ISDRS\'16 side event: Actas 1º simposio luso-brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade - Parte 2 (sessoes G-I).pdf

Share Embed


Descrição do Produto

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

G - Avaliação de impacto e de sustentabilidade

441

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

DESASTRES E SUSTENTABILIDADE ENTRE CONTROVÉRSIAS Ester Feche Guimarães1 1

Núcleo de Pesquisas para Sustentabilidade – NUPS, Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. Resumo A provisão de serviços essenciais que afetam populações e meio ambiente é parte dos desafios da engenharia ambiental. Num território de atuação em áreas urbanas e periurbanas das metrópoles, agentes públicos, privados e cidadãos atuam sobre ecossistemas frente às necessidades básicas. As controvérsias das soluções de engenharia acentuam-se nos países em desenvolvimento econômico acelerado. Os dilemas identificados estão apoiados na metodologia objeto deste artigo, considerando as controvérsias do modelo até hoje adotado para atendimento aos pilares da sustentabilidade. Assim, em qual paradigma poder público, empresas e academia estão apoiados para provisão de soluções em resposta aos desafios trazidos pela urbanização e eventos extremos do clima? O atual modelo e seus dispositivos foram analisados para contribuir à inovação necessária, sob a lente da TeoriaAtor-Rede (LATOUR, 2012). Nesse sentido, adotou-se identificar concatenações e mediadores, não na busca de causas e efeitos, mas na exemplificação de uma instrumentalização para identificar incertezas estabelecidas em relação a ação, abrindo assim, a caixa das controvérsias que permeiam a engenharia ambiental. Como diferentes atores desse processo são percebidos e considerados para definição de políticas públicas, frente ao risco, dano, resiliência e adaptabilidade de populações e ecossistema? Como compreender suas conexões, e de que forma se tornam importantes na confirmação de práticas decisórias e desenhos institucionais? Quais os impactos desse modelo? Como conclusão, entende-se que argumento da engenharia ambiental, num mundo de controvérsias, implica em escolhas e limitações éticas quanto à intervenção efetiva sobre sistemas e a vida dos cidadãos individuais. Bem como, numa redefinição do espaço em que se exerce a engenharia ambiental, a despeito do modo que os atores conectados, entendidos como coletivos e individuais apresentem diferentes visões. Palavras-chave: sustentabilidade, desastres ambientais, controvérsias.

442

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Revisão de Qualidade de Estudo de Impacto Ambiental: uma análise comparativa entre duas ferramentas de revisão Fernanda Veronez1,2,3, Fabia Cruz1,4, Joyce Celestino1,5, Marcelo Montaño1,6 1

Núcleo de Estudos de Política Ambiental - NEPA/PPGSEA, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador Sancarlense 400, São Carlos/SP, 13566-590, Brasil. 2

Coordenadoria de Saneamento Ambiental, Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória, Av. Vitória, 1729, Jucutuquara, Vitória/ES, 29040-780, Brasil. 3

[email protected]

4

[email protected]

5

[email protected]

6

[email protected]

Resumo As ferramentas para revisão de qualidade de estudos ambientais possibilitam a identificação de pontos fortes e fracos associados às informações fornecidas pelos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) contribuindo para a melhoria da prática da AIA e sua efetividade. Tendo em vista a demanda por evidências empíricas que permitam estabelecer os aspectos intervenientes na efetividade da AIA no contexto brasileiro, entende-se que a aplicação de tais ferramentas deverá ser largamente realizada pela comunidade acadêmica e de praticantes da AIA, o que implica na necessidade de conhecimento antecipado de suas características essenciais. Desta forma, o presente trabalho se propõe a analisar a aplicação de duas ferramentas amplamente reportadas na literatura, levando-se em consideração a sua estrutura e forma de organização, proximidade com princípios internacionais de boas práticas da AIA, facilidade de aplicação e potencial para comparação de resultados. Para tanto, as ferramentas Lee and Colley Review Package e Environmental Impact Statement Review Package foram selecionadas para análise comparativa, empregando-se como objeto de análise quatro EIAs submetidos ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) do Espírito Santo (Brasil). A escolha das ferramentas se justifica devido à sua grande aplicação em nível mundial e pela utilização da mesma escala de avaliação, facilitando a análise pretendida neste trabalho. A revisão de qualidade dos estudos foi realizada por três avaliadores e seguiram o protocolo sugerido para a aplicação das ferramentas. Os resultados obtidos permitem concluir que, apesar de diferenças estruturais, verifica-se um nível razoável de correlação entre as subcategorias e critérios adotados por cada ferramenta. Além disso, ambas contemplam, em sua abordagem, os princípios de boas práticas internacionais da AIA. No que diz respeito à aplicação, as ferramentas se mostraram relativamente simples e possibilitaram a identificação de pontos fortes e fracos similares nos estudos de impacto analisados, tendo resultado, inclusive, no mesmo conceito global para todos, o que indica uma possibilidade de comparação desses resultados. Conclui-se que, embora diferentes na estrutura, ambas ferramentas de revisão produziram um resultado bastante semelhante em relação aos aspectos avaliados nesse trabalho, demonstrando potencial para serem utilizadas de modo sistemático junto ao processo de AIA no país. 443

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Palavras-chave: Avaliação de Impacto Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental, Revisão de Qualidade, Ferramentas Sistemáticas de Revisão. 1. Introdução Apesar dos avanços apresentados pela Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) ao longo dos anos, a qualidade da informação que é fornecida pela AIA ainda é objeto de preocupação (Morgan, 2012). Em boa medida, esta qualidade pode ser relacionada à qualidade dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) que, por sua vez, constitui um indicador indireto da qualidade da AIA (Ross et al., 2006; Sandham et al., 2008; Phylip-Jones e Fischer, 2013). A qualidade dos EIAs é considerada um fator de particular importância por Lee et al. (1999) e utilizada como um indicador de efetividade do processo de AIA (Glasson et al., 2005; Chanchitpricha e Bond, 2013). A baixa qualidade dos estudos em questões relacionadas à identificação e avaliação dos impactos, propostas de alternativas e medidas de mitigação é reportada com frequência na literatura (Canelas et al., 2005; Lee e Dancey, 1993; Sandham et al., 2008). Esta qualidade pode ser atribuída à complexidade de tais questões, que exigem a integração de informações provenientes de estudos sobre o meio ambiente, previsões realizadas com base em evidências científicas, juntamente com a experiência dos responsáveis pela elaboração do EIA (Sandham et al., 2008). Para aferir a qualidade dos estudos têm-se empregado ferramentas de revisão, consideradas um recurso simples e prático e que contribui para diminuir a subjetividade nas análises dos EIAs (Sánchez, 2013). Tendo em vista a demanda por evidências empíricas que permitam estabelecer os aspectos intervenientes na efetividade da AIA no contexto brasileiro (ABAI, 2014; Montaño e Souza, 2015; Sánchez, 2013b), entende-se que a aplicação de tais ferramentas deverá ser largamente realizada pela comunidade acadêmica e de praticantes da AIA, o que implica na necessidade de conhecimento a respeito de suas características essenciais. Desta forma, o presente trabalho analisa a aplicação de duas ferramentas amplamente reportadas na literatura, levando-se em consideração a sua estrutura e forma de organização, proximidade com princípios internacionais de boas práticas da AIA, facilidade de aplicação e potencial para comparação de resultados. Para tanto, as ferramentas Lee and Colley Review Package, desenvolvida na universidade de Manchester (Lee e Colley, 1992) e Environmental Impact Statement Review Package, desenvolvida na Universidade de Oxford Brookes (Glasson et al., 2005) foram empregadas sobre quatro EIAs submetidos ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Brasil). Os resultados obtidos foram comparados, discutindo-se os aspectos relacionados às estruturas das ferramentas em si, a aderência com os princípios de boas práticas internacionais e os resultados da aplicação das ferramentas. A seguir são apresentadas considerações sobre os EIAs avaliados e informações sobre os procedimentos metodológicos utilizados para essa análise. Como resultado, foi possível apresentar uma discussão comparativa da aplicação das duas ferramentas, além da identificação de pontos fortes e fracos e da qualidade geral dos estudos analisados.

444

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2. Procedimentos metodológicos 2.1 Estudos de Impacto Ambiental Para a aplicação das ferramentas de revisão de qualidade de EIAs foram selecionados quatro estudos de impacto ambiental elaborados para projetos de implantação de aterro sanitário, submetidos entre 2009 e 2012 ao licenciamento ambiental no estado do Espírito Santo (Figura 1), que tem o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) como órgão ambiental regulador do processo de licenciamento ambiental. Optou-se por trabalhar sobre uma única tipologia de projetos para minimizar discrepâncias no momento da atribuição das notas das avaliações e, ainda, possibilitar a comparação global dos resultados. Os EIAs, referentes a dois projetos de iniciativa pública e dois de iniciativa privada, são denominados EIA1, EIA2, EIA3 e EIA4 nesse trabalho.

Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves (2016).



Figura 1. Localização do Estado do Espírito Santo

2.2 Ferramentas de Revisão O Lee and Colley Review Package, desenvolvido em 1989 (Lee e Brown 1992), foi escolhido por ser considerado um modelo bem estabelecido (Sandham et al. 2008), amplamente utilizado e aceito no campo da avaliação de impacto (Phylip-Jones e Fischer, 2013). Aplicações desta ferramenta podem ser encontradas, por exemplo, nos trabalhos de Badr et al. (2011), Gwimbi e Nhamo (2015), Phylip-Jones e Fischer (2013) e Sandham et al. (2008). O Environmental Impact Statement Review Package, desenvolvido em 1995 (Glasson et al. 2005), escolhido para comparação com a ferramenta anterior, apresenta similaridade na forma de avaliação dos estudos, além de ambos empregarem a mesma escala de conceitos 445

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

para avaliação (Quadro 1) e serem baseados nas reflexões dos avaliadores. Estas se traduzem na forma de comentários, possibilitando a identificação dos principais pontos fortes e fracos e indicação de deficiências importantes a serem corrigidas para que o estudo obtenha uma avaliação satisfatória (nota 'C' ou superior)(Lee e Colley, 1992; Glasson et al. 2005).

Quadro 1. Conceitos de avaliação Conceito

Critério

A

Bem realizado, nenhuma tarefa importante incompleta.

B

Geralmente satisfatório e completo, apenas omissões menores e poucos pontos inadequados.

C

Satisfatório, apesar de omissões ou pontos inadequados.

D

Contém partes satisfatórias, mas o conjunto é considerado insatisfatório devido a omissões importantes ou pontos inadequados.

E

Insatisfatório, omissões ou pontos inadequados significativos.

F

Muito insatisfatório, tarefas importantes desempenhadas de modo inadequado ou deixadas de lado.

NA

Não aplicável.

Fonte: Lee e Colley (1992, p.14 traduzido pelos autores).

2.3 Procedimentos de análise A análise comparativa da aplicação das duas ferramentas de revisão foi realizada considerando: (1) a estrutura das ferramentas: as ferramentas de avaliação foram comparadas com base em sua estrutura, considerando a organização e a divisão dos assuntos e as similaridades entre as subcategorias/critérios de análise; (2) a proximidade com as boas práticas internacionais: as ferramentas foram comparadas à luz do que preconizam os princípios operacionais das boas práticas internacionais da International Association for Impact Assessment, especificamente no que se refere às questões que o processo de AIA “deve providenciar" (IAIA 1999, p.4). (3) as diferenças na aplicação e resultados: foram discutidas as diferenças na aplicação e os resultados atribuídos à qualidade dos estudos.

446

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2.4 Aplicação das ferramentas de revisão A revisão de qualidade dos estudos foi realizada por três revisores que, após avaliarem separadamente cada um deles, compararam os resultados e discutiram as eventuais divergências nos conceitos atribuídos a cada subcategoria/critério em busca de um consenso. Primeiramente, os conceitos atribuídos foram discutidos e alinhados utilizando como base a análise do EIA1. Posteriormente, foram analisados e discutidos os demais estudos. As discussões realizaram-se em formato de workshop, que foram gravados e organizados na seguinte sequência: Workshop 1 - EIA1 (duração: 11h). Workshop 2 - EIA2 (duração: 2h30min). Workshop 3 - EIA3 (duração: 3h). Workshop 4 - EIA4 (duração: 3h). Workshop 5 - discussão da avaliação global dos estudos analisados (duração: 6h). O Workshop 1 possibilitou enriquecer a percepção dos três revisores, discutindo cada uma das subcategorias/critérios utilizados pelas duas ferramentas, e chegar a um consenso a respeito dos conceitos atribuídos individualmente. A partir de então houve uma diminuição considerável na discordância das análises e a consequente redução do tempo gasto nas discussões subsequentes. Tal fato justifica a discrepância de tempo de duração do primeiro workshop em relação aos demais. Cabe ressaltar que o tempo contabilizado nos workshops se refere apenas à etapa de discussão e alinhamento dos conceitos atribuídos na etapa de análise, não sendo, portanto, incluído o tempo gasto por cada revisor na leitura e na avaliação dos estudos. • • • • •

3. Resultados e Discussão A seguir são apresentados os resultados que contemplam a forma de organização das ferramentas, a aderência com as boas práticas internacionais, bem como suas diferenças na aplicação e nos resultados de qualidade dos estudos, os quais serviram de base para uma discussão comparativa entre as duas ferramentas. 3.1 Estrutura das ferramentas A Figura 2 permite identificar, de forma geral, a similaridade estrutural das duas ferramentas utilizadas, uma vez que são organizadas em áreas e sessões que lidam com questões equivalentes. No Lee and Colley Review Package a análise é feita em quatro áreas, divididas em 17 categorias e 52 subcategorias, enquanto o Environmental Impact Statement Review Package atribui conceitos em oito sessões divididas em 19 categorias e 96 critérios. Partindo da análise detalhada dos três níveis de avaliação propostos pelas ferramentas foi possível identificar diferenças na estrutura e organização que impedem uma comparação direta entre as Áreas/Sessões e Categorias. Um exemplo é a consideração da baseline que no Environmental Impact Statement Review Package é incluída como um critério da Sessão 2, enquanto no Lee and Colley Review Package a baseline é avaliada através de uma categoria específica associada à Área 1. Embora os níveis superiores das estruturas das

447

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ferramentas não sejam correspondentes, foi possível estabelecer uma correlação entre as Subcategorias/Critérios conforme pode ser observado na Figura 3. A partir da análise detalhada foi possível estabelecer uma correlação entre as subcategorias/critérios abordados pelas ferramentas. A estrutura do Lee and Colley Review Package serviu de base para a análise comparativa, sobre a qual foi verificada a aderência dos critérios do Environmental Impact Statement Review Package. Dessa forma, a comparação foi organizada utilizando-se como referência o agrupamento em quatro áreas do Lee and Colley Review Package.

448

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Lee and Colley Review Pack Área 1: Descrição do empreendimento, do ambiente e das condições da baseline Descrição do empreendimento Descrição do local

Environmental Impact Statement Review Package Sessão 1: Descrição do empreendimento Principais recursos do projeto 10 critérios

5 subcategorias

Questões de Área

5 subcategorias

Insumos do projeto

Resíduos 3 subcategorias

Descrição do ambiente

2 subcategorias

3 critérios 4 critérios

Resíduos e emissões 4 critérios

Sessão 2: Descrição do ambiente Áreas ocupadas e arredores do projeto

Condições da Baseline

3 critérios

3 subcategorias

Condições do diagnóstico

6 critérios

Área 2: Identificação e avaliação dos principais impactos

Escopo e consulta

Definição dos impactos 4 subcategorias

Identificação dos impactos 2 subcategorias

Escopo

Sessão 3: Escopo, Consulta e identificação dos impactos 5 critérios

Identificação dos impactos 10 critérios

Sessão 4: Previsão e avaliação dos impactos 3 subcategorias

Previsão da magnitude 3 subcategorias

Avaliação de significância

3 subcategorias

Previsão da magnitude

4 critérios

Métodos e dados

3 critérios

Avaliação da significância

6 critérios

Sessão 5: Alternativas 5 critérios

Área 3: Alternativas e mitigação

Sessão 6: Mitigação e monitoramento

Alternativas 3 subcategorias

Descrição da medida mitigadora

Efetividade das medidas mitigadoras

5 critérios

3 subcategorias

Compromisso com a mitigação e monitoramento

Compromisso com a mitigação

3 critérios

2 subcategorias

Efeitos ambientais de mitigação 2 critérios

Área 4: Comunicação dos Resultados Layout Apresentação

4 subcategorias 3 subcategorias

Sessão 7: Rima 6 critérios

Sessão 8: Organização e apresentação da informação Organização da informação 4 critérios

Ênfase 2 subcategorias

Apresentação da informação

2 subcategorias

Dificuldades na compilação de informações

11 critérios

Rima

2 critérios

Fonte: Elaborado pelos autores com informações de Lee e Colley (1992) e Glasson et al. (2005). 449

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 2. Estrutura das ferramentas de revisão

Lee and Colley Review Pack

Environmental Impact Statement Review Package Sessão

Área Categoria Subcategoria

Categoria Critério

Fonte: Elaborado pelos autores com informações de Lee e Colley (1992) e Glasson et al. (2005). Figura 3. Correlação entre as ferramentas

A Figura 4 apresenta o resultado da análise de correlação entre as subcategorias do Lee and Colley Review Package e os critérios do Environmental Impact Statement Review Package. Foram descritos apenas os números das subcategorias/critérios de cada ferramenta a fim de facilitar a visualização; para consulta à descrição de cada subcategoria e critério, recomenda-se o acesso à bibliografia referenciada. A primeira coluna apresenta as subcategorias/critérios que são abordados de forma semelhante por ambas as ferramentas, ou seja, os pontos equivalentes (aqui chamados de correlação direta). Para esse grupo pode-se dizer que as subcategorias/critérios terão como resultado uma mesma nota, já que, mesmo com um vocabulário diferente, tratam das mesmas questões. A segunda coluna exibe as subcategorias/critérios que tratam de assuntos similares, porém abordados de forma diferente, podendo apresentar diferentes resultados nas notas da avaliação. A terceira coluna retrata as subcategorias/critérios que abordam questões que não coincidem em ambas as ferramentas apresentando, portanto, resultados diferentes. Apesar do Environmental Impact Statement Review Package apresentar mais critérios e sessões do que o Lee and Colley Review Package, observou-se uma grande semelhança das questões abordadas por ambas as ferramentas: 35 dos 96 critérios da primeira ferramenta apresentaram uma correlação direta com a segunda, ou seja, abordam as mesmas questões para a condução da avaliação. Ainda, foi identificada a correlação direta de até três critérios para uma mesma subcategoria (os critérios 8.1, 8.2 e 8.12 juntos são equivalentes à subcategoria 4.1.2). Além disso, 46 dos 96 critérios da primeira ferramenta apresentaram correlações indiretas com as subcategorias da segunda. Também foram identificadas 19 situações (18 critérios e 1 subcategoria) que abordam questões não comuns entre as duas ferramentas.

450

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Correlação direta L&C 1.1.1 1.1.2 1.1.3 1.1.5 1.2.2 1.2.4 1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.4.1 1.4.2 1.5.1 1.5.2 2.1.3 2.2.1 2.2.2 2.4.3 2.5.3 3.1.3 3.2.2 3.2.3 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.2.1 4.2.3 4.3.2

GTC 1.1 1.4 1.5 1.6 1.14 1.12 2.2 1.15 1.16 1.18 1.19 1.21 2.1 2.3 2.4 2.5 2.7 3.14 3.11 4.3 4.9 4.10 5.3 6.2 6.4 8.6 8.1 8.2 8.12 8.3 8.4 8.9 8.7 8.10 8.15

Correlação indireta L&C 1.1.4 1.2.1 1.2.3 1.2.5 1.5.2 1.5.3

2.1.1

2.1.2 2.1.3 2.3.1 2.3.2 2.3.3 2.4.1 2.4.2 2.5.1 2.5.2 3.1.1 3.1.2 3.2.1 3.3.1 3.3.2 4.2.2 4.3.1 4.4.1

4.4.2

GTC 1.8 1.11 1.3 1.17 2.9 2.6 2.8 3.7 3.13 4.2 4.12 3.6 3.8 3.9 4.5 1.10 3.1 3.2 3.3 3.5 3.4 8.16 4.7 4.8 4.13 6.5 4.11 5.1 5.2 5.4 5.2 6.1 6.5 6.6 6.7 6.8 8.10 8.14 3.12 8.13 7.1 7.3 7.4 7.2 7.5 7.6

Não correlacionados L&C 2.1.4 X X X X X X X X X X X X X X X X X X

GTC X 1.2 1.7 1.9 1.13 1.20 3.10 3.15 4.1 4.4 4.6 5.5 6.3 6.9 6.10 8.5 8.8 8.11 8.17

Legenda: L&C: subcategorias de Lee e Colley (1992). 451

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

GTC: critérios de Glasson et al. (2005). Fonte: Elaborado pelos autores com informações de Lee e Colley (1992) e Glasson et al. (2005). Figura 4. Correlação entre subcategorias/critérios abordados pelas duas ferramentas.

3.2 Proximidade com as boas práticas internacionais Para comparação das ferramentas de revisão considerando sua proximidade com os princípios de boas práticas internacionais foram consideradas como referência as ações que o processo de AIA deve providenciar, tendo como base os princípios operacionais de boas práticas da IAIA (1999), aplicados ao contexto dos Estudos de Impacto Ambiental. O Quadro 2 apresenta a descrição dos princípios considerados (P1 a P6), que serviram de base para análise da aderência com as ferramentas estudadas. Quadro 2. Princípios operacionais de boas práticas em AIA aplicados a Estudos de Impacto Ambiental. Nomenclatura P

Princípios Operacionais (IAIA 1999, p.4): "Especificamente o processo deve providenciar:..."

P1

- a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) - para documentar com clareza e imparcialidade os impactos da proposta, as medidas de mitigação propostas, o significado dos efeitos, as preocupações do público interessado e das comunidades afetadas pela proposta;

P2

- a definição do escopo - para identificar as possíveis questões e os possíveis impactos que se revelam mais importantes;

P3

- o exame de alternativas - para estabelecer a melhor opção para atingir os objetivos propostos;

P4

- a análise de impactos - para identificar e prever os possíveis efeitos da proposta - ambientais, sociais e outros;

P5

- a mitigação e a gestão de impactos - para estabelecer as medidas necessárias para evitar, minimizar ou compensar os impactos adversos previstos e, quando adequado, para incorporar estas medidas num plano ou num sistema de gestão ambiental;

P6

- a avaliação do significado - para determinar a importância relativa e a aceitabilidade dos impactos residuais (ou seja, dos impactos que não podem ser mitigados); Fonte: Elaborado pelos autores a partir das informações de IAIA (1999, p.4).

A seguir, mantendo a correlação entre as subcategorias/critérios de cada uma das ferramentas já estabelecida na Figura 4, a Figura 5 agrega uma comparação entre as

452

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

questões abordadas por cada uma dessas subcategorias/critérios e os princípios de boas práticas da AIA.

Correlação direta L&C 1.1.1 1.1.2 1.1.3 1.1.5 1.2.2 1.2.4 1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.4.1 1.4.2 1.5.1 1.5.2 2.1.3 2.2.1 2.2.2 2.4.3 2.5.3 3.1.3 3.2.2 3.2.3 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.2.1 4.2.3 4.3.2

GTC 1.1 1.4 1.5 1.6 1.14 1.12 2.2 1.15 1.16 1.18 1.19 1.21 2.1 2.3 2.4 2.5 2.7 3.14 3.11 4.3 4.9 4.10 5.3 6.2 6.4 8.6 8.1 8.2 8.12 8.3 8.4 8.9 8.7 8.10 8.15

P P1 P1 P1; P2 P2 P1 P1; P2 P1; P2 P1; P2 P1 P1 P2 P1 P1; P6 P1; P5 P1; P5 P1 P1 P1 P1 P1 P1 P1 P1 P1

Correlação indireta L&C 1.1.4 1.2.1 1.2.3 1.2.5 1.5.2 1.5.3

2.1.1

2.1.2 2.1.3 2.3.1 2.3.2 2.3.3 2.4.1 2.4.2 2.5.1 2.5.2 3.1.1 3.1.2 3.2.1 3.3.1 3.3.2 4.2.2 4.3.1 4.4.1

4.4.2

GTC 1.8 1.11 1.3 1.17 2.9 2.6 2.8 3.7 3.13 4.2 4.12 3.6 3.8 3.9 4.5 1.10 3.1 3.2 3.3 3.5 3.4 8.16 4.7 4.8 4.13 6.5 4.11 5.1 5.2 5.4 5.2 6.1 6.5 6.6 6.7 6.8 8.10 8.14 3.12 8.13 7.1 7.3 7.4 7.2 7.5 7.6

P P1 P2 P2 P1; P2; P4 P1 P2; P4 P1; P2 P1; P4 P1; P4 P1; P4 P1; P4 P2 P1 P1 P1 P1; P2; P4 P1 P1; P6 P1; P6 P1; P6 P1; P6 P1; P6 P3 P2; P3 P3 P3 P1; P5 P6 P1; P5 P1; P5 P1; P5; P6 P1 P1 P2 P2 P1 P1 P1 P1 P1 P1

Não correlacionados L&C 2.1.4 X X X X X X X X X X X X X X X X X X

GTC X 1.2 1.7 1.9 1.13 1.20 3.10 3.15 4.1 4.4 4.6 5.5 6.3 6.9 6.10 8.5 8.8 8.11 8.17

P P4 P1; P2 P2 P1 P4 P1 P1; P4 P1 P3 P1; P5 P1; P5 P1; P5 P2 P1

Legenda: L&C: subcategorias de Lee e Colley (1992). 453

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

GTC: critérios de Glasson et al. (2005). P: conforme Quadro 2. Fonte: Elaborado pelos autores com informações de Lee e Colley (1992) e Glasson et al. (2005). Figura 5. Correlação entre subcategorias/critérios abordados nas ferramentas de revisão de qualidade com os princípios de boas práticas (IAIA, 1999).

Os princípios P1 e P2, relacionados respectivamente aos princípios operacionais ligados à “Estruturação e conteúdo do EIA/Rima” e ao “Escopo”, foram identificados em subcategorias/critérios de todas as quatro áreas (fazendo referência à divisão por áreas apresentadas na Figura 2). Os demais princípios foram identificados de acordo com a especificidade das questões abordadas por cada área: o P3, relacionado ao estabelecimento de alternativas, foi identificado apenas na Área 3 (Alternativas e mitigação); o P4 foi identificado apenas na Área 2 (Identificação e avaliação dos principais impactos); o P5 na Área 3 (Alternativas e mitigação) e o P6 nas Áreas 2 e 3 (Identificação e avaliação dos principais impactos e Comunicação dos resultados). Uma análise detalhada da correlação apresentada na Figura 5 permite concluir que ambas ferramentas contemplam as questões abordadas nos princípios operacionais (P1 a P6) indicando a aderência aos princípios de boas práticas adotados pela IAIA (1999).

3.3 Diferenças na aplicação e resultados de qualidade dos estudos As duas ferramentas comparadas nesse estudo são relativamente simples e de aplicação semelhante. O Lee and Colley Review Package se mostrou mais rápido e objetivo durante a aplicação do que o Environmental Impact Statement Review Package, fato que já era esperado devido ao primeiro ser dividido em 52 subcategorias enquanto o segundo é dividido em 96 critérios. Comparando-se os pontos fortes e fracos entre os estudos, ou seja, as melhores e piores notas atribuídas às subcategorias e critérios, tem-se um resultado similar entre ambas as ferramentas. A “Descrição do Ambiente” (Área 1) foi identificada como ponto forte em três dos quatro EIAs avaliados. No tocante aos pontos fracos, todos apresentaram resultados insatisfatórios para a “Identificação e Avaliação dos principais impactos” (Área 2), sendo as piores notas atribuídas para as subcategorias/critérios relacionados à cumulatividade dos impactos, avaliação de significância dos impactos e prognóstico considerando a baseline. Esses resultados são similares a pesquisas anteriores que indicam resultados piores nas Áreas 2 e 3 em comparação com as Áreas 1 e 4 (Lee e Dancey, 1993; Sandham et al. 2008; Barker e Jones, 2013; Sandham et al. 2013). Os resultados da aplicação das ferramentas, além de apontarem para o mesmo conceito global para cada um dos estudos analisados, também apresentaram uma visualização bem semelhante da qualidade geral dos estudos em relação à porcentagem dos conceitos atribuídos à cada área avaliada. A Figura 6 permite a visualização do resultado global (em porcentagem) que possibilita discussões a respeito da comparação dos resultados da aplicação das ferramentas e indica resultados bastante próximos, além de uma possibilidade de comparação dos resultados obtidos pelas ferramentas. 454

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 6. Comparativo entre a visualização dos resultados da aplicação das ferramentas.

4. Conclusões Apesar das diferenças em termos estruturais das ferramentas de revisão Lee and Colley Review Package e Environmental Impact Statement Review Package, foi possível estabelecer uma correlação entre os níveis de subcategorias e critérios abordados por cada um respectivamente. Foram identificadas correlações diretas e indiretas, bem como algumas questões não correlatas entre as ferramentas. Com relação às boas práticas, verificou-se a aderência de cada subcategoria/critérios aos princípios operacionais adotados pela IAIA (1999). Sendo assim, conclui-se que ambas ferramentas contemplam os princípios de boas práticas internacionais da AIA em suas abordagens para avaliação da qualidade de EIAs. No que diz respeito à aplicação, as duas ferramentas se mostraram relativamente simples e indicaram em seus resultados pontos fortes e fracos similares (quando comparados em nível de subcategorias/critérios), bem como uma visualização bem semelhante da avaliação global da qualidade dos estudos. Por fim, as duas ferramentas, embora diferentes na estrutura, produzem um resultado bastante semelhante, o que indica uma possibilidade de comparação de seus resultados e o potencial para serem utilizadas de modo sistemático junto ao processo de AIA no país.

Referências Associação Brasileira de Avaliação de Impacto - ABAI, 2014. Propostas para modernização do Licenciamento Ambiental no Brasil - Documento-síntese dos seminários I (04.12.13), II (30.01.14) e III (06.06.2014). Disponível em: http://avaliacaodeimpacto.org.br/wpcontent/uploads/2015/11/Sintese_seminarios_licenciamento_2014.pdf. (acesso em 455

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

16.03.2016). Badr, E.S.A., Zahran, A.A., Cashmore, M. (2011). Benchmarking performance: Environmental impact statements in Egypt. Environmental Impact Assessment Review, 31(3), pp.279–285. Barker, A., Jones, C. (2013). A critique of the performance of EIA within the offshore oil and gas sector. Environmental Impact Assessment Review, 43, pp.31–39. Canelas, L., Almansa, P., Merchan, M., Cifuentes, P. (2005). Quality of environmental impact statements in Portugal and Spain. Environmental Impact Assessment Review, 25(3), pp.217–225. Chanchitpricha, C., Bond, A. (2013). Conceptualising the effectiveness of impact assessment processes. Environmental Impact Assessment Review, 43, pp.65–72. Glasson, J., Thérivel, R., Chadwick, A., 2005. Introduction To Environmental Impact Assessment, 3rd ed. Routledge, London. Gwimbi, P., Nhamo, G. (2015). Benchmarking the effectiveness of mitigation measures to the quality of environmental impact statements: lessons and insights from mines along the Great Dyke of Zimbabwe. Environment, Development and Sustainability. Instituto Jones dos Santos Neves - IJSN, 2016. Homepage. Disponível em: http://www.ijsn.es.gov.br/mapas/ (acesso em 14.03.2016). International Association for Impact Assessment- IAIA, 1999. Principles of environmental impact assessment best practice. , pp.1-4. Disponível em: http://www.iaia.org/publicationsresources/downloadable-publications.aspx. (acesso em 10.10.2015). Lee, N., Colley, R., Bonde, J., Simpson, J. (1999). Reviewing the quality of Environmental Statements and Environmental Appraisals. Occasional Paper Number 55. Manchester: Department of Planing and Landscape. University of Manchester. Disponível em: http://www.seed.manchester.ac.uk/medialibrary/Planning/working_papers/archive/eia/. (acesso em 07.04.2015). Lee, N., Brown, D. (1992). Quality control in environmental assessment. Project Appraisal, 7(1), pp.41–45. Lee, N., Colley, R. (1992). Reviewing the quality of environmental statements. Occasional Paper. Number 24 (Second Edition). Manchester: EIA Center. Department of Planning and Landscape. University of Manchester. Disponível em: http://www.seed.manchester.ac.uk/medialibrary/Planning/working_papers/archive/eia/. (acesso em 07.04.2015). Lee, N., Dancey, R. (1993). The quality of environmental impact statements in Ireland and the United Kingdom: a comparative analysis. Project Appraisal, 8(1), pp.31–36. Montaño, M., Souza, M.P. (2015). Impact Assessment Research in Brazil: Achievements, Gaps and Future Directions. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 17(1), p.1550009. Morgan, R.K. (2012). Environmental impact assessment: the state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal, 30(1), pp.5–14. Phylip-Jones, J., Fischer, T.B. (2013). Eia for Wind Farms in the United Kingdom and 456

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Germany. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 15(02), p.1340008. Ross, W. A., Morrison-Saunders, A., Marshall, R. (2006). Improving quality. Common sense in environmental impact assessment: it is not as common as it should be. Impact Assessment and Project Appraisal, 24(1), pp.3–10. Sánchez, L.E., 2013. Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos, 2nd ed. Oficina de Textos, São Paulo. Sánchez, L.E. (2013). Development of Environmental Impact Assessment in Brazil. UVP Report, 27, pp.193–200. Sandham, L. A., Hoffmann, A. R., Retief, F.P. (2008). Reflections on the quality of mining EIA reports in South Africa. Journal of the Southern African Institute of Mining and Metallurgy, 108(11), pp.701–706. Sandham, L.A., van Heerden, A.J., Jones, C.E., Retief, F.P., Morrison-Saunders, A. (2013). Does enhanced regulation improve EIA report quality? Lessons from South Africa. Environmental Impact Assessment Review, 38, pp.155–162.

457

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Avaliação Ambiental de Programas Urbanos no Brasil - O caso da Avaliação Ambiental do Programa de Requalificação Urbana de Aracaju-SE M. Coutinho, D. Ortiz, F. Leão, S. Bento e C. Borrego

O desenvolvimento urbano na região da América Latina e, em particular no Brasil, tem sido promovido através da promoção de Programas Urbanos que envolvem diversos projetos, em múltiplos setores como os transportes, a água e saneamento ou a habitação. Os Programas Urbanos têm sido objecto de estudos específicos que têm como principal objectivo avaliar os potenciais riscos e impactos ambientais e sociais de um programa desta natureza. Estes estudos, vulgarmente designados de Avaliações Ambientais (AA) têm seguido metodologias diversas que se têm centrado mais na identificação dos efeitos ambientais e sociais de cada um dos projectos que constituem o Programa, seguindo a linha metodológica e legislativa de avaliação de impactos ambientais dos vários projectos englobados no Programa em detrimento de uma abordagem de nível estratégico das opções tomadas na elaboração do Programa. Contudo, um ponto forte destas avaliações, nomeadamente de projetos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é a promoção da participação da sociedade civil no processo de avaliação ambiental enquanto mecanismo que promove a tomada de decisões mais transparentes na formulação, negociação e implementação dos Programas. Este é aliás um dos princípios de boa prática da Avaliação Ambiental Estratégica. Em 2014 o município de Aracaju, capital do Estado do Sergipe, promoveu a avaliação ambiental do Programa de Requalificação Urbana da Região Oeste de Aracaju a financiar pelo BID. Neste processo, a avaliação realizada tentou, tanto quanto possível, fazer uma aproximação à prática de Avaliação Ambiental Estratégica que seria aplicável na União Europeia a Programas com estas características. Assim, para além de uma avaliação ambiental focada nos impactes dos projetos que compõem o Programa, a análise estratégica permitiu avaliar a pertinência do conjunto de intervenções para resolver os problemas estruturais que condicionam o desenvolvimento sustentável do município. Esta abordagem permitiu concluir que em alguns casos, os projetos em causa não correspondem totalmente ao que deveriam ser as opções estratégicas de um programa desta natureza, tendo daí resultado a proposta de recomendações de caráter estratégico a ser consideradas pela equipa do Programa. As várias consultas realizadas ao longo do processo foram fundamentais, inclusivé na abordagem estratégica da avaliação, validando e complementando a estratégia metodológica definida sendo de destacar que mais de 80% das recomendações da comunidade envolvida foram de facto incorporadas na avaliação. O efetivo envolvimento das comunidades através de processos transparentes é assim um pilar fundamental para para a obtenção de planos e programas conducentes ao desenvolvimento sustentável das cidades.

Palavras-Chave: Cidades, Desenvolvimento Urbano, Avaliação Ambiental, Impactos

458

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A SUSTENTABILIDADE NOS PLANOS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS: OS DESAFIOS DA INSERÇÃO INSTITUCIONAL NO BRASIL Severino Soares Agra Filho Doutor em Economia Aplicada na área de desenvolvimento econômico, espaço e meio ambiente – UNICAMP/SP. Professor do Departamento de Engenharia Ambiental da UFBA. [email protected] Tomás Barros Ramos Doutor em Engenharia do Ambiente - Universidade Nova de Lisboa (UNL, professor do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNL. [email protected].

RESUMO A questão da sustentabilidade em instâncias estratégicas tem sido priorizada nos processos de tomada de decisão, sobretudo na esfera pública. Entretanto, incorporar a perspectiva da sustentabilidade de forma efetiva requer mecanismos institucionais e instrumentos indutores relevantes. Os planos de bacias hidrográficas constituem-se instrumentos estratégicos de gestão do uso de sistemas aquáticos e de sua integração com a gestão territorial de sua área de abrangência. No entanto, particularmente no caso dos Planos de Gestão de Bacias Hidrográficas, para se lograr a boa governança e a gestão sustentável da água, os mecanismos institucionais são essenciais. Assim, é fundamental que a formulação e a execução desses planos incluam a visão de sustentabilidade. Esta perspectiva deve permear o processo de sua elaboração, fazer parte de seus elementos constitutivos, assim como deve respaldar a sua execução visando a uma atuação de longo prazo e integrativa. Além disso, a efetividade da aplicação desses planos será também função do contexto institucional estabelecido e, principalmente, das condições de governança existentes. Na Comunidade Europeia, isso tem sido possível por meio da adoção da Diretiva Quadro da Água e da obrigatoriedade da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) em planos e em outras ações em instâncias estratégicas de decisão. Com base nos resultados da pesquisa intitulada “Os planos de bacias hidrográficas e a aplicação da avaliação ambiental estratégica: uma análise comparativa entre Portugal e Brasil”, este artigo apresenta uma reflexão sobre a prática e os desafios institucionais para a inserção da sustentabilidade nos planos de bacias hidrográficas no Brasil. Trata-se de uma análise sobre a inserção da visão da sustentabilidade no sistema institucional relativo aos planos de bacias hidrográficas, bem como as suas implicações em relação à governança da água. A pesquisa avaliou as possibilidades de inserir a visão da sustentabilidade que a atual estrutura institucional de planejamento e de gestão das águas no Brasil propicia. A investigação utilizou também os resultados de 11 (onze) entrevistas realizadas com especialistas e técnicos da área acadêmica, dos órgãos públicos responsáveis pela gestão da água e da sociedade civil. O estudo aponta as lacunas institucionais e falhas na abordagem conceitual da sustentabilidade no Brasil. Destaca ainda a fragilidade de articulação e a dificuldade de diálogo entre as instituições brasileiras, os obstáculos na efetivação da participação pública, a ausência de procedimentos indutores da perspectiva da sustentabilidade e, sobretudo, a inobservância da sua integração com o ordenamento territorial. Pode-se afirmar que a simples determinação na legislação é insuficiente para se efetivar a inserção da 459

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

sustentabilidade nos planos de bacias. Essa efetivação requer uma visão mais abrangente desses planos e a compatibilização dos dispositivos legais existentes com a realidade institucional, assim como a consideração de procedimentos indutores de integração e sinergia entre os diversos setores, ou seja, a utilização de mecanismos que possam assegurar operacionalmente mútuos comprometimentos de corresponsabilidade para se atingir os propósitos almejados de gestão da água, tais como: a aplicação da Avaliação Ambiental Estratégica e diretrizes estratégicas similares à Diretiva Quadro da Água.

Palavras – chave: sustentabilidade, planos de bacias hidrográficas, governança ambiental.

460

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Efeitos diretos e indiretos da Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil Anne Caroline Malvestio1, Ghislain Mwamba Tshibangu2, Marcelo Montaño3 1

Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador sãocarlense 400, Sao Carlos/SP, 13566-590, Brasil, [email protected] 2 Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador sãocarlense 400, Sao Carlos/SP, 13566-590, Brasil, [email protected] 3 Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador sãocarlense 400, Sao Carlos/SP, 13566-590, Brasil, [email protected] Resumo Instrumentos de Avaliação de Impacto Ambiental têm sido usados desde a década de 70 com o objetivo de dar suporte à consideração de questões ambientais na tomada de decisão e, mais recentemente, à promoção da sustentabilidade. Aplicada a políticas, planos e programas, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é formalmente utilizada em diversos países (e.g. membros da União Europeia), requerida por Agências Multilaterais de Desenvolvimento (AMDs), além de elaborada voluntariamente em algumas situações. No Brasil, as AAEs têm sido elaboradas a partir de exigências de AMDs ou voluntariamente, totalizando até o momento pouco mais de 40 casos de aplicação. A literatura tem apontado que tais práticas, na ausência de um sistema estruturado de AAE que forneça diretrizes e estabeleça responsabilidades para a sua aplicação, têm baixa qualidade em termos procedimentais, bem como pouco influenciam a tomada de decisão. No entanto, a contribuição substantiva desta prática foi pouco explorada até o momento, havendo a necessidade de investigar os impactos dessas aplicações de forma ampla, incluindo seus impactos diretos e indiretos, bem como a rede de atores que recebe os aportes da avaliação. A fim de preencher essa lacuna, o presente artigo analisou os impactos da AAE no Brasil a partir do estudo de três casos, nos quais os impactos e a rede de atores foram identificados a partir da análise dos relatórios de AAE e complementados por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com consultores e representantes de instituições envolvidas nos processos. Tais impactos foram analisados e interpretados diante de um quadro teórico de referência sobre os impactos decorrentes do uso da AAE indicados na literatura. Os resultados indicam que os principais impactos das avaliações analisadas são indiretos e estão relacionados à promoção de momentos de diálogo entre os atores, geração de informação e subsídios para o planejamento. Por outro lado, impactos diretos sobre a tomada de decisão são menos evidentes. Assim, os resultados apontam para a necessidade de se aprimorar a prática da AAE no Brasil, mas também permitem ressaltar as oportunidades que o uso adequado do instrumento representa. Para isso, é preciso entender melhor os fatores que promovem ou constrangem a efetividade da AAE para garantir não somente impactos diretos sobre o PPP sujeito à avaliação, como também impactos indiretos sobre atividades subsequentes. Palavras-chave: Avaliação Ambiental Estratégica, Efetividade, Efeitos, Impactos, Brasil. 1. Introdução Ao longo da última década, o uso da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) em países em desenvolvimento tem sido crescente (Rojas et al., 2013). Muito embora o estudo da efetividade dos instrumentos de Avaliação Ambiental tenha sido recorrente na literatura (Chanchitpricha e Bond, 2013), com presença relevante da AAE (Tetlow e Hanusch, 2012), ainda são poucos os estudos voltados para a efetividade da aplicação da AAE em países em desenvolvimento (Fischer e Onyando, 2012). 461

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A efetividade diz respeito à capacidade da avaliação de influenciar e agregar valor ao processo decisório (Partidário, 2000; Therivel e Minas 2002; Theophilou, Bond e Cashmore, 2010). O estudo da efetividade da AAE é uma tarefa complexa e incerta, e determinados fatores devem ser levados em consideração, tais como: (i) o caráter abstrato das iniciativas estratégicas; (ii) falta de relação explícita entre os resultados – decorrentes da AAE – e as decisões tomadas no âmbito da Política, Plano ou Programa (PPP) (Gachechiladze, Noble e Bitter, 2009). A identificação e compreensão dos elementos contextuais que influenciam na aplicação da AAE são essenciais para a sua devida adaptação ao contexto e para o estabelecimento de seu valor junto ao processo decisório (Hilding-Rydevik e Bjarnadóttir, 2007; Noble, 2009). De modo geral, o contexto da AAE nos países em desenvolvimento se caracteriza pela falta de requisitos legais ou formalizados, e utilização motivada pela necessidade de atendimento às políticas de salvaguarda de instituições multilaterais de desenvolvimento (Annandale et al., 2001). Ainda assim, cada país apresenta especificidades contextuais que devem ser levados em consideração pelos processos de AAE. A prática da AAE ocorre no Brasil de modo pontual, não regulamentada e ainda de forma experimental (Mota et al., 2014), sobretudo pela ausência de regulamentos ou guias formais que estabeleçam a necessidade do uso sistemático desta ferramenta (Malvestio e Montaño, 2013). Ademais, o sistema brasileiro de AAE se mostra difuso, sem uma estrutura orientada para implementação e coordenação do processo de AAE (Malvestio e Montaño, 2013) e principalmente sua integração ao processo de formulação de ações estratégicas. Segundo Montaño e Souza (2015), as pesquisas sobre AAE no Brasil oferecem uma contribuição relevante no que diz respeito à compreensão dos aspectos que condicionam a efetividade deste instrumento no país. A literatura reporta alguns impactos da AAE sobre a tomada de decisão no Brasil (Margato e Sánchez, 2014; Silva et al., 2014). No entanto, a contribuição substantiva desta ferramenta foi pouco explorada até o momento. Fischer (2014), assim como Margato e Sánchez (2014), apontam para a necessidade de pesquisas voltadas para a identificação de evidências a respeito dos efeitos práticos dos instrumentos de avaliação de impacto sobre o processo decisório. No Brasil, Silva et al. (2014) destacam a necessidade de evidências da influência das AAEs no processo de planejamento estratégico. Desta forma, o presente artigo tem como objetivo caracterizar os impactos da AAE sobre a tomada de decisão, bem como outros impactos decorrentes de sua elaboração. 2. Métodos O presente estudo se propõe a identificar os efeitos alcançados pela AAE no Brasil, levando-se em consideração a influência de aspectos contextuais, sobretudo o fato de não constituir ainda um instrumento formalmente regulamentado no país (Montaño et al., 2013). Ao se empregado no presente trabalho, o termo ‘impacto da AAE’ será compreendido como as implicações da avaliação — que podem ser identificadas — sobre a decisão tomada ou sobre o processo de tomada de decisão. Por exemplo, a promoção da discussão antecipada de questões relevantes para a cadeia de ações estratégicas que resulta em ganho de tempo ou redução de custos para o desenvolvimento de PPPs (Runhaar e Driessen, 2007; Thérivel e Minas, 2002). A investigação realizada foi baseada em estudos de caso, método que se presta à análise e interpretação de fenômenos contemporâneos dentro do contexto da vida real, em especial quando não há uma definição precisa dos limites entre fenômeno e contexto (Yin, 2005). Esta abordagem tem sido aplicada a estudos similares, voltados para a análise da efetividade da AAE, conforme preconizado por Theophilou et al. (2010). 2.1 Seleção dos casos analisados 462

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Estima-se haver 44 AAEs já publicadas no Brasil (baseado em Montaño et al., 2014, atualizado pelos autores). No presente trabalho, três casos de aplicação da AAE foram selecionados: (i) AAE do Complexo Industrial e Portuário do Açu, (ii) AAE Programa Multimodal de Transporte e Desenvolvimento Minero-Industrial da Região Cacaueira – Complexo Porto Sul e (iii) AAE do Planejamento Estratégico da Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore no Litoral Paulista – PINO. A escolha dos casos deu-se a partir de três critérios: (i) disponibilidade de documentação da AAE; (ii) disponibilidade de atores diretamente envolvidos no processo para a realização de entrevistas; (iii) similaridade entre os objetos da AAE, favorecendo a análise conjunta dos casos. 2.2 Coleta e análise de dados A coleta e interpretação das informações empregadas no presente trabalho foi realizada por meio de análise de conteúdo de relatórios de AAEs e entrevistas com os atores envolvidos, conforme descritas em seguida. 2.2.1 Análise dos relatórios das AAEs Neuendorf (2002) define uma análise de conteúdo como "a análise objetiva sistemática (...) de características da mensagem". Este método foi empregado para extrair informações a partir dos documentos analisados, e fazer inferências reproduzíveis e válidas a partir de características especificadas do texto (Krippendorff, 2003). A identificação dos impactos da AAE por meio da análise de conteúdo dos relatórios foi norteada pelas seguintes questões: (i) A AAE sugere ter havido algum impacto sobre as decisões e, principalmente, sobre os planos/programas avaliados ou atores envolvidos no processo de avaliação? (ii) A AAE indica algum aporte para (ou influência sobre) o processo decisório? (iii) Qual é a percepção dos atores envolvidos no processo de AAE, a respeito da influência/impactos sobre a decisão? Os impactos identificados foram comparados a um quadro referencial de impactos da AAE sobre o processo decisório, elaborado a partir de revisão da literatura, baseando-se nos procedimentos propostos por Torgerson (2003). Para a revisão da literatura, foram consultadas as plataformas Scopus e Web of Science com o emprego das seguintes palavras-chaves: Avaliação Ambiental Estratégica, estudo de caso, influência, efeito e impacto. Em cada artigo, identificou-se o(s) impacto(s) reportado(s), que foram agrupados em categorias (Apêndice 1). Considerando a inexistência de um sistema estruturado de AAE no país (conforme Montaño et al., 2014) que pudesse apontar previamente os atores relevantes e seus respectivos papéis desempenhados no processo de AAE, foi necessário mapear os atores e instituições potencialmente influenciados pelo instrumento. Deste modo, foi possível compreender os diferentes papéis e perspectivas dos principais atores envolvidos no processo de AAE, o que, por sua vez, permite estabelecer conexões entre fatores contextuais e os efeitos/impactos da AAE (Acharibasam e Noble, 2014; Peterson, 2004). Adotou-se o processo de mapeamento empregado por Acharibasam e Noble (2014), que consiste em levantar os atores envolvidos nas avaliações baseando-se nas informações contidas nos relatórios de AAE. Desta forma, por meio dos relatórios de AAE mapeou-se, 463

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

para cada caso selecionado, os atores e suas respectivas funções, assim como as recomendações da avaliação a cada um dos atores. 2.2.2 Entrevistas com atores relevantes A fim de complementar a análise dos relatórios e de analisar os efeitos da AAE pós publicação dos relatórios, pretendeu-se entrevistar os diferentes ‘grupos de atores’ que se relacionam com a AAE, buscando-se investigar a AAE a partir de diferentes perspectivas e evitar que os resultados da pesquisa fossem enviesados em função do conjunto de atores entrevistados. Assim, partiu-se de quadro grupos de atores: proponente do objeto da AAE; agente motivador da AAE; equipe elaboradora da AAE; e instituição interessada no objeto da AAE. Para cada um dos casos, representantes dos quatro grupos foram identificados e contactados. No entanto, não foi possível a realização de entrevista com o proponente do objeto da AAE para nenhum dos casos e, portanto, as entrevistas realizadas representam perspectivas apenas de agente motivador da AAE, equipe elaboradora e instituição interessada no objeto da AAE. Ao todo foram realizadas sete entrevistas, indicadas na Tabela 1. Tabela 1 – Entrevistas realizadas. AAE objeto da entrevista

AAE do Complexo Industrial e Portuário do Açu

AAE do Programa Multimodal de Transporte e Desenvolvimento MineroIndustrial da Região Cacaueira – Complexo Porto Sul

AAE do Planejamento Ambiental Estratégico da Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore no Litoral Paulista - PINO

Entrevistado

Relação com a AAE

Representante da SEMA Rio de Janeiro

Agente motivador da AAE

Promotor do Ministério Público

Instituição interessada no objeto da AAE

Representante do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente (LIMA/COPPE/UFRJ)

Equipe de apoio à equipe elaboração da AAE

Representante do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente (LIMA/COPPE/UFRJ)

Equipe elaboradora da AAE

Representante da SMA São Paulo na comissão de elaboração da AAE

Agente motivador da AAE

Representante da SDECT de São Paulo na equipe de apoio à coordenação da AAE

Agente motivador da AAE

Representante da Empresa de consultoria ArcadisTetraplan

Equipe elaboradora da AAE

As entrevistas foram presenciais, de caráter qualitativo e semi-estruturadas, método escolhido em função de sua flexibilidade, permitindo que o entrevistado levante pontos não contemplados pelo roteiro (Richardson, 1999) e a solução de dúvidas na medida em que elas apareçam (Rosa e Arnoldi, 2008). Ressalta-se que, previamente a realização das entrevistas, o entrevistador possuía conhecimento dos processos de AAE (a partir dos 464

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

documentos analisados previamente) e embasamento teórico sobre o instrumento, o que foi fundamental para a adequada condução e compreensão das entrevistas (Rosa e Arnoldi, 2008). Nas entrevistas, pediu-se para que o entrevistado descrevesse o processo de AAE em que esteve envolvido, a fim de contextualizar o caso analisado (por exemplo, mencionando objetivos da AAE, momento em que foi elaborada, integração entre as atores) e, em seguida, apontasse os efeitos da AAE, incluindo questões relacionadas a efeitos já reportados na literatura internacional (Box 1). Box 1. Roteiro das entrevistas qualitativas semi-estruturadas. • Contextualização da AAE; • Efeitos da AAE: • As propostas apontadas pela AAE foram utilizadas na tomada de decisão e elaboração da versão final do objeto analisado? (a, b, f, g, h, j) • A AAE auxiliou a melhor compreensão do objeto avaliado e do contexto em que está inserido (informando a decisão, diminuindo incertezas do processo de planejamento, aumentando a transparência)? (a, c, d, f, g, k) • As diretrizes e recomendações da AAE foram observadas nos níveis seguintes de planejamento e decisão? (b, e, g) • A AAE contribuiu para a promoção da participação de instituições com interesse no objeto de AAE e do público interessado? (h) • Os efeitos ambientais do objeto analisado são monitorados? (b, i) • Foram observados outros efeitos da AAE sobre a decisão e/ou processo decisório?

a) Cashmore et al. (2004); b) Fischer (2007); c) IAIA (2002); d) Jay et al (2007); e) Partidário (1996); f) Retief (2006); g) Retief (2007); h) Theophilou et al. (2010); i) Therivel (2004); j) Therivel e Minas (2002); k) Van Buuren e Nooteboom (2009).

3. Resultados e discussão 3.1 Aportes das AAEs: análise a partir dos relatórios AAE do Complexo Industrial e Portuário do Açu O Projeto Açu envolve um porto off shore que tem como razão predominante a exportação de minério de ferro, oriundo de jazidas do empreendedor. A AAE destacou-se devido à complexidade do conjunto de avaliações de impactos ambientais decorrente do Complexo Industrial e Portuário do Açu, que englobam a própria AAE (finalizada em 2009) e avaliações de projetos individuais anteriores e posteriores à AAE. Ademais, destacam-se as discussões recentes voltadas para a avaliação de impactos cumulativos e sinérgicos dos empreendimentos do Complexo, inclusive com intervenção do Ministério Público. Pela análise do relatório, foram identificados aportes voltados para opções estruturantes endereçadas ao empreendedor e ao Governo do Estado de Rio de Janeiro. Em relação ao empreendedor, a AAE provê subsídios relacionadas ao planejamento, que incluem: (i) adoção de sustentabilidade ambiental na competitividade empresarial e a implementação de um condomínio Industrial sob o paradigma da Ecologia Industrial para o Complexo Açu; (ii) conjunto de diretrizes e recomendações para a área do Complexo, nos municípios de São João da Barra e Campos dos Goytacazes, na região do Norte Fluminense e no Estado do Rio de Janeiro; (iii) cumprimento de convenções internacionais (tais como da água de lastro, ISPS Code e capacitação portuária); (iv) estabelecimento de um arcabouço institucional de gestão do Complexo Industrial/Portuário e da zona costeira do Açu; (v) desenvolvimento e 465

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

implantação da Agenda Ambiental Portuária para o terminal portuário do Açu, buscando a interação com diversas entidades, dentre os quais Prefeituras municipais, universidades, associações civis, organizações sindicais; e (vi) formação de recursos humanos, visando o desenvolvimento regional e municipal; (vii) ao empreendedor, recomenda-se também apoio a grupos vulneráveis assim como ação permanente de interação com a comunidade e agências locais, regionais, estaduais e federais, que permitam uma troca de informações entre os principais envolvidos de modo a mantê-los informados a respeito dos objetivos do empreendimento, das atividades de construção e seus riscos, assim como das etapas e efeitos da operação. Em relação aos Governos Federal e Estadual, a AAE solicita o estabelecimento de um arcabouço institucional de gestão do Complexo Industrial/Portuário e da zona costeira do Açu. Ademais, a avaliação fornece possíveis trajetórias e direções a serem seguidas pelas políticas públicas, na tentativa de proporcionar o melhor aproveitamento dos investimentos a serem maciçamente alocados até 2025. AAE do Programa Multimodal de Transporte e Desenvolvimento Minero-Industrial da Região Cacaueira – Complexo Porto Sul O Porto Sul é um equipamento de importância estratégica para garantir ao novo Centro Logístico Intermodal a necessária sinergia operacional com os demais modais e com outros equipamentos, tais como: o novo Aeroporto Internacional de Ilhéus, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, o sistema de acessos rodoviário e respectivas conexões urbanas. O Porto Sul funcionará ainda como uma plataforma integradora da BR 101 com o sistema BR 116 BR 324, a ser privatizado. A realização da AAE é uma iniciativa da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia, motivada pelos investimentos programados para a região no campo da logística de transporte e da metalurgia. A AAE, concluída em 2010, se destaca devido às discussões recentes no âmbito do licenciamento dos empreendimentos objeto da AAE, em particular do licenciamento do Porto Sul. Os aportes levantados direcionados ao Governo de Bahia incluem: (i) responsabilização pelo pelo Acordo de Cooperação assinado com a INFRAERO para a construção do novo aeroporto de Ilhéus; (ii) desenvolvimento e implantação de planos e programas voltados para a gestão e planejamento regional, mitigação, monitoramento como também envolvimento da população. Ao empreendedor, a AAE solicita apoio técnico e financeiro a planos e programas voltados para o planejamento regional e gestão ambiental. A avaliação também recomenda envolvimento da esfera governamental no sentido de auxiliar a integração de planos, programas e projetos. AAE do Planejamento Ambiental Estratégico da Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore no Litoral Paulista - PINO O PINO compreende um conjunto de projetos estruturantes advindos do setor de petróleo e portuário, previstos para ocorrer do Litoral Paulista. Trata-se de um agrupamento de empreendimentos, projetos e intenções de investimentos públicos e privados, obedecendo a uma dada curva de maturação, num dado horizonte temporal e distintas configurações espaciais no Litoral Paulista. Como a AAE não foi aplicada a um PPP, mas a um conjunto de ações, empreendimentos e intenções de desenvolvimento, não há um único proponente, mas um conjunto deles, já que os empreendimentos são de competência do governo federal, estadual ou da iniciativa privada. Os efeitos da AAE identificados são direcionados para o(s) ator(es)/entidade(s).

466

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A todos os proponentes, a avaliação recomenda que a negociação com Agências Multilaterais de Desenvolvimento de pacotes de instrumentos fiscais e de crédito seja feita levando em consideração os Princípios do Equador. Para os Governos Federal e Estadual, Ministério de Transporte, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e Agência Nacional de Transportes Terrestres propõe-se: (i) implantação de projeto de expansão de capacidade do sistema ferroviário de interligação do Planalto com a Baixada Santista; (ii) implantação dos ferroanéis sul e norte, ampliação de capacidade do sistema ferroviário de cargas de atendimento e passagem na Região Metropolitana de São Paulo e suas interligações com outras regiões. O fortalecimento do ambiente político-administrativo, a coordenação de ações intragovernamentais e intergovernamentais imediatas, a fiscalização dos municípios, a implementação do Conselho Gestor do Fundo Garantidor de Habitação e do Fundo Paulista de Habitação de Interesse Social são proposições feitas pela avaliação aos Governos Federal e Estadual. Exclusivamente para o Governo federal, a AAE solicita agilidade no que tange à inclusão de programas e projetos assim como recursos para investimentos no Litoral Paulista, além de ampliação de transferências negociadas para o Estado de São Paulo. Para o Governo estadual, a AAE solicita ampliação de investimentos do Governo do Estado no Litoral Paulista. A Avaliação contempla também as instituições de pesquisas. A estas, propõe-se a promoção da adoção de tecnologias sustentáveis, inclusive a adoção de incentivos, destacando-se a criação e operacionalização do Parque Tecnológico voltado para o setor do petróleo e gás natural no Litoral Paulista. 3.2 Efeitos das AAEs: análise a partir de entrevistas A partir das sete entrevistas realizadas foi possível identificar 14 impactos decorrentes das AAEs analisadas. Os impactos foram organizados em sete temas e estão apresentados na Tabela 2. Destaca-se que em nenhum dos casos identificou-se influência direta da AAE na versão final do objeto avaliado, o que se deve, sobretudo, ao início tardio da AAE. Nos três casos analisados a decisão principal diz respeito a projetos estruturantes e a decisão de implantálos havia sido tomada antes da elaboração da avaliação ambiental estratégica. Apesar disso, mencionou-se como um impacto positivo da AAE a melhor compreensão do objeto avaliado ja que, a partir da avaliação, produziu-se, reuniu-se e publicou-se informações relevantes sobre os projetos estruturantes, os impactos previstos, incertezas e conflitos relacionados, cenários futuros possíveis. Outros impactos relevantes observados relacionam-se a facilitação da comunicação entre os setores e instituições com interesse na avaliação, produção de informações relevantes, informação do público interessado, gerenciamento de conflitos, aperfeiçoamento das exigências ligadas às avaliações de impactos ambientais e licenciamento ambiental dos projetos englobados pela AAE e capacitação sobre AAE e observação de sua importância por parte dos indivíduos envolvidos no processo. Observando-se os resultados de cada AAE individualmente, nota-se uma diferença significativa em relação à diversidade de impactos observados, mesmo tratando-se de avaliações elaboradas em contextos semelhantes (objetos de avaliação semelhantes, consultorias que utilizam metodologias semelhantes). Nesse sentido, destaca-se a AAE do Planejamento Ambiental Estratégico da Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore no

467

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Litoral Paulista (PINO), que virou “ponto de referência para vários órgãos de governo” 107 (informação pessoal) . Tabela 2 – Impactos identificados a partir das entrevistas realizadas para três AAEs brasileiras. Impactos observados

Açu

Sul

Utilização das propostas da AAE na tomada de decisão e elaboração da versão final do objeto

-

-

Pino -

Melhor compreensão do objeto avaliado Produção, reunião e publicação de informações relevantes sobre o objeto



Consideração e avaliação de incertezas

-

Promove alguma transparência sobre o objeto avaliado

-

-

Observação da AAE pelos níveis seguintes de planejamento e decisão Observada por setores e institutioções que planejam a região

-

-

Observada pelos EIAs de projetos

-



Observada pelo órgão licenciados de projetos

-

-

-

-

⊕*

Promoção de participação de instituições com interesse no objeto da AAE Promoção da comunicação entre setores e instituições que geralmente não trabalham juntas Alinhamento de conceitos e objetivos entre instituições Promoção de ‘espaço’ para que instituições incluissem suas demandas Promoção de participação do público com interesse no objeto da AAE Informação do público interessado (participação pública de caráter expositivo)

-

Monitoramento dos efeitos ambientais do objeto analisado

-

-

-

Produção de informações de interesse Produção de informações que possibilitam melhor compreensão de cenários pós implementação do objeto avaliado

-

Elaboração de cenários/informações para subsidiar decisões e negociaçoes futuras

-

Gerenciamento de conflitos e interesses

-

-

-

-

Benefícios para o licenciamento de projetos Simplificação das exigências do órgão ambiental, focando o escopo dos EIAs Capacitação com relação à aplicação e importância da AAE Legenda:

-

-

impacto relevante; ⊕ impacto parcialmente relevante; - impacto não mencionado.

107 Informação pessoal: entrevista realizada com representante da SDECT à época da elaboração da AAE do PINO, em 17 mai. 2012.

468

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3.3 Comparação com quadro de referência Identificados os aportes das AAE (a partir da análise de relatórios) e seus impactos (a partir das entrevistas), estes resultados foram comparados ao quadro de referência construído a partir da literatura. Os resultados estão sumarizados na Tabela 3. Tabela 3 – Comparação entre categorias de impactos associados à aplicação da AAE, identificados a partir da literatura (quadro de referência) e impactos identificados nos casos brasileiros analisados.

Categorias de impactos identificados a partir da literatura

Impactos identificados no casos brasileiros analizados Açu

Sul

Pino

Conhecimento Participação pública Avaliação de impactos Melhoria do PPP Conformidade legal Melhor consideração de alternativas Fonte de informação Suporte à tomada de decisão Suporte a decisões subsequentes Proteção ambiental Melhor comunicação Estímulo à pesquisa Legenda: Impacto levantado na entrevista; levantado na entrevista e no relatório.

impacto levantado no relatório;

impacto

Comparando os resultados obtidos por meio de entrevistas e os impactos de AAE identificados na literatura, nota-se que os impactos identificados nos três casos brasileiros são mencionados na literatura e estão ligados, principalmente, à elaboração de informações, promoção do conhecimento e da comunicação entre os atores, resultando na melhor informação do público e no suporte a decisão subsequentes a AAE. A ausência de impactos diretos da AAE no PPP e tomada de decisão principal parece estar relacionada ao fato de que, nos casos analisados, as avaliações foram aplicadas a ações estratégicas já previamente definidas. O momento em que a avaliação foi iniciada (timing), portanto, fez com que a oportunidade de impactar a tomada de decisão principal fosse bastante limitada.

