Invisibilização social: o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade doas atores sociais

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GILSON JOSÉ RODRIGUES JUNIOR

(IN)VISIBILIZAÇÃO SOCIAL: o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade dos atores sociais

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de bacharel em Ciências Sociais. Orientação: Prof. Dr. Alípio de Sousa Filho.

NATAL 2007

GILSON JOSÉ RODRIGUES JUNIOR

(IN)VISIBILIZAÇÃO SOCIAL: o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade dos atores sociais

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de bacharel em Ciências Sociais.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Alípio de Souza Filho (DCS/UFRN) Orientador

Profa. Maria Lucia Bastos Alves

Prof. Dr. Alexsandro Galeno Dantas (DCS/UFRN) Examinador

AGRADECIMENTOS

Agradecer, isto é, demonstrar gratidão nunca será tarefa fácil. Quem o faz, sempre há de esquecer alguém. Admitindo a possibilidade de que isso aconteça desde já, me antecedo e peço desculpas àqueles que me ajudaram nessa jornada, que, apesar de inicial, se mostrou longa e bastante difícil. Por algum lapso da memória, já tão atordoada pelos fortes goles de café e outras bebidas tomadas para manter-me acordado, peço desculpas àqueles que tenham sido esquecidos. Isso não diminui a gratidão a vocês. Alguns preferem agradecer somente aos seus próprios méritos, mas, ao menos neste trabalho, isto seria impossível porque a rede de relações acionada foi bem vasta. Sou grato à minha família, meu pai e minha mãe, heróis cheios de defeitos (mas ainda assim heróis), que, presentes ao longo de minha trajetória, como se não bastasse ter-me criado, tiveram de agüentar os meus repentes de estresse, muito por causa dessa bendita monografia. À Siléa, minha preciosidade, desde já minha companheira. Obrigado pela sua sabedoria e paciência. Seu jeito doce ensina mais coisas do que podes imaginar. Amo-te, minha pequena! Caminharemos juntos, não tenhas dúvidas disso... Aos amigos potiguares (ou residentes no RN), àqueles dispostos a chorar e a rir junto, por se empolgarem comigo desde a descoberta do tema e também por me suportarem quando não agüentavam mais ouvir sobre os invisibilizados. Admito que fiquei neurótico com esse tema, e quase deixei vocês assim. Como não lembrarei de todos quero fazer menção dos que consigo: Thulho e sua companheira de guerra, Josielle, por virem com tantas idéias, trazendo matérias que, se não foram usados de forma direta nessa pesquisa, influenciaram mais que imaginava. A Susi, “Sujona”. Acho que se não fosse por ela ainda estaria procurando um título para esse trabalho. Magnum, meu querido autodidata, você foi um dos que mais se empolgou. Todas as vezes que nos falávamos perguntava: “E aí, negão, como tá a monografia?”. Ridelma (Pense numa mulé braba, mas doce que só!), que sempre mostrou como tinha “sensibilidade” para ver muito do que os outros não viam. Carlinhos, um dos mais

novos, mas que tem provado ser um grande irmão. Não apenas por ter me salvado e emprestado o PC, mas por tudo (Basta que ele entenda!). Tiótrefis, meu querido Tió, mesmo morando, hoje, “lá onde Judas perdeu as botas” fez questão de manter-se por perto, graças ao MSN e de outras práticas bem mais antigas, mas ainda tão ignoradas. Não poderia me esquecer de Alcimar, sem a sua existência na minha vida, talvez, até hoje estivesse sem conhecer as ciências sociais, sem falar que só o fato de conhecê-lo é um grande privilégio. Vandinha (Ainda espero o seu retorno para a academia, viu?!), além de ser uma ótima companhia para tomar um café (vício comum), teve a paciência de fazer a primeira revisão textual da mono, dando um susto ao mostrar os vários vícios de escrita que eu nem sabia que tinha, além de abrir as portas de sua casa (Galera massa, vice!). Foi bom que isso acontecesse, agora é mais uma família para ser adotado(a) (rsrsrsrs). A Cássio, uma pessoa que me ensinou um pouco a compreender e respeitar as diferenças. Você teve muita paciência em fazer essa revisão final, transformando material bruto em algo bem mais atraente (se o cansaço fez com que não víssemos algum erro de escrita, fica a certeza de que você fez o melhor dentro do pouco tempo que teve). Sem falar no Neto, seu companheiro de vida, por me deixar entrar em suas vidas, sua casa, permitindo atrapalhar sua rotina. Ao André, do PET de Estatística, o meu muitíssimo obrigado pelas noites de sono perdidas para me dar os dados estatíscos tão bem organizados, além de me fazer desconstruir o tolo preconceito com a pesquisa quantitativa. A Ianne, simplesmente por ela existir e se empolgar tanto, demonstrando tanta alegria ao entender essa pesquisa (Mas sei que demonstraria alegria, mesmo que isso não acontecesse.). Há ainda o Rodrigo Sérvulo (Homenzinho para os íntimos), leitor empolgadissímo de tantas coisas (Até dessa monografia). Espero te ver na academia em 2008 (Num tá com a bexiga!!). Quase me esquecia da Vanuza, pessoa de casco duro, mas de coração mole, que abriu o caminho dentro do Midway Mall. A Ana pelas atitudes “desordeiras” tomadas com os favores a mim dirigidos ao longo desse processo (Foi muito bom ter ido àquela viagem de campo com você, simplesmente pela pessoa brilhante e desencanada que é.). Não poderia nunca deixar de agradecer à Carol Miquelasi, pois leu este trabalho desde as primeiras idéias, ainda bastante verdes, ajudando-me com suas percepções bastante peculiares. A Celso, o carinha que se descobriu fotógrafo, pelas caronas, pelo MP3, pelas

fotos (tudo voltado para essa pesquisa), e pela amizade conquistada que está para além disso tudo, e isto serve para todos aqueles até aqui citados. Aos cearenses do meu coração, João e Rebeca, pessoas que a UFRN e a UFC trouxeram para perto, mas que a UNICAMP levou, mas que, de certa forma, continuam por perto. Agradeço pela força e pela forte crença em um potencial que nem eu às vezes acreditei que tinha. Espero vê-los ainda neste ano. À senhora Gleiciane, cearense em além-mar, que tem o coração no Rio de Janeiro, mantendo o sotaque típico de Fortaleza (seja lá como for…). Não sei quando, mas nos encontraremos, os quatro, por aí. Viviane, uma carioca naturalizada maranhense fazendo mestrado na Bahia, foi bom conhecer você. Incrível como nos aproximamos via net, trocando idéias sobre nossos estudos e conflitos. Assim como foi bom conversarmos quando um de nós estava em meio ao desespero com os nossos prazos de entrega. Muito obrigado por ter-se dedicado à leitura do meu trabalho quando este ainda estava inacabado (ainda era um Frankenstein). Você é uma pessoa especial! Aos mestres, o meu mais profundo muito obrigado. Mesmo quando não gostei das aulas ou dos temas, cada coisa aprendida e apreendida foi importante enquanto conhecimento agregado. Cada um de vocês foi importante, mas alguns se destacaram: Ana Tereza, Edmilson, Orivaldo, Alípio, Luciana Chianca, Julie Cavignac, Gabriel Vitullo, Luiz Assunção, João Emanuel. Vocês foram responsáveis por empolgarem a minha caminhada ao longo desses quatro anos e meio. Não precisei concordar com tudo, apenas entendi que vocês foram bons naquilo que se propunham a fazer. Cabe também um agradecimento ao Observatório das Metrópoles, na pessoa de Algéria, pelo seu apoio, interesse, assim como por ter servido de intermediária para que tivésse acesso a dados do IBGE e da SEMURB, apresentados nessa pesquisa. Aos colegas e ou amigos que fizeram ou fazem parte do PET (Programa de Educação Tutorial) de Ciências Sociais. Juntos, pudemos ter grandes discussões e leituras, sem falar nas ótimas viagens proporcionadas. Creio que não só para mim, mas todos devem ser gratos a esse programa, por ter sido um diferencial em nossa formação acadêmica, ainda tão recente. Faço aqui um destaque para Ribamar, “o negão do amor”: sem nos programarmos, nos encontramos tantas vezes em tão pouco tempo. E admito: foi muito bom aprender

algumas coisas com alguém que já viveu muito para uma vida apenas. Espero que aqueles que darão continuidade ao PET possam saber aproveitar. Não poderia deixar, de forma alguma de agradecer ao Edson. Posso dizer que ele fez a pesquisa junto comigo, sendo assim co-autor, não apenas um informante. É necessário, mais uma vez, agradecer ao Alípio, agora no papel de meu orientador, não só por ter aceitado o convite, mas pela liberdade que me deu de poder escrever. Não me senti cerceado em minhas idéias. Dar essa liberdade, tão rara na academia não quis dizer, de forma alguma, displicência. Isso se evidenciou nas críticas bastante contundentes que foram feitas e que, mesmo sendo duras de engolir, pareceram tão acertadas. Aos professores que aceitaram compor a banca avaliadora, Maria Lucia e Alex Galeno também sou bastante grato (independente do resultado final), por se darem o trabalho de ler este trabalho. Por último, mas certamente mais importante do que todos citados até agora, agradeço a Deus (o Divino Criador, como gostam de chamar alguns) por não guardar sua inteligência para si, mas por compartilhá-la com todos os humanos, quer se proponham a ser cientistas ou não.

RESUMO

Todos os seres humanos passam pela experiência da ação invisibilizadora, que é produto das relações de poder dissolvidas em todos os campos da sociedade. Desse modo, um ator invisibilizado pode concomitantemente invisibilizar outro. Ao falarmos em invisibilização social, queremos apontar para a construção de um fenômeno que está ligado a estigmas impostos a determinados grupos e/ou pessoas que, por sua vez, dificilmente conseguem fugir a esses. Neste trabalho monográfico, buscamos mostrar também que a ação invisibilizadora se constrói em cima de três pilares principais: a construção moderna da individualidade, a divisão social do trabalho e o consumo. Cada um desses pontos foi sendo relacionado a informações colhidas empiricamente. Através da observação descritiva, observação participante principalmente, entrevistas abertas e aplicação de questionários fechados, tentamos compreender como se dá a ação invisibilizadora. Aproximamo-nos das pessoas que trabalham limpando o Midway Mall, um dos shoppings de Natal (RN). Observamos, principalmente, a relação entre o “pessoal da limpeza” e os freqüentadores. O “pessoal da limpeza” percebe a ação invisibilizadora que lhe é infligida por freqüentadores que apenas estabelecem uma relação utilitária com aqueles. Isso foi sendo confirmado pelas conversas com alguns desses freqüentadores e pelos questionários por eles respondidos. Alguns autores vêm tratando da questão da invisibilidade (pública ou social), ressaltando, em seus estudos, atores rebaixados socialmente, como garis e moradores de favela (SOARES, 2005; COSTA, 2004). A presente pesquisa não vem em defesa dos grupos marginalizados, uma vez que todos nós, em alguma medida, sofremos a ação invisibilizadora. Em relação ao grupo pesquisado, percebemos que existe uma trajetória que aponta para a construção da ação invisibilizadora e para a elaboração de um perfil comum entre essas pessoas.

Palavras-chave: Invisibilização social. Poder. Estigma.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1

Encarregado checando fichas de freqüência

Figura 2

Fichas de freqüência

Figura 3

Homem invisível

Figura 4

Sofás

Figura 5

Palco dentro do shopping

Figura 6

Pianista

Figuras 7, 8, 9, 10

Painéis externos (Fachada do Midway Mall)

Figura 11

Praça de alimentação (por Celso).

Figura 12

Via do Mall

Figura 13

Pessoas saindo do shopping

Figura 14

Câmera de segurança

Figura 15

Shopping fechando

Figura 16

Lateral – Av. Bernardo Vieira do shopping

Figura 17

Lateral do Shopping –Frente do CEFE-RN

Figura 18

Lateral do Shopping – Av. Bernardo Vieira

Figura 19

Lateral do Shopping – Cruzamento: Av. Sen. Salgado Filho e Bernardo Vieira.

Figura 20

Porta de um corredor técnico

Figura 21

Interior do corredor

Figura 22

Banheiro exclusivo para funcionários

Figura 23

Portas das antigas salas da SOSERVI no Mall

Figura 24

Via de saída I

Figura 25

Via de saída II

Figura 26

Encarregado, ASG e atendente

Figura 27

Oficial de limpeza

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Figura 28

Supervisor e encarregados

Figura 29

Lixeiras (Por Celso)

Figura 30

Recolhendo pratos

Figura 31

Limpando mesa

Figura 32

Refeitório dos funcionários

Figura 33

Refeitório “VIP”

Figura 34

Entrada para o refeitório

Figura 35

Intervalo para o almoço

Figura 36

Misturando os materiais I

Figura 37

Misturando os materiais II

Figura 38

Recolhendo lixo

Figura 39

Estoque de materiais

Figura 40

Máquina de lavagem do piso

Figura 41

Enceradeira

Figura 42

Recolhimento de ferramentas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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I

SOBRE A INVISIBILIDADE...

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II 1 2 3 4

INVISIBILIDADE OU INVISIBILIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO A construção da individualidade e a busca por visibilização Divisão social do trabalho e invisibilização Consumo e o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade “Já lhe contei minha teoria sobre os uniformes? Eles nos deixam invisíveis.”

25 27 34 42

III 1 2 3 4 5

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“PANO DE FUNDO TORNOU-SE FIGURA”: A EXPERIÊNCIA DO OLHAR SÓCIO-ANTRO-POLÓGICO As ferramentas: métodos e técnicas utilizadas Escolhas: definindo “objeto” de pesquisa Midway Mall O “pessoal da limpeza” Freqüentadores: “iguais”, mas diferentes

55 55 58 58 66 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS ANEXO I ANEXO II ANEXO III ANEXO IV ANEXO V ANEXO VI ANEXO VII

92 93 96 100 104 107 108 109

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INTRODUÇÃO

Toda pesquisa exige bastante dedicação do profissional. Um químico para provar o que deseja gasta tempo dentro de seu laboratório, pensando e calculando as fórmulas que, para outras ciências, parecem ininteligíveis. Ao contrário desse exemplo, o pesquisador social não tem um espaço delimitado a priori. O laboratório de pesquisa está ao seu redor o tempo todo, o que parece tornar a escolha de um tema um desafio ainda maior, sem falar na sensação de castração que sentimos ao limitar o nosso “objeto de pesquisa”, fazendo os tão incômodos, mas necessários, recortes teórico-metodológicos. Isso foi sendo ensinado e posto em prática ao longo da nossa trajetória acadêmica, especialmente no que diz respeito à pesquisa de campo. Descobrir que podíamos – e devíamos – aprender a estranhar não apenas o que nos parecia exótico, mas aquilo que nos era – ou que também parecia – familiar, foi bastante importante. Diversos conceitos, autores e correntes teóricas nos foram apresentados. Alguns chamaram a nossa atenção mais que outros, embora todos tenham sido realmente relevantes para que tivéssemos desencantado o nosso olhar sobre o mundo. Também foi importante não nos limitarmos ao que era oferecido nas salas de aula. Buscar outras leituras foi essencial, assim como estar atento aos acontecimentos ao nosso redor, tendo quase sempre um questionamento a ser feito, de modo que não aceitássemos os fatos como dados, “naturais”, como muito se ouve falar. Tentamos, assim, deixar de reproduzir verdades socialmente construídas, como se fossem dogmas. Trazer essas informações para a presente pesquisa tornou-se aprendizado ainda maior. Mostrou-se bastante difícil transformar impressões, reações apaixonadas, em material que apresentasse relevância acadêmica, encontrar autores que pudessem dar contribuições sérias, criar diálogos teóricos entre eles e entre nós – sem deturpar o que eles apresentavam –, levantar dados empíricos com diferentes técnicas. Com a observação participante, aproximarmo-nos daqueles que dariam grandes contribuições para as nossas reflexões, buscando diminuir, ao máximo, a violência simbólica presente na pesquisa de campo. Isso foi algo bem mais complicado do que imaginávamos! O pesquisador precisa enxergar pontes para que o contato com os seus interlocutores seja uma via de mão dupla, na qual não só ele se

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beneficie, mas aqueles também. É necessário haver troca para que os pesquisados sejam verdadeiros interlocutores, deixando que o campo de pesquisa surpreenda. Essa experiência nos mostrou que algumas teorias deveriam ser mais consultadas em detrimento de outras, que, apesar de sua importância e contribuição acadêmicas, poderiam não nos ajudar muito a pensar o nosso objeto de estudo. Transformar tudo isso em trabalho escrito, saber o que era relevante ou não, adaptar tudo à tradição acadêmica foi, de longe, a fase mais complicada da pesquisa. O tema deste trabalho, invisibilização social, foi surgindo ao longo de dois anos, isto é, da metade da graduação em diante. Ao longo desse tempo, fomos pensando e maturando o tema, aos poucos abandonando – ou ao menos tentando – as pré-noções com as quais começamos nossas reflexões. Isso era necessário, já que não estávamos com a intenção de escrever um texto militante, mas de discutir sobre o problema socioantropológico que se apresentava. Na primeira seção, falamos sobre as reflexões de alguns autores que se preocupam com a invisibilidade, seja social seja pública, mostrando suas concepções sobre o que passaríamos a designar de invisibilização social. Nesse momento, além dos teóricos apresentados, lançamos mão de análises semânticas de determinadas palavras e expressões populares, registrando que o fenômeno aqui estudado parece aturalizado, visto que muitas pessoas não percebem que estão indiferentes ou que estão vendo umas as outras como inferiores ou superiores, tendo essa postura legitimada por valores que foram sendo hierarquizados. Influenciados bastante por Elias, em especial pela leitura de Os estabelecidos e os outsiders (2000), propomos as expressões outro-acima, outro-abaixo e outro-ao-lado. Ao longo da pesquisa, damos a entender que, através dessas relações, vai sendo construída a ação invisibilizadora. Na seção Invisibilidade ou invisibilização? Eis questã?, apresentamos o grupo por nós pesquisado, procurando associar a experiência da empiria aos vários autores consultados. Defendemos o uso do termo invisibilização social e apresentamos os conceitos teóricos considerados mais importantes ao longo da pesquisa. Concentramos essa parte em três subseções principais nas quais apresentamos os conceitos-chave, que foram sendo relacionados com outros desenvolvidos por alguns outros autores. Entre eles damos destaque a Erving Goffman, Hanna Arendt, Emanuel Lèvinas e Martin Buber. Alguns aparecem de forma mais direta, mas todos foram de suma importância ao longo do processo de construção da presente pesquisa. É im-

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prescindível registrar aqui que a teoria das representações de Goffman (1999) influenciou bastante a pesquisa. Todas as referências a atores sociais e termos afins, oriundos das artes cênicas, foram inspirados nesse autor. Ainda nessa seção, dedicamos um tópico para a questão do uso do uniforme, mostrando que, no caso do “pessoal da limpeza”1, esse está carregado de estigma, parecendo justificar a invisibilização dentro do cenário do Midway. Na seção Pano de fundo tornou-se figura: a experiência do olhar socioantropológico, apresentamos de forma mais detalhada como se deu a escolha do objeto de pesquisa. Revelamos a trajetória desde as técnicas e ferramentas utilizadas, passando pela delimitação do objeto, por uma descrição mais detalhada do espaço do Midway Mall como campo de pesquisa, trazendo reflexões de urbanistas, como Davis (1993) e Gottschall (2001), até um registro mais detalhado do contato com o “pessoal da limpeza” – tanto através dos dados quantitativos que serviram para a elaboração de um perfil geral das pessoas que desempenhavam essa sócioocupação, bem como através do diálogo estabelecido nossos interlocutores. As informações colhidas promoveram mudanças no rumo da pesquisa. Tentamos caracterizar também os freqüentadores, tanto quanto colhendo informações com pessoas conhecidas, em geral quando essas não sabiam o que estávamos pesquisando. Porém, as suas reações e declarações, após compreenderem o que pesquisávamos, foram de grande importância para refletirmos sobre possíveis práticas de invisibilização desses em relação àqueles. O uso de questionários fechados tanto para um grupo como para o outro foi muito importante, como evidenciado através dos gráficos e tabelas distribuídos no corpo do texto e nos anexos. Por último, fazemos as considerações finais sobre a pesquisa, na qual mostramos que a prática da invisibilização está presente na relação aqui estudada, mas também se estende a outras, talvez apenas apontadas. Em seguida apresentamos anexos, tanto fotos como documentos colhidos no decorrer da pesquisa, que nos ajudaram a chegar aos resultados finais deste trabalho.

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Ao longo da pesquisa, estamos designando assim as pessoas que atuam na manutenção da limpeza do Shopping Midway Mall.

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I SOBRE A INVISIBILIDADE...

[…] A esses raias sem o dia que trazes, ou somente como alguém que vem pela rua, invisível ao nosso olhar consciente, por não ser-ninguém. (Fernando Pessoa, em Manhã dos Outros).

É bastante comum ouvir-se alguém dizendo que se sentiu invisível em certo contexto, que essa ou aquela pessoa passou por seu caminho como se ela/ele/você não existisse. Tal atitude é logo interpretada como má educação, “grosseria”. Certamente, não vamos aqui buscar legitimar esse ou aquele discurso. Visamos a aprofundar-nos na construção do fenômeno que alguns autores chamam de invisibilidade, seja ela social seja pública. É preciso afirmar que a sua definição depende dos objetivos dos respectivos autores. Fez-se necessário, portanto, para a presente pesquisa, lançarmos mão da semântica, isto é, dos significados trazidos pelo dicionário: não do termo invisibilidade, mas do seu antônimo, visibilidade, porque compreendemos que antes devemos entender e explicar como se constrói a visibilidade, para depois abordar a invisibilidade como problema sociológico. Assim, o primeiro termo corresponde a: a) caráter, condição, atributo do que é ou pode ser visível; b) ser percebido pelo sentido da vista; percepção pelo sentido da vista; visão; c) condição de ser efetivamente percebido, conhecido (LAHOUSSE, [s.d.]). De certo, não se está querendo abordar aqui a idéia apresentada pela segunda acepção. Não estamos, obviamente, falando da visibilidade como um dos sentidos fisiológicos, porque um deficiente visual pode ver, visibilizar – dar visibilidade a – qualquer outra pessoa. A idéia de visibilidade aqui defendida tem a ver com a de reconhecimento social, isto é, a necessidade de ser visto como ser humano capaz de pensar, agir, tomar decisões etc. A primeira acepção supracitada sugere o início daquilo que pretendemos discutir aqui. Parte-se da idéia de que ser homo sapiens é ser homo socius e politicus, havendo, logo, necessidade de ser visibilizado, reconhecido como tal. A terceira acepção conduz-nos à pergunta que, de certo modo, norteou as nossas reflexões: o que é ser efetivamente conhecido? O uso do termo efetivamente se correlaciona com a idéia de reconheci-

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mento socialmente naturalizado, no qual certos atores são visibilizados em detrimento de outros em campos sociais específicos. Daí, podemos começar a construir a nossa reflexão. Por sua vez, a invisibilidade aponta para relações sociais em que um grupo ou um indivíduo não reconhece o outro como igual. Subentende-se que, existindo relações entre humanos, há relações de dominação, produtos de poder, que formam hierarquizações de valores sociais. É importante ter-se claro que não é a capacidade cognoscitiva que garante a singularidade ao ser, isto é, a possibilidade de ser reconhecido como único, subjetivo, mas o que garante o ser para um sujeito é a sua visibilidade para outro sujeito (ARENDT, 1995). É na relação com o outro que o ser tem sua visibilidade garantida como “instância pública vazia de corpo e, assim, simbólica” (KEHL, 2004, p.149). Fazendo alusão ao espaço do discurso, podemos compreender que algumas pessoas se destacam, ganham visibilidade, como portadoras deste e, por isso, podem, mesmo que temporariamente, no inconsciente coletivo, dar sustentação ao laço social, pois através dele as pessoas ganham reconhecimento. Nas palavras de Arendt (1995, p.95), […] mediação física e mundana, juntamente com seus os interesses, é revestida e, por assim dizer, sobrelevada por uma outra situação inteiramente diferente, constituída de atos e palavras, cuja origem se deve unicamente ao fato de que os homens agem e falam diretamente uns com os outros. Esta segunda mediação subjetiva não é tangível, pois não há objetos tangíveis em que se possa materializar: o processo de agir e falar não produz esse tipo de resultado. Mas, a despeito de toda intangibilidade, esta mediação é tão real quanto o mundo das coisas que visivelmente temos em comum […].

Kehl (2004) parece concordar com Arendt ao mostrar a importância da visibilidade desde a formação da democracia ateniense até a sociedade capitalista atual, chamada por ela de sociedade do espetáculo, expressão tributária de Guy Debord. “Existir é antes de mais nada apresentar a própria imagem ao outro” (KEHL, 2004, p.150). Porém, o que acontece quando esse Outro ignora a existência do Eu? Se a existência social se dá no reconhecimento, o que acontece quando não se é reconhecido? Kehl nos responde dizendo que na modernidade2, o sujeito já não era reconhecido no espaço público, mas no agrupamento.”O sujeito não se torna mais vi-

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Ao dizer que a sociedade do consumo é a sociedade de massas em estágio avançado, a autora evidencia que a modernidade não é uma etapa da história já ultrapassada (KEHL, 2004, p.155).

