Investigando o Efeito Leidenfrost: um relato de uma atividade exploratória em dois contextos educativos

May 28, 2017 | Autor: Cristiano Moura | Categoria: Science Education, Modeling, Scientific Practice
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Revista Tecné, Episteme y Didaxis: TED. Año 2016, Número Extraordinario. ISSN Impreso: 0121-3814, ISSN web: 2323-0126 Memorias, Séptimo Congreso Internacional sobre Formación de Profesores de Ciencias. 12 al 14 de octubre de 2016, Bogotá



Investigando o Efeito Leidenfrost: um relato de uma atividade exploratória em dois contextos educativos Moura, Cristiano B.1 & Oliveira, Vanessa S.2,3 Categoría 1: Reflexiones y experiencias desde la innovación en el aula Línea de Trabajo 5: Relaciones entre modelización, argumentación, contextualización, e historia, epistemología y sociología de la ciencia.

Resumo Autores defendem que alguns dos objetivos do ensino de ciências atualmente são o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos; produção de reflexões e de conhecimento e construção da autonomia para a tomada de decisões cientificamente informadas. Isso envolve problematizar os modelos científicos e estudar os seus contextos e processos de produção. Por esse motivo, é fundamental familiarizar os estudantes com os processos de avaliação e crítica pelos quais se constitui a ciência. Com este objetivo, o presente trabalho traz o relato de uma atividade exploratória proposta a alunos de duas escolas do Rio de Janeiro, tendo como tema o efeito Leidenfrost. As respostas dos alunos foram organizadas em categorias a partir das quais são traçadas possibilidades para o trabalho do professor em sala de aula e delineadas tendências aparentes nos dois contextos educacionais. Palavras-chave: Epistemologia.

Formação Científica, Efeito Leidenfrost, Ensino de Química,

Introdução É de certo consenso entre os educadores que o papel da escola hoje vai muito além de um mero espaço de transmissão e reprodução do conhecimento, envolvendo questões como a sociabilidade, relações afetivas, e a própria construção de conhecimento (DELIZOICOV et al, 2002). Autores defendem que o Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Campus Petrópolis. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Professora do Colégio Notre Dame – Unidade Recreio – Rio de Janeiro, Brasil 3 Professora da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected] 1

Temática 5. Relaciones entre modelización, argumentación, contextualización…

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ensino de ciências deve estar contextualizado com questões do mundo contemporâneo, desenvolver o pensamento crítico, ajudando a construir autonomia dos alunos para a tomada de decisões cientificamente informadas (PINHEIRO et al, 2007). Assim, é necessário repensar os espaços de ensino e discussão das ciências, superando a concepção dogmático-instrumental, onde o conhecimento é dado como pronto e acabado (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008), problematizando as ciências e estudando os seus contextos e processos de produção. Como ressaltam Moura e Guerra (2016), é preciso dar lugar, nas salas de aula de ciências, para a dúvida e para um ensino mais crítico, em que o “pensar sobre” as ciências seja mais valorizado do que a mera acumulação de informações sobre os produtos científicos. Entendemos que o ensino de ciências colocado nessa perspectiva traz como componente fundamental a necessidade de se trabalhar a prática científica em seus diversos vetores, que, conforme caracteriza Mody (2015), vai desde a investigação experimental, até os processos pelos quais os cientistas conhecem trabalhos (pesquisa bibliográfica), divulgam seus resultados e convencem os pares (através da participação em congressos, etc). Ford (2015) acrescenta que a característica central do conhecimento científico, ou da prática científica, é que ele evolui por meio de avaliações e críticas constantes aos resultados obtidos pelas diversas performances (atos concretos ou de pensamento). Por esse motivo, não haveria razão para ensinar um “método científico” único e infalível, mas sim familiarizar os estudantes com estes processos de avaliação e crítica pelos quais se constitui a ciência. Levando isso em consideração, escolhemos para a atividade reportada neste relato, um efeito provavelmente conhecido do dia-a-dia dos alunos. Segundo Walker (2010), o efeito Leidenfrost foi reportado pela primeira vez em 1732, porém foi estudado a fundo apenas em 1756 por Gottlob Leidenfrost. Consiste na persistência de gotas de água em superfícies muito quentes, mais do que seria observado na simples calefação da gota. Walker (2010) explica que isso ocorre porque a uma dada temperatura, chamada temperatura de Leidenfrost (ou acima dela), a parte inferior da gota entra em contato com essa superfície antes e vaporiza instantaneamente, formando uma fina camada de vapor de cerca de 0,1mm ~ 0,2mm. A pressão do gás dessa camada de vapor impede o resto da gota de tocar o prato, mantendo-a no estado líquido. Temática 5. Relaciones entre modelización, argumentación, contextualización…