469

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A limitada influência da AAE quando não inserida nas fases iniciais do planejamento também é apontada, por exemplo, por Therivel e Minas (2002) estudando AAEs do Reino Unido, por Smith, Fessey e White (2011) para AAEs na Polônia e por Desmond (2007), que afirma que decisões tomadas previamente é um dos fatores que limitam a consideração de alternativas na AAE. Quando inserida tardiamente, além de a AAE raramente promover mudanças nos PPPs, tanto a consideração de alternativas quanto a cooperação entre equipes do planejamento e da AAE são dificultadas (Smith; Fessey; White, 2011). Por outro lado, quando a AAE acompanha a concepção do plano (como uma ferramenta de suporte ao planejamento e não para sua validação), as mudanças são mais frequentes e o uso do tempo e recursos é mais eficiente (Therivel; Minas, 2002). Mesmo quando a AAE não influencia diretamente a concepção do objeto da avaliação, ela ainda pode ser importante por informar o processo, auxiliando a melhor compreensão do ambiente, do contexto e do próprio objeto da AAE (Fischer, 2007; Therivel, 2004), além da possiblidade de acarretar benefícios indiretos, por exemplo: conferindo alguma transparência para o processo, promovendo o aprendizado e ideias que possam colaborar para outros ciclos de decisão estratégica; permitindo mudanças de atitudes, de percepções e de rotinas estabelecidas (Fischer, 2007; Therivel, 2004). Contribuições desse tipo foram observadas em estudos internacionais, por exemplo, no Relatório de eficácia da Diretiva Europeia 2001/42, destacando-se o impacto da AAE na melhor organização do processo de planejamento e em sua maior transparência (CCE, 2009). Este também foi o caso das AAEs brasileiras analisadas que, em diferentes graus, informaram o processo de planejamento e atingiram outros benefícios do instrumento que não a “melhoria” direta do objeto avaliado. Vale ressaltar que os casos analisados foram elaborados em um contexto de escassez ou ausência de informações públicas claras e confiáveis quanto aos efeitos ambientais dos objetos avaliados pela AAE e quanto ao próprio desenvolvimento das regiões de estudo. Ao mesmo tempo, o uso da AAE nestes contextos permitiu notar-se que algumas secretarias setoriais têm grande dificuldade de planejar considerando-se outras questões que não as diretamente relacionadas ao seu setor. Portanto, o uso da AAE fez uma provocação no sentido de mudar a “rotina” e o modo de planejar, o que, segundo Fischer (2007), é uma característica de AAE efetiva. A promoção desse diálogo se mostrou diretamente ligada à visão multisetorial que a AAE pode provocar e à realização de consulta a instituições interessadas. Nesse contexto, as AAEs (em especial a AAE do PINO) passaram a cumprir um papel de elaboração de informações de qualidade e de promoção da comunicação entre atores, revelando, por um lado, uma lacuna do próprio sistema de planejamento, no qual se toma decisões estratégicas na ausência de informações ambientais de qualidade e sem o envolvimento adequado dos atores interessados (público e instituições). Por outro, revela uma oportunidade de aplicação de instrumentos de caráter estratégico, mostrando que, ainda que aplicada de forma não sistemática e não articula, a AAE pode proporcionar impactos no sistema decisório. Porém, para que a AAE alcance impactos diretos na tomada de decisão principal, a aplicação do instrumento precisa ser aprimorada, em especial no que diz respeito ao momento em que é realizada. 4. Conclusões A fim de identificar quais os impactos da prática da Avaliação Ambiental Estratégica no contexto brasileiro, o presente trabalho analisa três AAEs aplicadas a atividades portuárias, realizadas entre 2008 e 2010. Os resultados mostram que, apesar das recomendações apresentadas, as AAEs analisadas tiveram pouco ou nenhum impacto sobre objeto avaliado e sobre a tomada de decisão, o que parece estar relacionado ao momento em que a AAE foi iniciada (após tomada de 470

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

decisão principal), o que evidencia a necessidade de aprimoramento da prática da AAE no país e reforça as conclusões de Montaño et al. (2014) a respeito da necessidade de estruturação formal do sistema de AAE e sua aplicação sistemática no desenvolvimento de ações estratégicas. Por outro lado, os resultados também permitem ressaltar as oportunidades que o uso adequado do instrumento representa, posto que possibilitaram, em especial, a produção de e elaboração de informações relevantes e de qualidade que subsidiam decisões secundárias e subsequentes ao objeto da AAE, além da comunicação entre instituições interessadas nos processos decisórios. Ressalta-se, porém, que ainda é preciso aprofundar a investigação quanto aos fatores que promovem ou constrangem os impactos da AAE e, por consequência, de sua efetividade. Referências Acharibasam, J. B., Noble, B. F., 2014. Assessing the impact of strategic environmental assessment. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 32, p. 177-187. Annandale, D., Bailey, J., Ouano, E., Evans, W., King, P., 2001. The potential role of Strategic Environmental Assessment in the activities of Multi-lateral Development Banks. Environmental Impact Assessment Review, v. 21, p. 407–429. Cashmore, M., Gwilliam, R., Morgan, R., Cobb, D., Bond, A., 2004. The interminable issue of effectiveness: substantive purposes, outcomes and research challenges in the advancement of environmental impact assessment theory. Impact Assessment and Project Appraisal. v. 22, p. 295 – 310. Chanchitpricha C, Bond A., 2013. Conceptualizing the effectiveness of impact assessment processes. Environmental Impact Assessment Review, v. 43, p. 65–72. CCE (Comissão das Comunidades Europeias), 2009. Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comitê econômico e social e ao Comitê das regiões: relativo à aplicação e eficácia da Diretiva Avaliação Ambiental Estratégica (Diretiva 2001/42/CE). Disponível em: . Acessado em 12 Abril. 2016. Desmond, M. Decision criteria for the identification of alternatives in strategic environmental assessment. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 25, p. 259-269, 2007. Fischer, T. B., 2007. Theory and practice of strategic environmental assessment: towards a more systematic approach. UK; USA: Earthscan. Fischer, T. B., 2014. Impact assessment: There can be strength in diversity! Impact Assessment and Project Appraisal, v. 32, p. 9–10. Fischer, T. B., Onyango, V., 2012. Strategic Environmental Assessment-related research projects and journal articles: an overview of the past 20 years. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 30, p. 253-263. Gachechiladze, M., Noble, B. F., Bitter, B. W., 2009. Following-up in strategic environmental assessment: a case study of 20-year forest management planning in Saskatchewan, Canada. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 27, p. 45–56. Hilding-Rydevik, T., Bjarnadóttir, H., 2007. Context awareness and sensitivity in SEA implementation. Environmental Impact Assessment Review, v. 27, p. 666–684. IAIA (International Association for Impact Assessment), 2002. Strategic Environmental Assessment Performance Criteria. Special Publication Series, n. 1. Disponível em: . Acessado em: 04 Abril. 2016.

471

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Jay, S., Jones, C., Slinn, P., Wood, C., 2007. Environmental impact assessment: Retrospect and prospect. Environmental Impact Assessment Review. v. 27, p. 287 - 300. Krippendorff, K., 2003. Content Analysis: an Introduction to Its Methodology. 2nd ed. Sage Publications Inc, Thousand Oaks, California. Malvestio, A.C., Montaño, M., 2013. Effectiveness of Strategic Environmental Assessment Applied To Renewable Energy in Brazil. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 15, 1340007. Margato, V., Sánchez, L.E., 2014. Quality and outcomes: a critical review of Strategic Environmental Assessment in Brazil. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 16, 1 – 32. Montaño, M., Malvestio, A.C., Oppermann, P. de A., 2013. Institutional learning by SEA practice in Brazil. UVP Report, 27, 201 – 206. Montaño, M., Oppermann, P., Malvestio, A.C., Souza, M.P., 2014. Current state of the SEA system in Brazil: a comparative study. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 16, 1450022. Montaño, M., Souza, M.P., 2015. Impact Assessment research in Brazil: achievements, gaps and future directions. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 17, 1– 8. Mota, A.C., La Rovere, E.L., Fonseca, A., 2014. Industry-Driven and Civil Society-driven Strategic Environmental Assessments in the Iron Mining and Smelting Complex of Corumbá, Brazil. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 16, 1450010. Neuendorf, K., 2002. The content analysis guidebook. Thousand Oaks, CA: Sage. Noble, B. F., 2009. Promise and dismay: The state of strategic environmental assessment systems and practices in Canada, Environmental Impact Assessment Review, 29, 66–75. Partidário, M.R., 1996. Strategic Environmental Assessment: key issues emerging from recent practice. Environmental Impact Assessment Review, 16, 31–55. Partidário, M.R., 2000. Elements of an SEA framework — improving the added-value of SEA. Environmental Impact Assessment Review, 20, 647–663. Peterson, K., 2004. The role and value of SEA in Estonia: stakeholders’ perspectives. Impact Assessment and Project Appraisal, 22(2), 159–165. Retief, F., 2006. The quality and effectiveness of Strategic Environmental Assessment (SEA) as a decision-aiding tool for national park expansion — the greater Addo Elephant National Park case study. Koedoe, Vol 49, n. 2, 103–122. Retief, F., 2007. Effectiveness of Strategic Environmental Assessmen (SEA) in South Africa. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v. 9, n. 1, 83–101. Richardson, R. J., 1999. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. rev. São Paulo: Atlas. Rojas, C.; Pino, J.; Jaque, E. 2012. Strategic environmental assessment in Latin America: A methodological proposal for urban planning in the Metropolitan Area of Concepción (Chile). Land Use Policy. 30, 519–527. Rosa, M. V. F. P.; Arnoldi, M. A. G. C., 2008. A entrevista na pesquisa qualitativa: mecanismos para validação dos resultados. 1ª ed., Belo Horizonte: Autêntica. Runhaar, H., Driessen, P.P.J., 2007. What makes strategic environmental assessment successful environmental assessment? The role of context in the contribution of SEA to decision-making. Impact Assessment and Project Appraisal, 25, 2–14.

472

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Silva, H.V.O., Pires, S.H.M., Oberling, D.F., La Rovere, E.L., 2014. Key Recent Experiences in the Application of Sea in Brazil. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 16, 1450009. Smith, S.; Fessey, M.; White, A., 2011. Generating reasonable alternatives: lessons from UK Spatial Planning practice. Artigo In: IAIA Special Conference on SEA, Prague. Proceedings… Disponível em: . Acessado em: 22 ago. 2012. Tetlow, M. F.; Hanusch, M. 2012. Strategic environmental assessment: the state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal, 30(1), 15–24. Theophilou, V., Bond, A., Cashmore, M., 2010. Application of the SEA Directive to EU structural funds: Perspectives on effectiveness. Environmental Impact Assessment Review, 30, 136–144. Therivel, R., 2004. Strategic Environmental Assessment in Action, 1 ed. Earthscan, London. Therivel, R., Minas, P., 2002. Ensuring effective sustainability appraisal. Impact Assessment and Project Appraisal, 20 (2), 81–91. Torgeson, C., 2003. Systematic Reviews. Continuum, London. Van Buuren, A., Nooteboom, S., 2009. Evaluating strategic environmental assessment in The Netherlands: content, process and procedure as indissoluble criteria for effectiveness. Impact Assessment and Project Appraisal, 27, 145–154. Yin, R. Y., 2005. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3 ed. Porto Alegre: Bookman.

473

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Impactos da AAE Conhecimento Proporcionou algum tipo de aprendizagem, conhecimento e melhorias. (1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 10; 14; 15; 17; 18) Possibilitou a compreensão de questões ambientais/de sustentabilidade, uma melhor compreensão do PPP e do processo de avaliação por parte dos planejadore. (3; 4; 14) Proporcionou conscientização sobre as ações da agência ou da organização. (4) Mudou ou influenciou as normas e valores institucionais ou práticas de gestão. (4; 5) Participação pública Os resultados da AAE foram considerados válidos e críveis pelos stakeholders.(1) Aumentou a credibilidade, transparência e confiança nos resultados finais (e da decisão final) e nas instituições envolvidas. (1; 3; 4; 7) Respeitou os interesses fundamentais dos atores participantes. (1; 4; 10) Foi um veículo para comunicar e adquirir informações. (1; 7; 8; 13) Foi uma oportunidade para a participação ativa da população. (6; 8; 10; 14; 16; 17) Tornou a consulta pública muito mais focada. (6) Garantiu uma maior apropriação do PPP final pelo público. (7) Aumentou a consciência/consenso do público sobre as questões ambientais e o processo de tomada de decisão do PPP. (7; 16) Avaliação de impactos Identificou ramificações sustentáveis ou ambientais associadas à implementação do PPP, e sugeriu possíveis alterações quando essas ramificações são negativas. (3; 4; 9; 11; 16) Forneceu uma direção clara ou recomendações para facilitar a implementação do PPP, incluindo orientações para o monitoramento ou avaliação pós implementação. (4; 6) Identificou os potenciais impactos (positivos ou negativos) do PPP. (4; 16) Buscou gerenciar riscos e minimizar conflitos associados a futuros projetos. (6) Foi uma oportunidade para identificar e concentrar-se na(s) questão(oes) principal(is). (6; 7) Avaliou efeitos cumulativos. (6; 12) Apontou oportunidades para o desenvolvimento da área. (9) Melhoria do PPP Incorporou aspectos de sustentabilidade (por exemplo, relações entre os sistemas humanos e ecológicos; equidade intra e intergeracional; precaução e adaptação; preocupações socioeconômicas) ao PPP ou ao processo de tomada de decisão. (3; 4; 8; 17) Contribuiu para a melhoria do processo de desenvolvimento e/ou implementação do PPP, tornando-o mais eficiente. (4; 9) Modificou os objetivos do PPP incorporando objetivos ambientais. (16) Expandiu o escopo do PPP. (16)

474

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Conformidade legal Assegurou o respeito do PPP para com os regulamentos aos quais está sujeito. (4) Ajudou a realizar metas e objetivos organizacionais ou institucionais mais amplos (além do âmbito do PPP). (4) Melhor consideração de alternativas Realizou um balanço integral do conjunto de opções/alternativas/cenários considerados relevantes pelos stakeholders. (4; 9) Fonte de informação Forneceu informações facilmente acessíveis (por exemplo, dados de baseline) para uso em processos de PPPs subsequentes, monitoramento ou de estudo de impacto. (4) Aumentou o acesso às informações sobre o meio ambiente. (18) Forneceu aos reguladores uma melhor compreensão dos riscos associados ao PPP, perspectivas dos stakeholders e, portanto, mais confiança em suas decisões.( 2; 6) Suporte à tomada de decisão Melhorou as decisões regulamentares. (6) Incluiu a variável ambiental na tomada de decisões. (18) Suporte a decisões subsequentes Permitiu a racionalização dos procedimentos de avaliação de projetos subsequentes. (17) Proteção ambiental Melhorou as condições ambientais ou socioeconômicas ou elevou os padrões ambientais ou socioeconômicos. (4) Assegurou uma compensação ambiental. (8) Reforçou a proteção ambiental. (17) Melhor comunicação Melhorou a comunicação e cooperação de autoridades, indivíduos, outras instituições e organizações. (5; 14) Promoveu o nascimento de comportamentos cooperativos espontâneos por parte de empresas/instituições envolvidas que poderiam se beneficiar da integração e as sinergias com outras empresas/instituições (por exemplo, a reutilização de matérias-primas, segunda troca de fluxos de água e energia). (9) Estímulo à Pesquisa Identificou, estimulou ou apontou novas pesquisas ou necessidades (por exemplo, lacunas associadas ao PPP). (4)

Apêndice – Impactos associados à aplicação da AAE, identificados a partir da literatura (quadro de referência).

475

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Governança de sistemas de indicadores de sustentabilidade em processos de Avaliação Ambiental Estratégica Antonio Waldimir Leopoldino da Silva1, Marinilse Netto2, Paulo Maurício Selig3, Alexandre de Ávila Lerípio4 1

Doutor, Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, Chapecó, SC, Brasil. E-mail: [email protected] 2

Doutora, Professora da Universidade Comunitária da Região UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil. E-mail: [email protected].

de

Chapecó



3

Doutor, Professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: [email protected] 4

Doutor, Professor da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Itajaí, SC, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo Indicadores de sustentabilidade (IdS) constituem uma ferramenta de grande relevância em processos de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). O trabalho objetivou desenvolver um modelo para governança de sistemas de IdS em AAE, visando dotá-los de maior transparência, acurácia e efetividade. O estudo foi conduzido por meio de pesquisa documental, mediante avaliação de relatórios de 32 AAEs brasileiras e de 100 AAEs com origem em outros países, e entrevistas com 14 líderes de equipes brasileiras de elaboração de AAE. Os documentos e o teor das entrevistas foram escrutinados qualitativamente segundo a técnica da Análise de Conteúdo. Considerando que IdS são peças de conhecimento técnico e social, o modelo proposto para a governança de sistemas de IdS tem sua base conceitual no ciclo do conhecimento. O framework, denominado G-SINDS, é composto por seis fases (Definições Prévias; Identificação; Criação; Compartilhamento; Utilização; Armazenamento) e por três elementos transversais às fases (Avaliação; Gestão do Conhecimento; Participação das Partes Interessadas). Cada fase representa um estágio de construção do sistema de IdS, explicitando procedimentos metodológicos genéricos e adaptáveis à especificidade de cada processo de AAE. Os elementos transversais são fatores que incidem sobre cada fase, no sentido de aperfeiçoá-las. O framework proposto estabelece um rito processual que, embora flexível, permite organizar e roteirizar o desenvolvimento de sistemas de IdS, incluindo pontos decisivos para a qualidade do resultado e que nem sempre são observados. O G-SINDS representa um modelo inteiramente distinto de outros apresentados na literatura, pois envolve todas as fases que constituem o “ciclo de vida dos indicadores”, está direcionado à AAE e baseia-se em princípios e técnicas da Gestão do Conhecimento. Face à sua concepção inovadora e fundamentada no exercício de boas práticas, o G-SINDS surge como um fator de aprimoramento na execução de processos de AAE. Palavras-chave: Avaliação Ambiental Estratégica, boas práticas, Gestão do Conhecimento, indicadores, sustentabilidade. 1. Introdução Na sociedade atual, em que o desenvolvimento sustentável é a palavra de ordem, os indicadores de sustentabilidade (IdS) ganham cada vez mais importância e popularidade. Define-se IdS como parâmetros quanti ou qualitativos empregados para caracterizar o status quo e/ou estimar os efeitos de ações antrópicas sobre fatores de sustentabilidade de territórios e populações, possibilitando a projeção de tendências e a verificação do

476

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

cumprimento de objetivos e metas. Na Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), os IdS constituem as “métricas da avaliação” (Partidário, 2012). Devido à função central exercida pelos IdS, é fundamental assegurar alta qualidade do seu desenvolvimento (Donnelly et al., 2008), pois inadequações nos parâmetros selecionados podem levar a erros na tomada de decisão (Therivel, 2010). Em que pese este fato, Ezequiel (2010) não observou nenhum processo explícito de seleção de IdS em 25 AAEs realizadas em Portugal. Segundo Gao et al. (2013b), os praticantes de AAE declaram sentir a necessidade de maior orientação e melhores procedimentos para desenvolver e selecionar indicadores. Como agravante, na grande maioria dos relatórios de AAE a definição dos IdS é descrita de maneira superficial, um possível reflexo da forma como foi executada Registre-se, ainda, que o processo de construção de indicadores é tão importante quanto o próprio resultado deste (Pülzl e Rametsteiner, 2009), pois a principal influência não irá acontecer após a definição e publicação, mas durante o processo de criação (Innes e Booher, 2000). O emprego de modelos estruturados (frameworks) para formulação de sistemas de indicadores pode assegurar a sua correta gestão em processos de AAE. O uso de frameworks permite o desenvolvimento e o registro de indicadores de forma lógica, fazendo com que as questões-chave sejam facilmente identificadas e sintetizadas. Um framework sistemático melhora a transparência e a consistência do processo de seleção e aumenta a aceitabilidade e a credibilidade dos indicadores junto às partes interessadas (Castillo e Pitfield, 2010). O desafio apresentado requer encaminhamento nos moldes de “governança de sistemas de indicadores”. Entende-se governança de sistemas de IdS como o processo que promove e estimula a interação colaborativa e organizada entre instituições (públicas, privadas, terceiro setor) e comunidade, com vistas à construção, utilização e gestão de sistemas de indicadores destinados a avaliar a sustentabilidade de ações ou ocorrências de interesse comum a estes atores sociais. Este conceito baseia-se em aspectos de governança propriamente dita, governança da sustentabilidade e governança do conhecimento. Complementando, governança de sistemas de IdS significa integrar práticas de boa governança durante o desenvolvimento do sistema, tais como abertura, participação, responsabilidade, efetividade e coerência (Ramos e Caeiro, 2010). Para Rice e Rochet (2005), processos de governança asseguram que os indicadores sejam selecionados em exercícios dinâmicos e interativos. Frente ao exposto, este trabalho objetiva propor e apresentar um modelo (framework) para governança de sistemas de IdS no âmbito de processos de AAE. 2. Métodos Os procedimentos metodológicos incluíram pesquisa documental (Marconi e Lakatos, 2010), Análise de Conteúdo (Bardin, 2011) e pesquisa de campo por meio de entrevistas (Moreira e Caleffe, 2008). A pesquisa documental consistiu da análise de 32 relatórios brasileiros de AAE e 100 relatórios de outros países, no intuito de conhecer a forma de definição e emprego de IdS, bem como extrair boas práticas direta ou indiretamente relacionadas à questão. No caso das AAEs brasileiras, foram estudados processos realizados entre 1997 a 2011, representando 86% das AAEs desenvolvidas no período. No caso dos processos internacionais, a pesquisa focou relatórios publicados entre 2002 e 2013, redigidos em português, espanhol ou inglês. Este recorte temporal visou operar apenas com processos enquadrados à Diretiva 42/2001/CE. Os relatórios pesquisados, que compreendem 52 países, foram coletados através de busca na rede mundial de computadores. Alguns relatórios brasileiros foram

477

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

obtidos diretamente com membros das equipes de elaboração ou, ainda, com outros pesquisadores. A análise documental foi procedida mediante emprego da técnica de Análise do Conteúdo, a partir de categorias de análise correspondentes aos principais aspectos do framework em construção. Para cada categoria, foram elencadas palavras-chave, cuja ocorrência nos documentos foi verificada através de mecanismos de busca textual. Além desta busca, cada relatório foi vistoriado página a página, visando conhecer a estrutura geral do documento e capturar alguma menção de palavra-chave não apontada pelo mecanismo de busca (por exemplo, em figuras). Este trabalho se repetiu várias vezes, conforme novos termos se mostravam aplicáveis e novas necessidades de análise se apresentavam. A abordagem foi basicamente qualitativa, verificando-se o sentido do emprego da palavra-chave e sua adequação ao presente estudo. Foram realizadas oito entrevistas presenciais com membros de equipes de elaboração de AAE, envolvendo 14 profissionais com atuação em 17 processos de AAE. As entrevistas buscaram colher a visão, experiência e percepção dos praticantes acerca do emprego de IdS em processos de AAE – a realidade vista pelos olhos do protagonista de uma aplicação prática da ferramenta. A escolha dos entrevistados seguiu dois critérios. Primeiro, a(s) AAE(s) em que atuaram deveria(m) ter feito uso de IdS, sendo observado, também, a “intensidade” deste uso (multiplicidade de funções assumidas pelos IdS). Como segundo ponto, priorizou-se a escolha de praticantes que tivessem participado de mais de um processo de AAE. Ao início da entrevista, os participantes tomaram conhecimento do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, contendo informações sobre o procedimento. No caso de concordância por parte do praticante, com a devida subscrição ao documento, a entrevista tinha início. Utilizou-se um questionário semiestruturado e padronizado, sendo as perguntas lidas e também apresentadas na forma escrita (mediante fichas individuais). Quando necessário, houve esclarecimento quanto ao seu teor. As entrevistas foram gravadas em áudio e as gravações foram transcritas de forma literal. Sobre o teor das entrevistas, realizou-se a aplicação da técnica Análise de Conteúdo, nos mesmos moldes antes explanados. 3. Resultados e Discussão Considerando que indicadores são formas de conhecimento e de produzir conhecimento (Merry, 2011), isto é, representam uma tecnologia de conhecimento (Lyytimäki et al., 2014), o framework de governança proposto teve base conceitual nos processos essenciais que formam o ciclo do conhecimento (Probst et al., 2002) e que norteiam a própria Gestão do Conhecimento (GC). O framework recebeu a denominação G-SINDS, acrônimo formado a partir da expressão Governança de Sistemas de Indicadores de Sustentabilidade, ou Governance of Sustainability Indicators Systems. Sob o ponto de vista estrutural (Figura 1), o G-SINDS está fundamentado em: • Seis fases: Definições Prévias; Identificação; Criação; Compartilhamento; Utilização; Armazenamento. • Três elementos transversais: Avaliação; Gestão do Conhecimento; Participação das Partes Interessadas.

478

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 1. Visão geral esquemática do modelo G-SINDS.

A primeira fase não envolve diretamente os IdS, ao passo que as demais obedecem a nomenclatura própria do ciclo do conhecimento e compõem o “Ciclo de Indicadores”. Os elementos transversais não são ocorrências definidas temporal e sequencialmente, mas fatores estratégicos que incidem sobre cada fase, e que, portanto, estão presentes ao longo de todo o percurso. As fases e os elementos transversais são detalhados a seguir. 3.1. Fase 1 – Definições Prévias Esta fase envolve definições conceituais e metodológicas (operacionais) que não abordam diretamente os IdS, mas que servirão de suporte para o processo de produção destes. O primeiro encaminhamento deve ser a delimitação do escopo espacial, temporal e temático da avaliação. Definidos os limites espaciais do estudo, as partes interessadas devem ser identificadas, notadamente as que podem vir a ser afetadas pelo empreendimento em avaliação. A AAE deve ser um processo participativo e a qualidade da participação depende da amplitude dos segmentos representados. Uma inadequada identificação dos interessados pode determinar que as partes com maior poder e melhor conectadas tenham maior influência sobre a decisão. Necessário, também, estabelecer o tipo de participação dos membros externos, de modo que as partes tenham ciência de como irão atuar e seu efeito no resultado (Therivel, 2010). A identificação das partes interessadas, atores sociais, stakeholders, é o primeiro passo. Identificar quais são os atores que realmente interessam e fazem a diferença para aquela região. (Entrevistado A).

A formação de comitês de apoio e acompanhamento técnico-científico, dotados de caráter consultivo e/ou deliberativo, amplia a participação externa nas atividades da AAE. Sua adoção deve ser decidida nos estágios iniciais da AAE. O comitê deve espelhar a amplitude 479

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

dos grupos envolvidos, incluindo autoridades, especialistas, bem como representantes de organizações e comunidades locais, podendo servir como um mecanismo de participação pública indireta. Um elemento relevante é a definição da visão de futuro acerca do objeto e/ou território em avaliação, ou seja, como a população se vê e vê o território em um dado horizonte temporal. A construção desta visão consiste em criar a imagem mental do futuro pretendido para a área ou setor, e traçar a trajetória que permita alcançá-lo. A visão de futuro é uma construção com os atores sociais, com os envolvidos. Normalmente, a gente faz uma proposta, discute e vai ajustando até que eles se vejam naquelas poucas palavras, que são a expectativa em relação ao seu futuro. (Entrevistado A).

A visão social e local de sustentabilidade é outra definição prévia prevista no G-SINDS. É imprescindível conhecer o ponto focal da sustentabilidade a que a AAE deverá se ater. Para Partidário et al. (2010), muita ênfase é colocada em métricas e indicadores de desenvolvimento sustentável, mas frequentemente sem entendimento sobre o significado do que está sendo medido, ou seja, sem um sentido coletivo e compartilhado de sustentabilidade. Uma visão de sustentabilidade havia entre as pessoas que estavam mais à frente do trabalho, mas talvez não de todo o pessoal envolvido. (Entrevistado B). Visão de sustentabilidade: aí a coisa começava a ficar complicada e foi uma das grandes dificuldades que a gente encontrou. Nenhum dos lados conseguiu expressar, de uma forma pragmática, aquilo que seria a sua visão de sustentabilidade. (Entrevistado C).

As linhas-mestras expressas na visão local de sustentabilidade contribuirão para definir as dimensões, temas ou questões que serão abordadas, tendo em vista os efeitos potenciais do empreendimento em avaliação. A escola portuguesa de AAE define tais questões como “fatores críticos para a decisão”, entendidos como “temas fundamentais integrados vistos como fatores de sucesso numa decisão estratégica e sobre os quais a AAE se deve debruçar” (Partidário, 2012, p.62). A gente abordou a questão de pesca. Por que a questão de pesca? Tecnicamente, eu não escolheria este fator crítico. Ele foi escolhido porque precisava ser tratado; o feedback precisava ser dado a este grupo social. (Entrevistado D).

A visão de sustentabilidade deve ser “traduzida” em objetivos e/ou metas. Os objetivos de sustentabilidade fornecem claras declarações de intenção e indicam a direção que o objeto em avaliação deve seguir para alcançar sua visão de futuro. Os IdS serão formulados a partir dos objetivos de sustentabilidade e a estes devem estar perfeitamente conectados. Se as metas foram mal definidas, a seleção dos IdS irá refletir apenas a visão de mundo daqueles diretamente envolvidos na seleção e pode privilegiar certas áreas em detrimento de outras. 3.2. Fase 2 – Identificação No ciclo do conhecimento, a fase de identificação consiste em projetar o que se pretende alcançar, verificar o conhecimento que é necessário para tal e analisar o conhecimento já existente e suas possíveis lacunas. De modo similar, no ciclo dos indicadores do G-SINDS esta fase busca identificar a necessidade e oportunidade de uso de IdS na AAE, prospectar sistemas de IdS empregados, e decidir sobre formas e critérios de organização e seleção dos IdS. Tal qual a fase anterior, esta também envolve definições sobre aspectos conceituais e metodológicos, mas agora voltados ao sistema de IdS. As definições são de cunho técnico, com pequena possibilidade de contribuição por parte dos interessados leigos. 480

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O comitê de apoio, se instituído, pode colaborar e constituir uma forma de envolvimento de membros externos. Em tese, ao início da fase ainda não há uma definição concreta quanto ao uso ou não de IdS. Portanto, este ponto deve ser o primeiro a merecer atenção, pois dele depende o prosseguimento da sistemática proposta no framework. Ao decidir sobre o emprego de IdS, é indispensável que os praticantes tenham plena compreensão sobre a finalidade ou função dos indicadores na avaliação. Ezequiel (2010) concluiu que estes elementos não são bem conhecidos no contexto da AAE. Definida a utilização de IdS no processo, a próxima ação é a identificação de outros sistemas de indicadores que possam ser usados como referência para o sistema que será elaborado. A partir das dimensões ou questões de sustentabilidade a serem abordadas na AAE (definidas na fase anterior), faz-se necessário estabelecer aquelas que servirão de base para a formulação dos IdS. Nem todos os temas apreciados na AAE precisam, compulsoriamente, ser objeto de indicadores específicos. Por outro lado, um IdS pode estar relacionado e atender a mais de um tema. Há indicadores que são necessários em função do tema que você está trabalhando; tem indicadores que surgem por demanda do contratante, porque têm interesse em conhecer determinado aspecto; e tem indicadores que surgem em função da demanda dos stakeholders, dos atores sociais. (Entrevistado A).

O sistema de organização e apresentação dos IdS é outro aspecto a ser definido. Das 100 AAEs internacionais pesquisadas, 64 utilizam IdS e, dentre estas, 48 (75%) adotaram o modelo temático para exposição dos IdS. A apresentação em associação aos objetivos de sustentabilidade constou de 11 relatórios (17,2%) e quatro AAEs apontam IdS, mas sem organizá-los segundo algum critério. A escolha de critérios para um possível refinamento dos IdS é mais uma atividade prevista para esta fase. Donnelly et al. (2007) apresentam critérios específicos para uso em AAE, elencados por especialistas. Rice e Rochet (2005) mostram que os critérios são valorados diferentemente pelos diversos grupos envolvidos, ressaltando a importância de tratar esta questão antecipadamente à seleção dos indicadores. Castillo e Pitfield (2010) relatam a utilização de processos participativos para definição dos critérios a empregar e/ou sua ponderação. 3.3. Fase 3 – Criação Esta fase ocupa importância e posição central no G-SINDS, mantendo conexão direta com praticamente todas as fases do modelo, conforme Figura 1. Objetiva a criação do sistema de IdS a partir dos elementos definidos nas fases anteriores, resultando em um conjunto que, além de cumprir adequadamente os seus propósitos na AAE (descrição da situação inicial, avaliação, monitoramento), atenda às expectativas das partes interessadas. A criação dos IdS deve estar focada na sua efetiva utilização posterior, ou seja, o maior produto não são os próprios IdS, mas sim os resultados obtidos com sua aplicação. Indicadores são muito importantes, mas perdem o sentido quando não são aplicados. Eles passam a ser só um item da Avaliação Ambiental Estratégica e não se tornam um elemento sobre o qual seja feito controle e acompanhamento das ações. (Entrevistado E). [Criação de indicadores] é um confronto entre o teórico, o legal, o real, o ideal e o viável. (Entrevistado F).

Em analogia ao que ocorre nos processos de conhecimento, o G-SINDS propõe a criação do sistema de IdS através da ação conjunta e complementar de dois mecanismos paralelos: a importação (aquisição) de indicadores; e a sua elaboração. Embora constituam procedimentos distintos, importação e elaboração integram um único processo, pois ambos 481

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

visam a obtenção de IdS para integrar o sistema em formação. Além destes procedimentos, a criação contempla a seleção final e a validação. No modelo proposto pelo G-SINDS, inclui também a justificativa de escolha de cada um dos IdS e a respectiva descrição destes. A importação é definida como a adoção, por um sistema em construção, de um ou mais indicadores já empregados em algum sistema anterior, que possa(m) ser útil(eis) para o sistema em desenvolvimento. Representa, portanto, a reutilização do indicador (CloquellBallester et al., 2006; Coelho et al., 2010). Para ser importado, o indicador precisa adequarse ao escopo da AAE que o assumirá (Therivel, 2010). Portanto, uma das medidas desta fase é a consulta a sistemas de IdS, em particular empregados em outras AAEs e em trabalhos com equivalência de objeto ou de região. Elaboração, por sua vez, é o processo de formulação (desenvolvimento) de um novo indicador, que ocorre estritamente no âmbito daquela AAE específica. A importação economiza tempo e recursos financeiros em relação à elaboração, e possibilita o uso de indicadores que possuam uma série histórica de registros, com maior amplitude de informação e melhor aproveitamento dos dados. Porém, oferece menor oportunidade de aprendizagem técnica e social aos envolvidos, e não desperta nos atores o sentimento de autoria e corresponsabilidade, o que pode reduzir o seu comprometimento com o resultado final. Às vezes, você propõe um indicador com o qual gostaria de trabalhar, mas não tem como, pois não existem dados. (Entrevistado A). Há bons indicadores e bons bancos de dados, mas nem sempre aquilo que outros sistemas fazem serve para a gente, por não fazer parte da nossa realidade. (Entrevistado G).

Após a importação e/ou elaboração dos IdS, o G-SINDS preconiza realizar um processo de refinamento e seleção destes. Para o procedimento, pode-se empregar os critérios de seleção consensuados na fase anterior, promovendo a adequação do número final de IdS a um patamar aceitável, sem “sombreamento” entre eles. Define-se, deste modo, aqueles que comporão a matriz final. Você tem que trabalhar com poucos fatores críticos e com poucos indicadores. Dois ou três indicadores por fator crítico, no máximo, não mais do que isso. (Entrevistado A). A equipe não teve dificuldade de identificar indicadores. O maior problema foi diminuir o número de indicadores e que tivessem uma representatividade do que a gente queria. (Entrevistado H).

Processos de construção de IdS são supradisciplinares por natureza. Inúmeros frameworks combinam a postura interdisciplinar dos cientistas com a participação proativa dos atores sociais. Neste ponto, está-se diante da transdisciplinaridade, postura epistemológica preconizada pelo G-SINDS. A questão será abordada no Elemento Transversal 3. Todavia, a maioria dos praticantes ouvidos neste trabalho aponta que, nos processos que conduziram, a construção do sistema de IdS baseou-se em uma conduta que orbitou entre multidisciplinar e interdisciplinar, atestando clara hegemonia do conhecimento científico. A interdisciplinaridade acontece mais na formulação de diretrizes do que na construção dos indicadores, que é basicamente multidisciplinar. Tem alguma influência que a gente poderia chamar de transdisciplinar, por conta de participação de stakeholders – mais técnicos e menos população – mas é basicamente multidisciplinar. (Entrevistado D).

A necessidade de validação dos IdS escolhidos deve ser adequadamente avaliada pela equipe elaboradora. Ramos e Caeiro (2010) explicam que a validação verifica se o indicador possui o grau de acurácia consistente com a aplicação pretendida e o grau de credibilidade que assegure a confiança dos usuários no próprio indicador e nas informações obtidas a partir dele. Para Cloquell-Ballester et al. (2006), a validação dos IdS é particularmente 482

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

importante em duas situações: (R) quando a participação pública no processo de criação é insuficiente; e (b) quando a equipe de trabalho da avaliação ambiental é escolhida e paga pelo proponente do empreendimento. 3.4. Fase 4 – Compartilhamento Esta fase visa propiciar a acessibilidade a dados, informações e conhecimentos (DIC) da AAE, em especial quanto aos indicadores, fazendo com que o intercâmbio de informações seja uma postura permanente durante o avaliação. A posição desta fase no G-SINDS não reflete exatamente uma ordenação cronológica, pois ela é simultânea a várias atividades do framework, notadamente à fase “Criação”. Compartilhamento é aqui entendido como o processo de comunicação proativa e de interação entre a equipe elaboradora e o público, seja de forma direta ou mediada, efetivado durante o desenvolvimento da AAE, visando facilitar o acesso a (e promover o intercâmbio de) DIC que digam respeito à avaliação ou ao objeto desta. Assim, o termo “compartilhamento” refere-se à comunicação realizada ao longo do estudo, ou seja, previamente à sua finalização e à entrega do relatório final. Tanto a AAE quanto os IdS são ferramentas de comunicação (Gao et al., 2013a), havendo necessidade de uma exitosa plataforma de diálogo que permita aproximar atores, propiciar trabalho colaborativo e promover decisões consensuadas. O compartilhamento de DIC qualifica a participação das partes interessadas, pois a informação se traduz em capacitação e empoderamento frente às oportunidades de envolvimento. Só uma comunidade bem informada pode ter uma participação eficaz (Partidário, 2012). Porém, na seleção e uso de IdS, a prática da AAE demonstra que a transmissão de informação ocorre em apenas “uma via” – da equipe elaboradora para as partes interessadas – e quase inexiste no sentido inverso (Gao et al., 2013a). O compartilhamento de DIC tem se resumido a comunicações ao final dos processos, ou seja, sua disponibilização contínua é mais exceção do que regra. O compartilhamento deve envolver todos os grupos e segmentos relacionados à construção do sistema de indicadores e ser ajustado às características de cada grupo-alvo (Partidário, 2012). Concordando com esta autora e com Ramos e Caeiro (2010), o G-SINDS entende que há necessidade de empregar múltiplas mídias de comunicação no processo de compartilhamento de DIC. Entre as mídias disponíveis, a utilização de portais eletrônicos (internet) merece destaque pela possibilidade de incluir ferramentas que permitam a participação ativa e colaborativa do público. Portais podem coletar e compartilhar opiniões, feedbacks, dados ambientais e resultados de AAE, bem como promover pesquisas e levantamentos (Naddeo et al., 2013). A questão da disseminação é outro aspecto que hoje eu faria diferente: a ideia de usar a internet como um instrumento permanente e, sobretudo, proativo. Uma divulgação proativa, interativa, trazendo a informação. Aquilo que a pessoa está lendo ela pode comentar, ela pode criticar, ela pode sugerir, e esse processo ser permanente. (Entrevistado C).

O emprego de redes e grupos de discussão é uma alternativa que pode ensejar bons resultados, destacando o papel preponderante exercido pelas redes sociais. A título de ilustração, refere-se um grupo ativo na rede profissional LinkedIn, chamado “ENSEA – European Network for Strategic Environmental Assessment” (1.080 integrantes em 15/abril/2016). Um mecanismo que intensifica o compartilhamento de DIC é o emprego de knowledge broker (“corretor de conhecimento”), como processo/agente de facilitação na transferência e no intercâmbio de conhecimento (Partidário e Sheate, 2013). Para os autores, é fundamental facilitar a criação e a troca horizontal e vertical de conhecimento. É preciso, portanto, capacitar pessoas ou entidades que realizem este trabalho de mediação. O comitê

483

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

de apoio pode colaborar ativamente neste propósito, inclusive agindo, ele mesmo, como broker. Esta ideia do broker funciona não apenas na questão do indivíduo, mas também na forma com que esta informação é apresentada, de poder ser compreendida, entendida. A forma como eu traduzo aquilo para o tomador de decisão, que a gente sabe que tem limitações. (Entrevistado C).

3.5. Fase 5 – Utilização Assim como o conhecimento não possui qualquer valor se não for aplicado, não há nenhum sentido lógico em construir um sistema de IdS se este não for empregado para a concretização de sua finalidade. A presente fase objetiva, portanto, a aplicação do sistema de IdS ao longo da AAE, de acordo com os papéis para os quais foi concebido, buscando ampliar a precisão e a legitimidade dos resultados da avaliação. É exatamente esta fase que justifica a existência do sistema de IdS e do modelo de governança. Na visão do G-SINDS, a utilização dos IdS assume dois direcionamentos. Além de influenciar e balizar a tomada de decisão (uso instrumental), também mudar a compreensão dos usuários sobre o problema ou situação a que se referem, atuando como veículo de aprendizagem individual ou social e na geração de entendimentos compartilhados (uso conceitual). Neste sentido, Lehtonen (2010) faz referência ao conceito de “influência” do indicador, em lugar ou em adição ao de “utilização”. Um indicador pode não ser diretamente um elemento de julgamento, mas de influência ele é com certeza! (Entrevistado D).

As funções dos IdS em processos de AAE podem ser classificadas basicamente em duas categorias: (R) definição e caracterização da situação de referência ou baseline; e (b) avaliação e monitoramento dos possíveis impactos – sejam positivos ou negativos – que o empreendimento em estudo pode causar, incluindo a avaliação do efeito de suas alternativas e/ou em diferentes cenários de desenvolvimento. Muitas AAEs limitam-se a empregar IdS exclusivamente para o propósito apontado no item (R). No G-SINDS, os IdS são necessariamente utilizados também para as funções descritas no item (b). Das 100 AAEs não brasileiras analisadas, 64 empregam IdS neste sentido. Dentre as 32 AAEs brasileiras, 25 listam IdS para avaliação e monitoramento, sendo que 11 destas apenas os relacionam, enquanto que nos demais 14 processos (43,8% do total) os IdS são efetivamente empregados para construir as conclusões do estudo (Silva et al., 2014). Portanto, em grande parte das AAEs os IdS poderiam ser melhor aplicados, maximizando o seu papel de apoio à decisão. Além de serem utilizados no processo de avaliação anterior à tomada de decisão (ex-ante) e no monitoramento pós-decisão (ex-post), os IdS podem ser utilizados em um terceiro momento, qual seja em avaliações ou ações que se seguem à AAE. Há uma enorme carência de trabalhos que analisem este “terceiro uso” dos IdS utilizados em processos de AAE. A fase seguinte do G-SINDS propõe maior atenção a este aspecto. A maioria dos praticantes entrevistados afirma desconhecer se houve utilização e/ou acompanhamento dos IdS após a entrega do relatório da AAE que conduziram. Concordam que seria importante acompanhar o processo, mas normalmente as etapas ex-post não são monitoradas ou o são por outras entidades. Assim, ressalta-se a necessidade de haver uma consistente e continuada comunicação entre as entidades elaboradora e contratante do estudo, a fim de possibilitar o intercâmbio de informações sobre o efeito dos IdS na tomada de decisão, sua aplicação em etapas subsequentes e seu aproveitamento em avaliações ou ações decorrentes da AAE. O retorno seria muito interessante para se fazer uma análise se os indicadores que nós propusemos realmente responderam aquilo que nós

484

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

esperávamos. Não sabemos se foram utilizados, pois não houve qualquer retorno do órgão que recebeu o produto. (Entrevistado I).

3.6. Fase 6 – Armazenamento Esta fase visa constituir meios e mecanismos que possibilitem armazenar DIC relativos à AAE, em especial no tocante à utilização de IdS. Armazenar, neste caso, engloba uma série de significados, como guardar em alguma plataforma permanente; proteger, de modo a evitar a sua perda; reunir, visando simplificar e direcionar uma possível busca; catalogar, como forma de serem identificados e contextualizados; e disponibilizar, no sentido de facilitar o acesso para sua reutilização. A etapa de armazenamento frequentemente está ausente nos frameworks de criação de sistemas de IdS apresentados pela literatura. O armazenamento pode ser visto sob uma dupla perspectiva: retenção de informações “de” avaliações ambientais, ou “para” avaliações ambientais (isto é, “provenientes de” e “destinadas a”, respectivamente). Esta fase do G-SINDS prioriza o primeiro enfoque, ainda que, não raro, as duas faces se apresentem associadas. O armazenamento de DIC relativos à AAE pode se dar em múltiplos âmbitos. Nas organizações que realizam a avaliação, o armazenamento ocorre como memória organizacional, por meio de repositórios humanos e não humanos. Porém, os sistemas restritos à instituição normalmente repercutem pouco sobre o âmbito externo. Silva et al. (2013) defendem a implantação de um sistema de “memória pública”, visando propiciar pleno acesso à documentação das avaliações realizadas naquele território, por meio de uma interface virtual dialógica. Chaker et al. (2006) sugerem a formação de um banco de dados nacional de AAE (Líbano), com informação ambiental de base, indicadores e dados de monitoramento. Em alguns países, a exemplo do Brasil, a gestão da informação é limitada e limitante a uma boa condução dos trabalhos de avaliação. É incompreensível a ausência, até hoje, no Brasil, de uma política na questão da informação – todo o processo de coleta, organização, sistematização e disseminação da informação. A construção do baseline foi um grande desafio e não porque a informação não existe. Ela existe, mas está de tal forma pulverizada, fragmentada, que você tem que fazer um trabalho quase de mineração, de prospecção, para conseguir juntar os pedaços. (Entrevistado C).

Van Gent (2011) propõe a formação de centros de conhecimento que atuem como organismos de coleta e disseminação do conhecimento sobre AAE. Em alguns países, centros de conhecimento têm recebido a denominação “observatório”. Ho (2013) entende que se deve evoluir em direção à formação de “centros de gestão de conhecimento em AAE”, que armazenem registros de processos, e para a criação de um mecanismo de busca que permita coletar dados e informações específicas. A gente fez a proposta do observatório – não sei se chamamos observatório ou centro – que seria uma estrutura para organizar e disseminar estas informações. Um trabalho deste instituto seria o de pegar os indicadores relevantes e começar o trabalho de sistematização na coleta daquela informação, para que se pudesse, no futuro, ter elementos de aferição de resultado daquilo que a gente estava propondo como ação de intervenção. (Entrevistado C).

A proposição de um sistema público de armazenamento de DIC no campo da avaliação ambiental foge ao escopo deste trabalho. Porém, deseja-se provocar uma reflexão a respeito, para que a questão seja adequadamente abordada, em particular nos países com deficiências na gestão da informação. A Tabela 1 apresenta alguns papéis que poderiam ser desempenhados por um centro de conhecimento em AAE. Tabela 1. Papéis que podem ser desempenhados por um centro de informação e conhecimento voltado à Avaliação Ambiental Estratégica. 485

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

• Base de dados, informações e conhecimentos, e repositório de material documental sobre processos concluídos e em desenvolvimento (“memória pública”) • Banco de boas práticas, a partir de experiências nacionais e internacionais • Manutenção e hospedagem de portais de conhecimento dirigidos a iniciativas de AAE • Registro, atualização, armazenamento e disseminação proativa de indicadores • Promoção de eventos técnico-científicos e suporte a eventos de participação pública • Interlocução presencial ou virtual entre atores envolvidos com a ferramenta e criação de redes de conhecimento, fóruns de discussão e comunidades de prática • Edição de materiais técnicos (guias, orientações, parâmetros de qualidade, entre outros) • Treinamento e formação de capital humano para atuação profissional em AAE • Capacitação de atores sociais para participação em eventos de consulta pública ou em comitês de apoio • Mediação ou corretagem de conhecimento (atuação como knowledge broker)

O emprego do G-SINDS pode ser potencializado – mas não é dependente – da introdução de sistemas de “memória pública”. Na ausência destes, o armazenamento deve ocorrer em repositórios institucionais de organizações empreendedoras, contratantes, elaboradoras do estudo ou, ainda, governamentais, desde que associado a mecanismos que ampliem o acesso e consulta aos materiais – preservados, naturalmente, os casos de sigilo. 3.7. Elemento Transversal 1 – Avaliação O G-SINDS entende a (meta-)avaliação como uma prática rotineira, executada em paralelo ao desenvolvimento das fases e das atividades que o compõem. A meta-avaliação determina quão exitoso é o conjunto de IdS em termos de impacto sobre a tomada de decisão, servindo como controle de qualidade do modelo e indicando a necessidade de ajustes no conjunto (Marques et al., 2013; Mascarenhas et al., 2010). Vários frameworks incluem atividades de avaliação, normalmente posicionadas ao final do processo, focando os indicadores elencados, sua aplicação e resultados por eles gerados. Critérios para avaliação da qualidade de IdS empregados em AAE são destacados por Donnelly et al. (2008) e Ezequiel (2010). O G-SINDS preconiza a adoção de uma “cultura de avaliação”, envolvendo: • Avaliação como prática contínua, a cada atividade e fase, para correção imediata de falhas ou imprecisões, não permitindo que os problemas se potencializem (aplicação da técnica de GC “revisão após ação”); • Avaliação do próprio processo de construção do sistema de IdS e não apenas do resultado (produto) deste; • Associação entre autoavaliação (procedida pela própria equipe) e avaliação por terceiros (realizada por agentes que não participaram da construção do sistema de IdS), dado o seu caráter complementar; • Protagonismo do comitê de apoio no processo de avaliação. Os relatórios de AAE pesquisados mostraram-se limitados quanto à descrição de mecanismos de avaliação aos quais possam ter sido submetidos. As entrevistas realizadas com os praticantes revelaram que algumas AAEs receberam um processo de avaliação externa, implementada (i) por instituição supervisora com experiência no campo da avaliação ambiental, designada pelo contratante da avaliação, ou (ii) pela agência multilateral de desenvolvimento a quem o empreendedor recorreu para apoiar a implantação do respectivo empreendimento.

486

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Uma das falhas foi não ter tido tempo de avaliar esta AAE. Não sei se a gente respondeu ao objetivo, porque não houve uma forma de se testar, de se discutir. (Entrevistado J). Nós fizemos uma primeira listagem de indicadores, submetemos à análise da [instituição supervisora] e a resposta que veio foi: “vocês juntaram as ideias de cada profissional, mas está faltando a integração da questão”. A gente parou e pensou: não é por este caminho. (Entrevistado K). Passou no crivo do banco, porque a AAE foi uma exigência do próprio organismo financiador. Se tiver algum questionamento – vamos supor que um especialista em indicadores diga “não concordo, tem que colocar um número maior de indicadores” –, a gente tem que rever o estudo. (Entrevistado L).

Deste modo, a análise dos relatórios de AAE e do teor das entrevistas permite constatar que, de forma geral, os processos são mal e insuficientemente avaliados. Faz-se necessário adotar estratégias mais efetivas de autoavaliação e de avaliação externa. 3.8. Elemento Transversal 2 – Gestão do Conhecimento No G-SINDS, a GC participa como elemento transversal, capitaneando a prática de cada uma das fases. Como processos intensivos em conhecimento que são, a AAE e a construção de sistemas de IdS se beneficiariam com um suporte qualificado de GC, no sentido da otimização de resultados e minimização de perda/desperdício do conhecimento disponível. Assim, considera-se relevante que as equipes de AAE disponham de profissionais com domínio na área de GC, a fim de operá-la como um dos fundamentos metodológicos da AAE e como prática rotineira ao longo do trabalho. O emprego da GC no G-SINDS está relacionado a três perspectivas. A primeira diz respeito à possibilidade de aplicação de ampla gama de técnicas de GC durante o processo de construção do sistema de IdS. Entre estas, pode-se referir: análise das partes interessadas, análise de cenários, assistência por pares, backcasting, boas práticas, centros de conhecimento, comitê consultivo de partes interessadas, comunidades de prática, construção de “visão de futuro”, construção supradisciplinar do conhecimento, corretagem do conhecimento, formação de recursos humanos, lições aprendidas, mapeamento de conhecimento, memória organizacional, mentoring, portais de conhecimento, revisão após ação, revisão por pares, entre outras. Um segundo aspecto ligado à GC é a aprendizagem. A aprendizagem e o conhecimento atuam como requisitos (insumos) para as atividades do G-SINDS, evidenciando-se a importância da capacitação técnica e formação de recursos humanos para atuação em AAE e com IdS. Nestes processos, é frequente o emprego do método “aprender-fazendo” (learning by doing), que deveria estar associado – mas nem sempre está – ao “ensinarfazendo” (teaching by doing). Busca-se, com isso, usar o conhecimento experiencial para qualificar agentes durante o processo, tanto para o processo em si, quanto para além daquele processo. Este desafio pode ser facilitado ao adotar a GC como um referencial metodológico transversal ao G-SINDS. O modelo que a gente utilizou – a ideia de você fazer aprendizado, um processo de formação – deveria avançar, experiência extremamente exitosa. É a capacitação e a pessoal como multiplicador do processo, sobretudo no instituições governamentais. (Entrevistado C).

da AAE um pois foi uma formação de âmbito das

É natural, portanto, que a aprendizagem venha a ser um resultado ou produto do G-SINDS. No contexto das avaliações ambientais, a GC pode ser a base de um amplo processo de aprendizagem, com potencial de ultrapassar as partes interessadas próximas e influenciar atividades de gestão ambiental que se situam fora do escopo da avaliação (Sánchez e Morrison-Saunders, 2011). 487

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A interação entre grupos que têm objetivos divergentes e focos diferenciados num processo de AAE faz com que todo mundo aprenda um pouco e reflita sobre seu objetivo e seu foco frente ao do outro. (Entrevistado D). A equipe aprende, e quem está participando e contribuindo também tem seu processo de aprendizado. (Entrevistado C).

No G-SINDS, há uma terceira abordagem de GC, referente ao conhecimento de natureza e domínio social, ou seja, que está impregnado no senso comum e na percepção dos atores sociais. Trata-se da gestão do conhecimento social (GCS), definida como um conjunto de processos que visam à captação, explicitação, compartilhamento, aplicação e retenção do conhecimento (individual e coletivo) próprio do capital social de um determinado recorte territorial, conhecimento este que reflete a percepção e a visão de mundo dos atores locais segundo a dimensão contextual e temporal em que vivem. No G-SINDS, a GCS ganha relevo pelo fato da construção do sistema de IdS ser um processo participativo, em que os vários grupos de interesse precisam agir de forma colaborativa no sentido de afirmar suas posições e contribuir com seus saberes. Através da GCS, busca-se captar o conhecimento local que represente o contexto em tela e articulá-lo adequadamente com o conhecimento científico, de modo a produzir um conhecimento integrado (“híbrido”), transdisciplinar e socialmente mais robusto. 3.9. Elemento Transversal 3 – Participação das Partes Interessadas Na concepção preconizada pelo G-SINDS, AAE e o sistema de IdS devem ser elaborados de modo participativo, mediante o envolvimento da diversidade de segmentos interessados. Esta orientação deve ser aplicada em todas as fases. A importância das atividades de participação pública é fartamente apresentada pela literatura. A questão que se coloca, portanto, não é esta, mas sim como efetivar tal participação para que esta propicie resultados efetivos. Quando a gente discutiu o método de AAE, consideramos importante a participação da sociedade local. Não só como fornecedora de informações, mas também como instrumento de antecipação de negociações, na medida que os indivíduos se sentem partícipes daquele projeto. (Entrevistado C). AAE é um instrumento de planejamento participativo em que você chama os principais stakeholders. Você tem que chamar pessoas que de fato estejam vivendo ou praticando os problemas. (Entrevistado M).

A inclusão do público no desenho metodológico do processo, ainda que normalmente desejável, nem sempre oferece resultados satisfatórios. Indicadores gerados em processos participativos por vezes são criticados por sua insuficiente objetividade ou inadequação técnica. Em iniciativas de criação de IdS “orientadas ao cidadão”, Eckerberg e Mineur (2003) observaram poucos sinais de engajamento e diálogo com o público. No âmbito da AAE, Gao et al. (2013a) verificaram que, em um processo, a participação mostrou-se efetiva e exitosa, mas em outro o envolvimento público não aconteceu. Seria interessante [a participação], porque o público tem experiência no tema. Seria uma contribuição espetacular se eles tivessem como apontar um indicador. Mas quando você junta pessoas especializadas [para construir um sistema de indicadores], que conhecem o assunto, a participação pública não vai agregar nada além daquilo que você pôs. (Entrevistado I).

O G-SINDS trata a participação dos atores sociais como uma sistemática a ser construída a partir das características da realidade específica (objeto avaliado, escopo do trabalho e seu contexto). É muito diferente, por exemplo, efetivar a participação em iniciativas de âmbito local (municipal ou microrregional), em relação àquelas que apresentam reflexo em nível nacional. Não há, pois, um modelo único e que possa ter adoção generalizada. 488

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A Tabela 2 apresenta algumas medidas que, efetivadas ao longo do G-SINDS, podem intensificar a participação do público nas atividades. Várias destas indicações devem ser ratificadas precocemente no processo, ainda na fase “Definições Prévias”. Tabela 2. Medidas voltadas a ampliar a participação de partes interessadas em processos de Avaliação Ambiental Estratégica e/ou de construção de indicadores de sustentabilidade. • Identificação e categorização das partes interessadas • Envolvimento das partes interessadas no início do processo • Emprego de um conjunto diversificado de métodos (formas) de participação • Promoção de oportunidades de participação distribuídas no tempo e no espaço • Apoio estratégico aos segmentos minoritários e/ou socialmente vulneráveis • Ampla divulgação dos eventos de participação pública • Manutenção de canais permanentes de contato com as partes interessadas • Acesso facilitado aos produtos de informação da atividade (relatórios, comunicados, etc.) • Emprego de múltiplas mídias de comunicação, ajustadas aos diferentes grupos de interesse • Compartilhamento de informações e intercâmbio por meio digital e redes sociais • Disponibilização de informação ao longo do processo e não apenas ao seu término • Produção de documentos customizados às especificidades de cada grupo de interesse • Emprego de instrumentos e agentes de corretagem (mediação) do conhecimento • Constituição de comitê de apoio, com papel de fomentar a participação • Promoção de atividades de capacitação voltada à participação

Coelho et al. (2010) propõem que o engajamento da comunidade ocorra ao longo de todo o processo, e que os primeiros eventos de participação pública sirvam para selecionar os representantes das partes interessadas que acompanharão as etapas seguintes. Para consolidar a participação, a literatura aponta (e o G-SINDS ratifica) o emprego de uma diversidade de meios, incluindo fóruns e reuniões entre cientistas e público leigo, painéis de especialistas, grupos focais, comunidades de prática, sessões de brainstorming, questionários e entrevistas. 4. Conclusões O trabalho objetivou apresentar um framework para governança de sistemas de IdS em processos de AAE, o qual recebeu a designação G-SINDS. O modelo propõe um “rito processual” flexível, que permite organizar e roteirizar o desenvolvimento dos IdS, incluindo pontos decisivos para a qualidade do resultado. O G-SINDS representa um modelo inteiramente distinto de outros apresentados na literatura. Primeiro, por envolver todas as fases que constituem o “ciclo de vida dos indicadores”, desde a definição de seus elementos fundadores até a sua destinação a repositórios permanentes, tornando-os disponíveis para consultas e reutilizações posteriores. Segundo, devido ao seu forte direcionamento à AAE, tendo raízes na prática real (nacional e internacional) desta ferramenta e no conhecimento vivencial de seus praticantes. Terceiro, por estar baseado em princípios e técnicas de GC. Sendo genérico e adaptável ao contexto, o G-SINDS aplica-se a uma ampla variedade de tipos de AAE, ressalvando-se, porém, que o modelo foi formulado tendo por base fundamental a experiência brasileira. Nenhuma fase ou elemento transversal do G-SINDS é dispensável ou mais importante e decisivo do que os demais. O framework é um todo indissociável. Por outro lado, é apenas uma proposição e um protótipo. Portanto, não deve ser visto como um modelo definitivo, mas um instrumento em permanente avaliação e evolução. Acredita-se que, face à sua 489

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

concepção inovadora e fundamentada no exercício de boas práticas, o G-SINDS representa um fator de aprimoramento na execução de processos de AAE. Referências Bardin, L., 2011. Análise de Conteúdo. Edições 70, São Paulo. Castillo, H., Pitfield, D.E., 2010. ELASTIC – A methodological framework for identifying and selecting sustainable transport indicators. Transportation Research Part D, v.15, pp.179-188. Chaker, A., El-Fadl, K., Chamas, L., Daou, M.A.Z., Hatjian, B., 2006. Towards a national strategic environmental assessment in Lebanon. Impact Assessment and Project Appraisal, v.24, pp.103-114. Cloquell-Ballester, V.A., Cloquell-Ballester, V.A., Monterde-Díaz, R., Santamarina-Siurana, M.C., 2006. Indicators validation for the improvement of environmental and social impact quantitative assessment. Environmental Impact Assessment Review, v.26, pp.79-105. Coelho, P., Mascarenhas, A., Vaz, P., Dores, A. Ramos, T.B., 2010. A framework for regional sustainability assessment: developing indicators for a Portuguese region. Sustainable Development, v.18, pp.211-219. Donnelly, A., Jones, M., O’Mahony, T., Byrne, G., 2007. Selecting environmental indicator for use in strategic environmental assessment. Environmental Impact Assessment Review, v.27, pp.161-175. Donnelly, A., Prendergast, T., Hanusch, M., 2008. Examining quality of environmental objectives, targets and indicators in environmental reports prepared for Strategic Environmental Assessment. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v.10, pp.381-401. Eckerberg, K., Mineur, E., 2003. The use of local sustainability indicators: case studies in two Swedish municipalities. Local Environment, v.8, pp.591-614. Ezequiel, A.S.R., 2010. Utilização de indicadores em Avaliação Ambiental Estratégica. Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. Gao, J., Kørnøv, L., Christensen, P., 2013a. Do indicators influence communication in SEA? – Experience from the Chinese practice. Environmental Impact Assessment Review, v.43, pp.121-128. Gao, J., Kørnøv, L., Christensen, P., 2013b. The politics of strategic environmental assessment: weak recognition found in Chinese guidelines. Impact Assessment and Project Appraisal, v.31, pp.232-237. Ho, A.Y.K., 2013. Strategic Environmental Assessment – Implementation mechanisms & tools for the future, in: IAIA 13 Conference Proceeding. IAIA, Calgary. Innes, J.E., Booher, D.E., 2000. Indicators for sustainable communities: a strategy building on Complexity Theory and distributed intelligence. Planning Theory & Practice, v.1, pp.173186. Lehtonen, M., 2010. Indicators as an appraisal technology: Framework for analysing the policy influence of the UK energy sector indicators, in: von Raggamby, A., Rubik, F. (Eds.), Sustainable development, evaluation and policy-making: theory, practice and quality assurance. Edward Elgar, Cheltenham, pp.175-206. Lyytimäki, J., Gudmundsson, H., Sørensen, C.H., 2014. Russian dolls and Chinese whispers: two perspectives on the unintended effects of sustainability indicator communication. Sustainable Development, v.22, pp.84-94. Marconi, M.A., Lakatos, E.M., 2010. Fundamentos de metodologia científica. Atlas, São Paulo. 490

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Marques, A.S., Ramos, T.B., Caeiro, S., Costa, M.H., 2013. Adaptive-participative sustainability indicators in marine protected areas: Design and communication. Ocean & Coastal Management, v.72, pp.36-45. Mascarenhas, A., Coelho, P., Subtil, E., Ramos, T.B., 2010. The role of common local indicators in regional sustainability assessment. Ecological Indicators, v.10, pp.646-656. Merry, S.E., 2011. Measuring the World Indicators, Human Rights, and Global Governance. Current Anthropology, v.52, pp.S83-S95. Moreira, H., Caleffe, L.G., 2008. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador, 2ª Ed. Lamparina, Rio de Janeiro. Naddeo, V., Belgiorno, V., Zarra, T., Scannapieco, D., 2013. Dynamic and embedded evaluation procedure for strategic environmental assessment. Land Use Policy, v.31, pp.605612. Partidário, M.R., 2012. Guia de melhores práticas para Avaliação Ambiental Estratégica: orientações metodológicas para um pensamento estratégico em AAE. Agência Portuguesa do Ambiente, Lisboa. Partidário, M.R., Sheate, W.R., 2013. Knowledge brokerage – potential for increased capacities and shared power in impact assessment. Environmental Impact Assessment Review, v.39, pp.26-36. Partidário, M.R., Vicente, G., Belchior, C., 2010. Can new perspectives on sustainability drive lifestyles? Sustainability, v.2, pp.2849-2872. Probst, G., Raub, S., Romhardt, K., 2002. Gestão do Conhecimento: os elementos construtivos do sucesso. Bookman, Porto Alegre. Pülzl, H., Rametsteiner, E., 2009. Indicator development as “boundary spanning” between scientists and policy-makers. Science and Public Policy, v.36, pp.743-752. Ramos, T.B., Caeiro, S., 2010. Meta-performance evaluation of sustainability indicators. Ecological Indicators, v.10, pp.157-166. Rice, J.C., Rochet, M.J., 2005. A framework for selecting a suite of indicators for fisheries management. ICES Journal of Marine Science, v.62, pp.516-527. Sánchez, L.E., Morrison-Saunders, A., 2011. Learning about knowledge management for improving environmental impact assessment in a government agency: The Western Australian experience. Journal of Environmental Management, v.92, pp.2260-2271. Silva, A.W.L., Selig, P.M.; Van Bellen, H.M., 2014. Use of sustainability indicators in Strategic Environmental Assessment processes conducted in Brazil. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, v.16, artigo 1450008. Silva, A.W.L., Steil, A.V., Selig, P.M., 2013. Learning in organizations as outcome of environmental assessment processes. Ambiente & Sociedade, v.16, pp.129-152. Therivel, R. 2010. Strategic Environmental Assessment in action, 2ª Ed. Earthscan, London. Van Gent, P., 2011. SEA knowledge and its use in information sharing, training and learning, in: Sadler, B., Aschemann, R., Dusik, J., Fischer, T.B., Partidário, M.R., Verheem, R. (Eds.), Handbook of Strategic Environmental Assessment. Earthscan, London, pp.535-544.

491

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Utilização de Indicadores em Processos de Planeamento e Gestão de Recursos Hídricos e Avaliação Ambiental Estratégica: Análise do Contexto Português Santos Coelho108, Rosa Antunes109, Paula Ramos110, Tomás B.

Resumo Os Planos de Gestão de Região Hidrográfica (PGRH) enquadrados pela Diretiva Quadro da Água (DQA) têm como grande objetivo enquadrador promover, tão cedo quanto possível, o bom estado dos recursos hídricos. Para se alcançar esse objetivo é necessário caracterizar os recursos hídricos, avaliar o seu estado, monitorizar a implementação das ações previstas, comunicar informações e tomar decisões fundamentadas. A utilização de indicadores é sugerida, pelos especialistas, como uma ferramenta adequada para suporte dessas funções, apesar de não ser um requisito para a implementação do processo de planeamento ao abrigo da DQA. A análise dos documentos que constituem os PGRH portugueses e dos Relatórios correspondentes às respetivas Avaliações Ambientais Estratégicas (AAE) permitiu verificar que são utilizados indicadores para promover a avaliação, caracterização e monitorização dos objetivos e das metas estabelecidas. Contudo, não ficaram esclarecidos vários aspetos importantes, tais como os critérios de seleção e o interesse do envolvimento dos atores no processo de seleção, a relevância do elevado número de indicadores utilizados, os custos associados à obtenção de dados de monitorização, entre outros. Assim, de forma a compreender qual o papel efetivo dos indicadores nos processos de planeamento e gestão dos recursos hídricos em Portugal e no sentido de se desenvolverem modelos de seleção e organização de indicadores eficazes e de utilização eficiente, foram realizadas entrevistas estruturadas, dirigidas aos vários grupos de atores envolvidos. O tratamento dos dados obtidos permitiu verificar que existe um longo percurso a efetuar para que os indicadores possam promover uma melhor comunicação com as partes interessadas e apoiar os processos de tomada de decisão, e simultaneamente possam constituir a base para a revisão e desenvolvimento do ciclo subsequente do processo de planeamento. Palavras-chave: Planos de Gestão de Região Hidrográfica, Avaliação Ambiental Estratégica, Indicadores, Entrevistas Estruturadas.