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sível ao participar da massa – pelo contrário –, mas compensa usa invisibilidade identificando-se com a imagem do líder ou do ídolo”, conforme Kehl (2004, p.152). A partir disso, compreendemos que os sujeitos buscam ser visibilizados de alguma forma, seja no espaço público, seja como parte de um grupo que, seguindo um líder (carregado de um discurso ideológico), vai construindo sua identidade na chamada sociedade do espetáculo, onde o indivíduo se conforma em ter na imagem do ídolo da televisão à sua invisibilidade amenizada. A autora ainda afirma que a sociedade do espetáculo é a própria sociedade do consumo. Para Kehl (2004), tratase da sociedade de massas em seu estágio mais avançado, quando há a substituição do espaço público pelo televisivo, assim como essa postura totalitária – que é a forma como a televisão vai impondo um só ponto de vista – também vem acabando com a busca por visibilidade no grupo. Portanto, a visibilidade do sujeito passa a ser dada de acordo com seu consumo3: “[…] o mecanismo que garante ao sujeito a visibilidade necessária para que ele exista socialmente” (KEHL, 2004, p.158). Costa4 percebeu como as relações trabalhistas influem em relações onde a alteridade inexiste, pois deixa-se de enxergar os sujeitos como seres transformadores e pensantes, tornando-os homens-ferramenta através de relações utilitaristas. Isso se dá por meio da sujeição de uns pelos outros, inscrevendo marcas também no corpo, conforme o autor (2004, p.95): A experiência de sujeição normalmente encontra no corpo e no olhar suas respostas mais imediatas: reações instantâneas, gestos interrompidos antes mesmo de acontecerem, embotamento. Expressões disparadas a partir de um encontro desequilibrado, a partir da sensação de estar sob o comando de força, força bruta. O olhar fica pálido, o corpo parece comprimido. Não obstante, qualquer palavra, mesmo tímida, mesmo subserviente, pode implicar broncas ainda mais duras, humilhações ainda mais severas.

Ao longo de sua pesquisa, Costa (2004, p.25) desenvolveu o conceito de invisibilidade pública, decorrente do fato de a percepção humana ser prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, ou seja, enxerga-se somente a função e não a pessoa: Índios expostos à espoliação agrária. Negros expostos ao racismo. Roceiros sem terra, expostos a trabalhar só para comer. Cidadãos pobres expostos 3

A relação do consumo e visibilidade do sujeito será aprofundada mais na frente. Psicólogo social que varreu as ruas da Universidade de São Paulo (USP) para concluir sua tese de mestrado sobre "invisibilidade pública".

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ao emprego proletário, ao desemprego e à indulgência. Velhos expostos a ficarem para traz no trabalho acelerado. Mulheres detidas por seus pais, irmãos e maridos, por seus professores e chefes. Amantes expostos à vigilância e à proibição, quando o amor aconteceu fora da ordem erótica oficial. Loucos desmoralizados pelas ciências, cassados pelos tribunais, invalidados pelos manicômios. Tantos expostos à desonra e ao desrespeito cultural.

Costa (2004) apresenta-nos, então, um quadro de determinados atores sociais (GOFFMAN, 1999) invisibilizados em diferentes campos (BOURDIEU, 1994). Vale salientar que invisibilização, na presente reflexão, não está atrelada e limitada à observação de grupos marginalizados. Não se trata aqui de construir um discurso em prol dos oprimidos, mas de considerar o fenômeno da invisibilização como algo que vai além das relações socioeconômicas abordadas por Costa. Como já exposto, acreditamos que seres humanos sempre se posicionam como estabelecidos ou como outsiders. Esses termos são usados por Elias (2000), para caracterizar aqueles que sofrem a imposição do estigma de anormal que lhes é atribuído pelos estabelecidos, que se auto-reconhecem como elite, julgando os outsiders inferiores e inadequados às suas regras e verdades. Desse modo, falemos de invisibilidades e não de visibilidade. Existe a busca por visibilidade dos movimentos sociais que, em seu discurso, parecem querer chamar atenção para a forma como são tratadas as minorias. Em conseqüência dessa luta, surgem datas e eventos como o Dia da Visibilidade Lésbica, por exemplo. Outro tipo de invisibilidade é aquele que se dá na divisão social do trabalho ou ainda a invisibilidade dos moradores de rua enxotados tanto pela polícia como pelas novas arquiteturas, que buscam limpar as ruas desses que são tão indesejáveis para os estabelecidos (DAVIS, 1990). Outra abordagem bastante relevante é a de Soares (2005). De acordo com ele, uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um estigma que decorre principalmente do preconceito ou da indiferença. Quando isso é feito, a pessoa é anulada e vista como reflexo do nosso etnocentrismo, pois se ignora tudo aquilo que o sujeito é enquanto alguém carregado de subjetividades, idiossincrasias; enfim, tudo aquilo que faz dele um ser humano único. Segundo Soares, o estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que lhe impomos. Essa imposição é feita, de acordo com Elias (2000), pelo grupo estabelecido, o outro-acima, que naturalizou a ação invisibilizadora sofrida pelo outro pertencente ao grupo outsider. Estigmatizar alguém é uma violência simbólica tão grande que, para Soares, é como o acusar de existir

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simplesmente porque não se encaixa na normalidade ou porque integra o grupo tido como elite em certo contexto. Ainda citando Soares (2005, p.133), outra forma de invisibilidade é a causada pela indiferença, e esta atinge uma maioria da população: “Como a maioria de nós é indiferente aos miseráveis que se arrastam pelas esquinas feito mortos-vivos, eles se tornam invisíveis, seres socialmente invisíveis”. O autor, baseado na atitude blasé5 de Simmel, explica que essa indiferença não implica em uma falta de sensibilidade ao outro, mas “[…] trata-se de um mecanismo adaptativo. Ele funciona sem a nossa autorização e, às vezes, contra a nossa vontade consciente. Serve para proteger-nos. Para salvar-nos do que é doloroso. Para livrar-nos da dor alheia e poupar-nos do sofrimento” (SOARES, 2005, p. 134). Sabe-se que o conceito de Bourdieu de violência simbólica tem a ver com as crenças construídas socialmente, induzindo o indivíduo a enxergar e a fazer seus juízos com base no discurso dominante. Segundo Bourdieu (2000), corresponde à maneira por meio da qual uma classe – grupo dominante – afirma sua superioridade em relação à outra, de forma a legitimar esse discurso como verdade irrevogável. Esta violência é sentida, mas não combatida, sendo, na maioria das vezes, aceita como algo natural. A partir disso, Bourdieu mostra que, através do poder simbólico, construímos significações que passam a ser vistas como legítimas, o que culmina na naturalização e na divinização do que é social. Em conseqüência, o indivíduo que não teve a chance de um distanciamento – uma percepção critica sobre a realidade social que está inserido, sofrerá violência simbólica, encarando-a como correta ou, pelo menos, sem conceber qualquer ação contrária ao status quo. Dessa forma podemos dizer que sejam os garis estudados por Costa (2004), os garotos envolvidos com o tráfico e com a vontade de fazer-se visíveis por meio da violência física estudados por Soares (2005), assim como em tantos outros casos, os sujeitos são produtos do poder, poder que é também violência simbólica, poder que invisibiliza o outro, o restringido, mantendo-o disciplinado, como que falando: “Fique aí, onde é o seu lugar, não ultrapasse”. Podemos partir dessa questão para pensar uma expressão popularmente usada: “Ser alguém na vida” – expressão tão comum no dia–a-dia, naturalizada em nossa sociedade, marcada por relações desiguais; como diria Buber (1977), rela-

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Simmel (2005, p.582) afirma: “Eis porque as cidades grandes, centros da circulação de dinheiro e nas quais a venalidade das coisas se impõe em uma extensão completamente diferente do que nas situações mais restritas, são também os verdadeiros locais do caráter blasé“.

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ções do tipo eu-isso. Porém, o que tal expressão aponta, sem que, ao menos, as maiorias daqueles que a usam se dêem conta do peso simbólico que há em suas entrelinhas. Parece ajudar-nos lançar mão mais uma vez da semântica. Entre vários significados do vocábulo alguém, todos correlatos, apresentados pelo dicionário, alguns pareceram de grande relevância para a reflexão sócio-antropológica aqui proposta: a) ser humano, ente, pessoa; a) pessoa importante, digna de consideração; b) pessoa de condição; pessoa de relevo intelectual e/ou social. Partindo do primeiro significado, podemos pensar sobre a violência simbólica presente na frase em questão, pois parece expressar que só se é alguém quando se está adequado a certo padrão. Esse estará adequado ao que o grupo estabelecido tem como certo e melhor. Ao grupo outsider sobra apenas às opções de adequar-se a esse padrão, resistir, o que, em geral, acontece quando há uma coesão social que construa um sentimento de pertença bastante forte ou, como ocorre na maioria das vezes, se submete ao estigma de inferior (ELIAS, 2000). Pensemos, então, sobre a questão: se um indivíduo afirma querer ser “alguém na vida”, ele se reconhece como um ninguém? Nossa auto-imagem dependerá da imagem que os outros façam de nós, isto é, ela é construída no contato com os outros, sem que esse reconhecimento seja pela submissão do outro à nossa vontade. Para que haja sociedade, é imprescindível haver rostos que se vêem, isto é, pessoas que se reconheçam mutuamente, sem que esse seja um reconhecimento jocoso, conforme Lèvinas (2005, p.61): Eu o reconheço, ou seja, creio nele. Mas se este reconhecimento fosse minha submissão anularia minha dignidade, pela qual o reconhecimento tem valor. O rosto que me olha me afirma. […]. O face-a-face é assim uma impossibilidade de negar, uma negação da negação.

O indivíduo sempre encontrará quem o encontre nesse face-a-face de que fala o filósofo. No entanto, acontecendo esse encontro com um outro-ao-lado, ele continuará tendo o outro-acima como referencial e a forma como esse é visto como a melhor. Os segundo e terceiro significados do termo em questão são correlatos e apontam para a idéia de status, reconhecimento de fetiche, que se dá no exercício de relações sociais do tipo estabelecidos-outsiders, onde se constroem relações hierarquizadas, dando socialmente mais valor a certas pessoas e grupos do que a outras.

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Sendo assim, o ser alguém tem a ver com o reconhecimento, na perspectiva do grupo estabelecido. O grupo ou indivíduo socialmente rebaixado não se dá conta ou, pelo menos, não cerra fileiras ao status quo, pois esse está naturalizado, constituído pelo habitus, definido por Bourdieu (1994, p.73) como […] mediação universalizante que faz com que as práticas sem razão explícita e sem intenção significante de um agente singular sejam, no entanto, “sensatas” , “razoáveis” e objetivamente orquestradas. À parte das praticas que permanece obscura aos olhos dos próprios produtores é o espaço pelo qual elas são objetivamente ajustadas às outras práticas e as estruturas; o próprio produto desse ajustamento está no princípio da produção dessas estruturas.

Compreendemos que é através do habitus que os indivíduos vão construindo suas lentes e verdades, é também nele, e na forma como aparece em cada campo. Este, segundo a interpretação que Ortiz (1994, p.21) faz de Bourdieu, é […] um espaço onde se manifestam relações de poder, o que implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa no seio. […] A estrutura do campo pode ser apreendida tomando-se como referência dois pólos opostos: o dos dominantes e o dos dominados.

Partindo das reflexões apresentadas por Bourdieu (1994; 2000) e por Elias (1994; 2000; 2001), podemos pensar que os sujeitos considerados por um como dominados e por outro como outsiders legitimam este estigma, tendo em vista que ele está naturalizado. As elites, ou os grupos que se auto-reconhecem como tais, vão sempre reivindicar aquilo que Bourdieu chama de superioridade legítima, que se torna assim, não só para os dominantes, mas é também reproduzida pelos dominados. Nas palavras desse autor (1994, p.88), […] Na medida em que cresce a distância objetiva com relação à necessidade, o estilo de vida se torna, sempre, cada vez mais um produto de uma “estilização da vida”, decisão sistemática que orienta e organiza as práticas mais diversas [...]. Afirmação de um poder sobre a necessidade dominada, ele encerra sempre a reivindicação de uma superioridade legítima sobre aqueles que, não sabendo afirmar esse desprezo pelas contingências no luxo gratuito e no desperdício ostentatório, permanecem dominados pelos interesses e as urgências mundanas […].

São nessas relações que, de acordo com Bourdieu, é construído o arbitrário cultural, através do qual se enxerga o mundo e os que nele vivem e se relacionam. Contudo, isso não implica dizer que as pessoas que se encontram invisíveis em cer-

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to contexto não percebam e nem se incomodem com as práticas de invisibilização dos outros em relação a eles. Pelo contrário, isso pode ser percebido de várias formas, até na postura do corpo, como já foi dito, ou nas tentativas de negar o outroacima, encaixando-se ainda mais nos estigmas por ele impostos. Os dicionários integram um significado a uma palavra quando esta esteve e/ou está em uso em determinada cultura. A partir daí podemos retomar os dois outros significados semânticos, correlatos, que aludem aos usos coloquiais do termo alguém. Taxar uns como pessoa importante, como mostra o dicionário, em detrimentos de outros estigmatizados como “sem importância”, ou ainda, afirmar que determinado indivíduo é “digno de consideração” é o mesmo que afirmar a legitimidade das relações autoritárias. O “alguém” tão fetichizado é aquele que na pirâmide social é o que designamos outro-acima. Toda essa questão nos faz pensar sobre a figura, também, tão coloquialmente evocada, do João Ninguém, aquele sujeito estigmatizado, muitas vezes, como inútil, anormal, anômico, outsider. Em nossa sociedade este pode ser o vagabundo – o que não faz nada, tido como inútil para a sociedade, isto é, nada de produtivo para a dinâmica do capital -, mas também poder ser o trabalhador braçal, exercendo funções que, mesmo sendo tidas como indispensáveis, são consideradas inferiores – sócio-ocupações que são consideradas trabalho não especializado. Quanto a essa divisão de trabalho especializado e não especializado Hanna Arendt afirma que “[…] toda atividade exige certo grau de qualificação – especialidade –, tanto a atividade de limpar e cozinhar como a de escrever um livro ou construir uma casa” (ARENDT, 1995, p.101, grifo nosso). Essa divisão aponta e fortalece os estigmas, afirmando ainda mais as relações hierarquizadas. Estes “Joões-Ninguém” são os invisíveis6 que, aqui, discutimos. Portanto podemos afirmar que esse ser-alguém é o mesmo que ter reconhecimento, não como mero conceito, mas enquanto ente único veste em sua subjetividade. A negação disso tem a ver com a dissociação entre a ação e o discurso, “[…] que são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homem” (ARENDT, 1995, p.189). Porém, faz-se importante pontuarmos que a invisibilidade social, como discutimos

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O uso do termo invisibilidade aqui tem mais a ver com o uso que fazem os autores já apresentados. No capítulo seguinte, aprofundamo-nos nessa questão, escolhendo designar o fenômeno não por esse termo corrente.

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não estará presente somente quando os sujeitos exercem sócio-ocupações consideradas inferiores, mas quando são tratados como conceitos, onde a linguagem, que é a comunicação dialógica na perspectiva de Lèvinas, não encontra espaço, passando a existir contato entre conceitos, que podem partir até mesmo de pré-conceitos, que distanciam humanos, construindo um medo do outro. No dizer de Lèvinas (2005, p.58), A linguagem, em sua função de expressão, é endereçada a outrem e o invoca. Certamente, ela não consiste em invocá-lo como representado e pensado, mas é precisamente porque a distancia entre o mesmo e o outro, onde a linguagem se verifica, não se reduz a uma relação entre conceitos, um limitando o outro, mas descreve a transcendência em que o outro não pesa sobre o mesmo, apenas o obriga, torna-o responsável, isto é falante. […] A linguagem não pode englobar outrem: outrem, cujo conceito utilizamos neste preciso momento, não é invocado como conceito, mas como pessoa.

Ao começarmos a descrever alguém com base em conceitos ou “préconceitos”, estamos encaixando este no referencial que nos é dado. Esquece-se ou ignora-se a pessoa, a subjetividade, individualidade a nós apresentada, ou, em termos usados por Lèvinas, ignora-se o rosto de outrem que a nós se apresenta. Logo tal fenômeno, como já foi dito, não está limitado aos grupos socialmente com menor poder aquisitivo ou que trabalham em serviços que exigem menos qualificação. Por exemplo, na relação médico-paciente, quando o primeiro trata o segundo por sua doença ocorre invisibilidade. O filme Path Adams, protagonizado pelo ator Robbin Willians, mostra isso claramente, quando uma turma de novos estudantes de medicina fica ao redor de uma paciente com um tipo de gangrena na perna, descrevendo sua patologia, indicando o tratamento, como se não estivessem diante da pessoa, até que o protagonista, pedindo permissão para fazer uma pergunta, dirige-se à paciente e pergunta-lhe o nome, o que parece causar espanto para os seus demais colegas. A invisibilidade se constrói nessas relações distanciadas nas quais as hierarquias são muros que impedem que haja uma relação dialógica em que um humano encontre outro a despeito dos papéis exercidos é que se dá, também, a invisibilidade. Outro exemplo7 relevante: a relação entre professores e alunos, naquilo que Paulo Freire chama de pedagogia pancária. Nesta não há troca de conhecimentos 7

Os dois exemplos utilizados servem apenas de ilustração para apontarmos para a existência de uma invisilibidade para além da divisão social do trabalho ou para os grupos marginalizados socialmente.

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entre os diferentes atores envolvidos no cenário (GOFFMAN, 1999) da sala de aula, alunos são somente depósitos do conhecimento do “mestre” que deve ser reproduzido (FREIRE, 1996). O reconhecimento do outro ocorre na comunicação, entendida como relação dialógica, na qual se constrói o consenso. Isto não implica em concordância, mas troca de idéias entre interlocutores que trocam reconhecimento sem que um se veja maior que o outro, isto é sem que em sua auto-imagem se reconheçam como o outro-acima, vendo o interlocutor como outro-abaixo. Isto se dá quando os atores envolvidos enxergam o outro como outro-ao-lado. Isto pode se dar num simples “Bom dia” a pessoas que geralmente não o recebem. Claro que tais atitudes são bastante difíceis, pois se exige, para isso, uma desnaturalização de ações que passam despercebidas, e não se deve ter em mente que um indivíduo conseguirá escapar a isso, como mostra Simmel (2005), atitude blasé é necessária.

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II INVISIBILIDADE OU INVISIBILIZAÇÃO? EIS A QUESTÃO.

Sou um homem invisível. Não, não sou um fantasma como os que assombravam Edgar Allan Poe; nem um desses ectoplasmas de filme de Hollywood. Sou um homem de substancia, de carne e osso, fibras e líquidos – talvez se possa até dizer que possuo uma mente. Sou invisível, compreendam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver. Tal como essas cabeças sem corpo que às vezes são exibidas nos mafuás de circo, estou por assim dizer cercado de espelhos de vidro e deformante. Quem se aproxima de mim vê apenas o que me cerca, a si mesmo, ou os inventos de sua própria imaginação – na verdade, tudo e qualquer coisa, menos eu. Minha invisibilidade também não é, digamos, o resultado de algum acidente bioquímico da minha epiderme. A invisibilidade à qual me refiro ocorre em função da disposição peculiar dos olhos das pessoas com quem entro em contato. Tem a ver com a disposição de seus olhos internos, aqueles olhos que elas enxergam a realidade através dos seus olhos físicos. (Ralph Ellison, em Homem Invisível).

Iniciamos este capítulo com a citação acima por compreender que, em sua escrita, o romancista, Ralph Ellison, no prólogo do seu livro, serve como ponto de partida para a discussão que aqui nos propomos a fazer. Partindo dos dois parágrafos supracitados colocamos em pauta a pergunta que nomeia o presente capítulo: Invisibilidade ou invisibilização? Invisibilização, termo escolhido, não configura em si nenhuma novidade, tendo em vista que, mesmo em pesquisas superficiais feitas na Internet foram encontrados vários usos do mesmo. É importante esclarecer que todos esses possuem alguma correlação, tendo a conotação de falta de reconhecimento de certos grupos de atores sociais (GOFFMAN, 1999). Entre esses alguns conseguem se unir em prol de uma luta – resistência8 – por esse reconhecimento, que é no fim da contas a busca por “dignidade” de que muito se fala no senso comum. Invisibilidade e invisibilização são termos correlatos e pode-se dizer que são equivalentes, mas defendo que seja mais adequado o uso do conceito de invisibilização social, não por desmerecermos os outros trabalhos. Esses foram importantes para percebermos pontos positivos, proximidades e lacunas nos estudos realizados sobre a temática em questão, anunciando possíveis tentativas de avançar na área

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Pensamos a resistência a parttir de Norbert Elias em Estabelecidos e Outsiders, quando, na conclusão vai mostrar que através de uma compreensão melhor das configurações sociais, nas quais se estabelecem forças coercitivas, pode-se conceber algum tipo de controle sobre elas. (ELIAS, 2000)

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através da nossa pesquisa9. Entendemos por invisibilização social um fenômeno que, assim descrito, ressalta a implicação dos sujeitos sociais no próprio processo. Invisibilidade torna a realidade da invisibilização algo estático, como se tratasse de um dado do social (algo como uma substância já existente). Quando se fala em invisibilidade social se está querendo falar em relações sociais nas quais pessoas ou grupos sofrem uma ação invisibilizadora em determinadas situações. Esta não vem a mostrar que as pessoas tidas como invisibilizadas não sejam vistas. Elas são vistas através de uma relação de dominação na qual são vistas como inferiores, sub-humanas. Refletindo sobre o que o romancista diz “Sou invisível, compreendam, simplesmente porque as pessoas se recusam a me ver” – pode-se entender que é nesta recusa naturalizada, que se dá a invisibilização do Outro, tratado como outsider. Entretanto, tais atitudes não devem servir para defender um grupo e proteger outro, pois a invibilização, como aqui se quer tratar, é um produto do poder existente entre os seres humanos, pois estabelecem relações de dominação entre si. Desde o momento em que se nasce o sujeito está exposto a ação do poder. Durante toda a pesquisa, seja nas entrevistas, nos resultados colhidos pelos questionários e até mesmo nas observações descritivas, foi-se construindo a idéia aqui apresentada. É bastante evidente que essas pessoas estão lá – Ao menos para o olhar do pesquisador – mesmo que muitas vezes tenhamos nos deparado com a surpresa de colegas que, ao saberem do campo desta pesquisa, diziam, reiteradas vezes: “Mas tem gente limpando o Midway? Vixe, eu nunca vi”. A despeito dessas reações, não podemos pensar que essas pessoas sejam, de fato, invisíveis. Elas estão invisibilizadas, naquele contexto, naquele cenário, assim como podem passar por isso em outras situações, mas uma coisa deve ser levada em consideração: o mesmo ator que é invisibilizado em determinado campo poderá invisibilizar outros atores em outro (GOFFMAN, 1999). Dependendo dos papéis que exercem e daquilo que se exige deles. É fato que, sendo a ação invisibilizadora um produto das relações de poder, manifestado de forma geral como violência simbólica, todos os seres humanos experimentam isso em maior ou menor escala. O caso do “pessoal da limpeza” não configura em si uma exceção, reservada aos trabalhadores braçais. Como

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Afirmamos isso com a consciência de que nos encontramos numa posição de um graduando que se envereda pelo complexo campo da pesquisa social.

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já se vem apontando a invisibilização está presente onde há uma relação de estabelecidos e outsiders. Enquanto invisíveis, as pessoas são vistas por meio de estigmas, indiferença, por meio da divisão social do trabalho, do discurso do útil e do inútil. Dito isso, vamos agora conceituar como, para a presente pesquisa, se constrói o fenômeno da invisibilização social, isto é, as várias facetas com que se vai se construindo tal fenômeno, o que não implica dicotomizar os conceitos aqui apresentados. Optamos por isso por uma questão de melhor sistematização, sabendo que nenhum dos conceitos aqui apresentados sejam independentes. Pelo contrário, pois é certo que um fenômeno social se constrói através de vários fatores interdependentes. Também é certo que não abarcamos tudo o que se desejaria quanto ao objeto, mas apresentamos os conceitos vistos como mais importantes para uma reflexão minimamente responsável.

1 A construção da individualidade e a busca por visibilização

A busca por visibilidade tem uma íntima relação com a questão do reconhecimento, embora não suceda de uma mesma forma ao longo da história (KEHL, 2004). É importante afastar a idéia de que sempre os atores sociais estiveram preocupados em manter uma identidade que engrandecesse o Eu, isto é, o indivíduo como ser autônomo, em busca de uma visibilidade que lhe trouxesse esse reconhecimento. Como mostra Elias (1994) ao falar da balança Nós-Eu, há períodos históricos em que a identidade Nós, isto é, a identificação com determinado grupo, era bem mais importante do que a identidade Eu. O autor (1994, p.130) afirma: O Estado romano republicano é um exemplo da Antiguidade é exemplo clássico do estágio de desenvolvimento em que o sentimento de pertencer à família, á tribo e ao Estado, ou seja, a identidade-nós de cada pessoa isolada tinha muito mais peso do que hoje na balança nós-eu. Assim, a identidade-nós mal era separável da imagem que as classes formadoras tinham da pessoa individual. A idéia de um indivíduo sem grupo, de uma pessoa tal como seria fosse despojada de toda a referência ao nós, tal como afiguraria se a pessoa isolada fosse altamente valorizada que todas as relações-nós, como família, tribo ou Estado, fossem consideradas relativamente sem importância, essa idéia ainda estava em boa medida abaixo da linha do horizonte do mundo antigo.

