Os officiaes da diligencia, para effectual-a poderão repellir a força dos resistentes até tirar-lhes a vida, quando por outro meio não possam conseguil-o. Art. 119. Provocar directamente por escriptos impressos, lithographados, ou gravados, que se distribuírem por mais de quinze pessoas, aos crimes especificados nos capítulos terceiro, quarto, quinto, e bem assim, a desobedecer ás leis”. Como mencionado anteriormente, o Código de 1830 introduzia – em relação ao projeto de Vasconcelos - o crime de “Desobediência às autoridades”, no sétimo e último capítulo do título referente aos “crimes contra a segurança interna do Império, e a pública tranqüilidade”. Tratava-se de um capítulo com um único artigo (no 128), “Desobedecer ao empregado publico em acto do exercício de suas funcções, ou não cumprir as suas ordens legaes”. É curioso, pois o artigo parece de certa maneira repetir o conteúdo de alguns dos artigos que caracterizavam o crime de resistência. “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 159-160. 82 Livingston, A System of Penal Law, op. cit., p. 388 (tradução livre). 83 Art. 289; “Projecto do código criminal”, p. 107. 84 Art. 126; “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 160. 85 “Parte Primeira – Dos crimes e da penas”, “Título II – Das penas”, artigos 33 a 64”; “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 147-150. 86 Livingston explicava que o “imprisonment in close custody” implicava que o detento ficasse confinado sozinho em uma cela da prisão, sem que lhe fosse concedido qualquer outro alimento a não ser aquele comumente distribuído pela instituição e que não recebesse visitas (a não ser que especialmente autorizadas pelo juiz e em casos

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de doença ou problemas específicos). Ou seja, em nada lembrava a prisão simples que significava tão somente, para o jurista nova-iorquino, a manutenção do detento dentro das dependências (muradas) da prisão, sendo-lhe permitida a leitura de livros, a escrita, e a associação com outras pessoas nos horários determinados pelo regulamento da instituição. “Code of crimes and punishments”, Livro II – “Of offences and Punishments”, Título 1 – “Of the general divisions....”, Capítulo II – “Of punishments”; Livingston, A System of Penal Law, op. cit., p. 377-78. 87 Ibidem, p. 390, grifo nosso (tradução livre). 88 “Projecto do código criminal”, p. 99. 89 Art. 291. “Nenhuma associação de mais de vinte pessoas, cujo fim seja se reunir todos os dias ou em dias determinados para se ocupar de questões religiosas, literárias, políticas ou outras, poderá se formar sem a concordância do Governo, e conforme as condições que convierem à autoridade pública impor à sociedade”. “Codes des delits et des peines”, op. cit., p. 466 (tradução livre). 90 O parágrafo 11, do título XVI de Mello Freire estipulava que os “ajuntamentos illicitos, occultos e clandestinos, parecendo verdadeiramente prejudiciaes, se castigarão com a pena de perdimento da casa [...] e com a de prisão das pessoas, que nella se ajuntaram com este fim”. Mello Freire, Código criminal intentado pela Rainha D. Maria I, op. cit., p. 37-38. 91 “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 186. 92 Livingston, A system of penal law, op. cit., p. 395-396 (tradução livre). 93 “Os crimes policiais, que segundo o Conselheiro Olegário na sua Prática das Correições são ‘aqueles fatos que a lei incrimina não tanto pelo mal que em si contém ou pelo dano que delas resultam, como pelos perigos e males a que podem dar ocasião’, são, em verdade, autênticas contravenções”. Zahidé Machado Neto, Direito penal e estrutura social, São Paulo, EDUSP/ Saraiva, p. 94. 94 Cf. Thomas Flory, El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. Control social y estabilidad política en el nuevo Estado, México, Fondo de Cultura Económica, 1986, p. 173-174. Para Antonio Carlos Wolkmer, o código criminal, “era não só redigido segundo a melhor doutrina clássica penal, como também, se afinava com o espírito liberal da época”. Antonio Carlos Wolkmer, História do direito no Brasil, 5ª ed. revista com alterações, Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 109. 95 “Projecto do código criminal”, artigos 293 e 294. 96 “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 158. 97 Em suas “Provas” ao Código, Mello Freire declarava que o título XVI – “Das sedições, tumultos e outros ajuntamentos” – “é como um apêndice, ou explicação e aditamento dos antecedentes: é novo neste Código, e não vem nas Ordenações antigas, nem nas