108 Escola Superior Agrária de Santarém, Instituto Politécnico de Santarém, Quinta do Galinheiro - S. Pedro, 2001 - 904 Santarém, Portugal, [email protected]; CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, [email protected] 109 CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica, Portugal, [email protected] 110 CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica, Portugal, [email protected]

492

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Análise de custos e dos benefícios nas estratégias de adaptação às alterações climáticas em áreas costeiras em risco. O caso do Furadouro (Ovar) – Portugal Fábio Miguel Cardona1, José Carlos Ferreira2, António Mota Lopes2 1

FCT-UNL, [email protected],

2

FCT-UNL,APA, [email protected], [email protected]

Resumo O desenvolvimento sustentável e integrado das zonas costeiras assumem crescente importância em termos económicos, ambientais e sociais, uma vez que são zonas densamente povoadas, sujeitas a pressões naturais mas sobretudo antrópicas que se têm vindo a intensificar com os efeitos decorrentes dos processos globais resultantes das alterações climáticas e com aumento da sua procura a nível local. Os estudos das estratégias de adaptação às alterações climáticas assumem uma elevada importância estratégica para Portugal. A estratégia de adaptação em território costeiro é uma estratégia que ajusta os sistemas naturais e/ou humanos às alterações climáticas ou aos seus efeitos, por forma a diminuir os danos ou valorizar as oportunidades. Esta estratégia inclui várias alternativas que poderão cumprir o objectivo de redução do risco e minimizar as perdas económicas, ambientais e sociais tais como as estratégias de proteção costeira, acomodação e a relocalização ou recuo planeado. Uma vez que são várias as alternativas, é necessário optar pela melhor estratégia. Para tal, deve-se recorrer a análises comparativas e integradas das estratégias de adaptação e dos seus custos e benefícios associados a cenários de risco ou alterações climáticas. O presente trabalho apresenta uma proposta de análise dos custos e avaliação dos benefícios associados a diferentes opções de adaptação considerando cenários de risco muito elevado. O local de estudo é a Praia do Furadouro, em Ovar, uma área com elevada erosão costeira e frequentes galgamentos nos últimos anos Os custos acumulados das medidas de adaptação ao fim de 50 anos estimam-se ser de 276M€ na estratégia combinada de defesa/proteção+acomodação, 164M€ na acomodação, 112M€ na defesa/proteção e 75M€ na relocalização, sendo que se prevê necessários 22, 40 e 45 anos para os custos de relocalização compensarem em relação aos custos de defesa/proteção+acomodação, defesa/proteção e acomodação, respetivamente. Os resultados para o Furadouro são um exemplo da importância de avaliar as estratégias de adaptação nas áreas com mais problemas costeiros e evidenciam a utilidade da abordagem efectuada como um suporte à tomada de decisão para processos que envolvam gestão urbana e ordenamento do território de espaços expostos à ação abrasiva do mar.. Palavras-chave: Alterações Climáticas, Risco Costeiro, Adaptação, Análise De Custos, Furadouro 1. Enquadramento e descrição do problema O desenvolvimento sustentável e integrado das zonas costeiras do continente português assumem crescente importância em termos económicos, ambientais e sociais, uma vez que são as zonas mais densamente povoadas e que mais contribuem para o Produto Interno Bruto (PIB) e desenvolvimento do país. Estas zonas estão sujeitas a pressões naturais mas sobretudo antrópicas que se têm vindo a intensificar com o aumento da sua procura a nível local e os efeitos decorrentes dos processos globais resultantes das alterações climáticas. Assim, é essencial a compreensão dos fatores que concorrem para a identificação do risco 493

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

devido à ação do mar e do próprio homem para fundamentar opções na área do urbanismo e no ordenamento do território e bem assim em planos de ação necessários a uma adequada proteção, prevenção e socorro da população afetada. Para apoiar a decisão a tomar, na escolha da estratégia a adotar para prevenção de riscos é igualmente necessário fazer análises dos custos e benefícios das diferentes estratégias. O objetivo deste trabalho é propor uma estratégia de adaptação para o litoral artificializado do Furadouro, incluindo as estratégias combinadas de proteção acomodação e relocalização. Esta proposta tem em consideração a análise dos custos diretos e dos benefícios de cada estratégia para o apoio à tomada de decisão. O caso de estudo utlizado para a avaliação integrada das medidas de adaptação e dos custos associados é a Praia do Furadouro, no concelho de Ovar, por ser um aglomerado costeiro que apresenta particulares fragilidades ao avanço do mar, com frequentes galgamentos nos últimos anos e que perante acontecimentos extremos de temporais ocorrem perdas de bens e património (APA, 2014). 1.1.

Alterações Climáticas

A variabilidade climática é um fenómeno natural com alterações progressivas ao longo de escalas temporais de milhares de anos, contudo, esta variabilidade tem evoluído a um ritmo superior desde que as acções antropogénicas se intensificaram. Essas variações intensificadas pelo efeito antropogénico designam-se como alterações climáticas. São exemplo dessas alterações o aumento da temperatura média global, a alteração dos padrões de precipitação e o aumento dos acontecimentos climáticos extremos aumentando consequentemente o perigo e intensidade dos galgamentos, inundações e erosão costeira (AEA, 2008; Carmo, 2013; Kovats et al., 2014; Santos & Miranda, 2006) Estas alterações são induzidas pelo aumento da libertação de gases de efeito de estufa que provocam o aumento da temperatuta média global, o derretimento dos glaciares e consequentemente o aumento do nível médio do mar. Segundo IPCC (2014) a média global da concentração de emissões do dióxido de carbono elevou de 280 ppm em 1850 para cerca de 390 ppm em 2010 e a taxa de emissão de gases de efeito de estufa de origem antropogénica tem tendência crescente, pois entre 1970 e 2000 a taxa foi de 1,3% e entre 2000 e 2010 aumentou para 2,2%. A variação do NMM faz variar o desenho e posição da linha de costa. Dependendo de vários factores, tais como a altura, a inclinação do terreno e a artificialização do solo, um aumento do NMM poderá implicar um recuo da linha de costa, ou seja a deslocação da linha de costa para o interior do continente, para áreas com ocupação humana e consequentemente aumenta o perigo para as comunidades costeiras e poderá diminuir a biodiversidade dos ecossistemas (Carmo, 2013). 1.2.

Ações antropogénicas

As acções naturais intensificadas pelas alterações climáticas modificam a configuração do litoral, aumentam a erosão e as ocorrências de galgamentos. No entanto, as acções antropogénicas têm uma grande influência nas acções diretas e indirectas do mar sobre o litoral (Ferreira, 2006; Ferreira, Silva, & Polette, 2009; Turner, Burgess, Hadley, Coombes, & Jackson, 2007), sendo que as actividades antrópicas são responsáveis por cerca de 90% do recuo da linha de costa do litoral português (GTL, 2014). O abastecimento sedimentar do litoral sofre uma redução progressiva, mas intensa, a partir da Revolução Industrial e do crescimento demográfico exponencial, essencialmente no litoral, devido aos impactos das actividades antropogénicas. Todas as actividades que modifiquem o natural regime hídrico, como são a regularização das linhas de água, as grandes obras de protecção dos canais de navegação de acesso aos portos ou a extracção de sedimentos nas bacias hidrográficas, vão ter consequências no balanço sedimentar com profundas implicações negativas na zona costeira (Cooper & McKenna, 2008; Dias, 2005). 494

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As obras de defesa costeira, projectadas para proteger o litoral das acções do mar, promovem a construção do edificado nessa áreas aumentando a pressão antrópica nas mesmas(French, 2001). Dessa pressão resulta a destruição do coberto vegetal e das dunas, o aparecimento de corredores eólicos, o aumento da artificialização do solo e consequente impermeabilização dos solos, acontecimentos que aumentaram o risco de erosão, galgamentos e inundações costeiras (Ferreira et al., 2009). 1.3.

Estratégias de adaptação à erosão costeira

A adaptação é um ajuste dos sistemas naturais ou humanos às mudanças climáticas ou aos seus efeitos, com o objectivo de diminuir os danos ou o risco ou valorizar as oportunidades Parry et al.(2007). Transferindo este conceito para a gestão costeira, define-se adaptação como uma estratégia de gestão para a redução dos riscos costeiros face às alterações climáticas. A estratégia de adaptação costeira inclui as estratégias de protecção costeira, acomodação e relocalização ou recuo planeado (Parry et al., 2007), observáveis na figura 1.

Figura 1. Estratégias de adaptação costeira: relocalização, acomodação e protecção costeira (Fonte: GTL, 2014).

A estratégia de protecção consiste em manter ou avançar a linha de costa através de obras leves ou pesadas. A acomodação consiste na adaptação das actividades humanas e das infraestruturas existentes no litoral com o objectivo de reduzir o risco de inundação. A relocalização consiste na migração das pessoas e bens para o interior do continente, nomeadamente para áreas com menor perigosidade costeira (GTL, 2014). A decisão da opção da estratégia de adaptação a tomar é influenciada principalmente pelas considerações socioeconómicas locais. A tomada de decisão deve ser apoioada por análises custo-benefício (EC, 2009), por forma a avaliar se a relação custo-benefício das estratégia e das medidas a tomar são superiores aos custos totais de inacção ou mesmo para comparação entre estratégias. Os custos da estratégia de adaptação resultam do somatório dos custos associados à sua implementação e dos impactos residuais não eliminados (GTL, 2014). 1.3.1. Defesa e Proteção O objectivo da estratégia de defesa consiste em manter a linha de costa ou avançar (conquistar terra ao mar), protegendo o litoral das acções do mar. Esta estratégia pode incluir obras leves ou pesadas. As obras pesadas são intervenções estruturais geralmente aplicadas em áreas com problemas graves de erosão costeira. Estas estruturas podem ser paralelas ou perpendiculares à linha de costa. Exemplos de obras pesadas são os diques, esporões, defesa aderente longitudinal e quebra-mares. Exemplos de obras leves são a alimentação artificial, dunas artificiais e criação de zonas húmidas (sumidouros).

495

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As obras de defesa apesar de serem projetadas para defender as comunidades costeiras da erosão costeira, poderão ter efeitos adversos e aumentar a erosão nas áreas adjacentes da obra (French, 2001). 1.3.2. Acomodação A estratégia de acomodação consiste em adaptar o modo de vida das pessoas por forma a continuarem a viver em zonas com elevada perigosidade à erosão, galgamento ou inundação costeira, i.e. aumentar a capacidade das populações lidarem com os impatos e riscos de modo a diminuírem o respectivo risco e aumentarem a resiliência. Esta estratégia inclui medidas que consistem no incentivo de usos sazonais, reabilitação de estruturas ou edifícios para que sejam mais resilientes à ação do mar, planear os espaços públicos como espaços multifuncionais, encaminhando as águas de cheia ou soluções de dissipação de energia das águas. É também importante condicionar usos abaixo de cotas de risco de inundação e criar soluções urbanísticas mais resilientes (GTL, 2014). 1.3.3. Relocalização A estratégia de relocalização ou recuo planeado consiste na retirada do edificado de áreas de elevada perigosidade às acções do mar. Esta estratégia geralmente só é adotada quando todas as outras estratégias já não são eficazes ou quando o perigo é tão elevado que a única opção é o recuo. Contudo, as obras de defesa costeira têm demonstrado que têm elevados custos financeiros e impatos negativos tanto localmente como a sotamar das estruturas (se a deriva litoral tiver sentido Norte-Sul) ou a barlamar das estruturas (se a deriva litoral tiver sentido Sul-Norte) aumentando a erosão nessas zonas. As medidas de relocalização podem assumir várias abordagens: a retirada, a relocalização e a readaptação, conforme se pode verificar na figura 2 (Veloso-Gomes & Oliveira, 2013). Qualquer medida a adotar deve ser sempre seguida de um fortalecimento “natural” nas áreas anteriormente ocupadas, de modo a diminuir a perigosidade, funcionando como uma zona-tampão entre as acções do mar e as áreas ocupadas.

Figura 2. Esquema das acções “remover”, “relocalizar” e “readaptar” (Veloso-Gomes & Oliveira, 2013).

1.4.

Análise dos custos e benefícios das estratégias de adaptação

As estratégias de adaptação têm o objectivo de reduzir o risco ou o dano face aos efeitos das alterações climáticas, essenciais na gestão do risco, na segurança das pessoas e bens costeiros. Porém, são várias as alternativas que poderão cumprir os objectivos de redução do risco, sendo por isso necessário seleccionar a melhor estratégia.

496

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para apoiar a tomada de decisão, deve-se recorrer a análises comparativas dos custos e dos benefícios ou eficácia associados a cada alternativa. É aconselhável a análise integrada das estratégias de adaptação e dos custos associados para minimizar perdas económicas e financeiras (Turner, Burgess, Hadley, Coombes, & Jackson, 2007). 2. Métodos O local seleccionado para a análise é a Praia do Furadouro em Ovar (figura 3). A praia do Furadouro foi seleccionada visto ser uma área com elevada erosão costeira, frequentes galgamentos nos últimos anos e que perante acontecimentos climáticos extremos ocorrem perdas de bens e património. No relatório de registos de ocorrências no litoral APA (2014b) referente ao temporal de 3 a 7 de janeiro de 2014 refere-se que o Furadouro foi uma das áreas do litoral continental onde a ação do mar teve particular expressão.

Figura 3. Local de estudo, Praia do Furadouro, Ovar (APA, 2014a)

A análise de custos das estratégias de adaptação é realizada num prazo de 50 anos com o objectivo de se comparar as diferentes estratégias ao longo do tempo. As estratégias analisadas são a defesa, acomodação e relocalização. Considera-se o ano de 2014 como o ano inicial. Nesta análise de custos não serão analisados os custos sociais e ambientais. A praia do Furadouro é constituída por defesas aderentes longitudinais (figura 4, figura 5 e figura 6), 2 esporões (figura 5) e dunas artificiais (figura 6).

Figura 4. Fotografia aérea da defesa aderente longitudinal da área de estudo, Praia do Furadouro (APA, 2014a).

497

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 5. Fotografia aérea dos esporões e da defesa aderente longitudinal da área de estudo, Praia do Furadouro (APA, 2014a)

Figura 6. Fotografia aérea das dunas artificiais e defesa aderente da área de estudo, Praia do Furadouro (APA, 2014a).

2.1.

Defesa/Proteção

No cálculo dos custos de defesa e protecção utiliza-se os valores dos custos de manutenção do Roebling et al., (2011), observáveis na tabela 1, particularmente o custo de manutenção dos esporões e defesa longitudinal. Para o custo das dunas artificiais utilizou-se os dados de Maia et al.,(2015), observáveis na tabela 2. Uma vez que os custos não estão actualizados, fez-se a conversão dos mesmos tendo como base o índice de preço no consumidor (média anual) de Portugal Continental do Instituo Nacional de Estatística (INE, 2015). Na tabela 3 pode-se observar os custos de manutenção das obras de defesa, já actualizados para 2014. Tabela 1. Custos (€) no ano 2000 de investimento e manutenção de intervenções de defesa costeira na zona centro portuguesa (Adaptado de Roebling et al., 2011) Intervenção de Defesa

Custos de Investimento (€)

Custos de manutenção (€)

Esporão

10000/m

2000/m (ano 3, 6, …)

Revestimento longitudinal

8000/m

1800/m (ano 3, 6, …)

Alimentação artificial

6/m3

n/a

498

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 2. Custos (€) no ano de 2012 de investimento e manutenção de intervenção de defesa costeira dique de areia na zona sul da praia da Vagueira. Adaptado de Maia et al. (2015). Sand dyke

Investment coasts

867€/m

Maintenance costs (yr 3, 6 …)

867€/m

Tabela 3. Custos de manutenção em 2014 das obras de defesa (Cardona et al., 2016). Obra de defesa

Custo de manutenção (€/m)

Esporão

2709,30

Defesa longitudinal

2438,37

Proteção de areia

866,56

Nesta análise considerou-se que a estratégia de defesa iria ser mantida conforme tem sido nesse local, efectuando manutenções nas estruturas de defesa existentes.Foram apenas considerados custos diretos, i.e. os custos da construção das obras. Para a obtenção dos custos (€) das obras, ao longo do tempo, é necessário multiplicar os comprimentos das obras (m) pelo custo da manutenção por unidade de comprimento (€/m), ao longo do tempo. Para este cálculo considerou-se uma inflação de 3%. Os comprimentos das obras foram medidos com o auxílio do programa SIG ArcGis. Considerou-se que os trabalhos de manutenção das obras de defesa serão realizados de 5 em 5 anos. 2.2.

Acomodação

Para o cálculo dos custos de acomodação do edificado considerou-se que este seria 30% do custo de construção de um edifício com a mesma área no concelho de Ovar e que o número de edifícios e a respectiva área manter-se-iam constantes ao longo do tempo. Para o custo de construção considerou-se os valores unitários por metro quadrado do preço de construção, para cálculo da renda condicionada, nos termos e efeitos do Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de janeiro (alterado pelo DL n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro). Para a obtenção das áreas úteis dos edifícios multiplicou-se a área superficial do edifício pelo respectivo número de pisos. A área superficial dos edifícios foi obtida com o auxíulio do programa ArcGis, delimitando os edifícios com polígonos (shapefiles) e calculando a respectiva área. O número de pisos dos edifícios foi averiguado com o auxílio do Google Earth e das fotografias disponibilizadas pela APA (2014a). No cálculo do custo de acomodação não foram considerados os edifícios degradados nem os anexos precários111. Os edifícios alvos da estratégia de acomodação foram os edifícios com risco elevado ou muito elevado. No cálculo dos custos de acomodação ao longo do tempo considerou-se uma inflação de 3% e que os trabalhos de acomodação seriam realizados de 25 em 25 anos. 2.3.

Defesa/Proteção + Acomodação

Foi considerada uma estratégia mista de defesa/protecção e acomodação com o objectivo de diminuir ou manter o risco de erosão, galgamento e inundação costeira. Assim, aos custos de acomodação adicionaram-se os custos da estratégia de defesa e protecção.

111 Barracas,

edifícios pré-fabricados e edifícios de carácter precário 499

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A opção de uma estratégia mista deveu-se ao fato de não ser coerente aumentar apenas a resiliência dos edifícios em áreas de risco elevado ou muito elevado sem se tomar medidas de defesa e protecção. 2.4.

Relocalização

No cálculo dos custos da estratégia de relocalização foi considerado o somatório dos custos de demolição e dos custos de construção por metro quadrado, já abordado no capítulo 2.2. Foram apenas considerados os custos diretos. No cálculo dos custos de construção não se consideraram os edifícios degradados nem os anexos precários pois não são sujeitos à relocalização. Os edifícios alvos da estratégia de recuo são os edifícios em risco elevado ou muito elevado. O custo de demolição foi realizado no website de CYPE Ingenieros, S.A. (2015). Neste cálculo são considerados os pisos e a altura acima e abaixo da rasante, a área superficial total, o tipo de estrutura a demolir, o estado de conservação, o tipo de demolição e o tipo de edifício (isolado, geminado ou em banda). Em termos gerais considerou-se que: os edifícios não tinham pisos abaixo da rasante, uma vez que era de difícil averiguação através da visualização de fotografias e do Google Earth; cada piso teria 3 metros; a demolição foi realizada com uma escavadora rotativa sobre correntes com tesoura, pois é geralmente utilizada para demolições de média/grande escala; os edifícios estariam isolados, pois mesmo não sendo o caso, pouco importa se existem edifícios adjacentes, uma vez que serão igualmente demolidos e não há que ter cuidados especiais. Os pressupostos não gerais utilizados para o cálculo do custo de demolição podem ser observados na tabela 4. Tabela 4. Pressupostos utilizados no cálculo do custo de demolição consoante o tipo de edifício (Cardona et al., 2016) Tipo de edifício

Tipo de estrutura a demolir

Estado de conservação

Anexo precário

alvenaria

ruinoso

alvenaria

normal

Ed. Degradado

alvenaria

ruinoso

Ed. Particular

betão

normal

Ed. Apoio

112

No custo de demolição estão incluídos os trabalhos de remoção do entulho para aterro autorizado e limpeza final, contudo não inclui a taxa por entrega de resíduos a operador licenciado de gestão de resíduos. 3. Estratégias de Adaptação e Custos 3.1. Obras de defesa e protecção costeira no Furadouro O mapa com a localização das obras de defesa e protecção costeira do local de estudo (Praia do Furadouro) pode ser observado na figura 7. Conforme se pode verificar, o aglomerado urbano é protegido por 2 esporões, uma obra de defesa longitudinal e a sul foram criadas cotas com depósitos de sedimentos nas traseiras da obra aderente para minimizar galgamentos. O mapa produzido com o ArcGis foi utilizado para a medição do comprimento das obras de defesa, necessário para a análise dos custos da estratégia de defesa.

112 Garagens,

edifícios comerciais, de recreação e de lazer. 500

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 7. Mapa com a localização das obras de defesa no local de estudo (Praia do Furadouro, Ovar)(Cardona et al., 2016)

3.2.

Risco na Praia do Furadouro

Para a análise de custos da relocalização e acomodação é necessário identificar o edificado em risco. Assim, utilizou-se o mapa de risco de erosão, galgamento e inundação costeira de Cardona et al., (2016), observável na figura 8. Conforme se pode verificar no mapa, a Praia do Furadouro é na generalidade classificada com um índice de risco muito elevado, uma vez que praticamente todas as áreas habitadas têm essa classificação. É o edificado em risco elevado ou muito elevado que se reliza a acomodação e a relocalização.

501

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 8. Mapa do índice de risco da Praia do Furadouro (Cardona et al., 2016).

3.3.

Custos das estratégias de adaptação na Praia do Furadouro

Os custos financeiros acumulados das estratégias de adaptação podem ser observados na tabela 5. O gráfico resultante da mesma tabela pode ser verificado na figura 9.

502

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 5. Custos financeiros acumulados das estratégias de adaptação ao longo de 50 anos na área de estudo, Praia do Furadouro (Cardona et al., 2016) DEFESA/PROTEÇÃO

ACOMODAÇÃO

Anos

DEFESA/PROTEÇÃO + ACOMODAÇÃO

RELOCALIZAÇÃO

Custo acumulado (M€)

2014

0.0

21.9

21.9

74.6

2019

5.3

21.9

27.2

74.6

2024

11.3

21.9

33.3

74.6

2029

18.4

21.9

40.3

74.6

2034

26.6

21.9

48.5

74.6

2039

36.1

67.9

103.9

74.6

2044

47.1

67.9

114.9

74.6

2049

59.8

67.9

127.7

74.6

2054

74.6

67.9

142.5

74.6

2059

91.7

67.9

159.6

74.6

2064

111.6

164.1

275.6

74.6

Conforme se pode verificar na tabela 5 e na figura 9, a estratégia com os custos mais elevados ao fim de 50 anos é a estratégia mista de defesa e acomodação, com o custo de cerca de 276 milhões de euros, seguida pela estratégia de acomodação com o custo aproximado de 164 milhões de euros, a estratégia de defesa com cerca de 112 milhões de euros e, por último, a estratégia de relocalização com um custo acumulado de aproximadamente 75 milhões de euros.

MILHÕES (€)

Custos acumulados das estratégias de adaptação 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

2014

2019

2024

2029

2034

2039

2044

2049

DEFESA/PROTEÇÃO

ACOMODAÇÃO

DEFESA/PROTEÇÃO + ACOMODAÇÃO

RELOCALIZAÇÃO

2054

2059

2064

Figura 9. Gráfico dos custos financeiros acumulados das estratégias de adaptação (Cardona et al., 2016) 503

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Analisando o gráfico da figura 9, verifica-se que a estratégia com os custos mais elevados (estratégia mista de defesa e acomodação) intersecta com a estratégia com menores custos (estratégia de relocalização) entre os anos de 2034 e 2039. A estratégia de relocalização intersecta com os custos de defesa em 2054 e intersecta com a estratégia de acomodação em, aproximadamente, 2059. Assim, a partir de aproximadamente 2036 os custos da estratégia mista de defesa e acomodação superam os custos da relocalização, a partir de 2054 os custos da estratégia de defesa passam a ser superiores aos custos da relocalização e entre 2059 e 2060 os custos da acomodação ultrapassam os custos da relocalização. Sendo que são necessários aproximadamente 22 anos, 40 anos e 45 anos para os custos de relocalização serem menores que os custos da estratégia mista de defesa e acomodação, a estratégia de defesa e a estratégia de acomodação, respectivamente. Apesar de os custos iniciais da estratégia de relocalização serem superiores aos restantes custos, a estratégia de relocalização ao longo do tempo tende a ter menores custos que as restantes estratégias. Os custos da estratégia de defesa intersectam com os custos da acomodação. As intersecções ocorrem nos anos 2031, 2035, 2051 e 2059, sendo que os custos de acomodação só são inferiores entre 2031 e 2035 e entre 2051 e 2059. A tendência dos custos acumulados de acomodação é serem superiores aos custos acumulados de defesa. 3.4. Benefícios e eficácia das estratégias de adaptação na Praia do Furadouro 3.4.1. Defesa/Proteção A estratégia de defesa e protecção defende a população costeira dos ataques do mar e retém as areias a norte dos esporões. Contudo, não tem sido completamente eficaz uma vez que não impede os galgamentos e são provocados danos nas infraestruturas. Os esporões apesar de reterem os sedimentos a barlamar, aumentam a erosão a sotamar. A defesa aderente também poderá aumentar a erosão local, uma vez que o mar ao embater nestas estruturas provoca correntes de retorno que removem os sedimentos. 3.4.2. Acomodação A acomodação diminui o risco da população e dos bens, mas não diminui a perigosidade. A comunidade adapta-se e aumenta a capacidade de lidar com os impatos da ação do mar. Contudo a perigosidade mantém-se e os danos poderão ocorrer, assim como os custos de manutenção e reparação. 3.4.3. Defesa/Proteção + Acomodação A estratégia mista de defesa e acomodação tem elevada eficácia, uma vez que diminui a perigosidade e a vulnerabilidade, i.e, diminui a intensidade e frequência dos galgamentos e aumenta a capacidade da comunidade costeira em lidar com estes acontecimentos. A população poderá continuar a viver nos locais onde são naturais e manter as suas tradições, nomeadamente a comunidade piscatória. 3.4.4. Relocalização A estratégia de relocalização é a que minimiza mais o risco, uma vez que as edificações em risco são deslocalizadas para áreas sem risco da ação do mar. São ganhos espaços públicos não edificados com a dupla de função de constituírem barreiras à ação do mar e ao mesmo tempo utilizados como zonas de recreação e lazer. Uma renaturalização da área anteriormente ocupada diminuirá ainda mais o risco para o interior, funcionando como uma barreira natural à entrada de água. A substituição das edificações e vias públicas por dunas e vegetação autóctone, ou mesmo jardins, aumentará a permeabilização do solo e consequentemente a retenção da água proveniente de galgamentos e inundação costeira. A renaturalização também aumenta a retenção de sedimentos e, portanto diminui a erosão costeira.

504

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Os edifícios em risco de galgamentos e inundação costeira sofrem danos com estes acontecimentos. A relocalização destes edifícios diminuirá os custos provenientes destes danos. Esta estratégia não é bem recebida pela população residente, enraizada com as tradições e paisagens locais, pois implica alterações nas comunidades e modos de vida sendo por isso um fator negativo a ter em consideração. 4. Conclusões Este trabalho teve o objectivo de analisar os custos e os benefícios das estratégias de adaptação incluindo as estratégias combinadas de defesa, acomodação e relocalização. A análise de custos e benefícios associados às diferentes estratégias de adaptação foi realizada no litoral artificializado em risco elevado de erosão, galgamento e inundação costeira da Praia do Furadouro, em Ovar. A análise de custos associada aos diferentes caminhos de adaptação foi realizada num intervalo de 50 anos considerando cenários de risco muito elevado obtidos no modelo de identificação de zonas em risco de Cardona et al (2016). Os caminhos de adaptação utilizados nesta análise foram a defesa/protecção, relocalização, acomodação e a estratégia combinada de defesa e acomodação. Na estratégia de acomodação considerou-se o custo seria 30% do preço de construção de um alojamento com a mesma área e que seria necessária uma manutenção periódica de 25 em 25 anos. Na estratégia de defesa considerou-se manter as estruturas de defesa existentes com uma manutenção periódica de 5 em 5 anos. Nos custos da estratégia de relocalização considerou-se os preços de demolição e posterior construção do edificado em risco. Foi considerada uma inflação de 3% na análise de custos ao longo do tempo. Esta análise não ponderou custos sociais e ambientais. Os resultados da análise dos custos das estratégias de adaptação ao fim de 50 anos foram, por ordem decrescente, 276 milhões de euros na estratégia combinada de defesa e acomodação, 164 milhões de euros na estratégia de acomodação, 112 milhões de euros na estratégia de defesa e 75 milhões de euros na estratégia de relocalização. Assim, pode-se concluir que em relação aos custos financeiros, a estratégia de relocalização é a que suporta menos custos ao longo do tempo. As alterações climáticas e o aumento do nível médio do mar têm tendencia de continuar e, consequentemente, aumentam a perigosidade nas zonas costeiras. A opção de uma estratégia que diminua o perigo destas alterações é essencial para um desenvolvimento sustentável e seguro das comunidades costeiras. A estratégia da relocalização em locais de elevada perigosidade e risco de aumento do nível médio do mar, nomeadamente na área de estudo (Furadouro), é a estratégia que mais contribui para a diminuição da perigosidade dos eventos perigosos imediatos e futuros. As estratégias de defesa, principalmente as infraestruturas de defesa pesada, apesar de defenderem a população costeira dos galgamentos, alteram a hidrodinâmica e a dinâmica dos sedimentos, provocando erosão nas áreas adjacentes. A estratégia de relocalização é a estratégia mais eficaz na diminuição do risco, uma vez que tem o objectivo de deslocalizar a população e bens em risco para locais livres de perigo. A estratégia combinada de defesa e acomodação apesar de não ser tão eficaz como a estratégia de relocalização na diminuição do risco, permite que a população continue a viver nos locais com elevado valor afectivo. No entanto, os custos da estratégia combinada de defesa e acomodação são muito elevados e tendem sempre a aumentar, conforme se pôde verificar na análise de custos, sendo que a estratégia de relocalização tem a melhor relação entre os benefícios e os custos. A resistência das populações em abandonar espaços, onde para além do valor patrimonial acrescem os valores afectivos, terá que ser um problema a considerar. É expectável que com uma adequada informação baseada em processos de decisão partilhada e onde se 505

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

tenha em consideração a co-responsabilização e os custos partilhados, muito provavelmente e face ao crescente perigo intensificado pelas alterações climáticas será possível uma mudança de mentalidades. A análise realizada no presente artigo ajuda a perceber a necessidade de racionalizar investimentos desnecessários, pagos com os dinheiros públicos e quando a situação económica do país importa considerar. Tal matéria é tão mais pertinente quando é de conhecimento público que os fundos europeus são cada vez mais restritos é essencial realizar avaliações integradas dos custos das estratégias de adaptação para se optar pela melhor solução, tal como resulta das recomendações de GTL (2014). Referências bibliográficas AEA. (2008). Alterações climáticas. Agência Europeia do Ambiente. Retrieved from http://www.eea.europa.eu/pt/themes/climate/intro APA. (2014a). Fotografias aéreas do troço Caminha - Vila Real de Santo António. Agência Portuguesa do Ambiente. APA. (2014b). Relatório Técnico - Registo das ocorrências no litoral: Temporal de 3 a 7 de janeiro de 2014. Retrieved from http://www.apambiente.pt/_zdata/DESTAQUES/2014/RelatorioNacional_Ocorr_Jan_2014_V 6.pdf Cardona, F. M. d. S., Ferreira, J., & Lopes, A. (2016). Avaliação do risco de erosão, galgamento e inundação costeira em áreas artificiais de Portugal continental Estratégias de adaptação face a diferentes cenários de risco (relocalização, acomodação e proteção). doi:http://hdl.handle.net/10362/16198 Carmo, J. S. A. d. (2013). Experiência de recuperação de um sistema dunar e proposta de instrumentos complementares de proteção, atração e valorização ambiental. [Recovery experience of a dune system and complementary instruments proposal of protection, attraction, and environmental enhancement]. Revista de Gestão Costeira Integrada, 13(3), 317-328. doi:10.5894/rgci394 Cooper, J. A. G., & McKenna, J. (2008). Social justice in coastal erosion management: The temporal and spatial dimensions. Geoforum, 39(1), 294-306. doi:http://dx.doi.org/10.1016/j.geoforum.2007.06.007 CYPE Ingenieros, S. A. (2015). Demolição completa do edifício. Retrieved from http://www.geradordeprecos.info Dias, J. A. (2005). Evolução da Zona Costeira Portuguesa: Forçamentos Antrópicos e Naturais. Retrieved from Revista Encontros Científicos. No 1 (2005): EC. (2009). The economics of climate change adaptation in EU coastal areas. Summary Report. Retrieved from Cambridge, UK.: http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/documentation/studies/documents/executive_summary_e n.pdf Ferreira, J. C. (2006). Coastal zone vulnerability and risk evaluation: A tool for decisionmaking (An example in the Caparica Littoral Portugal). Journal of Coastal Research, 15901593. Ferreira, J. C., Silva, L., & Polette, M. (2009). The Coastal Artificialization Process. Impacts and Challenges for the Sustainable Management of the Coastal Cities of Santa Catarina (Brazil). Journal of Coastal Research, 1209-1213. French, P. W. (2001). Coastal defences: processes, problems and solutions: Psychology Press.

506

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

GTL. (2014). Gestão da Zona Costeira. O Desafio da Mudança. Relatório do Grupo de Trabalho do Litoral. Retrieved from http://sniamb.apambiente.pt/infos/geoportaldocs/docs/Relatorio_Final_GTL2015.pdf INE. (2015). Atualização de Valores com Base no IPC. Retrieved from http://www.ine.pt IPCC. (2014). Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. . Retrieved from Geneva, Switzerland: http://www.ipcc.ch/pdf/assessmentreport/ar5/syr/SYR_AR5_FINAL_full_wcover.pdf Kovats, R. S., Valentini, R., Bouwer, L. M., Georgopoulou, E., Jacob, D., Martin, E., . . . Soussana, J.-F. (2014). Europe Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Part B: Regional Aspects. Contribution of Working Group II to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (Barros, V.R., C.B. Field, D.J. Dokken, M.D. Mastrandrea, K.J. Match, T.E. Bilir, M. Chatterjee, K.L. Ebi, Y.O. Estrada, R.C. Genova, B. Girma, E.S. Kissel, A.N. Levy, S. MacCracken, P.R. Mastrandrea, and L.L. White ed., pp. 1267-1326). Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA. Maia, A., Bernardes, C., & Alves, M. (2015). Cost-benefit analysis of coastal defenses on the Vagueira and Labrego beaches in North West Portugal. [Análise de custo benefício de obras de defesa costeira nas praias da Vagueira e do Labrego]. Revista de Gestão Costeira Integrada, 15(1), 81-90. doi:10.5894/rgci521 Parry, M., Canziani, O., Palutikov, J., van der Linden, P. J., & Hanson, C. (2007). Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. : Cambridge, UK: Cambridge University Press. Roebling, P., C., Coelho, C., D., & Reis, E., M. (2011). Coastal erosion and coastal defense interventions: a cost-benefit analysis. Journal Coastal Research(64), 1415-1419. Santos, F. D., & Miranda, P. (2006). Alterações Climáticas em Portugal. Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação - Projecto SIAM II. (Gradiva, Lisboa ed.). Turner, R. K., Burgess, D., Hadley, D., Coombes, E., & Jackson, N. (2007). A cost-benefit appraisal of coastal managed realignment policy. Global Environmental Change-Human and Policy Dimensions, 17(3-4), 397-407. doi:10.1016/j.gloenvcha.2007.05.006 Veloso-Gomes, F., & Oliveira, M. (2013). Retirada Planeada de Áreas Edificadas em Zonas Costeiras em Risco. Retrieved from FEUP - Artigo em Livro de Atas de Conferência Internacional: http://hdl.handle.net/10216/71198

507

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

H - Gestão da sustentabilidade corporativa



508

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Avaliação da Sustentabilidade Corporativa: integrar ou não o Triple Bottom Line? Winston Jerónimo1 e Paula Antunes2 1

SOCIUS – Research Center in Economic and Organizational Sociology. ISEG – School of Economics and Management, Universidade de Lisboa. Rua Miguel Lupi, 20, 1249-078 Lisbon, Portugal. Email. [email protected] 2

CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, Department of Environmental Sciences and Engineering, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Campus de Caparica, 2829516 Caparica, Portugal. Email. [email protected]

Quando nos referimos aos conceitos de desenvolvimento sustentável, sustentabilidade corporativa e a responsabilidade social corporativa temos que ter a noção que não sendo termos equivalentes integram as preocupações a ter com as dimensões do Triple Bottom Line (TBL) e com noções estratégicas de investimento no curto, médio e longo prazo. O conceito de desenvolvimento sustentável assume que é na integração das dimensões do TBL que reside a sua essência. Contudo, tanto a dimensão ambiental como a social estão em permanente conflito com o equilíbrio que é pretendido entre custos e proveitos no âmbito da dimensão económica. Dependendo do sector de atividade e dos potenciais impactos onde a empresa seja mais vulnerável, esta tenderá a dedicar mais ou menos atenção à dimensão do TBL que lhe é mais sensível. Assim o seu desempenho de sustentabilidade tenderá a variar na medida da sua preocupação, direta ou indireta, das atividades desenvolvidas e das respetivas relações entre custos e proveitos. A interdependência entre as dimensões do TBL é reconhecida entre os agentes económicos. Todavia, continua a ser tratada e analisada como um fenómeno tripartido entre as dimensões do TBL. Prova disto, é a forma como é analisada e transmitida a informação no relato de sustentabilidade realizado pelas organizações. Neste sentido, o objetivo do nosso trabalho é contribuir para o conhecimento das relações que se estabelecem nas interseções entre a dimensão económica, social e ambiental da sustentabilidade corporativa, aqui designadas de relações híbridas. Neste sentido, desenvolveu-se um enquadramento teórico que fundamenta o modelo proposto, designado por Hybrid Bottom Line. De acordo com este enquadramento procurou conceber-se uma metodologia que permitisse analisar como é que estas relações de interseção entre economia-ambiente e economia-social se verificam e de que forma os seus resultados podem beneficiar a compreensão, avaliação e melhorias no entendimento da sustentabilidade corporativa, bem como possibilitar uma análise dirigida a fatores recombinantes específicos. A abordagem empírica recaiu na análise dos relatórios de sustentabilidade publicados pelas empresas e baseados nas diretivas de relato propostas pelo Global Reporting Initiative. A amostra para o estudo abrangeu um total de 85 empresas de diferentes dimensões, sectores económicos, países e continentes. A análise dos resultados foi feita utilizando diversos métodos de análise de dados (de frequência e de conteúdo) e análises estatísticas (análise de contingência, variância e de correspondências múltiplas) que permitiram 509

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

observar as relações entre as dimensões do TBL, dando lugar à construção de uma matriz de relações híbridas. Seguidamente foi realizada uma análise longitudinal de uma das empresas da amostra tendo como referência a matriz híbrida obtida, assim como a tipificação da empresa no âmbito da sustentabilidade. O modelo proposto permite, na prática, desenvolver relações híbridas que potenciam a observação dos fenómenos produzidos a partir de dois ou mais elementos que normalmente são avaliados e analisados de forma separada. Os resultados obtidos podem ser considerados como um instrumento mediador que permite um conjunto de informação que possibilita o posicionamento e a avaliação das estratégias e dos programas de sustentabilidade das empresas de forma integrada entre as dimensões do TBL.

Palavras-chave: Sustentabilidade Corporativa, Global Reporting Initiative, Triple Bottom Line, Responsabilidade Social Corporativa, Avaliação Híbrida

510

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Percepção socioambiental acerca dos resíduos sólidos dos moradores do entorno de um canal de drenagem no nordeste do Brasil: sociedade e sustentabilidade Múcio Fernandes1, Renata Gouveia2, Andrea Silva2, Midiã Rodrigues2, Marcos Meira2 1

Universidade de Pernambuco, Brasil, [email protected],

2

Universidade de Pernambuco, Brasil, [email protected]; [email protected]; mí[email protected]; [email protected] Resumo Com o advento da industrialização, ao longo dos últimos cinquenta anos e através da ocupação irregular dos solos nos grandes centros urbanos, os problemas ambientais ganharam destaque. A poluição observada nos canais de drenagem que cortam as cidades ocorre principalmente pela formação de consumidores em massa, o que resulta em altos teores de resíduos sólidos que são lançados nestes locais. Objetivou-se assim conhecer as responsabilidades de cada indivíduo acerca dos resíduos sólidos; a opinião sobre medidas de enfrentamento desta problemática no chamado Canal do Arruda, localizado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco (Brasil) e subsidiar dados para programas futuros de responsabilidade socioambiental na área e de implementação da Política Municipal de Resíduos Sólidos na cidade. Foram aplicados questionários em duas partes da comunidade que é residente do entorno do Canal do Arruda, dividindo-os em duas áreas. Foi observado que em ambas as áreas de estudo a maioria dos entrevistados não fazem separação dos resíduos em suas residências (área I- 87,5%; área II- 77,75%). Assim, foram indagados sobre o motivo que os leva a não praticar este ato. Percebe-se que nas duas áreas é uma questão meramente cultural (área I- 36,06%; área II- 34,28%). Os moradores sugeriram as seguintes ações para a diminuição da quantidade de resíduos dispostos no canal: ações educativas na comunidade (área I- 34,14%; área II- 47,16%); mais postos de coleta margeando o canal (área I- 26,83%; área II- 16,98%); gradear e fechar o canal (área I12,19%; área II- 11,33%); mais fiscalização por parte da Prefeitura (área I- 17,08%) e multa para quem for pego praticando este ato (área I- 2,44%; área II- 11,33%); coleta mais eficiente (área II- 9,43%) e manutenção do canal (área I- 7,32%; área II- 3,77%). Portanto, pode-se concluir que os entrevistados estão conscientes dos problemas que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar em sua comunidade, no entanto, não identificam isto como um problema coletivo transferindo as responsabilidades individuais e/ou coletivas para o poder público. Palavras-chave: Educação ambiental, Resíduos sólidos, Sustentabilidade 1. Introdução O processo de urbanização acelera-se a partir da Revolução Industrial, onde o modo de produção capitalista se sobressai e o homem intensifica o uso dos recursos naturais no seu estilo de vida, ocasionado impactos em todas as esferas, como a poluição do solo, da água, do ar, extinção de espécies, aquecimento global. O desequilíbrio deixa de ser pontual e passa a ter uma escala global (Castro et al., 2007). Ribeiro et al. (2008) trazem os problemas que este crescimento ocasionou: poluição sonora, poluição ambiental, difícil acesso a serviços de saúde, contaminação dos mananciais, saneamento e esgoto precários, aumento da população em áreas periféricas.

511

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Diversos veículos hídricos estão sofrendo deterioração no Brasil, pois muitas cidades ainda não possuem um sistema de coleta e tratamento de esgotos eficaz, o que faz com que sejam depositados “in natura” em corpos hídricos. Assim, a poluição das águas torna-se um fator agravante com o crescimento desordenado das cidades, prejudicando a qualidade da mesma e alterando a relação de uso-benefício (Maciel, 2003). Segundo Alencar Filho e Abreu (2006) a ineficácia no tratamento dos esgotos gera uma importante fonte de poluição nos recursos hídricos, causando prejuízo em diversos segmentos e áreas, como a atividade pesqueira, irrigação, lazer, o abastecimento de água, trazendo ainda os problemas de saúde devido a essa precariedade. Complementando, Souza e Silva Junior (2008), informam que a contaminação por esgotos domésticos é a forma mais grave, pois esta água foi utilizada para fins higiênicos e possuem material fecal, assim, se forem lançadas em solos vizinhos ou nos sistemas de canalização chegarão aos cursos de água mais próximos. Com o surgimento das cidades modificando toda a paisagem, faz-se necessário um planejamento adequado, eficiente, que traga benefícios à comunidade local e que esteja em equilíbrio com os aspectos sociais, econômicos e ambientais. Surge um novo modelo de desenvolvimento que leva em consideração a melhoria da qualidade de vida das pessoas, a preservação dos recursos do planeta, tentando conciliar a proteção ambiental, a equidade social e a eficiência econômica (Castro et al., 2007). O interesse em planejamento das cidades urbanas atuais, leva em consideração a qualidade de vida da população, pois um está ligado diretamente ao outro. As cidades impactam diretamente a disponibilidade dos recursos naturais da região, podendo apresentar alterações significativas e às vezes irreversíveis nos mesmos. De acordo com Buarque (1999), o planejamento é um instrumento utilizado para a tomada de decisões e a organização de ações que assegurem os melhores resultados e traga a realização dos objetivos propostos em menores prazos e custos. Segundo Silva (2008), o processo de construção, de um desenvolvimento local não pode ficar despercebido pelas pessoas, pois sem elas não há a sustentabilidade. Como elas vivem realidades distintas em diversos aspectos (social, cultural, econômica, espacial e ambiental) é necessário que os indicadores, ou resultados se assemelhem ou que sejam parecidos com os de outros locais. Sob o ponto de vista de Bilar e Ribeiro (2012), os insucessos das políticas ambientais ocorrem por alguns elementos: falta de apoio político, de informação, recursos escassos e políticas ambientais falhas. Assim, a procura por alternativas sustentáveis que tragam mais qualidade de vida para a população alicerçando um adequado planejamento urbano se faz necessário (Barbosa, 2008). Acreditando que todos os elementos que compõem a paisagem estão interligados, as ações antrópicas sobre o meio ambiente causa reflexo em todo o sistema, podendo ser controláveis ou não (Ugeda Junior e Amorim, 2009). Na ótica de Barbosa (2008), é fundamental para a sustentabilidade urbana o uso racional dos recursos naturais, o ambiente urbano precisa relacionar-se com o clima e todos os recursos, assim como também deverá ocorrer o mínimo de transferência de dejetos e rejeitos para outros tipos de ecossistemas atuais e futuros. Para Silva (2014), o consumo de forma consciente se dá a partir de uma prática que busca uma conformidade entre o ideal da sustentabilidade e a satisfação pessoal. Os canais de 512

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

drenagem possuem um papel considerável no desenvolvimento de uma cidade. Segundo Faria e Quinto Junior (2008) os canais urbanos são responsáveis por duas atribuições relevantes e que não se separam: a de embelezar e sanear a cidade. Assim, observa-se que há também dois tipos de ocupação urbana, tornando o curso de água como eixo estruturador das vias públicas e da vida urbana. No sistema de drenagem, os canais são o ponto fundamental, pois conduzem as águas advindas da pluviosidade até o curso de rios e de bacias hidrográficas, impossibilitando que haja acúmulo de água nas cidades e evitando consequências danosas (Silva e Albuquerque, 2013). Para que o sistema de drenagem natural se mantenha eficiente com a crescente urbanização, é necessário sob a ótica de Arruda (2005), buscar efetividade neste sistema, que agora encontra-se impermeabilizado no solo dos centros urbanos. Os processos ocasionados pelo forte desenvolvimento urbano causam inúmeros impactos indesejáveis sobre a sociedade. Com isso, ocorre um aumento no número de enchentes por não apenas ter a sua vazão aumentada, mas sim, pela diminuição da capacidade de escoamento que o assoreamento dos condutos e canais ocasiona (Tucci e Collishonn, 2000). Entretanto, muitas vezes os canais são utilizados para o escoamento de produtos poluentes, que são despejados de qualquer forma e sem receber um tratamento adequado que diminua os impactos gerados pela contaminação de agentes biológicos e químicos causadores de doenças (Silva e Albuquerque, 2013). O acúmulo de resíduos nas margens de canais e rios, também causam problemas para o escoamento das águas pluviais. Vários municípios brasileiros ainda possuem carência para realizar a limpeza e conservação dos cursos de água, assim como a falta de saneamento básico vetor de inúmeras doenças (Ungaretti, 2010). Estes resíduos possuem espécies químicas que ao serem carreados pelas chuvas podem entrar em contato com as águas superficiais e as subterrâneas através de infiltrações, comprometendo toda biota aquática, podendo ocasionar intoxicações nas pessoas (Sissino, 2002). O mesmo autor afirma que até as pessoas que residem longe das áreas em que o resíduo foi depositado podem estar correndo risco, pois o lençol freático como um todo pode estar contaminado. Além do risco que as populações podem enfrentar, também deve ser levado em consideração o alto custo para utilização de tecnologias modernas e tempo que são dispensados para a descontaminação de um aquífero. Os resíduos sólidos urbanos, popularmente chamados de lixo, são hoje um fator que demanda uma atenção especial, principalmente em lugares de elevada urbanização. Ainda não são totalmente conhecidas todas as consequências da disposição inadequada desses resíduos, mas sabe-se que a deficiência de um tratamento acarreta problemas relacionados à saúde e na qualidade ambiental. (Rego et al., 2002). A Política Nacional de Resíduos sólidos- PNRS, publicada através da Lei Federal n° 12.305 de agosto de 2010, informa que os geradores são pessoas de ordem física ou jurídica, que possuam direito privado ou público, que gerem resíduos sólidos através de suas atividades, com o consumo incluído nelas (Brasil, 2010). Os canais do Recife recebem apenas tratamento relativo à drenagem da cidade. São estruturas de concreto que formam um subsistema para complementar o sistema de drenagem urbana, assim como o sub-sistema de galerias que juntos fazem parte do sistema de saneamento básico (Arruda, 2005). Segundo Pômpeo (2000), a drenagem urbana se torna um componente fundamental na problemática ambiental urbana, fazendo com que seu tratamento considere as relações sistêmicas e as considere nas escalas de intervenção. 513

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para Arruda (2005), a drenagem pode receber influências de outros sistemas, como o de abastecimento de água que necessita de obras de barragem que previnem o transbordamento dos leitos de rios e canais; o de esgotamento sanitário, onde os dejetos se misturam à drenagem; e, ao sistema de limpeza urbana, também com despejos de dejetos que podem vir a degradar toda a flora e fauna existente. Contudo, é inserido neste contexto que o crescimento urbano ocorrido de forma desordenada tem sido marcado como o responsável pelas questões ambientais, pois possui uma estreita afinidade com a geração dos resíduos sólidos e este, por sua vez, pela degeneração do meio ambiente e de uma sadia qualidade de vida (Santos, 2008). O hábito da sociedade com relação aos resíduos sólidos destaca Sisinno (2002), sempre foi o da indiferença. Tirando-os do campo da visão, qual seria o seu destino nunca foi preocupação. Se essa posição não for modificada danos ocorrem, pois se uma área for contaminada, por longos anos ficará inviabilizada e ainda exportarão contaminantes para diversos locais, causando prejuízos as populações de outras áreas. Ao se tomar conhecimento da realidade vivenciada, torna-se fundamental a procura por um resgate da identidade cultural de cada região, de cada povo. Entender os processos que os levam a agir de forma tão inconsistente com a natureza ao seu redor, pois este ser é agente direto de construções e de transformações no seu meio. Estas atitudes não comprometem apenas o seu futuro, mas também o das gerações seguintes, acarretando uma hostilidade na relação do homem com o meio. Esta pesquisa é fruto de uma dissertação desenvolvida no âmbito da linha de pesquisa em Meio Ambiente e Políticas Publicas do Programa de Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável (GDLS) da Universidade de Pernambuco. Justifica-se a pesquisa pela necessidade de se encontrar padrões de formas de vida nas comunidades para se alcançar a sustentabilidade das atividades humanas. Objetivou-se assim conhecer as responsabilidades de cada indivíduo acerca dos resíduos sólidos; a opinião sobre medidas de enfrentamento desta problemática no chamado Canal do Arruda, localizado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco (Brasil) e subsidiar dados para programas futuros de responsabilidade socioambiental na área e de implementação da Política Municipal de Resíduos Sólidos na cidade. 2. Métodos A abordagem da pesquisa teve natureza quali-quantitativa. De acordo com Ensslin e Viana (2008), essas duas metodologias não são opostas nem contraditórias, elas se complementam ao levarem em consideração a relação dinâmica entre o mundo real, os sujeitos e a pesquisa. Relativo aos resíduos, Oliveira (2006) afirma ser necessário ponderar que a percepção do resíduo urbano não está ligada a todos os órgãos sensoriais, esta percepção se dá na esfera do visual e do olfato. Em diversas ocasiões não é possível ver os resíduos, porém seu mau cheiro pode ser sentido a certas distâncias.

514

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para embasamento do estudo foi realizada uma fundamentação teórica de todos os temas relevantes através do estudo bibliográfico para a busca dos resultados. Assim, o pesquisador pôde ter propriedade dos assuntos que são objetos de estudo teóricos e empíricos. Segundo Marconi e Lakatos (2007) esta etapa possui a função de compilar informações prévias sobre o campo de interesse para o estudo. Também foi utilizada como ferramenta para obtenção dos resultados a pesquisa de campo. Ela tem a função de encontrar informações acerca de um determinado problema, para o qual se procura uma resposta, como também ajuda na descoberta de novos fenômenos e na comprovação de uma nova hipótese (Marconi e Lakatos, 2007). Para Palma (2005), usar este tipo de pesquisa em educação ambiental é um forte instrumento na defesa do meio natural, pois ela tende a aproximar o homem da sua verdadeira casa, a natureza, alertandoo para o respeito com este bem, trazendo assim qualidade de vida pra atual e as futuras gerações. Como técnica de pesquisa, utilizou-se a observação, de forma não estruturada ou assistemática. Ela ocorre quando o pesquisador registra os fatos da realidade sem técnicas específicas, não possuindo um planejamento prévio. Seu êxito dependerá do fato do observador estar atento a tudo no seu ambiente de pesquisa (Marconi e Lakatos, 2007). Tal técnica ajuda ao pesquisador a ter respostas sobre seu objeto de estudo, sem perguntas aos indivíduos, o contato é direto com a realidade. Foram utilizadas para isso anotações em diários de campo e registros fotográficos. Para delineamento da pesquisa, foram realizadas entrevistas com questionários estruturados, sendo suas perguntas mistas. Para Diniz et al. (2011), esta tem sido uma técnica muito eficiente para obtenção das informações quantitativas, assim é feita uma análise indutiva dos dados encontrados com o questionário. A aplicação de questionários estruturados sob o ponto de vista de Carvalho (2009) exige do pesquisador um conhecimento prévio do tema que será abordado, para que as perguntas sejam direcionadas e possam trazer as respostas necessárias. Assim, foi elaborado um questionário com base em trabalhos que também tinham como foco a percepção ambiental de moradores em áreas onde o resíduo sólido se acumula e trás consequências para as comunidades. O estudo foi realizado no Bairro do Arruda, localizado na zona norte da Cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, Brasil (Figura 1). Sob a ótica de Arruda (2005),quando se trata dos canais que cortam o Recife, observa-se que sua malha hidrográfica é muito representativa, porém não se atenta que as pessoas que dela usufruem, sejam moradores ou visitantes, sabem da sua importância ecológica, estruturadora e o valor como paisagem cultural. Este canal é o principal corpo d’água que atua na drenagem de quase toda parte norte da cidade do Recife, assim ele foi ganhando várias denominações de acordo com os bairros em que ele atravessa. Portanto ele pode ser conhecido como canal Vasco da Gama/Arruda, canal do Arruda, canal do Banorte, canal de Campo Grande. Suas características físicas abrangem uma extensão de 7.350m, a seção de calha tem predominância trapezoidal e a largura varia de 1,20m a 30,0m (Arruda, 2005).

515

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para delimitar os sujeitos da pesquisa foi feito um recorte do bairro do Arruda, na intenção de aplicar os questionários com pessoas que moram nas suas margens, sofrendo assim influência direta do canal e pessoas que residem em ruas paralelas, sofrendo influência indireta do mesmo. O recorte feito abrangeu parte da Av. Professor Jerônimo Queirós, Rua das moças, Rua Pedro Rodrigues de Barros e a Av. Professor José dos Anjos. Para escolha da população foi utilizada a técnica de amostragem intencional, Gil (1999) caracteriza como sendo não probabilística e baseia-se na seleção de um subgrupo da população, que possa ser considerado representativo de acordo com informações acessíveis. Neste trecho há uma média de 800 famílias residentes, sendo assim considerou para efeito de amostragem, 10% desta população, ou seja, 80 famílias. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram divididos em dois grupos: a área I, contou com 40 pessoas e estas foram as residentes à margem do canal do Arruda; a área II, também foi composta por 40 pessoas e estas residem em ruas paralelas ao canal. Foi entrevistado apenas um representante por família, através da abordagem presencial do pesquisador, ao qual informou os objetivos da pesquisa. Assim, pôde ser feita uma análise da percepção destes moradores e uma comparação sobre a informação que eles obtêm sobre a presença de resíduos sólidos no canal do Arruda. Foi incluído na pesquisa qualquer morador efetivo das com unidades selecionadas que possuíam idade igual ou maior que 18 anos e que estiveram em concordância de responder as perguntas que lhes foram solicitadas.

Figura 1. Área de realização da pesquisa, Canal do Arruda, Recife, Pernambuco, Brasil.

516

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3. Resultados e Discussão Os residentes das duas áreas de estudo foram questionados sobre a separação de materiais recicláveis em suas residências. Notou-se que em ambas as áreas, as pessoas em sua maioria não o fazem, apenas 22,5% (9 pessoas) da área II e 12,5% (5 pessoas) da área I afirmaram ter começado com a coleta seletiva. Na área II quando relacionada à área I possui um número maior de sujeitos que já começaram a fazer esta separação em suas casas. Na pesquisa realizada por Lira (2012), o número de pessoas que fazem esta separação domiciliar já é mais expressivo, 60,1% dos participantes. Dentre os que já possuem este hábito, os moradores da área I fazem a separação com o intuito de venda desses materiais, e assim obtém mais uma fonte de renda, apenas um morador desta área afirmou que faz a separação por que a Prefeitura conversou com os residentes da região falando da importância da reciclagem e distribuíram panfletos informativos sobre os Ecopontos que foram instalados pelo canal. Já para os moradores da área II, os motivos que os levam a fazer essa separação são outros, como: “Por que eu reutilizo os materiais para fabricação de artesanato”; “Por que é o certo”; “Por que faço doação para uma pessoa que trabalha com eles”; “Por que sei da importância da reciclagem”; “Por que ajuda a natureza, pois assim evita de tirar tanta matéria-prima para nova fabricação”. Pode-se observar que mesmo as áreas sendo vizinhas, o motivo que os leva a praticar a separação do lixo domiciliar é diferenciado. Para uns pode servir como fonte de renda e para outros a importância ecológica é o fator mais relevante. De acordo com Deboni e Pinheiro (2010), uma pesquisa realizada na zona rural de Cruz Alta/ Rio Grande do Sul, mostrou que 70% dos entrevistados fazem a separação dos resíduos como forma de aproveitamento dos compostos orgânicos. Mesmo sem consciência da importância deste ato, eles o fazem para que os resíduos orgânicos sirvam de alimentos para os animais e na fabricação de adubo, e assim diminuem muito a quantidade de lixo que iria para o ambiente sem qualquer utilidade. No trabalho realizado por Sizenando et al. (2011), 84% das pessoas entrevistadas não fazem a separação deste material em suas residências, alegando que não possuem tempo para separá-lo, e também por acharem que este ato não faz alguma diferença ou que não se faz necessário. Uma outra pergunta do questionário foi: qual o motivo que os leva a não fazer a separação dos resíduos em suas residências? Percebe-se que nas duas áreas a falta de costume com a separação do resíduo é um fator relevante (área I-36,06% - 14 pessoas; área II-34,28 - 13 pessoas). No tocante a área I, 12 moradores afirmam que não possuem interesse em praticar a segregação dos materiais em suas residências (31,15%), pois não acreditam que isto seja necessário. Já para a área II o fator mais relevante para este descompromisso com a segregação dos resíduos foi a falta de uma coleta específica (40% - 16 pessoas). Estes moradores afirmam que “não adianta fazer a separação se na hora que o caminhão de lixo passa para arrecadar o material ele é misturado completamente em sua caçamba”. Nas ruas das residências dos entrevistados não passa uma coleta específica para os materiais recicláveis e muitos deles não sabem para onde poderiam levar estes materiais para que houvesse uma correta destinação.

517

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para Mucelin e Bellini (2008), os hábitos que os atores possuem quanto ao tratamento destinado aos resíduos em suas residências se dão pela percepção de como eles observam os serviços de coleta da cidade, o que faz com que estimule uma atitude de despreocupação com a segregação. Segundo Oliveira (2007) moradores de área de difícil acesso e que possuem um pequeno espaço para acumular seus resíduos em casa, muitas vezes preferem depositá-los em lugares públicos ao invés de esperarem a coleta adequada, outros ainda acham mais fácil jogar em uma barreira ou em um canal e assim se livrar do resíduo produzido, pois acreditam que desta forma se livram do problema. Isto é bastante corriqueiro no Canal do Arruda. Este corpo hídrico foi construído com a função de drenagem das águas da cidade do Recife, mas o que se observa nele é o forte acúmulo de resíduos sólidos e de despejos de esgotos lançados in natura. Em épocas de chuva, os resíduos transbordam junto com o canal atingindo as residências dos moradores do seu entorno. Os resultados encontrados por Lira (2012) expressaram como motivo para não fazer essa separação em suas residências, a falta de hábito, outro argumento utilizado pelos mesmos foi o de que esperava que o catador fizesse essa separação, assim tiraria a responsabilidade dos que produziram o resíduo. Vale ressaltar que a resposta dada pela área I vai de encontro com uma pergunta anterior, pois eles sabem que próximo às suas residências existe catadores que têm nos resíduos sua fonte de renda e mesmo assim não fazem a segregação do material por achar desnecessário este ato. A destinação deste material para a associação dos catadores, além de ter benefícios ecológicos traria renda e desenvolvimento para a região estudada. Para Nascimento (2007), quanto maior a quantidade de resíduo que uma cidade produz, maior serão os gastos. Estimular a redução desta geração é uma tática para que os municípios possam diminuir sua despesa com coleta, tratamento e disposição final, portanto é fundamental o investimento em prevenção através da educação ambiental. Na comunidade entrevistada nota-se que ainda não há uma preocupação com a não geração de resíduos. Foi solicitado aos representantes das famílias que fossem sugeridas ações para a diminuição da quantidade de resíduo que são dispostos no canal do Arruda. Pôde ser analisado que a necessidade de ações educativas na comunidade foi o elemento mais forte para a resolução deste problema, segundo os moradores (área I-34,14% - 13 pessoas; área II-47,16% - 18 pessoas). Também foi observado que a procura por mais postos de coleta margeando o canal é um fator relevante (área I-26,83% - 10 pessoas; área II-16,98% - 7 pessoas). Outras sugestões foram: gradear e fechar o canal para que os resíduos não possam chegar até ele (área I12,19% - 5 pessoas; área II-12,19% - 5 pessoas); Mais fiscalização por parte da Prefeitura (área I-17,08% - 7 pessoas) e multa para quem for pego praticando este ato (área I-2,44% 1 pessoa; área II-11,33% - 4,53%); Uma coleta mais eficiente (área II-9,43% - 4 pessoas) e manutenção do canal (área I-7,32% - 3 pessoas; área II-3,77% - 2 pessoas). A área I é composta por mais casas do que edifícios, o que faz com que o morador tenha que se deslocar para depositar o seu resíduo. A coleta só é realizada três vezes por semana na região e nota-se que muitos moradores da área I despejam seu lixo em qualquer dia na 518

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

entrada da comunidade. Eles não são acondicionados em suas residências e colocados na rua em dias de coleta, como se percebe na área II. Isso reflete o desejo da transferência das responsabilidades individuais/ coletivas para o poder público. Para Vieira et al. (2012), entre os moradores da comunidade de Coripós em Santa Catarina, a maior parte dos entrevistados acreditam que o problema do lixo na comunidade vai do comprometimento individual como sendo a maneira mais eficaz para a solução desta adversidade. “Cada indivíduo deveria ser responsável por seu lixo de forma a manejá-lo da maneira correta” (p. 88). De acordo com Gonzalez et al. (2007, p.382), a educação ambiental pode cooperar com a elaboração de uma nova concepção de ambiente e assim, de um novo cidadão, onde os seus princípios sejam o eixo norteador fundamental. Os princípios são: “participação, pensamento crítico-reflexivo, sustentabilidade, ecologia de saberes, responsabilidade, continuidade, igualdade, conscientização, coletividade, emancipação e transformação social”. A educação ambiental demanda ser crítica, emancipatória e transformadora. Crítica, no sentido em que o modelo atual da relação sociedade natureza necessita ser discutido; Emancipatória, por ter na liberdade o seu maior alicerce e na busca por autonomia dos grupos sociais e; Transformadora, porque confia que a sociedade atual pode construir um novo futuro a partir do presente, assim instaurando novas relações dos seres humanos entre si e deles com a natureza (Quintas, 2004). De acordo com Reigota (2004), a educação ambiental pode influenciar na resolução dos problemas ambientais que cercam o mundo, pois ela forma cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres. Assim, ao atuar em sua comunidade, começa a surgir uma mudança no sistema que trará resultados ao longo do tempo. Como analisa Palma (2005) se a preocupação com o meio ambiente for real, os problemas poderiam ser sanados. O trabalho em que a Educação Ambiental está inserida contempla toda a sociedade, onde o conhecimento não ficará apenas nas mãos dos educadores, mas a troca de experiências se faz necessária. Agregando os conhecimentos e as experiências acumuladas, a EA torna-se holística, e assim, todos contribuem para o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente correta com pessoas de atitudes justas. Percebe-se que a comunidade estudada possui o interesse da aproximação com as ações da Prefeitura. A instalação dos Ecopontos foi um ponto de partida, mas o dia-a-dia junto à comunidade precisa ser mais efetivo para que o tratamento que os moradores dão aos resíduos que geram em suas residências possam ter outro destino, e não mais o Canal do Arruda. A educação ambiental é uma ferramenta transformadora que pode influenciar nas atitudes dos moradores. Tendo o sentimento de pertencimento pelo lugar em que vivem, podem olhar o Canal do Arruda de outra forma, ajudando assim na sua preservação.

4. Conclusões Conclui-se que os dois grupos analisados acreditam que os resíduos podem ser reaproveitados, porém ainda não praticam a separação dos materiais em suas residências 519

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

por falta de costume e por sentirem falta de uma coleta específica. Eles estão conscientes dos problemas que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar em sua comunidade, no entanto, não identificam isto como um problema coletivo transferindo as responsabilidades individuais e/ou coletivas para o poder público. Por não se sentirem responsáveis, não buscam mudanças em suas rotinas diárias. É de fundamental relevância um trabalho contínuo de Educação ambiental na comunidade, para a sensibilização destes atores quanto ao descarte inadequado dos resíduos sólidos e sobre os cursos de águas, para que se tornem mais críticos e reflexivos na busca do equilíbrio do meio em que vivem. Referências Alencar Filho, F., Abreu, L, 2006. Metodologia Alternativa para Avaliação de Desempenho de Companhias de Saneamento Básico: Aplicação da Análise Fatorial. Planejamento e Políticas Públicas (IPEA), Brasília, v. 28, 18p. Arruda, J., 2005. Os canais na paisagem do Recife: por um sistema azul. Monografia de Graduação. Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Barbosa, G., 2008. Desafio do desenvolvimento sustentável. Revista Visões, 4ª, Ed. nº4, Vol. 1, 11p. Brasil. Presidência da República. Lei n° 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n° 9.605 de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. D.O.U de 03/08/2010. Buarque, S., 1999. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/IICA PCT – INCRA/IICA, Brasília. Bilar, A., Ribeiro, E., 2012. Caminhos para a gestão do desenvolvimento local sustentável. Livro Rápido, Olinda. Carvalho, A., 2009. Escolas de governo e gestão por competências: mesa-redonda de pesquisa-ação. Brasília: ENAP. Castro, C., Coelho, M., Góis, G, 2007. O processo de urbanização e o desenvolvimento sustentável em Mossoró –RN: uma reflexão necessária. III Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, MA. Deboni, L., Pinheiro, D., 2010. O que você faz com seu lixo? Estudo sobre a destinação do lixo na zona rural de Cruz Alta/RS- Passo dos Alemães. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, REGET-CT/UFSM, vol.1, n°1, p. 13 –21. Diniz, M., Vasconcelos, F., Maia-Vasconcelos, S.; Rocha, G, 2011. Utilização de Entrevistas Semi-estruturadas na Gestão Integrada de Zonas Costeiras: o Discurso do Sujeito Coletivo como Técnica Auxiliar. Scientia Plena, Vol. 7, Nun. 1, 8p. Ensslin, L., Vianna, W., 2008. O design na pesquisa quali-quantitativa em engenharia de produção–questões epistemológicas. Revista Produção on line. Vol. 8, Num. 1, 16p. Faria, T., Quinto Junior, L., 2008. Os canais como estruturadores do espaço urbano: os projetos de Saturnino de Brito para as cidades de Campos dos Goytacazes/RJ e Santos/SP. Rev. Anais: Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vol 10, n. 2. 8p. Gonzalez, L., Tozoni-Reis, M., Diniz, R, 2007. Educação ambiental na comunidade: uma proposta de pesquisa–ação. Revista eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v.18, 20p. 520

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Lira, E., 2012. Percepção ambiental sobre a coleta de resíduos sólidos no bairro Alto do Mandú-Recife, PE, Brasil. Dissertação de Mestrado. Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável. Universidade de Pernambuco, Recife. Maciel, R., 2003. Controle da poluição difusa em drenagem urbana. Monografia de Graduação. Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo. Marconi, M., Lakatos, E., 2007. Fundamentos de metodologia científica. 6 ed. Editora Atlas, São Paulo. Mucelin, C., Bellini, M., 2008. Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema urbano. Sociedade e Natureza, Uberlândia. Vol. 20, 14p. Nascimento, E., 2007. Estudo da gestão e gerenciamento integrado dos resíduos sólidos urbanos, no município de Caetés, agreste meridional do estado de Pernambuco, Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade de Pernambuco, Recife. Oliveira, H., 2007. Problemática sócio-ambiental do lixo e gestão da coleta em áreas pobres do Recife-PE: um desafio territorial. Revista de Geografia. Recife: UFPE –DCG/NAPA, v. 24, no 1, 10p. Oliveira, N., 2006. A percepção dos resíduos sólidos (lixo) de origem domiciliar, no bairro Cajuru-Curitiba-PR: um olhar reflexivo a partir da educação ambiental. Dissertação de Mestrado. UFPR. Palma, I., 2005. Análise da percepção ambiental como instrumento ao planejamento da educação ambiental. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Pompêo, C., 2000. Drenagem urbana sustentável. RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos. Vol. 5, n.1, 9p. Quintas, J., 2004. Educação no processo de gestão ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. in: Layrargues, P. (ed.) Identidades da educação ambiental brasileira/ Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental; Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 156 p. Rêgo, R., Barreto, M., Killinger, C., 2002. O que é lixo afinal? Como pensam mulheres residentes na periferia de um grande centro urbano. Cad. Saúde Pública, vol.18, 10p. Reigota, M., 2004. O que é educação ambiental. Editora Brasiliense, São Paulo. Ribeiro, G., Mendes, J., Salanek Filho, P., 2008. A questão ambiental do desenvolvimento sustentável: características e delimitações. in: Silva, C. (Eds.), Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico, integrado e adaptativo. 2. Ed.-Petrópolis, Editora Vozes, Rio de Janeiro. Santos, G., 2008. Resíduos sólidos domiciliares, ambiente e saúde: (inter) relações a partir da visão dos trabalhadores do sistema de gerenciamento de resíduos sólidos de Fortaleza/CE. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. Silva, C., 2008. Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico, integrado e adaptativo. 2. Ed.-Petrópolis, Editora Vozes, Rio de Janeiro. Silva, E., Albuquerque, M., 2013. Drenagem urbana de Macapá/AP: um estudo em Geografia da Saúde. Encontro de geógrafos da América Latina, Peru. Silva, Z., 2014. Política Nacional de Resíduos Sólidos: Conceitos, Aspectos relevantes e Legislação correlata. Editora AgBook, Recife. Sisinno, C., 2002. Destino dos resíduos sólidos urbanos e industriais no estado do Rio de Janeiro: avaliação da toxicidade dos resíduos e suas implicações para o ambiente e para a saúde humana. Tese de Doutorado. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 521

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Sizenando, E., Soares, M., Lima, L., 2011. Trabalhando o lixo sob a ótica socioeducativa na comunidade Parque Guarus. II Seminário de Ecotoxicologua Aquática. Campo dos Goytacazes, Rio de Janeiro. Souza, R., Silva Junior, A., 2008. Poluição Hídrica e Qualidade de vida: O caso do saneamento básico no Brasil. Brasília. http://www.sober.org.br/palestra/12/06P372.pdf. Accessed (12.03.2016). Tucci, C., Collishonn, W., 2000. Drenagem urbana e controle de erosão. in: Tucci, C. Marques, D. (Eds.), Avaliação e controle da drenagem urbana. Editora Universidade, Porto Alegre, pp. 119 –127. Ungaretti, A., 2010. Perspectiva socioambiental sobre a disposição de resíduos sólidos em arroios urbanos: um estudo na sub-bacia hidrográfica Mãe D'água no município de ViamãoRS. Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano e Ambiental. UFRGS, Porto Alegre. Vieira, P., Silveira, J., Rodrigues, K., 2012. Percepção e hábitos relacionados ao lixo doméstico entre moradores da comunidade do Coripós, Blumenau, SC. Rev APS. Vol 15, 10p.