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Elias (1194, p. 131) enfatiza que não havia nem mesmo sido introduzido nas línguas mais antigas o uso que é dado atualmente para o termo indivíduo. Sobre isso ele escreve o seguinte: A própria palavra individuum, aplicada a uma pessoa, é desconhecida no latim clássico. Naturalmente, os antigos romanos sabiam, tão bem como podemos supor que todas as outras pessoas sabiam, que todos têm as suas peculiaridades. […]. Mas está claro que não havia necessidade, na camada formadora da língua em sua sociedade, sobretudo entre os usuários da língua escrita, de um conceito abrangente e universal que significasse que toda pessoa, independentemente do grupo a que pertencesse, era uma pessoa independente e singular, diferente de todas as demais, e que expressasse, ao mesmo tempo, o alto valor conferido a essa singularidade (1994, p.131).

Sobre a balança Nós-Eu, acreditamos que no período supracitado a identidade com o grupo era o que garantia ao sujeito sua visibilidade. Por certo, existiam aí relações entre estabelecidos e outsiders, até porque se tratava de um Estado escravocrata. Neste deve-se ter em mente que a existência de uma ação invisibilizadora se dava nas relações entre diferentes grupos que por meio de estigmas viam um ao outro como inferior, excluindo um ou outro (ou um ao outro) o acesso a certos mecanismos de dominação. Quanto a isso Elias (2000, p. 208): As figurações estabelecidos-outsiders possuem regularidades e divergências recorrentes. […]. No fundo sempre trata de um grupo exclui outro das chances de poder e status, conseguindo monopolizar essas chances. A exclusão pode variar em modo e grau, pode ser total ou parcial, mais forte ou mais fraca. Também pode ser recíproca (2000, p.208).

Há uma mudança no uso do termo indivíduo que se baseia ma ilusória autonomia dos seres humanos e que valoriza mais as diferenças do que o que há de comum (ELIAS, 1994, p.130). Esse aspecto semântico pode apontar para uma busca dos atores sociais por serem visibilizados de forma individual. Segundo Simmel isso pode ser observado a partir do que se entende por individualidade. Ele afirma: É uma opinião universalmente aceita entre os europeus o fato de que a Renascença italiana produziu aquilo que chamamos de individualidade – a superação tanto interna como externa do indivíduo das formas comunitárias que conformavam a forma da vida, a atividade, produtiva, os traços do caráter dentro de unidades niveladoras, fazendo desaparecer os traços pessoais e impossibilitando o desenvolvimento da liberdade pessoal, da singularidade própria de cada um e da auto-responsabilidade (1998 p.109).

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Essa mudança trás algumas preocupações para os indivíduos da época algumas preocupações que foram aumentando e se modificando até hoje. Tais preocupações se evidenciam na busca destes em diferenciarem-se entre si, tendo […] um desejo individual de aparecer, de se apresentar de maneira mais favorável e merecedora de atenção do que era permitido pelas formas habituais. O que se torna realidade nesse movimento é precisamente o individualismo da distinção em contraponto com a ambição do homem renascentista de se impor incondicionalmente, de enfatizar o valor de sua própria singularidade. (Ano 1998 p.109).

Nesse sentido a contemporaneidade continua reproduzindo e construindo essa necessidade do indivíduo em fazer-se ver como único. Porém observamos que certos atores, no desempenho de determinadas sócio-ocupações ou papéis, perdem o direito a esse reconhecimento. É sem duvida, o caso do “pessoal da limpeza” presente no campo trabalhado, pessoas que, durante o expediente de trabalho, se submetem a usar roupas uniformizantes, que pouco permitem a expressão das diferenças, como nos aprofundaremos posteriormente. Neste caso, a invisibilização parece constituir-se pela impossibilidade de se expressar essa singularidade. Provavelmente por esse motivo, em sua maioria, essas pessoas, logo que podem, se desvencilham dessas roupas, que possuem em si violência simbólica, que reprimem a singularidade, trocando de roupa. Mesmo que não falem com ninguém, essas pessoas estão comunicando mais “livremente” seus gostos pessoais, seu estilo, como muito comumente se ouve falar. O incômodo causado pela indferenciação do indivíduo e sua conseqüente busca por mostrar-se e apresentar-se enquanto ser singular é uma característica da sociedade de massas. O indivíduo vê-se dissolvido nessa indiferenciação e, conseqüentemente, busca apresentar-se como diferente dos demais. De acordo com Maffesoli (1998, p.61), […] É nesse sentido que uma certa indiferenciação consecutiva à mundialização e à uniformização dos modos de vida e, às vezes, de pensamentos abstratos, pode caminhar lado a lado com a enfatização de valores particulares intensamente recuperados por alguns. Dessa maneira podemos assistir a uma mass-mediação crescente, a um figurino padronizado, a um “fastfood” invasor, e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de comunicação local(rádios livres, tvs por cabo) ao sucesso das roupas idiossincráticas, de produtos ou pratos locais, quando se trata, em determinados momentos, de reapropriar-se de sua existência.

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Partindo da afirmação acima se pode começar a compreender o incômodo do uso do uniforme. Ali com ele vestido é-se visto como igual aos demais que dele compartilham do uso. Sobre essa “necessidade” de diferenciação, essa exacerbação do “eu” em relação ao nós Simmel vai fundamentar no desenvolvimento dos conceitos de liberdade e igualdade no século XVIII (114). Ele afirma: No lugar daquela igualdade que expressava o ser mais profundo da humanidade e que, por outro lado, primeiro, ainda teria de realizar-se, temos agora a desigualdade. […] Tão logo o eu no sentimento de igualdade e universalidade sentiu-se forte o bastante, passou a procurar a desigualdade, mas apenas aquela que surgia como lei interna. (114)

Nesta exacerbação da individualidade, que cada vez mais os indivíduos invisibilizam outros, como se não pertencessem a um mesmo mundo. Os sujeitos criam distâncias entre si e as enxergam como intransponíveis. Elias (2001, p.61) afirma que […] Em sociedades mais desenvolvidas se vêem como seres individuais fundamentalmente independentes, como mônadas sem janelas, como “sujeitos” isolados, em relação aos quais o mundo inteiro, incluindo todas as outras pessoas, representa o “mundo externo”. Seu “mundo interno”, aparentemente, é separado desse “mundo externo”, e, portanto das outras pessoas, como que por um muro invisível.

Nesse isolamento, que é distanciamento e medo do outro numa decadência das relações de alteridade, vai-se construindo essa desigualdade naturalizada – a lei interna de que fala Simmel – que justifica o auto-reconhecimento de uns como superiores, os quais se concebem o direito de reconhecer outros como inferiores por não se encaixarem nos seus padrões sociais daqueles. Aqueles colegas, anteriormente citados, surpresos com a presente pesquisa por nunca terem visto o “pessoal da limpeza”, parecem desprezar essas pessoas. Nisso notamos a atitude blasé do homem metropolitano, que é, também, violência simbólica, da qual todos os seres humanos compartilham da prática. Deve-se ficar claro que a ação invisibilizadora nada tem a ver com valores de bondade ou maldade dos indivíduos, pois é fruto da construção social na qual esses estão inseridos desde que nascem. Também não se deve entender que todos exerçam uma mesma ação invisibilizadora, porque alguns são mais indiferentes à presença alheia do que outros.

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O que é importante ressaltar em relação ao grupo pesquisado é que ali a indiferença – esse parecer que não é visto ou que é visto como uma coisa –, foi apontado tanto nas entrevistas como nos questionários. No caso desse grupo a crença de que nada pode ser feito é vigente, pois, além do papel que exercem, legitimar isto para os freqüentadores, também existe o treinamento da empresa que os ensina a trabalharem o mais discretamente possível, sem nunca desagradar ao cliente ou revidar a algum mau trato deste. A frase “O cliente tem sempre razão”, tão usual, aparece nas falas tanto dos que ocupam os cargos administrativos da empresa como dos que estão na base dessa pirâmide hierárquica, e que representam a maior parte dos empregados, os auxiliares de serviços gerais (ASG). No uso de tal frase, a pessoa com o uniforme azul desaparece enquanto agente, enquanto ser singular, sendo visto apenas como uma espécie de robô que é acionado, quando necessário, e que não deve expressar suas emoções, ficando invisível. Com isso, não se pode deixar de pensar na dissociação entre a ação e o discurso. Há ação, mas não se dá importância ao seu agente. Isso indica uma tentativa de se substituir a ação pela fabricação. Nesta última deixa-sede, existe o risco da imprevisibilidade da ação humana, como aponta Arendt (1995, p.232): Essa tentativa de substituir a ação pela fabricação era visível em todos argumentos contra a ‘democracia’, os quais, por mais coerentes e racionais que sejam, sempre se transformam em argumentos contra os elementos essenciais da política. Todas as calamidades da ação resultam da condição humana da pluralidade, que é condição sine qua non daquele espaço de aparência que é a esfera pública.

Essa tentativa de substituição, que nunca alcançará total êxito quando se trata de humanos, pode ser observada quando analisamos os relatos dos interlocutores, com destaque para aqueles que ocupam cargos cuja responsabilidade é manter a Ordem. A empresa, além de treinar seus funcionários para serem “bem educados”, também exige que esses levem ao extremo a máxima: “O cliente tem sempre razão”. Entrevistando Joelson10 ouvimos dele o seguinte: “Tem aquela regra: O cliente tem sempre razão. É uma merda, mas é assim mesmo.” Nesse caso, submete-se a uma regra social como se não houvesse alternativa. Até revolta-se, mas trata-se 10

Todos os nomes dos entrevistados foram alterados buscando preservar sua identidade, evitando, assim, qualquer possível retaliação institucional.

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da resignação. Na maioria das vezes – especialmente quando não se detém status para isso – o ator invisibilizado não vê nenhuma possibilidade de expressar sua revolta e de exercer resistência às ações invisibilizadas. Conforme os discursos dominantes que circulam no campo, aquele que usa o uniforme, o ator que interpreta determinado papel, com determinado figurino, não pode expressar a raiva por ter sido maltratado. Não interessa para os estabelecidos quem são essas pessoas, somente as funções exercidas. O trabalhador braçal é rebaixado socialmente. Ele não é contabilizado como alguém de valor, especialmente numa sociedade moderna, onde cada vez mais os entes humanos são tratados como números, devido à valorização do quantitativo em detrimento do qualitativo (SIMMEL, 1995). Isso vem há muito tempo naturalizado, assim como a classificação dos sujeitos como inferiores ou superiores de acordo com as sócio-ocupações exercidas. Dessa forma, pode-se dizer que o estigma se dá porque o outro-abaixo é visto através do “quanto”, não importando o “quem”. O uniforme azul oferece informações necessárias, tidas como legítimas, para que a acusação seja desferida. E, ainda assim, o acusado precisa conter-se e reprimir a sua revolta. Sobre isso, Costa (2004, p.99) explica que A circunstância de ter de se portar conforme uma determinada função, “saber qual é o seu lugar”, produz sintomas. […] Muitas vezes, os trabalhadores parecem agir como crianças na frente de um pai bravo e autoritário, crianças que não podem ter voz. Na presença do mandatário emudecem.

Weill (1996, p.79) parece concordar com isso, quando analisa a situação dos operários: Quer esteja irritado ou triste ou desgostoso, é preciso engolir, recalcar tudo no intimo; irritação, tristeza ou desgosto: diminuíram a cadência. E até a alegria. As ordens: desde o momento em que se bate o cartão na entrada até aquele em que se bate o cartão na saída, elas podem ser dadas, a qualquer momento, de qualquer teor. É preciso sempre calar e obedecer. […]. Engolir nossos próprios acessos de enervamento e de mau humor, nenhuma tradução deles em palavras e em gestos, pois os gestos estão determinados, minuto a minuto pelo trabalho. Essa situação faz com que o pensamento se dobre sobre si, e retraia, como a carne se contrai debaixo de um bisturi. Nada poder ser “consciente”.

Em geral, além de não poder expressar a singularidade do seu ser, o “pessoal da limpeza” vê-se impedido de, ao menos, expressar suas emoções, pois já está naturalizado que isso não tem importância. Nesse cenário, para a maioria das outras

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pessoas, esses invisibilizados não podem revidar a essa violência simbólica; caso tentem, correm o risco de demissão. Empregado bom11, neste caso, é aquele que trabalha bem, sem manifestar-se, submetendo-se às exigências desse papel. É um acordo desigual e o não cumprimento dele por parte dos colaboradores12 acarreta em punições que podem alcançar muito mais pessoas do que o funcionário – e, na maioria das vezes, atinge. Não existem grandes preocupações com o caráter individual dessas pessoas, a não ser que isso interfira no desempenho de suas funções. Tudo o que diz respeito às suas singularidades é ignorado, pois eles estão inviabilizados, ou seja, sua individualidade não tem espaço naquele campo. É essa indiferença aos fenômenos individuais que se pôde perceber tanto nos resultados obtidos através dos questionários, quanto nas entrevistas. Quando interpelado sobre se existiam mulheres na função de encarregado, “seu” Marcos, gerente local da empresa, respondeu o seguinte, referindo-se ao início do trabalho da SOSERVI, no Midway: “Entramos com duas, no horário da manhã e da tarde, mas, por problemas técnicos, tivemos que tirar e hoje eu tenho dois encarregados masculinos, uma encarregada feminina e um supervisor”. O entrevistado fala em problemas técnicos ao referir-se à impossibilidade de permanecer com as duas mulheres em seu quadro de empregados. Ao falar assim, explicita a relação utilitarista já tão naturalizada em sua postura, não parece falar em pessoas, com seus sentimentos e subjetividades, mas em ferramentas, em um tipo de produto produzido em série e que veio com defeitos, não contribuindo com o ideal da empresa, que é aumentar a produtividade. Pode-se pensar que tal distanciamento se intensificou com o advento da cidade que trouxe a intensificação de uma economia monetária, segundo Simmel (1995, p.2): A cidade grande moderna, contudo, alimenta-se quase que completamente da produção para o mercado, Isto é, para fregueses completamente desconhecidos, que nunca se encontrarão cara a cara com os verdadeiros produtores. Com isso, o interesse das duas partes ganha uma objetividade impiedosa, seus egoísmos econômicos, que calculam com o entendimento, não tem a temer nenhuma dispersão devida aos imponderáveis das relações pessoais. […]. As grandes cidades sempre foram sempre o lugar da eco11

O empregado bom é “premiado” pela empresa a ir para a Universidade da Limpeza, em Recife, para aprender a trabalhar ainda melhor, tornando-se um multiplicador, isto é, o empregado que vai voltar para o seu cargo e terá a responsabilidade de motivar seus colegas a trabalharem de forma a fazer do trabalho ainda mais produtivo. 12 Durante a entrevista, o gerente da empresa disse preferir o uso desse termo como uma possibilidade de abrandar a humilhação que a sócio-ocupação já representa: “Já é um povo tão sofrido, né?”, é o que diz ele sobre isso, justificando os termos eufêmicos.

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nomia monetária. […]. Mas a economia monetária e domínio do entendimento relacionam-se de modo mais profundo. É-lhes comum a pura objetividade no tratamento dos homens e coisas, na qual a justiça formal se junta com uma dureza brutal. […]. Precisamente como no princípio monetário a individualidade dos fenômenos não tem lugar. Pois o dinheiro indaga apenas por aquilo que é comum a todos, o valor de troca, que nivela toda qualidade e peculiaridade à do mero “quanto”.

Reduzir o sujeito a esse “quanto” é impossibilitá-lo de fazer-se ver além das relações utilitárias. Não se deve entender que, nas sociedades modernas, nas metrópoles, as pessoas não se encontram e não se visibilizam. Como mostra Simmel (1995), ao contrário do que possa parecer principalmente ao homem do campo, há sociabilidade nas metrópoles. Porém, ela existe numa lógica construída em um cenário bastante diferente daquele em que se insere esse ator. Não é a todo o momento que as relações dos sujeitos são reduzidas a essa “objetividade impiedosa” da qual fala o autor. Existe aí, como em qualquer outro lugar, o encontro entre sujeitos que, mesmo não deixando de ser relação de poder, não são sempre relações entre um outro-acima e um outro-abaixo, pois pode ser uma relação com o outro-ao-lado.

2 Divisão social do trabalho e invisibilização

Mesmo não sendo o foco desta pesquisa, é importante abordar a questão da divisão social do trabalho, na perspectiva de Marx, como mais um dos fatores que contribuem para a construção do fenômeno da invisibilização social, porque trouxe a divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal, colocando este último num patamar inferior ao primeiro, configurando-se também uma relação entre estabelecidos e outsiders. De acordo com Elias (2000, p.200), Karl Marx foi o primeiro a descobrir que os conflitos de grupos e os processos ligados, apesar das diferenças de suas manifestações, podem possuir uma estrutura fundamental semelhante. Sua constatação de que tais conflitos não surgem da má vontade ou da fraqueza de um lado ou do outro, mas das particularidades estruturais da sociedade em questão, foi um passo muito grande para o desenvolvimento da teoria sociológica. Todavia Marx afirmava implicitamente que todos os conflitos eram essencialmente de classe, sendo que uma delas tem a possibilidade de monopolizar as chances de poder econômico. Outros aspectos que hoje em dia ocupam um lugar central para os seres humanos, permaneciam à margem do seu campo de visão.

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Fazemos uso desse recorte feito por Marx (1996), sem determo-nos nas críticas que Elias e outros autores fazem à análise supostamente reducionista do autor. Independente disso, seus estudos são de suma importância para o andamento da reflexão sobre o fenômeno da invisibilização social, como algo que só pode existir onde ocorra relação entre estabelecidos e outsiders, que é, em outras palavras, um tipo de relação onde uns se auto-reconhecem como elite. Contudo, antes de trazer à tona as citações de Marx, faz-se mister apresentar que informações o campo empírico nos fornece para elaborarmos esta reflexão. Mesmo quando ainda não estabelecido um contato direto com o “pessoal da limpeza”, já percebemos a questão da divisão social do trabalho, até porque o trabalho desempenhado poderia ser visto como um trabalho não especializado, numa perspectiva marxista. Através da dinâmica do mercado, o trabalho braçal, – quando o indivíduo só tem sua força de trabalho para vender –, é posto num patamar inferior ao trabalho intelectual. Na divisão social do trabalho, percebe-se muito claramente aquilo que Buber (1977) chama de relações do tipo eu-isso, isto é, uma relação na qual um indivíduo ou grupo trata outrem como ferramenta de trabalho. De certa forma, isso se evidenciou nas diferentes falas dos entrevistados. A primeira questão que chamou bastante a atenção foi quando, durante a entrevista cedida pelo gerente estadual da empresa, pedimos que ele definisse a SOSERVI e, prontamente, ele respondeu: A SOSERVI, hoje, é uma empresa de prestação serviços e locação de mãode-obra temporária. Trabalhamos com limpeza e conservação, portaria, que é nosso forte, mas também recepcionista, jardineiro e outras gamas de profissionais que a gente terceiriza.

Nesse relato, as pessoas desaparecem e surge apenas o que importa à empresa, enquanto instância empregadora: a “mão-de-obra” a ser locada. Ouvindo isso, mais parece que se está falando de uma mercadoria, uma coisa. E, na realidade, é assim que se é visto, mesmo de forma naturalizada, na dinâmica do capital. Em outro momento da entrevista, é ressaltada a importância do grupo de pessoas que atuam no turno das 22h às 6h, pois esses são os serviços “mais pesados”, que vão ajudar em todos os outros turnos. Isso pode ser traduzido da seguinte forma: “Bem, nós temos várias engrenagens que precisam trabalhar de forma harmônica, cada uma no seu horário. Quando uma não funciona direito, precisamos compreender o porquê, para que a produção não sofra perdas”. Sobre o interesse no serviço que

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mão-de-obra pode ter, Marx (1989, p.189) explica que “Não interessa ao possuidor do dinheiro saber por que o trabalhador livre se defronta com ele no mercado de trabalho, não passando o mercado de trabalho, para ele, de uma divisão especial do mercado de mercadorias”. Partindo disso, pode-se dizer que os sujeitos desaparecem no exercício do seu trabalho ou, como diria Goffman (1999), no desempenho do seu papel. O gerente da empresa, visto aqui como empregador, mesmo que deixasse claro que se importava com as pessoas, também era traído pela sua fala. Nessa, percebemos que a demonstração de preocupação com as pessoas não passa de uma preocupação com a manutenção do nível de produtividade da empresa. Embora gerente e supervisores tenham um discurso padrão sobre ser política da empresa o interesse nas pessoas, seus problemas e limitações, esse discurso foi desconstruído não só por meio das conversas com o “pessoal da limpeza”, mas também através da observação das situações interacionais entre superiores e subalternos. No dia marcado para tirarmos boa parte das fotografias usadas na pesquisa, Carlos, encarregado do primeiro turno, foi mandado para conduzir-nos até Elder, supervisor. Já eram 9h e, de acordo com o horário oficial da empresa, o expediente dele já deveria ter terminado, mas ele nos informou que isso nunca acontecia: “Peão é pra se foder mesmo”, ele disse. Sempre ficava para resolver alguma coisa. Nesse dia, já que era período de pagamento, tinha de revisar as fichas dos seus subordinados, onde deveriam marcar os dias que trabalharam e os de folga. Ele tinha de checar se havia algum erro ou rasura no preenchimento. Caso houvesse, o funcionário teria de preencher outra ficha, porque, sem essa, ele não receberia seu pagamento. Carlos só foi dispensado para ir para casa às 10h30min, quando disse: “Seu Elder, eu não agüento mais não”. Nessa ocasião, perguntei a Elder se o pessoal trabalhava oito horas por dia. Ele respondeu: “Não, são sete horas, senão o pessoal não agüenta”. Este estava no exercício de seu papel. Nesse dia, havia ido para casa às 2h da madrugada, voltando para o Midway às 7h. Orgulhoso, ele falava: “E você nem percebe, eu chego aqui inteiro”, fazendo alusão ao seu estado físico.

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Fig.1 encarregado checando fichas de freqüência

Fig.2

fichas de freqüência

As pessoas que se submetem a esse tipo de trabalho o fazem devido à necessidade de fazê-lo. Percebemos isso em boa parte dos que exercem a sócioocupação de trabalhar na limpeza. Caso tivessem a oportunidade de trabalhar em outra função ou em outro emprego, logo largariam aquele. Com exceção do gerente, formado em administração – e que nunca precisou trabalhar na limpeza –, muitos funcionários, mesmo o supervisor geral – supervisor não só do Midway, mas de outros estabelecimentos da cidade –, deixaram claro que se pudessem trabalhariam em alguma outra atividade. De acordo com os questionários aplicados, das sessenta pessoas que conseguimos entrevistar, apenas quatro se mostraram satisfeitas com o atual emprego. O gráfico abaixo indica essa insatisfação:

Trabalharia em outra coisa?

Sim Não

O indivíduo, segundo Marx, só se submete a vender – alienar – sua força de trabalho, pois não tem outra opção. As pessoas que compõem o “pessoal da limpeza” parecem acreditar nisso em relação ao seu trabalho, pois o mantém a despeito de suas perspectivas sobre esse. Em geral, elas consideram essa renda indispensável ou complementar à sua renda familiar. Conforme Marx (1996, p.187-188), Por força de trabalho ou capacidade de trabalho compreende-se o conjunto de faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade vi-

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va de um ser humano, as quais ele põem em ação toda vez que produz valores-de-uso. […] o dono da mercadoria – força de trabalho – não pode vender mercadorias em que encarne seu trabalho, e é forçado a vender sua força de trabalho que só existe nele mesmo.