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Ao abordar esse efeito explicado acima em sala de aula, o objetivo era colocar os alunos em contato com um modelo de um fenômeno científico. Segundo Ferreira e Justi (2008), modelos são representações parciais de objetos, processos, eventos ou ideias, com objetivos específicos como previsão, visualização, explicação, entre outras. Foi solicitado aos alunos pesquisar o modelo mais aceito para a explicação do Efeito Leidenfrost seguido da elaboração de uma crítica a esse modelo. Com isso, além de estarem em contato com o modelo desenvolvido para o fenômeno, eles teriam a oportunidade de exercitar os processos científicos de avaliação e crítica a teorias e modelos, a que nos referimos inicialmente. Desenvolvimento A atividade exploratória foi proposta nas turmas da primeira série do ensino médio (alunos de 14 a 15 anos) de duas escolas: uma privada e a outra pública, ambas localizadas no estado do Rio de Janeiro, em municípios diferentes. A escola privada (E1) atendia a alunos de classe média alta enquanto a escola pública (E2), cujo ingresso é através de processo seletivo, atende diversificados estratos sociais. Seguindo o programa de química para a série trabalhada em ambas as escolas, foram abordados inicialmente os aspectos macroscópicos da matéria que, ao final, culminaram na discussão sobre o Efeito Leidenfrost. Neste momento, mostramos o efeito como algo estranho aos estudantes, utilizando trechos de vídeos atrativos disponíveis no site Youtube (e.g. THE SCY GUYS, 2016). Em um primeiro momento, este movimento causou desconforto e dúvidas nos estudantes, o que foi utilizado como motivação para a proposição de uma atividade feita em casa. Esta consistiu em uma pesquisa simples desenvolvida em duas partes: na primeira, os alunos deveriam pesquisar sobre as explicações científicas a respeito do efeito. Na segunda parte, foi solicitada a elaboração de uma crítica a respeito das interpretações atuais do fenômeno. Os alunos foram convidados a “desconfiar” da ciência e procurar evidências de que aquele modelo estaria errado, ou, não encontrando tais evidências, justificar o que o fazia acreditar em tal modelo. Para este trabalho, procuramos categorizar as críticas elaboradas pelos alunos na segunda parte do trabalho, agrupando as com teor parecido em categorias de análise. Para cada categoria, transcrevemos um exemplo de cada escola para ilustrar a ideia contida na categorização. Os percentuais foram calculados dentro do total de respostas em cada escola, separadamente. Temática 5. Relaciones entre modelización, argumentación, contextualización…

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Quadro 1: Críticas ao modelo do Efeito Leidenfrost, pelos estudantes. Categoria

Escola E1

Escola E2

C1 O fenômeno contradiz os conceitos tradicionalmente estudados.

4 respostas (18,2 %)

6 respostas (17,1 %)

“Esse efeito é totalmente contrário ao que se espera que ocorra, pois quanto maior a temperatura, mais rápido vai ocorrer a mudança de estado físico da substâncias.”