522

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O processo de comunicação como vetor da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras sustentáveis

Maria Aparecida Ferrari Escola de Comunicações e Artes/Universidade de São Paulo [email protected] Valdete Cecato Jornalista, Consultora de Comunicação/São Paulo [email protected]

Resumo O estudo trata do papel do processo de comunicação na construção da sustentabilidade em uma amostra de 40 micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) brasileiras, que exploram o mercado de produtos e serviços posicionados como sustentáveis. A opção pelas MPMEs, como objeto de pesquisa, deve-se ao fato de que elas constituem 99,7% das empresas que operam no Brasil, são responsáveis por 65% dos empregos formais e têm relevante potencial de contribuição para o desenvolvimento sustentável. O principal objetivo do estudo foi entender a importância que os empreendedores abordados atribuem ao processo de comunicação na estratégia de sustentabilidade de sua empresa. Para atender a esse desafio, a investigação foi amparada em dois pilares: processo de comunicação e conceito de sustentabilidade. Em relação ao processo de comunicação, a pesquisa considerou quatro questões: a) a comunicação é importante para os empreendedores das MPMEs? b) quais mídias digitais ou analógicas eles utilizam para promover seus produtos ou serviços? c) quem são os stakeholders mais importantes para a empresa?; d) como os empreendedores se relacionam com seus stakeholders? Quanto ao pilar sustentabilidade, buscou-se responder às seguintes questões: a) qual o conceito de sustentabilidade adotado nas empresas pesquisadas?; b) que motivações levaram os empresários a optarem pela oferta, ao mercado, de produtos e serviços posicionados como sustentáveis?; c) em que aspectos a comunicação colabora para o desenvolvimento do serviço ou produto? d) qual a percepção dos empresários sobre o ativismo ambiental e de direitos humanos?; e) as mudanças climáticas são ameaça, oportunidade ou desafio para as empresas investigadas? O estudo é exploratório, examinou MPMEs de diferentes regiões brasileiras, selecionadas conforme os seguintes critérios: serem MPMEs, de acordo com o número de pessoas ocupadas, dedicarem-se ao mercado de produtos e serviços sustentáveis e serem de capital nacional e privado. Para obter as informações foram utilizados questionários online e entrevistas em profundidade. Os dados foram analisados com o suporte de ferramentas estatísticas e, em seguida, cada uma das empresas foi posicionada em uma matriz que permitiu correlacionar as práticas de comunicação (eixo vertical) e o conceito de sustentabilidade (eixo horizontal). As principais conclusões mostram que a maioria dos empreendimentos adota práticas colaborativas de comunicação com a sustentabilidade integrada na estratégia do negócio. Mesmo sem terem conhecimento formal das ferramentas de comunicação e relacionamento, 82,5% dos participantes disseram que as atividades comunicacionais têm intenção estratégica, sendo lideradas e executadas pelo próprio empreendedor. Entre as motivações que levam as empresas a 523

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

buscarem a sustentabilidade estão: melhoria da imagem e reputação; criação de valor; interesse pela inovação; proteção da natureza e preocupação com as futuras gerações. A maioria dos participantes aponta as mudanças climáticas como oportunidades para o desenvolvimento de novos negócios. Observou-se, também, que a disponibilidade crescente de novas e modernas tecnologias de informação e comunicação (TICs) tem proporcionado às pequenas empresas o acesso a serviços, produtos e mídias trazendo mais agilidade aos negócios, parcerias e relacionamentos, geração de conhecimento, autonomia e competitividade. Palavras-chave: Inovação.

Sustentabilidade, Comunicação, Práticas de Comunicação, MPMEs,

1. Introdução As MPMEs 113 têm enorme relevância para a economia brasileira representando 99,7% das empresas no país. O Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2015)114 estima que existam no Brasil, aproximadamente, 52 milhões de empreendedores com idade entre 18 e 64 anos, taxa que corresponde a 39,3% do total de brasileiros nessa faixa etária. Se for tomado como parâmetro o total da população115 pode-se estimar que cerca de 25% de todos os brasileiros estão envolvidos com o empreendedorismo, número superado somente pela China e Estados Unidos. Ou seja, o cenário descrito mostra que boa parte de desenvolvimento sustentável do país depende do desempenho das MPMEs, o que aumenta a necessidade de realização de estudos que avaliem como a comunicação pode contribuir para a sustentabilidade desses negócios. A pesquisa em questão foi desenvolvida com base em três pilares conceituais. O primeiro foi a contextualização das MPMEs no Brasil, levando em conta o cenário do empreendedorismo no país. Esses dados permitiram a identificação de dados relevantes sobre a importância socioeconômica, tendências, assim como fragilidades e desafios do setor. A partir desse pilar foi possível definir os critérios e parâmetros para a constituição da amostra estudada, o objeto da pesquisa. O segundo pilar permitiu o embasamento teórico sobre o processo de comunicação considerando as transformações tecnológicas e o seu impacto na realidade das organizações. Optou-se pelo conceito da comunicação como processo porque é essa a perspectiva que melhor traduz o cenário de interatividade e de transformações marcadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TICs). As perspectivas de Ferrari (2011), Castells (2013) bem como os estudos de Grunig e Hunt (1984), sobre os modelos de relações públicas ofereceram suporte teórico essencial para a contextualização e entendimento do objeto analisado. O terceiro pilar diz respeito à sustentabilidade, termo que adquiriu múltiplos significados ao longo do tempo (Bonfiglioli, 2012) e que Veiga (2010) entende como um valor comparável à própria ideia de democracia. Para o presente estudo foi dada mais ênfase à sustentabilidade corporativa, que permite a consolidação de empreendimentos no longo prazo (Almeida, 2002). Tal enfoque exige das empresas interação e compromissos com a sociedade, natureza, gerações futuras e a cidadania, como apontam vários estudos e autores, que constituíram o arcabouço teórico da pesquisa nas questões relacionadas à sustentabilidade corporativa (MIRVIS e GOOGINS, 2006; LAURIANO, BUENO, SPITZECK, 2014; AMATO NETO, 2011;

São consideradas MPMEs, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), empresas que têm até 499 pessoas ocupadas (indústria) ou 99 pessoas ocupadas (comércio e serviços). 114 Informações disponíveis em em http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/c6de907fe0574c8 ccb36328e24b2412e/$File/5904.pdf. Acesso em 02/04/2016. 115 O IBGE estima a população total do Brasil em 205,7 milhões de pessoas. Informação disponível em http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acesso em 02/04/2016. 113

524

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

HART (2006; 2012); WILLARD apud IBGC, 2007)116 O presente artigo está dividido em seis seções, além desta introdução, a começar pela contextualização das MPMEs e sua importância estratégica para o desenvolvimento do Brasil. Em seguida, reflete sobre os processos de comunicação e sustentabilidade nas MPMEs. A sustentabilidade nas MPMEs, suas oportunidades e desafios vem na sequência. A quinta seção detalha os procedimentos metodológicos, os critérios de seleção da amostra, assim como os instrumentos aplicados. Depois, são apresentados os principais resultados e análise e, por último, as conclusões mais relevantes do estudo. 2. As MPMEs, sua importância estratégica As MPMEs brasileiras são responsáveis por 65% dos empregos formais117, enquanto que apenas as micro e pequenas (MPEs) geram 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e 40% da massa salarial. Ao redor do mundo, a situação não é tão diferente e as pequenas empresas correspondem a mais de 95% dos negócios privados (WYMENGA, SPANIKOVA, BARKER, KONINGS & CANTON, 2012 apud SPENCE, 2014). Nos países em desenvolvimento os pequenos negócios são fundamentais, pois o empreendedorismo é considerado essencial para a redução da pobreza (JAMALI, ZANHOUR & KESHINIAN, 2009; SINGER, 2006 apud SPENCE, 2014). No Brasil, cerca de 70% das organizações de pequeno porte estão localizadas no interior do país, o que contribui para a disseminação de oportunidades de desenvolvimento de políticas públicas que visam à geração de renda e à melhoria da qualidade de vida, segundo o Sebrae118 (2013). Sachs (2008) afirma que o estímulo à geração e expansão de empreendimentos de pequeno porte deve ser prioridade nas políticas que visam à inclusão social pelo trabalho. Hart (2012) entende que os pequenos negócios têm grande relevância na construção de um novo padrão de desenvolvimento e que não devem ser entendidos apenas como o resultado do permanente aumento do consumo. Segundo o autor, as pequenas empresas têm o poder para conduzir o mundo a um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Empreendimentos de menor porte são geradores de inovação. Para Elkington (2014, p. 93) é importante reconhecer que “inovações cruciais do amanhã virão de empresas pequenas das quais nunca ouvimos falar”. Dados da The US Small Business Association (SBA, 2012) apontam que, nos Estados Unidos, as empresas com até 500 funcionários produzem 13 vezes mais patentes por empregado que as organizações de grande porte. No Brasil, as pesquisas sobre Estatísticas do Empreendedorismo (2014) realizadas pelo IBGE em parceria com a Endeavor Brasil119 tiveram como tema central as empresas de alto crescimento120. Os empreendimentos com esse perfil são considerados essenciais para a 116 Os cinco estágios de Willard (2005) integram Guia de Sustentabilidade para Empresas, editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). 117 Dados do Programa de Capacitação de Empresas em Desenvolvimento da Fundação Instituto de Administração (Proced/FIA) e Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVCes), com base em informações do Cadastro Nacional de Empresas (CEMPRE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 118 Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, principal agente de capacitação e promoção do desenvolvimento de pequenos negócios no Brasil, por meio do estímulo do espírito empreendedor e competitividade. 119 Instituição sem fins lucrativos que apoia empreendedores em 20 países (www.endeavor.org.br). Acesso em 17/05/2015. 120 Empresas de alto crescimento são aquelas que, por três anos ininterruptos, registram aumento médio do pessoal ocupado assalariado de 20% ao ano e que, ao final da observação, possuem 10 ou mais trabalhadores assalariados. Empresas gazela são um subconjunto das empresas de alto crescimento, com até três anos de idade, no ano inicial da observação. Essas definições, utilizadas pelo IBGE, estão de acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE.

525

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

dinâmica do crescimento de países em desenvolvimento, bem como para a geração de empregos121. A análise mostrou que, no final de 2012 (considerando o triênio 2010-2012), havia no Brasil 35.206 empresas que se enquadravam na definição de alto crescimento. Desse total, mais da metade contava com até 49 pessoas ocupadas o que as caracterizava como pequenas empresas. Outro fator considerado pelos estudiosos é a motivação que leva as pessoas a iniciarem seu próprio negócio. Ao contrário do que vinha ocorrendo desde 2003, quando mais da metade das decisões de empreender se davam pela oportunidade de desenvolver o próprio negócio, em 2015, houve um aumento do empreendedorismo pela sobrevivência, o que pode ser entendido como decorrência da queda do Produto Interno Bruto (PIB) e aumento do desemprego122. Conforme a pesquisa do Global Entrepreneuship Monitor, mais conhecido pela sigla GEM (2015)123, as decisões de empreender pela oportunidade caíram de uma média de 70%, entre 2012 e 2014, para 56,5%, em 2015. No entanto, esse movimento não diminui a importância da pesquisa desenvolvida e que está sendo abordada nesse artigo. A amostra de MPMEs, objeto do estudo, tem características bem específicas, como será abordado na seção que trata da metodologia. Diante das constatações sobre a participação e importância estratégica das MPMEs para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro a questão central deste estudo é: qual é a contribuição do processo de comunicação para a sustentabilidade nas MPMEs? A abordagem dessa questão, considerada crucial pelo estudo, norteou todas as etapas da pesquisa desenvolvida. 3. Os processos de Comunicação e Sustentabilidade nas MPMEs Na pesquisa realizada, o conceito de comunicação utilizado trata de um processo em que prevalecem o engajamento e a participação da empresa e seus stakeholders. Conforme afirma Ferrari (2011, p.154) essa perspectiva significa o abandono da visão emissorreceptor, caracterizada pela comunicação unilateral, por “uma orientação mais dinâmica e complexa de significados construídos, segundo a qual os atores podem ser ativos e tomar iniciativas”. Nesse contexto, as partes envolvidas, empresa e públicos criam e compartilham significados por meio da troca de informações e sentidos (FERRARI, 2011). Castells (2013, p.11) acrescenta que os atos de comunicação e de interação constituem as redes e, em última instância, a autocomunicação, possível por meio do “uso da internet e redes sem fio como plataformas de comunicação digital”. Essas duas perspectivas, a comunicação como processo e a autocomunicação, foram determinantes para entender o contexto comunicativo da amostra de MPMEs pesquisadas.

121 O estudo Estatísticas de Empreendedorismo 2012 utiliza como base as informações do Cadastro Central de Empresas – Cempre – e pesquisas estruturais do IBGE dos anos de referência de 2009 a 2012. A Íntegra está disponível em ttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/empreendedorismo/2012/. Acesso em 13/01/2015. 122 O PIB brasileiro caiu 3,8% em 2015, na comparação com 2014. Em relação ao emprego, a taxa de desocupação terminou o primeiro trimestre de 2016 em 9,5%, bem acima do índice de 6,8% registrado no mesmo período de 2015. Informações adicionais podem ser obtidas em http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?View=noticia&id=1&idnoticia=3128&busca=1&t=taxadesocupacao-fica-9-5-trimestre-encerrado-janeiro-2016. Acesso em 02/04/2016. 123 Em sua 17ª edição, o GEM 2015/2016 analisou o empreendedorismo em 62 países dos cinco continentes. Entre os aspectos avaliados estão as motivações e ambições dos empreendedores, bem como a qualidade dos ecossistemas do empreendedorismo nos países pesquisados. A íntegra do estudo pode ser obtida em http://www.gemconsortium.org/report. Acesso em 02/04/2016. Especificamente em relação ao Brasil, as informações estão consolidadas em http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/arquivos_chronus/bds/bds.nsf/c6de907fe0574c8ccb363 28e24b2412e/$file/5904.pdf. Acesso em 02/04/2016.

526

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A disponibilidade de ferramentas que possibilitam autonomia e mobilidade no processo de comunicação dos empreendedores é um importante fator de realização de negócios e parcerias. Ovanessoff (2015, p. 4)124 afirma que pequenas e médias empresas podem ser mais rápidas em adotar as vantagens da economia digital, uma vez que não estão submetidas a processos complexos e burocráticos. Segundo o autor, “a natureza da economia digital anuncia uma competição em que ser grande nem sempre é vantagem”. Importante é considerar o ponto de vista de autores que entendem que o processo de comunicação é inerente à própria formação das empresas. Nesse sentido, Taylor e Cooren (1997, apud Casali, 2009, p. 113) afirmam que as organizações em geral se constituem e se expressam pela comunicação, “o que se dá por meio de palavras, ideias, conceitos ou outros elementos de expressão oral ou corporal”. Freitas (1991, p. 34) reforça essa ideia ao afirmar que as organizações podem ser compreendidas como “fenômeno de comunicação sem o qual inexistiriam”. Christensen, Morsing e Thyssen (2013), afirmam comunicação é um processo constitutivo de toda a vida da organização. Esta perspectiva dos autores é inspirada em Luhmann (1995; 2000) que identifica a comunicação na origem e reprodução de todos os sistemas sociais, inclusive as empresas. Para a promoção da sustentabilidade organizacional, o processo de comunicação assume um papel educativo porque, além de informar, mobiliza as pessoas e, muitas vezes, modifica comportamentos, o que pressupõe mudanças e adaptações às novas práticas e condutas, especialmente entre funcionários e fornecedores. A busca de uma cultura organizacional, que tenha como princípio a sustentabilidade requer do processo de comunicação um caráter que transcende a simples transmissão de informações e procedimentos, que estimule o aprendizado e o desenvolvimento das pessoas envolvidas. Para Sodré (2012), comunicação e educação andam juntas e o mesmo ocorre nos processos de sustentabilidade. Segundo o autor “a sustentabilidade requer uma ampla partilha do conhecimento, que não pode ser entendida como mera vulgarização de informações técnicas, ainda que caracterizada pelo gigantesco volume de dados e pela velocidade das tecnologias digitais” (SODRÉ, 2012, p. 36). O engajamento dos stakeholders é indispensável para a competitividade dos negócios, assim como a política de preços, de qualidade e de inovação. Mas, para que o envolvimento seja efetivo, a organização precisa transmitir confiança, o que implica na construção de missão e valores que sejam críveis para os seus públicos (NAKAGAWA, 2012). Quanto mais comprometida e qualificada for a sua rede de relacionamentos, mais a empresa aumentará suas chances de se beneficiar da confiança de seus públicos e de construir uma reputação que seja sustentável. Segundo Caridade (2012, p. 68), “o que cria valor para os negócios são as interações entre esses diversos grupos de stakeholders (tais como clientes, fornecedores, comunidade financeira, comunidades) nas atividades que compõem uma empresa”. 4. Sustentabilidade nas MPMES: oportunidades e desafios Inseridas ou não nas cadeias de valor das organizações de grande porte, as pequenas empresas já não podem passar ao largo de práticas e atitudes que não se identificam com a sustentabilidade. As MPMEs estão cada vez mais submetidas às escolhas do consumidor e às exigências regulatórias de meio ambiente e direitos humanos, que exigem a sua adaptação aos princípios da sustentabilidade. Simultaneamente vislumbram oportunidades de desenvolvimento de novos negócios por meio da inovação em produtos e serviços.

124 Ovanessof, Armen é diretor-chefe do instituto alta performance da Accenture. Entrevista disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/04/1618210-economia-digital-da-vantagemcompetitiva-as-pequenas-empresas.shtml. Acesso em 19/04/2015.

527

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Duas pesquisas realizadas pelo Sebrae (2012; 2013)125 mostraram que, apesar da maioria dos empresários entender a sustentabilidade como o resultado do equilíbrio entre as dimensões social, econômica e ambiental, o que prevalece no cotidiano de seus empreendimentos é a dimensão ambiental. Em sua maioria, as ações desenvolvidas têm como objetivo reduzir custos por meio da economia no uso de insumos (água e energia, por exemplo), são pontuais e centradas na otimização e melhoria de processos (BARRETO, 2012). A tendência, porém, é o aumento da visão pautada pela sustentabilidade como estratégia de negócio e fortalecimento da empresa. Nesse enfoque, Amato Neto (2009, p. 10) reforça que “a empresa sustentável é aquela na qual o foco das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, da política de recursos humanos, do trabalho produtivo, das estratégias de marketing e mesmo do departamento financeiro encontram-se no horizonte da sustentabilidade”.

5. Metodologia A pesquisa, de caráter exploratório, usou uma amostra não probabilística, com critérios de intencionalidade e conveniência (NOVELLI, 2012; MARCONI e LAKATOS, 2003). Os critérios que definiram a amostra das MPMEs foram: a) classificação do porte com base em número de pessoas ocupadas; b) capital nacional; c) serem privadas; d) estarem localizadas em todas as regiões brasileiras; e) desenvolverem e/ou comercializarem produtos ou serviços posicionados como sustentáveis. Com base nesses parâmetros foram consultadas bases de dados de órgãos oficiais de fomento, entidades de apoio ao empreendedorismo, sustentabilidade e inovação visando identificar MPMEs que atendessem às exigências estabelecidas para a constituição da amostra. O primeiro crivo feito nos próprios sites das bases consultadas,126 possibilitou a extração preliminar de 107 MPMEs, cujas informações indicavam um possível alinhamento aos critérios estabelecidos. A checagem foi refinada com visitas aos sites das empresas, publicações na mídia convencional e especializada. Devido à insuficiência de informações complementares que assegurassem a adequação dos

125 As íntegras dos dois estudos feitos pelo Sebrae podem ser consultadas em: http://sustentabilidade.sebrae.com.br/portal/site/Sustentabilidade/menuitem.98c8ec93a7cfda8f73042f 20a27fe1ca/?vgnextoid=ca8c699e31f07310VgnVCM1000002af71eacRCRD e http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/a44c5e278479b2a 2fa73708b71fae39b/$File/5128.pdf. Acesso em 15/10/2015. 126As bases de dados utilizadas para identificar MPMEs para a pesquisa foram: Finep - Prêmio Nacional de Inovação – Categoria Micro e Pequenas Empresas – Edições 2006-2013 –Disponível em http://www.premiodeinovacao.com.br/. Acesso em 10/09/2014; Centro Sebrae de Sustentabilidade. Disponível em http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/. Acesso em 11/09/2014; Exame PME- 250 empresas que mais crescem no Brasil, 2014. Disponível em http://exame.abril.com.br/pme/noticias/exame-pme-lista-as-250-pequenas-empresas-que-maiscrescem. Acesso em 15/09/2014; Instituto Empreender Endeavor. Disponível em https://endeavor.org.br/empreendedores-endeavor/. Acesso em 10/10/2014; Prêmio Isto É Empresas Mais Conscientes. Categorias Pequena e Média Empresa. Disponível http://www.istoe.com.br/reportagens/389075_ISTOE+PREMIA+AS+EMPRESAS+MAIS+CONSCIENT ES+DO+BRASIL. Acesso em 23/10.2014. Análise dos Modelos de Negócios Sustentáveis Ethos. Disponível em http://www3.ethos.org.br/ce2013/modulos/analise-de-modelo-de-negociossustentaveis/. Acesso em 10/10/2014; Prêmio Competitividade Brasil para Micro e Pequenas Empresas. Disponível em http://www.mbc.org.br/mpe/. Acesso em 23/10/2014; Fimai 2014. Disponível em http://www.fimai.com.br/pages/galeria.aspx?ativo=true&modo=vertical&mn=12. Acesso em 30/11/2014. Prêmio Professor Samuel Bechimol e Banco da Amazônia de Empreendedorismo Consciente. Disponível em http://www.amazonia.desenvolvimento.gov.br/. Acesso em 30/11/2014.

528

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

empreendimentos aos parâmetros da amostra, parte das empresas previamente selecionadas foi excluída, resultando em uma amostra final de 79 MPMEs. Um questionário online foi enviado para as 79 MPMEs para avaliar as práticas dos seguintes itens relacionados: a) formação da empresa, b) empreendedorismo, c) processo de comunicação e d) visão de sustentabilidade para o seu negócio. Das 79 MPMEs da amostra, 40 (51%) responderam o questionário. Após a análise estatística dos resultados dos questionários, realizada com base nos conceitos de Bussab e Morettin (2013), foram realizadas entrevistas semiestruturadas com oito empresários escolhidos de forma aleatória entre os respondentes com a premissa de representarem todas as regiões do país. Com relação à caracterização dos participantes, vale destacar que 22 (55%) eram fundadores e/ou presidentes das empresas, oito (21%) sócios e quatro (8%) diretores. Apenas quatro (8%) são gerentes ou coordenadores e dois respondentes não especificaram suas funções nas empresas. Das 40 MPMEs analisadas, 22 (55%) são indústrias, 12 (30%) pertencem ao setor de serviços, quatro (10%) ao comércio e duas (5%) ao agronegócio. Os empreendimentos têm, em média, 13 anos de existência, o que indica a presença de organizações jovens, criadas a partir do ano 2000. Esse dado é importante porque foi a partir da década de 2000, que o empreendedorismo no Brasil passou a se caracterizar mais pela oportunidade do negócio, do que pela necessidade de sobrevivência pessoal. Quanto ao número de empregados, a média encontrada é de 52 cargos diretos, o que sinaliza a participação efetiva de MPEs no estudo. Em relação ao perfil de clientes dessas organizações, 60% disseram que comercializam seus produtos e/ou serviços diretamente ao consumidor. Outras integram cadeias de valor de grandes companhias e, ainda realizam operações com o governo e/ou empresas públicas. A maioria faz negócios com mais de um tipo de cliente. 31 (78%) dos respondentes são homens, com média de 45 anos. Devido ao porte das empresas, observou-se que o proprietário ou sócio do empreendimento centraliza em si as decisões estratégicas e operacionais. A escolaridade entre os respondentes é elevada: 28 (70%) têm curso superior completo e 21 (51%) concluíram um curso de pósgraduação. Para analisar todas as informações captadas pelo questionário e entrevista foi elaborada uma matriz de análise formada por dois eixos: práticas de Relações Públicas (eixo vertical) e conceito de Sustentabilidade (eixo horizontal). 5.1 Critérios para análise de práticas de comunicação das MPMEs Como base para determinação das práticas de comunicação das MPMEs pesquisadas foram utilizados os modelos de Relações Públicas de Grunig e Hunt (1984). Em seus estudos, os dois autores identificaram quatro modelos de relacionamento que costumam ser adotados pelas organizações, que podem ser agrupados em simétricos e assimétricos. A partir dos autores citados, a Tabela 1 aponta os parâmetros das práticas de comunicação das MPMEs utilizadas nas empresas pesquisadas. Tabela 1 – Práticas de Relações Públicas definidas para a pesquisa – Eixo Vertical da Matriz de Análise Modelos RP

de

Colaborativo (Simétrico)

Características dos Modelos Relacionamentos simétricos de duas mãos: são baseados em pesquisas pois buscam identificar

Parâmetros observados nas MPMEs - Disposição ao diálogo; - Intenção estratégica; 529

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

as percepções e opiniões de seus públicos. Utilizam a comunicação para mediar conflitos e aperfeiçoar o conhecimento sobre os públicos estratégicos.

- Comunicação planejada sustentabilidade da empresa;

visando

à

- Plano de estruturar, criar ou fortalecer uma política de comunicação; - Visão de oportunidade no aproveitamento das mídias digitais e outros meios de divulgação e relacionamento; - Presença do fundador e/ou sócio; - Práticas colaborativas; - Atitude proativa

Unilateral (Assimétrico)

a) Assimétricos de mão única: praticados sem o apoio de pesquisas ou reflexão estratégica e cunho objetivo é promover a imagem positiva da organização. Nesta categoria estão as agências de imprensa e as agências de divulgação pública; b) Assimétricos de duas mãos: utilizam a pesquisa para identificar percepções e, em seguida, desenvolver mensagens visando a induzir os públicos a se comportarem como a organização deseja.

- Comunicação unilateral; - Baixa (ou nenhuma) disposição ao diálogo; - Ausência de planejamento associada à falta de intenção estratégica; - Foco apenas na divulgação de produtos e serviços; - Atitude reativa; - Ações esporádicas.

Fonte: Elaboração da pesquisadora com base em Grunig e Hunt (1984)

A apuração das respostas aos questionários revelou que 32 MPMEs (80%) adotam práticas de comunicação colaborativa e oito (20%) de comunicação unilateral. Esse resultado evidencia que a maioria das MPMEs está aberta à interação e ao diálogo com os seus públicos e utilizam a comunicação de forma estratégica, provavelmente com vistas a melhorar o desempenho do negócio. 5.2 Parâmetros para determinação do conceito de Sustentabilidade das MPMEs No eixo horizontal da matriz foram dispostos os estágios de sustentabilidade elaborados com base nos níveis de Willard (apud IBGC, 2007), Mirvis e Googins (2006), Lauriano, Bueno Spitzeck (2014). As perspectivas dos autores citados, somam-se ao pensamento de Amato Neto (2011), que define empresa sustentável como aquela que insere os princípios da sustentabilidade em todas as suas atividades e relacionamentos e se compromete com dimensões que vão além do triple botton line como ética, cultura, trabalho e direitos humanos. Com base nos autores mencionados, a pesquisadora desenvolveu cinco conceitos de sustentabilidade, que foram apresentados à amostra de MPMEs, por meio do questionário. As empresas foram estimuladas a selecionar qual deles mais se adequava ao entendimento aplicado em seu empreendimento. A tabela 2 mostra os estágios de sustentabilidade das MPMEs pesquisadas e que foram utilizados nas MPMEs pesquisadas. Tabela 2 - Tipologia de Estágio das Empresas e seus conceitos – Eixo Horizontal da Matriz 530

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Conceito de Sustentabilidade

Estágio da Empresa

É um conjunto de normas, regulações e certificações relacionadas ao meio ambiente, relações de trabalho e pagamento de impostos;

Rudimentar

É a prática e a difusão de iniciativas para reduzir custos, por meio de melhorias na eficiência na utilização de recursos como água e energia, e destinação de resíduos;

Ecoeficiente

É o posicionamento de marketing da empresa, seus produtos e serviços;

Mercadológico

Uma estratégia de negócios que considera os pilares social, econômico e ambiental;

Integrado

Uma cultura transformadora e colaborativa, cuja finalidade é mobilizar a empresa para o desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, contribuindo para a proteção do meio ambiente, melhoria contínua da qualidade de vida das pessoas e para a garantia dos direitos das futuras gerações.

Transformador

Fonte: Elaboração da pesquisadora, com base em Mirvis e Googins (2006); Lauriano, Bueno, Spitzeck (2014); Willard (2005 apud IBGC, 2007; Amato Neto (2011).

Mediante os resultados obtidos junto as 40 MPMEs, a Tabela 6 traz a disposição das empresas pesquisadas de acordo com seu estágio de sustentabilidade. Tabela 3 – Resultado Encontrado nos Estágios das Empresas Quantidade de empresas

Estágio da Empresa

29

Transformador

08

Integrado

02

Mercadológico

01

Ecoeficiente

0

Rudimentar

40

Total

A partir das referências teóricas de Grunig e Hunt (1984, 2011) em relação aos modelos de Relações Públicas (comunicação) e aos estágios de sustentabilidade definidos por Willard (2005, apud IBGC, 2007), Mirvis e Googins (2006), Lauriano, Bueno e Spitzeck (2014) e Amato Neto (2011) foram determinados os parâmetros para avaliar as práticas de comunicação e conceito de sustentabilidade das MPMEs e as respectivas tipologias. O método permitiu identificar a situação de cada uma das 40 MPMEs e o respectivo cruzamento dos dois indicadores – Comunicação e Sustentabilidade – na matriz de análise. 6. Resultados e análise Das 40 empresas, 29 encontram-se no estágio transformador de sustentabilidade. Esse posicionamento permite deduzir que um dos principais desafios do grupo é o 531

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

desenvolvimento de produtos e serviços para um mercado no qual a agenda de negócios e a sustentabilidade caminham juntas (MIRVIS e GOOGINS, 2006). Seus líderes assumem o compromisso e a responsabilidade de conduzir a organização no rumo da sustentabilidade e vislumbram que esse é o caminho para o crescimento, consolidação e ganho de competitividade de seus empreendimentos (NAKAGAWA, 2009). Eles têm a preocupação de fomentar a criação de uma cultura organizacional movida pela sustentabilidade e de transmiti-la para a sua rede de relacionamentos por meio da tecnologia, inovação, diferenciais de seus produtos e serviços ou então pelo seu próprio exemplo de empreendedor comprometido com práticas e princípios da sustentabilidade. Esperam que a comunicação os ajude por meio da difusão de informações e geração de conhecimento a respeito dos benefícios de produtos e serviços sustentáveis e que, dessa forma, a decisão de compra não seja determinada unicamente pelo preço. A idade média das empresas transformadoras identificadas pela pesquisa é de 13 anos. Isso indica que a maioria foi criada depois do ano 2000, quando o empreendedorismo começou a se desenvolver muito mais pela oportunidade de criação de um negócio, do que pela necessidade de sobrevivência (GEM, 2013), tendência que foi rompida em 2015, conforme informações do GEM (2015/2016), já abordada nesse artigo. Estas empresas, que nasceram no ambiente digital estimulado pela popularização da internet, no início dos anos 2000 e 23 (57,5%) delas adotam práticas de comunicação colaborativa. Seus líderes entendem que a comunicação é essencial para o desempenho de seus negócios, são proativos, conhecem e dialogam com os seus públicos e lançam mão dos dispositivos digitais para facilitar a sua interação com a rede de relacionamentos. Sabem aproveitar as oportunidades de visibilidade representadas pela sua participação em eventos, feiras, concursos e premiações. Seis empresas que, pelos parâmetros da pesquisa estão no estágio transformador, adotam práticas de comunicação unilateral. Esse resultado pode sugerir um descompasso entre o entendimento de sustentabilidade (mais avançado) e a adoção de relacionamentos assimétricos, que pressupõem comportamento reativo, baixa disposição ao diálogo, ações esporádicas e sem planejamento. No entanto, foi possível evidenciar nas entrevistas realizadas que, mesmo essas empresas, entendem que a comunicação é importante para a realização dos seus negócios. Entre as possíveis explicações para a assimetria entre entendimento de sustentabilidade e práticas de comunicação, constatada nessas seis MPMEs, estão o provável desconhecimento do potencial de benefícios de interações mais efetivas com a rede de stakeholders para o desenvolvimento dos negócios, bem como dos dispositivos e ferramentas de comunicação disponíveis e de baixo custo, que possibilitam o uso inteligente das mídias digitais, além da participação em eventos, feiras e premiações. No grupo das empresas transformadoras, 16 (55%) de seus fundadores ou dirigentes têm, pelo menos, formação em nível de pósgraduação. O relacionamento com a academia e centros de pesquisa tem alta relevância para 23 (75%) dessas organizações, o que pode ser explicado pelo interesse em buscar parcerias que as apoiem na inovação e desenvolvimento de produtos e serviços. Oito das organizações pesquisadas estão no estágio integrado e a política de sustentabilidade cobre os pilares social, econômico e ambiental, conhecido como o tripé da sustentabilidade de Elkington (1998). No estudo realizado, constatou-se que as empresas do estágio integrado são as mais antigas da amostra, com média de idade de 20 anos. Observou-se também que as organizações que pertencem à categoria das integradas fazem parte, em sua maioria, dos setores da indústria e do comércio e oferecem ao mercado produtos que aparentam não contar com tecnologias de ponta com elevado direcionamento à inovação. Mostram-se compromissadas com o desenvolvimento de seus funcionários e colaboradores, bem como da comunidade em que estão inseridas, adotam o modelo colaborativo de comunicação e colocam em prática o engajamento dos stakeholders para criar valor, um dos pressupostos Elkington (1998). No desenvolvimento de produtos e

532

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

serviços elas levam em conta as expectativas dos públicos (Misser,2014)127 que, segundo Grunig (2011), as empresas que ‘ouvem’ e dialogam com os seus stakeholders aperfeiçoam o seu conhecimento a respeito de sua rede de relacionamentos. O estudo revelou baixa presença de empresas nos estágios de sustentabilidade mercadológico (duas) e ecoeficiente (apenas uma) o que demonstra que existe um conhecimento satisfatório, tanto do processo de comunicação como de sustentabilidade para os negócios das MPMEs estudadas. Nenhuma das MPMEs pesquisadas estava no estágio rudimentar de entendimento de sustentabilidade. Esse fato pode ser creditado a um dos critérios de seleção da amostra, que exigia a presença de empresas que desenvolvem produtos e/ou serviços associados à sustentabilidade. A matriz de análise, estruturada no Gráfico 1, apresenta as 40 empresas distribuídas nos quadrantes dos dois eixos: comunicação e sustentabilidade. Gráfico 1 – Matriz de análise dos resultados da pesquisa

Observa-se na matriz, que as 23 empresas transformadoras, praticantes da comunicação colaborativa (simétrica) encontram-se canto superior direito do gráfico. Esse grupo apresenta o estágio mais avançado de comunicação e sustentabilidade, entre todas organizações pesquisadas. Como transformadoras, têm como política inserir a 127 Sunil A Misser, é Chief Executive Officer (CEO) da AccountAbility. Artigo disponível em http://www.accountability.org/about-us/publications/stakeholder-engagement-creating-value-anddelivering-performance.html. Acesso em 15/03/2015.

533

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

sustentabilidade no conjunto de seus processos e relacionamentos e esforçam-se na direção do fortalecimento de uma cultura formada por valores sustentáveis em toda a sua rede. Seus líderes acreditam que os negócios do futuro serão determinados pela sustentabilidade e entendem como desafios ou oportunidades fenômenos como as mudanças climáticas e globalização. Na comunicação, são proativas, adotam práticas colaborativas, têm visão estratégica e sabem utilizar os dispositivos e ferramentas que dispõem para conseguir os seus objetivos. As organizações que estão no estágio integrado de sustentabilidade adotam comunicação colaborativa (simétrica) e estão posicionadas no quadrante superior direito, à esquerda do grupo das transformadoras colaborativas. As empresas integradas têm política de sustentabilidade definida com base no triple botton line (Elkington, 1998), desenvolvem seus negócios considerando o impacto de suas operações na sociedade e meio ambiente. Na comunicação, são proativas, abertas ao diálogo e desenvolvem as ações com foco estratégico. As empresas transformadoras, que adotam comunicação assimétrica estão localizadas no quadrante inferior direito. Como abordamos anteriormente, é possível que essas empresas em que a sustentabilidade está integrada nos seus negócios e relacionamentos, não tenham pleno conhecimento dos impactos positivos que a utilização inteligente das ferramentas de meios de comunicação disponíveis pode trazer para o seu crescimento e desenvolvimento sustentável. Por esse motivo, identificam-se com o modelo unilateral de comunicação. No quadrante superior esquerdo, está posicionada a organização ecoeficiente na sustentabilidade e com modelo simétrico de comunicação. As duas empresas do estágio mercadológico encontram-se localizadas de acordo com os seus modelos de comunicação, simétrico e assimétrico. Na pesquisa, observou-se que as ações de comunicação das MPMEs estão fortemente alinhadas à atividade empresarial. Constatou-se, ao longo do estudo, que há um forte alinhamento entre o processo de comunicação e a perspectiva de negócios das empresas. Na análise dos empresários, os stakeholders mais relevantes para a sustentabilidade de seus empreendimentos são: clientes, funcionários e parceiros de negócios, o que reforça a intenção de estreitar o relacionamento para o crescimento da empresa. Todos os participantes consideraram os clientes como o público principal e, em seguida, 38 (95%) os empregados e os parceiros de negócios. A comunicação pode contribuir para a sustentabilidade das empresas por meio de estratégias para fortalecimento da cultura organizacional (92,5%) e reconhecimento de sua sustentabilidade pela opinião pública (95%). Alguns empreendedores reforçaram o papel da comunicação na conscientização da população em geral sobre a sustentabilidade e os seus benefícios. Acreditam que, dessa forma os produtos e serviços que desenvolvem em suas empresas serão mais valorizados pelos seus clientes e consumidores tornando-os competitivos no mercado (NAKAGAWA, 2011). Apesar de focarem as suas atividades de relacionamento em stakeholders com repercussão direta nos seus negócios, 85% empresas dizem-se comprometidas com gerações futuras e comunidade. O relacionamento com a academia tem mais relevância nas organizações com intenção inovadora, como é o caso de empreendimentos que pesquisam novos materiais e tecnologias para despoluição e sistemas de saneamento básico. Duas empresas pesquisadas são spin offs universitárias e outras foram idealizadas por pesquisadores remanescentes de centros de pesquisa. A correlação entre os públicos das empresas e as ferramentas usadas para interagir com cada um deles mostra que a escolha é feita com base nos objetivos da organização, ou seja, não costuma ser aleatória. As mídias digitais são utilizadas para seus clientes com ênfase na divulgação de produtos e serviços, muitas vezes pelos próprios empreendedores. 534

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Na amostra pesquisada, o site corporativo é o meio mais utilizado. No entanto, sempre vem acompanhado de outras ferramentas, definidas conforme o perfil do público a ser atingido. O Facebook foi apontado por 27 empresários (67,5%) que disseram utilizar para se comunicar com os funcionários e os clientes. Com fornecedores e clientes a opção mais presente é a participação em feiras, premiações e eventos. Com universidades, são as parcerias. Foi possível observar nas entrevistas que parte dos empreendedores sabe utilizar os meios de comunicação e relacionamento de forma integrada. Informações a respeito de participações em concursos e prêmios ou palestras, por exemplo são multiplicadas para a rede de relacionamentos fomentando awareness dos públicos a respeito da empresa. Para Sigtnizer & Prexl (2008, apud Bortree, 2011), as organizações que dialogam com seus públicos sobre sustentabilidade são capazes de criar engajamento, contribuindo também para o bem-estar da sociedade como um todo e com Caridade (2012) que destaca a criação de valor gerada pelos relacionamentos. Entre as informações que sinalizam para a disponibilidade ao diálogo das MPMEs estudadas estão a sua percepção sobre o impacto do ativismo ambiental e de direitos humanos e a respeito da autonomia de manifestação dos seus stakeholders (favorecida pelas TICs) sobre sua marca, produtos ou serviços. Das 40 empresas que participaram da pesquisa, 31 (77,5%) entendem o ativismo como uma oportunidade de negócios e cinco (12,5%) como desafio. Essa percepção está alinhada ao modelo de comunicação colaborativo adotado pela grande maioria das MPMEs e sua disposição ao diálogo e interação. Comportamento parecido pode ser percebido nas respostas à questão sobre a autonomia de manifestação dos stakeholders. Do total de MPMEs, 23 (57,5%) identificam nesse movimento oportunidades de negócio e nove (22,5%) desafios a serem superados. Estes resultados podem ser compreendidos como mais um sinal da importância estratégica conferida pelos empresários às opiniões expressas pelos seus públicos. A pesquisa mostrou também que a maioria das MPMEs estudadas enxergam as mudanças climáticas, a globalização e a parceria com organizações de grande porte como oportunidades ou desafios para a realização de negócios. A principal preocupação do grupo é com a concorrência com produtos importados, que afeta 30% (12) dos respondentes, enquanto outros 30% dizem que esse fator não interfere na empresa. Os resultados do estudo indicam que empresários com o perfil da amostra tendem a encararem e aproveitarem oportunidades que se evidenciam em alguns mercados fomentados pelas mudanças do clima (economia de baixo carbono), preocupações ambientais e mudanças de hábitos de consumo. 7. Conclusão A realização do estudo permitiu chegar a importantes resultados sobre a inter-relação entre os processos de comunicação e sustentabilidade. Em relação a relevância atribuída pelos empresários aos processos de comunicação para a sustentabilidade de seus empreendimentos, concluiu-se que o processo de comunicação integra o dia a dia dos negócios da maioria das empresas pesquisadas, sendo realizado de forma estratégica e com a liderança dos fundadores/sócios. A maioria das empresas pratica uma comunicação colaborativa/simétrica, com elevada disposição ao diálogo, interação, proatividade e visão de oportunidade e, nesse sentido, é possível afirmar que essas MPMEs podem ser consideradas “fenômenos de comunicação” (FREITAS,1991). As empresas reconhecem os stakeholders que mais contribuem para a sustentabilidade de seu negócio, com prioridade para clientes, funcionários e fornecedores. A presença da comunidade e das gerações futuras entre os públicos considerados muito relevantes para a sustentabilidade evidencia os seus compromissos com a melhoria das condições de vida do seu entorno bem como com a garantia dos direitos das futuras gerações. Na sua interação 535

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

com os stakeholders, as empresas são favorecidas pelas ferramentas digitais que, por meio do livre acesso às redes e aplicativos digitais permitem a interação em tempo real, com mobilidade e a baixo custo. As empresas da amostra são ativas na participação em eventos e premiações como uma estratégia para mostrar, divulgar e conquistar visibilidade para os seus produtos e inovações. Na maioria dos casos, a escolha dos meios e ferramentas para comunicação e relacionamento é feita de acordo com o perfil dos stakeholders a serem sensibilizados. Apenas oito delas praticam comunicação unilateral/assimétrica o que pode ser um indicador de baixo conhecimento sobre os potenciais benefícios da comunicação para os negócios, uma atitude mais reativa e menos colaborativa dos empreendedores. Da avaliação dos resultados são destacadas quatro constatações: 1. As tecnologias da informação e comunicação transformaram o cenário dos negócios das MPMEs no Brasil e colaboraram para o empoderamento dos micro e pequenos empresários, que se tornaram agentes e produtores de sua própria comunicação com os públicos. Os empreendedores ganharam autonomia mediante o uso das ferramentas digitais, que eliminaram a barreira do custo que, anteriormente os impedia desenvolver atividades de comunicação; 2. O fundador se considera líder do processo de comunicação, pois acredita que ele confere credibilidade às ações desenvolvidas, tornando-as estratégicas para a sustentabilidade da organização. Os empresários têm clareza sobre quais são os públicos mais importantes para o seu negócio e definem os meios e ferramentas de interação conforme as características e perfil dos stakeholders buscando criar e manter vínculos produtivos para o seu projeto. Esse comportamento dos líderes reflete em benefícios para os negócios das MPMEs; 3. A maioria dos empresários pesquisados acredita que a comunicação pode contribuir para quebrar paradigmas mediante a disseminação de informações sobre as práticas da sustentabilidade. Como resultado, eles esperam por um aumento na conscientização dos clientes e consumidores sobre o ‘valor’ embutido em produtos e serviços sustentáveis. As organizações estudadas afirmam que contribuem para ampliar a compreensão sobre sustentabilidade por meio das atividades que desenvolvem, pelo seu próprio exemplo e compromissos que assumem com a sua rede de relacionamentos; 4. Os estágios transformador e integrado de sustentabilidade foram encontrados na maioria das empresas pesquisadas. Tal conceito aponta que as MPMEs estão se mobilizando para adotar estratégias de comunicação para seus produtos e serviços sustentáveis, contribuindo para a proteção do meio ambiente, melhoria contínua da qualidade de vida das pessoas e para a garantia dos direitos das futuras gerações. Acreditam, também, que dessa forma, desenvolvem o seu negócio de forma sustentável. Há disponibilidade para explorar novas oportunidades que surgem a partir de negócios gerados direta ou indiretamente pela economia de baixo carbono, aumento de pressões regulatórias e mudança cultural provocada pela preocupação com o futuro da humanidade. Importante salientar que o número de MPMEs pesquisadas não é representativo considerando o número de MPMEs existentes no Brasil. No entanto, pode-se afirmar que os resultados da pesquisa sinalizam que os empreendedores, como o do perfil da amostra, veem no processo de comunicação a oportunidade de multiplicar informações e de gerar de conhecimento visando a uma mudança cultural e de hábitos de consumo que estimule o desenvolvimento e a competitividade de produtos e serviços sustentáveis. Constatou-se, também, que comunicação e sustentabilidade de inter-relacionam nos ambientes interno e externo das MPMEs pesquisadas e, juntas, contribuem para a criação de valor para o negócio. Recomenda-se que o estudo seja retomado por outros pesquisadores, uma vez que a academia brasileira carece de informações atualizadas e relevantes sobre esse segmento, as MPMEs.

536

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Referências Amato Neto, J., 2011. Os desafios da produção e do consumo sob novos padrões sociais e ambientais. in: Amato Neto, J. (Org). Sustentabilidade & Produção. Atlas, São Paulo, pp. 1-12. Almeida, F., 2002. O bom negócio da sustentabilidade. Nova Fronteira, São Paulo. Bonfiglioli, C. A., 2012. Sustentabilidade: uma palavra, muitos significados. in: Di Felice, M; Torres, J.C; Yanaze, L.K.H. Redes Digitais e Sustentabilidade: as interações com o ambiente na era da informação. Anablume, São Paulo, SP, pp. 95-127. Bortree, D. (2011). The State of Environmental Communication: A Survey of PRSA Members, 2011. Disponível em http://www.prsa.org/SearchResults/view/6D050106/0/The_State_of_Environmental_Communication_A_Survey#.VPi8f_ldXWg. Acesso em 04/03/2015.

Bussab, W., Morettin, P. A. 2013. Estatística Básica. 8. ed. Saraiva, São Paulo. Caridade, A. V. 2012. Estratégias corporativas para a sustentabilidade: estudos de casos múltiplos. São Paulo 171 l. Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo. SP. Casali, A. M.,2009. Um modelo do processo de comunicação organizacional na perspectiva da “Escola de Montreal, in: Kunsch, M. M. (Org). Comunicação Organizacional. Saraiva, São Paulo, pp107-134. Castells, M., 2013. Redes de Indignação e Esperança. Zahar, Rio de Janeiro.

Christensen, L.T., Morsing, M., Thyssen, O. CSR as aspirational talk. Disponível em http://org.sagepub.com/content/20/3/372.refs. >Acesso em 18/03/2015. Elkington, J., 2014. Podem os pequenos surfar nas grandes tendências? In: Ideia Sustentável. Ofício Plus Comunicação e Editora, pp 92-93. Ferrari, M. A., 2011. O cenário das organizações como sistemas de significados socialmente construídos. in: Relações Públicas. Teoria, contexto e relacionamentos. Difusão, São Caetano do Sul, pp. 131-237. Freitas, M. E. (1991). Cultura organizacional: formação, tipologias e impactos. Makron Books, São Paulo. Grunig, J. E., 2011. Teoria Geral das Relações Públicas: quadro teórico para o exercício da profissão. in: Relações Públicas: Teoria, contexto e relacionamentos. Difusão, São Caetano do Sul, pp. 17-118. Hart, S. 2012. O Futuro, de baixo para cima. In: Sebrae (Org). Inovação e Sustentabilidade. São Paulo. pp 54-98. ______________Hart S. 2006. O Capitalismo na Encruzilhada. As inúmeras oportunidades de negócios na solução dos problemas difíceis do mundo. Bookman, Porto Alegre. IBGE. Estatísticas do Empreendedorismo 2012. Disponível em: Acesso em: 15/03/2015. IBGC. Guia de Sustentabilidade para as empresas. Disponível em: http://www.ibgc.org.br/userfiles/4.pdf. Acesso em: 15/03/2015.

537

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Lauriano, L.A.; Bueno, J. H.; Spitzeck, H. (2014). Estado de Gestão para Sustentabilidade nas Empresas Brasileiras. Disponível em http://www.fdc.org.br/professoresepesquisa/nucleos/Paginas/publicacaodetalhe.aspx?Nucleo=Sustentabilidade&publicacao=18440. Acesso em 20/02/2015. Marconi, M; Lakayos, E.M. 2003. Fundamentos de Metodologia Científica. Atlas, São Paulo. Mirvis, P.; Googins, B.. Stages of Corporate Citizenship. Disponível em http://digilib.bc.edu/reserves/mm902/wadd/mm90201.pdf. Acesso em 04/03/2015. Misser, S. A. Stakeholder Engagement: creating Value and Delivering Performance. Disponível em: < http://www.delivering-tomorrow.com/wp-content/uploads/2014/09/delivering-tomorrow_stakeholderengagement_en.pdf >. Acesso em:15/03/2015. Nakagawa, M, 2011. Plano de Negócio Sustentável: princípios, conceitos e aplicações. in: Amato Neto, J. (Org). Sustentabilidade e Produção. Atlas, São Paulo, pp. 113-136. Neri, M. 2012. Apresentação. in: Santos, A. L.; Krein, J. D; Bojikiam, A. (Org). Micro e Pequenas Empresas. Mercado de Trabalho e Implicação para o Desenvolvimento. IPEA, Brasília. Sachs,I, 2008. Desenvolvimento. Includente, sustentável, sustentado. Garamond. Rio de Janeiro. Sebrae. Observatório Internacional. Relatório Global GEM 2013. Disponível em http://ois.sebrae.com.br/publicacoes/gem-global-report/. Acesso em18/04/2015. Sebrae. Novo MPE Indicadores. Disponível em: http://www.agenciasebrae.com.br/asn/Indicadores/Novo%20MPE%20Indicadores%20%2023%2007%202014.pptx. Acesso em 12/03/ 2015. Silveira, D.T; Córdova, F.P. A Pesquisa Científica, 2009 in: Métodos de Pesquisa. Gerhardt, T. E., Silveira, D.T., UFRGS, Porto Alegre pp. 31-43. Sodré, M. 2012. Reinventando a educação. Vozes. Petrópolis. Spence, L. Small Business Social Responsibility: Redrawing Core CSR Theory. Disponível em https://pure.royalholloway.ac.uk/portal/en/publications/small-business-social-responsibility(32794cdfbe4d-40fc-928a-c5da7d1e3916).html. Acesso em 13/03/2015. Veiga, J. E. 2010. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Garamond. Rio de Janeiro.

538

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Percepção socioambiental acerca dos resíduos sólidos dos moradores do entorno de um canal de drenagem no nordeste do Brasil: sociedade e sustentabilidade Múcio Fernandes1, Renata Gouveia2, Andrea Silva2, Midiã Rodrigues2, Marcos Meira2 1

Universidade de Pernambuco, Brasil, [email protected],

2

Universidade de Pernambuco, Brasil, [email protected]; [email protected]; mí[email protected]; [email protected] Resumo Com o advento da industrialização, ao longo dos últimos cinquenta anos e através da ocupação irregular dos solos nos grandes centros urbanos, os problemas ambientais ganharam destaque. A poluição observada nos canais de drenagem que cortam as cidades ocorre principalmente pela formação de consumidores em massa, o que resulta em altos teores de resíduos sólidos que são lançados nestes locais. Objetivou-se assim conhecer as responsabilidades de cada indivíduo acerca dos resíduos sólidos; a opinião sobre medidas de enfrentamento desta problemática no chamado Canal do Arruda, localizado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco (Brasil) e subsidiar dados para programas futuros de responsabilidade socioambiental na área e de implementação da Política Municipal de Resíduos Sólidos na cidade. Foram aplicados questionários em duas partes da comunidade que é residente do entorno do Canal do Arruda, dividindo-os em duas áreas. Foi observado que em ambas as áreas de estudo a maioria dos entrevistados não fazem separação dos resíduos em suas residências (área I- 87,5%; área II- 77,75%). Assim, foram indagados sobre o motivo que os leva a não praticar este ato. Percebe-se que nas duas áreas é uma questão meramente cultural (área I- 36,06%; área II- 34,28%). Os moradores sugeriram as seguintes ações para a diminuição da quantidade de resíduos dispostos no canal: ações educativas na comunidade (área I- 34,14%; área II- 47,16%); mais postos de coleta margeando o canal (área I- 26,83%; área II- 16,98%); gradear e fechar o canal (área I12,19%; área II- 11,33%); mais fiscalização por parte da Prefeitura (área I- 17,08%) e multa para quem for pego praticando este ato (área I- 2,44%; área II- 11,33%); coleta mais eficiente (área II- 9,43%) e manutenção do canal (área I- 7,32%; área II- 3,77%). Portanto, pode-se concluir que os entrevistados estão conscientes dos problemas que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar em sua comunidade, no entanto, não identificam isto como um problema coletivo transferindo as responsabilidades individuais e/ou coletivas para o poder público. Palavras-chave: Educação ambiental, Resíduos sólidos, Sustentabilidade 1. Introdução O processo de urbanização acelera-se a partir da Revolução Industrial, onde o modo de produção capitalista se sobressai e o homem intensifica o uso dos recursos naturais no seu estilo de vida, ocasionado impactos em todas as esferas, como a poluição do solo, da água, do ar, extinção de espécies, aquecimento global. O desequilíbrio deixa de ser pontual e passa a ter uma escala global (Castro et al., 2007). Ribeiro et al. (2008) trazem os problemas que este crescimento ocasionou: poluição sonora, poluição ambiental, difícil acesso a serviços de saúde, contaminação dos mananciais, saneamento e esgoto precários, aumento da população em áreas periféricas.

539

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Diversos veículos hídricos estão sofrendo deterioração no Brasil, pois muitas cidades ainda não possuem um sistema de coleta e tratamento de esgotos eficaz, o que faz com que sejam depositados “in natura” em corpos hídricos. Assim, a poluição das águas torna-se um fator agravante com o crescimento desordenado das cidades, prejudicando a qualidade da mesma e alterando a relação de uso-benefício (Maciel, 2003). Segundo Alencar Filho e Abreu (2006) a ineficácia no tratamento dos esgotos gera uma importante fonte de poluição nos recursos hídricos, causando prejuízo em diversos segmentos e áreas, como a atividade pesqueira, irrigação, lazer, o abastecimento de água, trazendo ainda os problemas de saúde devido a essa precariedade. Complementando, Souza e Silva Junior (2008), informam que a contaminação por esgotos domésticos é a forma mais grave, pois esta água foi utilizada para fins higiênicos e possuem material fecal, assim, se forem lançadas em solos vizinhos ou nos sistemas de canalização chegarão aos cursos de água mais próximos. Com o surgimento das cidades modificando toda a paisagem, faz-se necessário um planejamento adequado, eficiente, que traga benefícios à comunidade local e que esteja em equilíbrio com os aspectos sociais, econômicos e ambientais. Surge um novo modelo de desenvolvimento que leva em consideração a melhoria da qualidade de vida das pessoas, a preservação dos recursos do planeta, tentando conciliar a proteção ambiental, a equidade social e a eficiência econômica (Castro et al., 2007). O interesse em planejamento das cidades urbanas atuais, leva em consideração a qualidade de vida da população, pois um está ligado diretamente ao outro. As cidades impactam diretamente a disponibilidade dos recursos naturais da região, podendo apresentar alterações significativas e às vezes irreversíveis nos mesmos. De acordo com Buarque (1999), o planejamento é um instrumento utilizado para a tomada de decisões e a organização de ações que assegurem os melhores resultados e traga a realização dos objetivos propostos em menores prazos e custos. Segundo Silva (2008), o processo de construção, de um desenvolvimento local não pode ficar despercebido pelas pessoas, pois sem elas não há a sustentabilidade. Como elas vivem realidades distintas em diversos aspectos (social, cultural, econômica, espacial e ambiental) é necessário que os indicadores, ou resultados se assemelhem ou que sejam parecidos com os de outros locais. Sob o ponto de vista de Bilar e Ribeiro (2012), os insucessos das políticas ambientais ocorrem por alguns elementos: falta de apoio político, de informação, recursos escassos e políticas ambientais falhas. Assim, a procura por alternativas sustentáveis que tragam mais qualidade de vida para a população alicerçando um adequado planejamento urbano se faz necessário (Barbosa, 2008). Acreditando que todos os elementos que compõem a paisagem estão interligados, as ações antrópicas sobre o meio ambiente causa reflexo em todo o sistema, podendo ser controláveis ou não (Ugeda Junior e Amorim, 2009). Na ótica de Barbosa (2008), é fundamental para a sustentabilidade urbana o uso racional dos recursos naturais, o ambiente urbano precisa relacionar-se com o clima e todos os recursos, assim como também deverá ocorrer o mínimo de transferência de dejetos e rejeitos para outros tipos de ecossistemas atuais e futuros. Para Silva (2014), o consumo de forma consciente se dá a partir de uma prática que busca uma conformidade entre o ideal da sustentabilidade e a satisfação pessoal. Os canais de 540

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

drenagem possuem um papel considerável no desenvolvimento de uma cidade. Segundo Faria e Quinto Junior (2008) os canais urbanos são responsáveis por duas atribuições relevantes e que não se separam: a de embelezar e sanear a cidade. Assim, observa-se que há também dois tipos de ocupação urbana, tornando o curso de água como eixo estruturador das vias públicas e da vida urbana. No sistema de drenagem, os canais são o ponto fundamental, pois conduzem as águas advindas da pluviosidade até o curso de rios e de bacias hidrográficas, impossibilitando que haja acúmulo de água nas cidades e evitando consequências danosas (Silva e Albuquerque, 2013). Para que o sistema de drenagem natural se mantenha eficiente com a crescente urbanização, é necessário sob a ótica de Arruda (2005), buscar efetividade neste sistema, que agora encontra-se impermeabilizado no solo dos centros urbanos. Os processos ocasionados pelo forte desenvolvimento urbano causam inúmeros impactos indesejáveis sobre a sociedade. Com isso, ocorre um aumento no número de enchentes por não apenas ter a sua vazão aumentada, mas sim, pela diminuição da capacidade de escoamento que o assoreamento dos condutos e canais ocasiona (Tucci e Collishonn, 2000). Entretanto, muitas vezes os canais são utilizados para o escoamento de produtos poluentes, que são despejados de qualquer forma e sem receber um tratamento adequado que diminua os impactos gerados pela contaminação de agentes biológicos e químicos causadores de doenças (Silva e Albuquerque, 2013). O acúmulo de resíduos nas margens de canais e rios, também causam problemas para o escoamento das águas pluviais. Vários municípios brasileiros ainda possuem carência para realizar a limpeza e conservação dos cursos de água, assim como a falta de saneamento básico vetor de inúmeras doenças (Ungaretti, 2010). Estes resíduos possuem espécies químicas que ao serem carreados pelas chuvas podem entrar em contato com as águas superficiais e as subterrâneas através de infiltrações, comprometendo toda biota aquática, podendo ocasionar intoxicações nas pessoas (Sissino, 2002). O mesmo autor afirma que até as pessoas que residem longe das áreas em que o resíduo foi depositado podem estar correndo risco, pois o lençol freático como um todo pode estar contaminado. Além do risco que as populações podem enfrentar, também deve ser levado em consideração o alto custo para utilização de tecnologias modernas e tempo que são dispensados para a descontaminação de um aquífero. Os resíduos sólidos urbanos, popularmente chamados de lixo, são hoje um fator que demanda uma atenção especial, principalmente em lugares de elevada urbanização. Ainda não são totalmente conhecidas todas as consequências da disposição inadequada desses resíduos, mas sabe-se que a deficiência de um tratamento acarreta problemas relacionados à saúde e na qualidade ambiental. (Rego et al., 2002). A Política Nacional de Resíduos sólidos- PNRS, publicada através da Lei Federal n° 12.305 de agosto de 2010, informa que os geradores são pessoas de ordem física ou jurídica, que possuam direito privado ou público, que gerem resíduos sólidos através de suas atividades, com o consumo incluído nelas (Brasil, 2010). Os canais do Recife recebem apenas tratamento relativo à drenagem da cidade. São estruturas de concreto que formam um subsistema para complementar o sistema de drenagem urbana, assim como o sub-sistema de galerias que juntos fazem parte do sistema de saneamento básico (Arruda, 2005). Segundo Pômpeo (2000), a drenagem urbana se torna um componente fundamental na problemática ambiental urbana, fazendo com que seu tratamento considere as relações sistêmicas e as considere nas escalas de intervenção. 541

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para Arruda (2005), a drenagem pode receber influências de outros sistemas, como o de abastecimento de água que necessita de obras de barragem que previnem o transbordamento dos leitos de rios e canais; o de esgotamento sanitário, onde os dejetos se misturam à drenagem; e, ao sistema de limpeza urbana, também com despejos de dejetos que podem vir a degradar toda a flora e fauna existente. Contudo, é inserido neste contexto que o crescimento urbano ocorrido de forma desordenada tem sido marcado como o responsável pelas questões ambientais, pois possui uma estreita afinidade com a geração dos resíduos sólidos e este, por sua vez, pela degeneração do meio ambiente e de uma sadia qualidade de vida (Santos, 2008). O hábito da sociedade com relação aos resíduos sólidos destaca Sisinno (2002), sempre foi o da indiferença. Tirando-os do campo da visão, qual seria o seu destino nunca foi preocupação. Se essa posição não for modificada danos ocorrem, pois se uma área for contaminada, por longos anos ficará inviabilizada e ainda exportarão contaminantes para diversos locais, causando prejuízos as populações de outras áreas. Ao se tomar conhecimento da realidade vivenciada, torna-se fundamental a procura por um resgate da identidade cultural de cada região, de cada povo. Entender os processos que os levam a agir de forma tão inconsistente com a natureza ao seu redor, pois este ser é agente direto de construções e de transformações no seu meio. Estas atitudes não comprometem apenas o seu futuro, mas também o das gerações seguintes, acarretando uma hostilidade na relação do homem com o meio. Esta pesquisa é fruto de uma dissertação desenvolvida no âmbito da linha de pesquisa em Meio Ambiente e Políticas Publicas do Programa de Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável (GDLS) da Universidade de Pernambuco. Justifica-se a pesquisa pela necessidade de se encontrar padrões de formas de vida nas comunidades para se alcançar a sustentabilidade das atividades humanas. Objetivou-se assim conhecer as responsabilidades de cada indivíduo acerca dos resíduos sólidos; a opinião sobre medidas de enfrentamento desta problemática no chamado Canal do Arruda, localizado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco (Brasil) e subsidiar dados para programas futuros de responsabilidade socioambiental na área e de implementação da Política Municipal de Resíduos Sólidos na cidade. 2. Métodos A abordagem da pesquisa teve natureza quali-quantitativa. De acordo com Ensslin e Viana (2008), essas duas metodologias não são opostas nem contraditórias, elas se complementam ao levarem em consideração a relação dinâmica entre o mundo real, os sujeitos e a pesquisa. Relativo aos resíduos, Oliveira (2006) afirma ser necessário ponderar que a percepção do resíduo urbano não está ligada a todos os órgãos sensoriais, esta percepção se dá na esfera do visual e do olfato. Em diversas ocasiões não é possível ver os resíduos, porém seu mau cheiro pode ser sentido a certas distâncias.