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atuais em título separado, nem incidentemente; mas pareceu-me necessário em benefício dos réus, dos juízes e da república. [...] A força (o mesmo digo de todo o ajuntamento ilícito) ou pode ser cometida por uma, ou duas pessoas, ou por muitas mais; e ou é contra o rei e estado, ou contra os seus ministros e oficiais em ódio e prejuízo da ordem pública, ou contra os particulares por motivos e interesses particulares. A força cometida por um ou dois particulares contra outro vem debaixo do nome específico de desafio, briga ou rixa particular, ou do geral de violência. Se é cometida por uma ou outra pessoa contra a justiça, vem debaixo do nome e crime específico de resistência. Se a força se comete por muitas pessoas, a que eu chamo de ajuntamento, quando não tem fim algum e é tumultuário, chama-se motim ou tumulto popular; rebelião ou traição, quando se propõe a ofender o imperante, ou o estado; sedição, quando se ofendem os magistrados, e se perturba a ordem pública; e assuada, quando a multidão se une e ajunta por motivos e razões particulares contra outros particulares. As uniões e associações clandestinas vêm debaixo do nome geral de ajuntamentos ilícitos”. Mello Freire, Código criminal intentado pela Rainha D. Maria I, op. cit., p. 36; “Provas do Direito Criminal”, in idem, p. 48-49. 98 Para Flory, a definição de “cabeças” fora dada tão vagamente que “solo com la mayor dificultad se podría establecer legalmente”. Flory, El juez de paz y el jurado, op. cit., p. 174. 99 “Projecto do código criminal”, p. 108. 100 Ibidem. 101 “Art. 68 – Tentar diretamente, e por fatos, destruir a independência ou a integridade do Império [...]. Art. 69 – Provocar diretamente, e por fatos, uma nação estrangeira a declarar guerra ao Império, se tal declaração se verificar, e se seguir a guerra [...]. Art. 85 – Tentar diretamente, e por fatos, destruir a Constituição Política do Império, ou a forma do governo estabelecida [...]. Art. 86 – Tentar diretamente, e por fatos, destruir algum ou alguns artigos da constituição [...]. Art. 87 – Tentar diretamente, e por fatos, destronizar o Imperador; privá-lo em todo, ou em parte da sua autoridade constitucional; ou alterar a ordem legítima da sucessão [...]. Art. 88 – Tentar diretamente, e por fatos, uma falsa justificação da impossibilidade física, ou moral do Imperador [...]. Art. 89 – Tentar diretamente, e por fatos, contra a Regência ou Regente, para priválos em todo, ou em parte da sua autoridade constitucional. [...] Art. 91 – Opor-se alguém diretamente, e por fatos, à pronta execução dos Decretos, ou Cartas de convocação da Assembléia Geral, expedidas pelo Imperador, ou pelo Senado, nos casos da Constituição, artigo quarenta e sete, parágrafos terceiro e quarto [...]. Art. 92 – Oporse alguém diretamente, e por fatos, à reunião da Assembléia Geral Legislativa em sessão ordinário ou extra-ordinária; ou à reunião extraordinária do Senado nos caso do artigo quarenta e sete, parágrafos terceiro e quarto.” Os artigos 68 e 69 constavam do

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título 1, “Dos crimes contra a existência política do Império”, capitulo 1, “Dos crimes contra a Independência, integridade e dignidade da nação”; os artigos 85 e 86 estão no capítulo seguinte, referente aos “Crimes contra a Constituição do Império e a forma de seu governo”; os artigos 87 a 89 fazem parte do capítulo 3, “Dos crimes contra o chefe de governo”; finalmente os artigos 91 e 92 já estavam no Título II, “Dos crimes contra o livre exercício dos Poderes Públicos”. “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 151-159. 102 Art. 107, ibidem, p. 157. 