Irã: um país e muitos conflitos

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Irã: um país e muitos conflitos George Wilson dos Santos Sturaro1 Kleber Antonio Galerani2

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar um panorama da conformação dos conflitos internos do Irã atual. Para tanto, de início, delineamos o quadro geográfico, econômico, social e político do país. Num segundo momento, fazemos o retrospecto histórico, a começar com a ascensão da dinastia Pahlavi (1925), passando pela Revolução Islâmica (1979), até chegar aos dias atuais. Em seguida, abordamos os principais conflitos étnicos, que opõem curdos, azeris, balúchis, árabes, turcomenos e tadjiques. Num balanço, concluímos que a fonte comum dos conflitos iranianos é a estrutura política do Estado teocrático, que nega a parcelas expressivas da população não apenas a participação na política, mas também a manifestação de sua cultura. Concluímos, ademais, que os crescentes protestos da população iraniana podem ser interpretados como sinais de desgaste do regime dos aiatolás.

Introdução

O Irã é um país de contrastes e de muitos conflitos. Localizado em região estratégica, o Golfo Pérsico, o país é peça central no tabuleiro geopolítico do Oriente Médio e tem grande relevância para a política internacional. As relações internas e externas iranianas são permeadas pelo conflito: no âmbito externo, com os EUA e a comunidade internacional; no âmbito interno, pelos conflitos étnicos entre o governo central e as muitas minorias que habitam o país. O objetivo deste artigo é apresentar um panorama da conformação dos conflitos internos do Irã atual. Para tanto, de início, delineamos o quadro geográfico, econômico, social e político do país. Num segundo momento, fazemos o retrospecto histórico, a começar com a ascensão da dinastia Pahlavi (1925), passando pela Revolução Islâmica (1979), até chegar aos dias atuais. Em seguida, abordamos os principais conflitos étnicos, que opõem curdos, azeris, 1

Mestrando em Relações Internacionais pela UFRGS, graduado e especialista na mesma área, respectivamente, pela UNICURITIBA e pela UFPR. E-mail: [email protected]. 2 Mestrando em Relações Internacionais pela UFRGS e graduado na mesma área pela UNESP. E-mail: [email protected]

balúchis, árabes, turcomenos e tadjiques. Por fim, a título ensaístico e com vistas a lançar luzes sobre a eventual resolução dos conflitos iranianos, esboçamos as considerações finais. 1. O Irã3

1.1 Geografia

O Irã (antiga Pérsia até 1935) possui extensão territorial de 1.648.195 km² e é constituído por trinta províncias (mapa 1). Compartilha 5.440 km de fronteiras com sete países: Afeganistão, Armênia, Azerbaijão, Iraque, Paquistão, Turcomenistão e Turquia. A população do país é de 66.429.284 milhões de pessoas. As principais cidades em contingente populacional são, por ordem de importância, Teerã (6,7 milhões), Mashhad (1,9 milhões), Esfahan (1,2 milhão), Tabriz (1,2 milhão) e Shiraz (1 milhão). Mapa 1 – Divisão Política do Irã

Fonte: Perry Castañeda. Disponível em: .

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Os dados citados a seguir foram extraídos do The World Factbook. Central Intelligence Agency. United States, 2008.

1.2 Economia

O Produto Interno Bruto (PIB) iraniano é de US$ 843,7 bilhões (18º do mundo e 7º da Ásia) e cresceu 6,5% em 2008. A agricultura corresponde a 10,2% do PIB; a indústria, 41,9%; e o setor de serviços, 47,8%. As principais indústrias são a petrolífera e a petroquímica, a de fertilizantes, a de soda cáustica, a têxtil, a de materiais de construção, a alimentícia (especialmente açúcar e óleos vegetais), a de materiais ferrosos e não ferrosos e a de armamentos. Os principais produtos agrícolas são o trigo, o arroz, o açúcar, o algodão, as frutas, as nozes, o caviar, os laticínios e a lã. Pouco diversificada, a economia do Irã é na prática dependente da indústria do petróleo, que é controlada pelo Estado desde 1951. O país possui a segunda maior reserva petrolífera do mundo. É o quarto maior exportador e detém a segunda maior reserva desse produto dentre os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) (gráfico 1). O petróleo corresponde a 80% das exportações. Os 20% restantes são compostos por produtos químicos e petroquímicos, tapetes, frutas e nozes. Os principais destinos dos produtos exportados são China (15,3%), Japão (14,3%), Índia (10,4%), Coréia do Sul (6,4%), Turquia (6,4%) e Itália (4,5%). Gráfico 1 – Países com maiores reservas de petróleo.

Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em: .

O Irã importa matérias-primas industriais, bens intermediários, bens de capital, serviços técnicos, alimentos e outros bens de consumo não duráveis. Os principais fornecedores de produtos importados são os Emirados Árabes Unidos (19,3%), a China (13%), a Alemanha (9,6%), a Coréia do Sul (7%), a Itália (5,1%), a França (4,3%) e a Rússia (4,2%).

1.3 Composição linguística, étnica e religiosa

O Irã é um país multilíngue. A língua oficial é o persa, a qual, em conjunto com os dialetos pérsicos, é falada por 58% da população. Em segundo lugar, vêm a língua turca e os dialetos túrquicos, utilizados por 27% da população. A seguir, vêm a língua curda, utilizada por 9% da população. As demais línguas são a lúri (2%), a balúchi (1%), a árabe (1%) e outros dialetos (2%). Assim como a composição linguística, a composição étnica do Irã é diversificada. Da totalidade populacional, os persas constituem 51%; os azeris, 24%; os gilakis e mazandaranis, 8%; os curdos, 7%; os árabes, 3%; os luris, 2%; os balúchis, 2%; os turcomenos, 2%; e outros, 1% (mapa 2). A religião predominante no Irã é o islamismo, professado por 98% da população. Os muçulmanos xiitas representam 89% e os sunitas, 9%; os baha’i, 2%; e os cristãos (predominantemente católicos armênios), os judeus, e os zoroastros, 1% do total (mapa 2).