542

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para embasamento do estudo foi realizada uma fundamentação teórica de todos os temas relevantes através do estudo bibliográfico para a busca dos resultados. Assim, o pesquisador pôde ter propriedade dos assuntos que são objetos de estudo teóricos e empíricos. Segundo Marconi e Lakatos (2007) esta etapa possui a função de compilar informações prévias sobre o campo de interesse para o estudo. Também foi utilizada como ferramenta para obtenção dos resultados a pesquisa de campo. Ela tem a função de encontrar informações acerca de um determinado problema, para o qual se procura uma resposta, como também ajuda na descoberta de novos fenômenos e na comprovação de uma nova hipótese (Marconi e Lakatos, 2007). Para Palma (2005), usar este tipo de pesquisa em educação ambiental é um forte instrumento na defesa do meio natural, pois ela tende a aproximar o homem da sua verdadeira casa, a natureza, alertandoo para o respeito com este bem, trazendo assim qualidade de vida pra atual e as futuras gerações. Como técnica de pesquisa, utilizou-se a observação, de forma não estruturada ou assistemática. Ela ocorre quando o pesquisador registra os fatos da realidade sem técnicas específicas, não possuindo um planejamento prévio. Seu êxito dependerá do fato do observador estar atento a tudo no seu ambiente de pesquisa (Marconi e Lakatos, 2007). Tal técnica ajuda ao pesquisador a ter respostas sobre seu objeto de estudo, sem perguntas aos indivíduos, o contato é direto com a realidade. Foram utilizadas para isso anotações em diários de campo e registros fotográficos. Para delineamento da pesquisa, foram realizadas entrevistas com questionários estruturados, sendo suas perguntas mistas. Para Diniz et al. (2011), esta tem sido uma técnica muito eficiente para obtenção das informações quantitativas, assim é feita uma análise indutiva dos dados encontrados com o questionário. A aplicação de questionários estruturados sob o ponto de vista de Carvalho (2009) exige do pesquisador um conhecimento prévio do tema que será abordado, para que as perguntas sejam direcionadas e possam trazer as respostas necessárias. Assim, foi elaborado um questionário com base em trabalhos que também tinham como foco a percepção ambiental de moradores em áreas onde o resíduo sólido se acumula e trás consequências para as comunidades. O estudo foi realizado no Bairro do Arruda, localizado na zona norte da Cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, Brasil (Figura 1). Sob a ótica de Arruda (2005),quando se trata dos canais que cortam o Recife, observa-se que sua malha hidrográfica é muito representativa, porém não se atenta que as pessoas que dela usufruem, sejam moradores ou visitantes, sabem da sua importância ecológica, estruturadora e o valor como paisagem cultural. Este canal é o principal corpo d’água que atua na drenagem de quase toda parte norte da cidade do Recife, assim ele foi ganhando várias denominações de acordo com os bairros em que ele atravessa. Portanto ele pode ser conhecido como canal Vasco da Gama/Arruda, canal do Arruda, canal do Banorte, canal de Campo Grande. Suas características físicas abrangem uma extensão de 7.350m, a seção de calha tem predominância trapezoidal e a largura varia de 1,20m a 30,0m (Arruda, 2005).

543

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para delimitar os sujeitos da pesquisa foi feito um recorte do bairro do Arruda, na intenção de aplicar os questionários com pessoas que moram nas suas margens, sofrendo assim influência direta do canal e pessoas que residem em ruas paralelas, sofrendo influência indireta do mesmo. O recorte feito abrangeu parte da Av. Professor Jerônimo Queirós, Rua das moças, Rua Pedro Rodrigues de Barros e a Av. Professor José dos Anjos. Para escolha da população foi utilizada a técnica de amostragem intencional, Gil (1999) caracteriza como sendo não probabilística e baseia-se na seleção de um subgrupo da população, que possa ser considerado representativo de acordo com informações acessíveis. Neste trecho há uma média de 800 famílias residentes, sendo assim considerou para efeito de amostragem, 10% desta população, ou seja, 80 famílias. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa foram divididos em dois grupos: a área I, contou com 40 pessoas e estas foram as residentes à margem do canal do Arruda; a área II, também foi composta por 40 pessoas e estas residem em ruas paralelas ao canal. Foi entrevistado apenas um representante por família, através da abordagem presencial do pesquisador, ao qual informou os objetivos da pesquisa. Assim, pôde ser feita uma análise da percepção destes moradores e uma comparação sobre a informação que eles obtêm sobre a presença de resíduos sólidos no canal do Arruda. Foi incluído na pesquisa qualquer morador efetivo das com unidades selecionadas que possuíam idade igual ou maior que 18 anos e que estiveram em concordância de responder as perguntas que lhes foram solicitadas.

Figura 1. Área de realização da pesquisa, Canal do Arruda, Recife, Pernambuco, Brasil.

544

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3. Resultados e Discussão Os residentes das duas áreas de estudo foram questionados sobre a separação de materiais recicláveis em suas residências. Notou-se que em ambas as áreas, as pessoas em sua maioria não o fazem, apenas 22,5% (9 pessoas) da área II e 12,5% (5 pessoas) da área I afirmaram ter começado com a coleta seletiva. Na área II quando relacionada à área I possui um número maior de sujeitos que já começaram a fazer esta separação em suas casas. Na pesquisa realizada por Lira (2012), o número de pessoas que fazem esta separação domiciliar já é mais expressivo, 60,1% dos participantes. Dentre os que já possuem este hábito, os moradores da área I fazem a separação com o intuito de venda desses materiais, e assim obtém mais uma fonte de renda, apenas um morador desta área afirmou que faz a separação por que a Prefeitura conversou com os residentes da região falando da importância da reciclagem e distribuíram panfletos informativos sobre os Ecopontos que foram instalados pelo canal. Já para os moradores da área II, os motivos que os levam a fazer essa separação são outros, como: “Por que eu reutilizo os materiais para fabricação de artesanato”; “Por que é o certo”; “Por que faço doação para uma pessoa que trabalha com eles”; “Por que sei da importância da reciclagem”; “Por que ajuda a natureza, pois assim evita de tirar tanta matéria-prima para nova fabricação”. Pode-se observar que mesmo as áreas sendo vizinhas, o motivo que os leva a praticar a separação do lixo domiciliar é diferenciado. Para uns pode servir como fonte de renda e para outros a importância ecológica é o fator mais relevante. De acordo com Deboni e Pinheiro (2010), uma pesquisa realizada na zona rural de Cruz Alta/ Rio Grande do Sul, mostrou que 70% dos entrevistados fazem a separação dos resíduos como forma de aproveitamento dos compostos orgânicos. Mesmo sem consciência da importância deste ato, eles o fazem para que os resíduos orgânicos sirvam de alimentos para os animais e na fabricação de adubo, e assim diminuem muito a quantidade de lixo que iria para o ambiente sem qualquer utilidade. No trabalho realizado por Sizenando et al. (2011), 84% das pessoas entrevistadas não fazem a separação deste material em suas residências, alegando que não possuem tempo para separá-lo, e também por acharem que este ato não faz alguma diferença ou que não se faz necessário. Uma outra pergunta do questionário foi: qual o motivo que os leva a não fazer a separação dos resíduos em suas residências? Percebe-se que nas duas áreas a falta de costume com a separação do resíduo é um fator relevante (área I-36,06% - 14 pessoas; área II-34,28 - 13 pessoas). No tocante a área I, 12 moradores afirmam que não possuem interesse em praticar a segregação dos materiais em suas residências (31,15%), pois não acreditam que isto seja necessário. Já para a área II o fator mais relevante para este descompromisso com a segregação dos resíduos foi a falta de uma coleta específica (40% - 16 pessoas). Estes moradores afirmam que “não adianta fazer a separação se na hora que o caminhão de lixo passa para arrecadar o material ele é misturado completamente em sua caçamba”. Nas ruas das residências dos entrevistados não passa uma coleta específica para os materiais recicláveis e muitos deles não sabem para onde poderiam levar estes materiais para que houvesse uma correta destinação.

545

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para Mucelin e Bellini (2008), os hábitos que os atores possuem quanto ao tratamento destinado aos resíduos em suas residências se dão pela percepção de como eles observam os serviços de coleta da cidade, o que faz com que estimule uma atitude de despreocupação com a segregação. Segundo Oliveira (2007) moradores de área de difícil acesso e que possuem um pequeno espaço para acumular seus resíduos em casa, muitas vezes preferem depositá-los em lugares públicos ao invés de esperarem a coleta adequada, outros ainda acham mais fácil jogar em uma barreira ou em um canal e assim se livrar do resíduo produzido, pois acreditam que desta forma se livram do problema. Isto é bastante corriqueiro no Canal do Arruda. Este corpo hídrico foi construído com a função de drenagem das águas da cidade do Recife, mas o que se observa nele é o forte acúmulo de resíduos sólidos e de despejos de esgotos lançados in natura. Em épocas de chuva, os resíduos transbordam junto com o canal atingindo as residências dos moradores do seu entorno. Os resultados encontrados por Lira (2012) expressaram como motivo para não fazer essa separação em suas residências, a falta de hábito, outro argumento utilizado pelos mesmos foi o de que esperava que o catador fizesse essa separação, assim tiraria a responsabilidade dos que produziram o resíduo. Vale ressaltar que a resposta dada pela área I vai de encontro com uma pergunta anterior, pois eles sabem que próximo às suas residências existe catadores que têm nos resíduos sua fonte de renda e mesmo assim não fazem a segregação do material por achar desnecessário este ato. A destinação deste material para a associação dos catadores, além de ter benefícios ecológicos traria renda e desenvolvimento para a região estudada. Para Nascimento (2007), quanto maior a quantidade de resíduo que uma cidade produz, maior serão os gastos. Estimular a redução desta geração é uma tática para que os municípios possam diminuir sua despesa com coleta, tratamento e disposição final, portanto é fundamental o investimento em prevenção através da educação ambiental. Na comunidade entrevistada nota-se que ainda não há uma preocupação com a não geração de resíduos. Foi solicitado aos representantes das famílias que fossem sugeridas ações para a diminuição da quantidade de resíduo que são dispostos no canal do Arruda. Pôde ser analisado que a necessidade de ações educativas na comunidade foi o elemento mais forte para a resolução deste problema, segundo os moradores (área I-34,14% - 13 pessoas; área II-47,16% - 18 pessoas). Também foi observado que a procura por mais postos de coleta margeando o canal é um fator relevante (área I-26,83% - 10 pessoas; área II-16,98% - 7 pessoas). Outras sugestões foram: gradear e fechar o canal para que os resíduos não possam chegar até ele (área I12,19% - 5 pessoas; área II-12,19% - 5 pessoas); Mais fiscalização por parte da Prefeitura (área I-17,08% - 7 pessoas) e multa para quem for pego praticando este ato (área I-2,44% 1 pessoa; área II-11,33% - 4,53%); Uma coleta mais eficiente (área II-9,43% - 4 pessoas) e manutenção do canal (área I-7,32% - 3 pessoas; área II-3,77% - 2 pessoas). A área I é composta por mais casas do que edifícios, o que faz com que o morador tenha que se deslocar para depositar o seu resíduo. A coleta só é realizada três vezes por semana na região e nota-se que muitos moradores da área I despejam seu lixo em qualquer dia na 546

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

entrada da comunidade. Eles não são acondicionados em suas residências e colocados na rua em dias de coleta, como se percebe na área II. Isso reflete o desejo da transferência das responsabilidades individuais/ coletivas para o poder público. Para Vieira et al. (2012), entre os moradores da comunidade de Coripós em Santa Catarina, a maior parte dos entrevistados acreditam que o problema do lixo na comunidade vai do comprometimento individual como sendo a maneira mais eficaz para a solução desta adversidade. “Cada indivíduo deveria ser responsável por seu lixo de forma a manejá-lo da maneira correta” (p. 88). De acordo com Gonzalez et al. (2007, p.382), a educação ambiental pode cooperar com a elaboração de uma nova concepção de ambiente e assim, de um novo cidadão, onde os seus princípios sejam o eixo norteador fundamental. Os princípios são: “participação, pensamento crítico-reflexivo, sustentabilidade, ecologia de saberes, responsabilidade, continuidade, igualdade, conscientização, coletividade, emancipação e transformação social”. A educação ambiental demanda ser crítica, emancipatória e transformadora. Crítica, no sentido em que o modelo atual da relação sociedade natureza necessita ser discutido; Emancipatória, por ter na liberdade o seu maior alicerce e na busca por autonomia dos grupos sociais e; Transformadora, porque confia que a sociedade atual pode construir um novo futuro a partir do presente, assim instaurando novas relações dos seres humanos entre si e deles com a natureza (Quintas, 2004). De acordo com Reigota (2004), a educação ambiental pode influenciar na resolução dos problemas ambientais que cercam o mundo, pois ela forma cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres. Assim, ao atuar em sua comunidade, começa a surgir uma mudança no sistema que trará resultados ao longo do tempo. Como analisa Palma (2005) se a preocupação com o meio ambiente for real, os problemas poderiam ser sanados. O trabalho em que a Educação Ambiental está inserida contempla toda a sociedade, onde o conhecimento não ficará apenas nas mãos dos educadores, mas a troca de experiências se faz necessária. Agregando os conhecimentos e as experiências acumuladas, a EA torna-se holística, e assim, todos contribuem para o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente correta com pessoas de atitudes justas. Percebe-se que a comunidade estudada possui o interesse da aproximação com as ações da Prefeitura. A instalação dos Ecopontos foi um ponto de partida, mas o dia-a-dia junto à comunidade precisa ser mais efetivo para que o tratamento que os moradores dão aos resíduos que geram em suas residências possam ter outro destino, e não mais o Canal do Arruda. A educação ambiental é uma ferramenta transformadora que pode influenciar nas atitudes dos moradores. Tendo o sentimento de pertencimento pelo lugar em que vivem, podem olhar o Canal do Arruda de outra forma, ajudando assim na sua preservação.

4. Conclusões Conclui-se que os dois grupos analisados acreditam que os resíduos podem ser reaproveitados, porém ainda não praticam a separação dos materiais em suas residências 547

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

por falta de costume e por sentirem falta de uma coleta específica. Eles estão conscientes dos problemas que o descarte inadequado dos resíduos sólidos podem ocasionar em sua comunidade, no entanto, não identificam isto como um problema coletivo transferindo as responsabilidades individuais e/ou coletivas para o poder público. Por não se sentirem responsáveis, não buscam mudanças em suas rotinas diárias. É de fundamental relevância um trabalho contínuo de Educação ambiental na comunidade, para a sensibilização destes atores quanto ao descarte inadequado dos resíduos sólidos e sobre os cursos de águas, para que se tornem mais críticos e reflexivos na busca do equilíbrio do meio em que vivem. Referências Alencar Filho, F., Abreu, L, 2006. Metodologia Alternativa para Avaliação de Desempenho de Companhias de Saneamento Básico: Aplicação da Análise Fatorial. Planejamento e Políticas Públicas (IPEA), Brasília, v. 28, 18p. Arruda, J., 2005. Os canais na paisagem do Recife: por um sistema azul. Monografia de Graduação. Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Barbosa, G., 2008. Desafio do desenvolvimento sustentável. Revista Visões, 4ª, Ed. nº4, Vol. 1, 11p. Brasil. Presidência da República. Lei n° 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n° 9.605 de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. D.O.U de 03/08/2010. Buarque, S., 1999. Metodologia de planejamento do desenvolvimento local e municipal sustentável. Material para orientação técnica e treinamento de multiplicadores e técnicos em planejamento local e municipal. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/IICA PCT – INCRA/IICA, Brasília. Bilar, A., Ribeiro, E., 2012. Caminhos para a gestão do desenvolvimento local sustentável. Livro Rápido, Olinda. Carvalho, A., 2009. Escolas de governo e gestão por competências: mesa-redonda de pesquisa-ação. Brasília: ENAP. Castro, C., Coelho, M., Góis, G, 2007. O processo de urbanização e o desenvolvimento sustentável em Mossoró –RN: uma reflexão necessária. III Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, MA. Deboni, L., Pinheiro, D., 2010. O que você faz com seu lixo? Estudo sobre a destinação do lixo na zona rural de Cruz Alta/RS- Passo dos Alemães. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, REGET-CT/UFSM, vol.1, n°1, p. 13 –21. Diniz, M., Vasconcelos, F., Maia-Vasconcelos, S.; Rocha, G, 2011. Utilização de Entrevistas Semi-estruturadas na Gestão Integrada de Zonas Costeiras: o Discurso do Sujeito Coletivo como Técnica Auxiliar. Scientia Plena, Vol. 7, Nun. 1, 8p. Ensslin, L., Vianna, W., 2008. O design na pesquisa quali-quantitativa em engenharia de produção–questões epistemológicas. Revista Produção on line. Vol. 8, Num. 1, 16p. Faria, T., Quinto Junior, L., 2008. Os canais como estruturadores do espaço urbano: os projetos de Saturnino de Brito para as cidades de Campos dos Goytacazes/RJ e Santos/SP. Rev. Anais: Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vol 10, n. 2. 8p. Gonzalez, L., Tozoni-Reis, M., Diniz, R, 2007. Educação ambiental na comunidade: uma proposta de pesquisa–ação. Revista eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v.18, 20p. 548

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Lira, E., 2012. Percepção ambiental sobre a coleta de resíduos sólidos no bairro Alto do Mandú-Recife, PE, Brasil. Dissertação de Mestrado. Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável. Universidade de Pernambuco, Recife. Maciel, R., 2003. Controle da poluição difusa em drenagem urbana. Monografia de Graduação. Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo. Marconi, M., Lakatos, E., 2007. Fundamentos de metodologia científica. 6 ed. Editora Atlas, São Paulo. Mucelin, C., Bellini, M., 2008. Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema urbano. Sociedade e Natureza, Uberlândia. Vol. 20, 14p. Nascimento, E., 2007. Estudo da gestão e gerenciamento integrado dos resíduos sólidos urbanos, no município de Caetés, agreste meridional do estado de Pernambuco, Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade de Pernambuco, Recife. Oliveira, H., 2007. Problemática sócio-ambiental do lixo e gestão da coleta em áreas pobres do Recife-PE: um desafio territorial. Revista de Geografia. Recife: UFPE –DCG/NAPA, v. 24, no 1, 10p. Oliveira, N., 2006. A percepção dos resíduos sólidos (lixo) de origem domiciliar, no bairro Cajuru-Curitiba-PR: um olhar reflexivo a partir da educação ambiental. Dissertação de Mestrado. UFPR. Palma, I., 2005. Análise da percepção ambiental como instrumento ao planejamento da educação ambiental. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Pompêo, C., 2000. Drenagem urbana sustentável. RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos. Vol. 5, n.1, 9p. Quintas, J., 2004. Educação no processo de gestão ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. in: Layrargues, P. (ed.) Identidades da educação ambiental brasileira/ Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental; Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 156 p. Rêgo, R., Barreto, M., Killinger, C., 2002. O que é lixo afinal? Como pensam mulheres residentes na periferia de um grande centro urbano. Cad. Saúde Pública, vol.18, 10p. Reigota, M., 2004. O que é educação ambiental. Editora Brasiliense, São Paulo. Ribeiro, G., Mendes, J., Salanek Filho, P., 2008. A questão ambiental do desenvolvimento sustentável: características e delimitações. in: Silva, C. (Eds.), Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico, integrado e adaptativo. 2. Ed.-Petrópolis, Editora Vozes, Rio de Janeiro. Santos, G., 2008. Resíduos sólidos domiciliares, ambiente e saúde: (inter) relações a partir da visão dos trabalhadores do sistema de gerenciamento de resíduos sólidos de Fortaleza/CE. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. Silva, C., 2008. Desenvolvimento sustentável: um modelo analítico, integrado e adaptativo. 2. Ed.-Petrópolis, Editora Vozes, Rio de Janeiro. Silva, E., Albuquerque, M., 2013. Drenagem urbana de Macapá/AP: um estudo em Geografia da Saúde. Encontro de geógrafos da América Latina, Peru. Silva, Z., 2014. Política Nacional de Resíduos Sólidos: Conceitos, Aspectos relevantes e Legislação correlata. Editora AgBook, Recife. Sisinno, C., 2002. Destino dos resíduos sólidos urbanos e industriais no estado do Rio de Janeiro: avaliação da toxicidade dos resíduos e suas implicações para o ambiente e para a saúde humana. Tese de Doutorado. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 549

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Sizenando, E., Soares, M., Lima, L., 2011. Trabalhando o lixo sob a ótica socioeducativa na comunidade Parque Guarus. II Seminário de Ecotoxicologua Aquática. Campo dos Goytacazes, Rio de Janeiro. Souza, R., Silva Junior, A., 2008. Poluição Hídrica e Qualidade de vida: O caso do saneamento básico no Brasil. Brasília. http://www.sober.org.br/palestra/12/06P372.pdf. Accessed (12.03.2016). Tucci, C., Collishonn, W., 2000. Drenagem urbana e controle de erosão. in: Tucci, C. Marques, D. (Eds.), Avaliação e controle da drenagem urbana. Editora Universidade, Porto Alegre, pp. 119 –127. Ungaretti, A., 2010. Perspectiva socioambiental sobre a disposição de resíduos sólidos em arroios urbanos: um estudo na sub-bacia hidrográfica Mãe D'água no município de ViamãoRS. Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano e Ambiental. UFRGS, Porto Alegre. Vieira, P., Silveira, J., Rodrigues, K., 2012. Percepção e hábitos relacionados ao lixo doméstico entre moradores da comunidade do Coripós, Blumenau, SC. Rev APS. Vol 15, 10p.

550

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A LOGÍSTICA REVERSA NO EXÉRCITO BRASILEIRO COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AMBIENTAL Moura,Luis1; Guimarães,Helder2; De Alecar, Bertrand3 ; Moura, Jakelinne4 1

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, [email protected]

2

Instituto Federal de Pernambuco, [email protected]

3

Instituto Tecnológico de Pernambuco, [email protected]

4

Instituto Tecnológico de Pernambuco, [email protected]

Resumo A cadeia de suprimento reversa ou logística reversa pode ser considerada um dos grandes problemas no processo de circulação de materiais. Nas Forças Armadas isso não é diferente, pois sempre que produtos são considerados defeituosos, danificados, desnecessários ou descartados pelo usuário final, o mesmos devem percorrer um caminho inverso ao do suprimento. As questões ambientais foram os principais impulsionadores da atividade logística reversa, inicialmente devido a seu caráter restritivo decorrentes das normas ambientais, posteriormente, devido a questões econômicas que revelaram novas oportunidades de negócio. Com o objetivo de analisar a situação atual do emprego da logística reversa do Exército brasileiro e sua contribuição para a proteção do meio ambiente, foi realizada uma revisão bibliográfica das normas e técnicas que norteiam a logística reversa em diversos setores da economia, dando ênfase na logística reversa do Exército Brasileiro. Foram observados exemplos desta atividade de suprimento em outros Exércitos do mundo com destaque para os Estados Unidos da América devido ao alinhamento da doutrina do mesmo com a doutrina do Exército Brasileiro, no pós 2ª Guerra Mundial. Além da pesquisa documental, foi realizada uma coleta de dados por entrevista realizadas com agentes públicos envolvidos com a gestão de resíduos sólidos no Exército Brasileiro, bem como foi realizado um estudo de campo para observar a atividade de logística reversa in loco. Foram escolhidos para aprofundamento da pesquisa 5 tipos de resíduos sólidos: estojos de munição, pilhas, baterias, pneus e materiais eletrônicos. Uma vez que estes materiais são os que se destacam em volume e importância na cadeia reversa de resíduos do Exército Brasileiro. Como resultado foi observado que o Exército adota medidas que visam a logística reversa em consonância com as legislações brasileiras vigentes que abordam o assunto, existindo oportunidades de melhoria. Além disso, concluiu-se que o Meio Ambiente atualmente, tornou-se importante no conserto entre as nações, pois é um tema que permanece em evidência e afeta direta ou indiretamente todos os seres humanos. Desta maneira ressalta-se a importância da imagem do Exército Brasileiro como instituição pública na contribuição de valores, práticas e processos com a finalidade de se alcançar um desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Meio Ambiente; Resíduos Sólidos; Logística Reversa; Gestão Ambiental; Exército Brasileiro.

551

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1. Introdução Desde os tempos remotos o ser humano explora o ambiente em busca sua sobrevivência, interferindo e transformando-o. Com o advento da Revolução Industrial, a sociedade passou a explorar com maior intensidade a matéria prima necessária para o desenvolvimento econômico. Essa procura além de ter sido uma das causas de duas Guerras Mundiais contribuiu ainda, para um desequilíbrio do ecossistema seja pelo descarte de resíduos sólidos em lugares não apropriados, seja durante a exploração de matérias primas como carvão e petróleo como meio de geração de energia, impactando e degradando o planeta em que vivemos (Cunha,1996). Atualmente, a questão ambiental encontra-se em pauta nos mais variados círculos de debate. Salas de aula, seminários e conferências sob a égide da Organização das Nações Unidas são apenas alguns lugares onde se discute o tema da sustentabilidade, ou seja, como se desenvolver sem impactar o ambiente. A própria Organização das Nações Unidas, por meio do relatório Nosso Futuro Comum, publicado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1987, elaborou o seguinte conceito. “Desenvolvimento sustentável é aquele que busca as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades” (Mikhailova , 2004). A Política Nacional de Resíduos Sólidos Brasil (2010), como parte da legislação ambiental no Brasil, estabeleceu dentre outros instrumentos, a logística reversa dos resíduos sólidos complementando legalmente o conceito técnico existente de logística reversa. Nesse contexto técnico e legal, a logística reversa ganha importância como instrumento fundamental para a chamada economia circular, promovendo o reaproveitamento e a reciclagem de resíduos sólidos, evitando assim o seu despejo inadequado no ambiente (Brasil, 2010). Rogers (1999) define a logística Reversa como “o processo de planejamento, implementação e controle do fluxo eficiente e de baixo custo de matérias primas, estoque em processo, produto acabado e informações relacionadas, desde o ponto de consumo até o ponto de origem, com o propósito de recuperação de valor ou descarte apropriado para coleta e tratamento de lixo”. A Constituição da República Federativa do Brasil (1988), incorporando a legislação ambiental estabelecida na Política Nacional de Meio Ambiente Brasil (1981), adotou medidas para conter a degradação ambiental juntamente com diversas legislações que influenciam o cotidiano de instituições públicas e empresas privadas. Nesse espectro de legislações federais, merece destaque a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com a qual a logística reversa ganhou importância no cenário nacional (Brasil, 2010). O Exército Brasileiro possui diversas organizações militares desdobradas no território nacional, incluindo biomas como a Floresta Amazônica, o Pantanal, o Cerrado, o Sertão e os Pampas, que ininterruptamente funcionam seja administrativamente ou realizando operações militares que são responsáveis pela produção de grande quantidade de resíduos sólidos, Brasil (2013), Neste sentido, preocupado com a questão ambiental, o Comando do Exército criou pela Portaria 142 no ano de 2013, a Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente , cuja missão é normatizar, superintender, orientar e coordenar as atividades da administração patrimonial e ambiental, no âmbito da Força Terrestre (Brasil, 2010). Este trabalho teve como objetivo verificar se o Exército Brasileiro vem adotando medidas para incrementar a logística reversa de materiais inservíveis, com destaque para estojos de munição, pilhas, baterias, pneus e materiais de informática. Verificar o conhecimento de parcela dos seus quadros sobre o tema logística Reversa e sua importância como instrumento de Gestão Ambiental e se o tema na visão dos militares é importante no contexto geopolítico mundial; e verificar se atuação do Exército no tema supracitado está em consonância com a Política Nacional Brasileira de resíduos Sólidos. 552

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2. Métodos As metodologias utilizadas para a confecção da presente pesquisa foram a pesquisa bibliográfica, a pesquisa descritiva e coleta de dados por entrevistas estruturadas e questionários (Rampazzo, 2011). A pesquisa bibliográfica, conforme Rampazzo (2011) investigou o tema por meio de artigos científicos, livros, periódicos, Leis Federais, Estaduais e Municipais, Portarias Ministeriais, Portarias do Comando do Exército Brasileiro, Regulamentos do Exército Brasileiro, Regulamentos e leis internacionais, seja em bibliotecas ou pela rede mundial de computadores, com a finalidade de verificar se as atividades do Exército Brasileiro estão consonantes com o que preconiza a Legislação Brasileira. Foi pesquisado ainda como modelo de atuação em Logística Reversa o Exército dos Estados Unidos da América por ser tradicionalmente uma nação amiga e aliada ao Brasil. Na pesquisa descritiva foi verificada in loco as atividades referentes à Logística Reversa em algumas Organizações Militares com ênfase na destinação final de materiais de emprego militar inservíveis ou desgastados tais como: estojos de munição, pneus, pilhas, baterias, e materiais informática (Cervo e Bervian, 1983). Na aplicação de questionário foram aplicadas questões fechadas/dicotômicas e abertas/não limitadas, em mais de 200 oficiais oriundos de diferentes Organizações Militares a fim de verificar o conhecimento desses gestores a respeito do tema Logística Reversa. Além disso, foram indagados sobre o Plano de Gestão Ambiental do Exército, sobre coleta seletiva em suas Organizações Militares, destinação de materiais inservíveis e principalmente sobre o envolvimento do Exército Brasileiro em questões de natureza ambiental (Rampazzo, 2011). A entrevista foi do tipo estruturada ou padronizada , ou seja, por meio de um roteiro de perguntas previamente estabelecido, onde foram entrevistados alguns dos responsáveis pela execução no que concerne a Logística Reversa no Exército, para se manifestarem sobre a eficácia da mesma. As entrevistas foram elaboradas tomando como base a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil, 2010) e as normas adotadas pelo Exército com o objetivo de verificar se as mesmas atendem as demandas que o assunto requer (Rampazzo, 2011). 3. Resultados e Discussão Foi observado que o Exército Brasileiro editou Portaria Nº 1275 de 28 de dezembro de 2010, onde estabeleceu uma Diretriz de adequação do Exército Brasileiro à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) cuja premissa básica foi orientar no tocante as ações necessárias as Organizações Militares subordinadas em sua adaptação a Lei 9605, de 12 de fevereiro de 1998 (Brasil, 2010). Para atingir esse objetivo o Exército Brasileiro atribuiu missões comuns a todas as Organizações Militares com ênfase no estudo pormenorizado da PNRS, com foco na proteção ambiental e no desenvolvimento sustentável e com base nela elaborasse o Projeto de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (incluindo aqueles classificados como perigosos), ajustado à realidade da região onde a Organização Militar se encontrava (Brasil, 2010). Houve ainda, uma determinação interna no Exército para a inclusão da gestão de resíduos sólidos e o incentivo às atividades de coleta seletiva e reciclagem no Plano Básico de Gestão Ambiental, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados. Para isso promoveu-se a adoção do sistema de incentivo 3Rs com o estabelecimento de metas de redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos (Brasil, 2010). Ao Comando Logístico do Exército coube o estabelecimento de orientações gerais para as Regiões Militares quanto aos procedimentos a serem adotados para a logística reversa, de modo que determinados resíduos sólidos gerados retornassem aos fabricantes, 553

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

importadores, distribuidores ou comerciantes. Estabeleceu-se ainda, orientações específicas para o gerenciamento de pneus, combustíveis, óleos e lubrificantes, munições e artigos de subsistência inservíveis, assim como resíduos industriais provenientes das atividades logísticas. Existiu também uma orientação para que houvesse a elaboração dos projetos de gerenciamento de resíduos sólidos de Parques Regionais de Manutenção, Depósitos de Suprimento, Batalhões de Suprimento e Batalhões Logísticos para que os mesmos estudassem e adotassem medidas para a otimização da reciclagem de óleos lubrificantes inservíveis, produzidos pelas Organizações Militares do Exército Brasileiro (Brasil, 2010). À Diretoria Geral do Pessoal coube orientar a elaboração dos planos de gerenciamento de resíduos sólidos dos hospitais militares, postos médicos, policlínicas e Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, considerando os resíduos hospitalares e laboratoriais, (Brasil, 2010). O Departamento de Ciência e Tecnologia recebeu a incumbência de elaborar orientações específicas para o gerenciamento de resíduos laboratoriais usados em pesquisas, resíduos industriais da Indústria de Material Bélico, resíduos produzidos pelos arsenais de guerra. Incentivar a pesquisa científica e a inovação referente à reutilização e à reciclagem de materiais, produzindo retorno de interesse para o Exército, sobretudo para a geração de energia e materiais alternativos, tanto para as atividades administrativas quanto para as operacionais. O Departamento de Engenharia e construção atualizou as Instruções Reguladoras para o Sistema de Gestão Ambiental do Exército, considerando a PNRS, estabelecendo medidas específicas para o gerenciamento de resíduos sólidos provenientes dos trabalhos de construção (estradas, aeroportos, portos, edificações, etc), reformas, reparos e demolições. Estabeleceu ainda orientações técnicas para a construção de biodigestores e de recicladores de material orientando as Organizações Militares sobre a necessidade da apresentação do projeto de gerenciamento de resíduos sólidos como parte integrante do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos (Brasil, 2010). O Departamento de Educação e Cultura do Exército coube Incentivar a pesquisa científica e tecnológica no âmbito das escolas do Exército referente à temática de gestão de resíduos sólidos com aplicação para as atividades administrativas e operacionais da Força. Buscar parcerias com universidades, instituições de pesquisa, estabelecimentos de ensino especializados e participantes do sistema “S” (SENAI, SENAC, SENAR, SESI, SEBRAE, SEST e SENAT) que proporcionem resultados positivos para a Força no tocante à capacitação dos talentos humanos para as atividades de planejamento e gerenciamento de resíduos sólidos (Brasil, 2010). Desta maneira, ficou evidenciada a preocupação do Comando do Exército em contribuir para a gestão de resíduos sólidos de forma sistêmica, pois atuou nos campos do ensino, Logística engenharia, de pessoal, ciência e tecnologia de maneira clara, objetiva e direta na normatização de medidas voltadas para a logística reversa contribuindo para proteção do meio ambiente, em áreas sob sua responsabilidade legal, permitindo projetar a imagem positiva da Força no âmbito da sociedade brasileira, aproveitando, na plenitude, os resultados de destaque à adequada gestão dos resíduos sólidos. Constatou-se ainda que nas portarias editadas pelo Comando do Exército houve uma preocupação de estar em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil, 2010). Ainda na pesquisa bibliográfica foram coletados alguns materiais relativos a logística Reversa do Exército dos Estados Unidos da América. Galowitch (2013), indica que o Exército Estadunidense realizou seu primeiro estudo sobre a logística reversa em 1998. Após a conclusão, os militares começaram a concentrar-se na logística reversa na forma de valor a partir de ativos usados ou inservíveis recuperando-os. A logística Reversa foi recentemente identificada como uma nova disciplina dentro da cadeia de abastecimento e atenção recentemente ganhando desde o final de 1990. Desde que as companhias comerciais e militares começaram a definir a importância de um bom programa de logística reversa, tem havido muitas interpretações do que a logística reversa realmente 554

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

implica. O Conselho de Logística Americana define logística reversa conforme Rogers e Tibben-Lembke (2009) como o processo de planejamento, implementação e controle do, custo efetivo fluxo eficiente de matérias-primas, em processo de inventário, produtos acabados e informações relacionadas desde o ponto de consumo até o ponto de origem para efeitos de valor ou descarte adequado recapturar. No setor comercial, a logística reversa não só lida com a circulação de mercadorias por meio da cadeia de suprimentos reversa, mas também implica relações de atendimento ao cliente e um movimento no sentido mais "verde", soluções sustentáveis para reverter processos logísticos (Rogers, 2009). De acordo com o Regulamento do Exército dos Estados Unidos AR 711-7, Supply Chain Management (1992), a logística reversa é descrita como: "o processo pelo qual um produto é devolvido para algum ponto no sistema de distribuição para revenda, reciclagem, recuperação, redistribuição ou eliminação" (Estados Unidos da América ,1992). Prevot (2013) define que o Comando de Material do Exército Americano é o órgão responsável por toda a logística do Exército Estadunidense. Ele supervisiona a compra, venda, equipamentos, desmantelamento, envio e recebimento de praticamente todos os equipamentos dentro arsenal do Exército dos EUA, contando com homens e mulheres especialistas em logística. O papel do especialista em logística do Exército Americano é fundamental para a Logística Reversa e no ano 2012, foram responsáveis pelo retorno, em curto espaço de tempo, do excesso de equipamentos individuais inservíveis do teatro de operações do Afeganistão para o território dos Estados Unidos, operação está desencadeada contra células terroristas da Al-Qaeda baseadas no citado país do Oriente Médio. Baker (2012) explícita que durante a Guerra do Iraque, a Logística Reversa Militar era a capacidade que possuía os altos níveis de comando em avaliar os itens em uso ou desuso e decidir o futuro do material, tendo uma grande variedade de opções à sua disposição. Cada item contabilizado na área de conflito, tinha o potencial para oito grandes escolhas: - O artigo poderia ser redistribuído dentro do teatro. Isso inclui transferência para outra unidade no Iraque, no Afeganistão, ou o Kuwait - O artigo poderia ser enviado de volta para os EUA para uso por uma unidade do Exército específica; - O artigo pode ser enviado de volta para os EUA para uso como equipamento de treinamento; - O material poderia ser colocado em cachês pré posicionados como parte desses grupos de equipamentos que estão estrategicamente colocados nas bases globais para diminuir o tempo de resposta; - O item poderia ser transferido ou vendido a um país anfitrião, como o Iraque ou o Afeganistão para seu governo ou uso militar; - O item pode se tornar parte do Programa Foreign Military Sale , onde é vendido a uma nação aliada; - O item pode ser devolvido para os EUA sob um programa como o da Associação Nacional de Órgãos Estaduais de Excedente para o governo estadual ou uso Guarda Nacional; e - O item pode ser desmilitarizado, destruído ou reciclado se as outras opções não forem adequadas. Baker (2012) comenta ainda que quando a administração do Presidente Barak Obama deu a ordem para iniciar a retirada do Iraque em 2009, cerca de 3,2 milhões de peças de equipamento no Iraque precisavam ser redistribuídas. Por seu exemplo de preocupação com a destinação de materiais inservíveis o Exército dos Estados Unidos se apresentam como um modelo para a execução da logística reversa , em que pese, sua realidade operacional ser diferenciada da brasileira uma vez que o Exército Brasileiro atualmente possui fora do seu território apenas o Batalhão de Paz no Haiti. 555

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Durante a pesquisa descritiva foi verificada junto a militares que compõe o sistema Logístico do Exército a realização da logística Reversa de materiais inservíveis tais como: estojos de munição, pneus, pilhas e baterias e material de informática. Após a utilização da munição nos exercícios anuais de tiro os estojos são recolhidos, armazenados e remetidos pela cadeia logística reversa até que cheguem a Organização Militar responsável por sua destinação final. Foi constatado que todos os estojos são derretidos e reaproveitados como matéria prima para a confecção de bustos e placas comemorativas, contribuindo para a reciclagem do referido material e consequentemente para a proteção do Meio Ambiente. Após a utilização dos pneus pelas viaturas operacionais e administrativas foi constatado que as Organizações Militares devolvem pelo caminho inverso os pneus inservíveis para os órgãos provedores e o mesmo dá a destinação final adequada. Foi identificado que pneus são encaminhados para usinas de reciclagem, são reaproveitados pelo processo de recauchutagem, moídos para a confecção de tatames e no sul do Brasil transformados em asfalto, desta maneira além de evitar o impacto ambiental pelo descarte indiscriminado da borracha a logística reversa desse material contribui para a não proliferação de doenças causadas por mosquitos, que utilizam águas paradas em pneus para a reprodução. Após o esgotamento energético das pilhas e baterias, utilizadas em materiais eletroeletrônicos e em viaturas, as Organizações Militares entregam aos estabelecimentos que as comercializam ou à rede de assistência técnica autorizada pelas respectivas indústrias, para repasse aos fabricantes ou importadores, para que estes adotem diretamente, ou por meio de terceiros, os procedimentos de reutilização, reciclagem, tratamento ou disposição final ambientalmente adequado. O Material de informática via de regra quando atinge sua obsolescência é descarregado e doado para instituições não governamentais ou para escolas que utilizam o material para ensinar informática a pessoas carentes. Na cidade do Recife por exemplo, todos os componentes são descartados como lixo eletrônico e doados a “Associação dos trapeiros de Emaús” ou para centros de reciclagem de computadores. Após a aplicação dos questionários em aproximadamente 200 gestores de Organizações Militares diferentes, e que não necessariamente participam do processo de logística reversa foram obtidos os seguinte resultados: 79,23% dos entrevistados têm conhecimento do que é logística reversa; 78% das Organizações Militares desdobradas no território nacional realizam coleta seletiva para reciclagem, reutilização ou destruição de materiais; 96,5% dos militares entrevistados se preocupam em recolher os estojos de munição após a realização dos exercícios de tiro e têm conhecimento da destinação final dada ao material (confecção de placas e bustos); 81% têm conhecimento para onde vão na cadeia reversa pneus, pilhas e baterias, materiais de informática e que os mesmos têm a destinação final prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos, que é cumprida pelo Exército Brasileiro e 98,7% dos entrevistados acreditam ser importante a participação do Exército na proteção do meio Ambiente, principalmente pelo fato da Força Terrestre estar presente em todo o território nacional com Organizações Militares desdobradas nos principais biomas brasileiros tais como: a amazônia, o pantanal, o cerrado, a caatinga, a mata atlântica e os pampas. Nas entrevistas os militares foram unânimes em afirmar que o trabalho realizado pelas Organizações Militares no que tange a logística reversa é profícuo, pró-ativo e contribui para a proteção do meio ambiente por dar a destinação correta aos materiais estudados em cumprimento a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

556

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

4. Conclusões Após a realização da pesquisa bibliográfica que envolve o tema da logística reversa na legislação brasileira e na legislação pertinente ao Exército Brasileiro; da pesquisa descritiva realizada in loco em algumas Organizações Militares operacionais e de logística; da aplicação de questionários a militares de variados quartéis e por fim da entrevista com militares com experiência na área de logística e logística reversa, concluiu-se que o Exército Brasileiro possui sua legislação em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos e teve o cuidado de distribuir missões específicas para Organizações Militares envolvidas em Logística Reversa e outras responsáveis pela gestão de resíduos Sólidos. Foi observado o cuidado com a coleta de materiais sensíveis como estojos de munição, pneus, pilhas, baterias e materiais de informática e sua Logística reversa até receberem destinação final. Constatou-se que quase a totalidade dos militares (98,7%) acreditam ser importante a participação do Exército Brasileiro na proteção do meio ambiente por possuir quartéis em todas as regiões do país, além da importância do assunto no contexto geopolítico mundial. 79,23% dos militares entrevistados sabem o que é a Logística Reversa e 96,6% das Organizações Militares recolhem seus estojos e os mesmos são reciclados. Isso implica em um elevado nível de conscientização do público interno, bem como um alinhamento aceitável com os ditames legais. Por fim, em síntese conclui-se que como resultado foi observado que o Exército Brasileiro utiliza a logística reversa como um importante instrumento de gestão e proteção ambiental, e cumpre o previsto nas legislações brasileiras vigentes que abordam o assunto, existindo diversos pontos fortes em suas práticas e oportunidades de melhoria. Além disso, concluiuse que o Meio Ambiente atualmente, influencia na geopolítica global por ser um tema de interesse internacional e que afeta todos os continentes. Desta maneira ressalta-se a importância do Exército Brasileiro como instituição pública na contribuição de práticas e processos na busca de um desenvolvimento sustentável. Referências Baker, Sgt. Art., 2012. Military Reverse Logistics in Iraq theater. Reverse Logistics Magazine, Abr. Brasil, Constituição da República federativa do Brasil,1988. Brasília: Senado Federal. Brasil, Lei Nº 12305, de 2 de agosto de 2010 Política Nacional de Resíduos Sólidos, 2010 Brasília Senado Federal. Brasil, Lei nº 6938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre Política Nacional de Meio Ambiente. Brasil, Portaria nº 142, de 13 março de 2013 – Determinou a alteração da denominação da Diretoria de Patrimônio , que passou a se chamar Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente. 2013.Comandante do Exército Brasileiro, Brasília.

557

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Brasil, Portaria Nº 1275, de 28 de dezembro de 2010 - Diretriz para Adequação do Exército Brasileiro à Política Nacional de Resíduos Sólidos. 2010, Comandante do Exército Brasileiro. Brasília. Cervo, A.L., Bervian, P.,1983. Metodologia Científica. Cunha, S.B., Antônio J. T. G.,1996, Degradação Ambiental, Geomorfologia e Meio Ambiente. EUA Army Regulation 711-7 Logistics, 1992. US Army Department of Defense Washington DC. Galowich, J.,2013, Military Reverse Logistic, American Militar University Dr Robert Gordon April 2013 RLMT 500 D001 WIN 13. Mikhailova, I.,2004, Sustentabilidade: Evolução dos conceitos teóricos e os problemas da mensuração prática. Revista Economia e Desenvolvimento, nº16. Prevot, J., 2013, Military Reverse Logistics in Afghanistan theater. Reverse Logistics Magazine Edition 53 july. Rampazzo, L., 2011 Metodologia Científica. Rogers, D.S, Tibben-Lembke,R. S., 2009, An examination of reverse logistics pratices. Journal of Business Logistics, v.22. Rogers, D.S, Tibben-Lembke,R. S., 1999, Going Backwards : reverse Logistics Practice. IL : Reverse Logistics Council.

558

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

CONFORMIDADE AMBIENTAL MILITAR: INSTRUMENTO DE GESTÃO DE APOIO À PRESERVAÇÃO AMBIENTAL Moura,Jakelinne1; Guimarães,Helder2; Pereira,Sônia3; Moura, Luis4 1

Instituto Tecnológico de Pernambuco, [email protected]

2

Universidade Federal de Pernambuco,[email protected]

3

Instituto Tecnológico de Pernambuco, [email protected]

4

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, [email protected]

Resumo O Exército Brasileiro possui sob sua responsabilidade mais de 600 Organizações Militares distribuídas por todos os biomas do território brasileiro. Essa característica fez com que o mesmo implementasse normas e procedimentos por meio de portarias, no que se refere ao Meio Ambiente. Tais ações visam minimizar os impactos provocados pela atividade militar em áreas sob sua tutela legal, bem como nas áreas onde as Organizações Militares realizam treinamentos e ações subsidiárias. Nesse contexto, destacam-se as orientações técnicas ambientais para a Conformidade Ambiental Militar (CAM) dos empreendimentos e atividades no âmbito do Exército. Com o objetivo de analisar se a CAM atende plenamente as exigências da legislação nacional vigente e visando minimizar danos ambientais decorrentes das atividades militares, foi realizada uma revisão bibliográfica das legislações referentes ao Direito Ambiental direcionando o estudo para a Conformidade Ambiental Militar (CAM), como instrumento de auxílio no controle e combate aos possíveis impactos ambientais que possam ocorrer nas áreas ambientais sob a responsabilidade do Exército. Foram revisados na literatura os conceitos, normas e leis que regem a Política Ambiental Brasileira e a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro. Além da pesquisa documental, foi realizado um detalhamento das etapas que compreendem a confecção da Conformidade Ambiental Militar , bem como uma coleta de dados por entrevista realizada com agentes públicos envolvidos com a CAM no Exército. Como resultado, foi verificado que este instrumento proporcionou mais agilidade nos processos de licenciamento realizados pelo Exército Brasileiro, entretanto, observa-se que existem oportunidades de melhoria. A Conformidade Ambiental Militar é um procedimento que se baseia, de forma análoga, em procedimentos formatados por organizações correlatas, contudo, identificou-se a necessidade de algum arcabouço normativo para que haja o completo atendimento às peculiaridades do Exército. Foi constatado, ainda, que a aplicação da CAM no Exército Brasileiro é pertinente com algumas adequações, no intuito de prevenir ou minimizar os impactos Ambientais. Palavras-chave: Legislação Ambiental - Gestão Ambiental – Exército Brasileiro – Conformidade Ambiental Militar. 1. Introdução Desde os primórdios da humanidade, o ser humano vem utilizando de maneira indiscriminada os recursos naturais existentes na natureza, sem mensurar as consequências dessa falta de planejamento. Da mesma forma, os dejetos produzidos pelas atividades humanas/industriais causam impactos no meio ambiente, ocasionando situações irreversíveis de contaminação e degradação ambiental, tanto no meio urbano quanto no rural (Freitas, 2014). A conscientização sobre o meio ambiente é prévia e é nascedouro da legislação de todos os 559

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

países, o que intrinsecamente transforma toda nação responsável por elaborar, votar, aprovar e gerir suas leis sobre preservação do Meio Ambiente (Silva, 2010). O art. 225 da Constituição Federal de 1988 Brasil (1988), ao tratar do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, usa a expressão “bem de uso comum do povo”, portanto o meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a toda população de uma só vez, não sendo possível a sua individualização. Da mesma forma, a Lei nº 6.938/81, em seu art. 2º, inciso I, considera o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente protegido, tendo em vista o uso coletivo (Brasil, 1981). As normas jurídicas adotadas atualmente pelo Exército voltadas para a preservação do Meio Ambiente estão calcadas em Portarias que determinam a Política de Gestão Ambiental dentro da Força (Brasil, 2010), Diretrizes para adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil, 2010), Instruções sobre Meio Ambiente em Unidades de Combate e Regras de utilização de Unidades de Conservação para atividades militares entre outros, todas essas colimadas com as Normas Jurídicas Brasileiras (Brasil, 2010). Segundo Kelsen (2002), as normas jurídicas são normas de um sistema, que, para o caso de violação da norma, prevê, no final, uma sanção, isto é, uma força organizada, especialmente uma pena ou uma execução. As Instruções Gerais para o Sistema de Gestão Ambiental no âmbito do Exército orientam as ações da Política Militar Terrestre para o gerenciamento ambiental efetivo, de modo que assegure a adequação à legislação pertinente e continue a promover a histórica convivência harmônica do Exército Brasileiro com o ecossistema (Brasil, 2013). O Exército Brasileiro, possuidor de diversas Organizações Militares distribuídas em vários biomas do Território Brasileiro, vem adotando normas jurídicas em consonância com a Literatura Jurídica Nacional, no que se refere ao Meio Ambiente. Tais ações visam minimizar os impactos provocados pela atividade militar em áreas sob sua tutela legal. O Comando do Exército, por meio da Portaria nº 142, de 13 de março de 2013, determinou a alteração da denominação da Diretoria de Patrimônio (D Patr), que passou a se chamar Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente (DPIMA), localizada no Quartel General em Brasília, cuja missão é normatizar, superintender, orientar e coordenar as atividades da Administração Patrimonial e Ambiental, no âmbito da Força Terrestre, o que denota a importância das questões ambientais para a Instituição Castrense (Brasil, 2013). Nesse contexto, destacam-se as orientações técnicas ambientais para a Conformidade Ambiental Militar (CAM) dos empreendimentos e atividades no âmbito do Exército, cuja aplicação tem como fundamento a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 (Brasil, 2011). Tal procedimento visa, em linhas gerais, harmonizar o desempenho das atividades operacionais e administrativas do Exército com a proteção ambiental, de tal forma que o soldado de amanhã, assim como o de hoje, disponha de áreas militares adequadas para a permanente manutenção do preparo e emprego do Exército e, consequentemente, que os territórios sob a jurisdição das Forças Armadas sejam, para a humanidade, a garantia de perpetuação de um meio ambiente preservado (Brasil, 2013). Isto posto, este trabalho analisou a aplicação dos procedimentos da Conformidade Ambiental Militar, no que se refere ao gerenciamento dos resíduos sólidos, de modo a saber se eles se amoldam ao Ordenamento Jurídico Brasileiro, no espectro do Direito Ambiental. 2. Métodos As metodologias utilizadas para a execução do presente artigo foram a pesquisa bibliográfica, a pesquisa descritiva e coleta de dados por entrevistas estruturadas com perguntas abertas e questionários com perguntas fechadas/dicotômicas (Rompazzo, 2011). A pesquisa bibliográfica desenvolvida investigou o tema proposto em quatro etapas: identificação e seleção do material bibliográfico pertinente; leitura e fichamento em formato digital do material selecionado com identificação das obras, dos autores e de suas ideias centrais; elaboração de uma lista de palavras-chave referentes aos assuntos relevantes da pesquisa, visando facilitar a localização dos temas no material fichado; e análise do 560

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

conteúdo do material levantado para a elaboração das conclusões da pesquisa (Rompazzo,2011). Os dados secundários foram obtidos por meio de pesquisa bibliográfica observando a legislação ambiental aplicável ao Exército e ao tema de estudo, extraídas dos Diários Oficiais e dos Boletins do Exército, bem como pela pesquisa descritiva dos procedimentos da Conformidade Ambiental Militar e a coleta de seus dados in loco, junto ao 1º Grupamento de Engenharia de Construção (1º Gpt E), Comissão Regional de Obras (CRO) e Divisão Jurídica do Comando da 7ªRegião Militar. Os dados primários foram obtidos por meio da realização de entrevistas com os gestores e militares que trabalham na área jurídica e ambiental, no 1º Grupamento de Engenharia de Construção e na Comissão Regional de Obras, bem como a um representante da Agência Estadual de Meio Ambiente em Pernambuco (CPRH), responsáveis pela normatização e fiscalização no que concerne aos assuntos ambientais, além da aplicação de um questionário com 50 Oficiais Superiores do Exército integrantes de diferentes Organizações Militares sobre o assunto em estudo (Cervo e Bervian, 1983). A entrevista foi estruturada por meio de um roteiro de perguntas previamente estabelecido, entrevistando os responsáveis pela normatização e fiscalização no que concerne aos assuntos ambientais, acerca da eficiência da Conformidade Ambiental Militar. As entrevistas foram elaboradas tomando como base o Direito Ambiental e as normas adotadas pelo Exército com o objetivo de verificar se as mesmas atendem as demandas que o assunto requer. A aplicação do questionário foi estruturada, com perguntas fechadas, abertas e de múltipla escolha, a fim de verificar a opinião dos integrantes das divisões jurídicas e militares que trabalham na área de Engenharia de Construção, sobre a aplicação da CAM no âmbito do Exército. Foi facultada a identificação dos informantes, a fim de proporcionar maior liberdade nas respostas (Rompazzo, 2011). 3. Resultados e Discussão Fruto da pesquisa bibliográfica verificou-se que a questão ambiental sempre foi uma preocupação latente no âmbito do Exército Brasileiro, sendo considerada como um fator importante no planejamento das operações militares. Isso se deve ao fato de que, além de ser o meio ambiente um patrimônio incomensurável para a humanidade e principalmente para os brasileiros, o adestramento da tropa necessita simular a guerra em um cenário o mais verossímil possível da realidade. O Exército Brasileiro, presente em todo o território nacional, possui atualmente um papel de suma importância na preservação da riquíssima diversidade biológica existente nas áreas que se encontram sob a sua administração. Como exemplo na cidade do Recife, o Exército possui vários quartéis dentro de Unidades de Conservação Ambientais Municipais, previstas na Lei Estadual nº 16.176/96, em seu anexo 5, tais como: a Mata do Barro (4º Batalhão de Comunicações), a Mata do Círculo Militar e as Matas da Várzea/Curado (Comando Militar do Nordeste e Comando da 7ª Região Militar) (Brasil, 1996). Ao analisar o Decreto nº 14.273, de 28 de julho de 1920, percebe-se que apesar de ter como foco principal a criação do Campo de Instrução de Gericinó, localizado na cidade do Rio de Janeiro, o mesmo contava em seu texto dispositivos ligados à preservação ambiental em atividades militares de preparo e emprego da tropa, ou seja, mesmo antes de haver no Brasil uma legislação federal atinente à conservação ambiental, já havia uma consciência interna de que o terreno precisava ser preservado (Brasil, 1920). Em 1987, o CEP-FDC (Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias) – instituição de ensino do Exército Brasileiro que atua nas áreas de ensino, pesquisa, avaliação psicológica, preservação ambiental e histórica – apoiou a iniciativa da Associação de moradores do Leme e a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro no projeto de reflorestamento que abrangeu cerca de 4 hectares de área degradada. O reflorestamento ocorreu primeiramente no Morro do Leme, iniciado através do roçado do capim colonião e o 561

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

plantio de 4700 mudas de espécies nativas, frutíferas e de rápido crescimento. Com o sucesso da missão, foi criada, pelo Decreto Municipal nº 9.779, de 12 de novembro de 1990, a Área de Proteção Ambiental do Leme (APA/Leme). No ano seguinte – 1991 – o reflorestamento continuou por mais 12 hectares, com o plantio de 12.500 mudas, agora no Morro do Urubu e da Babilônia( Brasil, 2015). Essa preocupação ambiental da Instituição Castrense foi muito além dos limites territoriais brasileiros. A Seção de Meio Ambiente (SMA) da Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente realizou uma visita técnica ao Haiti, no período de 3 a 18 de julho de 2014, com o objetivo principal de fornecer subsídios para estudos ambientais e realizar o cadastramento sócio-econômico da população atingida pelo Projeto Brasileiro da Usina Hidrelétrica de Artibonite (Brasil, 2015). Deve ser considerado, ainda, a cooperação do Exército com os órgãos que cuidam da preservação ambiental, consignada na realização de acordos e convênios com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), polícias especializadas e diversos outros órgãos, para o fornecimento de apoio logístico nas atividades de fiscalização ambiental. Por fim, salienta-se que a Diretriz Estratégica de Gestão Ambiental do Exército, preconiza a busca da proteção do meio ambiente em cinco níveis da gestão ambiental: conscientização, prevenção, preservação, recuperação e prevenção (Brasil, 2001). Em uma análise das Instruções Reguladoras para o Sistema de Gestão Ambiental no Âmbito do Exército (IR 50–20), podemos abstrair resumidamente quatro atividades militares que possuem relação com o meio ambiente passíveis de degradá-lo quais sejam: as atividades de cooperação com os órgãos ambientais nacionais; as atividades administrativas, ligadas ao dia a dia da Instituição; as atividades militares de preparo e emprego das Forças Armadas; bem como as atividades subsidiárias, ligadas à execução de obras e serviços de engenharia (Brasil, 2011). Por se tratar de uma força nacional destinada à proteção do terreno, percebe-se que a maioria das atividades que norteiam a atenção do Exército para medidas mitigadoras de impactos ambientais, estão relacionadas ao gerenciamento de resíduos sólidos, tais como: coleta de lixo, empreendimentos de engenharia e construção, esgoto, descarte de resíduos, bem como aquelas relacionadas com o adestramento da tropa para missões reais. Nas Organizações Militares de Artilharia percebe-se que a realização de exercícios militares sem o devido planejamento e gerenciamento, como uso de munições e explosivos com grande capacidade de destruição, revelam efeitos devastadores da ação antrópica sobre o ambiente (Silva, 2011). A adequação dos exercícios a normas, como a NBR ISO 14001, e às diretrizes do Sistema de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (SiGAEB) são caminhos palpáveis, os quais, quando associados a uma eficiente gestão ambiental e preparação dos responsáveis sobre determinados exercícios e a participação de todos os agentes envolvidos, torna com que as ações realizadas em terreno, mesmo com o grande poder destrutivo de fogos de Artilharia ou dos resíduos provenientes daqueles, venham a minimizar possíveis impactos ambientais (Silva, 2011). Estas são algumas situações relacionadas à atuação do Exército Brasileiro que podem gerar impactos ao meio ambiente, haja vista que a simples interação do ser humano com o meio que o cerca pode ocasionar alterações ambientais, embora frisa-se a cautela sempre presente da Instituição Castrense com essas questões. Embora sem cunho específico de legislação ambiental, o Decreto nº 14.273, de 28 de julho de 1920, que dispunha sobre a criação do Campo de Instrução de Gericinó, localizado na cidade do Rio de Janeiro, já contemplava acentuada preocupação com a preservação ambiental em atividades militares de preparo e emprego da tropa. No entanto, foi com a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (Brasil, 2001), emitida por meio da Portaria nº 570, de 6 de novembro de 2001, publicada no Boletim do Exército nº 41, de 14 de outubro de 2011, que ocorreu a implementação de uma gestão ambiental nos empreendimentos e atividades do Exército, que se materializou por meio do SIGAEB (Sistema de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro). Com a evolução e atualização do SIGAEB, foram aprovadas, por meio da Portaria nº 562

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

001/DEC, de 26 de setembro de 2011, as Instruções Reguladoras para Gestão Ambiental do Exército (IR 50-20), que visam, dentre outros objetivos, compatibilizar as atividades e peculiaridades do Exército com a legislação ambiental brasileira (Brasil, 2011). A Portaria n° 050, emitida pelo Estado-Maior do Exército, de 11 de julho de 2003, devidamente publicada no Boletim do Exército nº 29, de 18 de julho de 2003, aprovou a orientação para a elaboração dos Planos Básicos de Gestão Ambiental, prevendo em seu item 5, os cuidados essenciais que devem ser tomados em relação ao meio ambiente, que estão abaixo relacionados: a. Compete a todos os Escalões de Comando, por ocasião da realização de atividades ou empreendimentos militares, adotar as medidas adequadas para a preservação do meio ambiente e para a sua recuperação, quando for o caso. b. Para determinadas atividades de adestramento da tropa, nas áreas de instrução, deverão ser avaliados os riscos de danos que estas poderão representar para o meio ambiente, com a finalidade de adotar medidas impeditivas ou mitigadoras do impacto ambiental, principalmente na implementação das seguintes ações: - corte de árvores em Áreas de Preservação Ambiental (APA);- caça a animais silvestres; - limpeza de campos de tiro;- realização de trabalhos de Organização do Terreno (OT); - realização de tiros de armas de qualquer calibre com munições que possam provocar incêndios ou outros danos ambientais;- controle da instrução de Guerra Química, Bacteriológica e Nuclear quanto ao uso adequado de artefatos bélicos lesivos ao meio ambiente e quanto ao seu grau de poluição;- uso de áreas para estacionamento de tropas; e - uso de cursos d’água.c. Nas atividades de rotina das Organizações Militares, deverá ser dado o destino ambientalmente adequado aos:- dejetos líquidos (óleos, lubrificantes, combustíveis, solventes, etc);- resíduos sólidos (lixo doméstico, lixo hospitalar, baterias e pilhas)- resíduos gasosos (controle e fiscalização do nível da emissão de gases das viaturas) (Brasil, 2003). Nos termos do Art. 7º, inciso XIV, alínea “f”, da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 Brasil (2011), são ações administrativas da União promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999 (Brasil,1999). As atividades de caráter militar referentes ao preparo e emprego das Forças Armadas estão previstas na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999 Brasil (1999), alterada pela Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004, abaixo colacionadas: Art. 13. Para o cumprimento da destinação constitucional das Forças Armadas, cabe aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica o preparo de seus órgãos operativos e de apoio, obedecidas as políticas estabelecidas pelo Ministro da Defesa. § 1º O preparo compreende, entre outras, as atividades permanentes de planejamento, organização e articulação, instrução e adestramento, desenvolvimento de doutrina e pesquisas específicas, inteligência e estruturação das Forças Armadas, de sua logística e mobilização. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) Art. 14. O preparo das Forças Armadas é orientado pelos seguintes parâmetros básicos: I - permanente eficiência operacional singular e nas diferentes modalidades de emprego interdependentes;II - procura da autonomia nacional crescente, mediante contínua nacionalização de seus meios, nela incluídas pesquisa e desenvolvimento e o fortalecimento da indústria nacional;III - correta utilização do potencial nacional, mediante mobilização criteriosamente planejada. Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:(…) (Brasil, 1999). Como visto, o licenciamento ambiental deve ser realizado pela autarquia federal competente nos empreendimentos de caráter militar, salvo aqueles relacionados com o preparo e 563

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

emprego da tropa, tais como atividades permanentes de planejamento, organização e articulação, instrução e adestramento, desenvolvimento de doutrina e pesquisas específicas, inteligência e estruturação das Forças Armadas, de sua logística e mobilização, bem como no emprego da tropa em operações de paz e garantia da lei e da ordem. É nesse contexto que vem ganhando importância dentro da força a utilização da Conformidade Ambiental Militar, que visa, dentre outros motivos, alertar o Exército sobre a possível ocorrência de impactos ambientais, bem como garantir que a legislação ambiental seja sempre cumprida. De acordo com o Glossário de termos ambientais, contido nas Instruções Reguladoras para o Sistema de Gestão Ambiental no Âmbito do Exército (IR 50 – 20), previsto no Anexo A, da Portaria nº 001-DEC, de 26 de setembro de 2011, a não-conformidade consiste no nãoatendimento de um requisito legal ambiental, requisito do SIGAEB, requisito estabelecido em documentação do SIGAEB ou reclamação de partes interessadas ou ocorrências ambientais (acidentes/incidentes) (Brasil, 2011). Utilizando-se do conceito acima, podemos dizer que a Conformidade Ambiental Militar pretende minimizar a incidência de não conformidades, apontando soluções para aquelas que por ventura forem verificadas, em consonância com a legislação ambiental. Insta salientar que, para a consecução deste fim, os estudos ambientais deverão envolver especialistas no caso em análise, que poderão pertencer tanto ao quadro interno da força, como profissionais civis, convidados a trabalhar em colaboração e cooperação com o Exército Brasileiro. Segundo Carvalho (2014) além de garantir as condições adequadas necessárias para o cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas, favorecer a segurança e soberania nacionais e eliminar custos inerentes ao processo de licenciamento ambiental ordinário, a CAM também elimina os custos de interrupção do planejamento e da execução dos empreendimentos e atividades de caráter militar, causados, normalmente, por dificuldades de análise dos processos conduzidos pelo órgão ambiental competente da União, em decorrência de razões variadas, tais como greves, falta de técnicos e excesso de empreendimentos/atividades a serem licenciados. No entanto, por ser um procedimento novo, a Conformidade Ambiental Militar ainda se encontra em um processo de aperfeiçoamento, conforme as experiências vivenciadas nos casos concretos, avanços legais e tecnológicos. Desse modo, o DEC/DPIMA (Departamento de Engenharia e Construção/ Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente), idealizadores da CAM, encontram-se suscetíveis para recebimento de ideias visando o aprimoramento deste procedimento e, quem sabe, uma futura aprovação nacional. O questionário foi aplicado em 50 militares, que possibilitaram as seguintes conclusões: 1) 59,5% sabe o que significa a Conformidade Ambiental Militar e a grande maioria tomou conhecimento do assunto por meio de leitura e questionamentos no setor jurídico ou patrimonial da Organização Militar. 2) Percebeu-se que 89% dos militares que trabalham em atividades ligadas `a parte jurídica e à engenharia de construção têm conhecimento do assunto, principalmente quando existem obras próximas a unidades de conservação ambiental. 3)Percebeu-se que 59% acreditam que o Exército brasileiro possui condições estruturais e técnicas para realizarem a CAM, entretanto, há necessidade de capacitar recursos humanos ou convocar militares especialistas para executar tal atividade. 4) 81% acredita ser importante que o Exército emita a sua conformidade ambiental, pois a dependência de outros órgãos para a realização da licença ambiental retarda a velocidade e liberação para as construções. 5) 88% acreditam que as ações implementadas pelo plano de gestão ambiental do Exército são importantes e influenciam na proteção do meio ambiente, projetando positivamente a imagem da instituição junto à sociedade. Durante a pesquisa descritiva, foi feita uma visita à seção de Meio Ambiente do 1º Grupamento de Engenharia e Construção (1º Gpt E), localizado em João Pessoa/PE, sendo constatada a existência de um documento elaborado pelo Departamento de Engenharia e Construção (DEC) que traz orientações de como realizar a Conformidade Ambiental Militar, tendo como fundamento principal a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, e tendo como finalidade precípua a harmonização da necessidade da permanente eficiência 564

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

operacional singular e nas diferentes modalidades de emprego interdependentes das Forças Armadas com a proteção ambiental adequada dos empreendimentos e atividades de caráter militar. No citado documento, em seu anexo 2, consta um modelo de relatório técnico de análise ambiental de empreendimento /atividade de caráter militar Brasil (2013), composto de 8 (oito) partes, quais sejam: identificação do projeto, fundamentação da análise, documentos apresentados/analisados, informações do PDOM, estudo ambiental, verificação ambiental do projeto de arquitetura e engenharia, verificação ambiental das especificações técnicas/memorial descritivo/edital, recomendações e conclusão. Face ao detalhamento do citado relatório, vislumbra-se que o preenchimento do mesmo por militares especializados em meio ambiente garantirá uma boa análise do caso concreto e, consequentemente, a prevenção contra impactos ambientais. Observou-se ainda, que para realizar a conformidade ambiental militar de empreendimentos ou áreas sob a sua tutela, o Exército utiliza o amparo enquadrado no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme dispõe o art. 13, §1º da Lei Complementar nº 97, de 9 de julho de 1999. 4. Conclusões Diante da análise realizada ao longo deste trabalho, conclui-se que a Conformidade Ambiental Militar revela-se bastante proveitosa para a instituição militar e para a sociedade como um todo, ao paço que auxilia na preservação de áreas de considerável importância no que tange à biodiversidade da fauna e da flora nacional, garantindo os níveis de segurança necessária e compatível com as atividades das Forças Armadas, bem como diminuindo custos na elaboração dos relatórios, tendo em vista que utiliza os profissionais de seus quadros em sua elaboração, além de evitar atrasos em obras de engenharia, ocasionados na maioria das vezes pela grande demanda nacional de análises submetidas aos órgãos governamentais de fiscalização ambiental. No entanto, faz-se necessário a divulgação do assunto dentro da força, visando o conhecimento geral e o aprimoramento dos procedimentos, cujo pontapé inicial será a capacitação técnica de mais militares para a realização da Conformidade Ambiental Militar. Verificou-se, também, a necessidade de se obter o aval do Poder Executivo, a fim de regulamentar a alínea f, do art. 7º da Lei Complementar nº 140/2011, dando explicitamente poderes às Forças Armadas para licenciar ambientalmente suas atividades e empreendimentos militares voltados à sua missão constitucional e, assim, evitando impasses de conflito de competência entre o Exército e os órgãos de fiscalização do meio ambiente.