103 Ibidem, p. 158. 104 Quem sabe, o deputado o fizera por inspiração do código da Toscana de Pedro Leopoldo, de 1786, que declaradamente abolia todas as leis relativas ao delito ou à pretensão do crime de lesa-majestade. Vasconcelos, ao assim proceder, optara, contudo, por não seguir nem o Código napoleônico de 1810 – que considerava crime de lesa-majestade os atentados contra o imperador –, e, muito menos, o código de Mello Freire, que dedicava seu título XIV justamente a esse crime. Noveau Code Criminel pour le Grand Duché de Toscane, op. cit., p. 55; “Codes des delits et des peines”, op. cit., artigo 86, seção 2, “Des crimes contra la súreté intérieure de l’État”, capítulo 1, título 1, “Des crimes et des délits contre la chose publique”, p. 447; Mello Freire, Código criminal intentado pela Rainha D. Maria I, op. cit., p. 32-33. 105 Segundo Hespanha, o “despotismo iluminista marca o advento de novas intenções do poder da coroa. Se muitas limitações estruturais da prática punitiva real permanecem, existe, em contrapartida, um projeto novo de atuação política, à justiça substitui-se a disciplina. A coroa vai pretender constituir-se em centro único do poder e da ordenação social, esvaziando os centros políticos periféricos e pondo, com isto, fim à constituição política da monarquia pluralista. [...] Se, antes, a punição real cumpria uma função quase exclusivamente simbólica, agora ela passa a desempenhar um papel normativo prático. Ao punir, pretende-se, de fato, controlar os comportamentos, dirigir, instituir uma ordem social e castigar as violações a esta ordem. Para isto, o direito penal da coroa tem que se converter num instrumento efetivo, funcionando eficazmente e sendo, por isso, crível e temido”. Isso leva a um agravamento do rigor do sistema penal da coroa, “visível no aumento da frequência da aplicação da pena de morte, e sobretudo, na mais visível funcionalização desta aplicação aos objetivos políticos conjunturais da coroa”. Assim, para Mello Freire, o crime de (alta) traição estava diretamente relacionado à quebra da relação de fidelidade entre o súdito e seu soberano. Ou como explicado em suas “Provas” ao Título XIII de seu Código (“Do crime de alta traição”), a “principal obrigação do súbdito é a fidelidade; e por isso o maior crime, que elle pode commetter, é a traição, e lhe chamo alta em diferença dos crimes

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particulares, porque o amigo infiel ao seu amigo e bemfeitor, o criado ao amo, o clérigo ao seu bispo, e o súbdito ao superior, não é tão criminoso e infiel, como aquelle, que o é à sua pátria”. Vale destacar que o código Napoleônico, a despeito de prever o crime de lesa-majestade, não apresentava, sequer uma vez, em todo o título 1o, dedicado aos crimes contra a coisa pública, o uso do termo traição. Ainda que a palavra traição não apareça no código de Livingston para a Luisiana, o tipo penal está previsto em seu projeto de código penal para os Estados Unidos; nesse caso, há que destacar que o jurisconsulto nova-iorquino parecia ter como base, necessariamente, o que constava da Constituição de seu país: art. 3º, “§3. É traição contra os Estados Unidos somente o ato de fazer-lhes guerra, ou aderir a seus inimigos, fornecendo-lhes AUXÍLIO e guarida. Ninguém será condenado por traição se não houver o testemunho de duas pessoas acerca do ato, ou mediante confissão em corte pública”. Hespanha, “Da ‘iustitia’ à ‘disciplina’”, op. cit., p. 530-531, 558-59; “Codes des delits et des peines”, op. cit.; Exposé d’um Système de Législation Criminelle pour l’État de la Louisiane et pour les États-Unis d’Amérique, Paris, Guillaumin et Cie Èditeurs, 1872, v. 2, p. 522-23; The Constitution of the United States with the Acts of Congress, relating to Slavery, Rochester, D. M. Dewey, s/d, p. 10 (tradução livre). 