Certamente, tal proposição serve para pensar sobre o “pessoal da limpeza”. Mais uma vez, vê-se que o desempenho dessas sócio-ocupações vai sendo construído como algo inferior, tanto que a maioria das pessoas que daí tiram o seu “ganha pão“ não se mostraram satisfeitas. Desse modo, parecem concordar com o lugar social que é imposto para o seu trabalho. Por mais que não se diga tratar-se de algo indigno, sempre nas entrevistas, mesmo com as dificuldades de admitir isso, fala-se em “só agüentar esse serviço por necessidade, enquanto não aparece coisa melhor”. Alguns até têm outras perspectivas – uma minoria –; outros parecem satisfeitos com esse emprego, “já que tem tanta gente querendo emprego, né?”, como ouvimos em certos momentos. Submeter-se a esse papel é estar exposto a vários tipos de violência simbólica, pois, entre outras coisas, no imaginário social, o desvalor dado ao papel exercido era naturalmente transferido para os atores (GOFFMAN, 1999) que os exerciam, passando a não merecerem o olhar reconhecedor, pois, até mesmo na relação com o dinheiro, essas pessoas vendem sua força de trabalho por um valor irrisório, na perspectiva daqueles mais abastados, que, numa atitude naturalizada, taxam-nas como outsiders. Essas pessoas se submetem a esse serviço, mesmo concordando com a visão que se tem dele, por necessidade, como elas mesmas falam. Necessidade de que? Desde as mais básicas – subsistência – até aquelas ligadas ao consumo como marcador social (sobre o qual falarei no próximo tópico), para isso, obviamente precisa-se de dinheiro. Para Simmel (1995, p.2, grifo nosso), essa indiferença – atitude blasé – vai ter relação com o valor objetivo que é dado às pessoas através do dinheiro, que “[…] indaga apenas por aquilo que é comum a todos, o valor de troca, que nivela toda qualidade e peculiaridade `a questão do mero ‘quanto’. Todas as relações de ânimo entre as pessoas contam os homens como números […]”. Ver apenas “os homens como números” ou como “mera força de trabalho” é invisibilizá-los, reduzi-los ao valor de objetos, de algo que não envolva reconhecimento. A falta deste vai marcando a vida dos sujeitos ao longo de seus trajetórias. É importante ressaltar que a ação invisibilizadora não está limitada só aos pobres ou aos trabalhadores braçais. De fato, todos os seres humanos são expostos a isso em

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maior ou menor escala, mas as camadas mais pobres da população têm mais dificuldades para lidar com tais problemas sócio-psicológicos, sendo taxados como outsiders. Quanto a isso, Soares (2000, p.138) acredita que “A invisibilidade é uma carreira que começa desde cedo, em casa, pela experiência de rejeição, e se adensa, aos poucos, sob o acúmulo de manifestações sucessivas de abandono, desprezo e indiferença, culminando na estigmatização”. É importante registrar que, ainda que use o termo visibilidade, o autor também fala sobre “artimanhas da invisibilização”, servindo bastante para a reflexão aqui apresentada, uma vez que indica o aspecto processual e dinâmico do fenômeno estudado. Em geral, as pessoas que compõem o “pessoal da limpeza” já experimentaram algumas práticas de invisibilização em trabalhos desempenhados antes do atual e no lugar onde vivem e/ou cresceram. A maior parte dessas pessoas vem de bairros periféricos e pobres e, por diversos motivos, não recebe a devida atenção dos órgãos públicos. Muitos moram em bairros onde a realidade da violência, do tráfico de drogas, das dificuldades das escolas públicas é bastante palpável. Além disso, aqueles que trabalhavam antes desempenhavam papéis com estigmas parecidos com aqueles com que o “pessoal da limpeza” tinha de lidar. São essas as pessoas que, ao longo de sua vida, são vítimas de vários estigmas, indiferença e descaso, que, na maioria das vezes, se submetem a desempenhar um papel que não lhes concede qualquer status social diferente daqueles que estão acostumados a cumprir, isto é, de outsiders. É evidente que isso não constitui qualquer novidade. Todas as pessoas – sejam elas estabelecidos ou outsiders – tem de lidar com diversos tipos de estigmas. Através da caracterização das pessoas que compõem o “pessoal da limpeza”, queremos apenas mostrar que, seja lá qual for o tipo de invisibilização a que um indivíduo seja submetido, esse fenômeno não se construiu de forma isolada. No caso do grupo pesquisado, isso se confirmou através das informações apresentadas. Existe, sim, uma necessidade de reconhecimento, e, quando isso falta, o indivíduo sente, mas, por muitas vezes, não oferece resistência, chegando até mesmo a reproduzir, sem perceber o estigma que lhes é infringido, negando-lhes um “olhar que vê”, como que negando sua humanidade, de acordo com Soares (2005, p.142): Esse reconhecimento é, a um só tempo, afetivo e cognitivo, assim como os olhos que vêem e restituem a presença o ser que somos não se reduzem ao equipamento fisiológico. O olhar (ou a modalidade de percepção fisica-

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mente possível) que permite ao ser humano o reencontro de sua humanidade, pela mediação do reconhecimento alheio, é o espelho pródigo que restaura a existência plena, reparando o dano causado pelo déficit sentido, isto é, pela invisibilidade.

A falta disso vai marcando as mentes e corpos dos atores (GOFFMAN, 1999), impondo cada vez mais o local que devem ocupar, isto é, de outsiders, aqueles que não são visibilizados, ou, quando são, essa visibilidade sucede de maneira distorcida, sob um olhar dominador, que rebaixa. Uma moça que trabalhava na praça de alimentação, quando perguntamos se ela achava se as pessoas percebiam a sua presença, respondeu que as pessoas a enxergavam na hora em que precisavam dos seus serviços: “Percebem, mas percebem de um jeito diferente, né?” – jeito diferente, jeito como de quem olha para baixo, “mantendo distância”. Assim, Costa (2004, p.57) comenta sobre o exercício de tais atividades: “São atividades cronicamente reservadas a uma classe de homens subproletarizados; homens que se tornam historicamente condenados ao rebaixamento social e político”. Por diversas vezes, precisamos explicar para integrantes do “pessoal da limpeza” de que se tratava a nossa pesquisa. Ao entenderem, eles se animaram para dar-nos seus testemunhos pessoais. Logo começavam a descrever a atitude de muitos freqüentadores. Uma das coisas que mais ouvimos foi que eles percebiam, por exemplo, ao irem recolher as bandejas de mesas de locais ainda ocupados, a atitude de desconfiança das pessoas. “O povo acha logo que a gente vai roubar as coisas; aí, seguram logo a bolsa, celular, carteira…”, disse-nos uma moça que, no dia, trabalhava como atendente. Isto nos conduziu a perguntarmos, através dos questionários, que atitude o “pessoal da limpeza” percebia dos freqüentadores. Das pessoas abordadas, 29%13 afirmaram que eram cumprimentadas pelos freqüentadores, isto é, ao fazerem um trabalho que lhes exigisse contato direto com eles, estes costumavam cumprimentar-lhe, agradecendo por ter limpado uma mesa, retirado a bandeja, ou mesmo dando um “boa tarde” ao entrar no banheiro. Os outros 71% dos entrevistados mostraram que a atitude dessas outras pessoas parece ser de indiferença (agem como se não os vissem) ou como se não passasse de uma relação utilitarista, chamada por Buber (1977) de uma relação eu-isso. O gráfico abaixo elucida o que estamos dizendo: 13

Essas pessoas diziam gostar quando isso acontecia, ao mesmo tempo em que diziam ficar surpresas, já que estavam sendo pagas para fazer aquilo. Sabemos que pronunciar expressões como “Muito obrigado” e “Bom dia” faz parte da nossa cultura, e algumas pessoas fazem isso quase que de forma automática, mas estamos, agora, mostrando o que isso significa para o “pessoal da limpeza”.

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Aitude dos frequentadores Costumam solicitar os serviços

60 40

Parecem indiferentes

20 0 N° de pessoas

%

Costumam cumprimentá-lo

Sobre esse rebaixamento social, sobre a forma como o “pessoal da empresa” é tratado como outsider, chama a nossa atenção ainda uma expressão. Pelo menos por duas vezes, ouvimos entre os próprios funcionários usarem a expressão “peão”. Uma delas surgiu na fala do supervisor Carlos; a outra, com o boato de que a permanência da SOSERVI no Midway estava ameaçada. Determinado interlocutor deunos essa informação, explicando a correria em que estava e que, por isso, não poderia ajudar com alguns dados, no tempo em que havia prometido. Perguntamos se era por isso que o seu Marcos, o gerente, estava andando por lá – chegamos a vê-lo retirando bandejas das mesas, juntamente com José. Ele disse que sim e que, pelo mesmo motivo, havia sido contratada uma nova encarregada. Quando perguntamos sobre isso para Elder, ele pareceu demonstrar certo incômodo em ver que tínhamos tal informação. Tratou logo de desmentir, dizer que isso não tinha fundamento. Perguntou quem havia dito, mas, vendo que não teria tal informação, foi dizendo: “Rapaz, peão é fogo. Só quer um pé para inventar história”. Ele se referia, como depois viemos compreender, mais estritamente aos ASGs. Essa pareceu ser uma postura tão naturalizada, tendo em vista que o interlocutor havia começado como ASG, isto é, como peão, mas hoje, estando exercendo papel tido como superior, reproduz indiscriminadamente o juízo sobre a origem de tais comentários. Costa (2004, p.138) reflete sobre o peso simbólico da expressão peão: No jogo de xadrez, o “peão” é a menor peça e em maior quantidade. A única que é quase sem poder. Trata-se de uma peça que executa função rasa, no tabuleiro, a mais exposta ao ataque do antagonista. Seus movimentos são os mais previsíveis. Aparece perifericamente na trama da partida. Parece que está ali para não aparecer, mas para dar visibilidade e proteção ao rei e à rainha. Normalmente o peão é o primeiro a ser sacrificado.

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Nesse sentido, a divisão social do trabalho é um entre outros tantos conceitos que apontam para a ação invisibilizadora, na qual os sujeitos exercem funções que apontam para a crença socialmente aceita como inferiores, não especializadas. Os sujeitos que as exercem parecem desaparecer ao olhar dialógico do outro, ficando as relações entre eles limitadas a questões de utilitarismo.

3 Consumo e o jogo dramático de visibilidade e invisibilidade

Compreende-se a questão do consumo como marcador social que exclui e inclui os sujeitos em esferas sociais diferentes. Isso não poderia deixar de ser apontado. O consumo forma parte da construção do sujeito enquanto ator social. Certos papéis exigem certos graus de consumo. Não se quer aqui demonizar como fazem alguns com a questão do consumo. Como relacionar o corpus empírico com essa questão? O que o conceito de consumo tem a ver com o “pessoal da limpeza”? Como dissemos, as pessoas “da limpeza” o fazem por necessidade, mas, como foi declarado inúmeras vezes, principalmente nos questionários, se pudessem, trabalhariam em outra função. No presente tópico, o que se quer é mostrar como existe uma relação de consumo entre os papéis tidos como menores e outros como maiores. De certo, os sujeitos, podendo, escolherão os “maiores”. Antes de aprofundar-nos sobre a relação aqui pretendida, queremos relatar um acontecimento contado por um amigo que dá aulas de matemática em alguns colégios de ensino médio de Natal. Ele contou que estava tendo muito trabalho e se decepcionando bastante com o desempenho em sala de aula. Depois de ter ouvido de seus alunos que aquilo não era sua culpa, mas dos próprios que não faziam o que deviam, isto é, estudar, colocou em prática um plano: aplicou uma prova surpresa, sem avisar de onde tinham sido tiradas as questões. Como esperado, o desempenho foi péssimo, as notas variavam entre zero e cinco. Quando os resultados foram divulgados, ele disse que todas as questões haviam sido retiradas de um concurso para gari, realizado pela Prefeitura de Natal. Ele falou: “Se vocês continuarem assim, não vão servir nem para ser garis”. Claro que isso causou um incômodo na turma, também por isso, não “sonham” em trabalhar como gari: “[…] não vão servir nem para garis”. O que isso quer dizer? Certamente traz novamente à tona toda a

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discussão aqui apresentada como que certas sócio-ocupações são consideradas superiores a outras. Também poderia explicar porque boa parte das pessoas, durante muito tempo, e ainda hoje, sonham em exercer algumas profissões, principalmente as de médico, advogado e engenheiro. Não pretendemos aqui, por falta de conhecimento teórico, aprofundar-nos nessa questão. Porém, são bastante óbvias as semelhanças entre os garis e o papel desempenhado pelo “pessoal da limpeza”. De acordo com Douglas e Isherwood (2004, p.105), “As posses materiais fornecem comida e abrigo, e isso deve ser entendido. Mas, ao mesmo tempo, é evidente que os bens têm outro uso importante: também estabelecem e mantêm relações sociais”. Ou seja, não consumimos apenas comidas, roupas, mas também o exercício de determinadas sócio-ocupações. O rebaixamento social – ação invisibilizadora – que sofrem os indivíduos que compõem o “pessoal da limpeza” tem também a ver com o que os estabelecidos têm – ou não – como alvo de consumo. Num espaço como o Midway Mall, onde sociabilidade e lucratividade aparecem juntas, parecenos óbvio que alguém que trabalhe na limpeza do ambiente não comungue dos símbolos compartilhados pelos freqüentadores. Onde estaria a invisibilização, então, neste caso? Como dissemos, a idéia de que o “pessoal da limpeza” não deve ser visto é naturalizada, evidenciando-se na violência simbólica. A pessoa que exerce determinada sócio-ocupação comunica a outras que não comungam desta, os tipos de bens que consome e, logo, é visibilizada ou não, tratada como estabelecido ou outsider. Douglas e Isherwood (2004, p.114) afirmam que A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação, superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da cultura. São arranjados em perspectivas e hierarquias que podem dar espaço para a variedade total de discriminações que a mente humana é capaz.

Através do consumo de bens, vão-se afirmando alguns costumes como melhores do que outros. Pode-se dizer, portanto, que através do consumo práticas culturais vão-se legitimando para os indivíduos de certos grupos como superiores em relação a outras práticas. Além disso, assim também se constituem as relações entre estabelecidos e outsiders. O consumo comunica socialmente algo sobre o indivíduo, conforme os autores supracitados (2004, p.116, grifo nosso): Dentro do tempo e do espaço disponíveis, o indivíduo usa o consumo para dizer alguma coisa sobre si mesmo, sua família, sua localidade, seja na ci-

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dade ou no campo, nas férias ou em casa. […]. Ele pode conseguir, através de atividades de consumo, a concordância de outros consumidores para definir certos eventos tradicionalmente considerados menos importantes como mais importantes, e vice-versa.

Os que são estigmatizados como outsiders, quando podem, buscam adequarse ao padrão do grupo tido como estabelecido. Um exemplo disso são os jovens estudados por Soares (2005, p.148), quando falam sobre a questão do vestuário: O vestuário (na moda) interessa como sinal de distinção, isto é, valorização. O fetiche da moda cumpre esta função: quem a consome deseja diferenciarse, valorizando-se – mal percebe que copia o movimento de todos, tornando-se, assim, indistinguivelmente banal. De todo modo, mesmo iludindo-se com o ardil da moda, mesmo enganando-se – como alías todos os jovens (e também os não-tão-jovens) das camadas médias e das elites –, os jovens invisíveis copiam os hábitos dos outros para identificar-se com os outros, passando a valer o que eles valem para a sociedade.

Soares (2005) aprofunda a discussão em torno da invisibilidade dos jovens que moram nas favelas do Rio de Janeiro. Ele mostra que muitos buscam visibilidade através da imposição de uma arma de fogo, que se torna, para eles, instrumento que impõem sobre os que o invisibilizam. Outra forma que ele aponta de busca pelo que tenho chamado de invisibilização é a questão de vestir-se de acordo com certo padrão. Douglas e Isherwood (2004) relacionam status social e profissões ou funções exercidas pelos indivíduos, especialmente quando discorrem sobre condições sociais do comportamento racional14. Para tanto, os autores (2004, p.142) comparam a hierarquização existente entre diferentes famílias: […] quanto mais alto as famílias estiverem na hierarquia social, tanto mais intimamente envolvidas entre si estarão, e numa rede social muito mais extensa que a das classes baixas. Esse argumento é, evidentemente, o contrário da velha idéia de que a família da classe trabalhadora desfruta de uma vida social mais rica em sua própria rua.

Para os autores, quanto maior a capacidade de comungar de certos bens de consumo, maior será a sociabilidade. Em conseqüência, maior será o acesso a um fluxo de informações, enquanto que aquele fora desse círculo de informações – out-

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Neste caso, fala-se em comportamento racional, pois os autores criticam as abordagens economicistas que, em sua maioria, concebem o consumidor como uma marionete, sem capacidade de escolher. Não pretendemos aprofundar-nos nessa questão, mas concordamos com essa interpretação.

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sider –, por não comungar de determinado nível de consumo, obterá menos acesso a informações. Ao mostrar como o controle de certas informações tem a ver com a hierarquia das classes sociais, os autores oferecem-nos base para podermos afirmar que a invisibilização tem no consumo uma das bases principais de seu processo de construção. Os autores (2004, p.144) acreditam que, “[…] mesmo que a vida social da rua fosse tão rica como o idílio nostálgico às vezes sugere, o ambiente social homogêneo da classe trabalhadora oferecerá o tipo de informação que a família de classe média pode obter por seus contatos sociais”. Desse modo, se as informações entre aqueles tidos como outsiders não interessam aos estabelecidos, os primeiros, além de excluídos das relações dialógicas com os últimos, também serão invisibilizados. Os níveis de consumo, nestes casos, são como muros que distanciam diferentes atores sociais, excluem e rebaixam uns em detrimento de outros em troca de valores naturalizados. Sobre esse controle e valorização de informações como estratégia de exclusão, Douglas e Isherwood (2004, p.144) expõem que Controlar essa espécie de informação pode ser vital para obter e conservar grande potencial de ganhos. Estar inteiramente fora do seu alcance, para o indivíduo que não pode ouvi-la nem fazer ouvida sua voz, é arriscar ser tratado como uma pedra, atropelada e chutada para o lado – um limite à escolha do futuro e ao exercício da escolha racional.

O “pessoal da limpeza”, no exercício de sua sócio-ocupação, encaixa-se naquilo que Douglas e Isherwood (2004, p.177) chamam de “tarefas de alta freqüência”, que seriam trabalhos tidos como necessários e indispensáveis, mas que tendem a ser considerados inferiores, por serem tarefas simples e rotineiras: Limpeza de banheiros, alimentação, arrumação de camas e cuidados com a roupa são corretamente considerados tarefas rotineiras; uma tarefa rotineira é essencialmente de alta freqüência e não adiável. Tendem a ser consideradas tarefas inferiores, e os bem associados a elas, por mais necessário e íntimos que sejam, considerados como coisas de baixo valor. Essa associação funciona, mesmo na sociedade mais simples. E assim a correlação entre baixa posição hierárquica se torna um princípio de organização social derivado de fatores tecnológicos.

Algumas das tarefas alencadas acima são exercidas pelo “pessoal da limpeza”, o que fortalece a idéia construída de que esses são, naturalizadamente, excluí-

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dos de certos ambientes, ignorados, rebaixados a um status inferior. Logo, os estabelecidos, visando à manutenção de seu status, não se dispõem a exercer estas tarefas. Para Douglas e Isherwood, quem quer que tivesse influência de status seria louco de envolver-se com uma responsabilidade de freqüência tão alta. Além das questões relativas a outras atividades, ela seria rejeitada como trabalho de muito baixo status. Partindo disso, pode-se pensar que existe uma verdade socialmente construída que o realizar determinadas tarefas pode rebaixar ou exaltar o indivíduo que as exerce. No caso da presente pesquisa, pode-se, então, dizer que o fato de a sócio-ocupação ser tida como inferior vai construir a idéia de que aqueles que as exercem são igualmente inferiores, pois, somente assim, se submeteriam a tal coisa. Por isso, segundo esses autores, freqüências diferentes polarizam as tarefas entre as categorias de pessoas mais e menos valorizadas (2004, p.179). Essa percepção está naturalizada e se denuncia na forma de violência simbólica, aqui vista como uma ação invisibilizadora. É importante ressaltar que o grupo estudado também faz uso de bens de consumo para afirmar-se em relação a outros. Se ele não comunga dos mesmos bens que as classes sociais mais abastadas, pode concretizar essa relação com aqueles de classes sociais mais próximas – outro-ao-lado. O fato de estarem empregados já serve de base para o que pretendemos apontar em nosso estudo. A maioria das pessoas que compõem o quadro de empregados da SOSERVI dentro do Midway é composta por ASGs15, que ganham um salário mínimo (com os devidos descontos garantidos por lei) e uma cesta básica. Esse valor marca para esses indivíduos o que se pode consumir, impondo restrições na periodicidade de aquisição de bens, ao contrário daqueles que exercem tarefas de freqüências menores e que, por conseqüência, são socialmente mais valorizadas. É exigido desses que usufruem de status mais valorizado certo grau de consumo. Douglas e Isherwood (2004, p.174) mostram que o que para um indivíduo pode parecer luxo, para outro, em uma classe social tida como superior, pode ser concebido como necessidade: Quando a sociedade é estratificada, os luxos do homem comum podem se transformar nas necessidades das classes mais altas. Como acontece entre 15

Numa determinada entrevista, obtivemos a informação de que não existe diferença no salário das atendentes e dos ASGs. O entrevistado afirmou também não entender o porquê de a empresa diferenciar, na nomenclatura, aqueles que ganham o mesmo (referindo-se às garotas da praça de alimentação, atendentes, e aos ASGs, que circulam pelo Mall, ou estão a limpar os banheiros periodicamente). Depois de pensar melhor, esse interlocutor falou que deveria ser porque “soa mais bonito”.

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as classes sociais a periodicidade de uso não só separa os bens de classe alta, mas também serve para marcar a diferença entre classes de pessoas.

O “pessoal da limpeza” no exercício de tarefas de alta freqüência vai sendo invisibilizado pelos que usufruem os seus serviços. São tidos como inferiores, mas também invisibilizam outros através do seu próprio nível de consumo. Outros atores ficam excluídos de seus círculos de relações, ficando à margem do fluxo de informações por esses produzidos. O jogo de visibilidade e invisibilidade está aí: numa sociedade estratificada, onde todos são produtos de relações de poder, aquele que em certo campo sofre uma ação invisibilizadora, seja por qual motivo for, também exerce tal ação logo lhe seja possível. Logo que possa estar numa posição de outroacima, numa pirâmide hierárquica naturalizada de relações sociais. A invisibilização não está presa às funções exercidas, mas está intimamente relacionada com as relações de estabelecidos-outsiders, que não dependem obrigatoriamente de fatores econômicos. A partir das questões aqui relacionadas, pode-se perceber o consumo como sendo uma forma bastante eficaz de inclusão e exclusão, distribuindo os indivíduos em diferentes status, que são classificados como superiores ou inferiores. O pobre possui seu nível de consumo de bens específicos, que o faz invisível para aqueles que o consideram inferior, mas é visibilizado por aqueles que dele comungam e valorizam. Assim, esses invisibilizados invisibilizam outros que estejam em níveis socialmente considerados inferiores: “Aquilo que se disfarça como uma esfera de consumo desinteressada, amigável, hospitaleira, na prática traça linhas entre os que estão no controle e aqueles que eles excluem” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p.215). É fato que a distribuição econômica serve em nossa sociedade de forma de estratificação, mas, caso isso não existisse – e mesmo existindo –, pode-se encontrar outras relações entre estabelecidos e outsiders, havendo aí invisibilização social. Para Douglas e Isherwood (2004, p.214), […] na medida em que somos uma sociedade estratificada por classes, as diferenças devem ser encontradas no lado da produção da economia, que determina a distribuição dos ganhos e da riqueza. Implica, ainda que, se essas diferenças fossem eliminadas, obteríamos grandes diferenças nos consumos apenas entre famílias grandes e pequenas, entre em empregados e desempregados, e isso seria mais ou menos tudo.

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Nesse sentido, pretendemos mostrar que, mesmo entre as pessoas de menor poder aquisitivo, pode haver ações invisibilizadoras, seja na prioridade dada para certos níveis de consumo, seja através dos ambientes freqüentados ou das companhias. Através da pesquisa feita junto ao “pessoal da limpeza”, pode-se pensar sobre as questões aqui apresentadas. São pessoas que exercem uma sócio-ocupação ignorada, porque essa é tomada como inferior e, conseqüentemente, a sua presença é ignorada na maioria das vezes, sendo percebida apenas em relações do tipo euisso, que é outra maneira de invisibilizar alguém. Isso não implica dizer que, em cenários diferentes, esse pessoal também não faça uso da violência simbólica para invisibilizar outros atores, tidos como inferiores em sua construção social, dentro de determinado campo. Sendo a invisibilização algo dinâmico, fruto de relações de poder, das quais todos são produtos, qualquer indivíduo experimenta essa ação invisibilizadora sobre si, mas também faz uso dessa, mesmo sem perceber, não estando essa restrita aos grupos sociais economicamente dominantes. As relações de estabelecidos e outsiders correspondem a outras tantas esferas da vida social, que servem para legitimar a invisibilização social, como estratégia para manter a segurança de certos grupos ou indivíduos, mantendo outros afastados, demarcando bem os espaços, cenários que são permitidos ou não a certos atores sociais.

4 “Já lhe contei minha teoria sobre os uniformes? Eles nos deixam invisíveis.”

“Pois em toda ação a intenção principal do agente, quer ele aja por necessidade natural ou por vontade própria, é revelar sua própria imagem” (Dante).

Fig.3 Homem invisível

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Resolvemos dedicar esta subseção à questão dos uniformes, pois compreendemos este aspecto como preponderante para a invisibilização do “pessoal da limpeza”. A frase que intitula a presente subseção foi retirada do filme Pães & Rosas, onde dois funcionários de uma empresa de limpeza trabalham na entrada do elevador, até que duas pessoas, vestidas de terno e gravata, entram e agem como se as duas personagens fossem, no máximo, uma barreira arquitetônica, um objeto inanimado. Por que fazer alusão a essa frase? Primeiro, porque o grupo pesquisado exerce função semelhante em um shopping natalense, usam uniformes e estão invisíveis para a maioria dos freqüentadores. Antes, é necessário afirmar que, apesar dos shoppings serem ambientes construídos com uma idéia de homogeneizar as massas, isso não se concretiza, porque os seus freqüentadores, destacando-se o Midway Mall, pertencem a diferentes classes sociais. Por isso, não podemos afirmar que todos esses não enxergam os que propiciam a higiene do mesmo, mas, como registram as respostas dos questionários, a maioria das pessoas nem ao menos se dá conta da presença desses, mesmo quando estão limpando as suas mesas na praça de alimentação. Apesar de não ser a nossa temática central, fazemos alusão à invisibilidade social que, neste caso, é muito influenciada pela divisão social do trabalho. Os uniformes são símbolos facilmente compreendidos na hierarquia social, que parece dizer “Aqueles, os que usam uniformes azuis, não devem ser vistos. Não são pessoas como nós. Por isso, não as veja!”. Com freqüência, tal apelo não é ouvido assim, mas na forma de poder simbólico, que, como já expomos, são ações (habitus) naturalizadas que geram esse tipo de violência simbólica, em que uns atores subordinam outros, tratando-os como pessoas inferiores, sub-humanas, meras ferramentas, algo inanimado. Como afirma Costa (2004, p.44), “Na rua, a passagem por alguém não é sentida por ninguém do mesmo modo que a passagem por um poste”. A rua aqui pode ser vista como as vias do Midway Mall, e os que são tratados como poste são, principalmente, os que usam o uniforme. De forma direta, este comunica que aqueles que usam tal símbolo não devem ser vistos. Então, um olhar já construído com uma atitude blasé – que, na sociedade do espetáculo, do consumo, parece potencializar-se – não encontra dificuldades em invisibilizar mais um tipo de ator indesejável, que, quando visto, não é tratado como gente, ser humano, mas

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como um exemplar de uma classe social menor, inferior, não percebido como pessoa singular, única. Costa (2004, p.44) defende que “A companhia de alguém é sentida como uma influência capaz de transpor a já preciosa companhia de coisas, plantas ou bichos. Há certas experiências que não chegamos a alcançar se não na presença de gente”. O que leva, então, a ignorar a presença de outro que se aproxima? Estigma e indiferença, como abordamos. No caso do estigma, os uniformes comunicam na perspectiva dos estabelecidos. Parece que sempre essas pessoas só são vistas pelas demais neste campo como se fossem todas iguais, produzidas em série, como o modelo de um carro numa fábrica. À distância, é a impressão que se tem ao observá-las trabalhando. O uso do uniforme, como o próprio nome diz, homogeneíza as pessoas, de modo que, olhando a certa distância, elas parecem todas iguais. Nas palavras de Costa (2004, p.123, grifo do autor), Para quem o uso do uniforme é obrigatório existe um lugar social específico. Naqueles trajes, os varredores, todos eles, parecem como se tivessem uma só identidade; “Nem dá para saber que é um, quem é o outro”. Para “os outros”, não aparecem como pessoas. Aparece o uniforme. Desaparecem os homens.