Referências Brasil. 2010. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal. Brasil. 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Lei nº 6.938. Brasil. 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Lei nº 12.305. Brasil. 1920. Aprova o regulamento para o Campo de Instrução de Gericinó. Rio de Janeiro. Decreto nº 14.273. Brasil. 1999. Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Lei Complementar nº 97. 565

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Brasil. 2004. que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para estabelecer novas atribuições subsidiárias. Lei Complementar nº 117. Brasil.2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; Lei Complementar nº 140. Brasil,1996. Estabelece a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife. Lei Estadual nº 16.176. Brasil. 2001. Aprova a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro. Portaria nº 570. do Comandante do Exército. Brasil.2001. Aprova a Diretriz Estratégica de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro. Portaria nº 571 do Comandante do Exército. Brasil. 2003. Aprova a Orientação para a Elaboração dos Planos Básicos de Gestão Ambiental. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Portaria nº 050. Brasil. 2007. Determina a atualização do Sistema de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro. Boletim do Exército Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Portaria nº 934 do Comandante do Exército. Brasil. 2008. Aprova as Instruções Gerais para o Sistema de Gestão Ambiental no Âmbito do Exército (IG 20-10) e dá outras providências. Portaria nº 386 do Comandante do Exército. Brasil.2013 Determinou a alteração da denominação da Diretoria de Patrimônio (D Patr), que passou a se chamar Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente. Portaria nº 142 do Comandante do Exército. Brasil. 2011. Departamento de Engenharia e Construção. IR 50-20: Instruções Reguladoras para Gestão Ambiental no âmbito do Exército. Brasil.2015. O Exército e o Meio Ambiente. Disponível em: http://www.eb.mil.br/meioambiente/-/asset_publisher/hu1BR1cYgivC/content/noticias. Acesso em 27 maio 2015. Calijuri, M. C. et all.,2013. Engenharia Ambiental: conceitos, tecnologia e gestão. Rio de Janeiro: Elsevier. Carvalho, A. M., A., 2014 competência do Exército Brasileiro em realizar o licenciamento ambiental de suas atividades e empreendimentos militares voltados à sua missão constitucional de preparo e emprego das Forças Armadas. Monografia (Pós-graduação lato sensu). Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

566

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Cervo,A.L.,Bervian,P.A.1983. Metodologia Científica. Editora McGraw-Hill do Brasil.São Paulo. Freitas, C. F. S.,2014. Ilegalidade e degradação em Fortaleza: os riscos do conflito entre a agenda urbana e ambiental brasileira. urbe, Revista Brasileira de Gestão Urbana, Curitiba, v. 6, n. 1. Kelsen, H., 2002. Teoria Pura do Direito: Introdução à problemática científica do Direito. 2ª Edição . São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. Rampazzo, L, 2011. Metodologia Científica.Edições Loyola. São Paulo. Silva, J. A., 2010. Direito ambiental constitucional. 8. ed. atual. São Paulo: Malheiros. Silva, R. G. Z.,2011. A Gestão ambiental em exercícios de Artilharia: o gerenciamento e a minimização dos impactos ambientais decorrentes de exercícios de Artilharia. VIII Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.

567

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

VALORES E COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL: UM ESTUDO COM ESTUDANTES DE ADMINISTRAÇÃO CATARINENSES

Priscila Keller Pires¹, Graziela Dias Alperstedt², Karina Mateus dos Santos Faraco³ ¹ UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected] ² UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected] ³ UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected]

A disseminação da noção de desenvolvimento sustentável intensificou a discussão a respeito das fragilidades do modelo de desenvolvimento econômico vigente pautado na produção e consumo em massa. Sabendo que a atual sociedade é uma sociedade de organizações (PRESTHUS, 1962), torna-se natural a interrogação a respeito do papel das instituições na busca de um mundo mais sustentável. No entanto, o caminho de mudança para organizações mais sustentáveis se inicia a partir da conscientização na dimensão individual, pois sendo a atividade humana a engrenagem de funcionamento de todas as organizações, a responsabilidade por uma atividade sustentável por parte das empresas está intimamente atrelada aos profissionais responsáveis pela tomada de decisão. Ferdig (2009) denomina os tomadores de decisão e gestores engajados em uma sociedade mais sustentável como líderes sustentáveis. Nesse sentido, um líder sustentável seria aquele que está engajado no processo de criação de mudanças transformadoras junto aos outros, voltado para um futuro economicamente, ambientalmente e socialmente sustentável. No entanto, um comportamento sustentável, assim como qualquer outro comportamento humano, engloba um conjunto complexo de fatores psicológicos, internos e externos. Sabendo disto este estudo parte da Teoria de Valores Universais (TVU) de Schwartz (1992; 1994; 2012) corroborando com o entendimento de que os valores são os influenciadores mais estáveis e centrais do comportamento individual. Uma vez que a transformação da realidade atual depende de uma mudança de comportamento e que esses comportamentos estão relacionados aos valores individuais, esta pesquisa considera premente identificar quais são os valores dos futuros líderes que irão assumir as organizações no futuro, partindo do questionamento: quais os valores individuais dos estudantes de Administração Catarinenses? E, estão estes relacionados a predisposição a um comportamento mais sustentável? Com este objetivo esta pesquisa de método quantitativo utilizou o questionário PVQ5 (Portrait Value Questionarie) como instrumento de medida para analisar os dezenove tipos motivacionais da TVU de Schwartz (1992; 1994; 2012). Para a análise dos dados inicialmente foi adotada a Análise Fatorial Exploratória (EFA) e, a partir desta, a Análise Fatorial Confirmatória (CFA) uma aplicação de Modelagem de equação Estrutural (SEM) e de Escalonamento multidimensional (MDS) para a identificação da estrutura de valores dos estudantes. A identificação da dinâmica entre os tipos motivacionais e a significância dos valores relacionados a sustentabilidade foram analisadas com o intuito de verificarmos a predisposição ao comportamento sustentável destas futuras lideranças. Acredita-se que mediante a influência de líderes e gestores com comportamento sustentável haja um movimento na direção de uma cultura organizacional mais sustentável. Assim, o desafio dos novos líderes será o de alcançar resultados tanto para a organização como para a comunidade a partir da disseminação de uma maior consciência ambiental e social (CALDEIRA; SIQUEIRA, 2009). Distanciando as organizações do chamado “business as usual”, transformando a forma tradicional de realizar negócios para que os novos Objetivos da Sustentabilidade sejam atingidos (NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL, 2015).

568

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Palavras-chave: Sustentabilidade; Valores individuais; Liderança Sustentável; Valores sustentáveis. Referências Resumo CALDEIRA, A. SIQUEIRA, M. M. de. Competitividade e desenvolvimento sustentável na visão de gestores. E&G - Revista Economia e Gestão. v. 09, n. 21, set./dez. 2009. FERDIG, M. A. Sustainability leadership relacional model and practices. Sustainability Leadership Institute, 2009. NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. ONU: Países chegam a acordo sobre nova agenda de desenvolvimento pós-2015. Disponível em: . Acesso em 24 de setembro de 2015. PRESTHUS, R. J. The Organizational Society, 1962. SCHWARTZ. Are these universal aspects in the structure and contents of human values? Journal of Social Issues, v. 50, n. 4, p. 19-45, 1994. SCHWARTZ. Universals in the content an structure of values: theoretical advances and empirical tests in 20 countries. Advances in Experimental Social Psychology, v. 25, 1992. SCHWARTZ, S. H. et al. Refining Basic Values Theory. Journal of Personality and Social Psychology, jan., p. 663-688, 2012.

569

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O papel do Direito em prol do desenvolvimento sustentável brasileiro: contratações públicas sustentáveis Teresa Villac1, Sylmara Lopes Francelino Gonçalves-Dias1, Juarez Freitas 2, Maria Cecília Loschiavo dos Santos1 1

Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental. Universidade de São Paulo. [email protected]; [email protected]; [email protected] 2

Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. [email protected] Resumo O estudo apresenta as contratações públicas brasileiras sustentáveis como instrumento jurídico em prol do desenvolvimento sustentável, sistematizando os marcos normativos brasileiros sobre o tema e trata de relacioná-los com a presença das dimensões social, ética, ambiental, econômica e jurídico-política da sustentabilidade. O objetivo central da pesquisa é fazer o escrutínio da legislação brasileira sobre o tema, a partir da consideração da sustentabilidade como valor constitucional. Nesse quadro multifacetado, as contratações públicas sustentáveis brasileiras são vistas como aquelas que utilizam o poder estatal para induzir modos de produção e de consumo com menores impactos ambientais, reduzir desigualdades sociais e regionais, possibilitar a inserção de novos fornecedores (entre outros, microempresas, empresas de pequeno porte, cooperativas, agricultura familiar, produtor rural pessoa física, indígenas, quilombolas) e a inclusão de atores marginalizados socialmente na gestão dos resíduos decorrentes das contratações públicas (v.g.: cooperativas de catadores). O tema se reveste de relevância crecente no sistema brasileiro, justificando o levantamento de informações e o mapeamento das contratações públicas sustentáveis por seus marcos normativos e análise crítica de seu conteúdo sob o prisma da sustentabilidade. Optou-se, assim, por abordagem exploratória, com levantamento de dados secundários: legislação, normas infralegais federais e relatórios governamentais. A pesquisa foi conclusiva pela predominância normativa das dimensões ambiental, social e econômica da sustentabilidade nas contratações públicas brasileiras, com ênfase adicional à dimensão ética nas últimas normas, mormente em 2015. A pesquisa indicou, ainda, que as alterações legislativas acarretam a necessidade de mudanças do conceito jurídico de contratação pública classicamente utilizado pelo direito administrativo nacional, pois esta não pode mais ser compreendida sem a incorporação cogente dos critérios da sustentabilidade, em seus desobramentos multidimensionais. É realçado, por derradeiro, o papel-chave do Direito como propulsor de novas realidades produtivas e de consumo, em prol do desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: Sustentabilidade, Contratações públicas brasileiras, aspectos jurídicos 1. Introdução O estudo apresenta as contratações públicas brasileiras como instrumento jurídicoinstitucional de propulsão indutora do desenvolvimento sustentável, sistematizando os marcos normativos sobre o tema e relacionando-os com a presença ou ausência das dimensões social, ética, ambiental, econômica e jurídico-política da sustentabilidade, à luz da teoria de Freitas (2012). O objetivo da pesquisa é fazer análise crítica da legislação brasileira sobre contratações públicas sustentáveis a partir da consideração da sustentabilidade como valor e princípio constitucional. As contratações públicas sustentáveis brasileiras são aquelas que utilizam o poder de compra estatal para gerar os menores impactos ambientais, reduzir desigualdades sociais e 570

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

regionais, incentivar novos fornecedores estatais (tais como microempresas, empresas de pequeno porte, cooperativas, agricultura familiar, produtores rurais pessoa física, indígenas e quilombolas) e a participação de atores ora marginalizados socialmente, tais como os catadores de materiais recicláveis, na destinação dos resíduos decorrentes das contratações governamentais. As contratações públicas sustentáveis alcançaram proeminência internacional a partir da Rio 92, tendo constado da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992): Princípio 8 Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas. A Agenda 21 Global (1992), em seu Capítulo 4 – Mudanças dos Padrões de Consumo, também abordou as contratações públicas sustentáveis. No que se refere, inicialmente, aos padrões insustentáveis de produção e consumo, constam previsões expressas: Base para ação 4.5 Especial atenção deve ser dedicada à demanda de recursos naturais gerada pelo consumo insustentável, bem como ao uso eficiente desses recursos, coerentemente com o objetivo de reduzir ao mínimo o esgotamento desses recursos e de reduzir a poluição (...). Objetivos 4.7 É preciso adotar medidas que atendam aos seguintes objetivos amplos: (R) Promover padrões de consumo e produção que reduzam as pressões ambientais e atendam às necessidades básicas da humanidade; (b) Desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se implementar padrões de consumo mais sustentáveis. Atividades 4.8 Em princípio, os países devem orientar-se pelos seguintes objetivos básicos em seus esforços para tratar da questão do consumo e dos estilos de vida no contexto de meio ambiente e desenvolvimento: (R) Todos os países devem empenhar-se na promoção de padrões sustentáveis de consumo; (b) Os países desenvolvidos devem assumir a liderança na obtenção de padrões sustentáveis de consumo; (c) Em seu processo de desenvolvimento, os países em desenvolvimento devem procurar atingir padrões sustentáveis de consumo, garantindo o atendimento das necessidades básicas dos pobres e, ao mesmo tempo, evitando padrões insustentáveis, especialmente os dos países industrializados, geralmente considerados especialmente nocivos ao meio ambiente, ineficazes e dispendiosos. Isso exige um reforço do apoio tecnológico e de outras formas de assistência por parte dos países industrializados. Com relação às políticas e estratégias nacionais para mudar os padrões insustentáveis de consumo, há referência expressa ao exercício do uso poder de compra do Estado para imprimir mudanças no mercado fornecedor: Atividades

571

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

4.22 Além disso, os governos também devem estimular o surgimento de um público consumidor informado e auxiliar indivíduos e famílias a fazer opções ambientalmente informadas das seguintes maneiras: (...) (d) Exercício da liderança por meio das aquisições pelos Governos 4.23 Os próprios governos também desempenham um papel no consumo, especialmente nos países onde o setor público ocupa uma posição preponderante na economia, podendo exercer considerável influência tanto sobre as decisões empresariais como sobre as opiniões do público. Consequentemente, esses governos devem examinar as políticas de aquisição de suas agências e departamentos de modo a aperfeiçoar, sempre que possível, o aspecto ecológico de suas políticas de aquisição, sem prejuízo dos princípios do comércio internacional [...]. O Plano de Implementação da Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável (2002) dispôs sobre a utilização das aquisições públicas como mecanismo de alteração dos padrões insustentáveis de consumo. 18. Incentivar as autoridades competentes de todos os níveis para que levem em consideração as questões do desenvolvimento sustentável na tomada de decisões, inclusive no planejamento do desenvolvimento nacional e local, os investimentos em infra-estrutura, desenvolvimento empresarial e aquisições públicas. Isto inclui a adoção de medidas, em todos os níveis, para: a) Prestar apoio ao desenvolvimento de estratégias e programas de desenvolvimento sustentável, incluindo a tomada de decisões sobre os investimentos em infra-estrutura e desenvolvimento comercial; [...] c) Promover as políticas de aquisição pública que incentivem o desenvolvimento e a difusão de bens e serviços racionais desde o ponto de vista ambiental; [...]. O Processo de Marrakesh teve início em 2003 e seu objetivo foi a busca de maior efetividade em políticas nacionais voltadas às contratações públicas sustentáveis. Constituiu-se uma Força Tarefa sendo que, pela visão integrada de processo, a presente pesquisa adota a definição da UNEP (2011): “As contrações sustentáveis são um processo, onde as organizações atendem suas necessidades para produtos, serviços, obras e serviços públicos de uma maneira que atinge uma boa relação de custo-benefício em uma base de longo prazo, em termos de geração de benefícios não apenas para a organização, mas também para a sociedade e para a economia, enquanto minimiza os danos para o ambiente”. Na Rio +20 consignou-se: I - Nossa visão comum 4. Reconhecemos que a erradicação da pobreza, a mudança insustentável e promover padrões sustentáveis de consumo e produção e protecção e gestão a base de recursos naturais do desenvolvimento econômico e social são os primordiais objetivos e requisitos essenciais para o desenvolvimento sustentável. A Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (2015) estabeleceu como um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) o Consumo Responsável, que objetiva assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis (Objetivo 12 – Agenda 2030). Neste sentido: “12.7 Promover práticas de compras públicas sustentáveis, de acordo com as políticas e prioridades nacionais.

572

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

No Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016), a participação da despesa de consumo das administrações públicas correspondeu, em 2014, a 20,2% do Produto Interno Bruto (PIB), indicativo do grande potencial de indução e de transformação do mercado fornecedor, seja mediante aquisições públicas, seja na prestação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra que estejam alinhados com a dimensão social da sustentabilidade e o regular cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, seja em obras e serviços de engenharia que utilizem recursos e tecnologias que economizem água ou energia elétrica. O tema é recente no âmbito jurídico brasileiro, os marcos institucionais, inicialmente esparsos, intensificaram-se apenas nos últimos seis anos e ainda não há ampla literatura sobre o assunto, justificando pesquisa que proceda ao mapeamento do objeto contratações públicas sustentáveis por seus marcos normativos, com a análise crítica do seu conteúdo sob a perspectiva da sustentabilidade como valor de envergadura constitucional (FREITAS, 2012). 2. Métodos Trata-se de estudo exploratório (VASCONCELOS, 2007), escolhido em razão da pouca sistematização sobre o tema contratações públicas sustentáveis no Brasil. A pesquisa é qualitativa (STRAUSS, CORBIN, 2008), utilizando dados secundários e seguidos os procedimentos para organização, conceituação e categorização, no que Strauss e Corbin (2008) denominam de codificação. Por fim, efetuou-se exame crítico sob a perspectiva da presença ou ausência das dimensões da sustentabilidade social, ética, ambiental, econômica e jurídico-política, com fundamento na teoria da sustentabilidade como valor constitucional (FREITAS, 2012). O período analisado foi de junho de 1993 até outubro 2015, considerando como marco inicial a atual Lei de Licitações Brasileira (Lei 8.666, 1993) e o marco final a última norma sobre o tema até o momento de elaboração da pesquisa (Decreto 8.541, 2015). 2.1. Coleta de dados, técnica de análise documental e limitações metodológicas Na coleta de dados, foram utilizadas duas fontes de evidência: a) marcos institucionais (leis, decretos e normas infra-legais) e b) documentos de fontes governamentais (relatórios, manuais e informações constantes de sites do Governo Federal Brasileiro). Escolheu-se a técnica de análise de documentos porque o instrumento jurídico no Brasil que estabelece regramentos sobre contratações públicas sustentáveis é composto pela legislação e por atos normativos infralegais. Sem prejuízo disso, além das leis, outras fontes oficiais de dados são relatórios, manuais e informações governamentais, que possibilitam maior compreensão do objeto estudado por serem o registro institucional de memória coletiva (POLLAK, 1992), a par de permitirem o acesso oblíquo a ocorrências que não se observaram ou assistiram (CALADO e FERREIRA, 2005). As limitações metodológicas referem-se ao acesso ter sido a apenas dados oficiais, não cotejados com outras fontes secundárias e primárias, o que poderia enriquecer o debate e a análise, noutro momento. Considerando, contudo, tratar-se de estudo exploratório, componente de pesquisa de maior espectro em andamento, presentemente o seu objeto merece restar bem circunscrito à apresentação dos marcos normativos brasileiros sobre contratações públicas sustentáveis e sua relação com as dimensões da sustentabilidade (FREITAS, 2012). A análise documental (CALADO e FERREIRA, 2005) atende, pois, perfeitamente ao escopo do presente estudo. 3. Referencial teórico: sustentabilidade como valor e princípio constitucional O referencial teórico para a análise da legislação brasileira sobre contratações públicas sustentáveis é a teoria de Freitas (2012) referente à sustentabilidade como valor e princípio 573

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

constitucional, com as suas dimensões entrelaçadas: social, ética, ambiental, econômica e jurídico-política. 3.1. Considerações preliminares No Direito brasileiro, a literatura ainda é esparsa no que se refere propriamente ao tema sustentabilidade e a sua abordagem na perspectiva jurídico-filosófica foi introduzida, de modo sistemático, por FREITAS (2012). A literatura, entretanto, é consistente no que tocante às configurações e aos princípios gerais do Direito Ambiental (SARLET, FENSTERSEIFER, 2013; MACHADO, 2009; ANTUNES, 2008; OLIVEIRA, 2009; CANOTILHO, LEITE, 2008) e há abalizado espectro de publicações em temas específicos, como licenciamento (BECHARA, 2009) compensação ambiental (MACIEL, 2012), pagamento por serviços ambientais (NUSDEO, 2012) responsabilidade penal (SIRVINSKAS, 2011; PRADO, 1998) responsabilidade civil (LEMOS, 2011), aspectos hídricos (D’ISEP, 2010) e resíduos (PHILLIPPI JR, 2012). Neste aspecto, registre-se que o campo do Direito Ambiental possui juventude no Brasil comparativamente com outros ramos jurídicos, e tem sido necessário autêntico processo de construção doutrinária para o seu fortalecimento e reconhecimento como ramo autônomo do Direito. A pouca literatura jurídica específica sobre sustentabilidade guarda relação, ao que tudo indica, com o fato de que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira Carta brasileira a tratar o tema do meio ambiente em tópico próprio. Em acréscimo, a adjetivação “sustentável” para o desenvolvimento também é recente no cenário internacional, tendo ocorrido em 1972, no Relatório The Limits to Growth - elaborado para o Clube de Roma (VEIGA, 2015), convindo registrar que a consideração do desenvolvimento sustentável como um direito humano deu-se somente em 1986, por Resolução da ONU (VEIGA, 2016) com maior propagação graças ao famoso Relatório Brundtland, de 1987. De fato, foi a Resolução 41/128, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 04 de dezembro de 1986, que reconheceu no âmbito do direito internacional público o desenvolvimento sustentável como um direito humano (TRINDADE, 2000, PIOVESAN, 2008), universal e indivisível, o qual se mostra interdependente com outros direitos humanos (Declaração de Viena, 1993 Conferência Mundial sobre Direitos Humanos), como vem a ser o direito ao meio ambiente sadio previsto no Protocolo de San Salvador, ratificado pelo Brasil em 21 de agosto de 1996 (VILLAC, 2015). Levantamento apontou que já existe literatura nacional consistente de Direito Ambiental na perspectiva interdisciplinar (OLIVEIRA, SAMPAIO, 2012; MILARÉ, 2011; PHILLIPPI JR, ALVES, 2011; BENJAMIN, FIGUEIREDO, 2011; SARLET, 2010; FARIAS, COUTINHO, 2010; PIOVESAN, SOARES, 2010; RIOS, IRIGARAY, 2005; KISHI et al, 2005), o que deve ser reconhecido como ponto muito positivo, pois é o lastro para estudos na perspectiva da Ciência Pós-Normal (FUNTOWICZ, RAVETZ, 1993; FUNTOWICZ 1997), que contempla as complexidades dos contextos socioambientais contemporâneos e acolhe a demanda dialógica a ser enfrentada (GIATTI, 2015). No âmbito da literatura jus-filosófica brasileira, os estudos desenvolvidos por Freitas (2012) incorporam a sustentabilidade como valor e princípio constitucional, na condição de balizadores dos modos de pensar e gerir o destino comum em horizonte intergeracional, trazendo para o âmbito da reflexão jurídica um tema descortinado em outras áreas do conhecimento cientifico. A relevância da inserção na literatura jurídica da sustentabilidade, explorando este objeto de estudo substancialmente de per si, é robustecida ao se reconhecer que, nos países de origem ibérica, o legalismo é condição essencial da cultura (SARAVIA, 2006) e que o ordenamento jurídico brasileiro centra-se na necessidade de positivação expressa. Assim, há uma força normativa adicional, por assim dizer, nas relações socialmente regradas, sem embargo de as forças do corpo social também influenciarem no desenvolvimento dos processos de interpretação e de implementação, eis que “se o direito pretende organizar e orientar a vida social, esta é um elemento substantivo na formulação da regra jurídica.” 574

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

(idem, 2006, p. 22). A abordagem jurídica da temática sustentabilidade trazida por Freitas, com a ideia de que esta traz em seu âmago valores, como difundido em literatura não jurídica (VEIGA, 2010, 2015; SACHS, 2008, PELIZZOLI, 2004), bem como, com a apresentação do status constitucional que os valores ocupam e como se articulam no ordenamento, é passo importante para que se possa prosseguir no estreitamento das relações interdisciplinares entre direito, política e gestão pública, economia e filosofia. Sua articulação com a literatura não jurídica sobre sustentabilidade tem o condão de favorecer o aprofundamento do debate interdisciplinar em temas complexos, como sustentabilidade socioambiental e democracia participativa (GIASENELLA, JACOBI, 2011), consumo e resíduos (GONÇALVES-DIAS, 2009a, 2009b), aspectos sociais da gestão de resíduos por catadores de materiais recicláveis (TEODÓSIO et al, 2013) e éticos decorrentes da exclusão e dignificação dos aludidos catadores (SANTOS, 2008, 2014). A sustentabilidade como valor e princípio constitucional tem conteúdo diretivo a condicionar e moldar o desenvolvimento e é multidimensional por envolver diversas dimensões: social, ética, ambiental, econômica e jurídico-política (FREITAS, 2012). Conforme a teoria de Freitas, a internalização da sustentabilidade como valor e princípio constitucional tem o seu fundamento no preâmbulo da Constituição Federal (1988), no qual o desenvolvimento aparece como um dos “valores supremos” da sociedade brasileira, assim como a liberdade, segurança, bem-estar, igualdade e justiça. Ao perquirir sobre qual desenvolvimento refere-se o texto constitucional, o encaminhamento interpretativo do autor remete aos “objetivos fundamentais” da República Federativa do Brasil, constantes do artigo 3o, II: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Integrando-se a este quadro de objetivos, o conteúdo prescritivo encapsulado no artigo 225 da CF, verifica-se que o desenvolvimento constitucionalmente pretendido só pode ser aquele que propicia o bem-estar das gerações presentes e futuras, com pleno resguardo do meio ambiente saudável como bem de uso comum do povo. Assimilada nesses moldes, a sustentabilidade remete à realização, em bloco, dos objetivos fundamentais da República. Nessa medida, o valor da sustentabilidade recomenda, como critério de avaliação das políticas públicas e privadas, a redução das desigualdades sociais e regionais, a proteção da dignidade humana e dos serem vivos em geral, assim como a intervenção reguladora contra regressivismos desequilibradores do sistema ecológico, por mais arraigados que estejam nos cérebros oligárquicos dominantes. (FREITAS, 2012, p. 110) Há outros dispositivos constitucionais que reforçam a ideia de que o desenvolvimento determinado pela Constituição Federal incorporou o valor sustentabilidade, ainda que o desenvolvimento sustentável não tenha sido objeto de grande destaque, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quiçá porque o próprio Relatório Brundlandt, como assinalado, seja do ano anterior. Como quer que seja, os motivos para essa não difusão do tema estão sendo aprofundados em estudo em andamento por Villac, aqui destacando-se que se referem: a) ao percurso histórico dos temas desenvolvimento sustentável e contratações públicas sustentáveis no âmbito do direito internacional público, b) a relevância simbólica dada à Constituição Federal de 1988 ter sido a de marco de redemocratização nacional, com primazia política sobre outras funções, naquele momento e c) o modelo de desenvolvimento adotado pelo Governo Brasileiro, nas décadas posteriores, ainda enfatizou o crescimento econômico, medido quase que exclusivamente pelo PIB. Ao apontar a inserção jurídica e constitucional do valor sustentabilidade desenvolvimento, destaca Freitas (2012) os seguintes conteúdos constitucionais:

no

575

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

a) A defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação, é um dos princípios da ordem econômica: ”A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI. Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (artigo 170, VI, por redação introduzida na Constituição pela Emenda Constitucional n. 42, de 2003. A redação original era: “defesa do meio ambiente) b) O desenvolvimento nacional deve ser equilibrado e sua diretrizes e bases advém da lei, ao tratar a Carta do papel regulatório do Estado: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento” (artigo 174, parágrafo primeiro). c) O próprio sistema financeiro precisa promover o desenvolvimento equilibrado e servir aos interesses da coletividade: “O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.(Artigo 192) d) A Carta explicita a teleologia do pleno desenvolvimento da pessoa: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Artigo 205) e) O desenvolvimento socioeconômico tem de estar endereçado ao bem-estar, “lato sensu” não apenas aos objetivos mercadológicos, em si: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bemestar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.” (artigo 219) 3.2. Dimensão social da sustentabilidade A dimensão social da sustentabilidade abrange os direitos fundamentais sociais e requer, conforme Freitas (2012): “a) o incremento da equidade intra e intergeracional; b) condições propícias ao florescimento virtuoso das potencialidades humanas, com educação de qualidade para o convívio e c) por último, mas não menos importante, o engajamento na causa do desenvolvimento que perdura e faz a sociedade mais apta a sobreviver, a longo prazo, com dignidade e respeito à dignidade dos demais seres vivos” (idem, p. 60).

576

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3.3. Dimensão ética A dimensão ética considera a solidariedade e a cooperação, sem afastar um aspecto racional, que se traduz em um “dever ético racional de expandir as liberdades e dignidades” (FREITAS, 2012, p. 61), atentando-se duplamente para que se alcance o bem-estar íntimo e o social. Isto se verifica, por exemplo, via utilização proba dos contratos públicos como estratégia, eficiente e eficaz, de universalização do bem-estar das gerações presentes e futuras. Em termos jurídicos, a passagem do campo das ideias para o das politicas públicas tem como mecanismos de operacionalização os princípios da precaução, da prevenção, bem como da equidade e da solidariedade intergeracional. Tal dimensão ostenta como pressupostos: “a) a ligação de todos os seres acima do antropocentrismo estrito, b) o impacto retroalimentador das ações e das omissões, c) a exigência da universalização concreta, tópico-sistemática do bem-estar e d) o engajamento numa causa que, sem negar a dignidade humana, proclama e admite a dignidade dos seres vivos em geral” (idem, p. 63). 3.4. Dimensão ambiental A dimensão ambiental da sustentabilidade engloba o direito ao ambiente sadio para as gerações atuais e futuras, demandando reorientação comportamental, responsabilização humana pelas ações degradantes, considerando que: “a) não pode haver qualidade de vida e longevidade digna em ambiente degradado e, que é mais importante, no limite, b) não pode sequer haver vida humana sem o zeloso resguardo da sustentabilidade ambiental em tempo útil, donde se segue que c) ou se protege a qualidade ambiental ou, simplesmente, não haverá futuro para nossa espécie.” (FREITAS, 2012, p. 65). 3.5. Dimensão econômica A dimensão econômica implica a ponderação entre eficiência e equidade, entre economicidade e consequências de longo prazo, trazendo reflexões sobre o modelo de economia. Freitas (2012) apresenta a dimensão para que: “a) a sustentabilidade lide adequadamente com custos e benefícios, diretos e indiretos, assim como o “trade-off” entre eficiência e equidade intra e intergeracional; b) a economicidade (princípio encapsulado no artigo 70 da Constituição Federal experimente o significado de combate ao desperdício “lato sensu” e c) a regulação do mercado aconteça de sorte a permitir que a eficiência guarde real subordinação à eficácia”. 3.6. Dimensão jurídico-política A dimensão jurídico-política refere-se à eficácia direta e imediata da tutela jurídica do direito ao futuro, não dependendo de regulamentação. É a configuração da sustentabilidade como um princípio jurídico, inserindo no campo da normatividade (e com consequências na definição e priorização de políticas públicas, bem como na seara da interpretação), tema antes afeto a outros campos do conhecimento. A sustentabilidade “deixa de ser um slogan para assumir a normatividade” (FREITAS, 2012, 71) e, neste sentido, há uma mudança de de paradigma no campo das políticas públicas e do direito em geral: “(...) a sustentabilidade é: a) princípio constitucional, imediata e diretamente vinculante (Constituição Federal, artigos 225, 3o, 170, VI, entre outros), que b) determina, sem prejuízo das disposições internacionais, a eficácia dos direitos fundamentais de todas as dimensões (não somente os de terceira dimensão) e que c) faz desproporcional e antijurídica, precisamente em função do seu caráter

577

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

normativo, toda e qualquer omissão intrageracionais e intergeracionais.”

causadora

de

injustos

danos

(idem, p. 71) 3.7. O necessário entrelaçamento das dimensões A consideração da sustentabilidade em dimensões não pode redundar em visão reducionista e compartimentalizada das questões ambientais contemporâneas, que são altamente complexas e não possuem limites e contornos necessariamente bem definidos. Ao contrário, as dimensões estão intimamente vinculadas, inter-relacionam-se e são componentes essenciais do desenvolvimento (FREITAS, 2012). Em síntese, A sustentabilidade é um valor supremo, que se desdobra no princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar. (idem, pp. 133-134) 4. Resultados e Discussão O Quadro 1 apresenta os marcos institucionais nacionais sobre as contratações públicas sustentáveis, um conteúdo-síntese de cada norma e o cotejo com as dimensões da sustentabilidade propostas por Freitas (2012), identificando quais estão presentes em cada lei, decreto ou instrução normativa que fixa diretrizes ou regulamenta tais avenças. Quadro 1. Marcos institucionais brasileiros sobre contratações públicas sustentáveis e dimensões da sustentabilidade ANO

Marco institucional

1993

Lei 8.666

Síntese do conteúdo Lei de Licitações Públicas Brasileiras

e

Contratações

Impacto ambiental em obras e serviços de engenharia

Dimensão da sustentabilidade Ambiental Social Econômica

Emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução, conservação e operação. Três possibilidades de seleção das propostas: menor preço, melhor técnica e técnica conjugada com preço 1998

Lei 9.605

Lei de Crimes Ambientais Proibição de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos.

1998

Decreto 2.783

Proibição de aquisição de produtos ou

Ambiental Ética

Ambiental

equipamentos que contenham ou façam uso das substâncias 578

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

que destroem a camada de ozônio SDO pelos órgãos e pelas entidades Federal 1999

2002

Lei 9.854

Lei 10.520

da

Administração

Pública

Altera a Lei 8.666, 1993

Social

Para a participação em contratações publicas foi estabelecida a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos

Ética

Institui nova modalidade de procedimento para contratação pública para bens e serviços comuns: Pregão

Econômica

O julgamento das propostas sempre pelo menor preço

2006

2006

2007

será

Lei Complementar 123

Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte

Decreto 5940

Obrigatoriedade da destinação de resíduos recicláveis de órgãos públicos federais para cooperativas e associações de catadores

Decreto 6.204

Esta lei teve grande repercussão nos anos seguintes, em continuidade à ênfase econômica, considerando o elevado percentual de contratações de bens e serviços comuns. Social

Tratamento favorecido a microempresas, empresas de pequeno porte em contratações públicas

Regulamento 123, 2006

da

Lei

Complementar

Ambiental Social

Social

Foi revogado pelo Decreto 8.538, de 2015 Tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens, serviços e obras, no âmbito da administração pública federal 2009

Lei 12.187

Institui a Política Nacional de Mudanças Climáticas

Ambiental

Critérios de preferência para propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos 2010

Lei 10.305

Institui a Política Nacional de Resíduos

Ambiental 579

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Sólidos.

Social

Prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; 2010

Lei 12.349

Altera a Lei 8.666, 1993 para estabelecer como objetivo das licitações a promoção do desenvolvimento nacional sustentável

Todas as dimensões

2010

Decreto 7.174

Regulamenta a contratação de bens e serviços de informática e automação pela administração pública federal

Ambiental Social

As aquisições devem conter: requisito referente ao consumo de energia. Preferência para bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país. 2010

Instrução Normativa 1 Ministério do Planejamento

2010

Portaria n. 2, Ministério do Planejamento

2011

Lei 12.440

2011

Lei 12.462

Dispõe sobre critérios de sustentabilidade ambiental para bens, serviços e obras.

Ambiental

Contratação de tecnologia informação (TI) Verde

Ambiental

da

Altera a Lei 8.666 e exige a comprovação de regularidade das obrigações trabalhistas para participação em contratações publicas. Institui o Regime Diferenciado Contratações Públicas Adequado tratamento do ambiental do empreendimento

de

impacto

Social Ética Ambiental Social Econômico

Consideração dos custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância. Disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos. Mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental. Utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e recursos naturais

580

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Avaliação de impactos de vizinhança, na forma da legislação urbanística. Proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação do impacto direto ou indireto causado pelas obras contratadas Acessibilidade para o uso por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. 2011

Decreto 7.546

Regulamenta a aplicação de margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais e de medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica

2012

Decreto 7.746

Regulamenta o artigo 3 , da Lei 8.666

o

Estabelece critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal.

Social

Ambiental Social Com margem interpretativa para extensão às demais dimensões

Menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água; Preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local; Maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia; Maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local; Maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra; Uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; e Origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras 2012

Instrução Normativa 10

Estabelece regras para os Planos de Logística Sustentável da Administração Pública Federal

Ambiental Social

Contratações públicas sustentáveis Coleta seletiva solidária 2014

2015

Portaria 86 Ministério do Planejamento

Revoga a Portaria 2, de 2010.

Decreto 8.538

Tratamento favorecido, diferenciado e

Ambiental

Dispõe sobre as orientações técnicas no que tange aos aspectos: de aderência a requisitos de sustentabilidade, de posicionamento da tecnologia, de ciclo de vida, de uso da linguagem, de usabilidade, entre outros. Social 581

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

simplificado para as microempresas, empresas de pequeno porte, agricultores familiares, produtores rurais pessoa física, microempreendedores individuais e sociedades cooperativas de consumo nas contratações públicas de bens, serviços e obras no âmbito da administração pública federal

Econômica

Promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito local e regional Ampliar a públicas.

eficiência

das

políticas

Incentivar a inovação tecnológica. 2015

2015

2015

Decreto 8.473

Decreto 8.540

Decreto 8.541

Estabelece, no âmbito da Administração Pública federal, o percentual mínimo destinado à aquisição de gêneros alimentícios de agricultores familiares e suas organizações, empreendedores familiares rurais, silvicultores, aqüicultores, extrativistas pescadores, povos indígenas integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais, desde que atendidas determinadas condições de cunho econômico, social e ambiental

Econômica

Medidas de racionalização do gasto público nas contratações para aquisição de bens e prestação de serviços e na utilização de telefones celulares corporativos, contratos de energia elétrica e outros dispositivos

Econômica

Estabelece, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, medidas de racionalização do gasto público no uso de veículos oficiais e nas compras de passagens aéreas para viagens a serviço

Econômica

Ambiental Social Ética

Ambiental Ética

Ambiental Ética

Fonte: Elaborado pelos autores

O período da pesquisa abrangeu 22 (vinte e dois) anos de legislação brasileira. O levantamento efetuado identificou 24 (vinte e três) normas federais versando sobre o objeto contratações públicas sustentáveis e 01 (uma) norma federal que, apesar de não ter disposto expressamente sobre o tema, teve impacto significativo quanto à não disseminação das contratações sustentáveis entre os gestores públicos (Lei 10.520, de 2002), como será adiante analisado. Dentre as normas, 10 (dez) são leis, das quais 1 (uma) é lei complementar; 10 (dez) são decretos, 02 (duas) são Instruções Normativas do Ministério do Planejamento e 02 (duas) são Portarias do Ministério do Planejamento. Foram localizadas, com nitidez, quatro dimensões da sustentabilidade: ambiental, social, econômica e ética. O Quadro 2 sintetiza a descrição das normas e suas respectivas dimensões. Quadro 2. Dimensões da sustentabilidade nas normas brasileiras por ano Ano

Dimensão

Dimensão

Dimensão

Dimensão 582

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ambiental

econômica

social

ética

1993

1

1

1

--

1998

2

--

--

1

1999

--

--

1

1

2002

--

1

--

--

2006

1

--

2

--

2007

--

--

1

--

2009

1

--

--

--

2010

5

1

3

1

2011

1

1

3

1

2012

2

--

2

--

2014

1

--

--

--

2015

3

4

2

3

total

17

8

15

7

Fonte: Elaborado pelos autores

As dimensões ambiental e social predominaram quantitativamente nas normas brasileiras sobre contratações públicas sustentáveis e a dimensão ética ganhou impulso no ano de 2015. Sobre a dimensão ambiental, ressalte-se que é a dimensão mais facilmente assimilável pelos gestores públicos e que possibilita a disseminação do tema com facilidade, considerando a existência de vasto rol normativo infra-legal de regras ambientais brasileiras emitidas por órgãos públicos competentes, como Ministério do Meio Ambiente (MMA), Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Referidas normas, gerais e obrigatórias, disciplinam aspectos ambientais de determinados bens (óleo lubrificante, sabão em pó, emissão de poluentes atmosféricos, destinação ambiental de resíduos de saúde, por exemplo) que são comumente objeto de contratações públicas e cuja observância pode ser exigida. Acrescente-se que o Ministério do Planejamento desenvolveu especificações técnicas sustentáveis para a aquisição de bem, em catálogo oficial e de utilização pelos servidores públicos federais para os processos administrativos de compras. Trata-se do Catálogo de Materiais Sustentáveis do Governo Federal (CATMAT Sustentável). Com relação à dimensão social, em 2006 foi instituída a política de fomento às micro e pequenas empresas brasileiras, estabelecendo critérios de preferência em contratações governamentais, bem como direcionando exclusivamente para elas licitações de até R$80.000,00. Conforme Tabela 1, são enunciados os valores contratados com tais empresas em 2015. Tabela 1. Valor em reais dos contratos públicos assinados com micro empresas e empresas de pequeno porte em 2015 Porte Ajustado Contratado

Valor Contratado

Outros Portes

21.208.706.636,60

Pequena Empresa

1.408.100.909,90

Micro Empresa

1.163.481.104,50

583

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Fonte: www. paineldecompras.planejamento.gov.br.

No concernente à dimensão econômica, considere-se que, no Brasil, a contratação pública de bens e serviços comuns deve efetivar-se obrigatoriamente pelo “menor preço” com utilização de uma modalidade licitatória específica: o pregão, nos termos de lei de 2002 (Lei 12.520). Todavia, se considerada a análise do ciclo de vida de um bem, o menor preço nem sempre será o melhor preço para o setor público e a sociedade à longo prazo, de modo que esta exigência pode ser considerada como uma barreira para a implementação de contratações públicas sustentáveis brasileiras. Conforme Tabela 2, verifica-se a preponderância de contratações mediante pregão (menor preço). Tabela 2. Valor em reais dos contratos públicos assinados com micro empresas e empresas de pequeno porte em 2015 Modalidade de Compras Pregão

Valor das Compras (reais) 17.666.175.361,88

Concorrência Tomada de Preços

1.241.787.676,40 151.689.282,32

Concorrência Internacional

9.978.612,63

Concurso

4.089.639,47

Convite

3.758.844,08

Fonte: www. paineldecompras.planejamento.gov.br.

A dimensão ética, inicialmente pontual (1998, 1999 e 2011), teve aumento quantitativo significativo em 2015, com previsão em três normas de matérias distintas: a) agricultura, silvicultura e aquicultura familiares, comunidades indígenas e quilombolas, b) aquisição e serviços de telefonia e c) modo compartilhado para transporte veicular e aquisição de passagens aéreas. Em resultados qualitativos, os conteúdos desde 1998 são relevantes, por se serem instrumentos jurídicos que resguardam valores constitucionais. Assim, a proibição de empresas condenadas por crimes ambientais participarem de quaisquer processo licitatório (1998) enfatiza o valor meio ambiente sadio e a equidade intergeracional; a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos (1999) enfatiza o valor dignidade humana e laboral; a vedação a trabalho a menores de 16 anos (1999) privilegia a proteção à infância e educação, assim como a possibilidade de atuação apenas como aprendizes aos menores a partir de 14 anos (1999). A obrigatoriedade da destinação dos resíduos recicláveis de todos órgãos da administração pública federal à cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis (2006) é outra medida que prioriza o valor dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, focando na erradicação da pobreza e marginalização e na redução das desigualdades sociais, imperativo ético-jurídico de retirar da invisibilidade agentes social e economicamente excluídos. A previsão de que os interessados em contratar com órgãos públicos devem comprovar regularidade no cumprimento das obrigações trabalhistas (2011) enfatiza o valor social do trabalho e a dignidade humana laboral. A valorização de uma sociedade livre, justa, solidária e o bem-estar de todos são valores tutelados pela obrigatoriedade de que 30% das aquisições de gêneros alimentícios de órgãos públicos da administração federal sejam fornecidos por agricultores familiares, empreendedores rurais, silvicultores, aqüicultores, extrativistas (excluídos garimpeiros e faiscadores), pescadores (com predominância de mão de obra da própria família), povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombos rurais e povos de comunidades 584

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

tradicionais (2015 – Decreto 8.473). Medida pública com substrato ético de peso, inserindo social e economicamente, como potenciais fornecedores, uma parcela social que, sem tal iniciativa, não teria possibilidade de competição com outros licitantes economicamente melhor estruturados. Em 2015 (Decreto 8.540), foram inauguradas previsões normativas nas contratações públicas de aquisição de bens, prestação de serviços e utilização de telefones celulares, cujo conteúdo opera a junção da dimensão econômica (racionalização de gasto público em contratação) com a dimensão ética (expressa referência a que os serviços de celular, tablet e modem “destinam-se às necessidades de serviço”, com limites máximos de consumo em reais e obrigatoriedade de pagamento pelo servidor público do excedente). O valor ético tutelado refere-se ao bem-estar social, com reforço da cidadania e do controle social dos agentes públicos. A mesma conjugação das dimensões econômica e ética e os valores éticos tutelados ocorreu no Decreto 8.541 (2015), em relação à contratação de passagens aéreas para agentes públicos e uso de veículos oficiais. Houve disciplina referente ao modo compartilhado de veículos e a obrigatoriedade de que, em aquisições de passagens aéreas, as classes executiva e primeira classe em aquisições de passagem aereas estejam reservadas apenas a Ministros e Comandantes do Exercito, Marinha Aeronáutica (classe executiva) e ao Presidente e Vice-Presidente da República (primeira classe). Para demais agentes públicos, por viagens em serviço, deverão ser adquiridas passagens na classe econômica. As alterações normativas em prol da sustentabilidade empreendidas na disciplina jurídica das contratações públicas brasileiras, no período pesquisado, demonstram a necessidade de mudanças no conceito jurídico de contratação pública classicamente utilizado pelo literatura do direito administrativo nacional e que a contratação pública não pode mais ser considerada sem a definitiva e multidimensional integração do valor sustentabilidade. 5. Conclusões O presente estudo efetuou levantamento dos marcos normativos brasileiros sobre contratações públicas sustentáveis e fez escrutínio, de sorte a relaciona-los com a presença ou ausência das dimensões social, ética, ambiental, econômica e jurídico-política da sustentabilidade à luz da teoria de Freitas (2012), entendida como valor e princípio constitucional multidimensional. A pesquisa foi conclusiva pela predominância das dimensões ambiental, social e econômica da sustentabilidade nas contratações públicas sustentáveis brasileiras, com ênfase mais recente à dimensão ética no último ano pesquisado (2015). Reforça-se que da análise efetuada nos marcos institucionais conclui-se pela necessidade de inserção da sustentabilidade em sua perspectiva multidimensional no conceito de contratações públicas no Direito brasileiro. Por derradeiro, sublinha-se o papel do Direito Público como indutor-chave e propulsor de novas realidades, em prol do desenvolvimento sustentável, na seara das contratações públicas brasileiras. Referências ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 2008. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro.

585

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

BECHARA. Erika. 2009. Licenciamento e Compensação Ambiental na Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação. Atlas, São Paulo. BENJAMIN, Antonio Herman; FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. 2011. Direito Ambiental e as Funções Essenciais à Justiça. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. CALADO, S. dos S.; FERREIRA, SC dos R. Análise de documentos: método de recolha e análise de dados. 2004. Disciplina Metodologia da Investigação I–Mestrado em Educação/Universidade de Lisboa., v. 23, n. 05. Disponível em: http://docplayer.com.br/12123665-Analise-de-documentos-metodo-de-recolha-e-analise-dedados.html (acesso em 13 de março de 2016). CANOTILHO. Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs), 2008. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. Saraiva, São Paulo. D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. 2010. Água juridicamente sustentável. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. FARIAS, Talden. COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega. 2010. Direito Ambiental: o Meio Ambiente e os Desafios da Contemporaneidade, Editora Fórum, Belo Horizonte. FREITAS, Juarez. 2012. Sustentabilidade: direito ao futuro. Editora Fórum. Belo Horizonte. FUNTOWICZ, Silvio O; RAVETZ, Jerome R, set. 1993. Science for the Post-normal age. Futures, v. 25, n. 7, pp. 739-755, London. ___________ Ciência pós-normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais. ju/out 1997, História, Ciências, Saúde – Manguinhos, IV (2), pp.219-230, Manguinhos. GIASENELLA, Sonia Maria Flores; JACOBI, Pedro Roberto. 2011. A sustentabilidade socioambiental: diversidade e cooperação. Introdução. Annablume, São Paulo. GIATTI, Leandro Luiz. 2015. O paradigma da Ciência Pós-Normal – participação social na produção de saberes e na governança socioambiental e de saúde. Annablume, São Paulo. GONÇALVES-DIAS, Sylmara Francelino. 2009a. Catadores: uma perspectiva de sua inserção no campo da indústria de reciclagem. Tese de Doutorado em Ciência Ambiental. Universidade de São Paulo, 296f, São Paulo. __________________ 2009b. Consumo e Meio Ambiente: uma modelagem do comportamento para reciclagem a partir de teorias cognitivo-comportamentais. Tese de Doutorado em Administração de Empresas. Fundação Getúlio Vargas, 325 f, São Paulo INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSCIA. IBGE. 2016. Participação da Despesa de Consumo das Administrações Públicas em relação ao Produto Interno Bruto. Séries Históricas e Estatísticas. Dados referentes ao ano de 2014. Disponível em http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN34&t=participacao-despesaconsumo-administracoes-publicas-brem (acesso em 10/04/2016). KISHI, Sandra Akemi Shiada; SILVA, Solange Teles; SOARES, SOARES, Inês Vírginia Prado (Orgs). 2005. Desafios do Direito Ambiental no Século XXI – estudos em homenagem ao Paulo Affonso Leme Machado, Malheiros, São Paulo. LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. 2011. Resíduos Sólidos e Responsabilidade Civil PósConsumo. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. MACHADO, Paulo Affonso Leme. 2009. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros, São Paulo. MACIEL, Marcela. 2012. Compensação Ambiental: instrumentos para a implementação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Letras Jurídicas, São Paulo. MILARÉ. Édis. 2011. Direito do Ambiente: a Gestão Ambiental em foco. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 586

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

NUSDEO, Ana Maria. 2012. Pagamento por Serviços Ambientais: Sustentabilidade e disciplina jurídica, Atlas, São Paulo. OLIVEIRA, Carina, SAMPAIO, Rômulo Silveira da Rocha. 2012. Instrumentos Jurídicos para a implementação do Desenvolvimento Sustentável. Edição FGV Direito Rio, Rio de Janeiro. OLIVEIRA, Maria Cristina Cesar. 2009. Socioambiental. Editora Fórum, Belo Horizonte.

Princípios

Jurídicos

e

Jurisprudência

PELIZZOLI, Marcelo Luis. 2004. A emergência do paradigma ecológico: reflexões éticofilosóficas para o século XXI. Editora Vozes. Petrópolis. PIOVESAN, Flávia (Coord). 2008. Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos anotado. DPJ Editora, São Paulo. ________________SOARES, Inês Virgínia Prado. 2010. Direito ao desenvolvimento. Belo Horizonte, Editora Fórum. PHILIPPI JR (Coord). 2012. Política Nacional, Gestão e Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Manole, Barueri. PHILIPPI JR, Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (Editores). 2011. Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Manole, Barueri. POLLAK, Michael. Memória e identidade social. 1992, in: Estudos Históricos, v. 5, n.10, pp. 200-212, Rio de Janeiro. PRADO, Luiz Regis. 1998. Crimes contra o Ambiente. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney Irigaray. 2005. O Direito e o desenvolvimento sustentável: Curso de direito ambiental, Peirópolis, São Paulo. SACHS, Ignacy. 2008. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Garamond, Rio de Janeiro. SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. 2008. Consumo, descarte, catação e reciclagem: notas sobre design e multiculturalismo. In MORAES, Dijon de (Org). Cadernos de Estudos Avançados em Design: multiculturalismo. Caderno I, v. 1. Santa Clara Editora e Centro de Estudos Teoria, Cultura e Pesquisa em Design. UEMG. Belo Horizonte. ________________Lições das cidades de plastic e papelão: resíduos, design e o panorama visto da margem. 2014. In. SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos; GONÇALVES-DIAS, Sylmara Francelino Lopes, WALKER, Stuart (Orgs). Design, Resíduo & Dignidade. Editora Olhares/CNPq, 2014, pp. 41-55, São Paulo. SARAVIA, H. Introdução à teoría da política pública. 2006. In: SARAVIA, E.; FERRAREZI, E. (Orgs). Políticas públicas. Coletânea. Volume 1. ENAP, Brasília. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). 2010. Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais. 2010. Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre. ________________; FENSTERSEIFFER, Tiago. 2013. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo. SEN, Amartya. 2000. Desenvolvimento como liberdade. Companhia das Letras, São Paulo. SIRVINSKAS, Luís Paulo. 2011. Tutela Penal do Meio Ambiente. Editora Saraiva, São Paulo. STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. 2008. Pesquisa Qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2 ed, Artmed Editora S. A, Porto Alegre.

587

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

TEODÓSIO, Armindo dos Santos de Souza; GONÇALVES-DIAS, Sylmara Lopes Francelino; MENDONÇA, Patrícia Maria Emerenciano. SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. 2013. Waste Pickers Movement and Right to the City: The Impacts in the Homeless Lives in CesContexto. Rethinking Urban Inclusion Spaces, Mobilizations, Interventions Brazil Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, pp. 443-475, Coimbra. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. 2000. A proteção dos direitos humanos e o Brasil. Editora Universidade de Brasília, Brasília. UNEP. 2011. Marrakech Task Force on Sustainable Public Procurement led by Switzerland – Activity Report. VASCONCELOS, Eduardo Mourão. 2007, Complexidade e pesquisa interdisciplinar, Vozes, Rio de Janeiro. VEIGA, José Eli. 2016, Seminário do dia 14 de março. "Série de 5 Seminários sobre Desenvolvimento Sustentável". Instituto de Energia e Ambiente – Universidade de São Paulo. São Paulo ___________ 2015. Para entender o desenvolvimento sustentável. Editora 34, São Paulo. ___________ 2010. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. Editora Senac, São Paulo. VILLAC, Teresa. 2015. Direito internacional ambiental como fundamento principiológico e de juridicidade para as licitações sustentáveis no Brasil. In: SANTOS, Murillo Giordan; VILLAC, Teresa (Coords). Licitações e contratações públicas sustentáveis. 2a ed., Editora Fórum, Belo Horizonte.

588

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

CORRELAÇÃO ENTRE PRESSÕES INSTITUCIONAIS E PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS: UM ESTUDO EM INDÚSTRIAS DE SANTA CATARINA Graziela Dias Alperstedt1, Mateus Espíndola Carvalho2, Priscila Keller Pires3, Bruno Rossetti Leandro 4, Rafael Tezza5, Karina Matheus dos Santos Faraco6 1 2

UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected] UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected]

3

UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected]

4

UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected]

5

UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, [email protected]

6

UDESC

-

Universidade

do

Estado

de

Santa

Catarina,

[email protected]

Resumo O objetivo deste artigo é analisar a relação entre as pressões institucionais e as práticas sustentáveis adotadas por organizações industriais do estado de Santa Catarina, Brasil, identificando as variáveis que mais se destacam em ambos os constructos. O trabalho baseia-se nas discussões sobre a sustentabilidade, as práticas sustentáveis e a teoria institucional. A coleta de dados ocorreu por meio de um questionário online aplicado em empresas industriais catarinenses vinculadas à Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), resultando em um banco de dados composto por 200 questionários válidos para análise no Software SPSS. Para o tratamento dos dados, utilizou-se a técnica de Análise Multivariada de Correlação Canônica cujas variáveis latentes são as pressões institucionais e as práticas sustentáveis. A análise quantitativa empreendida apontou que há uma forte correlação entre as variáveis latentes estudadas. Os resultados do estudo permitem afirmar que, pelo menos para a amostra estudada, as pressões institucionais provocam influências positivas na adoção de práticas sustentáveis por parte das empresas. Palavras-chave: Teoria Sustentabilidade.

Institucional;

Práticas

Sustentáveis;

Correlação

Canônica;

Introdução A conscientização da sociedade a respeito da necessidade de mudar o modo como se relaciona com o ambiente tem incentivado debates em torno do tema sustentabilidade, assim como aumentado as pressões coercitivas, normativas e miméticas sobre as organizações. O processo de mudança para as sociedades alcançarem o desenvolvimento sustentável não é simples. Para atingir esse objetivo global, é necessária a integração de políticas ambientais e estratégias de desenvolvimento, fazendo-se necessária a participação efetiva dos atores em todos os setores da sociedade (WCED, 1987). Portanto, nas últimas décadas, essa produção material tem sido essencial para chamar a atenção em relação à produção com o único objetivo de maximizar os lucros. A lógica é que se busque formas mais sustentáveis de se manter competitivo no mercado, olhando os diversos aspectos da sustentabilidade que incluem o ambiental e o social. Desde então, observa-se uma busca

589

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

crescente por técnicas e ferramentas para minimizar o desgaste dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, diminuir o custo de produção. Assim, a adoção de práticas da gestão ambiental pode contribuir ativamente para alterar o sistema produtivo, considerando as consequências que a atividade industrial pode gerar, permitindo, dessa forma, que a sociedade continue se desenvolvendo de maneira mais sustentável. Em 1987, o documento Nosso Futuro Comum já indica que é possível alcançar um desenvolvimento industrial sustentável, ou seja, produzir mais com menos recursos, porém, desde que haja uma mudança drástica na qualidade desse desenvolvimento (WCED, 1987). A pressão regulatória tem sido considerada pelos institucionalistas como um vetor de crucial importância para a adoção de práticas mais sustentáveis por parte das empresas. Por outro lado, a busca por competitividade também pode representar um papel de destaque no direcionamento das empresas em busca de legitimidade em relação ao ambiente. Como consequência, as organizações acabam se tornando muito semelhantes entre si (DiMaggio e Powell, 983). Considerando esse movimento das empresas, o presente trabalho busca analisar a relação entre as pressões institucionais e práticas sustentáveis adotadas por organizações industriais brasileiras do Estado de Santa Catarina, identificando, a partir da Análise Canônica, as variáveis que mais se destacam. Fundamentos teóricos Com intuito de compreender melhor a relação entre a adoção de práticas de gestão ambiental e as pressões que as organizações sofrem do ambiente institucional em que estão inseridas, buscou-se fundamentos teóricos para embasar essa correlação. Primeiramente, a abordagem sobre a sustentabilidade, permite a compreensão acerca dos fatores que levaram as organizações a mudarem nos últimos séculos, de gestões agressivas em relação ao ambiente para gestões mais sustentáveis. A discussão sobre práticas sustentáveis, identifica as práticas da gestão ambiental mais relevantes adotadas pelas organizações, assim como sua importância para diminuir o impacto das atividades industriais no ambiente e contribuir com o desenvolvimento sustentável. Na sequência é abordada a teoria institucional, que permite compreender as razões e os fatores que levam as organizações a se homogeneizarem em relação as demais no ambiente. Sustentabilidade O crescimento econômico proporcionado pela substituição da produção artesanal por uma produção mais automatizada durante a revolução industrial provocou mudanças na sociedade, a qual foi submetida ao novo ritmo de consumo imposto pela produção fabril. Este consumo foi impulsionado ainda mais com a utilização dos modelos de maximização da produção e dos lucros de Henry Ford e Frederick Winslow Taylor, os quais não abordavam questões relacionadas ao ambiente (Chiang e Tseng, 2005). Tal modelo de produção vigente neste período não se preocupava com as consequências da atividade industrial. No entanto, aos poucos observou-se que a ideologia de que o ambiente era uma fonte inesgotável de matéria-prima estava errada. Carlowitz já no século XVIII, trabalhou as primeiras noções de sustentabilidade advertindo sobre a devastação das florestas para extração de madeira para a produção industrial, alertando que sem um planejamento para extração dessa matéria prima, esse recurso rapidamente se tornaria 590

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

escasso (Grober, 1999). Apenas em 1972 a formulação do conceito de sustentabilidade foi retomada com a realização da conferência em Estocolmo na Suécia, buscando conscientizar as nações sobre o uso dos recursos da natureza. Dessa conferência resultou o primeiro documento (Declaração sobre o Ambiente Humano) de compromisso internacional de responsabilidade ambiental com o planeta, servindo de base para tomar as próximas decisões para proteger o ambiente (Strong, 1973). Em 1973, Ignacy Sachs destaca-se como um dos principais autores que deram continuidade ao debate sobre a conscientização ambiental, abordando a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento com princípios de sustentabilidade (Lima, 1997). Na sequência, em 1983, criou-se a World Comission on Environment and Development (WCED) e produziu-se o documento Nosso Futuro Comum, conhecido também como Relatório Brundtland, publicado em 1987. Este documento é um marco importante para o desenvolvimento sustentável pois o definiu “O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”. Seu objetivo era propor estratégias de longo prazo para alcançar o desenvolvimento sustentável, conscientizar sobre o uso de recurso e da possibilidade de se alcançar um desenvolvimento industrial sustentável, ou seja, produzir mais com menos recursos. Tudo isso a partir de uma mudança drástica na qualidade desse desenvolvimento, oferecendo orientações para a comunidade internacional lidar com as questões ambientais com eficiência (WCED, 1987). Posteriormente, outras conferências como a Eco-92 e sua segunda edição, a Rio +20, ambas sediadas no Rio de Janeiro, e juntamente com tratados internacionais para incentivar o desenvolvimento sustentável, como Protocolo de Kyoto e as Agendas 21 de várias nações serviram para reafirmar o compromisso global com o desenvolvimento sustentável. Estes acontecimentos foram fundamentais para organizações e stakeholders perceberem que as práticas sustentáveis são instrumentos do desenvolvimento sustentável capazes de contribuir com a competitividade e gerar lucros, desde que haja melhorias continuas na aplicação dessa estratégia baseadas nos avanços tecnológicos e nos objetivos da organização, ao passo que o ambiente é beneficiado (Pedroso et al., 2012; Bonilla et al., 2010). Assim, foi dado início à preocupação da sociedade no direcionamento ao desenvolvimento sustentável. Nesse Contexto, destaca-se o importante papel social do consumidor, consciente para optar por produtos ecologicamente corretos e com maior tempo de vida útil provenientes de empresas ecologicamente corretas, e no controle do consumo, pressionando o governo para implementar leis mais rigorosas e fiscalizar empresas com maior frequência (Surjono, 2011; Bonilla et al., 2010). 1 Práticas sustentáveis Como visto anteriormente, as discussões iniciadas na conferência de Estocolmo e toda a mobilização ocorrida após esse período, levaram o mercado atual a impor pressões sobre as organizações para adotarem posturas mais responsáveis. Tais posturas exigem a implementação de práticas sustentáveis objetivando minimizar o impacto negativo da produção sobre o ambiente, alinhadas ao desempenho organizacional e à lucratividade. No Brasil, assim como nos demais países subdesenvolvidos a adoção de práticas sustentáveis ainda é baixa, pois apesar da existência de leis, não há uma fiscalização adequada para garantir que as organizações estejam respeitando o ambiente (Bonilla et al., 2010). Na sequência discute-se brevemente as principais práticas sustentáveis de negócio:

591

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1.1 Produção mais limpa ou Ecoeficiência A partir da década de 1960, as políticas internacionais referentes à poluição gerada por indústrias se intensificaram, e o desenvolvimento de tecnologias para controlar a poluição (end-of-pipe technologies) tornaram-se mais frequentes. Desde então, os modelos de produção passaram a ser repensados para não comprometer as gerações futuras. (WCED, 1987; Surjono, 2011; D'Aquino et al., 2014). Segundo D’Aquino et al. (2014), em 1990, foi definido o conceito de produção mais limpa (P+L) pela United Nations Environment Programme (UNEP) como: “a aplicação contínua de uma estratégia de prevenção ambiental integrada para processos, produtos e serviços atuais, para aumentar a eficiência e reduzir os riscos para os seres humanos e o ambiente”. Para Baas (2007), esta prática sustentável com caráter preventivo, inicialmente serviu para substituir a prática de controle da poluição. Comumente ela é reconhecida como produção menos suja. Para Kjaerheim (2004), a produção mais limpa com intuito de oferecer um produto mais sustentável, tem como objetivos a redução do impacto durante todo seu ciclo de vida, utilização de energia renováveis e redução prévia dos poluentes e desperdícios no processo de produção. Baas (2007) complementa que o objetivo da produção mais limpa modificou-se com o tempo com finalidade de alcançar a elaboração de tecnologias e estratégias de emissão zero. 1.1.1 Produção limpa A produção limpa (PL) é uma prática sustentável que segundo Sperandio e Donaire (2005), foi criada pela Organização Não Governamental (ONG) Green Peace com intuito de proteger o ambiente. Segundo Thorpe (1999), essa prática não busca utilizar ferramentas para diminuir o impacto ambiental da produção industrial, e sim, uma reestruturação do modo de produção para que não ocorram impactos ambientais. Nesse sentido ela se propõe à implementação de um processo de fato limpo, ou seja, sustentável. Essa prática é fundamentada na utilização de energias renováveis não poluentes, materiais atóxicos e da reinserção dos produtos e resíduos na cadeia produtiva desde o seu planejamento. Trata-se de um avanço em relação à produção mais limpa. 1.1.1 Logística reversa No contexto da busca por práticas sustentáveis, surgiu o conceito de gestão de logística verde, podendo ser definido como "todas as tentativas para minimizar um impacto ambiental das atividades logísticas" (Vasiliauskas et al., 2013, pp. 44). Assim, a gestão de logística verde busca melhorar o desempenho das organizações de forma sustentável (Lai e Wong, 2012). De acordo com Lai e Wong (2012), a gestão logística verde compartilha ações como reciclar e reusar com outra prática sustentável, a logística reversa, que se destaca como uma importante ferramenta para as indústrias aprimorarem a base de custos por meio da recuperação do produto final. Segundo Abdullah e Yaakub (2014) e Lai e Wong (2012), a logística reversa é definida como uma prática sustentável importante para o desenvolvimento socioeconômico, que, por meio de planejamento, implementação e controle de ações como reuso, reciclagem, reaproveitamento, retorno e reprocessamento, atribui um novo destino para o produto, no final de sua vida útil, reinserindo-o na cadeia de 592