106 O termo “conspiração” não aparece no código de Mello Freire, no napoleônico de 1810, ou mesmo no Código da Luisiana. Curiosamente, o uso mais próximo ao da legislação brasileira aprovada em 1830, parece ser o atribuído pela Assembleia francesa em fins do XVIII. No Código penal francês de 1791, utilizava-se o termo conspiração, ou complô, para designar – na seção referente aos crimes contra a segurança interna do Estado – aqueles que visavam a perturbar o Estado por uma guerra civil, armandose os cidadãos uns contra os outros, ou contra o exercício de uma autoridade legítima. Já na parte relativa aos crimes e atentados contra a Constituição, previa-se a penalização de todas as conspirações ou atentados que visassem a impedir a reunião do corpo legislativo, provocar sua dissolução ou impedir, por força e violência, a liberdade de suas deliberações; nessa mesma parte, também constava que seriam conspirações ou atentados as tentativas de intervir na ordem da sucessão ao trono, conforme determinada pela Constituição. Mas as semelhanças vão além se se considerar que os termos conspiração e complô pareciam utilizados um tanto aleatoriamente para designar situações equivalentes. Vale destacar que no Código de 1791 a palavra traição só era usada para qualificar crimes contra a segurança externa do Estado, e nunca contra a segurança interna. A palavra conspiração também aparecia no Código espanhol de 1822 – especificamente para designar os delitos que comprometessem a existência política da nação e expusessem o Estado aos ataques de uma potência estrangeira, ou os delitos contra o rei, a rainha e o príncipe herdeiro –, mas, nesse caso, os acusados

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de conspiração eram sim chamados de traidores. Loi, Code Pénal, donnée à Paris, le 6 Octobre 1791, op. cit., p. 17-19 ; Código Penal Español, op. cit., p. 40-50. 107 “Código Criminal do Império do Brasil”, p. 156. 108 Mello Freire, Código criminal intentado pela Rainha D. Maria I, op. cit., p. 50. 109 Ibidem, “Provas”, p. 50. 110 No artigo 210, Livingston considerava que um ajuntamento ilícito (unlawfull assembly) transformava-se em “riot”, quando do uso da violência. No caso brasileiro, contudo, não se fazia diferença entre o tipo penal; o que variava, conforme o uso ou não da violência, era a pena. “Art. 210. Se as pessoas, reunidas em razão de algum dos propósitos mencionados no último artigo, tentarem, mediante VIOLÊNCIA, cometer qualquer ato ilegal, elas serão culpadas de motim [riot], e além da punição a que podem estar sujeitas em razão do ato ilegal que cometerem, se for uma ofensa, podem ter seus direitos políticos suspensos por três anos, recebendo multa de não menos de cinquenta e não mais de cem dólares, e sendo encarceradas por não menos de três e não mais de dezoito meses em prisão solitária, por ao menos metade do tempo, ou mais, de acordo com o que o tribunal determinar”. Livingston, A system of penal law, op. cit., p. 395 (tradução livre). 111 “Lei de 26 de outubro de 1831 - Prescreve o modo de processar os crimes publicos e particulares e dá outras providencias quanto aos policiaes”, CLIB, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1875, p. 162-63. É provável que, frente à abdicação do primeiro imperador e às manifestações que, mesmo antes do 7 de abril, já vinham tomando não só as ruas da capital, mas também de outras paragens do Império, os representantes tenham considerado instrumental passar uma lei que criminalizasse genericamente esse tipo de demonstração; uma vez que a lei não definia exatamente o que deveria ser entendido por tumulto, assuada ou motim. 112 Paulo César Souza, A Sabinada. A Revolta separatista da Bahia, São Paulo, Companhia das Letras, 2009, p. 122-123. 113 “Memórias históricas da Revolução de Pernambuco”, Biblioteca Nacional, Documentos Históricos. Revolução de 1817. CVII, p. 234, apud Denis Antonio Mendonça Bernardes, “O tempo da Pátria” (cap. 1 deste livro). 114 “Carta ao Redactor, sobre os negocios de Pernambuco”, in Hipólito José da Costa, Correio Braziliense ou Armazém Literário, ed. fac-similar, São Paulo, Imprensa Oficial, v. XIX, 2002, p. 343-45. 115 Biblioteca Nacional, Documentos Históricos. Revolução de 1817, CIV, p. 172-173. 116 Palacios, “Uma nova expedição ao Reino da Pedra Encantada do Rodeador” (cap. 2 deste livro). 117 Frei Joaquim Divino do Amor Caneca, op. cit., p. 609-610.