Mapa 2 - Distribuição étnico-religiosa

Fonte: Perry Castañeda. Disponível em: .

1.4 Estrutura política

A República Islâmica do Irã, constituída após a Revolução Islâmica de 1979, é uma república teocrática, na qual não há separação entre poder secular e espiritual. O sistema de governo é tripartite, composto pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sob a vigilância e controle do líder supremo (figura 1). Figura 1 – A divisão de poder no Irã

Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em: .

O líder supremo é a peça central do sistema de governo iraniano. Ele possui mandato ilimitado, supervisiona os três poderes e comanda as Forças Armadas. Além disso, o líder supremo indica o ocupante de uma série de cargos – o chefe do Judiciário, o chefe da polícia, os administradores das redes de televisão, os membros do Conselho dos Guardiões, do Conselho dos Especialistas e do Conselho de Discernimento – e “tem o poder de resolver qualquer problema que não possa ser resolvido por meios convencionais”. O presidente é o chefe de governo nas atribuições que não competem ao líder supremo. Ele é responsável pela política macroeconômica, pelo orçamento, pela indicação dos

ministros e dos embaixadores e pela assinatura de tratados internacionais. Possui mandato de quatro anos e pode ser reeleito uma única vez. O Conselho dos Guardiões (Shora-ye Negaban-e Qanun-e Assassi) é um órgão do Poder Legislativo. O órgão, cujos membros são chamados de guardiões da revolução, exerce grande influência e é extremamente conservador. É formado por seis especialistas em lei religiosa indicados pelo líder supremo e por seis especialistas em lei ordinária indicados pelo chefe do Judiciário. Além de julgar as candidaturas dos parlamentares e do presidente, compete-lhe revisar as leis, para que sejam adequadas à Constituição e à lei islâmica. O Parlamento, chamado de Assembleia Consultiva Islâmica (Majlis), é unicameral. Os 290 deputados que o compõem são eleitos para mandatos de quatro anos. Suas atribuições são a proposição das leis ordinárias, a ratificação dos tratados internacionais, a aprovação do orçamento e a avaliação das indicações para o Conselho de Ministros, o Conselho dos Guardiões e a chefatura do Judiciário. O chefe do Judiciário, indicado pelo líder supremo, possui mandato de cinco anos. Além da garantia do cumprimento das leis, suas principais atribuições são a indicação dos especialistas em lei ordinária, do chefe da Suprema corte e do Procurador-Geral. A Assembléia dos Especialistas (Majles-Khebregan) é responsável pela indicação do líder supremo. Em tese, ela detém o poder de destituí-lo. Seus 86 membros, em sua maioria religiosos, são eleitos por sufrágio popular para mandatos de oito anos. O Conselho de Discernimento (Majma-e-Tashkise-Maslahat-e-Nezam) é o órgão de assessoria do líder supremo. É composto por 34 membros indicados por este. Foi criado em 1988 para decidir sobre os conflitos entre o parlamento e o Conselho dos Guardiões. Em 2005, por determinação do líder supremo, passou a supervisionar os três poderes.

2. História política contemporânea

2.1 A dinastia Pahlavi

2.1.1 O fim da dinastia Qajar e a ascensão da dinastia Pahlavi A dinastia Pahlavi sucedeu no poder a dinastia Qajar, que governou a Pérsia de 1794 a 1925. O último sultão, Ahmad Qajar, foi deposto em 1921 por Reza Mirpanj, em razão de descontentamentos internos e externos com o seu governo.

Ahmad herdou de seu pai, Mohammad Ali, um sultanato em situação instável. Mohammad, em ato autoritário, restringiu as liberdades constitucionais conquistadas com a Revolução Constitucionalista (1905-1911). Por conta disso, perdeu a base de apoio interno e teve de abdicar. Ahmad assumiu, mesmo tendo que enfrentar fortes resistências internas pela sua juventude, sua fraqueza de comando e a corrupção do parlamento (BRITANNICA, 2006, p. 164). No plano externo, essas notícias não foram bem-recebidas pela Coroa Britânica e pela companhia petrolífera Anglo-Persian Oil Company. A Pérsia, que havia declarado neutralidade na I Guerra Mundial, foi palco de disputas entre britânicos e soviéticos (BBC, 2009). Ahmad, aliado do Império Britânico, cedeu o território da Pérsia para que os britânicos lançassem operações para reverter a Revolução Socialista de 1917. Em resposta ao apoio dado aos britânicos, os soviéticos anexaram partes do nordeste da Pérsia e sitiaram Teerã. O êxito da ofensiva soviética provocou descontentamentos internos e enfraqueceu o governo de Ahmad. Os descontentamentos internos e externos ensejaram a aliança da Coroa Britânica e da companhia petrolífera Anglo-Persian Oil Company com Seyyed Zia'eddin Tabatabaee e o Coronel Reza Mirpanj da Persian Cossack Brigade. Estes dois compartilhavam um projeto de centralização do poder, que agradava aos britânicos e atendia aos seus interesses comerciais. Em 1921, Seyyed Zia'eddin Tabatabaee e o Coronel Reza Mirpanj desferiram um golpe de Estado contra o governo Qajar. Tendo sido bem-sucedidos, Tabatabaee tornou-se primeiro ministro e Reza Khan, chefe das forças armadas e ministro da guerra. Em 1923, Reza Khan tornou-se primeiro ministro e enviou Ahmad e sua família ao exílio. Em 1925, Ahmad foi formalmente deposto pelo parlamento, e Reza Khan recebeu o título e a função de Xá. Teve início a Dinastia Pahlavi (BRITANNICA, 2006, p.165-166).