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

produção para recuperar valores monetários ou proporcionar um descarte adequado. Para Das (2012), uma maior integração dos colaboradores externos com as fábricas para reinserir o produto na cadeia de produção diminui consideravelmente o consumo e o custo da matéria prima. Essa eficiência em recursos, resultante da fabricação de produtos retornáveis, colabora para consolidar uma imagem de responsabilidade socioambiental à organização. A reciclagem, um importante componente da logística reversa, é considerada como uma prática indispensável para o desenvolvimento de uma sociedade sustentável. É classificada como a alternativa com menor prioridade na hierarquia de redução de resíduos dos três Rs (reduzir, reusar e reciclar). Porém, é muito relevante para melhorar o desempenho e o reaproveitamento de recursos em organizações, pois consiste em transformar algo que não possui ou que perdeu a utilidade em novos produtos, diminuindo o consumo de matéria prima (Lai e Wong, 2012). No âmbito brasileiro, de acordo com Ribeiro et al. (2014), existem significativas oportunidades de obtenção de valores monetários com a reciclagem, porém o imediatismo dos gestores públicos dificulta a adoção de medidas de longo prazo de gestão de resíduos sólidos. Este cenário em que prevalecem políticas que consideram apenas a razão entre receita e custos, evidência a necessidade de uma maior integração dos setores da sociedade para reduzir o impacto dos resíduos sólidos no ambiente. Uma integração das cooperativas de catadores de recicláveis aos sistemas de logística reversa de indústrias, além de benefícios mútuos para ambos e para o ambiente, desempenharia a função de inclusão social para essa parte da população que vive socialmente vulnerável e dependente da reciclagem para sobreviver. (Giovannini e Kruglianskas, 2008; De Figueiredo e Deorsola, 2011; Campos, 2014). Destacada com um dos principais tópicos de sustentabilidade, o cenário da logística reversa no Brasil passou a ter maior destaque a partir da promulgação da Lei n. 12.305 em 2 de agosto de 2010, a qual institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Desde então, as empresas brasileiras passaram a ser responsáveis pela reinserção de seus produtos na cadeia de produção após o consumo, por meio da logística reversa (Jabbour et al., 2013; Das, 2012). Para Abdullah e Yaakub (2014), a logística reversa é uma ferramenta capaz de melhorar o desempenho de empresas. Por outro lado, mesmo nos países em desenvolvimento, apesar do aumento significativo na utilização da logística reversa, essa melhora no desempenho ainda não ocorre, pois, a aplicação dessa ferramenta ainda é apenas para atender as obrigações legislativas ou pressões externas. Lai e Wong (2012) ressaltam que apesar dos benefícios que a logística reversa proporciona, essa ferramenta não abrange algumas práticas de gestão que previnem a poluição durante o processo de produção. Portanto, evidencia que para que se possa atingir mais plenamente seu objetivo, a logística reversa deve ser utilizada paralelamente com a integração de outras práticas sustentáveis. 1.1.2 Avaliação de impacto ambiental A avaliação de impacto ambiental teve origem nos Estados Unidos da América em 1969 por meio da instituição de uma Política Nacional Ambiental (NEPA) com o objetivo de proteger o ambiente. Anos depois, houve a inclusão da prática na Comunidade Econômica Europeia (Ramos et al., 2008). No Brasil, essa prática recebeu destaque nos primeiros anos da década de 80 devido à instituição da Lei n. 6.938 (1981), que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, tendo como um dos objetivos controlar as atividades empresariais, sejam elas públicas ou privadas, para assegurar a proteção do ambiente (Lei n. 6.938, 1981). A avaliação de impacto ambiental é uma ferramenta de gestão preventiva, que realiza uma avaliação sistemática que considera os possíveis impactos ambientais de uma decisão 593

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

antes de sua aprovação para ser colocada em prática (Jay et al., 2007). Steinemann (2001) complementa que, além de avaliar as decisões, outro objetivo da avaliação de impacto ambiental é oferecer alternativas para essas decisões para reduzir ou eliminar os danos para o ambiente e, ainda assim, possibilitar que as organizações atinjam seus objetivos. Para atividades com possíveis modificações ambientais, essa lei estabelece o órgão ambiental Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para licenciamento e julgamento da necessidade de aplicar instrumentos da avaliação de impacto ambiental como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Caso haja a aprovação da atividade, essa prática ambiental estabelece os procedimentos para realizar o monitoramento dos impactos ambientais da atividade e aplicar a gestão ambiental (Barbosa et al., 2012). Para Steinemann (2001), a eficiência dessa prática depende de como o processo de avaliação é incorporado ao planejamento da organização. Quanto mais cedo, mais alternativas podem ser propostas para uma determinada decisão, facilitando a reconsideração de alternativas previamente descartadas ou que estejam fora do objetivo. A participação da sociedade é outro fator importante para desenvolvimento e triagem de alternativas, pois oferece uma perspectiva diferente, importante para seleção de alternativas sustentáveis. 1.1.3 Compensação ambiental Como abordado anteriormente, a Política Nacional do Meio Ambiente foi um passo importante para aliar desenvolvimento à proteção e conservação dos recursos naturais. O SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela Lei n. 9.985 (2000) para regularizar as Unidades de Conservação (UC), é outro documento importante para a implementação de políticas de preservação e conservação da biodiversidade em áreas consideradas relevantes (Lei n. 9.985, 2000). A compensação ambiental pode ser definida, Segundo Cowell (1997), como um conjunto de medidas destinadas a manter o capital natural de modo comparável ao previamente estabelecido antes da intervenção humana. De acordo com Rundcrantz e Skärbäck (2003), a compensação ambiental é aplicada de formas diferentes em cada país. De acordo com o Artigo 36 da Lei n. 9.985 (2000), a compensação ambiental é um mecanismo de compensação financeira para empreendimentos que causam impactos ambientais não mitigáveis. Para esses empreendimentos licenciados pelo órgão ambiental, é obrigatório o apoio financeiro com não menos de 0,5% do valor total do empreendimento. O valor será destinado as Unidades de Conservação, variando de acordo com o grau de impacto indicado no Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Lei n. 9.985, 2000). 1.1.4 Gestão da cadeia de suprimentos verde A cadeia de suprimentos consiste em um grupo de organizações que realizam um conjunto de atividades e sistemas de fluxo de informações, desde a seleção de matérias primas até a entrega do bem ou serviço ao consumidor final (Lummus e Vokurka, 1999). Essas atividades podem ser realizadas por diferentes organizações participantes da cadeia, portanto, a troca de informações e parcerias sólidas são essenciais para obter vantagem competitiva. A gestão da cadeia de suprimentos coordena a integração interna dentro da organização, assim como a integração externa entre fornecedores, fabricantes, distribuidores e vendedores em organizações que adotam a estratégia de horizontalizar a cadeia de 594

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

suprimentos (Lummus e Vokurka, 1999; Kim, 2006). Essa estratégia melhora a eficiência das organizações, pois permite o foco no Core Business visando redução de custos e maior lucro para alcançar o sucesso. Para essas organizações, a sobrevivência no mercado está estreitamente relacionada à sobrevivência da cadeia a qual pertencem devido à competição pelo mercado, que se tornou de cadeia para cadeia, evidenciando que repassar custos upstream ou downstream na cadeia de suprimentos não é vantajoso coletivamente, pois o custo ainda é repassado ao consumidor final (Kumar, 2000; Cigolini et al., 2004). Portanto, uma visão de conjunto e a adoção de práticas que agreguem valor aos produtos e serviços para o consumidor final tornaram-se objetivos comuns e de grande importância para aumentar a competitividade da cadeia de suprimentos. Para atender as recentes obrigações legislativas e necessidades dos consumidores e steakholders, a adoção de práticas sustentáveis através da cadeia de suprimentos pressiona as organizações a estabelecerem parcerias compatíveis com suas práticas e valores. A gestão da cadeia de suprimentos verde surgiu da necessidade de integrar a gestão da cadeia de suprimentos com a gestão ambiental para proporcionar um produto em que todos os colaboradores na cadeia de produção estejam comprometidos com a sustentabilidade e conscientes sobre o impacto ambiental da atividade que realizam. Segundo Fahimniaa et al. (2015), não há um consenso sobre a definição dessa prática sustentável. Entretanto Sarkis (2003) e Srivastava (2007) a definem como uma ferramenta administrativa que aplica conceitos de sustentabilidade na gestão da cadeia de suprimentos, incluindo todas atividades, decisões e práticas sustentáveis necessárias para entregar o produto final ao consumidor e retorna-lo à cadeia de produção. Para alcançar o objetivo da gestão da cadeia de suprimentos verde de minimizar o impacto ambiental, as operações necessárias para produzir devem ser ambientalmente conscientes, assim como o design verde, com a finalidade de melhorar o produto e reduzir o impacto ambiental durante sua utilização, e por fim retorná-lo à cadeia de produção ou realizar o descarte correto através da logística reversa (Sarkis, 2003; Srivastava, 2007). 1.2 Teoria neoinstitucional Instituição, de acordo com Hughes (1936), um dos primeiros autores a utilizar o termo, é um fenômeno que ocorre quando as características das organizações coincidem com o comportamento coletivo socialmente estabelecido. Para Hughes (1942), instituição pode ser definida como ações, que em vista da sociedade, já são esperadas divido ao estabelecimento de formas sociais permanentes. Em sociedades modernas, segundo Meyer e Rowan (1977), o isomorfismo é resultante da convergência de organizações que adotam estruturas formais institucionalizadas para obter legitimidade no ambiente. De acordo com DiMaggio e Powell (1983), o isomorfismo é a homogeneização das organizações que atuam em ambientes organizacionais bem estabelecidos. Em decorrência da busca por homogeneização, mudanças organizacionais como a burocratização prevalecem em detrimento a mudanças por eficiência. No longo prazo, a capacidade de inovação com intuito de buscar eficiência e diferencial é reduzida, pois a estrutura adotada pelos atores organizacionais fornecerá legitimidade ao invés de eficiência e o diferencial desejado (DiMaggio e Powell, 1983; Meyer e Rowan, 1977; Bansal, 2005). Meyer e Rowan (1977) apontam que, independente da eficiência, organizações que estão inseridas em ambientes altamente institucionalizados precisam agregar aspectos racionais socialmente legítimos em relação ao ambiente para que se tornem isomórficas para obter legitimidade, possibilitando que sobrevivam e obtenham sucesso. Em consequência dessas ações, que podem ser representadas por práticas e procedimentos institucionalizados na

595

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

sociedade, os atores acabam desviando esforços para atenderem a esses mitos institucionalizados. De acordo com DiMaggio e Powell (1983), as pressões do ambiente a que as organizações estão sujeitas ocorrem na forma de três mecanismos de isomorfismo institucional: o isomorfismo coercitivo, o mimético e o normativo. As pressões coercitivas, ocorrem de dois modos, o formal, por meio da influência das políticas adotadas pelo país em que as organizações atuam, impondo que atendam a requisições legislativas e, no modo informal, pela cultura da sociedade. As pressões miméticas ocorrem em cenários de incerteza. Organizações que não estão seguras de quais estratégias e práticas devem adotar, procuram se espelhar em outras organizações para alcançar sucesso e a legitimidade. Já as pressões normativas, são decorrentes da profissionalização da mão de obra, educação formal, métodos de trabalho e contratação de funcionários com requisitos curriculares mínimos, principalmente da alta gerência para exercerem cargos legitimados (DiMaggio e Powell, 1983; Alperstedt et al., 2010). Para Bansal e Bogner (2002), as pressões institucionais desempenham importante papel na compreensão dos fatores que motivam os atores a dotarem práticas de gestão ambiental nas empresas, visto que os benefícios decorrentes da adoção dessas práticas nem sempre são claros e muitas vezes são logrados pela busca de legitimidade no ambiente. A teoria neoinstitucional explica os motivos que levam os atores, individuais ou coletivos, a adotarem certas práticas. Portanto, é possível afirmar que a adoção de práticas da gestão ambiental é influenciada por pressões institucionais, assim como pelos atores que realizam decisões racionalmente legítimas (Alperstedt et al., 2010). 1 Métodos Com o objetivo de compreender a relação entre as práticas sustentáveis adotadas pelas organizações e as pressões institucionais a que estão sujeitas, buscou-se nesse artigo a utilização de uma abordagem quantitativa, exploratória e correlacional para analisar os dados desse estudo. Os dados foram coletados entre outubro de 2012 e julho de 2013 por meio de um questionário online, endereçado ao responsável pela área ambiental da empresa respondente registrada na base de dados da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC). A amostra constitui-se em 887 plantas industriais englobando empresas de médio e grande porte. Para análise dos dados, utilizou-se o software Excel para tabulação dos dados e o software estatístico SPSS para tratamento dos dados. O questionário foi elaborado com intuito de identificar práticas da gestão ambiental, utilizando uma escala ordinal Likert de 5 pontos. No contexto da escala, o 1 representa o menor comprometimento com o tema do item e 5 representa o maior comprometimento. O quadro 1, apresenta as respostas correspondentes aos valores da escala utilizada. Quadro 1. Respostas correspondentes da escala Likert.

Escala Likert

1

Não, a empresa não realiza prática ou ação neste sentido.

2

Não, a empresa pretende realizar prática ou ação neste sentido.

3

Não, a empresa está iniciando a implantação desta prática ou ação e pretende formalizar.

4

Sim, a empresa realiza esta prática ou ação e está sendo formalizada.

5

Sim, a empresa realiza esta ação ou prática e está formalizada. Fonte: Produção dos Autores.

596

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para a análise dos dados, foram definidos dois grupos de variáveis. As práticas sustentáveis caracterizando-se como variável dependente e as pressões institucionais como variáveis independentes. Para cada grupo de variáveis foram agrupadas perguntas do questionário com o intuito de realizar uma correlação entre elas. Para identificar a relação entre os grupos de variáveis, utilizou-se a técnica de Análise Multivariada de Correlação Canônica. Esse método estatístico busca identificar o quanto esses grupos estão relacionados. Inicialmente foram coletados um total de 276 questionários. Desse total, já no início, foram removidos 51 questionários pois estavam duplicados, ou seja, foram respondidos por diferentes unidades da mesma empresa. Para ser considerado válido, estabeleceu-se o critério de que o questionário deveria estar devidamente respondido. Desse total, foram excluídos 25 questionários da análise, pois não se enquadravam no critério de validação. Portanto, para o presente artigo foi utilizado um total de 200 questionários válidos. 2 Resultados e Discussão Os dados apresentados a seguir são referentes as 3 pressões institucionais que as empresas estão sujeitas no ambiente, sendo que as pressões normativas estão divididas em 3 tipos para melhor compreensão, formando assim a variável latente independente. Já a variável latente dependente foi agrupada em 6 possíveis práticas sustentáveis adotadas pelas 200 empresas que satisfizeram aos requisitos para considerar o questionário válido. Os quadros 2 e 3, apresentados em sequência, demonstram a composição das variáveis utilizadas na correlação canônica realizada. Cada uma das variáveis originais, em ambas as composições, representa uma pergunta específica do questionário. Portanto, para essa análise foi utilizado um total de 11 questões do questionário original. Quadro 2. Composição da variável Pressões Institucionais. Variável Latente

Pressões Institucionais

Variáveis Originais Pressões coercitivas (PC) Identifica periodicamente a legislação ambiental aplicável às suas atividades, produtos e serviços

Pressões miméticas (PM)

Pressões normativas (PN1)

Pressões normativas (PN2)

Pressões normativas (PN3)

Considera a concorrência no processo e concepção de sua política ambiental

Considera os órgãos financiadores no processo e concepção de sua política ambiental

Considera os órgãos certificadores no processo e concepção de sua política ambiental

Considera a opinião dos stakeholders na definição dos objetivos e metas

Fonte: Produção dos Autores. Quadro 3.Composição da variável Práticas Sustentáveis. Variável Latente Práticas Sustentávei s

Variáveis Originais Produçã o Limpa (PL)

Produção mais Limpa (P+L)

Logística Reversa (LR)

Avaliação de Impacto Ambiental (AIA)

Ações Compensat órias (AC)

Gestão da cadeia de suprimentos verde (GSCM)

Fonte: Produção dos Autores.

O estudo teve como foco a análise da relação entre as variáveis latentes. Entretanto, com objetivo de compreender melhor as variáveis originais, gerou-se informações descritivas necessárias para analisá-las. Os resultados na análise estão demonstrados nas tabelas 1 e 2. 597

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 1. Valores descritivos das variáveis originais do conjunto independente. P7C Moda

Percentis

P8M

P9N1

P10N2

P11N3

5

1

1

5

5

25

3,00

1,00

1,00

2,00

2,00

50

5,00

3,00

3,00

3,00

4,00

5,00 4,00 4,00 Fonte: Dados da pesquisa.

5,00

5,00

75

A tabela 1 apresenta a moda das variáveis e resume os valores centrais das variáveis originais das pressões institucionais. A partir desses dados, é possível afirmar que para a amostra estudada, a identificação periódica da legislação ambiental aplicável às suas atividades, produtos e serviços (PC), a consideração dos órgãos certificadores no processo e concepção da política ambiental (PN2) e a consideração da opinião dos stakeholders na definição dos objetivos e metas (PN3) são as pressões institucionais que afetam com maior frequência essas empresas da amostra, pois o valor da moda igual a 5 é referente as empresas que realizam estas ações ou práticas e já as formalizaram. Já a consideração da concorrência no processo e concepção da política ambiental (PM) e consideração dos órgãos financiadores no processo e concepção da política ambiental (PN1) são as pressões institucionais que afetam com menos frequência as organizações da amostra, visto que o valor da moda igual a 1 é referente às empresas que não realizam práticas ou ações neste sentido. Tabela 2. Valores descritivos das variáveis originais do conjunto dependente. P27PL Moda

Percentis

P28PML

P29LR

P31EIA

P34AC

P55GSCM

4

4

4

5

1

5

25

3,00

3,00

2,00

2,00

1,00

2,00

50

4,00

4,00

3,00

4,00

2,00

3,00

75

5,00 5,00 4,00 Fonte: Dados da pesquisa.

5,00

4,00

5,00

A assim como a tabela anterior, a tabela 2 resume os valores centrais das variáveis originais, abordando as práticas sustentáveis. Com base nesses dados, é possível afirmar que a Avaliação de Impacto ambiental (AIA) e a Gestão de Cadeia de Suprimentos Verde (GSCM) são as práticas da gestão ambiental com maior frequência de adoção pelas empresas da amostra, pois a moda 5 é referente as empresas que realizam estas ações ou práticas e já as formalizaram. As práticas Produção Limpa (PL), Produção mais Limpa (P+L) e Logística Reversa (LR), também são práticas com alta aceitabilidade entre as empresas da amostra, pois o valor da moda igual a 4 identificado é referente as empresas que realizam estas ações ou práticas, porém ainda não as formalizaram. Já a moda com o valor igual a 1 da prática Ação Compensatória, indica que esta prática da gestão ambiental tem baixa aceitabilidade entre as empresas da amostra, visto que o valor obtido é referente às empresas que não realizam práticas ou ações neste sentido. Cada variável original exerce uma influência sobre o seu conjunto latente, e quanto maior a carga canônica apresentada pela variável, maior é sua importância em seu conjunto latente. 598

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As tabelas 3 e 4 apresentadas abaixo, indicam os valores da influência de cada variável original sobre a variável latente, independente e dependente, respectivamente. Considerando que acima de 0,6 a força de influência é forte, pode-se afirmar que todas as variáveis das pressões institucionais são fortes. Além disso, observa-se na tabela 3 que a pressão normativa que leva em consideração a opinião dos stakeholders (PN3), ou seja, das partes interessadas na organização, é a que exerce maior influência sobre o conjunto das variáveis latentes. Tabela 3. Força das variáveis originais que compõem a variável independente. Variáveis Originais das Pressões Institucionais

Influência sobre a Variável Independente

PC

0,814

PM

0,653

PN1

0,701

PN2

0,849

PN3

0,868

Fonte: Produção dos Autores.Error! Not a valid link.Em contrapartida, sobre as variáveis dependentes não se pode afirmar que todas são fortes, pois a maioria apresenta valores abaixo do valor considerado como forte. Entretanto, as variáveis gestão da cadeia de suprimentos verde (GSCM) e avaliação de impacto ambiental (AIA) apresentadas na tabela 4 a seguir se destacam, apresentando força elevada. Tabela 4. Força das variáveis originais que compõem a variável dependente. Variáveis Originais das Práticas Sustentáveis

Influência sobre a Variável Dependente

PL

0,590

P+L

0,512

LR

0,532

AIA

0,837

AC

0,520

GSCM

0,873 Fonte: Produção dos Autores.

Para identificar a relação entre as variáveis latentes X e Y, sendo X a independente e Y a dependente, isto é, se há relação das pressões institucionais na adoção de práticas sustentáveis, utiliza-se o coeficiente de correlação canônica (Rc), com o resultado de 0,794. Elevando esse valor ao quadro encontra-se o coeficiente de 0,630436, o qual pode ser representado por 63%. Essa porcentagem, representa o grau de dependência entre as variáveis latentes, ou seja, permite afirmar que a variável latente independente (Pressões Institucionais) exerce uma influência de 63% sobre a variável latente dependente (Práticas sustentáveis). As tabelas 5 e 6 apresentadas a seguir são referentes as frequências das variáveis de maior força dentro do conjunto da variável latente dependente, a Gestão da cadeia de suprimentos verde (GSCM) e a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Tabela 5. Tabela de frequência variável GSCM.

Valid

Frequency

Percent

Cumulative Percent

1

42

21,0

21,0

2

33

16,5

37,5

3

32

16,0

53,5 599

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

4

43

21,5

75,0

5

50

25,0

100,0

Total

200

100,0 Fonte: Dados da pesquisa.

No caso da prática “Gestão da Cadeia de Suprimentos Verde”, os valores das frequências são mais homogêneos entre si, sendo que há uma tendência de concentração dos valores próxima aos extremos. O valor 5, que corresponde à utilização da prática e sua formalização, se destaca como o de maior frequência entre as empresas da amostra. Tabela 6. Tabela de frequência variável AIA.

Valid

Frequency

Percent

Cumulative Percent

1

25

12,5

12,5

2

39

19,5

32,0

3

32

16,0

48,0

4

34

17,0

65,0

5

70

35,0

100,0

Total

200

100,0 Fonte: Dados da pesquisa.

Já para a prática “Avaliação de Impacto Ambiental”, a frequência é mais dispersa e apresenta distância elevada entre os extremos. Observa-se que a menor frequência se encontra no valor 1, que corresponde a não utilização da ação em nenhum sentido. Para esta prática, somando-se as frequências dos valores 4 e 5, que correspondem, respectivamente, à utilização da prática e à formalização ou não pelas empresas, obtém-se uma porcentagem de 52%, o que denota mais da metade das empresas da amostra utilizando essa prática da gestão ambiental em questão. A tabela 6 e 7 demonstradas a seguir, indicam a frequência das variáveis originais que compõem o grupo independente com maior força dentro do conjunto. Tabela 7. Tabela de frequência variável PN3.

Valid

Frequency

Percent

Cumulative Percent

1

35

17,5

17,5

2

23

11,5

29,0

3

22

11,0

40,0

4

47

23,5

63,5

5

73

36,5

100,0

Total

200

100,0 Fonte: Dados da pesquisa.

Para a variável original (PN3), observa-se que as maiores frequências se encontram nos pontos 4 e 5. Somando essas frequências, obtém-se uma porcentagem de 60%, ou seja, mais da metade das empresas da amostra consideram a opinião dos stakeholders na definição dos objetivos e metas, sendo que, desses 60%, a maior parte dessas empresas já têm essa prática formalizada. Tabela 8. Tabela de frequência variável PN2.

Valid

1

Frequency

Percent

Cumulative Percent

45

22,5

22,5 600

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2

35

17,5

40,0

3

30

15,0

55,0

4

32

16,0

71,0

5

58

29,0

100,0

Total

200

100,0 Fonte: Dados da pesquisa.

Já a consideração dos órgãos certificadores no processo e concepção da política ambiental (PN2), observa-se que a frequência é homogênea entre os pontos 2 a 4, e que nos extremos as frequências são elevadas em relação as demais. 3 Conclusões Neste artigo, foi analisada a relação entre as práticas da gestão ambiental adotas pelas indústrias de Santa Catarina e as pressões institucionais que estas organizações estão sujeitas no ambiente com o objetivo de identificar as variáveis originais que mais exercem influência em seu conjunto latente. Para isso, buscou-se analisar na literatura acerca dos temas pertinentes ao estudo com o intuito de embasar a correlação entre as variáveis latentes. O estudo quantitativo realizado fornece o suporte empírico necessário para indicar a existência de uma correlação positiva entre as pressões institucionais e as práticas sustentáveis adotadas pelas organizações, assim como afirmar que a relação é relevante devido ao grau de dependência de 63% entre X (pressões institucionais) e Y (práticas sustentáveis) obtido ser considerado como forte. Os resultados encontrados corroboram com os estudos de Bansal (2005) e Jennings e Zandbergen (1995), que evidenciam que as três pressões institucionais, normativa, coercitiva e mimética, influenciam positivamente na adoção de práticas ambientais sustentáveis. Para Bansal (2005), as empresas que adotam práticas sustentáveis antes das demais no ambiente organizacional reconhecem a possibilidade de melhorias no desempenho da organização através da inovação. O autor também salienta que, após a adoção pela maioria das empresas, essas práticas tornam-se legitimadas no ambiente, conduzindo as restantes a adotarem as mesmas práticas devido as pressões institucionais, num processo de institucionalização. As pressões institucionais que mais contribuem para a correlação são as pressões normativas, com as variáveis “consideração dos órgãos certificadores na concepção da política ambiental da organização” (PN2) e a “opinião dos stakeholders na definição dos objetivos e metas da organização” (PN3), e as pressões coercitivas com a variável “identificação periódica da legislação ambiental” (PC) que, segundo Hategan e IvanUngureanu (2014), força as organizações se adequarem as políticas e leis vigentes no país em que atuam, também contribuem consideravelmente com a correlação. As novas exigências aumentam o nível de atenção que as organizações devem atribuir à responsabilidade socioambiental e geram novos desafios a serem vencidos para as organizações manterem a legitimidade no ambiente. Assim, em razão dos custos serem um fator crítico para se implementar práticas sustentáveis tal como logística reversa, produção mais limpa, compensação ambiental, entre outras práticas da gestão ambiental e a constante criação de leis para diminuir o impacto no ambiente, organizações devem buscar atender aos requisitos legais e da sociedade para alcançarem legitimidade (Tesai e Hung, 2009; DiMaggio e Powell, 1983). As organizações também devem ser proativas observando as pressões externas relativas à gestão ambiental, pois a adoção de estratégias e práticas ambientais institucionalizadas no ambiente aumenta a capacidade de sobrevivência das organizações. Neste aspecto, fica evidente a necessidade da adoção de práticas sustentáveis pelas organizações, para alcançarem legitimidade, assim como aumentarem seus lucros e obterem sucesso (Masoumik et al., 2015; DiMaggio e Powell, 1983). 601

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O presente estudo contribui com a compreensão sobre o surgimento do tema sustentabilidade, assim como sobre as práticas sustentáveis, principalmente no cenário brasileiro. O método estatístico utilizado, a correlação canônica, também contribui para a compreensão dos temas abordados, pois permite relacionar os dois conjuntos de variáveis. Na perspectiva de novos estudos, propõem-se compreender temáticas relacionadas às práticas sustentáveis com a utilização de um questionário formulado exclusivamente para a correlação canônica, pois aumentará a compreensão sobre a relação entre esses temas com as práticas da gestão ambiental.

Referências Abdullah, N. A. H., Yaakub, S., 2014. Reverse logistics: pressure for adoption and the impact on firm's performance. International Journal of Business & Society. v. 15, n. 1, pp. 151 – 170. Alperstedt, G. D., Bulgacov, S., 2013. Gestão ambiental, práticas e praxis estratégica: um estudo quantitative em empresas industriais brasileiras. In: TMS ALGARVE MANAGEMENT STUDIES, INTERNAL CONFERENCE, 2014, Faro. Anais… Faro: UAlg ESGHT, pp. 313 – 327. Alperstedt, G. D., Quintella, R. H., Souza, L. R., 2010. Estratégias de gestão ambiental e seus fatores determinantes: uma análise institucional. Revista de Administração de Empresas, v. 50, n. 2, pp. 170 – 186. Baas, L., 2007. To make zero emissions technologies and strategies become a reality, the lessons learned of cleaner production dissemination have to be known. Journal of Cleaner Production, v. 15, n. 13-14, pp. 1205 – 1216. Bansal, P., 2005. Evolving sustainably: a longitudinal study of corporate sustainable development. Strategic Management Journal, v. 26, n. 3, pp. 197 – 218. Bansal, P., Bogner, W. C., 2002. Deciding on ISO 14001: economics, institutions, and context. Long Range Plan, v. 35, n. 3, pp. 269 – 290. Barbosa, E. M., Barata, M. M. L., Hacon, S. S., 2012. Health and environmental licensing: a methodological proposal for assessment of the impact of the oil and gas industry. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 2, pp. 299 – 310. Bonilla, S. H., Almeida. C. M.V.B., Giannetti, B. F., Huisingh, D., 2010. The roles of cleaner production in the sustainable development of modern societies: an introduction to this special issue. Journal Of Cleaner Production. v. 18, n. 1, pp. 1 – 5. Campos, H. K. T., 2014 Recycling in Brazil: challenges and prospects. Resources, Conservation and Recycling, v. 85, pp. 130 – 138. Chiang, J.-H., Tseng, M-L., 2005. The impact of environmental characteristic on manufacturing strategy under cleaner production principles guidance. Journal of American Academy of Business, Cambridge. v. 7, n. 1, pp. 163 – 168. Cigolini, R., Cozzi, M., Perona, M., 2004. A new framework for supply chain management. International Journal of Operations & Production Management, v. 24 n. 1 pp. 7 – 41. Cowell, R., 1997. Stretching the limits: environmental compensation, habitat creation and sustainable development. Transactions of the Institute of British Geographers, v. 22, n. 3, pp. 292 – 306. D'Aquino, S. F., De Borba Prá, F., Goulart, M. C. F., Campos, L. M. S., Miguel, P. A. C., 2014. Uma análise da aplicação empírica da produção mais limpa na manufatura no journal

602

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

of cleaner production. Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos. v. 11, n. 3, pp. 246 – 258. Das, K., 2012. Integrating reverse logistics into the strategic planning of a supply chain. International Journal of Production Research. v. 50, n. 5, pp. 1438 – 1456. De Figueiredo, M. A. G., Deorsola, A. C., 2011. The question of socio-environmental accountability in recycling of plastics in Rio de Janeiro. Procedia Environmental Sciences, v. 4, pp. 323 – 330. DiMaggio, P. J., Powell, W. W., 1983. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, pp. 147 – 160. Fahimniaa, B., Sarkis, J., Davarzan, H., 2015. Green supply chain management: a review and bibliometric analysis. Internal Journal of Production Economics, v. 162, pp. 101 – 114. Giovannini, F., Kruglianskas, I., 2008 Fatores Críticos de Sucesso para a Criaçăo de um Processo Inovador Sustentável de Reciclagem: um Estudo de Caso. Revista de Administração Comtemporânea, v. 12, n. 4, pp. 931 – 951. Grober, U., 1999 The inventor of sustainability. Zeit Online. https://tufreiberg.de/presse/download/carlowitz/The-Inventor-of-Sustainability_UlrichGrober_ZEIT_EN.pdf (accessed 06.03.2015). Haţegan, C.-D., Ivan-Ungureanu, C., 2014. Frameworks for a sustainable development indicators system. Theoretical and Applied Economics, v. 18, n. 3, pp. 31 – 44. Hughes, E. C., 1936. The ecological aspect of institutions. American Social Review, v. 1, n. 2, pp. 180 – 189. Hughes, E. C., 1942. The study of institutions. Social Forces, v. 20, n. 3, pp. 307 – 310. Jabbour, A. B. L. S., Azevedo, F. S., Arantes, A. F., Jabbour, C. J. C., 2013. Green supply chain management in local and multinational high-tech companies located in Brazil. Internal Journal of Advanced Manufacturing Technology, v. 69, pp. 807 – 815. Jay, S., Jones, C., Slinn, P., Wood, C., 2007. Environmental impact assessment: Retrospect and prospect. Environmental impact assessment review, v. 27, n. 4, pp. 287 – 300. Jennings, P. D., Zandbergen, P. A., 1995. Ecologically sustainable organizations: an institutional approach. Academy of Management Review, v. 20, n. 4, pp. 1015 – 1052. Kim, S. W., 2006. Effects of supply chain management practices, integration and competition capability on performance. Supply Chain Management: An International Journal, v. 11, n. 3, pp. 241 - 248. Kjaerheim, G., 2005. Cleaner production and sustentability. Journal of Cleaner Production. v. 13, n. 4, pp. 329 - 339. Kumar, C. C. S., 2000. Supply chain management in theory and practice: a passing fad or a fundamental change?. Industrial Management & Data Systems, v. 100 n. 3 pp. 100 – 114. Lai, K., Wong, C. Y. W., 2012. Green logistics management and performance: some empirical evidence from Chinese manufacturing exporters. Omega, v. 40, n. 3, pp. 267 – 282. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (1981). Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 set. 1981. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 (2000). Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

603

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Natureza e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 jul. Lima, G. F. C., 1997. O debate da sustentabilidade na sociedade insustentável. Política & Trabalho, n. 13, pp. 201 – 222. Lummus, R. R., Vokurka, R. J., 1999. Defining supply chain management: a historical perspective and practical guidelines. Industrial Management & Data Systems, vol. 99, n. 1, pp. 11 – 17. Meyer, J. W., Rowan, B., 1977. Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony. American Journal of Sociology, v. 83, n. 2, pp. 340 – 363. Pedroso, A., Cella-De-Oliveira, F. A., Dutra, I. S., Morozini, J. F., 2012. Processo ou ações de ecoeficiência em empresas da cadeia produtiva agroindustrial da suinocultura de Toledo Paraná, Brasil. Capital Científico. v. 10, n. 1, pp. 1 – 17. Ramos, T. B.; Cecílio, T.; De Melo, J. J., 2008. Environmental impact assessment in higher education and training in Portugal. Journal of Cleaner Production, v. 16, n. 5, pp. 639 – 645. Ribeiro, L. C. S., Freitas, L. F. S., Carvalho, J. T. A., Filho, J. D. O., 2014. Aspectos econômicos e ambientais da reciclagem: um estudo exploratório nas cooperativas de catadores de material reciclável do Estado do Rio de Janeiro. Nova Economia, v. 24, n. 1, pp. 191 – 214. Rundcrantz, K., Skärbäck, E., 2003. Environmental compensation in planning: a review of five different countries with major emphasis on the german system. European Environmental, v. 13, n. 4, pp. 204 – 226. Sarkis, J., 2003. A strategic decision framework for green supply chain management. Journal of Cleaner Production, v. 11, pp. 397 – 409. Sperandio, S. A., Donaire, D. Produção limpa: da concepção à realidade. In: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 12., 2005, Bauru. Anais… Bauru, 2005. Srivastava, S. K., 2007. Green supply-chain management: a state-of-the-art literature review. International Journal of Management Reviews, v. 9, n. 1, pp. 53 – 80. Steinemann, A., 2001. Improving alternatives for environmental impact assessment. Environmental Impact Assessment Review, v. 21, n. 1, pp. 3 – 21. Strong, M. F., 1973. One year after Stockholm: an ecological approach to management. Foreign Affairs, v. 51, n. 4, pp. 690 – 707. Surjono, D. W. A., 2011. Sustainable production and consumption and the role of cleaner production. International Journal of Academic Research, v. 3, n. 4, pp. 176 – 179 Thorpe, B., 1999. Citizen’s guide to clean production. University of Massachussets, Lowell. Tsai, W.-H., Hung, S.-J., 2009. Treatment and recycling system optimisation with activitybased costing in WEEE reverse logistics management: an environmental supply chain perspective. International Journal of Production Research, v. 47, n. 19, pp. 5391 – 5420. Vasiliauskas, A. V., Zinkevičiūtė, V., Šimonytė, E. Implementation of the concept of green logistics reffering to it applications for road freight transport enterprises. Business: Theory & Practice, v. 14, n. 1, pp. 43 – 50, 2013. WCED. Our common future. Oxford University Press, Oxford, 1987.

604

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O triplo papel do Estado para a promoção das compras públicas sustentáveis no governo federal do Brasil Marcus Oliveira1, João Simão1,2, Sandra Caeiro1,3 1

Universidade Aberta, Portugal, [email protected]

2

CAPP – Centro de Administração e Políticas Públicas, [email protected]

3

CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, [email protected]

Resumo As políticas de incentivo às compras públicas sustentáveis, inseridas na grande temática relacionada à produção e ao consumo sustentável, podem ser consideradas como uma das formas para atingimento dos objetivos inerentes ao desenvolvimento sustentável. Como reflexo dos recentes esforços e indicativos de organismos internacionais, elas são praticadas em todo o mundo por inúmeros governos nacionais, inclusive pelo governo federal do Brasil – um país de grandes dimensões e uma economia emergente, investigado neste trabalho como um estudo de caso. As ações governamentais nessa direção são capazes também de influenciar toda a dinâmica do mercado, ao alterar os padrões produtivos e as formas de comprar e consumir, com os consequentes conflitos de interesse envolvidos. Ao apoiar e desenvolver as políticas de promoção das compras sustentáveis, o poder público assume papéis específicos. Nesse aspecto, sob quaisquer óticas de análise, o Estado é um stakeholder importante no processo de desenvolvimento das políticas de compras públicas sustentáveis e estudar o seu papel nesse contexto se torna essencial. O objetivo desse trabalho é apresentar e discutir sobre os papeis exercidos pelo Estado na promoção das compras públicas sustentáveis no governo federal brasileiro. Para tal, foram coletados dados por meio de pesquisa bibliográfica e entrevistas com doze especialistas em compras públicas sustentáveis, responsáveis pelo desenvolvimento da temática em nível governamental, acadêmico e prático. Da análise dos dados, evidenciou-se que o Estado desempenha um triplo papel, pois é, ao mesmo tempo, regulador, autor das normas e grande player do mercado de compras sustentáveis. Essas funções foram detalhadas e discutidas ao longo do trabalho. Concluiu-se que é marcante o triplo papel exercido pelo Estado. Ele é a única entidade com verdadeira legitimidade para representar os interesses da sociedade na busca pelo desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: Estado, Desenvolvimento sustentável, Produção e consumo sustentável, Compras públicas sustentáveis, Política pública. 1. Introdução Em uma sociedade moderna, muitas preocupações estão presentes, algumas delas sob a tutela do Estado como responsável pela formulação de políticas públicas para que ações sejam efetivamente desenvolvidas, a representar os interesses da sociedade. Entre essas preocupações, destaca-se a busca pelo desenvolvimento sustentável (DS). Os documentos basilares formadores do pensamento dominante acerca do DS evidenciam as contribuições que várias instituições (entre elas, o Estado) podem fornecer para o alcance da sustentabilidade em suas variadas dimensões. As políticas públicas estão relacionadas às ações desenvolvidas pelo governo para promover questões de interesse público. A busca pelo DS é um dos temas que, apesar das dificuldades de implementação, interessa a toda sociedade e, devido a isso, abarca iniciativas governamentais em todo o mundo.

605

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As políticas públicas são as principais ações governamentais capazes de influenciar diretamente os negócios (Buchholz e Rosenthal, 2004) e a resultar em preocupações importantes para muitas empresas (Keim e Baysinger, 1988), pois habitualmente há conflitos de interesses entre essas políticas e a livre economia de mercado, sendo o Estado a única entidade com legitimidade para representar a sociedade (Buchholz e Rosenthal, 2004), além de ter a responsabilidade na formação e estrutura do ambiente de negócios e das relações entre os stakeholders (Sibel e Ömür, 2005). O poder público, ao se engajar em uma proposta de DS, deverá ter a capacidade de influenciar o mercado com o objetivo de transformar padrões produtivos e as formas de comprar e consumir. Tais ações envolvem a revisão ou revogação de políticas públicas existentes ou mesmo a criação de novas (Wolff e Schönherr, 2011). As atividades de compras governamentais como instrumentos de implementação de políticas públicas são uma alternativa que se utiliza da capacidade do Estado em interferir na dinâmica do mercado. Consciente de seu poder de compra e promotor do desenvolvimento sustentável, várias nações estão a integrar critérios econômicos, sociais e ambientais em suas licitações (Biderman et al, 2008; Brammer e Walker, 2007), ao formular novas políticas públicas de compras que provocam impactos no setor produtivo, como uma espécie de “efeito dominó” (Ipea, 2011). Tal esforço e políticas são reconhecidas e estimuladas em vários eventos e documentos de abrangência mundial, sob a tutela da Organização das Nações Unidas (ONU), que ressaltam o papel estratégico do governo de indução às mudanças de padrões de produção e consumo sustentáveis, inclusive com a utilização das compras públicas, pois se considera que elas produzem um impacto ambiental e social muito mais amplo do que se imaginava (Ipea, 2011). Entre as ações de busca de padrões mais sustentáveis de produção e consumo, incluem-se as políticas de apoio às compras públicas sustentáveis (CPS). No Brasil, o tema ganhou impulso principalmente a partir de 2010, quando a base legal que a proteje começou a ser estabelecido, tornando-se gradativamente uma política pública. Ao se engajar na liderança das ações de planejamento, implementação e fiscalização relacionadas às CPS, o Estado assume funções específicas e que precisam ser melhor compreendidas. Este é um artigo teórico-empírico, baseado em um estudo de caso no governo federal brasileiro, cujo principal objetivo é apresentar e discutir acerca dos papeis vivenciados pelo Estado na promoção das compras públicas sustentáveis. Tem-se como objetivos específicos: a) Discutir sobre o papel do Estado enquanto regulador do mercado; b) Discutir acerca do papel do Estado enquanto autor das normas que disciplinam as ações de compras públicas sustentáveis; c) Discutir sobre o papel do Estado como participante do mercado. Além dessa seção introdutória, que contemplará a revisão de literatura apresentada nos pontos 1.1, 1.2 e 1.3, o artigo será composto por mais três partes. Na seção 2 serão apresentados os métodos utilizados. Na seção 3, serão apresentados e discutidos os resultados alcançados. Finalizou-se com a seção 4 que apresentou as conclusões do trabalho. 1.1 Contribuições do Estado para o desenvolvimento sustentável O Relatório Brundtland (CMMAD, 1987), em sua parte III (Esforços Comuns), dedicou um capítulo inteiro às propostas de mudanças institucionais e legais em prol da transição para o DS. A obra chama a atenção para a responsabilidade da ONU e dos governos no estímulo às políticas que busquem o desenvolvimento sustentável.

606

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Os primeiros passos concretos do comprometimento dos Estados frente aos desafios do DS surgiram após a Eco-92, com a publicação da Agenda 21 e a decisão dos governos em construir diálogo permanente no sentido de alcançar uma economia mais eficiente e equitativa, tornando o DS um item prioritário na agenda da comunidade internacional (CNUMAD, 1992: 7). Ao longo de seus 40 capítulos, a Agenda 21 sugeriu uma parceria mundial para integrar ambiente e desenvolvimento, com inclusão social. O documento não teve valor jurídico nem compromissos obrigatórios, mas fez com que vários Estados abraçassem seus princípios, a escolher para desenvolver prioritariamente aqueles que consideravam mais urgentes (Betiol et al, 2012). Notadamente em seu capítulo 28, a Agenda 21 trouxe a ideia de que os países, estados e cidades devessem desenvolver suas próprias agendas locais, pois muitos dos problemas tratados por ela tinham suas raízes nas atividades locais. O citado capítulo é dedicado ao papel das autoridades políticas locais na introdução de um planejamento global, destinado a promover o DS dentro de sua localidade (Baker, 2006). Novos avanços surgiram na Cimeira de Joanesburgo. Em seu Plano de Implementação (UN, 2002), indicou que os governos deveriam desenvolver programas-quadros decenais que apoiassem as ações nacionais e regionais para a mudança nos atuais padrões de consumo e produção. Na Rio +20, o compromisso político dos governos com o DS foi renovado, em um encontro em que foram discutidos os progressos, estagnações e retrocessos ocorridos nos últimos vinte anos de conferências deste tipo (desde a Eco-92). O comprometimento assumido pelos Estados esteve refletido nas discussões sobre os dois temas principais da Conferência: a) a economia verde no contexto do DS e da erradicação da pobreza e b) a estrutura institucional para o DS. Houve poucos resultados práticos em relação ao compromisso dos países com a sustentabilidade. Apesar disso, o documento fruto do encontro – “O futuro que queremos” (UN, 2012) – incorporou algumas diretrizes e compromissos que podem indicar os próximos passos das contribuições que os governos podem fornecer para o desenvolvimento em bases sustentáveis. Percebe-se que o Estado é um ator importante, com responsabilidades e liderança exercidas essenciais para o atingimento do DS. Apesar disso, deve-se considerar que não se alcança o desenvolvimento sustentável por meio do esforço isolado de um país, uma instituição ou uma dimensão (Sachs, 2004; Simons et al, 2001; CMMAD, 1987). Entre outras ações efetivas, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas que privilegiem a produção e o consumo sustentáveis, entre as quais estão incluídas as políticas de apoio às CPS. 1.2 Políticas públicas e compras públicas sustentáveis As políticas públicas são caracterizadas pelas ações do Estado voltadas para o desenvolvimento de setores e necessidades específicas da sociedade, tais como educação, saúde, transporte, segurança pública, desenvolvimento tecnológico, social, econômico e ambiental. Nesses casos, a ação está atrelada à intencionalidade, pois até mesmo uma nãoação poderá ser considerada uma política pública (Birkland, 2005). Nessa linha de raciocínio, fica manifesta que a promoção das CPS é uma política pública, bem como as decisões governamentais de não adquirir produtos que não estejam alinhados ao conceito de sustentabilidade. As políticas públicas devem se concentrar em programas concretos, critérios, linhas de ação, normas, planos, além de serem preferencialmente incluídas nas disposições constitucionais, leis, regulamentos, decretos etc. (Dias e Matos, 2012). As políticas de apoio

607

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

às CPS seguem esse esquema, pois estão apoiadas nas leis e regulamentos que regem a matéria. Apesar de sua importância, considerando-se o peso das compras públicas como instrumento político utilizado pelos governos em todo o mundo, as pesquisas sobre aquisições públicas ainda são incipientes (Weiss e Thurbon, 2006; Walker et al, 2008). Mais raros ainda são os estudos acerca das políticas de CPS. Os trabalhos de Brammer e Walker (2011) e Walker e Brammer (2009) se destacam na tentativa de entendimento do contexto das políticas nacionais de promoção das CPS. Os referidos autores, a partir da adaptação do esquema proposto por Gelderman et al (2006) propuseram um arcabouço conceitual capaz de elucidar os elementos inter-relacionados que influenciam essas políticas (Figura 1).

Percepção dos custos e benefícios da política Familiaridade com as políticas Contexto político nacional

Disponibilidade/

Compra pública sustentável

resistência dos fornecedores Incentivos/pressões organizacionais Figura 1. Modelo conceitual das influências sobre as compras sustentáveis Fonte: Adaptado de Gelderman et al (2006).

De acordo com o modelo, as políticas de CPS derivam de um contexto político nacional e dependem diretamente da percepção da relação custo x benefício das ações, do nível de conhecimento sobre a política, da disponibilidade de fornecedores e da resistência destes em aderir à produção de produtos sustentáveis, além do apoio e pressões internas aos gestores das organizações. Dessa forma, considerando-se que o êxito das ações de CPS deriva originariamente do contexto político nacional, entender o papel exercido pelo Estado se torna essencial. 1.3 O triplo papel do Estado na promoção das CPS As relações dos atores envolvidos nos problemas de produção e consumo são complexas, pois eles impactam e são impactados mutuamente (Betiol et al, 2012, p. 24). As arenas de poder para a formação de políticas públicas são igualmente conflituosas. Nessas relações, merece destaque o papel específico do Estado que é o planejador, implementador e fiscalizador das políticas de incentivo à produção e consumo sustentável. Notadamente nas compras governamentais, o governo é um grande comprador, pode influenciar o mercado através das políticas públicas adotadas e seus atos regulatórios impõem limites ao comportamento das empresas (Porter, 1986; Telgen et al, 2007). Nessa indústria, o Estado desempenha um triplo papel: é o regulador, autor das normas e 608

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

participante do mercado128. É como se fosse, ao mesmo tempo, jogador, autor das regras e árbitro de um jogo (Telgen et al, 2007). Destacar-se-á a seguir alguns aspectos teóricos dessas funções governamentais. 1.3.1. O Estado e a sua função regulatória A função regulatória do Estado está relacionada às intervenções governamentais desenvolvidas com vistas a salvaguardar as políticas públicas, ao disciplinar, fiscalizar ou reprimir ações de terceiros que vão de encontro ao interesse público. Entretanto, a relação das empresas com seus stakeholders não é tão amistosa. Vários são os interesses das partes interessadas (e no setor de produtos sustentáveis não é diferente). Consumidores, empregados, fornecedores, comunidade, administradores e o próprio governo têm interesses específicos e, por diversas vezes opostos, que, ao se realizarem os trade-offs, conflitos e demandas inconsistentes podem surgir (Jensen, 2002). Por outro lado, a implementação do interesse público pelo desenvolvimento sustentável, por meio de processos de compras públicas, não pode tornar estes últimos ineficientes ou desvirtuados de seu objetivo, “a pretexto dessa nova função regulatória, não se pode partir de uma equivocada premissa de que a licitação é a solução de todos os males, sob pena de aumentar sua complexidade e burocracia” (Garcia e Ribeiro, 2012:236). O Estado tenta incentivar e desenvolver o mercado e as empresas fornecedoras de produtos e serviços sustentáveis, por sua vez, querem ter a certeza que haverá mercado consumidor. Nesse sentido, elas também exercem grande pressão no governo, ao reivindicar, por exemplo, incentivos econômicos para a produção, marco legal claro para o setor, garantia de compra dos produtos, além de critérios, regras e padrões bem definidos em todo o processo de compra (Betiol et al, 2012). As empresas com maior capacidade de adaptação podem perceber esse novo mercado como uma grande oportunidade de alavancagem de suas vendas e construção de barreiras de entrada para outras empresas concorrentes, pois os critérios de sustentabilidade utilizados nas licitações podem restringir a participação de algumas empresas incapazes de se adequarem rapidamente à nova realidade (Ipea, 2011). Diante do exposto, o papel regulador do Estado fica evidente, mas também será necessário o estabelecimento de regras claras para o setor, como será destacado a seguir. 1.3.2. O Estado como autor das normas O desenvolvimento de políticas de apoio às compras públicas sustentáveis necessita inevitavelmente de inclusões ou modificações no arcabouço legal específico para a temática, a promover alterações significativas no sistema jurídico-legal que ampara essas atividades e, dessa forma, facilitar a implementação das ações sob o amparo de normas que proteja o Estado, os compradores e os fornecedores nas inovações introduzidas pelo novo processo de compras. Ou seja, um ambiente de negócios capaz de assegurar uma boa segurança jurídica para as empresas fornecedoras e, principalmente, para que os representantes do Estado possam adquirir os produtos e serviços sustentáveis amparados legalmente (Betiol et al, 2012). Para os compradores públicos, há a necessidade de estarem bem especificados os benefícios e a legalidade das políticas de CPS, evidenciando-se o contexto de ganha-ganha (e não o de disputa de forças) de todo o processo, no qual o Estado ganha ao promover o desenvolvimento sustentável, a sociedade ganha ao usufruir dos benefícios socioambientais 128 Os citados papeis também foram observados no setor bancário no trabalho desenvolvido por Sibel e Ömür (2005) e nas questões de responsabilidade social, nas investigações de Fox et al (2002) e Ward (2004).

609

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

atingidos por meio dos critérios considerados nas aquisições e os fornecedores ganham ao vender produtos com maior valor agregado e mais adaptados às exigências atuais dos consumidores (Ipea, 2011; Porter e Van der Linde, 1995). 1.3.3. O Estado como participante do mercado Além da sua função regulatória e da autoria das normas que regem as atividades de CPS, o Estado também é um grande player e participa ativamente do mercado de produtos sustentáveis. Ele utiliza seu considerável poder de compra e de sua capacidade de promover a competitividade e a inovação no setor para alavancar a política de promoção das CPS. 1.3.3.1. O poder de compra O valor das aquisições públicas, como percentual do PIB, pode variar entre 8 e 25% (Ipea, 2011). Em algumas economias em desenvolvimento esse peso varia entre 10 e 80% do PIB (Ssennoga, 2006). Autoridades públicas europeias têm um poder de compra equivalente a € 1 trilhão, representando cerca de 15% do PIB da União Europeia. No Brasil, as compras governamentais representam 10% do PIB nacional, algo em torno de $ 300 bilhões (Biderman et al, 2008; European Commission, 2006, PNUMA, 2012). Alinhado à temática da busca e promoção do desenvolvimento sustentável, a utilização do poder de compra governamental é uma estratégia utilizada por várias nações e relacionada a questões emergentes, tais como a mudança do clima, o consumismo superior à capacidade do planeta, a busca por menos desigualdades socioeconômicas e a qualidade de vida no mundo cada vez mais urbanizado (Betiol et al, 2012). A utilização das compras e contratações públicas para o alcance de outros resultados, além do simples objetivo de suprimento, transforma o Estado, com o seu grande poder de compra, em um elemento poderoso para a promoção do DS. As entidades públicas são geralmente grandes compradoras, a evidenciar a participação cada vez mais ativa do Estado no mercado, deixando de ter apenas a função reguladora e assumindo também a função de grande consumidor (McCruden, 2004). Adicionalmente, a ideia do Estado regulador está modernamente desenvolve-se a compreensão de quesito monetário, mas também ao custo social gerações. Nesse momento, o Estado pode e deve interferir nas relações sociais (Silva et al, 2012).

atrelada ao caráter econômico, porém custos não somente relacionados ao e ambiental, o custo para as futuras valer-se do seu poder de compra para

Considerando-se o volume dos recursos envolvidos, o setor público, enquanto consumidor de porte elevado, está em posição privilegiada para estimular economias de escala que alavanquem margens de lucro e reduzam os riscos dos produtos adquiridos (Ipea, 2011), gerando um efeito em cadeia no mercado. Observado sob o prisma ambiental e social, ao se utilizar adequadamente de seu poder de compra, o Estado pode promover externalidades positivas. Uyarra e Flanagan (2010) destacam as possibilidades de utilização do poder de compra governamental para as políticas públicas, ao enfatizar que o uso estratégico da demanda governamental pode aperfeiçoar o desempenho do governo nas suas próprias compras, além de garantir maior rapidez na consecução de determinadas políticas, com melhoria da qualidade do serviço público. Edquist et al (2000) complementam essa ideia ao ressaltar que as compras poderiam ser adicionalmente utilizadas para aumentar a demanda, estimular a atividade econômica e o emprego, proteger as organizações nacionais, aumentar a competitividade entre empresas, minimizar disparidades regionais e criar empregos para setores marginais da força de trabalho, ou seja, temas relacionados às CPS. 610

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Squeff (2014), em alusão a mais uma justificativa apresentada pelos autores que sustentam a legitimidade de uma ação estatal articulada para o uso do poder de compra público, destaca que Edler e Georghiou (2007) argumentaram que os compradores, tanto privados quanto públicos, podem frequentemente não estar conscientes ou informados sobre os produtos e as inovações que o mercado oferece ou potencialmente pode vir a oferecer, e que a ação governamental seria ideal para articular e comunicar preferências e demandas. Ao considerar-se o poder público como agente de mudança econômica, social e ambiental, deve-se levar em consideração que apenas um órgão público, em geral, por si só, não é capaz de gerar inovação ou alterar substancialmente a sistemática competitiva de um setor. Porém quando diversas autoridades públicas combinam seu poder de compra, por exemplo, para utilizar critérios de sustentabilidade nas compras, os resultados podem ser surpreendentes (Biderman et al, 2008). 1.3.3.2. O incentivo governamental à competitividade e à inovação Desde o desenvolvimento da Teoria Schumpeteriana, defensora do desenvolvimento econômico gerado através das perturbações ocorridas nos sistemas produtivos (principalmente as causadas pela inovação), os assuntos relacionados ao incentivo governamental à competitividade e à inovação de setores econômicos são discutidos. Porém, no âmbito do desenvolvimento sustentável, a partir de 2004, com a publicação do Kok Report, o tema ganhou novo impulso que culminou com a publicação de outros estudos (Rofstam, 2005; Edler e Georghiou, 2007; Edler, 2009; Uyarra e Flanagan, 2010; Georghiou e Harper, 2011; Edler et al, 2012), em uma tentativa de investigar a articulação das compras públicas com o fomento à inovação (Squeff, 2014). Não há consenso teórico sobre as ações governamentais orientadas para o incentivo à demanda. Há argumentos que sugerem que a excessiva intervenção do Estado pode distorcer a economia de mercado e outras que apontam que as compras podem servir como estímulos em determinadas condições, tais como reforço de padrões, definição de um conjunto claro de necessidades, garantia de mercado para novos produtos e serviços e incentivo à competição e inovação (Squeff, 2014), podendo ajudar, inclusive, em grandes desafios mundiais: aquecimento global, redução no fornecimento de energia, água e alimentos, sociedades em envelhecimento, saúde pública, pandemias e segurança, tal como apresentado no trabalho de Edquist e Zabala-Iturriagagoitia (2012). Nesse sentido, o Estado pode exercer importante função na condução de inovações, por meio do estímulo à pesquisa, oferta de crédito ou utilização do seu poder de compra. O fato é que, ao pôr em prática as políticas de aquisições sustentáveis, o Estado também participa do mercado como comprador, aumentando o seu poder enquanto stakeholder e exercendo um papel indutor, capaz de promover significativas oportunidades (ou ameaças) para as empresas fornecedoras. Além de estimular a competição, as compras públicas podem contribuir para a inovação desejada das empresas, ao promover a inovação tecnológica para produzir bens e serviços em padrões adequados (Ipea, 2011). Sob o aspecto ambiental, ao incorporar exigências ambientais em suas compras, o governo pode obrigar as empresas a responderem com inovações e possíveis ganhos de competitividade, por meio da racionalização no uso de insumos (redução de custos) ou aumento do valor do produto, suposição conhecida como Hipótese de Porter. Janelas de oportunidade poderão se abrir para aquelas empresas que se planejam e agem considerando as questões ambientais, de forma a aproveitar novas oportunidades de negócio e desenvolver inovações tecnológicas importantes. Em resumo, inovar para se adequar às novas regulamentações pode trazer compensações para as empresas (Porter e Van der Linde, 1995). O fortalecimento das organizações que lidam com produtos sustentáveis, além de proporcionar ganhos sociais, poderá aumentar sua eficiência por meio da diminuição dos 611

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

custos ambientais (Betiol et al, 2012). Para as organizações fornecedoras de produtos tradicionais, tal medida pode se tornar uma grande ameaça para seus negócios, enquanto que, para aquelas que conseguem se adaptar ou que já fornecem os ditos produtos sustentáveis, essa política se torna uma grande oportunidade para extensão de suas atividades. Isso evidencia um dos principais papeis do governo que, segundo Porter (1991), é incentivar as empresas a melhorarem seu desempenho competitivo, a promover a rivalidade e incentivar a mudança. Nesse contexto de mudanças e medição de forças, os Estados necessitam formular e cumprir marcos legal e regulatório de promoção das CPS como uma das estratégias para alcance do DS, enquanto que as empresas precisam se adequar rapidamente às novas regras, permanecendo no mercado aquelas com mais capacidade de adaptação e que, portanto, estejam aptas a promover mudanças inovadoras na sua forma de produção, tendo como prêmio um novo mercado, amplo e em crescimento – o de fornecimento de bens e serviços sustentáveis ao governo. 2. Métodos De caráter exploratório, este artigo é um estudo de caso (Yin, 2009) no governo federal do Brasil – uma economia emergente de grandes dimensões, operacionalizado por meio de uma abordagem qualitativa composta por revisão bibliográfica e entrevistas com especialistas (Saunders et al, 2009). O trabalho é caracterizado por estar orientado para a descoberta e a melhor compreensão dos conceitos e ideias abordados, com vistas a facilitar o desenvolvimento das próximas etapas de uma investigação (Gil, 1994; Hair et al, 2005), pois se trata de parte da tese de doutorado do primeiro autor desse trabalho. Os dados foram coletados em duas fases. Na primeira, houve revisão bibliográfica e documental com o objetivo preliminar de identificar os papeis exercidos pelo Estado na promoção das CPS no governo federal brasileiro. Para confirmação e complementação dos dados levantados, em um segundo momento foram realizadas doze entrevistas com especialistas conhecedores da temática, escolhidos intencionalmente por participarem da elaboração da política em nível estratégico, por produzirem conhecimento científico ou por estarem envolvidos com a formação de outros profissionais, ou seja, pessoas que sejam consideradas experts no tema no Brasil. A caracterização dos entrevistados está apresentado no quadro 1. Utilizou-se a técnica de entrevistas semi-estruturadas, com a utilização de um conjunto de questões pré-definidas (guião) que abordou temas variados, alguns deles diferentes dos tratados nesse trabalho, pois estavam mais relacionados aos objetivos da tese desenvolvida nessa fase de coleta de dados. Perguntas diferentes das previstas no guião emergiram ao longo das entrevistas (característica das entrevistas semi-estruturadas), todavia as questões básicas relacionadas ao tema deste artigo foram: a) O governo federal também é um stakeholder para as organizações públicas federais? Qual o seu papel nesse sistema? b) Quais são as principais forças da política de incentivo às CPS do governo federal? c) Quais são as principais fraquezas da política de incentivo às CPS do governo federal? d) Que fatores poderiam ameaçar à política de incentivo às CPS do governo federal? e) Destacaria quais oportunidades de melhoria da política de incentivo às CPS do governo federal? Os dados coletados nas entrevistas foram analisados através da técnica de análise de conteúdo, após serem agrupados em três categorias: a) regulador; b) autor das normas; c) participante do mercado.

612

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Quadro 1. Caracterização dos entrevistados. Entrevistado

Características

E1

Servidor (R) da Advogacia-Geral da União com atuação no Núcleo Especializado em Sustentabilidade, Licitações e Contratos. Pesquisador (R), autor (R) de livros, artigos e material de apoio relacionados às CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E2

Pesquisador (R) e professor (R) das temáticas de sustentabilidade, consumo sustentável e compra sustentável de uma grande universidade brasileira de referência no tema. Autor (R) de livros, artigos e material de apoio relacionados às CPS. Ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E3

Pesquisador (R) com mestrado na temática. Experiência em nível gerencial em departamento estadual de gestão ambiental.

E4

Profissional com experiência em nível gerencial em Ministério com atribuições de planejamento, implementação e fiscalização da política de CPS em nível federal.

E5

Profissional com experiência em nível gerencial em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais.

E6

Profissional com experiência em nível gerencial e de assessoramento em organização pública considerada benchmarking em políticas de CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E7

Profissional com experiência em nível gerencial e de assessoramento em organização pública considerada benchmarking em políticas de CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E8

Profissional com experiência em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais. Experiência com a implementação de políticas de CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E9

Profissional com experiência em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais. Experiência com a implementação de políticas de CPS. Pesquisador (R), autor (R) de livros, artigos e material de apoio relacionados às CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E10

Pesquisador (R) das temáticas de sustentabilidade, políticas públicas, sociologia ambiental, consumo sustentável e compra sustentável de uma grande universidade brasileira de referência no tema. Experiência em nível de assessoramento em organizações não-governamentais que apoiam à implementação das CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E11

Profissional com experiência em nível gerencial em Ministério com atribuições de planejamento, implementação e fiscalização da política de CPS em nível federal e em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais. Experiência em nível de assessoramento e como membro de organizações não-governamentais que apoiam à implementação das CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E12

Pesquisador (R) e professor (R) das temáticas de sustentabilidade, ambiente e sociedade. Profissional com experiência em nível gerencial e de assessoramento de vários órgãos considerados benchmarking nas práticas de CPS. Autor (R) de artigos sobre a temática.