Essa percepção contrasta bastante quando observamos como são essas pessoas sem seus uniformes. Chegamos a ter dificuldades em reconhecê-las após o expediente, nas paradas de ônibus, conversando uns com os outros, agora bem à vontade, já que não estavam debaixo do olhar disciplinador da empresa. Esses atores se comportam de outra forma fora desse cenário específico, seja ao irem para as suas casas seja ao reunirem-se em festas ou reuniões informais em outros lugares. Esses encontros se fazem freqüentes, nos quais se sentem à vontade para não se limitarem ao contato trabalhistíco, mas lúdico. Nesses casos, o reconhecimento não se dá pela submissão, numa relação de dominação. De acordo com Lèvinas (2005, p.61), “[…] se este reconhecimento fosse minha submissão a ele, esta submissão retiraria todo valor do meu reconhecimento: o reconhecimento pela submissão anularia minha dignidade, pela qual o reconhecimento tem valor”. Outro fato bastante interessante foi colhido em uma de nossas entrevistas com José, supervisor, uma espécie de subgerente do setor, explicando-me que é política da empresa entregar nas mãos do funcionário o uniforme e que este deve zelar, pois possui um prazo mínimo de conservação. Dito isso, perguntamos-lhe se

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ele possuía também um uniforme. Ele disse que sim, mas prefere usar sua própria roupa. Sempre que o vimos, encontramo-lo usando sapatos lustrados, roupas com vinco, camisas de manga longa, mesmo que, às vezes, opte por usar camisas de cor azul. No momento em que o sujeito ocupa um cargo, sócio-ocupação, que lhe dê a liberdade de não usar uma roupa tão carregada de estigma, ele logo se desvencilha dela, como quem se desvencilha de um cargo. E, de certa forma, é isso que mostra a trajetória de José. Depois de sair das forças armadas, foi sargento, trabalhou numa empresa de segurança privada, chegou ao ramo das empresas de prestação de serviços e, com o passar do tempo, foi subindo de ASG até o atual cargo. Porém, antes disso, teve de usar os incômodos uniformes. O mesmo acontece com outro supervisor, Elder, que também não usa as fardas e que constantemente é visto com a mesma descrição de vestes de seu colega. Não se pode aqui cair na inocência de crer que, nessa aparente liberdade, na escolha das roupas, não existe uma uniformização. A roupa social é uma exigência da empresa. É possível que eles não andem dia após dia com esse estilo de roupa e, se houvesse possibilidade de escolha de uma roupa para o trabalho, talvez pudessem escolher outros tipos. Todavia, essas roupas não deixam de ser símbolos de dominação e, por isso, violentam os que não podem assim se vestir – não os fazem invisíveis. Nesse figurino, a única coisa que pode identificá-los como funcionários são os rádios e o constante contato com as pessoas de azul. O uniforme também aponta para outra questão, a sócio-ocupação, que parece sugerir a dissociação entre a ação e o discurso discutida sobre a perspectiva de Arendt (1995, p.189): Nenhuma atividade humana precisa tanto do discurso quanto a ação. Em todas as outras atividades o discurso desempenha papel secundário, como meio de comunicação ou mero acompanhamento de algo que poderia igualmente ser feito em silencio. […]. Na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim, apresentam-se ao mundo humano, enquanto que suas identidades físicas são, sem qualquer atividade própria, na conformação singular do corpo e no som singular da voz. Esta revelação de quem, em contraposição a o que alguém é – os dons, qualidades, talentos e defeitos que alguém pode exibir ou ocultar – está implícita em tudo o que se diz ou faz. Só no completo silêncio e na total passividade pode alguém ocultar quem é […].

Não podemos deixar de relacionar a fala do gerente estadual da SOSERVI e a citação acima. Perguntamos-lhe como fazia para controlar a questão das conver-

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sas, que pareciam atrapalhar a produtividade – termo tão comumente usado por ele, como sendo a principal preocupação da empresa: produzir bons resultados. Ele respondeu o seguinte: Nós temos esse problema no período de segunda até quinta-feira, porque no final de semana, como o fluxo de gente aumente, não tem tempo de conversar. A gente tenta controlar da maneira melhor possível, pedindo que não aja conversa. Nos períodos onde não há muita movimentação a gente dá outra atividade, como ir limpar uma coluna, um vidro, uma mesa, que é dentro do ambiente de trabalho dela. Mas dificilmente a gente consegue acabar com isso […]. Não tem como.

É interessante observar que, além de ser silenciado pela ação invisibilizadora dos freqüentadores, o grupo estudado ainda tem de lidar com a pressão da empresa que de várias maneiras tenta silenciá-las. Isso é fazer com que haja ação sem discurso, aqui compreendido como conversa com o outro-ao-lado, seu colega de trabalho. Há aí um investimento em dissociar a ação do discurso, fazendo com que aquela perca o seu caráter específico, passando “[…] a ser mais um meio de produzir um objeto” (ARENDT, 1995, p.193). Há aí essa invisibilidade que, além de falta de reconhecimento, inflige também proibições ao outsider. O consumo é um marcador social. Aquilo que consumimos – neste caso, aquilo que vestimos – pode fazer com que determinados atores invisibilizem outros, ou não. Aquilo que se veste na hora de lazer ou do trabalho legitima para quem se auto-reconhece como elite, de forma bastante naturalizada, a invisibilização de alguém. Dessa maneira, ao andar na rua, percebe-se que as pessoas nos comunicam muita coisa, muito antes de precisar-se interagir com elas. Partindo disso, podemos dizer que, nas vias do Midway Mall, algo parece estar presente na sociedade como um todo, e, nesse cenário, usar o uniforme azul do “pessoal da limpeza” parece justificar a sua invisibilização para uma maioria dos freqüentadores. É aí que se vê essa relação entre estabelecidos e outsiders: os primeiros são construídos na ilusão de deter o poder, de ser aquilo que alguns chamam de elite, estigmatizando, excluindo, segregando outros, os segundos, que de forma naturalizada se submetem a essa dominação, desacreditando em quaisquer mudanças, conseqüentemente, sem oferecer resistência. No entanto, diante dessas questões, outras perguntas devem ser feitas. Para quem o uniforme do “pessoal da limpeza” legitima a invisibilização? Para quem o uniforme comunica certa “igualdade”? Numa relação entre estabelecidos e outsiders,

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o primeiro vê o segundo como sendo aquele que optamos por chamar de outroabaixo, que é recebido como indesejável. Este, além de também invisibilizar outros, é visibilizado sempre, não por aqueles tidos como estabelecidos – outro-acima, como gostamos de chamar –, mas pelo outro-ao-lado16, aquele que comunga das mesmas – ou semelhantes – sócio-ocupações naquele determinado campo. No caso da presente pesquisa, esse outro-ao-lado não está só entre o “pessoal da limpeza”, mesmo entre os seguranças ou atendentes, especialmente o pessoal que trabalha como garçom e garçonete nos estabelecimentos localizados nas praças de alimentação. Somente numa relação de dominação, um sujeito busca – de forma naturalizada – invisibilizar outro. Nessa ilusão socialmente aceita, que se mostra como violência simbólica, uns são considerados inferiores a outros: assim se constrói a invisibilização. Em certos momentos, Costa chama esse outro-abaixo de humilhado ou oprimido. De fato, a dominação humilha e oprime, pondo cada qual no seu lugar, fazendo-os (ou fazendo-nos?) acreditar nisso como uma verdade inquestionável. Nesse sentido, quem apenas obedece não pode, em nenhuma hipótese, questionar. Sobre isso, cabe a interpretação levinasiana de Costa (2004, p.43): Se pensarmos em Emanuel Lèvinas, pensamos o humilhado como quem, em companhia de outrem, experimentou um bloqueio do rosto. Perdeu altura humana, ficou invisível. Ficou bizarramente conhecido por quem nele fixou os olhos como na máscara de um indivíduo abaixo.

O outro-ao-lado, para ser, precisa ser alguém com quem se comungue de símbolos. As pessoas “da limpeza”, em geral, se identificam entre si, através dos bairros de onde vêm, das músicas que ouvem, da moda que vestem, dos lugares que freqüentam juntos; no caso da presente pesquisa, a parada no churrasquinho antes de pegar o ônibus, as festas marcadas, os ônibus… Enfim, além dos símbolos compartilhados durante o expediente de trabalho, existem ainda aqueles que estão para além desse campo. É importante ainda insistir na questão de que um mesmo ator pode estar sendo invisibilizado e ser visibilizado, assim como este, em outro cenário, ao exercer um outro papel, pode exercer uma ação invisibilizadora de forma semelhante àquela que 16

Os termos outro-acima, outro-abaixo e outro-ao-lado não têm origem em qualquer teórico. De fato, são resultados da nossa interpretação das relações presentes no que Elias (2000) chama de estabelecidos e outsiders.

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sofreu, sem que nem ao menos se dê conta disso. Nisso, compreendemos que o que escolhemos chamar de jogo dramático de invisibilidade e visibilidade entre os atores sociais. Os atores sociais possuem, em si, naturalizadas práticas socialmente construídas, sendo que reproduzem atitudes que podem ser interpretadas enquanto violência simbólica. O poder simbólico é reproduzido tanto por aqueles que se autoreconhecem como superiores, como por aqueles taxados como inferiores. Por exemplo, tanto o profissional liberal – que exerce profissão que lhe proporciona status superior na sociedade – como o trabalhador braçal vêem esta última sócio-ocupação como inferior. É aí que se pode retomar o “ser alguém na vida”, do qual se falou antes. Entretanto, pode-se especular que um indivíduo que trabalha numa ocupação que lhe traga rebaixamento social se reconhece, possivelmente, como superior ao desempregado17. Dessa forma, se isso é concebido, o mesmo trabalhador que é estigmatizado, tratado como coisa, invisibilizado, também faz isso. Essa ação também pode ocorrer quando um suposto “pai de família” – como muitos com os quais estabelecemos contato durante a pesquisa – pode dizer para o filho se calar porque “quem manda é ele – o pai”: nessa situação, também está o “Você sabe com quem está falando?”, já discutido.

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É importante esclarecer que esse comentário não passa de especulação, uma divagação de observações superficiais, pois, com certeza, não podemos afirmar a respeito de algo sem que tenhamos realizado uma investigação sistematizada sobre ele. Apenas tecemos comentários advindos de nossas observações do quotidiano e, em especial, de uma questão que, de algum modo, pode estar associada ao nosso objeto de pesquisa, o fenômeno da invisibilização social.

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III “Pano de fundo tornou-se figura”: a experiência do olhar sócio-antropológico

[…] Passei a ver coisas que não via. Passei a ouvir coisas que não ouvia. Passei a sofrer por coisas pelas quais não sofria. Pano de fundo tornou-se figura […]. (Fernando Braga da Costa, em Homens Invisíveis).

1 As ferramentas: métodos e técnicas utilizadas

A pesquisa de campo não passaria de mera divagação e até mesmo reprodução de verdades socialmente construídas, no máximo senso comum rebuscado, sem não fizéssemos uso das “ferramentas” necessárias e adequadas. Se um mecânico precisa de ferramentas, também precisamos nós, pesquisadores. Sendo assim, aqui apresentamos os métodos e as técnicas utilizadas ao longo desta pesquisa. É interessante observar que algumas experiências no levantamento de dados in loco foram inesperadas. Não esperávamos, por exemplo, fazer uso de pesquisa quantitativa, mas, diante do número de indivíduos envolvidos, ficou clara a inviabilidade de trabalhar apenas com métodos qualitativos. Inicialmente, como expomos, dedicamo-nos a uma longa observação descritiva, o que nos permitiu levantar perguntas cujas possíveis respostas foram procuradas quando estivemos na fase de observação participante. Nessa fase inicial, atentamos para o máximo de detalhes, que foram sendo confirmados, ou não, durante as fases posteriores da pesquisa. Em seguida, começamos a estabelecer uma rede de contatos18 que nos permitiu começar a observação participante. Não conseguimos êxito em nossa proposta inicial, que era, a exemplo de Costa (2004), trabalhar de forma não remunerada entre o “pessoal da limpeza”. Isso nos foi vetado porque, segundo nos informou a gerência, atrapalharia a produtividade do serviço, assim como a empresa não teria cobertura jurídica diante de um processo por trabalho escravo,

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Essa rede de contatos começou com uma amiga que trabalhava na administração do Midway e que nos levou até a secretária administrativa, a primeira pessoa depois do sócio majoritário do estabelecimento. Esta nos colocou em contato com a SOSERVI, a empresa responsável pelo “pessoal da limpeza”.

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mesmo que assinássemos documentos sérios a fim de dispormo-nos a esse tipo de trabalho voluntário. Apesar disso, tivemos bastante facilidade de aproximarmo-nos dos atores que compunham o cenário da SOSERVI, desde os gerentes até os ASGs. Todos, ao entenderem de que se tratava a pesquisa, se interessaram em ajudar. Daí, tivemos acesso a várias membros do “pessoal da limpeza”. Foram realizadas cinco entrevistas abertas com pessoas de diferentes cargos da empresa, a saber, gerente administrativo, supervisor volante, supervisor do Midway, encarregado, atendente e ASG. Faltou uma entrevista com um dos “oficiais de limpeza” – os que circulam de patins –, mas estivemos com esses funcionários nos momentos de intervalo, participando de conversas. Através dessa técnica de coleta de dados, pudemos obter informações que não obrigatoriamente seriam transcritas, mas serviriam para guiar a pesquisa, até mesmo na confecção dos questionários e na base teórica a ser utilizada. Sabemos que os números são perigosos e manipuláveis (como toda linguagem), mas não significa que não devam ser usados. Optamos, então, por não lhes dá importância maior do que a de apresentar os perfis dos entrevistados. Para isso, em discussão com o orientador, desenvolvemos dois tipos de questionário: um aplicado para os empregados da SOSERVI e outro para os freqüentadores. Este último se fez urgente já que a intensa circulação de pessoas no campo de pesquisa tornou inviável realizar entrevistas abertas com a grande quantidade de freqüentadores19. O espaço do Midway não apresenta homogeneidade entre os seus freqüentadores, o que promove distintas maneiras de exercer a ação invisibilizadora em cada grupo de pessoas. Dessa forma, havia uma expectativa de que os questionários mostrassem que percepção esses diferentes atores tinham sobre o “pessoal da limpeza”. Essa preocupação se deu por entendermos que a construção social dos indivíduos define os atores visibilizados e invisibilizados. Foram feitos cruzamentos de dados para que pudéssemos responder a esses questionamentos. Com os questionários aplicados ao “pessoal da limpeza”, objetivamos elaborar um perfil das pessoas que o compunham: o que há em comum entre elas que possa indicar que características têm os atores sociais que se submetem a um trabalho tido como inferior, tanto por grupos estabelecidos como pelos outsiders.

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Confira a média de freqüentadores nos anexos.

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Também utilizamos imagens, fotografias tiradas no/do Midway e nos/dos seus arredores, com o objetivo de compor um texto imagético, complementando o texto escrito. Tivemos acesso até mesmo a espaços restritos aos funcionários. Todavia, por vezes seguranças nos abordaram quando registrávamos imagens, mesmo sabendo que essas não eram fotos de pessoas específicas ou de fachadas de lojas20. Apesar disso, conseguimos tirar algumas fotos que se mostraram importantíssimas para a presente pesquisa. O espaço no qual realizamos a pesquisa e muitos dos pesquisados entre os freqüentadores nos trouxeram desafios típicos da pesquisa feita nas nossas próprias sociedades. Ter de ver como pesquisador onde também se é nativo traz grandes dilemas teóricos e éticos. Velho (2003, p.8) aponta algumas questões ao falar da pesquisa nas metrópoles: Ao pesquisar nossa própria sociedade, temos que lhe dar come especial atenção com os dilemas e as questões associadas à divulgação dos resultados da investigação acadêmica. Como etapa final do processo de pesquisa, a publicação dos resultados dá ao universo investigado a oportunidade de interagir, questionar, rever e mesmo oferecer visões alternativas sobre o seu próprio mundo. Esse diálogo impõe reflexão permanente por parte dos cientistas sociais, desde o inicio do seu trabalho, pensando e avaliando sua atitudes tanto em termos científicos como éticos.

Deparamo-nos tendo de lidar com os cuidados para os quais o autor atenta, logo que começamos nossa pesquisa. Por tratar-se de um shopping, uma instituição privada, sabíamos da necessária autorização para a realização da pesquisa. A nossa explicação da pesquisa para chegarmos ao nosso objetivo foi de grande valia. Os acordos consistiram em não mancharmos a imagem do estabelecimento, não fazermos os funcionários perderem tempo ao dar-nos atenção; por isso, as entrevistas, em geral, ocorreram no horário de intervalo dos nossos principais interlocutores. Mesmo para tirarmos as fotografias, precisávamos de uma autorização – mesmo que fosse verbal – para que não fossemos importunados pelos seguranças, treinados para impedirem qualquer fotografia do ambiente do Midway, com exceção das fotos nos painéis, nos quais se pode ver imagens de várias partes do mundo. Tivemos de tomar o cuidado de não causar problemas para o “pessoal da limpeza”, fosse por meio de declarações durante as entrevistas fosse por meio das conversas com grupos maiores. 20

Já tínhamos conhecimento de que isso poderia acarretar-nos processos jurídicos.

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2 Escolhas: definindo “objeto” de pesquisa

Desde que começamos a pensar sobre a presente pesquisa, muitos grupos – como não poderia deixar de ser – chamaram-nos a atenção para que se pudesse estudá-los ou, como se fala comumente na academia, para que fossem nosso objeto de investigação. Sugestões não nos faltaram, especialmente quando as pessoas sabiam que trabalharíamos com a temática da invisibilidade (ou invisibilização como resolvemos designar posteriormente). Foram-nos sugeridos vários lugares, inclusive o prédio do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA/UFRN), pois seria mais fácil estar em contato com essas pessoas, tendo em vista que já havia alguma relação, inclusive conversas que traziam reconhecimento – algo mais do que “limpar a sala” onde ficávamos. Entretanto, nem sempre o mais fácil nos atrai. Também sugeriram que trabalhássemos com questões ligadas às lutas do povo afro-brasileiro (por nossa identificação como afro-descendente). Até mesmo que trabalhássemos com os motoboys do Habib’s. Mas foi andando pelo Midway Mall que esta decisão foi tomada. Em primeiro lugar, porque foi nele que nos deparamos com aqueles que já temos chamado de “pessoal da limpeza”, do qual já apresentamos inúmeras descrições. Agora vamos apresentar nosso campo de pesquisa, começando pela escolha do espaço, passando pela caracterização do “pessoal da limpeza” e dos freqüentadores.

3 Midway Mall

Primeiramente, a escolha de um shopping porque se trata de um símbolo de consumo e de socialização. Sobre isso, Gottschall (2001, p.174) afirma que, Na história da humanidade, o comércio sempre serviu de cenário à diversão e à sociabilidade, fenômeno que ainda se repete nos dias atuais. Os espaços espetaculares, a exemplo dos complexos comerciais de lazer e dos shoppings centers, são a reafirmação dessa vivência na vida contemporânea. Inseridos no universo que se convencionou denominar pós-moderno,

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tais equipamentos urbanos resultam da combinação entre a arquitetura do lúdico – espaços cenográficos construídos com o intuito de transmitir aos visitantes a ilusão de uma existência sem as dificuldades do mundo real – e o pot-pourri eclético predominante na era global, fruto da mistura da geografia de gostos e de culturas diferenciadas.

Como afirma a autora, espaços como os dos shoppings propiciam uma ilusão. Toda a organização cenográfica do espaço tem o intuito de fazer com que os seus freqüentadores se sintam bem, isto é, encontrem conforto, segurança, além de um mundo lúdico que não poderiam encontrar em casa ou nas ruas. Nos shoppings, especialmente nos Malls, a ilusão de que certos problemas sociais não existem está a todo o momento presente. Como mostra o urbanista Davis (1993), os grandes shoppings malls integram uma arquitetura que afasta os indesejáveis, mas que, ao mesmo tempo, recebe classes sociais diferenciadas, dando a idéia de que aquele é um espaço de homogeneização das massas. Sobre essa estratégia, Davis (1993, p.230, grifos nossos) explica que […] os objetivos da arquitetura contemporânea e da polícia convergem com muito ímpeto para o problema do controle da multidão […], os projetistas de shoping centers e espaços pseudopúblicos atacam a multidão ao homogeneizá-la. Eles erguem barreiras arquitetônicas e semióticas para filtrar os indesejáveis. Eles cercam e trancam a massa restante dirigindo sua circulação com ferocidade behaviorista. Ela é atraída por estímulos visuais de to21 dos os tipos, entorpecida por musak . (1993: 230)

Não pretendemos entrar aqui nas questões abordadas pelo autor, que mais parecem conceber os freqüentadores dos shoppings centers como, ao que nos parece, marionetes que obedecem quase instintivamente a certos estímulos. Contudo, uma coisa nossa pesquisa pode confirmar: todos os espaços dos shoppings são construídos para que o indivíduo passe a maior parte do tempo ali. No Midway, podemos perceber a organização cenográfica do espaço que aponta para essa intencionalidade, em fazer as pessoas ficarem ali o máximo de tempo possível. Não só pelo ar-condionado central – que é um alívio do calor sentido em Natal –, mas por outros elementos que compõem o cenário, como sofás, que, em sua organização, mais lembram salas de estar de algumas casas22, pianistas que tocam todas as tardes tanto canções da nossa Música Popular Brasileira (MPB) como de clássicos, 21

Musak: marca registrada para um serviço de música ambiente pré-gravada transmitida à distância para o sistema de som de um cliente (como um escritório, gabinete dentário ou... shopping centers) (N.A). 22 Basta que se vá até o andar que dá acesso às salas de cinema.

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reunindo um número considerável de pessoas ao seu redor. E, quanto mais tempo essas passarem ali, melhor será a lucratividade do estabelecimento.

Fig. 4 Sofás

Fig.5 Palco dentro do shopping

Fig.6 Pianista

Outra característica bastante curiosa que aponta para essa intencionalidade de “prender” as pessoas ali por mais tempo possível é a ausência de marcadores de tempo. Não existe por todo o espaço aberto aos freqüentadores qualquer tipo de relógio. Julgamos isso curioso, não por acharmos surpreendente, mas porque vivemos cada vez mais sobre a égide do cronos, que marca o ritmo cada vez mais produtivista. Dentro daquele ambiente, parece não se perceber o decorrer das horas, por serem tantas as atrações, principalmente imagéticas, seja nas vitrines das lojas, seja nas telas dos cinemas ou nos cardápios e fachadas das lanchonetes e restaurantes. Sem falar no consumo, mesmo sem gastos econômicos, mas através dos encontros ali marcados e efetivados. É comum ver grupos de amigos sentarem na praça de alimentação sem consumirem qualquer alimento, conversarem e tirarem fotos uns dos outros, numa relação de reconhecimento mútuo, que parece bastante narcísea e que, cada vez mais, vem-se tornando um acontecimento corriqueiro. Assim, os shoppings não são lugares só de consumo econômico, mas também de consumo de imagens – até mesmo imagens mútuas, como novas formas de reconhecimento do outro. A parte exterior desse estabelecimento está rodeada de jardins, regados à noite. Porém, ao observar a fachada, o que nos chama a atenção são os vários cartazes que parecem indicar o público-alvo do local. Vemos ali fotos gigantes de jovens usando aparelhos de som portáteis, famílias constituídas por pai, mãe e filhos, grupo de adolescentes, casais de idosos etc. Não se viam, até pouco tempo, fotos de pessoas de pele negra23. Não podemos aprofundar-nos no que isso pode repre23

No mês de maio, percebemos uma pequena mudança nisso: puseram uma foto gigante com negros. Mesmo aí, vemos a afirmação de um preconceito, pois a imagem retratava uma família onde ambos eram negros, como se costuma ver nas propagandas, e, quando o mais comum, é ver famílias tidas como mistas.