2.1.2 O governo do Xá Reza Pahlavi (1925-1941)

O governo de Reza Pahlavi foi marcado por reformas sociais e econômicas modernizadoras (KEDDIE, 2006, p.134) Dentre as medidas de reforma implementadas, destacam-se: (a) o rompimento dos laços de poder tribal; (b) a retomada do controle das telecomunicações e das finanças nacionais, até então sob controle estrangeiro; c) a construção de estradas e linhas ferroviárias, a exemplo da Trans-Iranian Railway; d) a construção de escolas e da primeira universidade; (e) a construção de hospitais; (f) a reorganização das forças armadas; (g) a reorganização da administração estatal; (h) a proibição do uso do véu e a

emancipação da mulher; (h) a mudança do nome do país de Pérsia para Irã em 1935 (BRITANNICA, 2006, p.166-167). Embora modernizador, o governo do Xá foi extremamente autoritário e por isso sofreu desgastes internos. Seus opositores acusavam-no de perseguição e de ter empreendido reformas superficiais, ao preço da opressão, da corrupção e do aumento de impostos. As medidas de secularização criaram atritos com a liderança religiosa. A política externa de Reza Pahlavi consistia em tirar proveito dos antagonismos da União Soviética e da Grã-Bretanha. Essa estratégia de barganha esgotou-se com a eclosão da II Guerra Mundial. Em 1941, britânicos e soviéticos, receando que o Xá pudesse alinhar-se ao Eixo Nazifascista, ocuparam o país. Por conta disso e para preservar a dinastia, o Xá decidiu abdicar em favor de seu filho, Mohammad Reza Pahlavi. (OP. CIT., p. 128)

2.1.3 O governo de Mohammad Reza Pahlavi (1941-1979)

O governo de Mohammad Reza Pahlavi iniciou em 1941, em meio à II Guerra Mundial, e durou até a Revolução Islâmica de 1979. Só foi interrompido entre 1951 e 1953, período chamado de interregno Mossadeq. Foi marcado pelo alinhamento automático aos EUA e pela intensificação do programa de modernização lançado por seu pai. A modernização atingiu o ápice com a Revolução Branca de 1963.

2.1.3.1 O interregno Mossadeq

Em 1950, o Xá indicou Ali Razmara para o cargo de primeiro ministro. Nove meses após assumir, Razmara foi assassinado e o parlamento indicou Mohammad Mossadeq para substituí-lo. Nacionalista e apoiado por grande parte da população e do parlamento, Mossadeq buscou ampliar a democracia e limitar os poderes despóticos do Xá. Mossadeq lançou um programa de modernização que se contrapunha a interesses internos e externos. No âmbito interno, a ampliação da democracia, a adoção de medidas de secularização do Estado e de políticas para tornar a burocracia estatal mais eficiente, a exemplo do aperfeiçoamento do sistema tributário, gerou insatisfação nas lideranças religiosas muçulmanas, na burguesia e em parte da população ligadas a estes setores. No plano externo, sobressaiu o caso da nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company em 1951, consórcio petrolífero que estava sob o controle britânico desde 1913. A nacionalização gerou a chamada Crise de Abadan entre o Irã e a Grã-Bretanha. (BRITANNICA, 2006, p. 132)

A Grã-Bretanha recorreu às Nações Unidas e organizou um boicote comercial ao petróleo do Irã. Pela falta de demanda, a produção iraniana caiu drasticamente. Em consequência, as receitas oriundas do petróleo caíram e acirrou-se a crise interna do governo Mossadeq. A crise atingiu o auge em agosto de 1953, com a deposição de Mossadeq por um golpe militar impetrado com a ajuda dos serviços secretos do Reino Unido e dos EUA, no que ficou conhecido como a Operação Ajax. (BBC, 2009) O Xá, que exilou-se por causa da tentativa de golpe para derrubar Mossadeq, foi persuadido pela sua base interna e pelos governos dos EUA e da Grã-Bretanha a retornar e reassumir seus poderes. Mossadeq foi preso e morreu em 1967. Até os dias atuais, Mossadeq é considerado um herói nacional, símbolo da luta do Irã contra a influência estrangeira (KEDDIE, 2006, p. 186).

2.1.3.2 A volta de Mohammad Reza Pahlavi e a Revolução Branca

O Xá reassumiu ao poder em 1953 e reverteu os processos de nacionalização iniciados por Mossadeq. Em 1963, com o apoio dos EUA, lançou a Revolução Branca, programa de desenvolvimento que visava modernizar rapidamente o país mediante reformas econômicas e sociais. Durante os quinze anos que durou a Revolução, inúmeros projetos foram executados. Dentro os principais, cita-se: a construção de barragens e sistemas de irrigação, além de uma rede de transportes aérea, rodoviária e ferroviária; a erradicação de doenças, a exemplo da malária; o incentivo ao desenvolvimento industrial; a reforma agrária; a criação de um corpo para a alfabetização e de outro para a saúde, a serviço da grande população rural que vivia isolada (BRITANNICA, 2006, p. 129). Ainda que no início a Revolução Branca tenha aumentado o apoio interno do Xá, ao fim ela resultou no fortalecimento da oposição. A ocidentalização forçada, a extravagância, a corrupção, a má distribuição das receitas do petróleo, o autoritarismo, a opressão da polícia secreta (SAVAK) e o alinhamento aos EUA, que acompanharam a modernização, contribuíram para o enfraquecimento e posterior queda do governo de Mohammad Reza Pahlavi. Em 1979, eclodiu a Revolução Islâmica e os xiitas, liderados pelo aiatolá Khomeini, assumiram o poder. (OP. CIT.)