“Quando a gota de água cai em uma panela com a sua temperatura acima do ponto de Leidenfrost ela deveria sofrer a calefação, ou seja, a gota teria que imediatamente ir para o estado físico gasoso, porém o que acontece é que é criado um lençol de vapor em baixo da gota d’água antes da gota toda evaporar e, com isso demora bem mais do que deveria para evaporar.”

C2 conceitos científicos verdades absolutas.

8 respostas (36,4 %)

Nenhum caso.

Os são

C3 - O saber científico pode ser refutado.

“Em minha opinião, não há o que discordar da comunidade científica. Não vejo outra explicação natural para o efeito senão a dada pelos cientistas e não creio que essa explicação será refutada e, e se por acaso for, provavelmente será em um futuro distante daqui a muito tempo, quando as ciências estiverem ainda mais avançadas do que nos dias atuais.” 3 respostas (13,6 %)

3 respostas (8,6 %)

“Bom, esse experimento possui um “Esse efeito ocorre quando a embasamento científico, ele foi água atinge 220°C, mas para

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testado, comprovado e complementado com teorias científicas mas temos que perceber que a ciência nem sempre é exata e sempre possui novas descobertas e, claro, ela pode um dia ser refutada.”

uma superfície de alumínio ou aço inox atingir essa temperatura em um fogão qualquer demora mais de 3 min. e fazendo esse esperimento em casa, esse fenômeno ocorreu mais rapidamente, então não acredito que precisa necessariamente antingir 220°C mas sim mais de 130°C ou aproximadamente.”

C4 - O efeito Leidenfrost não explica o fenômeno observado.

2 respostas (9,1 %)

3 respostas (8,6 %)

“Não concordo com os cientistas apesar de achar o fenômeno extremamente excêntrico e intrigante, porém creio eu que não há explicação, talvez no futuro possa haver alguma explicação.”

“[...] podemos dizer que o efeito Leidenfrost é falso pois a água estando em contato com um objeto acima do ponto de ebulição deveria evaporar, logo que o ponto de Leidenfrost é bastante acima do ponto de ebulição normal da água, e mesmo a camada de vapor criada auxiliaria ainda mais na evaporação acelarada da água, o que faria a água evaporar em instantes.”

C5 - O efeito Leindenfrost apresenta erros ou/e poderia ser melhorado.

Nenhum caso.

10 respostas (28,6 %) “O efeito Leindenfrost pode estar errado; o que pode acontecer ali também é que, pelo fato da água borbulhar quando está sendo fervida, a gota de água pode acabar se mexendo no simples ato de

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borbulhar.” Não foi identificada crítica ao efeito no trabalho

5 respostas (22,7 %)

13 respostas (37,1 %)

Total de casos

22

35

A tabela acima representa os casos observados ao longo da análise das críticas realizadas pelos alunos sobre o efeito Leidenfrost. Dentre os itens analisados: C1: Parte dos alunos indicou dúvidas a respeito do efeito quando comparado ao que foi estudado em sala de aula. Isso mostra, ao menos, um desconforto em relação ao fenômeno que parece não se adequar à norma geral. Se podemos identificar o Efeito Leidenfrost como uma exceção, tal resposta poderia ser explorada em sala pelo professor no sentido de discutir o quanto uma teoria suporta exceções ou, “anomalias”, em um sentido Kuhniano, sem que seja necessário um rompimento de paradigmas. C2: Em algumas críticas elaboradas pelos alunos, pode-se notar um certo temor em discordar da comunidade científica. Vários alunos foram taxativos quanto a falta de nexo em criticar um conhecimento que já foi provado e aceito internacionalmente e, muitas vezes, omitiam seus questionamentos em prol de manter os conceitos do efeito Leidenfrost intactos. Neste caso, é desejável que o professor atue no sentido de mediar o processo de crítica à ciência, de maneira fundamentada e coerente. C3: Alguns estudantes construíram em suas críticas o entendimento de que o saber científico não é imóvel e está constantemente sendo aprimorado. A partir desse resultado, cabe a discussão sobre uma das características fundamentais das ideias científicas que é a possibilidade de ser falseada. C4: Estes alunos consideraram insuficientes as explicações do modelo. É um indicativo positivo pois também representa um esforço de crítica ao conhecimento que lhes é apresentado. Uma boa oportunidade para que os professores abordem os limites de uma teoria ou modelo científico, enquanto representação parcial da realidade. Temática 5. Relaciones entre modelización, argumentación, contextualización…