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sentar. No entanto, se essas fotografias constituem uma linguagem semiótica, ao deparar-se com essa ausência, pode-se conceber que se trata da afirmação de um preconceito contra os negros, tão presente em nossa sociedade. Também foram ignorados nessas imagens outros públicos que freqüentam o Midway, como homossexuais e lésbicas. Apesar de já existirem uniões entre pessoas do mesmo sexo, essas parecem ser totalmente ignoradas nesses momentos24. Fig.7

Painel externo

Fig.9 Painel externo

Fig. 8 Painel externo

Fig. 10 Painel externo

É nesse espaço onde sociabilidade e lucratividade podem ser vistas juntas que resolvemos desenvolver a pesquisa, onde pessoas que não estão ali – no período de trabalho, pelo menos – para consumir, mas para vender sua força de trabalho, e que, andando por esse campo, não são percebidas, como já abordamos. De acordo com Davis (1993, p.220), os shoppings centers – shopping panoptíco, como ele mesmo chama –, além de segregar, servem para “capturar os pobres como consumidores”. Durante a pesquisa, deparamo-nos com a diversidade dos freqüentadores deste estabelecimento. Não podemos dizer que esse se dirige somente a uma

24

Essas questões apontam para outra forma de perceber a invisibilização social, em que grupos representantes do que se tem chamado de minorias são ignorados.

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elite econômica, pois percebemos atores sociais dos mais diferentes grupos. Obviamente, eles não compartilham dos mesmos símbolos. Isso foi ficando claro até mesmo ao observarmos os espaços freqüentados no Midway. Porém, ali existe a ilusão de que pobre ou rico, ao freqüentar aquele ambiente, são postos em par de igualdades. Ricos e pobres podem pagar uma mesma quantia e usufruir a mesma sala de cinema, por exemplo. No espaço do shopping, também existe a idéia de segurança que contrasta com a suposta insegurança das ruas, não só pelos seguranças contratados para cuidarem de qualquer problema naquele ambiente, como também das câmeras instaladas por todo o espaço. Enquanto isso, a rua apresenta um cenário sempre acelerado, formado pelas várias pessoas que por ali passam, pedestres ou motoristas, além do mercado informal ao redor do Midway, que oferece um cenário bem mais “calmo”, onde se pode transitar sem pressa, sem medo de ser assaltado, já que tudo é monitorado25. Sem dúvidas, esse é outro atrativo para a escolha do shopping como principal opção de lazer em sociedades modernas e industrializadas.

Fig.11 Praça de alimentação (por Celso). Fig.12 Via do Mall

Fig 14. Câmera de segurança eira

Fig.15 Shopping fechando

. Fig.13 Pessoas saindo do shopping

Fig.16 Lateral shopping –Bernardo Vi-

Retomando a questão da busca por homogeneização das massas nesses espaços, essa proposta logo se fragiliza. Basta caminhar pelo Midway Mall, por exem-

25

No G-6, ao lado do refeitório dos funcionários, localiza-se a central de segurança do Midway, além dos monitores que dão conta das inúmeras câmeras, existe uma viatura da empresa responsável que periodicamente faz rondas ao redor do Midway.

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plo, onde se percebe que as lojas mais freqüentadas são as “âncoras”, as que dão maior lucratividade para o estabelecimento, as também chamadas lojas de massa, a saber: Riachuelo, C&A, Mariza etc. Certamente, os públicos que freqüentam tais lojas se diferenciam bastante do daquelas lojas menores, cujo público possui maior poder aquisitivo. Essas lojas expõem seus preços de forma bem visível, uma estratégia para comunicar para que público se dirigem os seus produtos. Não é interessante para uma “loja de grife” que uma pessoa considerada pobre seja vista usando um de seus produtos. Outra forma de desconstruir essa pseudo-homogeneização é caminhar, de forma bem analítica, pela praça de alimentação, onde existe toda sorte de lugares para alimentação, desde lanchonetes, como o popular Habib’s, até restaurantes mais caros, onde os pratos individuais ultrapassam R$ 30,00, o que não está ao alcance da maioria das pessoas que acessam aquele espaço. Observandose quem freqüenta cada um desses estabelecimentos, verificam-se os diferenciais quanto ao capital financeiro. A própria localização desse estabelecimento possibilita essa leitura. Localizado num dos pontos mais centrais da cidade, já que existem ônibus para quase todas as localidades da região, – daí possivelmente o nome Midway que, ao pé da letra, quer dizer “meio do caminho” –, facilita a entrada de diferentes atores: alunos do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN), trabalhadores que moram perto, pessoas que residem na Zona Norte da cidade, pessoas que moram perto… enfim, esses dados, levantados através dos questionários fechados (Cf. Anexos), promovem a evidência de como é variado o público de freqüentadores desse estabelecimento.

Fig.17

Fig. 18

Fig. 19

Descobrimos através do contato com a assessoria do Midway Mall que, em Natal, esse foi o primeiro shopping com as características aqui apresentadas. Referimo-nos especificamente ao shopping mall. De fato, já havia outros tipos de shop-

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ping na cidade. Gottschall (2001, p.174, grifos nossos) mostra como esse tipo de estabelecimento é bem recente na realidade brasileira: A difusão dos complexos comerciais de lazer nos grandes centros urbanos decorre, dentre outros fatores, da emergência do lazer como instrumento de sociabilidade e de investimento empresarial, do aprofundamento dos conflitos sociais e da necessidade dos indivíduos de escaparem de suas referências cotidianas, posto que tais espaços espetaculares reacendem a perspectiva da “cidade ideal”, conceito já encontrado nas análises de Walter Benjamin quando se refere às galerias parisienses do século XIX. Na atualidade, tais equipamentos assumem diversas modalidades: parques temáticos, complexos hoteleiros, multiplex, shopping mall, museus universitários, arenas e, até mesmo, cibercomunidade – global village. Tais variações são definidas segundo as necessidades dos consumidores, interesses do capital e graus de sofisticação das localidades. […]. No Brasil essa atividade é recente. Os primeiros investimentos aplicados em parques temáticos, shopping mall e complexos hoteleiros começaram a ser feitos na segunda metade dos anos 1990. A migração de grupos norte-americanos e a importação de tecnologia foram fundamentais para a alavancagem desses empreendimentos, que vêm sendo financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e pelos fundos de pensão.

Percebemos também nesse espaço aquilo que Simmel (1995) aponta quando aborda a questão da atitude blasé. No espaço desse shopping, na relação entre os freqüentadores e o “pessoal da limpeza”, observamos essa relação de forma clara. De acordo com dados cedidos pela equipe de marketing do estabelecimento, em 2006 o número de freqüentadores do Midway Mall corresponde a uma média de 14.245.152 pessoas ao longo de todo o ano, o que dá uma média de, aproximadamente, 1.187.096 pessoas por mês. É evidente que há meses em que a freqüência aumenta ou diminui; aqui expomos somente uma média simples. Num espaço com tamanho fluxo de pessoas, não é surpresa que as pessoas que trabalham na limpeza, serviço socialmente estigmatizado como inferior, não sejam notadas em suas singularidades. No Midway Mall, em sua arquitetura, descobrimos diversas maneiras de acentuar a invisibilização do “pessoal da limpeza”, entre outros colaboradores. Existem inúmeros locais restritos: espécies de becos – chamados pelos funcionários de corredores técnicos – que ligam duas vias de circulação; escadas e elevadores de serviços que devem ser usados por essas pessoas; banheiros de uso exclusivo dos funcionários; entre outros. Isso as separa do contato com os freqüentadores ou, no mínimo, evita uma interação maior.

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20. porta de um corredor técnico

21. Interior do corredor

22 Banheiro exclusivo para funcionários

As questões do uso de certos lugares restritos aos funcionários desse espaço se evidenciaram também quando buscamos saber onde se localizava a sala da SOSERVI dentro do Mall. Passamos a seguir alguns funcionários e descobrimos que ela se localizava no andar térreo, próximo aos banheiros. Foi interessante observarmos que, apesar de o shopping ser bastante sinalizado, de forma semelhante aos corredores técnicos, não existe quaisquer sinalizações que indiquem o uso daquela sala26. As imagens abaixo evidenciam melhor o que comentamos:

Fig. 23 Portas das antigas salas da

Fig. 24 Via de saída I

Fig. 25 Via de saída II

SOSERVI no Mall

Além da indiferença – atitude blasé –, o treinamento da empresa que exige a máxima discrição, o estigma infligido a essas sócio-ocupações, o alto fluxo de pessoas, até mesmo a organização espacial do estabelecimento contribuem para que “o pessoal da limpeza” seja invisibilizado por uma maioria que usufrui os serviços do Mall. Esse espaço nos pareceu exibir a reserva e indiferença de que fala Simmel, ao analisar as grandes cidades de seu tempo. De acordo com o autor (1995, p.8, grifos nossos), O desenvolvimento da cultura moderna caracteriza-se pela preponderância daquilo que se pode denominar espírito objetivo sobre o espírito subjetivo, isto é, tanto na linguagem como no direito, tanto na técnica de produção como na arte, tanto na ciência como nos objetos de âmbito doméstico encarna-se uma soma de espírito, cujo crescimento diário é acompanhado de um distancia cada vez maior e de modo muito mais incompleto pelo desen26

Atualmente essa sala está desativada, garantindo que o “pessoal da limpeza” esteja no Mall apenas para exercer as suas tarefas.

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volvimento espiritual dos sujeitos. […]. De qualquer modo o indivíduo está cada vez mais incapacitado a se sobrepor a cultura objetiva. Ele foi rebaixado a uma quantité négligeable, a um grão de areia em uma organização monstruosa de coisas e potencias, que gradualmente lhe subtraiu todos os progressos, espiritualidades e valores e os transladou da forma da vida subjetiva à forma da vida puramente objetiva. […]. Basta notar que as grandes cidades são os verdadeiros cenários dessa cultura, que cresce para além de tudo o que é pessoal.

No cenário do shopping em questão, essa impessoalidade salta aos olhos. Entretanto, isso não implica que não existam ali sociabilidades; pelo contrário, nesse espaço, amigos, namorados, parentes se encontram, mas também nele vemos rostos – usando o termo de Lèvinas – sendo ignorados, o que ocorre quando não existem planos comuns. Para esse filósofo (2004, p.59, grifos nossos), rosto […] É esta presença para mim de um ser idêntico a si, que eu chamo presença do rosto. O rosto é a própria identidade de um ser. Ele se manifesta a partir dele mesmo, sem conceito. A presença sensível deste casto pedaço de pele, com testa, nariz, olhos, boca, não é signo que permita remontar ao significado, nem máscara que o dissimula. […]. Como interlocutor ele se coloca em face de mim, e, propriamente falando, somente o interlocutor pode se colocar em face de mim.

Diante disso, paradoxalmente partindo dessa idéia de rosto, para Lèvinas, e dessa relação entre pessoas, acreditamos que foi no Midway onde melhor pudemos perceber esse contato entre atores sociais que não se fazem interlocutores, um contato distanciado, onde não há diálogo, atitude comum numa relação do tipo eu-tu, usando os termos de Buber (1977). Sabemos que isso não acontece apenas nesse espaço, mas serve de modelo para outras reflexões. Entender o funcionamento do Midway Mall, saber como seus administradores fazem rondas, muitas vezes disfarçados de meros freqüentadores, além de conhecer os lugares mais isolados, destinados aos funcionários, tudo isso nos deu uma percepção melhor de como se estabelecem nesse espaço as hierarquias em que o “pessoal da limpeza” está inserido.

4 O “pessoal da limpeza”

Iniciar o contato com esse grupo de pessoas foi, sem dúvidas, um grande desafio. A distância entre o “nosso mundo” e o dessas pessoas era muito grande, o

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que contraria a distância física. Não sabíamos como chegar até elas. Num primeiro momento, dedicamo-nos bastante a fazer uma observação descritiva, buscando praticar ainda mais o estranhamento do familiar. Percebemos os diferentes uniformes e como esses pareciam demarcar os vários cargos da empresa, o que posteriormente veio a ser confirmado nas entrevistas.

Fig.26 Supervisor, ASG e atendente

Fig. 27 Oficial de limpeza

28 Supervisor e encarregados

Procuramos lugares estratégicos, principalmente no espaço da praça de alimentação, foco principal desta fase da pesquisa. Passamos a sentar periodicamente – de duas a três vezes por semana – nos mesmos lugares, próximos a uma determinada lixeira. Nesse cenário, notamos o fluxo de idas e vindas das atendentes e de outros ASGs masculinos, como costumam falar os funcionários da empresa. Percebemos como os comportamentos mudavam. Primeiro, tinha-se aquela postura respeitosa para com os superiores, especialmente quando esses vinham reclamar da falta de rapidez no serviço ou do excesso de conversa existente entre eles. Os subalternos dificilmente questionavam aquilo que lhes era falado. Porém, bastava que o seu “superior” se afastasse para os outros darem um jeito de juntarem-se. Nessa hora, aquele repreendido se justificava, tendo, às vezes, a concordância e apoio dos outros nas suas reclamações. Por outro lado, também observamos funcionários que não apoiavam essas reuniões e tentavam dissuadir seus colegas a não continuarem com aquilo e a voltarem ao trabalho. As lixeiras, de onde também são recolhidas as badejas para voltarem aos seus locais de origem27 – lanchonetes e restaurantes –, estão localizadas em pontos estratégicos, juntas a algumas pilastras da praça de alimentação. Ali é designado um número exato de funcionários, responsáveis por um espaço determinado, se27

As bandejas são recolhidas das mesas, postas sobre as lixeiras, recolhidas pelos funcionários das lanchonetes e restaurantes. Isso, às vezes, é motivo de algumas discussões entre o “pessoal da limpeza” e esses outros funcionários que, pressionados pelos seus gerentes, quanto ao retorno de bandejas, pratos e talheres, passam a pressionar o “pessoal”.

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gundo informação colhida nas entrevistas. Esses também são os pontos de encontro durante o expediente, aqueles que têm acesso não limitam suas conversas aos horários do intervalo, ali também, como se diz, coloca-se “a fofoca em dia”. São nos poucos minutos em que ficam parados que aproveitam para conversar. Isso era percebido ainda na fase descritiva.

29 Lixeiras (Por Celso)

30 Recolhendo pratos

31. Limpando a mesa”

Através dessa estratégia de observação, a nossa imagem se foi fazendo familiar a essas pessoas, especialmente para as atendentes, que vez ou outra passavam a cumprimentar-nos, demonstrando que já haviam nos percebido. Houve aí troca de olhares, cumprimentos. A partir disso, travamos alguns diálogos curtos, algumas perguntas iniciais, mas de suma importância. Quando souberam do foco de nossa pesquisa, expressaram uma atitude inicial de estranheza, que, porém, logo se dissipou, transformando-se em curiosidade. Disseram-nos que, se quiséssemos falar com mais gente, poderíamos ir até o G-5, onde até então28 se reuniam quando tinham intervalo. Nesse momento, havia pressa, pois nele se pode fumar, falar com certa liberdade, brincar, falar alto. Alguns lêem, mas a maioria aproveita esse curto tempo para brincar uns com os outros. Uma moça que trabalhava na época como atendente, ao fazer o convite para irmos até esse espaço, fez um alerta: “O pessoal lá é legal, só falam em sacanagem, mas é todo mundo gente fina”. “Lá” se tem uma atitude que demonstra mais quem essas pessoas são além do seu trabalho. Por muitas vezes, estivemos juntos com algumas dessas pessoas no horário do intervalo. Aos poucos, a nossa presença se tornava familiar. Com o tempo, as conversas, que inicialmente eram bastante desconfiadas, ficaram mais “livres” na nossa presença. Ouvíamos sobre as paqueras, tanto entre aqueles que compunham o “pessoal

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Posteriormente esse espaço passou para o andar superior, G-¨6, onde ficam também a central administrativa e a central de segurança do Midway.

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da limpeza”, como entre outros funcionários a serviço do shopping. O alerta de nossa informante – “só falam em sacanagem” – foi confirmado nas vezes em que estivemos com eles. Realmente a questão da sexualidade era um assunto predominante, além dos encontros para saírem juntos para alguma festa, na maioria das vezes, um forró. Alguns aproveitavam o intervalo para resolverem problemas pessoais – pagarem contas, ligarem para alguém –, enquanto que outros se alimentavam29 com bastante pressa para terem tempo de tirarem uma soneca. Ainda sobre o refeitório dos funcionários30, existem algumas observações relevantes. Em nossa primeira visita, José informou-nos que só não conseguia manter limpo este ambiente. O motivo, segundo ele, era o alto fluxo de pessoas em todos os turnos. Ao lado desse refeitório, existe um outro, chamado por ele como refeitório VIP. Nosso interlocutor tentou desfazer o que dissera, informando que era apenas uma brincadeira. No entanto, constatamos diferenças concretas entre os dois espaços. No refeitório dos funcionários, as cadeiras eram de ferro, desgastadas, com a tinta descascando, enquanto que, no refeitório utilizado pelo pessoal da administração31, em momentos específicos, percebemos o cuidado até mesmo com o chão32. Embora os oficiais da limpeza tenham a responsabilidade de patinar pelo Mall encontrando e acabando com os arranhões no piso, não recebe tantos cuidados o chão usado prioritariamente pelo “pessoal da limpeza”, vendedores de lojas e garçons. Isso não aponta para nenhuma novidade, já que a ilusão de um ambiente perfeito, sem perigos e sem preocupações, não se dirige a esse público, que está ali para vender a sua força de trabalho e não para consumir o que está sendo vendido (ao menos não naquele momento).

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O pessoal do segundo turno – de 6h às 14h – geralmente almoçava por volta das 10h30, pois ao meio-dia deveriam estar postos na praça de alimentação, sendo esse horário um dos mais agitados do dia. 30 Esse local não é restrito ao “pessoal da limpeza” (apesar de ser de uso predominante deste). Todos os funcionários do Midway, com exceção do pessoal da administração, devem utilizar esse local. É regra do estabelecimento que os funcionários não façam suas refeições na praça de alimentação. 31 Sempre que fomos até o G-6, encontramos esse local fechado, mesmo nas horas das refeições. 32 Não se deve ter nessas informações surpresas, mas ressaltamos o contraste entre o cuidado com a área utilizada pelos freqüentadores e a parte restrita a esses. Isso foi percebido também quando comparamos a limpeza do banheiro dos funcionários, no Mall, e os vestiários desses no G-6.

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32 Refeitório dos funcionários

33 Refeitório “VIP”

34 Entrada para o refeitório

35 Intervalo para o almoço

Além do refeitório, existem outros ambientes de uso restrito ao “pessoal da limpeza”. Logo ao lado desse espaço, encontra-se o local onde são guardados os materiais de estoque (papéis-toalha, papel higiênico etc.), assim como toda a sorte de ferramentas de trabalho. Nesse ambiente, também são realizadas as misturas de produtos de limpeza usados na limpeza do Midway, pois, como esses chegam bastante concentrados, é necessário que sejam feitas misturas para que suceda a distribuição nos lugares estratégicos, assim como entre os funcionários que deles usam. É importante registrar aqui a não utilização de utensílios de proteção, como máscaras, luvas etc., por parte do “pessoal da limpeza”, quando não está limpando os banheiros. Nesses espaços, a empresa responsável exige o uso desse material – exigência que parece não existir quando os funcionários não se encontram em espaços onde possam ser vistos pelos freqüentadores ou manter contato com eles.

36 Misturando os materiais

I

37 Misturando os materiais II

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38 Recolhendo lixo

39 Estoque de materiais

Chamou-nos a atenção a valorização das máquinas usadas pelo “pessoal da limpeza” no período da noite. Um de nossos interlocutores descreveu uma das máquinas como sendo a “mãe da SOSERVI”. Ele explicou que falava isso porque ela fazia o trabalho de diversos homens em bem menos tempo e melhor, só precisava que um indivíduo a guiasse. Essa máquina lavava uma via inteira – aproximadamente trezentos metros – em apenas vinte e cinco minutos. Ainda nos foi falado como era complicado quando uma máquina dessas quebrava. A cobrança em cima dos trabalhadores tornava-se maior, pois esses teriam de lavar todo esse espaço, além das suas outras atribuições, mantendo a excelência da máquina. Isso se complicava ainda mais pelo fato de que o turno da noite possuía um número menor de funcionários33 devido ao uso dessas máquinas.

40 Máquina de lavagem de piso

41 Enceradeira

42 Local de recolhimento de ferramentas

Certas vezes, torna-se difícil perceber o “pessoal da limpeza”, especialmente nos feriados e fins de semana. Nesses momentos, exige-se deles mais empenho. Por isso, eles quase correm para manter a produtividade exigida pela administração do shopping. Há um ritmo quase frenético no recolhimento e devolução das bandejas, na limpeza e banheiros, no recolhimento do lixo das lixeiras. No fim do expediente, depois de tanto trabalho, seus corpos demonstram como sofrem com tudo is33

No turno da tarde, existem pouco mais de quarenta pessoas trabalhando, enquanto que, no turno da noite, são apenas vinte e cinco.

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so. Ouvem-se reclamações de dor por várias partes do corpo, especialmente a coluna e as pernas. Por diversas vezes, resolvemos ficar no Midway até o horário do seu fechamento, quando o pessoal do segundo turno34 estava preste a ir embora. Nesse momento, as lojas são fechadas; as mesas, limpas; as cadeiras, postas sobre aquelas. Percebe-se também a pressa em ir embora, desvencilhar-se do uniforme. No caso das atendentes, uma atitude quase unânime pôde ser percebida: desfazem-se os coques – penteado padronizado –, desabotoa-se o uniforme em plena praça. Mesmo ainda sob a égide do olhar institucional, já não se fala baixo, ouvem-se gritos no ambiente de trabalho – gritos que não são dados na presença dos freqüentadores. Os colegas de trabalho ficam a puxar uns aos outros para irem embora. Eles saem pelas portas traseiras do Mall, que dão acesso ao estacionamento, elevadores de serviço e escadas, e se dirigem até ao G-5 para trocarem de roupa. Existe pressa em desvencilhar-se do uniforme. Admitimos que houve dificuldade em identificar o “pessoal da limpeza” sem seus trajes de trabalho. Na parada de ônibus, por exemplo, espalhados entre tantas outras pessoas, isso se mostrava difícil. Não pareciam as mesmas pessoas. Usando os termos de Goffman (1999), podemos dizer que esses atores mudam muito quando não estão atuando como “pessoal da limpeza”. Depois do expediente, eles não podem ser identificados como homens-ferramenta. Em meio à multidão da rua, eles são no máximo desconhecidos para uns e conhecidos de outros. Assim como os uniformes são carregados de estigma por homogeneizarem os corpos, as roupas usadas depois do expediente também comunicam algo, mesmo antes de qualquer comunicação verbal. Essas são roupas escolhidas de acordo com seus gostos pessoais, construídos ao longo de sua trajetória social. Essa diferença também pôde ser percebida ao depararmo-nos com Joelson35, um dos poucos que costuma não tirar o uniforme ao ir para casa, porque, segundo ele, tem pressa de chegar. Certa vez, ele estava na parada com uma camisa de seu time, Flamengo, passamos diversas vezes por ele e não houve cumprimento, até que ele tomou a iniciativa e chamou nossa atenção. Nosso olhar havia-se acostumado com a imagem dele no uniforme, isto é, naturalizou-se. Foi também nas entrevistas que pudemos descobrir que o “pessoal da limpeza” se encontra em momentos lúdicos, nos quais se estabelecem limites: não se de34 35

Horário das 14h às 22h. Isso aconteceu não só com ele, mas essa experiência se destacou bastante.

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ve ali se tratar como no trabalho, mas como “colegas de farra”, como nos foi dito. Joelson contou-nos que certa vez, ao ir a uma festa de aniversário de uma colega de trabalho, chegando lá ela lhe deu as boas-vindas e o tratou como superior, ele foi logo deixando claro: “Aqui eu sou apenas Joelson”.Isto é, ali, fora do cenário do trabalho, não deveria ser tratado como encarregado. Esse era um papel que não se adequava ao cenário em que eles estavam, um lugar de festejo. Joelson tornou-se um dos nossos maiores contatos, facilitando nosso acesso aos seus colegas de trabalho, assim como sendo a pessoa chave para a distribuição e recolhimento dos questionários junto a estes, especialmente após a entrevista cedida por ele. Durante esta estivemos usando a sala da SOSERVI dentro do mall. Além das informações adquiridas na entrevista foi interessante perceber algumas questões. Eram 16h: seria a hora do almoço (o intervalo, único momento para as entrevistas). Perguntamos se não tinha como almoçar mais cedo. Ele disse que só tinha como almoçar naquele horário e daquela vez nem iria ter como, foi quando mostrou o bolo de fichas de cada empregado do seu turno36. Também mostrou dois tipos de advertências que eram usadas para alertar aos funcionários que seu desempenho – produtividade – estava deixando a desejar. Ele explicou que quando o funcionário cometia um erro, primeiramente seria alertado verbalmente, depois receberia uma advertência por escrito, e depois outra. Após essa ultima, não havendo mudança, o sujeito era despedido. Toda a entrevista foi feita sob o olhar vigilante de um outro supervisor chamado Elder. Sempre que ele adentrava a sala nós parávamos a entrevista – escolha do entrevistado -, pois poderia ser prejudicado caso seu superior ouvisse ele fazendo qualquer crítica à empresa. Em um dado momento da entrevista ele comentou sobre a falta de organização da empresa houve um certo constrangimento, pois Elder havia ouvido o comentário. Joelson logo comentou: “Depois ele vai vim puxar a minha orelha.” Ainda sobre essa forma de controle a que é submetido o “pessoal da limpeza” pudemos ouvir algo bastante interessante: na primeira entrevista, realizada com José37, presenciamos uma estratégia de controle e “incentivo” à produção. Por quatro vezes tivemos a entrevista interrompida por outros funcionários. Todos vinham de36

O funcionários tem que preencher suas fichas, onde deve constar os dias que trabalharam no mês, assim como os dias de folga e/ou de licença. Estas são revisadas pelos encarregados e supervisores e levadas até a sede da empresa que efetuará o pagamento. 37 Supervisor volante: responsável não apenas pela supervisão e manutenção do padrão da empresa no Midway, como em três outros estabelecimentos de Natal.