2.2 A Revolução Islâmica (1979)

A Revolução Islâmica de 1979 resultou de um descontentamento generalizado com os fins e os meios da política modernizadora do Xá Mohammad Reza Pahlavi. As medidas seculares que implementou, tais como a ampliação do direito das mulheres, não foram bemrecebidas pela liderança religiosa xiita, que tinha à testa o Aiatolá Ruhollah Khomeini. O autoritarismo, o sectarismo e a violência com que o Xá levou a cabo a modernização despertaram o ressentimento dos estudantes. A corrupção e a má-distribuição dos dividendos do petróleo só fez aumentar o descontentamento da camada mais pobre da população e dos comerciantes do bazaar (mercado). A política externa do Xá, de alinhamento automático aos EUA, país que lhe dava proteção e não raro se intrometia nos assuntos internos do Irã, desagradava a todos, principalmente aos estudantes. Esses quatro segmentos sociais – clero xiita, estudantes, população pobre e comerciantes – formaram a coalizão de oposição que, sob a liderança de Khomeini, veio a derrubar o Xá. (IDEM, p. 130). A eleição de Jimmy Carter nos EUA colocou o tema dos direitos humanos na agenda internacional e contribuiu para o fortalecimento da oposição no Irã. Apesar do governo estadunidense não apoiar a oposição ao Xá iraniano, esta explorou o tema para mobilizar a população em prol de seus objetivos (KEDDIE, 2006, p. 284). Exortados pelo aiatolá Khomeini, que vivia no exílio desde 1964, primeiro na Turquia e depois na França, a oposição organizou, em 1978, uma série protestos, muitos dos quais resultaram em confrontos entre oposicionistas e governistas. À medida que as greves e os protestos tornavam-se cada vez mais frequentes, a oposição ganhava mais força. O Xá, percebendo que a situação havia-se tornado insustentável, tentou revertê-la nomeando ao cargo de primeiro ministro o líder oposicionista Shapour Bakhtiar. Entretanto, os oposicionistas, liderados por Khomeini, não se contentaram com o gesto do Xá e colocaram a Revolução em marcha. A partir de então, uma série de eventos sucederam-se até a consumação da Revolução Islâmica. Em janeiro de 1979, o Xá e sua esposa deixaram o Irã. Em fevereiro do mesmo ano, Khomeini voltou do exílio e foi recebido por cinco milhões de iranianos no aeroporto de Teerã. As forças governistas tentaram resistir; mas, em 11 de fevereiro, com a destituição do primeiro ministro Bakhtiar, a Revolução triunfou. Em abril, após um referendo, foi estabelecida a República Islâmica do Irã. Em setembro, foi aprovada a nova constituição, que instituiu o princípio de velayat-e faqih, isto é, de governo material sob controle indireto de um

jurista religioso, o líder supremo. No mesmo ano, Khomeini tornou-se o líder supremo que irá controlar o Irã de 1979 a 1989.

2.3 A invasão da embaixada dos EUA

A invasão da embaixada dos EUA em Teerã provocou uma longa crise diplomática entre este país e o Irã. Em novembro de 1979, um grupo de estudantes xiitas invadiu a embaixada dos EUA e fizeram 66 cidadãos norte-americanos de reféns. Os sequestradores exigiam que os EUA extraditassem o Xá, que estava em tratamento médico nos EUA, para ser julgado no Irã. Os EUA, diante do impasse, romperam relações diplomáticas com o Irã e decretaram sanções econômicas. O governo norte-americano tentou resgatar os reféns em abril de 1980 com a operação Eagle Claw, que fracassou, deixando o saldo negativo de oito soldados norte-americanos mortos. A situação só foi resolvida em 1981, com os Acordos de Algéria, que puseram fim à crise e acertaram a libertação dos reféns. (KEDDIE, 2006, p. 7276)

2.4 O período Khomeini (1979-1989)

O período Khomeini foi marcado pela consolidação da Revolução Islâmica e da República Islâmica. Os anos seguintes à Revolução assistiram à repressão de oposicionistas e mesmo de grupos que, embora apoiassem a Revolução, não reconheciam a constituição outorgada pela nova República. A repressão foi brutal e excedeu o autoritarismo do período do Xá. O objetivo era consolidar a Revolução e o poder do clero xiita (BRITANNICA, 2006, p. 96-97) Em 1980, com a invasão iraquiana do Khuzestão, teve início a guerra Irã-Iraque. A razão da guerra foi a disputa entre esses países pelo controle do rio Shat Al-Arab, uma importante fonte de petróleo. O Iraque de Saddam Hussein atacou de surpresa o Irã. Após ter conquistado a cidade de Khorramshahr, enfrentou forte resistência da Guarda Revolucionária iraniana. Na contraofensiva, os iranianos recuperam o território perdido e penetraram no território iraquiano. Saddam Hussein propôs um cessar fogo em 1982, mas Khomeini rejeitou. Os combates seguiram-se sem avanços significativos de qualquer um dos lados. Em 1985, veio a público o escândalo Irã-Contras, a respeito da venda de armas dos EUA ao Irã, com intermediação de Israel, para financiar os rebeldes anti-sandinistas na Nicarágua. Em 1988, com a economia fragilizada, o Irã aceitou a intermediação da ONU e assinou o cessar fogo

com o Iraque. O saldo do conflito foi algo em torno de 1 a 2 milhões de feridos e 500 mil mortos, incluindo na conta os 100.000 curdos assassinados pelas forças iraquianas. (OP. CIT., p. 77-80) Um ano após o fim da guerra Irã-Iraque, em 1989, Khomeini faleceu. Para o seu lugar, foi eleito o aiatolá Ali Khamenei, que ocupava a Presidência desde 1981. Khamenei é líder supremo até os dias de hoje.

2.4 A era Khamenei (1989-...)

O aiatolá Khamenei, além de líder religioso, foi um líder político central no governo Khomeini. Uma de suas primeiras medidas foi a extinção o cargo de primeiro ministro, na época ocupado por Hussein Mussavi. Seu primeiro presidente, com quem mantinha boas relações, foi Akbar Hashemi Rafsanjani (IDEM, p. 113-114). Em 1990, reatou relações diplomáticas com o Iraque. No ano seguinte, quando da invasão do Iraque ao Kuwait, declarou a neutralidade do país. Por causa disso, deterioraram-se ainda mais as relações entre o Irã e os EUA. Em 1995, os EUA impuseram um embargo econômico total ao Irã, alegando que o país financiava o terrorismo, buscava obter armas nucleares e colocava em risco as negociações de paz no Oriente Médio. No ano seguinte, o governo Clinton aprovou no Congresso sanções retaliatórias contra países que investissem grandes somas no setor de energia no Irã. Em 1997, o candidato reformista Mohammad Khatami, apoiado principalmente pelos jovens, pelas mulheres e pelos intelectuais, foi eleito presidente com 70% dos votos. Com a vitória na eleição, a esperança de abertura interna e a expectativa de melhoria das relações IrãOcidente cresceram. Todavia, a tentativa de Khatami de implantar políticas reformistas, tais como a ampliação da participação das minorias e dos setores reformistas na política, e a proposição de relações mais amistosas com os EUA, sofreu grande oposição dos conservadores iranianos. (KEDDIE, 2006, p. 355) Diante da forte oposição conservadora, as expectativas de reforma foram frustradas e a base de apoio de Khatami foi abalada. Em consequência disso, em 1999, estudantes da Universidade de Teerã organizaram um grande protesto em prol da democracia e contra o fechamento do jornal reformista Salam, e por seis dias confrontaram a Guarda Revolucionária. O confronto resultou na prisão de mais de mil estudantes (ESTADO, 2009).