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C5: Nesta categoria, em geral houve uma crítica sem grande embasamento. Foram críticas mais opinativas do que efetivamente refletidas. Em oposição à categoria C2, que mostra aderência acrítica ao modelo criado pela ciência, a categoria C5 traz o extremo oposto, quase como um risco de relativismo do conhecimento científico, desconsiderando suas corroborações ao longo da História. Uma atitude possível neste caso pode ser o encaminhamento de discussão sobre a objetividade da ciência e sobre como esta foi ganhando ao longo da história o status que possui hoje. De uma maneira geral, há duas tendências mais claras nos resultados encontrados nesta atividade exploratória: poucos foram os alunos que expuseram críticas de viés epistemológico (principalmente cat. C3), o que indica a necessidade de trabalhar conteúdos nesse viés nos dois contextos; muitos mostraram-se confusos ou incomodados (cats. C1 e C4) com o conhecimento que parece não se “comportar” da forma devida, ou de acordo com padrões estudados anteriormente, o que também sugere uma abordagem epistemológica para superação do desconforto. A terceira observação que podemos apontar neste trabalho é uma clara oposição entre os dois ambientes educacionais no que diz respeito à postura diante do conhecimento científico. Na escola E1 não houve quem discordasse do modelo para o Efeito Leidenfrost sem embasamento (C5), porém um número considerável apontou que o conhecimento científico é a verdade absoluta. Já na escola E2, não houve quem apontasse a ciência como produtora de verdades absolutas, porém um número considerável simplesmente discordou da explicação para o Efeito Leidenfrost. Ambas posturas – um possível relativismo extremo ou a crença ingênua na ciência – são inadequadas para a formação científica dos estudantes. É possível que o ambiente escolar ou disciplinar tenha influenciado de alguma maneira nesses resultados, porém tal conclusão só poderia ser obtida por outro estudo em que houvesse foco nessa questão de pesquisa, em específico, extrapolando o objetivo deste trabalho, que é relatar a prática tencionando sua possível utilização por outros professores e mostrando os desdobramentos possíveis da atividade.

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Referências Bibliográficas Ford, M. J. (2015). Educational Implications of Choosing “Practice” to Describe Science in the Next Generation Science Standards. Science Education, 99(6), 1041–1048. Mody, C. (2015). Scientific Practice and Science Education. Science Education, 99(6), 1026–1032. Delizoicov, D., Angotti, J. A. & Pernambuco, M. M. (2002). Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora. Pinheiro, N. A. M., Silveira, R. M., & Bazzo, W. (2007). Ciência, tecnologia e sociedade: a relevância do enfoque CTS para o contexto do ensino médio. Ciência & Educação, 13(1), 71-84. Braga, M., Guerra, A., & Reis, J. C. (2008). O papel dos livors didáticos franceses do século XIX na construção de uma concepção dogmática-instrumental do ensino de Física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 25(3), 507-522. Ferreira, P. F. M., & Justi, R. (2008). Modelagem e o “fazer ciência”. Química nova na escola, 28, 32-36. Moura, C. B., & Guerra, A. (2016). Ciência e seus autores: um olhar ao longo da história. In: Oliveira, R. D. V. L.; Queiroz, G. R. P. C. (Orgs.). Tecendo diálogos sobre direitos humanos na Educação em Ciências. 1ed. São Paulo: Livraria da Física. Walker, J. (2010) Boiling and the Leidenfrost Effect. Cleveland State University. The Scy Guys (2016) Leidenfrost Effect – The Scy Guys: Science at Home [Vídeo]. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=Sgk4sY9Xn1Uerói.

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