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monstrar para o seu superior como aquele trabalho era importante. A ultima pessoa, um encarregado, veio tirar a duvida sobre um boato que estava circundando as conversas dos demais empregados. Tratava-se de uma notícia sobre a dispensa de aproximadamente doze pessoas. Ao ser questionado, José, negou veementemente tal boato. Porém após a saída do rapaz perguntamos sobre a origem do tal boato. Foi-nos dito que isso era uma estratégia da empresa para incentivar mais a produtividade, isto é, preocupados em perder o emprego efetuariam as funções a eles delegados com maior dedicação, aumentando assim a produtividade. Ainda nessa entrevista, que em parte aconteceu quando fazíamos uma ronda juntamente com José, pudemos observar como ele estava atento a qualquer papel de bala que houvesse sido jogado no chão do Mall. Antes que perguntássemos se aquilo era comum, ele, adiantando-se, nos disse que depois de treze anos naquele ramo fazia aquilo no automático. Ele afirmou: Às vezes, quanto estou com minha esposa em alguns lugares, ela pega no meu pé porque eu fico catando as coisas e jogando no lixo. Esses dias eu fui com ela a um supermercado e ela veio brigar porque eu tinha ido catar um papel do chão para jogar na lixeira. Já ficou automático isso.

O entrevistado explicava orgulhoso como conseguira chegar ao cargo de supervisor volante, explicando que havia começado como ASG. Deixou bem evidente que quando tivesse a oportunidade de trabalhar em outra empresa, não sendo na área da limpeza, iria, pois aquele era “um serviço muito pesado”, além da humilhação a que se submete. Ele afirmou que, principalmente quando trabalhava como ASG, passava por muita humilhação, tanto por parte daqueles que administravam o estabelecimento como pelos que freqüentavam os shoppings e outros lugares que havia trabalhado. Quando fomos entrevistar o gerente local da SOSERVI esperávamos encontrar uma fachada que ao menos tivesse o nome da empresa, porém por fora não passava de uma casa. Logo percebemos que se tratava da empresa. Logo que chegamos fomos recepcionados por um segurança devidamente armado, que após saber que tínhamos ora marcada nos conduziu ao interior. Ali, numa longa espera, pudemos observar a sala de espera. Alguns quadros de avisos espalhados, contendo várias propagandas que apontavam para a “filosofia da empresa”, porém um aviso nos chamou mais a atenção, ele dizia: “Não falte ao trabalho. O patrão pode desco-

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brir que você não faz falta”. A violência simbólica foi confirmado pelas conversas entre os funcionários, como que mostrando a imagem que faziam do gerente. Numa dessas conversas ouvimos falarem sobre o mal comportamento de algum colega de trabalho (dentro dos moldes exigidos pela empresa). A conclusão foi: “Cuidado, senão seu Marcos mete-lhe a vara”. Durante a entrevista que se seguiu com “seu” Marcos pudemos ver que eles mantinham alguns funcionários ali para lhes38 servirem. Pouco depois que entramos na sala uma moça que trabalhava como ASG entrou com uma bandeja, trazendo torradas e achocolatado para seu “patrão”, o que só mostrou ainda mais o caráter servil daquela sócio-ocupação. Ainda durante essa entrevista, nosso interlocutor nos informou que era filosofia da SOSERVI contratar apenas pessoas com o ensino médio completo. Porém ele afirmou categoricamente que alcançar “esse grau de excelência” era bastante complicado, e que, por isso, existia uma rotatividade muito grande de pessoas na empresa. Segundo ele, isso se dava porque as pessoas com ensino médio completo ainda tinham outra opção de emprego e logo saíam. Nosso interlocutor atribuía isso ao fato de que, além do trabalho ser muito pesado, essas pessoas poderiam encontrar outros serviços. Já, aqueles que não tivessem esse grau de instrução, por terem mais dificuldade de conseguir outro tipo de emprego, devido a exigência do mercado de trabalho, seriam mais constantes. Ele ainda disse: “Mas se Deus quiser nós vamos chegar lá.;” Com isso ele estava dizendo que ele conseguiria, um dia, ter em seu quadro de empregados todos com a formação escolar exigida e, ao mesmo tempo, diminuindo ao máximo a rotatividade do pessoal, o que lhe proporcionaria uma maior produtividade com menos gastos, já que não teria de estar continuamente treinando novos funcionários. O interessante foi que ao aplicarmos os questionários percebemos que, das pessoas abordadas, apenas 39 por cento delas se encaixavam no perfil do “colaborador ideal”, apontado por nosso interlocutor, enquanto 61%39 não. Desses, mais de 60% possuem no máximo o ensino fundamental completo40. A falta de qualificações e preparo dessas pessoas, dentro daquilo que hoje é

38

A referencia é feita não só ao gerente, mas a todos que trabalham na administração local da empresa. 39 Todos o valores percentuais são aproximados (em todas as tabelas), caso sejam feitas as contas dará um número bastante aproximado do 100%. 40 De acordo com a classificação atual do MEC, esta classificação é do 1° ao 9° ano (o que equivale daquilo que conhecíamos por alfabetização, ou “prezinho”, à oitava série.).

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exigido, sem sombra de dúvidas aponta para o motivo de se submeterem a esse tipo der sócio-ocupação. O gráfico abaixo nos dá uma visão sobre essas informações.

Grau de instrução Fundamental completo

40 30 20

Fundamental incompleto

10

Médio completo

0 N° pessoas

%

Médio incompleto

Numa rápida pesquisa feita no site da empresa colhemos dados bastante interessantes que só vieram a confirmar a ação invisibilizadora a que são submetidas o “pessoal da limpeza”, especialmente quanto a relação utilitarista. Abaixo transcrevemos algumas frases encontradas no site: 1.

“Baixo custo e profissionais altamente capacitados”;

2.

“Tecnologia especializada, padrão de qualidade”.

Além dessas frases que apontam para umas das formas como o ser humano pode desaparecer como tal perante outro, resolvemos apresentar a apresentação do site sobre a “gestão de pessoal”, como chama a empresa o treinamento. Sobre isso a home page da empresa mostra: RECRUTAMENTO, SELEÇÃO E TREINAMENTO A Soservi recruta e seleciona seu pessoal através de processos consistentes, nos quais são avaliados antecedentes, experiências profissionais e referências. O treinamento inicial ao qual os candidatos são submetidos é parte integrante do processo seletivo e também composto de etapas eliminatórias. Ao ser selecionado, o candidato recebe 20 horas de treinamento técnico e 4 horas de treinamento comportamental e, depois desse período, é submetido a um treinamento de 16 horas no cliente para o qual poderá vir a trabalhar. Somente se for aprovado em todas essas etapas, o candidato poderá ser contratado. A reciclagem técnica dos profissionais se dá através dos multiplicadores, que possuem um cronograma anual de visitas aos clientes, complementado por um processo de auditoria. Treinamentos comportamentais, de liderança e outros são ministrados continuamente, como parte do nosso plano anual de treinamento.

Não se está aqui querendo demonizar a atuação da empresa, esta apenas exerce seu papel. Mas o que se quer é mostrar, através dos termos destacados, que

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existe uma grande preocupação em padronizar o comportamento através do “recrutamento”, assim como se percebe pouca preocupação com as pessoas. Há somente, como em muitas outras empresas, a preocupação com a produtividade, as pessoas desaparecem. Ao falar-se na propaganda em baixo custo, demonstra-se a desvalorização da sócio-ocupação que exerce o “pessoal da limpeza”. Em detrimento percebemos tanto na sede da empresa como no site a exaltação da tecnologia41. Numa conversa com Elder perguntamos onde a maioria das pessoas moravam, ele disse, imediatamente: Ah, uns 80% mora na zona norte. As informações levantadas trouxeram alguns dados interessantes a serem observados, sobre a questão do lugar de moradia da maior parte da população pesquisado (dentro dos que compõe o “pessoal da limpeza”). Percebemos que uma convergência para os bairros, divididos em AEDs42 da Grande Natal que, segundo dados do IBGE43, possuem as menores taxas de concentração de renda (Cf. Anexos). A tabela (indicar N° da tabela) nos serviu de base para essa afirmação. Achávamos que as pessoas não costumavam freqüentar o Midway para o lazer por já estarem saturadas, mas a pesquisa mostrou que um número considerável de pessoas que compõe o “pessoal da limpeza” costuma freqüentar aquele ambiente, justificando isso com o fato de que é um bom lugar para passear, ir ao cinema, etc. Apesar de ainda serem a maioria aqueles que atestaram nossas primeiras impressões, as diferenças entre um e outro grupo não foram muitas. Isso se dá pelo fato de que fora do expediente de serviço essas pessoas interpretam outro papel, o de freqüentadores, sendo assim o Midway deixa de ser sinônimo de trabalho para ser sinônimo de descanso. Para aqueles que não fazem isso, o motivo principal está em não gostarem de ir passear em um lugar que já passam toda a semana trabalhando. Alguns dizem que ir lá, mesmo que não estejam trabalhando, já os estressa. Um dos nossos interlocutores disse: “Passo cinco dias trabalhando no shopping. Não vejo necessidade vir na minha folga, a não ser que seja uma necessidade da empresa”. A tabela abaixo evidencia as informações que, inicialmente, nos surpre-

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Fomos levados a conhecer as máquinas utilizadas ao longo da noite para lustrar, secar e trocar os pisos do Mall. 42 AED: Área de Expansão Demográfica, grupo de três bairros com características demográficas afins. Nem todos os bairros do pessoal pesquisado encontram-se descritos dentro dessas AEDs. 43 Esses dados são do ultimo senso, há sete anos. Faremos uso deles, mesmo sabendo que em sete anos muitas coisas podem ter mudado, para que o leitor tenha uma idéia do que estamos querendo mostrar.

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enderam. Observou-se que mais de 54% das pessoas entrevistadas não freqüentam contra quase 46% daquelas que o fazem.

Vem ao Midway fora do expediente? Sim Não Total

Resposta % 27 45,76271 32 54,23729 59 100

Ao cruzarmos os dados da situação de residência e com quem essas pessoas moravam44 descobrimos que das trinta e três pessoas que declaram residir em casa própria dezesseis moravam com os pais45. Não podemos nos aprofunda muito nessa questão, mas isto parece apontar para duas possibilidades. Ou essas pessoas moram numa casa que só será sua por meio de herança, por serem de seus pais, ou elas ao adquirirem residência própria levaram seus progenitores para morarem juntos. Dentre os que independente do tipo de moradia residem com os pais apresentou-se uma predominância feminina, cinco eram homens e quatorze mulheres46. Há uma pequena diferença entre o número de mulheres e de homens47, dentro da população pesquisada48 (54% de mulheres e 46% de homens). Segundo o “seu” Marcos isso se dava porque “tem umas coisas que as mulheres fazem naturalmente melhor que os homens. Elas são mais detalhistas. Banheiro é uma coisa que tem que ser mulher, mesmo.” A tabela abaixo evidencia o que estamos dizendo.

Sexo Feminino Masculino Total

Resposta % 33 55,9322 27 44,0678 60 100

Quando resolvemos cruzar os dados acima com a importância que era atribuída ao emprego percebemos que a maioria das pessoas que considerava-o como

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Ver tabela em Anexos. (?) Destes, quatro são mães ou pais solteiros. 46 Não pretendemos nos aprofundar nas análises desses dados, apenas queremos mostrar o perfil dessas pessoas. 47 Ver tabela em anexo. 48 48 Apesar de não termos conseguido aplicar o questionário a todo o grupo , confirmamos com Elder se aquilo era o mais comum. Ele confirmou que existia mesmo uma diferença, mesmo que pequena, entre homens e mulheres. 45

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que complementar a renda familiar49 eram do sexo feminino50. Estes dados, assim como tantos outros51, foram nos mostrando que havia um perfil, na maioria das vezes, homogêneo entre o “pessoal da limpeza”. O que nos mostrou que essas pessoas se submetem a trabalhar em algo que na perspectiva dos estabelecidos (e reproduzido por elas) é tido como inferior somente por algum tipo de necessidade52. Muito mais ainda poderia ser falado sobre o “pessoal da limpeza”, mas importa saber aqui que existe um perfil comum entre essas pessoas. Mostramos que estas não estão a ser invisibilizadas, somente, pelos freqüentadores, mas também pela empresa que as contrata, pois como já foi mostrado, não está preocupada com as pessoas, mas como a mão de obra que essas vendem como mercadoria.

5 Freqüentadores: “iguais”, mas diferentes.

Outro grande desafio encontrado na pesquisa de campo foi com relação aos freqüentadores, em primeiro lugar por, como já vem sendo dito, não se tratar de um grupo de pessoas mais ou menos homogêneo: a freqüência do Midway além de ser muito elevada, é formada por grupos bastante heterogêneos. Mesmo com toda essa dificuldade precisávamos ter uma caracterização mínima desses grupos. Uma segunda dificuldade que encontramos foi como seria a abordagem, que tipo de ferramenta teríamos de lançar mão para que pudéssemos colher os dados a ser utilizados nessa pesquisa. O fato do campo de pesquisa ser um ambiente familiar, onde encontrávamos amigos, conhecidos e colegas, trouxe-nos outro grande desafio. Precisamos por em pratica o estranhamento do que nos era bastante familiar (VELHO, 2003). O que começava já no próprio cenário, O Midway Mall, já que neste costumamos ir com amigos, e encontramos também aqueles com quem mantemos relações de cole49

Deve-se entender por isso que existiam outras fontes de renda, sejam com os conhecidos “bicos” ou porque moravam com outras pessoas, com as quais dividiam as despesas, fossem elas cônjuges ou os pais. 50 Das 43 pessoas que declaram isso, 29 são do sexo feminino e o restante do sexo masculino. (Ver anexos). Não pretendemos nos aprofundar no que essas informações podem indicar, por não ser o foco dessa pesquisa, e por não termos uma discussão aprofundada sobre as questões de gênero. 51 Observar outras tabelas e gráficos nos anexos. 52 Todas essas afirmações podem ser atestadas através dos resultados colhidos nos questionários aplicados. Ver anexos.

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guismos (possuímos algum campo em comum). Começamos por analisar a atitude dos nossos conhecidos em relação ao “pessoal da limpeza”. Escolhemos nos concentrar, principalmente na praça de alimentação, por facilitar a observação dessa interação – freqüentadores - “pessoal da limpeza”. Não contamos logo o foco de nossa pesquisa, pensando que dessa forma poderiam não se sentir pressionados a manterem qualquer postura para com o “pessoal da limpeza53”. Alguns ao saberem de nossa pesquisa demonstravam grande interesse em compreender melhor, admitindo que não se davam conta daquelas pessoas, a não ser quando “a mesa estava muito suja”. Outros falavam orgulhosamente que sempre cumprimentavam aquelas pessoas, demonstrando que para eles isso era uma atitude “mais humana”. Alguns chegavam a afirmar que não tinham que notar essas pessoas “já que elas estavam ali para fazer aquilo mesmo”. Sobre esse ultimo comentário era interessante perceber que quando a SOSERVI começou uma campanha para incentivar os freqüentadores a levarem suas bandejas até a lixeira (com o intuito de acelerar a devolução destas aos “clientes”- restaurantes e lanchonetes), colocando um adesivo com um pedido para que isso fosse feito. Fomos informados que no começo a estratégia começou a dar resultados, mas as pessoas começaram a arrancar os adesivos, e, com pouco tempo, a atitude dos freqüentadores era a mesma, isto é, deixar as bandejas sobre as mesas para que as atendentes viessem buscar. Não tivemos tempo para buscar saber o que motivou a arrancada dos adesivos,mas muitos de nossos amigos diziam que não se dariam aquele serviço, pois elas eram pagas para aquilo54. Resolvemos mudar nossa própria atitude: passamos a recolher nossas bandejas, levando-as até as lixeiras. Isto além de nos dar outra forma de aproximação com o “pessoal da limpeza”, nos permitiu observar as atitudes dos conhecidos. Estes, muitas vezes, pareciam reprovar-nos: apressavam-nos, dizendo que não dava tempo de esperar; falavam que deixasse a bandeja lá mesmo que viriam pegar, isto é, tentavam nos convencer a deixar a bandeja em cima da mesa. Vale salientar que seja para qual lado se vá, na praça de alimentação, irá se encontrar com uma lixeira.

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Percebemos que havia uma leitura bastante moralista por parte de algumas pessoas, e por isso, algumas poderiam mudar sua atitudes e discursos para parecerem “mais humanas, como é comum se ouvir no senso comum. 54 Podemos compreender, a partir da teoria das representações de Goffman, que essa atitude aponta para a idéia dos papeis que os atores desempenham neste cenário. As pessoas que caracterizamos como freqüentadores, em geral, compreendem que não devem fazer aquilo, pois não faz parte de seus papéis. E que tal atuação – recolher as bandejas – deve estar limitada àqueles caracterizados para fazê-la.

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Buscamos nos aprofundar nessa observação participante fazendo com que as pessoas soubessem de que se tratava nossa pesquisa. Foi interessante ouvir as reações de estranheza. Algumas admitiam não compreender o que me levava a fazer uma pesquisa dessas. Não entendiam de que forma isso poderia ser útil. É ai que pudemos perceber como o olhar do pesquisador social poder ser diferenciado, especialmente ao lhe dar com ambientes e atores tão familiares. Outros vinham dizer de como a minha pesquisa os ajudou a perceber pessoas que antes não percebiam. Ir ao Midway, definitivamente, deixou de ser um lazer, passando a ser um trabalho. Bastava que chegássemos numa mesa de amigos para ouvirmos: “E ai, como vão os seus invisíveis?”. Para a presente pesquisa entrevistamos, através dos questionários, cinqüenta e uma pessoas. Nosso objetivo com isso não está em apresentar dados conclusivos, já que o universo pesquisado exigiria um número bem maior de abordagens. O que queremos apenas é mostrar o quão diversificado é este universo, afirmando ainda mais aquilo que já dissemos sobre o espaço do shopping em questão, de que a homogeneidade do público não passa de uma fraca ilusão. Ao contrário da pesquisa feita com o “pessoal da limpeza” que, mesmo não tendo alcançado a totalidade da população, pode nos dá um perfil bastante coerente desta (comprovando-se isso nas entrevistas com o gerente e supervisores), os dados apresentados sobre os freqüentadores estarão apenas servindo de apontamentos para ilustrar a relação aqui estudada, assim como para o aprofundamento para possíveis pesquisas posteriores. Como já temos falado, existem muitas diferenças nas maneiras de pessoas e grupos se relacionarem entre si, estabelecendo relações outro-acima, outro-abaixo, e outro-ao-lado. Isso implica de forma direta na construção da invisibilização social. Por isso resolvemos de fazer, além da observação participante e descritiva, e das entrevistas, o levantamento de alguns dados quantitativos que pudessem apontar para essa diversidade, especialmente na relação estudada no nosso campo de pesquisa, que se estabelece entre os freqüentadores e o pessoal da limpeza. Já mostramos bastante do perfil existente entre esses últimos, inclusive, como a maioria dos que o compõe acham que passam despercebidos ou (em linguagem acadêmica) são vistos por meio de uma relação utilitarista, uma relação do tipo eu-isso (BUBER, 1977). Pensamos que, dessas duas formas, pode-se notar a ação invisibilizadora. Escolhemos o ambiente da praça de alimentação, onde podíamos encontrar as pessoas em situação mais favorável à nossa aproximação. Optamos por priorizar

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as mesas que não apresentassem mais que três pessoas sentadas, assim como, para não parecermos inoportunos, escolhemos destas, aquelas que ou não estavam comendo, ou já haviam terminado suas refeições. Não encontramos grandes dificuldades na aplicação desses questionários. Buscávamos explicar de forma rápida qual o objetivo, principalmente depois de aplicar o questionário55. As pessoas logo se prontificavam a responder a nossas perguntas, porém isto só acontecia depois de terem a garantia de que não lhe tomaria muito tempo, já que, geralmente, estavam esperando alguém. Tratamos de dividir a praça de alimentação de acordo com os locais em que essas pessoas haviam se alimentado56. A diversidade desse público se mostrou de várias formas. Seja nas sócioocupações desempenhadas, nos bairros onde residem, em quantas vezes costumam freqüentar o Midway Mall, e o que mais fazem ao fazerem isto, assim como também fizemos um levantamento da faixa etária e da freqüência com que se vai até este local – o Midway. Alguns desses dados foram cruzados com a pergunta chave desse questionário: “Que relação você estabelece com o pessoal da limpeza”. Nosso objetivo com isso não está em apresentar dados conclusivos, já que o universo pesquisado exigiria um número bem maior de abordagens. O que queremos apenas é mostrar o quão diversificado é este universo, afirmando ainda mais aquilo que já dissemos sobre o espaço do shopping em questão, de que a homogeneidade do público não passa de uma fraca ilusão. Ao contrário da pesquisa feita com o “pessoal da limpeza” que, mesmo não tendo alcançado a totalidade da população, pode nos dá um perfil bastante coerente desta (comprovando-se isso nas entrevistas com o gerente e supervisores), os dados apresentados sobre os freqüentadores estarão apenas servindo de apontamentos para ilustrar a relação aqui estudada, assim como para o aprofundamento para possíveis pesquisas posteriores. O que esperamos ressaltar é que, apesar de todos os atores sociais, de forma naturalizada, invisibilizarem e serem invisibilizados, também visibilizarão outros atores, enxergando-os como outro-ao-lado. Isso dependerá do campo específico que estiverem inseridos e da sua subjetividade, construída ao longo de sua trajetória social. Isto, acreditamos, poderá ser percebido não apenas na presente pesquisa, mas em outras que objetivem o mesmo tema.

55

Desconfiávamos que as pessoas pudessem mudar o seu discurso ao saberem da pesquisa. Como já foi dito anteriormente a variação de preços dos produtos oferecidos nesses estabelecimentos podem apontar para os deferentes públicos que os freqüentam. 56

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A conclusão de um trabalho de forma alguma tem a pretensão de esgotar as reflexões sobre a temática central. Não podemos dizer que as questões relacionadas à invisibilização social estão concluídas. Apenas concluímos uma etapa de nossas reflexões que continuarão, seja com outras pesquisas por nós realizadas, seja através de outros pesquisadores que darão outros recortes teóricos e/ou empíricos, abordando questões não contempladas por nós. Através da pesquisa junto ao “pessoal da limpeza”, buscamos entender como a construção do fenômeno da invisibilização social, deixando sempre claro que não tínhamos a intenção de circunscrever o nosso olhar aos grupos estigmatizados como inferiores na sociedade ou a questões como divisão social do trabalho. Já que sendo a ação invisibilizadora um produto do poder, podemos encontrar amostras disso em todos os campos da sociedade, bastando haver relações humanas hierarquizadas onde não existir alteridade (LÈVINAS, 2005). Ainda na primeira sessão, procuramos mostrar que os atores invisibilizados podem variar, não estando presos a questões de divisão de classes. Além dos grupos apresentados por Costa (2004) e Soares (2005), apresentamos a relação professor-aluno e a do médico com os pacientes, como sendo exemplos de como pode se dar a invisibilização social. Porém, foi só no segundo capítulo que nos aprofundamos nessas questões. Após defendermos rapidamente o uso do termo invisibilização em detrimento do termo invisibilidade, dedicamo-nos a compreender como se dá o processo de construção do fenômeno social em questão. A partir da pesquisa empírica, fomos dispensando ou reafirmando o uso de determinados referenciais teóricos que não só apontassem para a questão específica da relação entre freqüentadores e o “pessoal da limpeza” do Midway Mall, mas que servisse a outras reflexões. Nesse sentido, na segunda sessão, apresentamos um tripé teórico para sustentar nossa argumentação. Primeiramente, falamos sobre a questão do advento moderno da individualidade, como forma de fazer o sujeito visto como autônomo, o que traz uma grande valorização para aquilo que esses têm de diferentes. Construímos nesse primeiro tópico, principalmente, um diálogo entre Simmel (1995) e Elias (1994; 2000; 2001), apresentando suas perspectivas sobre esse tema central. Foi

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discutido que, se a modernidade trouxe essa busca por diferenciação entre os indivíduos – inclusive o uso corrente do termo indivíduo (ELIAS, 1994) –, também apresentou a invisibilização social dos indivíduos, tanto pelas questões das relações sociais hierarquizadas – naturalizadas –, nas quais uns se auto-reconhecem como superiores a outros, através de verdades que lhes soam legítimas. Uma das formas de invisibilizar-se alguém é rebaixá-lo por causa da sócio-ocupação por ele exercida. No caso do “pessoal da limpeza”, apresentamos como ele, ao submeter-se a este tipo de serviço, está sendo invisibilizado dento do cenário do Midway. Isso foi sendo confirmado tanto através da observação participante (ALVES, 2003), realizada entre conhecidos que freqüentavam esse cenário, como na abordagem de cinqüenta e uma pessoas através de questionários fechados. Isso se fez necessário por entendermos a diversidade existente dentro dessa população. Podemos perceber que a invisibilização do grupo em questão se daria de forma diferente, dependendo da trajetória social de cada sujeito, representantes de algum grupo social. Percebemos como questões como profissão, bairro que se mora, idade, entre outros apresentados nessa pesquisa, influenciavam nessa questão. O fato do foco da pesquisa empírica se dá com um grupo de trabalhadores – o “pessoal da limpeza” – fez mister que apresentássemos a questão da divisão social do trabalho como outra característica presente para a construção da invisibilização social. O fato de Marx apresentar que na dinâmica do capital o trabalhador braçal era ignorado enquanto ser humano, sendo visto apenas como força-de-trabalho nos deu outra perspectiva para discutirmos sobre a ação invisibilizadora. Mostramos através, principalmente, das entrevistas realizadas que, apesar de existir, por parte do representantes da empresa que contrata as pessoas que compõe o “pessoal da limpeza” , um discurso que fala de uma preocupação com o bem-estar destas, este não passa, na maioria das vezes, com uma preocupação com a manutenção e aumento da produtividade. Em muitos momentos pudemos ouvir o uso de termos como “problemas técnicos” ao referir-se ao desempenho de alguns de seus contratados. Em certos momentos percebemos como a invisibilização social está naturalizada dentro do próprio grupo. Exemplo disso foi quando ouvimos de certo interlocutor, depois e ter trabalhado mais de dez horas, que tinha que ser assim mesmo, legitimando assim a relação utilitária a que era submetido. Expressões como “Isto é coisa de peão” foram também apresentadas com o mesmo objetivo. Tentamos que por causa da naturalização da idéia de que algumas sócio-ocupações são superiores a