Em 2000, nas eleições para o parlamento, os conservadores obtiveram a maioria das cadeiras. Khatami perdeu de vez a base política. Porém, a despeito disso, conseguiu reelegerse no ano seguinte. As relações entre Irã e EUA, que poderiam ter melhorado com a eleição de Khatami, deterioraram-se por causa da reação conservadora. No mesmo ano em que Khatami é reeleito, George W. Bush é eleito presidente dos EUA. No mês de setembro, quando os EUA foram alvo de um ataque terrorista organizado pelo grupo Al Qaeda, que resultou na morte de mais de três mil pessoas, a relação entre os dois países pioraram. Em 2002, Bush fez o discurso do “Eixo do Mal”, no qual incluiu a Coréia do Norte, o Irã e o Iraque, países foco de terrorismo e de ameaça aos EUA e à Comunidade Internacional. (OP. CIT.) As tensões aumentaram e, em 2002, os EUA denunciaram o programa nuclear secreto do Irã. Em 2003, começaram a fazer a vigilância do programa nuclear iraniano por meio de aviões não tripulados. Em 2004, conseguiram que o Irã fosse repreendido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) por não cooperar com as investigações. (BBC, 2009) No âmbito interno, em 2004, com a desclassificação em massa de candidatos reformistas da disputa eleitoral pelo Conselho dos Guardiões, os conservadores assumiram o controle majoritário do parlamento. Em 2005, Mahmoud Ahmadinejad, político ultraconservador que já havia sido prefeito de Teerã, foi eleito presidente. Em face da reação dos conservadores, os reformistas viram sua posição esmaecer. Sob o comando de Ahmadinejad, a crise provocada pelo programa nuclear iraniano acirrou-se. O Irã retomou o programa de enriquecimento de urânio abandonado em 2003 e, mesmo diante das advertências da AIEA, prosseguiu com as pesquisas. Em 2006, anunciou o sucesso no processo de enriquecimento de urânio. Logo em seguida, a ONU aprovou a imposição de sanções ao país. (BBC, 2009) Nos últimos três anos, uma série de eventos levaram à deterioração da relação entre o Irã e a comunidade internacional. Em 2007, o governo iraniano capturou 15 marines britânicos no Golfo Pérsico. No mesmo ano, em resposta à negativa do Irã de interromper o seu programa nuclear, os EUA anunciaram o mais duro pacote de sanções contra o país. Em 2008, Mahmoud Ahmadinejad visitou o Iraque e pediu a saída das tropas estrangeiras. Ainda em 2008, o Irã testou o míssil Shahab-3, que teria poder de alcance para atingir o Estado de Israel. (OP. CIT.) A eleição de 2008 para o parlamento, na qual muitos candidatos reformistas foram outra vez impedidos de concorrer, deu aos conservadores dois terços das cadeiras. Em 2009,

ano em que a Revolução Islâmica completou trinta anos, Ahmadinejad reelegeu-se presidente na disputa com Mussavi. Suspeitas de fraude eleitoral suscitaram protestos. Houve mortos e feridos. Para a Comunidade Internacional, os protestos sinalizam que setores da população iraniana, sobretudo as mulheres, os intelectuais e os jovens, almejam a democracia e que o poder clerical estaria perdendo sua unicidade e força. Em setembro de 2009, o descobrimento da segunda instalação nuclear para enriquecimento de urânio provocou forte reação da Comunidade Internacional. Em novembro do mesmo ano, o Conselho de Segurança aprovou outra resolução condenando o programa nuclear iraniano. Em maio de 2010, os governos do Brasil e da Turquia intermediaram um acordo com o governo do Irã a propósito da questão nuclear.

Pelo texto final do acordo, o Irã

compromete-se a enviar 1.200 quilos de urânio iraniano para a Turquia. Ficou estipulado que, em troca, receberia da França e da Rússia urânio enriquecido a 20%, taxa insuficiente para uso militar, mas suficiente para uso civil. Este acordo representou um considerável avanço, dado que o Irã não havia aceitado o acordo anterior proposto pela AIEA, em outubro de 2009, sob condições semelhantes. Até então, os iranianos não admitiam entregar o urânio sem ter a garantia de recebê-lo de volta. Propunham enriquecer o urânio em seu próprio território, o que não foi aceito pela AIEA (SILVA, 2010, p. 3). Entretanto, a despeito dos esforços turco-brasileiros e do avanço representado pelo acordo firmado, o Conselho de Segurança da ONU considerou as garantias insuficientes e aprovou, em junho de 2010, nova rodada de sanções contra o Irã. Dos quinze países integrantes do Conselho, doze votaram a favor das sanções, um único país, o Líbano, abstevese, e apenas Brasil e Turquia votaram contra. Os governos dos dois países contrários argumentaram que a aplicação de sanções prejudicaria o diálogo entre o Irã e a comunidade internacional, porque acabariam por isolar ainda mais o país. Apesar de ter votado contra as sanções, pela tradição diplomática do país, em agosto deste ano, o Brasil resolveu acatar as sanções da ONU.

3. Os conflitos étnico-religiosos

A multietnicidade é um fator de instabilidade no Irã. Desde muito tempo, conflitos étnicos têm eclodido por todo o país, expondo a débil incorporação das minorias. A repressão

e a restrição das liberdades das minorias, que se seguiram à Revolução Islâmica, contribuíram para agudizar a conflitualidade.