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118 Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos políticos da história do Brasil, Brasília, Senado Federal, 2002, v.1 , doc. 69.10, p. 797-801. 119 Ver, por exemplo, Relatório do Ministro da Justiça, 1835; Relatório do Ministro da Justiça, 1836; Relatório do Ministro da Justiça, 1837; Relatório do Ministro da Justiça, 1842 [1a e 1b]; Relatório do Ministro da Justiça, 1849 [1a]; Relatório do Ministro da Justiça, 1851; Relatório do Presidente da Província do Pará, 1838; Relatório do Presidente da Província do Maranhão, 1839; Relatório do Presidente da Província da Bahia, 1840; Relatório do Presidente da Província de São Paulo, 1843; Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul, 1846; Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, 1849; Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, 1850; Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, 1852. Os relatórios dos ministros da Justiça estão disponíveis no site http://www.crl.edu/pt-br/brazil/ministerial; enquanto aqueles dos presidentes de província podem ser consultados no seguinte endereço http://www.crl.edu/ pt-br/brazil/provincial. 120 Marcus J. M. de Carvalho e Bruno Dornelas Câmara, “A Rebelião Praieira” (cap. 10 deste livro). 121 João José Reis, “Quem manda em Salvador?” (cap. 12 deste livro). 122 Bluteau, Vocabulário portuguuez e latino, op. cit, p. 318. 123 Ibidem, p. 319. 124 Morais Silva, Diccionario da Lingua Portugueza, op. cit, p. 628-29. 125 Ibidem, p. 629. 126 Bluteau, Vocabulário portuguuez e latino, op. cit, p. 319-320. 127 Morais Silva, Diccionario da Lingua Portugueza, op. cit, p. 629. 128 João Paulo G. Pimenta, “A política hispano-americana e o império português (18101817): vocabulário político e conjuntura”, in István Jancsó (org.), Brasil: formação do Estado e da nação, op. cit., p. 123-139. 129 Francisco Muniz Tavares, História da revolução de Pernambuco em 1817, 3ª ed., Recife, Imprensa Industrial, 1917, p. LXXXIII, apud Denis Antonio Mendonça Bernardes, “O tempo da Pátria” (cap. 1 deste livro). 130 Denis Antônio de Mendonça Bernardes, O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822, São Paulo, UFPE/ Hucitec/ FAPESP, 2006, p. 236. 131 Anais do AHRGS, v. 3, CV-652, p.112, apud Guazzelli, “Libertos, gaúchos, peões livres e a Guerra dos Farrapos” (cap. 6 deste livro). 132 Vale destacar que em alguns dos movimentos descritos, seus líderes foram – formalmente ou não – acusados de promover insurreições, mas tais acusações referiam-se justamente aos casos em que, ou bem havia a incorporação de escravos ao movimento, ou cuja conjuntura geral facilitava a ocorrência de insurreições escravas. Luís Alves de

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Lima e Silva, em ofício de 4 de agosto de 1840 para o ministro dos Negócios do Império, informava que escravos estavam sendo aliciados para uma insurreição: “não creio que seja este negocio de consequencia, mas presumo ser parte do plano dos rebeldes, que como levei ao conhecimento de V. Exa. procurão sublevar a escravatura por meio de emissários libertos; que este é hoje seu último recurso”. No caso da Sabinada, ocorrida na Bahia em 1837-1838, Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira (que deu nome ao movimento), foi condenado, entre outros crimes, pelo de insurreição (artigo 113 do código), em razão da libertação de escravos crioulos e sua incorporação ao exército rebelde. Maria Januária Vilela dos Santos, A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão, São Paulo, Ática, 1983, p. 111; Paulo César de Souza, A Sabinada, op. cit., p. 125-129. 133 Ver, por exemplo, Relatório do Ministro da Justiça, 1835; Relatório do Ministro da Justiça, 1836; Relatório do Ministro da Justiça, 1837; Relatório do Ministro da Justiça, 1839; Relatório do Ministro da Justiça, 1840; Relatório do Ministro da Justiça, 1842 [1a e 1b]; Relatório do Ministro da Justiça, 1849 [1a e 1b]; Relatório do Presidente da Província do Pará, 1838; Relatório do Presidente da Província da Bahia, 1839; Relatório do Presidente da Província do Maranhão, 1839; Relatório do Presidente da Província da Bahia, 1840; Relatório do Presidente da Província do Maranhão, 1840; Relatório do Presidente da Província de Minas Gerais, 1843; Relatório do Presidente da Província de São Paulo, 1843; Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, 1849; Relatório do Presidente da Província de Pernambuco, 1850.

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