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outras legitima a ação invisibilizadora dos grupos que as exercem. Com os questionários fechados aplicados a uma amostra da população formada pelo “pessoal da limpeza” buscamos mostrar que existe um perfil comum entre essas pessoas. Isto se evidenciou ao percebermos que para eles a invisibilização social formava uma trajetória, que começava, por exemplo, nos bairros onde estes residiam, nas sócioocupações desenvolvidas anteriormente, no tipo de moradia, entre outras informações já apresentadas. O consumo, como buscamos mostrar, é um ingrediente importantíssimo para a composição do fenômeno da invisibilização social, pois é através dele que alguns atores são incluídos em determinadas redes de relações, enquanto a outros esta são proibidos de fazer parte delas, estando assim fora do seu alcance o acesso a determinadas informações, sendo, dessa forma, invisibilizados por aqueles com quem não compartilha da posse de determinados bens, que são símbolos permeiam os mais diferentes círculos sociais. Fazer parte do “pessoal da limpeza” exclui aqueles que o compõe do circulo de relações de pessoas que além de considerarem essa sócio-ocupação como inferior, transferindo esse estigma para as pessoas – outsiders [ELIAS: 2000], como se o papel exercido naquele cenário fosse o próprio ator social. Dessa forma tem-se a idéia naturalizada de que essas pessoas devem ser invisibilizadas, pois não comungam dos mesmos símbolos – bens de consumo – que os grupos estabelecidos. Porém também que se é através do consumo que se estabelecem relações entre os sujeitos, o pessoal da limpeza, seja entre si, ou nos demais cenários que costumam atuar, também irão incluir-se em certos círculos de informações, nos quais estarão visibilizados, mas também invisibilizarão outros que não compartilham dos mesmos símbolos, estando por isso invisibilizados. Por exemplo, estar empregado é status superior, quando essas pessoas se comparam aos milhares de desempregados existentes no Brasil, ou mesmo o fato de exercer-se na mesma empresa um cargo superior já pode legitimar para um ator a invisibilização sobre outro, reproduzindo estigmas que antes lhe eram infligidos. Isto foi percebido principalmente durante as entrevistas. Na quarta subseção, dedicamo-nos a fazer uma análise do uso dos uniformes do “pessoal da limpeza”, mostrando que esse só legitima a ação invisibilizadora, e como, por isso, o uso dele é tão incomodo, levando esses sujeitos a, assim que podem, se desvencilharem dessas roupas, que além de não darem a oportunidade pa-

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ra expressarem suas idiossincrasias, também está carregado de um estigma não desejado, o de outro-abaixo. Através da observação descritiva fomos percebendo como existe pressa em se livrar dessas roupas, assim como nem todos os funcionários são obrigados a usá-las, como no caso dos supervisores e gerente. Também, tanto nas entrevistas como nos dados levantados com os questionários, fomos percebendo que a maioria dessas pessoas não está satisfeita em exercer essa sócioocupação. Isto se dá tanto por considerarem o trabalho bastante “pesado”, como por reproduzirem a idéia de que se trata de um serviço inferior. Apesar disso, se mostram gratas, pois, em outro caso, poderiam estar desempregadas. Partindo do exemplo desse grupo, fizemos apontamentos, mostrando que não apenas com uso das roupas uniformizadas se invisibiliza, ou não, um ator (ou grupo), mas as roupas, assim como outras características externas do indivíduo. Na terceira seção, dedicamo-nos a explicar inicialmente que métodos e técnica precisamos lançar mão na pesquisa empírica. Na segunda nos dedicamos arduamente a uma observação descritiva, estando atento aos detalhes do espaço – o Midway Mall – buscando base em urbanistas. Num segundo momento, apresentamos através da análise dos espaços públicos e restritos do Midway que existe uma intenção por trás de cada detalhe. Em relação aos freqüentadores quer-se mantê-los ali o máximo de tempo possível. É dado ao freqüentador um espaço que lhe pareça seguro e lúdico, mas recebe-se dele o lucro, já que se trata de um espaço onde a sociabilidade gera lucratividade. Evidenciamos isso através da análise desse espaço, onde percebemos uma organização cenográfica voltada para fazer com que os sujeitos gastem seu tempo sem se darem conta disso, seja através da ausência e marcadores de tempo, das musicas ambiente (eletrônicas ou ao vivo), com as diversas opções de lazer e descanso, como no caso dos sofás. Mostramos também como existe uma segregação. O Mall não dever ser utilizado pelo pessoa da limpeza a não ser para o exercício de sua sócio-ocupação, por isso existe os espaços restritos, como os do refeitório. Esta pesquisa por se dá num espaço familiar exigiu bastante de nós o exercício do estranhamento. Baseados nas leituras de Velho (2003) sobre a pesquisa nos centros urbanos, fomos desenvolvendo a observação partipante mesmo quando estávamos com pessoas conhecidas. Em parte, foi a partir desse momento que fomos tendo a base do que seriam as perguntas dos questionários. Através destes mostramos um perfil do “pessoal da limpeza”, mostrando que existe uma trajetória co-

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mum entre aqueles que sofrem o mesmo tipo de ação invisibilizadora. Também, nessa fase da pesquisa, apresentamos que de fato existe uma grande diversidade no público que freqüenta o Midway. Isto foi se evidenciando através das observações feitas ao longo dos dois anos de andamento dessa pesquisa, que coincidiu com os dois anos de inauguração desse estabelecimento. Isto nos permitiu também apontar para a questão que as pessoas quando tiveram diferentes experiências em suas trajetórias sociais terão perspectivas diferentes sobre as outras. Ao longo de toda a teorização do tema fomos mostrando que a invisibilização está diretamente ligada à hierarquização de valores que vãos sendo naturalizados, legitimando, dessa forma, os estigmas e a indiferença de que fomos tratando. Isso não implica dizer que os atores em diferentes papéis sociais não possam visibilizarse, mesmo estando em posições diferenciadas através da hierarquia social. Porém, isto só ocorrerá quando o sujeito ter tido sua visão de mundo desconstruída, passando a enxergar planos comuns com outros sujeitos onde antes não via, nos quais possa existir relações dialógicas. Pudemos experienciar isto, também, durante toda a fase de observação participante, pois além de termos passado a visiblizar o “pessoal da limpeza”, as pessoas que o compunham precisavam nos visibilizar. É evidente que nunca fomos vistos como um colega de trabalho, porém deixamos de ser vistos como um estranho, alguém com quem essas pessoas não podiam ficar a vontade. Com o passar do tempo elas passaram a conversar, contar seus problemas, acompanhar os passos dessa pesquisa – com grande interesse - , contar, inclusive, sua piadas, sem se preocupar com a nossa presença. Nesses momentos percebíamos que haviam trocas. Não deixemos de exercer nossos papéis, mas encontramos formas de mesmo assim visibilizar-mo-nos enquanto outro-ao-lado. Mesmo durante as vezes que passávamos pela praça de alimentação com pressa podíamos ver essas pessoas, cumprimentá-las, sem que isso significasse ter com elas uma relação utilitarista, passamos a estabelecer não mais uma relação do tipo eu-isso, mas sim do tipo eu-tu. Isto como dissemos, não deixou de gerar um incomodo aos nossos conhecidos que freqüentavam aquele ambiente: alguns estranhavam quando lhe apresentávamos “as pessoas com o uniforme azul, isto porque não enxergavam a possibilidade de um plano comum com elas. A invisibilização é um produto das relações de poder, como fomos apresentando, e sendo os seres humanos produtos disto, não poderão fugir. Certamente invisibilizarão diferentes sujeito, tendo em vista que o fazem, muitas vezes, sem se

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dar conta disso. Não se pode desnaturalizar todas as ações humanas. A ação invisibilizadora não será também homogênea, ela se apresentará de formas diferentes nos mais diversos campos. É nisto que se dá o jogo que viemos falando. É nele que se constrói o fenômeno da invisibilização social. Isto só não ocorrerá onde também não ocorrer a hierarquização de uns sujeitos. Muito ainda se tem a dissertar sobre o tema. Esperamos poder nos aprofundar mais nas próximas etapas da vida acadêmica, assim como desejamos poder contagiar outras pessoas com a vontade de estudar o fenômeno da invisibilização social, construindo as mais diversas abordagens. Não temos a pretensão de apresentar verdades, mas analisar criticamente a cultura urbana na qual estamos inseridos, dando continuidade ao ideal de desconstrução do mundo das ciências sociais. Não nos importa não sermos questionados, uma pesquisa acadêmica deve gerar incômodos nas pessoas, inclusive a ponto dela construírem reflexões que venham de encontro às nossas, num diálogo não de negação, mas de complementação, um diálogo cada vez mais critico sobre a realidade.

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ANEXOS

93 ANEXO I DADOS QUANTITATIVOS SOBRE O PESSOAL DA LIMPEZA

Bairro

Religião Católico Evangélico Total

Resposta % 49 81,35593 11 18,64407 60 100

Cargo ASG Atendente Encarregado Oficial de limpeza Supervisor Total

Resposta % 38 64,40678 11 18,64407 4 6,77966 5 8,47458 2 1,69492 60 100

Idade 20-30 30-40 18-20 50-60 40-50 Total

Resposta % 38 64,40678 14 22,0339 4 6,77966 1 1,69492 3 5,08475 60 100

Sexo Feminino Masculino Total

Resposta 33 26 59

% 55,9322 44,0678 100

N° de filhos 0 1 2 3 ou mais Total

Resposta 24 17 11 8 60

% 38,98305 28,81356 18,64407 13,55932 100

Fundamental comple-

Grau de instrução Médio comple- Médio incomple-

Fundamental incomple-

94

Conj. José Sarnei Gramore Felipe Camarão Golamdim Alecrim N.S. da Apresentação Mãe Luiza Santos Reis Rocas Redinha Nova Natal S.G. do Amarante Planalto Quintas Bairro Nordeste Igapó Bom Pastor Panatis Dix-Sept-Rosado Vale Dourado Pq. Das Dunas Não respondeu Cidade Nova Lagoa Seca Potengi Pajuçara Parnamirim Total

Bairro Conj. José Sarnei Gramore Felipe Camarão Golamdim Alecrim N.S. da Apresentação Mãe Luiza Santos Reis Rocas Redinha Nova Natal S.G. do Amarante Planalto Quintas Bairro Nordeste

to

to

to

to

1 0 0 1 2

0 1 0 2 2

0 0 1 0 0

0 0 0 1 0

0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 1 0 10

0 1 0 1 1 1 0 1 2 2 1 2 0 1 1 1 2 1 0 0 1 1 25

3 1 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 2 0 0 1 0 3 0 0 0 14

0 0 1 1 0 0 1 0 3 1 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 11

ASG Atendente 1 0 1 0 1 0 2 1 1 1 3 1 1 2 3 1 2 1 3 2

0 0 0 0 0 0 0 0 2 1

Cargo Encarregado Oficial de limpeza 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 1 0 0 0 1

Supervisor 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Total 1 1 1 4 4 3 2 1 2 3 2 2 1 5 4

95 Igapó Bom Pastor Panatis Dix-Sept-Rosado Vale Dourado Pq. Das Dunas Não respondeu Cidade Nova Lagoa Seca Potengi Pajuçara Parnamirim Total Situação de moradia Outros Própria Alugada Total

1 1 0 2 1 0 3 1 0 1 2 1 38

0 1 1 2 0 1 1 0 0 0 0 0 11

Cônjuge e filhos 1 13 12 26

Bairros/Zona Oeste Resposta % Felipe Camarão 1 1,694915 Quintas 5 8,474576 Bairro Nordeste 4 6,779661 Bom Pastor 2 3,389831 Dix-Sept-Rosado 4 6,779661 Cidade Nova 1 1,694915 Total 17 28,81356 Bairros/Zona Norte Resposta % Conj. José Sarnei 1 1,694915 Gramore 1 1,694915 Golamdim 4 6,779661 N.S. da Apresentação 3 5,084746 Redinha 3 5,084746 Nova Natal 2 3,389831 S.G. do Amarante 2 3,389831 Igapó 1 1,694915 Panatis 1 1,694915 Vale Dourado 1 1,694915 Pq. Das Dunas 1 1,694915 Potengi 1 1,694915 Pajuçara 2 3,389831 Total 23 38,98305

0 0 0 0 0 0 1 0 2 0 0 0 4

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 5

Com quem mora Outros Cônjuge 2 0 1 2 0 5 2 7

0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 2

Pais 0 16 2 18

Sozinho 0 0 5 5

1 2 1 4 1 1 5 1 3 1 2 1 60

Filhos 0 1 0 1

Bairro/Zona Leste Resposta % Alecrim 4 6,779661 Mãe Luiza 2 3,389831 Santos Reis 1 1,694915 Rocas 2 3,389831 Lagoa Seca 3 5,084746 Total

12

20,33898

Total 2 33 24 59

96

ANEXO II DADOS QUANTITATIVOS SOBRE OS FREQUENTADORES

Tabela 01: Localidade Bairros Frequência Lagoa Nova 12 Emaús 1 Tirol 6 Pirangi II 1 Parnamirim 2 Capim Macio 2 Alecrim 2 Nova Parnirim 5 Bairro Nordeste 1 Bom Pastor 2 Barro Vermelho 1 Nova Descoberta 2 Pq.Industrial 1 Lagoa Seca 2 Pirangi 1 Nova Natal 1 Pajuçara 1 Nossa Senhora da Apresentação 1 Cidade Satélite 2 Dix-sept-rosado 1 Pitimbu 1 Potilândia 1 Vale do Sol 1 Pq. De exposição 1 Total 51

% 23,52941 1,96078 11,76471 1,96078 3,92157 3,92157 3,92157 9,80392 1,96078 3,92157 1,96078 3,92157 1,96078 3,92157 1,96078 1,96078 1,96078 1,96078 3,92157 1,96078 1,96078 1,96078 1,96078 1,96078 100

Tabela 02: Profissão dos entrevistados Situação Freqüência Estudante 29 Professor 1 Pastor 1 Advogada 1 Auxiliar administrativo 1 Vendedor 2 Engenheiro Agrônomo 1 Garçon 1 Lojista 1

% 56,86275 1,96078 1,96078 1,96078 1,96078 3,92157 1,96078 1,96078 1,96078

97 Digitador Recuperadora de crédito Op.telemarketing Outros Func.publico Secretária Tabelião Área de saúde Gráfico Total

1 2 1 3 2 1 1 1 1 51

1,96078 3,92157 1,96078 5,88235 3,92157 1,96078 1,96078 1,96078 1,96078 100

Tabela 04: Idade Situação 12 a 15 anos 15 a 20 anos 16 a 20 anos 20 a 30 anos 30 a 40 anos 40 a 50 anos 50 a 60 anos Agnóstico Total

Freqüência 8 1 17 18 4 1 1 1 51

% 15,68627 1,96078 33,33333 35,29412 7,84314 1,96078 1,96078 1,96078 100

Situação Solteiro Casado Divorciada Outros Total

Tabela 05: Estado Civil Freqüência 42 6 1 2 51

% 82,35294 11,76471 1,96078 3,92157 100

Situação Todos os dias 5-3 /semana 2-1/semana 2-3/mês 5-3/semana Outros

Tabela 06: Frequencia Freqüência 6 1 24 1 12 4

% 11,76471 1,96078 47,05882 1,96078 23,52941 7,84314

98 1/mês Total

3 51

5,88235 100

Tabela 07: Com que freqüência você vem ao Midway Mall? Freqüência % Próximo da escola/faculdade 11 21,56863 outros 10 19,60784 Próximo do trabalho 7 13,72549 Próximo de casa 17 33,33333 lazer 6 11,76471 Total 51 100

Tabela 08: Qual o motivo faz freqüentar o Midway Mall? Situação Frequência % próximo da escola/faculdade 13 25,4902 outros 7 13,72549 proximo do trabalho 8 15,68627 proximo de casa 14 27,45098 proxímo da igreja 3 5,88235 lazer 6 11,76471 Total 51 100

Tabela 09: Quais lojas costuma freqüentar? Situação Frequência Gênero alimenticio 13 tecnologia 4 outros 1 roupas 9 livraria 12 brinquedos 2 esporte 7 estética 1 pessoal da limpeza 1 pagamentos 1 Total 51

% 25,4902 7,84314 1,96078 17,64706 23,52941 3,92157 13,72549 1,96078 1,96078 1,96078 100

Tabela 10: Com que pessoas costuma falar quando vem ao shoping? Situação Freqüência %

99 Amigos Familiares e atendentes de loja Pessoal da limpeza Familiares Amigos e familiares Amigos e atendentes de loja Total

17 4 3 1 19 7 51

33,3333 7,8431 5,8824 1,9608 37,2549 13,7255 100,0000

100 ANEXO III QUESTIONÁRIOS UTILIZADOS NA PESQUISA

Questionário de pesquisa (Colaboradores da SOSERVI no Midway Mall) • •

Questionário N° Data e horário: 1. Localidade (Em qual bairro mora?): 2. Religião: Católico  Evangélico  Espírita  Outros________ 3. Cargo: Supervisor  Encarregado  Oficial de limpeza (patins) Atendente  ASG 4. Idade:  20-30  30-40  40-50  50-60  60 ou mais 5. Sexo:  Masculino  Feminino 6. Grau de instrução:  Fundamental completo  Fundamental incompleto  Médio completo  Médio incompleto  Superior completo  Superior incompleto 7. Há quanto tempo foi contratado pela empresa? 8. Que trabalho exercia antes de ser contratado? 9. Situação de moradia:  PrópriA  AlugadA  Outros___________ 10. Com quem mora:

101  Com os pais  Esposo(a) e filhos  Esposo(a) Filhos  sozinho (a) 11. Grau de importância desse emprego:  Complementar a renda familiar  Indispensável  Pagar os estudos Outros__________ 12. Se pudesse trabalharia em outra coisa?  Sim  Não 13. A Atitude dos freqüentadores do shoping, em relação a você, costuma ser: Parecem indiferentes  Costumam solicitar seus serviços (limpeza da mesas, etc.)  Se dirigem para fazer reclamações  Costumam cumprimentá-lo (a) 14. Fora do eu expediente você costuma freqüentar esse shopping?  Sim  Não

102 Questionário de pesquisa

(Freqüentadores do Midway) • •

Questionário N° Data e horário: 1. Localidade (bairro): 2. Profissão: Estudante Área de saúde Executivo Lojista Vendedor Ambulante Outros 3. Religião: Católico Evangélico Espírita Outros______ 4. Idade: 12-15 15-20 20-30 30-40 40-50 50-60 60 ou mais 5. Estado civil: Solteiro Casado Outros ______________ 6. Sexo:  Masculino

 Feminino

7. Com que freqüência você vem ao Midway Mall? Todos os dias 5- 3 vezes por semana 2-1 vez por semana 1 vez por mês  Outros__________________ 8. Qual o motivo faz freqüentar o Midway Mall? Próximo do trabalho Próximo de casa Próximo da escola/faculdade Outros (Que tipo) _____________ 9. Quais lojas costuma freqüentar?  Gênero alimentício Tecnologia Brinquedos Livraria Estética Roupas  Artigos desportivos  Outros _________________ 10. Com que pessoas costuma falar quando vem ao shoping?  Amigos  Familiares  Atendentes de lojas  Pessoal da limpeza

103 11. Que tipo de relação você estabelece com as pessoas que trabalham na limpeza?  Não se dá conta deles  Costuma solicitar seus serviços (limpeza da mesas, etc.)  Se dirige a elas para fazer reclamações  Costuma cumprimentá-las

104 ANEXO IV DADOS QUANTITATIVOS57 SOBRE NATAL Tabela III.4.26 - Área de Ponderação Amostral (AEDs) da Região Metropolitana de Natal segundo Classe de renda mensal da População com 16 anos ou mais - 2000

Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal

Salinas-IGAPÓ Nossa Senhora da Apresentação Lagoa Azul Pajuçara-Redinha Lagoa Nova-Nova Descoberta Parque da Dunas-Capim Macio Ponta Negra Neopólis Pitimbú Candelária Cidade Alta-Ribeira-Rocas Santos Reis-Praia do Meio-Areia Preta- Mãe Luiza Petropolis-Tirol Barro Vermelho-Lagoa Seca-Alecrim Cidade da Esperança Cidade Nova-Guarapes-Planalto Felipe Camarão Bom Pastor Nordeste-Quintas Dix-Sept-Rosado-Nazaré

72,51 81,31 80,92 83,25 79,71 55,07 41,09 57,33 55,45 53,76 49,29 68,30 79,98 41,93 61,68 69,98 84,35 85,08 82,88 78,36

18,09 14,42 14,07 13,80 14,93 14,07 13,59 14,57 18,27 18,00 14,66 15,99 12,51 13,24 17,95 18,03 13,15 12,03 12,98 14,97

7,33 3,58 3,81 2,44 4,03 12,64 17,31 13,79 16,47 17,58 16,13 9,33 3,78 13,04 10,31 8,69 1,75 2,17 3,39 4,40

Tabela III.4.27 - Área de Ponderação Amostral (AEDs) da Região Metropolitana de Natal segundo Classes de rendimento mensal do trabalho principal em salário mínimo - 2000

Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal 57

Potengi Salinas-IGAPÓ Nossa Senhora da Apresentação Lagoa Azul Pajuçara-Redinha Lagoa Nova-Nova Descoberta Parque da Dunas-Capim Macio Ponta Negra Neopólis Pitimbú Candelária Cidade Alta-Ribeira-Rocas

Dados encontrados no site da SEMURB

20.422 9.901 18.756 16.168 17.303 21.027 9.431 9.821 9.520 9.757 8.035 6.914

4.898 10.127 3.745 4.732 6.325 9.439 5.149 8.783 5.086 9.030 3.739 6.995 978 1.976 1.965 3.300 1.670 3.416 1.664 3.106 1.134 2.192 2.010 3.063

e do IBGE, cedidos pelo Observatório das Metrópoles.

1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60 1,60

105

Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal Natal

Santos Reis-Praia do Meio-Areia Preta- Mãe Luiza Petropolis-Tirol Barro Vermelho-Lagoa Seca-Alecrim Cidade da Esperança Cidade Nova-Guarapes-Planalto Felipe Camarão Bom Pastor Nordeste-Quintas Dix-Sept-Rosado-Nazaré

10.285 9.269 17.920 7.573 12.264 14.398 6.146 13.789 12.472

3.586 1.332 3.880 1.758 4.758 5.360 2.204 4.172 3.692

4.926 1.977 7.114 3.967 6.064 7.256 3.020 7.023 5.887

Tabela III.4.27 - Área de Ponderação Amostral (AEDs) da Região Metropolitana de Natal segundo Classes de rendimento mensal do trabalho principal em salário mínimo - 2000

Natal

Potengi

20.422

4.898

10.127

Natal

Salinas-IGAPÓ

Natal

2.870 2.528

9.901

3.745

4.732

Nossa Senhora da Apresentação

18.756

6.325

9.439

1.701 1.291

Natal

Lagoa Azul

16.168

5.149

8.783

1.550

Natal

Pajuçara-Redinha

17.303

5.086

9.030

1.884 1.303

Natal

Lagoa Nova-Nova Descoberta

21.027

3.739

6.995

2.554 7.739

Natal

Parque da Dunas-Capim Macio

9.431

978

1.976

1.306 5.171

Natal Natal Natal

Ponta Negra Neopólis Pitimbú

9.821 9.520 9.757

1.965 1.670 1.664

3.300 3.416 3.106

1.279 3.277 1.437 2.996 1.647 3.339

Natal

Candelária

8.035

1.134

2.192

1.049 3.660

Natal

Cidade Alta-Ribeira-Rocas

6.914

2.010

3.063

733 1.108

957

467

686

106

Natal

Santos Reis-Praia do MeioAreia Preta- Mãe Luiza

Natal

Petropolis-Tirol

Natal

Barro Vermelho-Lagoa SecaAlecrim

Natal

Cidade da Esperança

Natal

10.285

3.586

4.926

791

984

9.269

1.332

1.977

1.061 4.900

17.920

3.880

7.114

2.560 4.367

7.573

1.758

3.967

912

937

Cidade Nova-GuarapesPlanalto

12.264

4.758

6.064

1.095

347

Natal

Felipe Camarão

14.398

5.360

7.256

1.175

607

Natal

Bom Pastor

6.146

2.204

3.020

598

324

Natal

Nordeste-Quintas

13.789

4.172

7.023

1.494 1.099

Natal

Dix-Sept-Rosado-Nazaré

12.472

3.692

5.887

1.245 1.648

107 ANEXO V DOCUMENTOS COLHIDOS DURANTE PESQUISA

108 ANEXO VI FOTOGRAFIAS

..

109 ANEXO VII MAPA: DIVISÃO ADMINISTRATIVA DE NATAL (RN)

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