3.1 Os curdos

3.1.1 Os curdos pelo mundo

Os curdos são o maior povo do mundo sem um Estado. Há cerca de 30 a 35 milhões de curdos distribuídos, principalmente, pela Ásia e Europa. As maiores comunidades estão na Turquia, no Irã e no Iraque. As menores estão na Armênia, na Geórgia, no Cazaquistão, no Líbano, na Síria e em vários outros países da Europa (mapa 3). (BRITANNICA, 2006, p. 121125) Mapa 3 – Zonas de Povoamento Curdo

Fonte: Le Monde Diplomatique – Disponível em: .

Os curdos são uma população nômade, cujos fluxos sazonais de migração foram obstaculizados pela consolidação das fronteiras nacionais no início da Primeira Guerra Mundial. Em decorrência disso, tiveram de abandonar seu estilo tradicional de vida e tornarem-se agricultores. (OP. CIT.)

O movimento nacionalista curdistanês foi formado após a partição do Curdistão histórico pelos seus vizinhos de fronteira, nos processos de formação dos Estados-Nação da região. O Tratado de Sevres (1920), que previa a criação de um Curdistão autônomo, jamais foi ratificado. Por sua vez, no Tratado de Lausane (1923), que veio a substituir o Tratado de Sevres, a questão da criação do Curdistão sequer foi mencionada. Em razão disso, a criação do Estado-nação do Curdistão não se concretizou até os dias atuais. (IDEM)

3.1.2 Os curdos iranianos

Os curdos iranianos, na sua maioria sunitas, constituem cerca de 7% da população. Estão localizados em ambientes urbanos e rurais, sobretudo na parte Oeste do país, nas províncias do Curdistão, de Kermanshah, de Hamadã e de Azerbaijão e Guarbi. No nordeste do Irã, na província do Khorasan, há outra grande comunidade, com cerca de setecentos mil curdos. Após a Segunda Guerra Mundial, a URSS estabeleceu, no entorno da cidade curda de Mahabad, a República de Mahabad, um país independente. Com a retirada das tropas soviéticas em 1947, após onze meses de vida, a República de Mahabad entrou em colapso. Pouco tempo depois, na cidade de Mahabad, foi criado o Partido Democrático Curdistanês do Irã (PDCI). (D.P.I.K., 2009) Em 1953, com a queda do governo de Mossadeq, o Xá Mohammed Reza Pahlavi suprimiu os direitos e as liberdades das minorias. As atividades do partido curdistanês foram paralisadas e muitos dos seus membros foram presos ou passaram à clandestinidade. O ensino da língua curda também foi proibido. (OP. CIT.) A partir de 1979, o governo revolucionário passou a perseguir firmemente o movimento separatista curdo. Em 1983, após campanha de repressão violenta, o governo assegurou o controle sobre todas as áreas habitadas pelos curdos. O registro da repressão aos curdos pelo governo dos aiatolás rendeu ao fotógrafo Jahangir Razmi o prêmio Pulitzer de 1980. A fotografia premiada mostra a execução de curdos pela Guarda Revolucionária Islâmica (figura 2).

Figura 2 – Prêmio Pulitzer (1980)

Fonte: The Pulitzer Prizes. Disponível em: .

Na década de 1990, o reformista Khatami indicou o primeiro governador curdo para a província do Curdistão, Abdullah Ramezanzadeh. Além dessa vitória, os curdos obtiveram maior participação no parlamento. Em 1999, na porção curda do Irã, eclodiram inúmeros protestos contra o governo turco e em favor de Abdullah Ocalan, o fundador do Kurdistan Workers Party (PKK) da Turquia. O fenômeno foi chamado de “transnacionalização” do movimento curdo e foi violentamente reprimido pelo governo iraniano (US GOVERNMENT, 1999). Em 2005, o assassinato de três ativistas opositores do regime desencadeou inúmeros protestos e tumultos no Curdistão Oriental por um período de seis semanas. As autoridades iranianas reprimiram violentamente os protestos, deixando cerca de cem mil vítimas, entre mortos e feridos. (HOWARD, 2005) A situação dos curdos no Irã continua incerta. Os grupos guerrilheiros, com destaque para o Komalah (Associação) e o People's Free Life Party of Kurdistan, somados às organizações de luta política, com destaque para o PDCI e o Freedom Movement of Iran, seguem combatendo. Por sua vez, o regime central, recusando-se a reconhecer os direitos da minoria curda, segue com a repressão. Esse estado de coisas sinaliza que o conflito está longe de um desfecho pacífico.

3.2 Os azeris

Os azeris são a principal minoria étnica iraniana, constituindo cerca de 24% da população. São majoritariamente xiitas. Estão localizados principalmente na parte noroeste do país, nas províncias do Ardabil, do Azerbaijão e Sharqi, de Zanjan e de Qazvin. Em 1941, as forças soviéticas ocuparam a região em que viviam a maioria dos azeris. Cinco anos depois, em maio de 1946, foi criado o Estado autônomo do Azerbaijão com o apoio da URSS. Ao fim da ocupação estrangeira, em novembro de 1946, o Estado autônomo foi dissolvido e o seu território foi reintegrado ao Irã. Em 1953, com a queda do governo de Mossadeq e o retorno do Xá Mohammed Reza Pahlavi ao poder, a situação das minorias deteriorou. Foram suprimidos os seus direitos e as suas liberdades. Foi proibido o uso da língua azeri nas escolas, no governo e na imprensa. Em 1979, logo após a Revolução Islâmica, foi formada uma facção nacionalista azeri. Liderada pelo aiatolá Kazem Shariatmadari, esta facção reivindicava maior autonomia para a região e a revisão da Constituição. Ainda que os azeris tenham apoiado a Revolução, a proposta de reforma constitucional que encaminharam ao governo central, a qual tinha entre as suas reivindicações a inclusão dos secularistas e dos partidos de oposição no processo político, foi negada. As posições nacionalistas azeris reforçaram-se com a independência do Azerbaijão em 1991. Em 2006, a publicação no Iran-e-jornee de um cartoon de autoria de Mana Neyestani causou grande comoção (COLLIN, 2006). O cartoon (ver figura 3) apresentava um diálogo entre um persa e uma barata. O diálogo não prosseguia, já que a barata falava a língua azeri. Considerado um ultraje, esse gesto desencadeou uma onda de protestos, alguns deles violentos, nas cidades de Tabriz, Urmia, Zanjan, Naghadeh e Teerã (FATHI, 2006). Os manifestantes aproveitaram a ocasião para reivindicar o ensino da língua azeri. O jornal foi temporariamente fechado, e o cartunista e o editor-chefe foram demitidos e presos.

Figura 3 – Cartoon elaborado por Mana Neyestani

Fonte: VISWIKI. Disponível em: .

Em 2007, aproximadamente dez mil azeris marcharam no Dia Internacional da Língua Mãe, num protesto contra a repressão estatal e em favor da cultura e da língua azeri. O protesto foi pacífico. (RAHDER, 2007) Apesar do crescimento do movimento nacionalista, Afshin Molavi, jornalista iraniano radicado nos EUA e especialista em Oriente Médio, acredita que os azeris não estão interessados em separação. Para o Molavi, os azeris estão mais bem integrados na multietnicidade iraniana do que estariam no regime corrupto e autoritário dos azerbaijanos. Para ele, os azeris iranianos, ao invés de separação, lutam pelo direito de exercer sua cultura, assim como, tal qual o restante do país, pela reforma política. (MOLAVI, 2003)

3.3 Os balúchis

Os balúchis habitam principalmente o Afeganistão, o Irã e o Paquistão (mapa 4). Os balúchis do Irã são em sua maioria xiitas e constituem cerca de 2% da população. A maior parte habita a província do Sistan-Baluchestão, e uns poucos, o Khorasan.

Mapa 4 – A distribuição geográfica da etnia Balúchi

Fonte: Perry Castañeda. Disponível em: .

Na década de 1980, Mowlawi Abdul Aziz Mollazadeh liderou a criação do Movimento Autonomista do Baluchistão (BAM). O BAM atuou como grupo de guerrilha na região. Sua principal fonte de financiamento era o governo iraquiano de Saddam Hussein, pelo período que durou a guerra Irã-Iraque. Após a guerra, os membros do BAM espalharamse pelos países do Golfo Pérsico, e o grupo dissolveu-se. Acredita-se que os membros remanescentes do BAM incorporaram-se a outros grupos de resistência, dentre eles o Jundallah (Soldados de Deus) (NATION MASTER, 2009). O Jundallah, também conhecido como People’s Resistance Movement of Iran (PRMI), teria sido formado em 2003. A organização, que o governo iraniano classifica de terrorista, ficou conhecida por atacar alvos do alto escalão, sejam eles membros civis do governo ou membros das forças de segurança. Seu líder, Abdulmalek Righi, nega que a organização tenha pretensões separatistas e afirma que a sua causa é o reconhecimento dos balúchis como cidadãos. O governo iraniano acusa os EUA e outros países de apoiarem o movimento, mas todos negam. (STRATFOR, 2007) O Jundallah assumiu a autoria de vários ataques terroristas nos últimos anos. Em 2005, tentou assassinar o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, quando este visitava a província do Baluchistão. O saldo do ataque foi um ferido e um guarda-costas morto (FATHI, 2007). O último ataque ocorreu em outubro de 2009, quando um homem bomba matou 42

pessoas na cidade balúchi de Pishin, incluindo seis oficiais da elite da Guarda Revolucionária. (BBC, 2009) Além da exclusão política, o conflito balúchi expressa o descontentamento dessa minoria com as suas baixas condições de vida. A província do Baluchistão é uma das mais pobres do Irã. Tal como a das demais minorias, a situação dos balúchis não parece ter solução no curto prazo.

3.4 Os árabes do Khuzestão

Os árabes constituem cerca de 70% do contingente populacional da província do Khuzestão. Embora sejam predominantemente xiitas, são reprimidos pelo governo central. A proibição da utilização da língua árabe nos meios de comunicação e nas escolas, o cerceamento da participação política e os baixos índices de desenvolvimento humano, são fatores que incitam os árabes a confrontarem o governo de Teerã. O relatório do Human Rights Watch (HRW) de 1997 registra que as elevadas taxas de analfabetismo da população árabe explicam-se pela proibição do ensino da língua árabe nas escolas. As mulheres das áreas rurais são o segmento mais afetado da população. O documento denuncia a existência da prática, amplamente difundida entre as autoridades persas, de expropriação de terras de árabes. Aparentemente, essa prática teria como objetivos, por um lado, deslocar as populações expropriadas e, por outro, estimular a migração de não árabes para o Khuzestão. Com isso em vista, o governo de Teerã concede empréstimos para que não-árabes comprem terras no Khuzestão, sem a cobrança de juros. (HRW, 1997) Os partidos árabes, na sua maioria clandestinos, dividem-se entre separatistas e nãoseparatistas. Os partidos não-separatistas, tais como o Partido da Reconciliação Islâmica – o único aceito pelo governo – e o Partido da Solidariedade Democrática de Al-Ahwaz, propugnam por maior participação política e melhores condições de vida para as populações árabes e rejeitam o recurso à violência. Já os separatistas, representados principalmente pela Frente Democrática Popular da População Árabe de Al-Ahwaz (AADPF), lutam pela autonomia do Khuzestão e, para atingir esse objetivo, reconhecem como legítimo o uso da força. Enquanto o governo não cede às reivindicações árabes, o conflito prossegue. Em maio de 2005, em resposta aos protestos ocorridos em abril, 50 árabes morreram vítimas da repressão no Khuzestão, conforme dados da HRW. (LOBE, 2005)

3.5 Os turcomenos

Os turcomenos, majoritariamente sunitas, constituem cerca de 2% da população iraniana. A maioria dos turcomenos está localizada nas províncias do Golestão e do Khorasan. Outras pequenas comunidades estão espalhadas pelo país. Há registros de conflitos entre turcomenos e o governo central desde o início do século XX. Entre 1924 e 1925, os turcomenos da província do Khorasan revoltaram-se (OLSON, 1990). O Xá Reza Khan Pahlavi abafou a rebelião e conseguiu consolidar seu poder na região. Em 1963, A Revolução Branca, que encaminhou a reforma agrária e a melhor distribuição das terras, praticamente não foi implementada nas províncias de maior povoamento turcomeno. A família Pahlavi e outras famílias da elite tomaram posse das melhores terras, provocando insatisfação e protestos dos turcomenos (BASHIRIYEH, 1984). No século XXI, os embates entre turcomenos e o governo central prosseguem. Em 2007, um pescador turcomeno, que estava sem licença de pesca, foi preso e em seguida morto por autoridades iranianas. O episódio, de acordo com a Anistia Internacional (2009), levou às ruas centenas de manifestantes. A situação da minoria turcomena não é diferente da das outras minorias iranianas. Além de sofrerem perseguição religiosa, os turcomenos estão proibidos de ensinar e de aprender sua língua-mãe, assim como de utilizá-la nas repartições públicas e nos meios de comunicação. Não se lhes permite o acesso a cargos de alto escalão na política local. Além deste, sofrem tantos outros atos de discriminação por parte do governo central. (AMNESTY REPORT, 2008)

3.6 Os tadjiques

A Guerra Civil do Tadjiquistão (1992-1997) resultou em 50.000 mortos e 1,2 milhões de refugiados (UN, 2006). Esses refugiados migraram para os países vizinhos, dentre eles o Irã. Os tadjiques iranianos constituem cerca de 1% da população iraniana, aproximadamente 500.000. A maioria deles habita ao longo da fronteira com o Afeganistão. A situação dos tadjiques é, dentre todas as minorias, a mais precária. Os tadjiques iranianos sofrem severo tratamento por parte dos talibãs afegãos por dois motivos. Por primeiro, porque os talibãs são sunitas e os tadjiques são xiitas. Por segundo, porque o Irã apoiou o Comandante Masood, herói nacional afegão da etnia tadjique, um dos principais

opositores do regime talibã (INDERFURTH, 1998). Desassistida pelo governo iraniano, os tadjiques não têm proteção contra os talibãs.

4. Conclusão

Os conflitos iranianos, todos eles de difícil resolução, tem uma fonte comum: a estrutura política erigida pela Revolução Islâmica de 1979. A peculiaridade desta estrutura política, supervisionada por um líder religioso conduzida por um corpo de funcionários conservadores, fizeram do Irã um Estado vulnerável a implosões de violência. O modo de organização e o modo de funcionamento dessa estrutura ampliam a exclusão, agudizam as causas históricas dos conflitos e obstaculizam o seu encaminhamento por vias pacíficas. A estrutura política vigente incita rivalidades religiosas e étnicas. A maioria xiita no governo marginaliza e reprime os sunitas e as demais minorias religiosas. A clivagem religiosa permeia também os conflitos étnicos, no caso dos curdos e dos turcomenos. Além da discriminação em matéria de religião, a Revolução instaurou a supremacia da etnia persa sobre as demais etnias. Em razão disso, mesmo etnias que são majoritariamente xiitas, no caso dos azeris, dos balúchis, dos árabes e dos tadjiques, são privadas de representação política. Os protestos da população iraniana, cada dia mais frequentes, podem ser interpretados como sinais de desgaste do regime dos aiatolás. Entretanto, não se pode levar essa interpretação muito longe. Considerando a experiência histórica do Irã, a mudança de regime, caso venha a ocorrer, não será no curto prazo. A solução dos conflitos iranianos não deverá ser simples e provavelmente não se resumirá na democracia, na medida em que o Irã jamais vivenciou plenamente a democracia, mesmo no interregno Mossadeq. Bibliografia Amnesty International Report 2008. Disponível em: . Acesso em: 27.11.2009. Amnesty International Report 2009. Disponível em: . Acesso em: 27.11.2009. Baluchi Autonomist Movement. Nation Master. Disponível em: . Acesso em: 22.11.2009. BASHIRIYEH, Hossein. The State and Revolution in Iran, 1962-1982. Beckenham: Croom Helm, 1984.

COLLIN, Matthew. Iran Azeris protest over cartoon. British Broadcasting Corporation (BBC). Disponível em: . Acesso em 19.11.2009. Democratic Party of Iranian Kurdistan. Disponível em: . Acesso em: 15.11.2009. Ethnic Minorities in Iran. Human Rights Watch. 1997. Disponível em: . Acesso em 26.11.2009. FATHI, Nazila. Car Bomb in Iran Destroys a Bus Carrying Revolutionary Guards. Publicado em: 15.02.2007. Disponível em: . Acesso em: 23.11.2009. ____________. Ethnic Tensions Over Cartoon Set Off Riots in Northwest Iran. New York Times. Disponível em: < http://www.nytimes.com/2006/05/29/world/middleeast/29tehran.html>. Acesso em: 20.11.2009. Freedom Movement of Iran. Disponível em: . Acesso em: 01.12.2009. HOWARD, Michael. Iran sends in troops to crush border unrest. The Guardian. Disponível em: . Acessado em: 20.11.2009. INDERFURTH, Karl F. U.S. Relations with South Asia and Afghanistan. Washington: Nixon Center, out/1998. Disponível em: . Acesso em: 26.11.2009. Iran Timeline: a chronology of key events. British Broadcasting Corporation (BBC). Disponível em: . Acesso em: 06.12.2009 Iran: Balochi Insurgents and the Iraq Tango. Stratfor. Publicado em: 04.04.2007. Disponível em: . Acesso em: 22.11.2009. Iran: Country Reports on Human Rights Practices. Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor of USA. Disponível em: . Acesso em: 20.11.2009. Iran: The Essential Guide to a Country on the Brink. Encyclopedia Britannica. New Jersey: John Wiley & Sons, 2006. Iranian commanders assassinated. British Broadcasting Corporation (BBC). Publicado em: 18.10.2009. Disponível em: . Acesso em: 24.11.2009.

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