613

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3. Resultados e discussão Inicialmente, para se entender os papeis desempenhados pelo Estado para a promoção das CPS, é necessário compreender o contexto em que a política é desenvolvida. Utilizando-se o modelo representado na Figura 1, tem-se que o primeiro elemento impactante se refere à percepção dos custos e dos benefícios na adoção das compras sustentáveis, as quais são normalmente percebidas como mais caras, apesar de haver exceções. E3 (2015) destaca a necessidade de haver uma visão de longo prazo que abranja o ciclo de vida do produto: “Falta uma visão de longo prazo. Isso é complicado nas compras porque se quer saber do preço imediato. Você tem que saber justificar porque está escolhendo aquele produto, que nesse momento ele pode parecer que vai custar um pouco mais caro do que o tradicional, mas que no longo prazo vai ter uma economia que compensa esse investimento inicial”. Essa característica é particularmente importante para o contexto das organizações públicas, devido às suas usuais restrições orçamentárias. Por outro lado, a familiaridade com as políticas (segundo elemento) é um fator que conta a favor das compras sustentáveis, pois as organizações que efetivamente entendem as políticas públicas tendem a melhor implementar suas ações de sustentabilidade em compras, a incluir os desafios, as competências e as ferramentas adequadas para o processo (Brammer e Walker, 2011; Walker e Brammer, 2009). E1 (2015) destaca a importância da internalização do conceito de compra sustentável nos servidores que a praticam: “Eu percebo muito claramente que quando o servidor público, em uma capacitação, ele entende o que é licitação sustentável, porque que ele está fazendo aquilo, ele vai fazer com mais comprometimento”. Adicionalmente, a carência de ferramentas pode ser um elemento dificultador, como destaca E3 (2015): “Uma fraqueza, em geral, é a questão dos instrumentos que facilitam. Apesar de ter a legislação que é um ponto forte, não está chegando às pessoas porque elas não têm acesso a instrumentos que facilitem a sua aplicação”. A terceira influência se relaciona à disponibilidade de produtos e serviços no mercado e à resistência dos fornecedores em desenvolver os citados produtos. E10 (2015) ressalta essa dificuldade: “Às vezes ouvimos que os compradores querem comprar o produto sustentável, mas não tem fornecedor. Quer dizer, o produto não existe ou é difícil identificar os produtos existentes”. Nesse aspecto, ganha importância o papel do Estado no incentivo à competitividade e inovação no setor. Os fornecedores também precisam estar atentos para, como defendem Porter e Van der Linde (1995), aproveitar a nova regulamentação para trazer benefícios às suas organizações. O quarto elemento faz referência ao incentivo organizacional para a implementação e real utilização das políticas de compras sustentáveis, as quais requerem o esforço e o apoio das políticas públicas estruturadoras (em nível governamental) e do próprio corpo gerencial de nível sênior das organizações (em nível organizacional), em uma abordagem top-down. E10 (2015) ressalta que a falta de comprometimento dos gestores é uma barreira a ser ultrapassada: “O que pode ser considerado uma grande barreira é mesmo a falta de vontade, a falta de sensibilidade dos tomadores de decisão para o tema”. Ocorre que, além dos elementos importantes apresentados no modelo de Gelderman et al (2006), essencial para o sucesso da política é o papel desempenhado pelo Estado. No caso do governo federal brasileiro, evidencia-se a predominância de três papeis principais: o Estado como regulador, o Estado como normatizador e o Estado como participante do mercado. No que se refere ao DS, a função regulatória do Estado visa garantir a implementação de políticas públicas específicas e, consequentemente, o atendimento de finalidades públicas contidas no ordenamento jurídico constitucional. No caso particular das CPS, há uma importante mudança de perspectiva, pois os processos de compras não são mais apenas

614

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

encarados como ações de aquisições passivas de produtos e serviços a um menor custo, mas uma forma para atingimento do desenvolvimento sustentável. A atividade regulatória do Estado em relação às CPS envolve questões econômicas, traduzidas em normas que garantam a manutenção e criação de empregos, proteção à participação de micro e pequenas empresas (MPE) e fornecedores locais nos processos licitatórios, estímulos à inovação ou ao fortalecimento de indústrias específicas, questões sociais, tais como a proteção dos interesses de segmentos menos favorecidos ou mais vulneráveis da sociedade, tais como as pessoas com deficiência, mulheres, negros, indígenas etc. e questões ambientais, como a não utilização de produtos que agidam o meio ambiente e o incentivo ao reúso e reciclagem de materiais (McCrudden, 2004; Telgen et al, 2007). No Brasil, a atividade regulatória envolve, por exemplo, a criação de tratamento diferenciado para as MPE, a contratação de cooperativas de catadores de lixo, as margens de preferência para produtos nacionais, a compra de produtos recicláveis e a proteção para a inclusão de critérios de sustentabilidades nos processos licitatórios. Sob o prisma econômico-social, destaca-se à proteção às MPE, como bem destacou E3 (2015): “As micro e pequenas empresas representam boa parte dos empregos gerados no Brasil. Percebendo isso, o governo criou critérios de preferência para essas empresas, que é um aspecto social da sustentabilidade. Se o Estado quer incentivar essas micro e pequenas empresas, então é mais que natural que elas tenham algum privilégio nas compras públicas, porque o Estado é o maior comprador individual de um país”. Como consequência dessas ações nos âmbitos ambiental, social e econômico, cria-se a necessidade do Estado ser capaz de promover a integração dessas políticas, tal como destacou E1 (2015): “Nós temos que pensar e articular a política de licitações sustentáveis com a de inclusão social dos catadores do governo federal, a de educação ambiental. Essas políticas têm que estar articuladas; é o papel da articulação jurídica. Nós temos que passar uma visão que seja sistêmica, seja prática, seja nessas ferramentas”. Obviamente a atividade de regulação depende da capacidade do Estado em normatizar essas ações. Em muitos casos, a função regulatória se confunde com a própria necessidade de elaboração de normas referentes à temática, pois para o sucesso das estratégias de CPS, um bom marco regulatório e legal é de fundamental importância, uma vez que confere legitimidade e segurança ao processo. E3 (2015) ressalta que “A alteração da Lei de Licitações e a posterior edição de um Decreto normatizador das compras sustentáveis, induziram e facilitaram a inclusão de critérios de sustentabilidade nas compras. Então o governo tem esse papel de normatizar e criar os instrumentos”. Brammer e Walker (2007) argumentam que onde há legislações e regulamentações concretas sobre licitações sustentáveis, elas foram implementadas com mais sucesso, promovendo alterações positivas para as empresas fornecedoras. Os avanços obtidos no marco regulatório e legal relacionados às CPS traçam um cenário positivo para o enfrentamento dos desafios de, por exemplo, superar eventuais processos judiciais questionadores da adoção de critérios de sustentabilidade nos processos licitatórios. E1 (2015) destaca que, em geral, não tem havido questionamento jurídicos sobre o tema: “Não tenho notícias de mandados de segurança ou que tenham barrado com dramaticidade uma licitação. Não tive, em minhas mãos, o acesso a informações de licitação sustentável que tenha sido barrada pelo Poder Judiciário”. Promover um sistema jurídico-legal sólido que ampare as ações de CPS é algo defendido por Betiol et al (2012) e essa é uma característica que deve estar presente na política, pois eventuais judializações dos processos de aquisições sustentáveis poderão inibir os gestores públicos a implementar as ações e os fornecedores de participarem dos processos, com os consequentes reflexos na competitividade e na atração de novas empresas para atuar no setor. 615

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para o caso brasileiro, destaca-se a importância da segurança jurídica. Como ressalta E10 (2015) “Têm muitos compradores, por exemplo, que resistem em fazer uma compra sustentável por realmente faltar o instrumento jurídico que dê esse respaldo. Isso é fundamental”. Por outro lado, parece existir uma base legal já consolidada que protege os compradores públicos e acaba por facilitar a implementação da política. Nas palavras de E6 (2015) “Eu acho que uma força é a legislação, apesar das pessoas criticarem muito a Lei de Licitações, dizem que trava e dificulta, mas muitas vezes é uma questão de interpretação. A legislação é uma força e já temos bastante a respeito”. E10 (2015) complementa “Eu acho que a política sempre pode ser melhorarada, mas hoje já temos um arcabouço legal bastante consistente”. Dessa forma, fica evidente a importância do Estado como ente normatizador capaz de propiciar um ambiente legal propício às práticas de CPS. Por outro lado, ao mesmo tempo em que o Estado é o indutor de políticas públicas e o realizador do marco regulatório e legal dos processos de compras sustentáveis, ele também é o cliente das empresas que fornecem bens e serviços públicos para os órgãos governamentais, ou seja, tem participação essencial no mercado que é regulado e normatizado por ele próprio. Esse triplo papel não é uma característica exclusiva do Estado brasileiro, pois, para a maioria das nações, o governo é um grande consumidor e pode potencialmente utilizar seu poder de compra para influenciar o comportamento das organizações privadas, com o estímulo à inovação de setores, o apoio às causas ambientais e sociais e o desenvolvimento de mercados domésticos (McCrudden, 2004), opinião que é compartilhada por E3 (2015) “O poder de compra do Estado é altíssimo e pode influenciar mudanças nos padrões de produção e consumo”. O Estado é considerado o maior comprador individual de bens e serviços na maioria das economias (McCrudden, 2004). Na visão de E3 (2015) “Se hoje um produto sustentável é muito caro, enquanto consumidor individual, não vou conseguir aumentar a escala de produção de um item sustentável, mas o consumo do Estado pode fazer a mudança”, ou seja, apenas considerando-se seu poder de compra, o Estado é um grande stakeholder do mercado, com capacidade suficiente para influenciá-lo de forma marcante e promover mudanças nos padrões de consumo, algo que vai ao encontro das ideias defendidas por Porter (1986) e Telgen et al (2007). A demanda por produtos sustentáveis envolve mudanças significativas nas formas de produção e consumo. O poder público, ao aumentar a demanda por determinados produtos, sinaliza favoravelmente aos fornecedores que poderá haver um mercado permanente e estável para ofertar seus produtos (Ipea, 2011). Dessa forma, o Estado precisa “dar o exemplo” para incentivar práticas mais sustentáveis. E6 (2015) reforça a relevância dessa ação: “Dar o exemplo é muito importante porque quando o governo exige que os outros façam é importante que ele faça também”. Por sua vez, as ações tomadas pelas empresas também podem ter importantes reflexos na formulação e implementação das políticas públicas. E3 (2015) ressalta que “Essa mudança nos padrões de produção da indústria, acaba recaindo sobre a sociedade que também vai mudando os seus padrões”. As empresas precisam estar articuladas e disponíveis para aceitar processos de mudança que inevitavelmente irão afetar seus negócios, mas também podem promover ótimas oportunidades. As formas como as questões de interesse público são tratadas e traduzidas em políticas públicas podem ser capazes de fornecer impulso ao consumo de bens e serviços (Buchholz e Rosenthal, 2004). Por exemplo, a efetivação das estratégias de aquisições sustentáveis pode promover ou mesmo viabilizar economicamente a produção e comercialização de produtos sustentáveis. Por seu lado, o Estado também pode se beneficiar dos processos de indução à inovação enquanto comprador, pois a aquisição de produtos e serviços inovadores pode ajudá-lo a 616

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

conquistar um melhor valor pelo dinheiro público, com a melhoria da qualidade das compras e redução de custos permanentes, pois como bem ressaltou E6 (2015) “um dos objetivos das compras sustentáveis é possibilitar que o gestor compre melhor para a administração pública”. Nesse aspecto, Erdmenger (2003) defende que há algumas condições para que as compras públicas produzam impactos na inovação e na economia dos países, tais como a promoção de uma demanda inicial para produtos e serviços inovadores e a especificação e aquisição de produtos novos (e não apenas aqueles que o mercado quer ofertar). 4. Conclusões Inicialmente compreendidas como mecanismos essenciais do Estado para aquisição de bens, serviços e obras, as compras governamentais ganharam importância nas últimas décadas e atualmente foram alçadas como instrumentos de implementação de políticas públicas, particularmente para a promoção do DS. Nesse âmbito, as políticas públicas de CPS podem promover a proteção social, alavancar aspectos econômicos e adotar medidas de proteção ambiental. Por outro lado, ao promover as CPS, os governos inevitavelmente alteram toda a dinâmica competitiva de um setor intensivo em recursos financeiros, provocando diversos conflitos de interesse a serem equalizados entre os stakeholders participantes. Regular e normatizar as políticas de compras públicas sustentáveis é um “remédio” adotado pelos Estados, inclusive pelo governo federal brasileiro, principal objeto de análise desse estudo de caso. Evidenciou-se que, no caso particular das práticas de compras sustentáveis no âmbito da administração pública, o Estado exerce um triplo papel, pois é o regulador, o responsável pelo marco legal que rege a matéria e um forte participante do mercado de produtos e serviços sustentáveis. O Estado regulador se mostra presente ao disciplinar a política com vistas a salvaguardar o interesse público de uma sociedade mais sustentável, mesmo que as mudanças promovidas não agradem a todos os stakeholders envolvidos no processo. O Estado normatizador se torna essencial, pois suas ações no sentido de garantir uma base legal consistente acabam por asseverar a segurança jurídica necessária para a prática da compra sustentável pelos servidores públicos, sendo esta uma característica apontada como uma força da política brasileira de CPS. O Estado como participante do mercado tem o potencial de alterar substancialmente a dinâmica do mercado, ao se utilizar de seu grande poder de compra e ao incentivar a competitividade e a inovação entre os fornecedores de produtos e serviços ao governo. Tornou-se evidente também que o Estado, ao exercer esse triplo papel, mesmo com todos os conflitos envolvidos, é a única instituição com plena legitimidade para representar os anseios da sociedade e promover o desenvolvimento sustentável por meio das políticas de incentivo às compras públicas sustentáveis. Por fim, destaca-se a necessidade de aprofundamentos teóricos e novas evidências empíricas colhidas a partir da replicação do estudo em outros países que poderão promover um melhor entendimento dos papeis do Estado ressaltados nesse artigo, além de evidenciar a importância de outras funções não percebidas como essenciais nesse estudo de caso realizado com o governo federal do Brasil. Referências Betiol, L., Uehara, T., Lalöe, F., Appugliese, G., Adeodato, S., Ramos, L. e Manzoni Neto, M. (2012). Compra sustentável: a força do consumo público e empresarial para uma economia verde e inclusiva. Programa de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo.

617

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Biderman, R., Betiol, L., Macedo, L. e Monzoni, M. (2008). Guia de compras públicas sustentáveis – uso do poder de compra do governo para a promoção do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: FGV. Birkland, T. (2005). An introduction to the policy process: theories, concepts and models of public policy making. New York: Me Sharpe. Brammer, S. e Walker, H. (2011). Sustainable procurement practice in the public sector: an international comparative study. International Journal of Operations e Production Management, 31 (4), 452-476. Buchholz, R. e Rosenthal, S. (2004). Stakeholder theory and public policy: how governments matter, Journal of Business Ethics, 51, 143-153. CMMAD (1987). Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum, Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. CNUMAD (1992). Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Agenda 21. Curitiba: IPARDES. Dias, R. e Matos, F. (2012). Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas. Edler, J. (2009). Demand policies for innovation. Manchester Business School, Working Paper, n. 579. Edler, J., Georghiou, L., Blind, K. e Uyarra, E. (2012). Evaluating the demand side: new challenges for evaluation. Research evaluation, 21 (1), 33-47. Edquist, C., Hommen, L. e Tsipouri, L. J. (2000). Public technology procurement and innovation. Estados Unidos: Kluwer Academic Publishers. Economics of Science, Technology and Innovation, 16. Edquist, C. e Zabala-Iturriagagoitia, J. M. (2012). Public Procurement for Innovation (PPI) as mission-oriented innovation policy. Research policy, 41 (10), 1.757-1.769. Erdmenger, C. (2003). Buying into the environment: experiences, opportunities and potential for eco-procurement. Greenleaf Publishing Limited. European Commission. (2006). Handbook on green public procurement, European Commission, Brussels. Fox, T., Ward, H. e Howard, B. (2002). Public sector roles in strengthening corporate social responsibility: a baseline study. Washington, D. C: World Bank. http://pubs.iied.org/16017IIED.html (acessed 22.4.2014). Garcia, F. A. e Ribeiro, L. C. (2012). Licitações públicas sustentáveis. Revista de Direito Administrativo, 260, maio/ago., 231 – 254. Gelderman, C. J., Ghijsen, P. W. e Brugman, M. J. (2006). Public procurement and EU tendering directives – explaining non-compliance. International Journal of Public Sector Management, 19 (7), 702-714. Georghiou, L. e Harper, J. C. (2011). From priority-setting to articulation of demand: foresight for research and innovation policy and strategy. Futures, 43, 243-251. Gil, A. C. (1994). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas. Hair Jr., J. F., Babin, B., Money, A. H. e Samouel, P. (2005). Fundamentos de métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre: Bookman. IPEA (2011). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasil em desenvolvimento 2011: Estado, planejamento e políticas públicas, 2, Brasília, Distrito Federal. http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/2012/livro_brasil_desenvolvimento2011_vol02.pdf (acessed 15.2.2012). 618

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Jensen, M. (2002). Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function. Business Ethics Quarterly, 12 (2), 235-256. Keim, G. e Baysinger, B. (1988). The efficacy of business political activity: competitive considerations in a principal-agent context, Journal of Management, 14(2), 163-181. McCrudden, C. (2004). Using public procurement to achieve social outcomes. Natural Resources Forum, 28, 257-267. PNUMA (2012). Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente. Implementando compras públicas sostenibles: introducción al enfoque del PNUMA. Porter, M. (1986). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus. Porter, M. E. (1991). Toward a dynamic theory of strategy. Strategic Management Journal, 12, Winter Issue, 95-117. Porter, M. E. e Van der Linde. (1995). Green and competitive: ending the stalemate. Harvard Business Review, 73 (5), 120-134. Rofstam, M. (2005). Public technology procurement as a demand-side innovation policy instrument: an overview of recent literature and events. Lund University. http://goo.gl/cf51jG (acessed 29.4.2014). Sachs, I. (2004). Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond. Saunders, M., Lewis, P. e Thornhill, A. (2009). Research methods for business students. 5th ed. Prentice Hall. Sibel, Y. e Ömür, S. (2005). State as a stakeholder, Corporate Governance, 5(2), 111 – 120. Silva, J. J., Guimarães, P. B. V. e Silva, E. C. (2012). Compras públicas sustentáveis: aspectos legais, gerenciais e de aplicação. Recont: Registro Contábil, 3 (1), 45 – 61. Simons, L., Slob, A., Holswilder, H. e Tucker, A. (2001). The fourth generation: new strategies call for new eco-indicators. Environmental Quality Management, 11, 51-61, Winter. Squeff, F. H. S. (2014). O poder de compras governamental como instrumento de desenvolvimento tecnológico: análise do caso brasileiro. Texto para discussão / IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, Distrito Federal. http://comprasgovernamentais.com.br/wp-content/uploads/2014/01/O-PODER-DECOMPRAS-GOVERNAMENTAL.pdf (acessed 25.3.2014). Ssennoga, F. (2006). Examining discriminatory procurement practices in developing countries. Journal of Public Procurement, 6 (3 e 4). Telgen, J., Harland, C. e Knight, L. (2007). Public procurement in perspective. In Knight, L., Harland, C., Telgen, J., Callender, G. e Thai, K. McKen, J. (Eds), Public procurement: international cases and commentary (pp. 16-24). UK: Routledge. UN (2002). United Nations. Plan of Implementation of the World Summit on Sustainable Development. http://www.un-documents.net/jburgpln.htm (acessed 3.3.2013). UN (2012). United Nations. The future we want. Recuperado em 03 de março de 2013 em " http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/476/10/PDF/N1147610.pdf?OpenElement#page=1ezoom= auto,0,800. (acessed 3.3.2013). Uyarra, E. e Flanagan, K. (2010). Undestanting the innovation impacts of public procurement. European Planning Studies, 18 (1), 123 – 143. Walker, H. e Brammer, S. (2009). Sustainable procurement in the United Kingdom public sector, Supply Chain Management: An International Journal, 14 (2), 128-137. 619

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Walker, H. Di Sisto, L. e McBain, D. (2008). Drivers and barriers to environmental supply chain management practices: lessons from public and private sectors. Journal of Purchasing and Supply Management, 14 (1), 69-85. Ward, H. (2004). Public sector roles in strengthening corporate social responsibility: taking stock. Washington, D. C: World Bank. http://pubs.iied.org/16014IIED.html?a=Halina%20Ward (acessed 22.4.2014). Weiss, L. e Thurbon, E. (2006). The business of buying American: public procurement as trade strategy in the USA, Review of International Political Economy, 13(5), 701-724. Wolff, F. e Schönherr, N. (2011). The impact evaluation of sustainable consumption policy instruments. Consume Policy, 34, 43-66. Yin, R. K. (2009). Case study research: design and method (4th. ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.

620

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Indicadores de Gestão da Sustentabilidade Empresarial para geração, transmissão e distribuição de energia elétrica Katia Cristina Garcia 1, Denise Ferreira de Matos 2 , Luciana Rocha Leal da Paz 3 1

CEPEL/Eletrobras, [email protected]

2

CEPEL/Eletrobras, [email protected]; 3CEPEL/Eletrobras, [email protected]

Abstract O uso de indicadores tem se mostrado bastante útil e relevante para a gestão das empresas, auxiliando na definição de metas, nas correções de rumo e avaliação de desempenho ao longo do tempo, bem como na comunicação do desempenho a terceiros. Especificamente em relação aos indicadores de sustentabilidade pode-se observar que estes buscam orientar a ação e fundamentar o acompanhamento e avaliação de projetos nas dimensões ambiental, social e econômica. O presente artigo descreve o processo de definição de indicadores para gestão da sustentabilidade empresarial no âmbito do Projeto de Pesquisa IGS (Indicadores para Gestão da Sustentabilidade Empresarial da Eletrobras), em desenvolvimento pelo CEPEL (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica) desde 2007 e Coordenado pela Eletrobras. Seu principal objetivo é estabelecer um conjunto de indicadores capazes de auxiliar no monitoramento e melhoria contínua do processo de gestão de sustentabilidade das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. A metodologia que está sendo utilizada no âmbito do Projeto IGS para a definição dos indicadores de sustentabilidade a serem monitorados pelas Empresas Eletrobras é composta por três grandes etapas: 1) levantamento do estado da arte do setor elétrico nacional e internacional; 2) mapeamento da situação de cada uma das dimensões da sustentabilidade nas Empresas Eletrobras destacando em uma matriz SWOT as questões que demandam um maior nível de ação em cada uma das dimensões da Sustentabilidade; 3) desenho do primeiro conjunto de indicadores, incluindo o detalhamento de protocolos (definição de conceitos, métodos de cálculo, fontes de obtenção dos dados e referências); 4) implementação dos indicadores em um sistema computacional desenvolvido pelo CEPEL denominado Sistema IGS, visando uma maior agilidade e confiabilidade no processo de cálculo e monitoramento dos indicadores. Apesar de funcionalidade central ser a de banco de dados, trata-se de um sistema que recolhe as informações via internet e que relaciona as informações armazenadas, produzindo sumarizações e relatórios, permitindo a realização de diversos tipos de análises, tanto para atividades operacionais quanto gerenciais das empresas. Nota-se que todo este processo de levantamento do estado da arte, mapeamento de questões relevantes, desenvolvimento dos indicadores e implementação no Sistema IGS tem contribuído para incrementar a discussão em torno da gestão da sustentabilidade nas Empresas Eletrobras. A participação dos integrantes das empresas viabilizou a customização de um conjunto de indicadores monitorados por um sistema computacional de auxílio ao processo de gestão da sustentabilidade, adequado à realidade das Empresas Eletrobras, considerando os seus diferentes eixos de atuação (geração, transmissão e distribuição), com parametrização, rastreabilidade e segurança nas informações. Esta facilidade implicou também em uma melhoria no processo de organização das informações para comunicação da Eletrobras com as partes interessadas, principalmente em termos da elaboração do Relatório Anual de Sustentabilidade e das respostas aos questionários ISE/Bovespa, Dow Jones Sustainability Index e Carbon Disclosure Project. Keywords: Indicadores, Computacional

Sustentabilidade

Empresarial,

monitoramento,

Sistema

621

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

622

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O triplo papel do Estado para a promoção das compras públicas sustentáveis no governo federal do Brasil Marcus Oliveira1, João Simão1,2, Sandra Caeiro1,3 1

Universidade Aberta, Portugal, [email protected]

2

CAPP – Centro de Administração e Políticas Públicas, [email protected]

3

CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, [email protected]

Resumo As políticas de incentivo às compras públicas sustentáveis, inseridas na grande temática relacionada à produção e ao consumo sustentável, podem ser consideradas como uma das formas para atingimento dos objetivos inerentes ao desenvolvimento sustentável. Como reflexo dos recentes esforços e indicativos de organismos internacionais, elas são praticadas em todo o mundo por inúmeros governos nacionais, inclusive pelo governo federal do Brasil – um país de grandes dimensões e uma economia emergente, investigado neste trabalho como um estudo de caso. As ações governamentais nessa direção são capazes também de influenciar toda a dinâmica do mercado, ao alterar os padrões produtivos e as formas de comprar e consumir, com os consequentes conflitos de interesse envolvidos. Ao apoiar e desenvolver as políticas de promoção das compras sustentáveis, o poder público assume papéis específicos. Nesse aspecto, sob quaisquer óticas de análise, o Estado é um stakeholder importante no processo de desenvolvimento das políticas de compras públicas sustentáveis e estudar o seu papel nesse contexto se torna essencial. O objetivo desse trabalho é apresentar e discutir sobre os papeis exercidos pelo Estado na promoção das compras públicas sustentáveis no governo federal brasileiro. Para tal, foram coletados dados por meio de pesquisa bibliográfica e entrevistas com doze especialistas em compras públicas sustentáveis, responsáveis pelo desenvolvimento da temática em nível governamental, acadêmico e prático. Da análise dos dados, evidenciou-se que o Estado desempenha um triplo papel, pois é, ao mesmo tempo, regulador, autor das normas e grande player do mercado de compras sustentáveis. Essas funções foram detalhadas e discutidas ao longo do trabalho. Concluiu-se que é marcante o triplo papel exercido pelo Estado. Ele é a única entidade com verdadeira legitimidade para representar os interesses da sociedade na busca pelo desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: Estado, Desenvolvimento sustentável, Produção e consumo sustentável, Compras públicas sustentáveis, Política pública. 1. Introdução Em uma sociedade moderna, muitas preocupações estão presentes, algumas delas sob a tutela do Estado como responsável pela formulação de políticas públicas para que ações sejam efetivamente desenvolvidas, a representar os interesses da sociedade. Entre essas preocupações, destaca-se a busca pelo desenvolvimento sustentável (DS). Os documentos basilares formadores do pensamento dominante acerca do DS evidenciam as contribuições que várias instituições (entre elas, o Estado) podem fornecer para o alcance da sustentabilidade em suas variadas dimensões. As políticas públicas estão relacionadas às ações desenvolvidas pelo governo para promover questões de interesse público. A busca pelo DS é um dos temas que, apesar das dificuldades de implementação, interessa a toda sociedade e, devido a isso, abarca iniciativas governamentais em todo o mundo.

623

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As políticas públicas são as principais ações governamentais capazes de influenciar diretamente os negócios (Buchholz e Rosenthal, 2004) e a resultar em preocupações importantes para muitas empresas (Keim e Baysinger, 1988), pois habitualmente há conflitos de interesses entre essas políticas e a livre economia de mercado, sendo o Estado a única entidade com legitimidade para representar a sociedade (Buchholz e Rosenthal, 2004), além de ter a responsabilidade na formação e estrutura do ambiente de negócios e das relações entre os stakeholders (Sibel e Ömür, 2005). O poder público, ao se engajar em uma proposta de DS, deverá ter a capacidade de influenciar o mercado com o objetivo de transformar padrões produtivos e as formas de comprar e consumir. Tais ações envolvem a revisão ou revogação de políticas públicas existentes ou mesmo a criação de novas (Wolff e Schönherr, 2011). As atividades de compras governamentais como instrumentos de implementação de políticas públicas são uma alternativa que se utiliza da capacidade do Estado em interferir na dinâmica do mercado. Consciente de seu poder de compra e promotor do desenvolvimento sustentável, várias nações estão a integrar critérios econômicos, sociais e ambientais em suas licitações (Biderman et al, 2008; Brammer e Walker, 2007), ao formular novas políticas públicas de compras que provocam impactos no setor produtivo, como uma espécie de “efeito dominó” (Ipea, 2011). Tal esforço e políticas são reconhecidas e estimuladas em vários eventos e documentos de abrangência mundial, sob a tutela da Organização das Nações Unidas (ONU), que ressaltam o papel estratégico do governo de indução às mudanças de padrões de produção e consumo sustentáveis, inclusive com a utilização das compras públicas, pois se considera que elas produzem um impacto ambiental e social muito mais amplo do que se imaginava (Ipea, 2011). Entre as ações de busca de padrões mais sustentáveis de produção e consumo, incluem-se as políticas de apoio às compras públicas sustentáveis (CPS). No Brasil, o tema ganhou impulso principalmente a partir de 2010, quando a base legal que a proteje começou a ser estabelecido, tornando-se gradativamente uma política pública. Ao se engajar na liderança das ações de planejamento, implementação e fiscalização relacionadas às CPS, o Estado assume funções específicas e que precisam ser melhor compreendidas. Este é um artigo teórico-empírico, baseado em um estudo de caso no governo federal brasileiro, cujo principal objetivo é apresentar e discutir acerca dos papeis vivenciados pelo Estado na promoção das compras públicas sustentáveis. Tem-se como objetivos específicos: d) Discutir sobre o papel do Estado enquanto regulador do mercado; e) Discutir acerca do papel do Estado enquanto autor das normas que disciplinam as ações de compras públicas sustentáveis; f) Discutir sobre o papel do Estado como participante do mercado. Além dessa seção introdutória, que contemplará a revisão de literatura apresentada nos pontos 1.1, 1.2 e 1.3, o artigo será composto por mais três partes. Na seção 2 serão apresentados os métodos utilizados. Na seção 3, serão apresentados e discutidos os resultados alcançados. Finalizou-se com a seção 4 que apresentou as conclusões do trabalho. 1.1 Contribuições do Estado para o desenvolvimento sustentável O Relatório Brundtland (CMMAD, 1987), em sua parte III (Esforços Comuns), dedicou um capítulo inteiro às propostas de mudanças institucionais e legais em prol da transição para o DS. A obra chama a atenção para a responsabilidade da ONU e dos governos no estímulo às políticas que busquem o desenvolvimento sustentável.

624

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Os primeiros passos concretos do comprometimento dos Estados frente aos desafios do DS surgiram após a Eco-92, com a publicação da Agenda 21 e a decisão dos governos em construir diálogo permanente no sentido de alcançar uma economia mais eficiente e equitativa, tornando o DS um item prioritário na agenda da comunidade internacional (CNUMAD, 1992: 7). Ao longo de seus 40 capítulos, a Agenda 21 sugeriu uma parceria mundial para integrar ambiente e desenvolvimento, com inclusão social. O documento não teve valor jurídico nem compromissos obrigatórios, mas fez com que vários Estados abraçassem seus princípios, a escolher para desenvolver prioritariamente aqueles que consideravam mais urgentes (Betiol et al, 2012). Notadamente em seu capítulo 28, a Agenda 21 trouxe a ideia de que os países, estados e cidades devessem desenvolver suas próprias agendas locais, pois muitos dos problemas tratados por ela tinham suas raízes nas atividades locais. O citado capítulo é dedicado ao papel das autoridades políticas locais na introdução de um planejamento global, destinado a promover o DS dentro de sua localidade (Baker, 2006). Novos avanços surgiram na Cimeira de Joanesburgo. Em seu Plano de Implementação (UN, 2002), indicou que os governos deveriam desenvolver programas-quadros decenais que apoiassem as ações nacionais e regionais para a mudança nos atuais padrões de consumo e produção. Na Rio +20, o compromisso político dos governos com o DS foi renovado, em um encontro em que foram discutidos os progressos, estagnações e retrocessos ocorridos nos últimos vinte anos de conferências deste tipo (desde a Eco-92). O comprometimento assumido pelos Estados esteve refletido nas discussões sobre os dois temas principais da Conferência: a) a economia verde no contexto do DS e da erradicação da pobreza e b) a estrutura institucional para o DS. Houve poucos resultados práticos em relação ao compromisso dos países com a sustentabilidade. Apesar disso, o documento fruto do encontro – “O futuro que queremos” (UN, 2012) – incorporou algumas diretrizes e compromissos que podem indicar os próximos passos das contribuições que os governos podem fornecer para o desenvolvimento em bases sustentáveis. Percebe-se que o Estado é um ator importante, com responsabilidades e liderança exercidas essenciais para o atingimento do DS. Apesar disso, deve-se considerar que não se alcança o desenvolvimento sustentável por meio do esforço isolado de um país, uma instituição ou uma dimensão (Sachs, 2004; Simons et al, 2001; CMMAD, 1987). Entre outras ações efetivas, é necessário o desenvolvimento de políticas públicas que privilegiem a produção e o consumo sustentáveis, entre as quais estão incluídas as políticas de apoio às CPS. 1.2 Políticas públicas e compras públicas sustentáveis As políticas públicas são caracterizadas pelas ações do Estado voltadas para o desenvolvimento de setores e necessidades específicas da sociedade, tais como educação, saúde, transporte, segurança pública, desenvolvimento tecnológico, social, econômico e ambiental. Nesses casos, a ação está atrelada à intencionalidade, pois até mesmo uma nãoação poderá ser considerada uma política pública (Birkland, 2005). Nessa linha de raciocínio, fica manifesta que a promoção das CPS é uma política pública, bem como as decisões governamentais de não adquirir produtos que não estejam alinhados ao conceito de sustentabilidade. As políticas públicas devem se concentrar em programas concretos, critérios, linhas de ação, normas, planos, além de serem preferencialmente incluídas nas disposições constitucionais, leis, regulamentos, decretos etc. (Dias e Matos, 2012). As políticas de apoio

625

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

às CPS seguem esse esquema, pois estão apoiadas nas leis e regulamentos que regem a matéria. Apesar de sua importância, considerando-se o peso das compras públicas como instrumento político utilizado pelos governos em todo o mundo, as pesquisas sobre aquisições públicas ainda são incipientes (Weiss e Thurbon, 2006; Walker et al, 2008). Mais raros ainda são os estudos acerca das políticas de CPS. Os trabalhos de Brammer e Walker (2011) e Walker e Brammer (2009) se destacam na tentativa de entendimento do contexto das políticas nacionais de promoção das CPS. Os referidos autores, a partir da adaptação do esquema proposto por Gelderman et al (2006) propuseram um arcabouço conceitual capaz de elucidar os elementos inter-relacionados que influenciam essas políticas (Figura 1).

Percepção dos custos e benefícios da política Familiaridade com as políticas Contexto político nacional

Disponibilidade/

Compra pública sustentável

resistência dos fornecedores Incentivos/pressões organizacionais Figura 1. Modelo conceitual das influências sobre as compras sustentáveis Fonte: Adaptado de Gelderman et al (2006).

De acordo com o modelo, as políticas de CPS derivam de um contexto político nacional e dependem diretamente da percepção da relação custo x benefício das ações, do nível de conhecimento sobre a política, da disponibilidade de fornecedores e da resistência destes em aderir à produção de produtos sustentáveis, além do apoio e pressões internas aos gestores das organizações. Dessa forma, considerando-se que o êxito das ações de CPS deriva originariamente do contexto político nacional, entender o papel exercido pelo Estado se torna essencial. 1.3 O triplo papel do Estado na promoção das CPS As relações dos atores envolvidos nos problemas de produção e consumo são complexas, pois eles impactam e são impactados mutuamente (Betiol et al, 2012, p. 24). As arenas de poder para a formação de políticas públicas são igualmente conflituosas. Nessas relações, merece destaque o papel específico do Estado que é o planejador, implementador e fiscalizador das políticas de incentivo à produção e consumo sustentável. Notadamente nas compras governamentais, o governo é um grande comprador, pode influenciar o mercado através das políticas públicas adotadas e seus atos regulatórios impõem limites ao comportamento das empresas (Porter, 1986; Telgen et al, 2007). Nessa indústria, o Estado desempenha um triplo papel: é o regulador, autor das normas e 626

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

participante do mercado129. É como se fosse, ao mesmo tempo, jogador, autor das regras e árbitro de um jogo (Telgen et al, 2007). Destacar-se-á a seguir alguns aspectos teóricos dessas funções governamentais. 1.3.1. O Estado e a sua função regulatória A função regulatória do Estado está relacionada às intervenções governamentais desenvolvidas com vistas a salvaguardar as políticas públicas, ao disciplinar, fiscalizar ou reprimir ações de terceiros que vão de encontro ao interesse público. Entretanto, a relação das empresas com seus stakeholders não é tão amistosa. Vários são os interesses das partes interessadas (e no setor de produtos sustentáveis não é diferente). Consumidores, empregados, fornecedores, comunidade, administradores e o próprio governo têm interesses específicos e, por diversas vezes opostos, que, ao se realizarem os trade-offs, conflitos e demandas inconsistentes podem surgir (Jensen, 2002). Por outro lado, a implementação do interesse público pelo desenvolvimento sustentável, por meio de processos de compras públicas, não pode tornar estes últimos ineficientes ou desvirtuados de seu objetivo, “a pretexto dessa nova função regulatória, não se pode partir de uma equivocada premissa de que a licitação é a solução de todos os males, sob pena de aumentar sua complexidade e burocracia” (Garcia e Ribeiro, 2012:236). O Estado tenta incentivar e desenvolver o mercado e as empresas fornecedoras de produtos e serviços sustentáveis, por sua vez, querem ter a certeza que haverá mercado consumidor. Nesse sentido, elas também exercem grande pressão no governo, ao reivindicar, por exemplo, incentivos econômicos para a produção, marco legal claro para o setor, garantia de compra dos produtos, além de critérios, regras e padrões bem definidos em todo o processo de compra (Betiol et al, 2012). As empresas com maior capacidade de adaptação podem perceber esse novo mercado como uma grande oportunidade de alavancagem de suas vendas e construção de barreiras de entrada para outras empresas concorrentes, pois os critérios de sustentabilidade utilizados nas licitações podem restringir a participação de algumas empresas incapazes de se adequarem rapidamente à nova realidade (Ipea, 2011). Diante do exposto, o papel regulador do Estado fica evidente, mas também será necessário o estabelecimento de regras claras para o setor, como será destacado a seguir. 1.3.2. O Estado como autor das normas O desenvolvimento de políticas de apoio às compras públicas sustentáveis necessita inevitavelmente de inclusões ou modificações no arcabouço legal específico para a temática, a promover alterações significativas no sistema jurídico-legal que ampara essas atividades e, dessa forma, facilitar a implementação das ações sob o amparo de normas que proteja o Estado, os compradores e os fornecedores nas inovações introduzidas pelo novo processo de compras. Ou seja, um ambiente de negócios capaz de assegurar uma boa segurança jurídica para as empresas fornecedoras e, principalmente, para que os representantes do Estado possam adquirir os produtos e serviços sustentáveis amparados legalmente (Betiol et al, 2012). Para os compradores públicos, há a necessidade de estarem bem especificados os benefícios e a legalidade das políticas de CPS, evidenciando-se o contexto de ganha-ganha (e não o de disputa de forças) de todo o processo, no qual o Estado ganha ao promover o desenvolvimento sustentável, a sociedade ganha ao usufruir dos benefícios socioambientais 129 Os citados papeis também foram observados no setor bancário no trabalho desenvolvido por Sibel e Ömür (2005) e nas questões de responsabilidade social, nas investigações de Fox et al (2002) e Ward (2004).

627

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

atingidos por meio dos critérios considerados nas aquisições e os fornecedores ganham ao vender produtos com maior valor agregado e mais adaptados às exigências atuais dos consumidores (Ipea, 2011; Porter e Van der Linde, 1995). 1.3.3. O Estado como participante do mercado Além da sua função regulatória e da autoria das normas que regem as atividades de CPS, o Estado também é um grande player e participa ativamente do mercado de produtos sustentáveis. Ele utiliza seu considerável poder de compra e de sua capacidade de promover a competitividade e a inovação no setor para alavancar a política de promoção das CPS. 1.3.3.1. O poder de compra O valor das aquisições públicas, como percentual do PIB, pode variar entre 8 e 25% (Ipea, 2011). Em algumas economias em desenvolvimento esse peso varia entre 10 e 80% do PIB (Ssennoga, 2006). Autoridades públicas europeias têm um poder de compra equivalente a € 1 trilhão, representando cerca de 15% do PIB da União Europeia. No Brasil, as compras governamentais representam 10% do PIB nacional, algo em torno de $ 300 bilhões (Biderman et al, 2008; European Commission, 2006, PNUMA, 2012). Alinhado à temática da busca e promoção do desenvolvimento sustentável, a utilização do poder de compra governamental é uma estratégia utilizada por várias nações e relacionada a questões emergentes, tais como a mudança do clima, o consumismo superior à capacidade do planeta, a busca por menos desigualdades socioeconômicas e a qualidade de vida no mundo cada vez mais urbanizado (Betiol et al, 2012). A utilização das compras e contratações públicas para o alcance de outros resultados, além do simples objetivo de suprimento, transforma o Estado, com o seu grande poder de compra, em um elemento poderoso para a promoção do DS. As entidades públicas são geralmente grandes compradoras, a evidenciar a participação cada vez mais ativa do Estado no mercado, deixando de ter apenas a função reguladora e assumindo também a função de grande consumidor (McCruden, 2004). Adicionalmente, a ideia do Estado regulador está modernamente desenvolve-se a compreensão de quesito monetário, mas também ao custo social gerações. Nesse momento, o Estado pode e deve interferir nas relações sociais (Silva et al, 2012).

atrelada ao caráter econômico, porém custos não somente relacionados ao e ambiental, o custo para as futuras valer-se do seu poder de compra para

Considerando-se o volume dos recursos envolvidos, o setor público, enquanto consumidor de porte elevado, está em posição privilegiada para estimular economias de escala que alavanquem margens de lucro e reduzam os riscos dos produtos adquiridos (Ipea, 2011), gerando um efeito em cadeia no mercado. Observado sob o prisma ambiental e social, ao se utilizar adequadamente de seu poder de compra, o Estado pode promover externalidades positivas. Uyarra e Flanagan (2010) destacam as possibilidades de utilização do poder de compra governamental para as políticas públicas, ao enfatizar que o uso estratégico da demanda governamental pode aperfeiçoar o desempenho do governo nas suas próprias compras, além de garantir maior rapidez na consecução de determinadas políticas, com melhoria da qualidade do serviço público. Edquist et al (2000) complementam essa ideia ao ressaltar que as compras poderiam ser adicionalmente utilizadas para aumentar a demanda, estimular a atividade econômica e o emprego, proteger as organizações nacionais, aumentar a competitividade entre empresas, minimizar disparidades regionais e criar empregos para setores marginais da força de trabalho, ou seja, temas relacionados às CPS. 628

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Squeff (2014), em alusão a mais uma justificativa apresentada pelos autores que sustentam a legitimidade de uma ação estatal articulada para o uso do poder de compra público, destaca que Edler e Georghiou (2007) argumentaram que os compradores, tanto privados quanto públicos, podem frequentemente não estar conscientes ou informados sobre os produtos e as inovações que o mercado oferece ou potencialmente pode vir a oferecer, e que a ação governamental seria ideal para articular e comunicar preferências e demandas. Ao considerar-se o poder público como agente de mudança econômica, social e ambiental, deve-se levar em consideração que apenas um órgão público, em geral, por si só, não é capaz de gerar inovação ou alterar substancialmente a sistemática competitiva de um setor. Porém quando diversas autoridades públicas combinam seu poder de compra, por exemplo, para utilizar critérios de sustentabilidade nas compras, os resultados podem ser surpreendentes (Biderman et al, 2008). 1.3.3.2. O incentivo governamental à competitividade e à inovação Desde o desenvolvimento da Teoria Schumpeteriana, defensora do desenvolvimento econômico gerado através das perturbações ocorridas nos sistemas produtivos (principalmente as causadas pela inovação), os assuntos relacionados ao incentivo governamental à competitividade e à inovação de setores econômicos são discutidos. Porém, no âmbito do desenvolvimento sustentável, a partir de 2004, com a publicação do Kok Report, o tema ganhou novo impulso que culminou com a publicação de outros estudos (Rofstam, 2005; Edler e Georghiou, 2007; Edler, 2009; Uyarra e Flanagan, 2010; Georghiou e Harper, 2011; Edler et al, 2012), em uma tentativa de investigar a articulação das compras públicas com o fomento à inovação (Squeff, 2014). Não há consenso teórico sobre as ações governamentais orientadas para o incentivo à demanda. Há argumentos que sugerem que a excessiva intervenção do Estado pode distorcer a economia de mercado e outras que apontam que as compras podem servir como estímulos em determinadas condições, tais como reforço de padrões, definição de um conjunto claro de necessidades, garantia de mercado para novos produtos e serviços e incentivo à competição e inovação (Squeff, 2014), podendo ajudar, inclusive, em grandes desafios mundiais: aquecimento global, redução no fornecimento de energia, água e alimentos, sociedades em envelhecimento, saúde pública, pandemias e segurança, tal como apresentado no trabalho de Edquist e Zabala-Iturriagagoitia (2012). Nesse sentido, o Estado pode exercer importante função na condução de inovações, por meio do estímulo à pesquisa, oferta de crédito ou utilização do seu poder de compra. O fato é que, ao pôr em prática as políticas de aquisições sustentáveis, o Estado também participa do mercado como comprador, aumentando o seu poder enquanto stakeholder e exercendo um papel indutor, capaz de promover significativas oportunidades (ou ameaças) para as empresas fornecedoras. Além de estimular a competição, as compras públicas podem contribuir para a inovação desejada das empresas, ao promover a inovação tecnológica para produzir bens e serviços em padrões adequados (Ipea, 2011). Sob o aspecto ambiental, ao incorporar exigências ambientais em suas compras, o governo pode obrigar as empresas a responderem com inovações e possíveis ganhos de competitividade, por meio da racionalização no uso de insumos (redução de custos) ou aumento do valor do produto, suposição conhecida como Hipótese de Porter. Janelas de oportunidade poderão se abrir para aquelas empresas que se planejam e agem considerando as questões ambientais, de forma a aproveitar novas oportunidades de negócio e desenvolver inovações tecnológicas importantes. Em resumo, inovar para se adequar às novas regulamentações pode trazer compensações para as empresas (Porter e Van der Linde, 1995). O fortalecimento das organizações que lidam com produtos sustentáveis, além de proporcionar ganhos sociais, poderá aumentar sua eficiência por meio da diminuição dos 629

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

custos ambientais (Betiol et al, 2012). Para as organizações fornecedoras de produtos tradicionais, tal medida pode se tornar uma grande ameaça para seus negócios, enquanto que, para aquelas que conseguem se adaptar ou que já fornecem os ditos produtos sustentáveis, essa política se torna uma grande oportunidade para extensão de suas atividades. Isso evidencia um dos principais papeis do governo que, segundo Porter (1991), é incentivar as empresas a melhorarem seu desempenho competitivo, a promover a rivalidade e incentivar a mudança. Nesse contexto de mudanças e medição de forças, os Estados necessitam formular e cumprir marcos legal e regulatório de promoção das CPS como uma das estratégias para alcance do DS, enquanto que as empresas precisam se adequar rapidamente às novas regras, permanecendo no mercado aquelas com mais capacidade de adaptação e que, portanto, estejam aptas a promover mudanças inovadoras na sua forma de produção, tendo como prêmio um novo mercado, amplo e em crescimento – o de fornecimento de bens e serviços sustentáveis ao governo. 2. Métodos De caráter exploratório, este artigo é um estudo de caso (Yin, 2009) no governo federal do Brasil – uma economia emergente de grandes dimensões, operacionalizado por meio de uma abordagem qualitativa composta por revisão bibliográfica e entrevistas com especialistas (Saunders et al, 2009). O trabalho é caracterizado por estar orientado para a descoberta e a melhor compreensão dos conceitos e ideias abordados, com vistas a facilitar o desenvolvimento das próximas etapas de uma investigação (Gil, 1994; Hair et al, 2005), pois se trata de parte da tese de doutorado do primeiro autor desse trabalho. Os dados foram coletados em duas fases. Na primeira, houve revisão bibliográfica e documental com o objetivo preliminar de identificar os papeis exercidos pelo Estado na promoção das CPS no governo federal brasileiro. Para confirmação e complementação dos dados levantados, em um segundo momento foram realizadas doze entrevistas com especialistas conhecedores da temática, escolhidos intencionalmente por participarem da elaboração da política em nível estratégico, por produzirem conhecimento científico ou por estarem envolvidos com a formação de outros profissionais, ou seja, pessoas que sejam consideradas experts no tema no Brasil. A caracterização dos entrevistados está apresentado no quadro 1. Utilizou-se a técnica de entrevistas semi-estruturadas, com a utilização de um conjunto de questões pré-definidas (guião) que abordou temas variados, alguns deles diferentes dos tratados nesse trabalho, pois estavam mais relacionados aos objetivos da tese desenvolvida nessa fase de coleta de dados. Perguntas diferentes das previstas no guião emergiram ao longo das entrevistas (característica das entrevistas semi-estruturadas), todavia as questões básicas relacionadas ao tema deste artigo foram: f)

O governo federal também é um stakeholder para as organizações públicas federais? Qual o seu papel nesse sistema? g) Quais são as principais forças da política de incentivo às CPS do governo federal? h) Quais são as principais fraquezas da política de incentivo às CPS do governo federal? i) Que fatores poderiam ameaçar à política de incentivo às CPS do governo federal? j) Destacaria quais oportunidades de melhoria da política de incentivo às CPS do governo federal? Os dados coletados nas entrevistas foram analisados através da técnica de análise de conteúdo, após serem agrupados em três categorias: a) regulador; b) autor das normas; c) participante do mercado.

630

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Quadro 1. Caracterização dos entrevistados. Entrevistado

Características

E1

Servidor (R) da Advogacia-Geral da União com atuação no Núcleo Especializado em Sustentabilidade, Licitações e Contratos. Pesquisador (R), autor (R) de livros, artigos e material de apoio relacionados às CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E2

Pesquisador (R) e professor (R) das temáticas de sustentabilidade, consumo sustentável e compra sustentável de uma grande universidade brasileira de referência no tema. Autor (R) de livros, artigos e material de apoio relacionados às CPS. Ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E3

Pesquisador (R) com mestrado na temática. Experiência em nível gerencial em departamento estadual de gestão ambiental.

E4

Profissional com experiência em nível gerencial em Ministério com atribuições de planejamento, implementação e fiscalização da política de CPS em nível federal.

E5

Profissional com experiência em nível gerencial em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais.

E6

Profissional com experiência em nível gerencial e de assessoramento em organização pública considerada benchmarking em políticas de CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E7

Profissional com experiência em nível gerencial e de assessoramento em organização pública considerada benchmarking em políticas de CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E8

Profissional com experiência em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais. Experiência com a implementação de políticas de CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E9

Profissional com experiência em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais. Experiência com a implementação de políticas de CPS. Pesquisador (R), autor (R) de livros, artigos e material de apoio relacionados às CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E10

Pesquisador (R) das temáticas de sustentabilidade, políticas públicas, sociologia ambiental, consumo sustentável e compra sustentável de uma grande universidade brasileira de referência no tema. Experiência em nível de assessoramento em organizações não-governamentais que apoiam à implementação das CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E11

Profissional com experiência em nível gerencial em Ministério com atribuições de planejamento, implementação e fiscalização da política de CPS em nível federal e em Ministério com atribuições de apoio à política de CPS em nível federal, principalmente em seus aspectos ambientais. Experiência em nível de assessoramento e como membro de organizações não-governamentais que apoiam à implementação das CPS. Organizador (R) e ministrante de palestras e cursos de capacitação.

E12

Pesquisador (R) e professor (R) das temáticas de sustentabilidade, ambiente e sociedade. Profissional com experiência em nível gerencial e de assessoramento de vários órgãos considerados benchmarking nas práticas de CPS. Autor (R) de artigos sobre a temática.

631

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3. Resultados e discussão Inicialmente, para se entender os papeis desempenhados pelo Estado para a promoção das CPS, é necessário compreender o contexto em que a política é desenvolvida. Utilizando-se o modelo representado na Figura 1, tem-se que o primeiro elemento impactante se refere à percepção dos custos e dos benefícios na adoção das compras sustentáveis, as quais são normalmente percebidas como mais caras, apesar de haver exceções. E3 (2015) destaca a necessidade de haver uma visão de longo prazo que abranja o ciclo de vida do produto: “Falta uma visão de longo prazo. Isso é complicado nas compras porque se quer saber do preço imediato. Você tem que saber justificar porque está escolhendo aquele produto, que nesse momento ele pode parecer que vai custar um pouco mais caro do que o tradicional, mas que no longo prazo vai ter uma economia que compensa esse investimento inicial”. Essa característica é particularmente importante para o contexto das organizações públicas, devido às suas usuais restrições orçamentárias. Por outro lado, a familiaridade com as políticas (segundo elemento) é um fator que conta a favor das compras sustentáveis, pois as organizações que efetivamente entendem as políticas públicas tendem a melhor implementar suas ações de sustentabilidade em compras, a incluir os desafios, as competências e as ferramentas adequadas para o processo (Brammer e Walker, 2011; Walker e Brammer, 2009). E1 (2015) destaca a importância da internalização do conceito de compra sustentável nos servidores que a praticam: “Eu percebo muito claramente que quando o servidor público, em uma capacitação, ele entende o que é licitação sustentável, porque que ele está fazendo aquilo, ele vai fazer com mais comprometimento”. Adicionalmente, a carência de ferramentas pode ser um elemento dificultador, como destaca E3 (2015): “Uma fraqueza, em geral, é a questão dos instrumentos que facilitam. Apesar de ter a legislação que é um ponto forte, não está chegando às pessoas porque elas não têm acesso a instrumentos que facilitem a sua aplicação”. A terceira influência se relaciona à disponibilidade de produtos e serviços no mercado e à resistência dos fornecedores em desenvolver os citados produtos. E10 (2015) ressalta essa dificuldade: “Às vezes ouvimos que os compradores querem comprar o produto sustentável, mas não tem fornecedor. Quer dizer, o produto não existe ou é difícil identificar os produtos existentes”. Nesse aspecto, ganha importância o papel do Estado no incentivo à competitividade e inovação no setor. Os fornecedores também precisam estar atentos para, como defendem Porter e Van der Linde (1995), aproveitar a nova regulamentação para trazer benefícios às suas organizações. O quarto elemento faz referência ao incentivo organizacional para a implementação e real utilização das políticas de compras sustentáveis, as quais requerem o esforço e o apoio das políticas públicas estruturadoras (em nível governamental) e do próprio corpo gerencial de nível sênior das organizações (em nível organizacional), em uma abordagem top-down. E10 (2015) ressalta que a falta de comprometimento dos gestores é uma barreira a ser ultrapassada: “O que pode ser considerado uma grande barreira é mesmo a falta de vontade, a falta de sensibilidade dos tomadores de decisão para o tema”. Ocorre que, além dos elementos importantes apresentados no modelo de Gelderman et al (2006), essencial para o sucesso da política é o papel desempenhado pelo Estado. No caso do governo federal brasileiro, evidencia-se a predominância de três papeis principais: o Estado como regulador, o Estado como normatizador e o Estado como participante do mercado. No que se refere ao DS, a função regulatória do Estado visa garantir a implementação de políticas públicas específicas e, consequentemente, o atendimento de finalidades públicas contidas no ordenamento jurídico constitucional. No caso particular das CPS, há uma importante mudança de perspectiva, pois os processos de compras não são mais apenas

632

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

encarados como ações de aquisições passivas de produtos e serviços a um menor custo, mas uma forma para atingimento do desenvolvimento sustentável. A atividade regulatória do Estado em relação às CPS envolve questões econômicas, traduzidas em normas que garantam a manutenção e criação de empregos, proteção à participação de micro e pequenas empresas (MPE) e fornecedores locais nos processos licitatórios, estímulos à inovação ou ao fortalecimento de indústrias específicas, questões sociais, tais como a proteção dos interesses de segmentos menos favorecidos ou mais vulneráveis da sociedade, tais como as pessoas com deficiência, mulheres, negros, indígenas etc. e questões ambientais, como a não utilização de produtos que agidam o meio ambiente e o incentivo ao reúso e reciclagem de materiais (McCrudden, 2004; Telgen et al, 2007). No Brasil, a atividade regulatória envolve, por exemplo, a criação de tratamento diferenciado para as MPE, a contratação de cooperativas de catadores de lixo, as margens de preferência para produtos nacionais, a compra de produtos recicláveis e a proteção para a inclusão de critérios de sustentabilidades nos processos licitatórios. Sob o prisma econômico-social, destaca-se à proteção às MPE, como bem destacou E3 (2015): “As micro e pequenas empresas representam boa parte dos empregos gerados no Brasil. Percebendo isso, o governo criou critérios de preferência para essas empresas, que é um aspecto social da sustentabilidade. Se o Estado quer incentivar essas micro e pequenas empresas, então é mais que natural que elas tenham algum privilégio nas compras públicas, porque o Estado é o maior comprador individual de um país”. Como consequência dessas ações nos âmbitos ambiental, social e econômico, cria-se a necessidade do Estado ser capaz de promover a integração dessas políticas, tal como destacou E1 (2015): “Nós temos que pensar e articular a política de licitações sustentáveis com a de inclusão social dos catadores do governo federal, a de educação ambiental. Essas políticas têm que estar articuladas; é o papel da articulação jurídica. Nós temos que passar uma visão que seja sistêmica, seja prática, seja nessas ferramentas”. Obviamente a atividade de regulação depende da capacidade do Estado em normatizar essas ações. Em muitos casos, a função regulatória se confunde com a própria necessidade de elaboração de normas referentes à temática, pois para o sucesso das estratégias de CPS, um bom marco regulatório e legal é de fundamental importância, uma vez que confere legitimidade e segurança ao processo. E3 (2015) ressalta que “A alteração da Lei de Licitações e a posterior edição de um Decreto normatizador das compras sustentáveis, induziram e facilitaram a inclusão de critérios de sustentabilidade nas compras. Então o governo tem esse papel de normatizar e criar os instrumentos”. Brammer e Walker (2007) argumentam que onde há legislações e regulamentações concretas sobre licitações sustentáveis, elas foram implementadas com mais sucesso, promovendo alterações positivas para as empresas fornecedoras. Os avanços obtidos no marco regulatório e legal relacionados às CPS traçam um cenário positivo para o enfrentamento dos desafios de, por exemplo, superar eventuais processos judiciais questionadores da adoção de critérios de sustentabilidade nos processos licitatórios. E1 (2015) destaca que, em geral, não tem havido questionamento jurídicos sobre o tema: “Não tenho notícias de mandados de segurança ou que tenham barrado com dramaticidade uma licitação. Não tive, em minhas mãos, o acesso a informações de licitação sustentável que tenha sido barrada pelo Poder Judiciário”. Promover um sistema jurídico-legal sólido que ampare as ações de CPS é algo defendido por Betiol et al (2012) e essa é uma característica que deve estar presente na política, pois eventuais judializações dos processos de aquisições sustentáveis poderão inibir os gestores públicos a implementar as ações e os fornecedores de participarem dos processos, com os consequentes reflexos na competitividade e na atração de novas empresas para atuar no setor. 633

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para o caso brasileiro, destaca-se a importância da segurança jurídica. Como ressalta E10 (2015) “Têm muitos compradores, por exemplo, que resistem em fazer uma compra sustentável por realmente faltar o instrumento jurídico que dê esse respaldo. Isso é fundamental”. Por outro lado, parece existir uma base legal já consolidada que protege os compradores públicos e acaba por facilitar a implementação da política. Nas palavras de E6 (2015) “Eu acho que uma força é a legislação, apesar das pessoas criticarem muito a Lei de Licitações, dizem que trava e dificulta, mas muitas vezes é uma questão de interpretação. A legislação é uma força e já temos bastante a respeito”. E10 (2015) complementa “Eu acho que a política sempre pode ser melhorarada, mas hoje já temos um arcabouço legal bastante consistente”. Dessa forma, fica evidente a importância do Estado como ente normatizador capaz de propiciar um ambiente legal propício às práticas de CPS. Por outro lado, ao mesmo tempo em que o Estado é o indutor de políticas públicas e o realizador do marco regulatório e legal dos processos de compras sustentáveis, ele também é o cliente das empresas que fornecem bens e serviços públicos para os órgãos governamentais, ou seja, tem participação essencial no mercado que é regulado e normatizado por ele próprio. Esse triplo papel não é uma característica exclusiva do Estado brasileiro, pois, para a maioria das nações, o governo é um grande consumidor e pode potencialmente utilizar seu poder de compra para influenciar o comportamento das organizações privadas, com o estímulo à inovação de setores, o apoio às causas ambientais e sociais e o desenvolvimento de mercados domésticos (McCrudden, 2004), opinião que é compartilhada por E3 (2015) “O poder de compra do Estado é altíssimo e pode influenciar mudanças nos padrões de produção e consumo”. O Estado é considerado o maior comprador individual de bens e serviços na maioria das economias (McCrudden, 2004). Na visão de E3 (2015) “Se hoje um produto sustentável é muito caro, enquanto consumidor individual, não vou conseguir aumentar a escala de produção de um item sustentável, mas o consumo do Estado pode fazer a mudança”, ou seja, apenas considerando-se seu poder de compra, o Estado é um grande stakeholder do mercado, com capacidade suficiente para influenciá-lo de forma marcante e promover mudanças nos padrões de consumo, algo que vai ao encontro das ideias defendidas por Porter (1986) e Telgen et al (2007). A demanda por produtos sustentáveis envolve mudanças significativas nas formas de produção e consumo. O poder público, ao aumentar a demanda por determinados produtos, sinaliza favoravelmente aos fornecedores que poderá haver um mercado permanente e estável para ofertar seus produtos (Ipea, 2011). Dessa forma, o Estado precisa “dar o exemplo” para incentivar práticas mais sustentáveis. E6 (2015) reforça a relevância dessa ação: “Dar o exemplo é muito importante porque quando o governo exige que os outros façam é importante que ele faça também”. Por sua vez, as ações tomadas pelas empresas também podem ter importantes reflexos na formulação e implementação das políticas públicas. E3 (2015) ressalta que “Essa mudança nos padrões de produção da indústria, acaba recaindo sobre a sociedade que também vai mudando os seus padrões”. As empresas precisam estar articuladas e disponíveis para aceitar processos de mudança que inevitavelmente irão afetar seus negócios, mas também podem promover ótimas oportunidades. As formas como as questões de interesse público são tratadas e traduzidas em políticas públicas podem ser capazes de fornecer impulso ao consumo de bens e serviços (Buchholz e Rosenthal, 2004). Por exemplo, a efetivação das estratégias de aquisições sustentáveis pode promover ou mesmo viabilizar economicamente a produção e comercialização de produtos sustentáveis. Por seu lado, o Estado também pode se beneficiar dos processos de indução à inovação enquanto comprador, pois a aquisição de produtos e serviços inovadores pode ajudá-lo a 634

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

conquistar um melhor valor pelo dinheiro público, com a melhoria da qualidade das compras e redução de custos permanentes, pois como bem ressaltou E6 (2015) “um dos objetivos das compras sustentáveis é possibilitar que o gestor compre melhor para a administração pública”. Nesse aspecto, Erdmenger (2003) defende que há algumas condições para que as compras públicas produzam impactos na inovação e na economia dos países, tais como a promoção de uma demanda inicial para produtos e serviços inovadores e a especificação e aquisição de produtos novos (e não apenas aqueles que o mercado quer ofertar). 4. Conclusões Inicialmente compreendidas como mecanismos essenciais do Estado para aquisição de bens, serviços e obras, as compras governamentais ganharam importância nas últimas décadas e atualmente foram alçadas como instrumentos de implementação de políticas públicas, particularmente para a promoção do DS. Nesse âmbito, as políticas públicas de CPS podem promover a proteção social, alavancar aspectos econômicos e adotar medidas de proteção ambiental. Por outro lado, ao promover as CPS, os governos inevitavelmente alteram toda a dinâmica competitiva de um setor intensivo em recursos financeiros, provocando diversos conflitos de interesse a serem equalizados entre os stakeholders participantes. Regular e normatizar as políticas de compras públicas sustentáveis é um “remédio” adotado pelos Estados, inclusive pelo governo federal brasileiro, principal objeto de análise desse estudo de caso. Evidenciou-se que, no caso particular das práticas de compras sustentáveis no âmbito da administração pública, o Estado exerce um triplo papel, pois é o regulador, o responsável pelo marco legal que rege a matéria e um forte participante do mercado de produtos e serviços sustentáveis. O Estado regulador se mostra presente ao disciplinar a política com vistas a salvaguardar o interesse público de uma sociedade mais sustentável, mesmo que as mudanças promovidas não agradem a todos os stakeholders envolvidos no processo. O Estado normatizador se torna essencial, pois suas ações no sentido de garantir uma base legal consistente acabam por asseverar a segurança jurídica necessária para a prática da compra sustentável pelos servidores públicos, sendo esta uma característica apontada como uma força da política brasileira de CPS. O Estado como participante do mercado tem o potencial de alterar substancialmente a dinâmica do mercado, ao se utilizar de seu grande poder de compra e ao incentivar a competitividade e a inovação entre os fornecedores de produtos e serviços ao governo. Tornou-se evidente também que o Estado, ao exercer esse triplo papel, mesmo com todos os conflitos envolvidos, é a única instituição com plena legitimidade para representar os anseios da sociedade e promover o desenvolvimento sustentável por meio das políticas de incentivo às compras públicas sustentáveis. Por fim, destaca-se a necessidade de aprofundamentos teóricos e novas evidências empíricas colhidas a partir da replicação do estudo em outros países que poderão promover um melhor entendimento dos papeis do Estado ressaltados nesse artigo, além de evidenciar a importância de outras funções não percebidas como essenciais nesse estudo de caso realizado com o governo federal do Brasil. Referências Betiol, L., Uehara, T., Lalöe, F., Appugliese, G., Adeodato, S., Ramos, L. e Manzoni Neto, M. (2012). Compra sustentável: a força do consumo público e empresarial para uma economia verde e inclusiva. Programa de Gestão Pública e Cidadania, São Paulo.

635

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Biderman, R., Betiol, L., Macedo, L. e Monzoni, M. (2008). Guia de compras públicas sustentáveis – uso do poder de compra do governo para a promoção do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: FGV. Birkland, T. (2005). An introduction to the policy process: theories, concepts and models of public policy making. New York: Me Sharpe. Brammer, S. e Walker, H. (2011). Sustainable procurement practice in the public sector: an international comparative study. International Journal of Operations e Production Management, 31 (4), 452-476. Buchholz, R. e Rosenthal, S. (2004). Stakeholder theory and public policy: how governments matter, Journal of Business Ethics, 51, 143-153. CMMAD (1987). Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum, Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. CNUMAD (1992). Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Agenda 21. Curitiba: IPARDES. Dias, R. e Matos, F. (2012). Políticas públicas: princípios, propósitos e processos. São Paulo: Atlas. Edler, J. (2009). Demand policies for innovation. Manchester Business School, Working Paper, n. 579. Edler, J., Georghiou, L., Blind, K. e Uyarra, E. (2012). Evaluating the demand side: new challenges for evaluation. Research evaluation, 21 (1), 33-47. Edquist, C., Hommen, L. e Tsipouri, L. J. (2000). Public technology procurement and innovation. Estados Unidos: Kluwer Academic Publishers. Economics of Science, Technology and Innovation, 16. Edquist, C. e Zabala-Iturriagagoitia, J. M. (2012). Public Procurement for Innovation (PPI) as mission-oriented innovation policy. Research policy, 41 (10), 1.757-1.769. Erdmenger, C. (2003). Buying into the environment: experiences, opportunities and potential for eco-procurement. Greenleaf Publishing Limited. European Commission. (2006). Handbook on green public procurement, European Commission, Brussels. Fox, T., Ward, H. e Howard, B. (2002). Public sector roles in strengthening corporate social responsibility: a baseline study. Washington, D. C: World Bank. http://pubs.iied.org/16017IIED.html (acessed 22.4.2014). Garcia, F. A. e Ribeiro, L. C. (2012). Licitações públicas sustentáveis. Revista de Direito Administrativo, 260, maio/ago., 231 – 254. Gelderman, C. J., Ghijsen, P. W. e Brugman, M. J. (2006). Public procurement and EU tendering directives – explaining non-compliance. International Journal of Public Sector Management, 19 (7), 702-714. Georghiou, L. e Harper, J. C. (2011). From priority-setting to articulation of demand: foresight for research and innovation policy and strategy. Futures, 43, 243-251. Gil, A. C. (1994). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas. Hair Jr., J. F., Babin, B., Money, A. H. e Samouel, P. (2005). Fundamentos de métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre: Bookman. IPEA (2011). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasil em desenvolvimento 2011: Estado, planejamento e políticas públicas, 2, Brasília, Distrito Federal. http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/2012/livro_brasil_desenvolvimento2011_vol02.pdf (acessed 15.2.2012). 636

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Jensen, M. (2002). Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function. Business Ethics Quarterly, 12 (2), 235-256. Keim, G. e Baysinger, B. (1988). The efficacy of business political activity: competitive considerations in a principal-agent context, Journal of Management, 14(2), 163-181. McCrudden, C. (2004). Using public procurement to achieve social outcomes. Natural Resources Forum, 28, 257-267. PNUMA (2012). Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente. Implementando compras públicas sostenibles: introducción al enfoque del PNUMA. Porter, M. (1986). Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus. Porter, M. E. (1991). Toward a dynamic theory of strategy. Strategic Management Journal, 12, Winter Issue, 95-117. Porter, M. E. e Van der Linde. (1995). Green and competitive: ending the stalemate. Harvard Business Review, 73 (5), 120-134. Rofstam, M. (2005). Public technology procurement as a demand-side innovation policy instrument: an overview of recent literature and events. Lund University. http://goo.gl/cf51jG (acessed 29.4.2014). Sachs, I. (2004). Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond. Saunders, M., Lewis, P. e Thornhill, A. (2009). Research methods for business students. 5th ed. Prentice Hall. Sibel, Y. e Ömür, S. (2005). State as a stakeholder, Corporate Governance, 5(2), 111 – 120. Silva, J. J., Guimarães, P. B. V. e Silva, E. C. (2012). Compras públicas sustentáveis: aspectos legais, gerenciais e de aplicação. Recont: Registro Contábil, 3 (1), 45 – 61. Simons, L., Slob, A., Holswilder, H. e Tucker, A. (2001). The fourth generation: new strategies call for new eco-indicators. Environmental Quality Management, 11, 51-61, Winter. Squeff, F. H. S. (2014). O poder de compras governamental como instrumento de desenvolvimento tecnológico: análise do caso brasileiro. Texto para discussão / IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, Distrito Federal. http://comprasgovernamentais.com.br/wp-content/uploads/2014/01/O-PODER-DECOMPRAS-GOVERNAMENTAL.pdf (acessed 25.3.2014). Ssennoga, F. (2006). Examining discriminatory procurement practices in developing countries. Journal of Public Procurement, 6 (3 e 4). Telgen, J., Harland, C. e Knight, L. (2007). Public procurement in perspective. In Knight, L., Harland, C., Telgen, J., Callender, G. e Thai, K. McKen, J. (Eds), Public procurement: international cases and commentary (pp. 16-24). UK: Routledge. UN (2002). United Nations. Plan of Implementation of the World Summit on Sustainable Development. http://www.un-documents.net/jburgpln.htm (acessed 3.3.2013). UN (2012). United Nations. The future we want. Recuperado em 03 de março de 2013 em " http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/476/10/PDF/N1147610.pdf?OpenElement#page=1ezoom= auto,0,800. (acessed 3.3.2013). Uyarra, E. e Flanagan, K. (2010). Undestanting the innovation impacts of public procurement. European Planning Studies, 18 (1), 123 – 143. Walker, H. e Brammer, S. (2009). Sustainable procurement in the United Kingdom public sector, Supply Chain Management: An International Journal, 14 (2), 128-137. 637

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Walker, H. Di Sisto, L. e McBain, D. (2008). Drivers and barriers to environmental supply chain management practices: lessons from public and private sectors. Journal of Purchasing and Supply Management, 14 (1), 69-85. Ward, H. (2004). Public sector roles in strengthening corporate social responsibility: taking stock. Washington, D. C: World Bank. http://pubs.iied.org/16014IIED.html?a=Halina%20Ward (acessed 22.4.2014). Weiss, L. e Thurbon, E. (2006). The business of buying American: public procurement as trade strategy in the USA, Review of International Political Economy, 13(5), 701-724. Wolff, F. e Schönherr, N. (2011). The impact evaluation of sustainable consumption policy instruments. Consume Policy, 34, 43-66. Yin, R. K. (2009). Case study research: design and method (4th. ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.

I - Governança global, regional e local

638

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Governança Florestal na América Latina: Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento Local Liviam Cordeiro-Beduschi Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil – [email protected]). Evandro Moretto Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil – [email protected]). Resumo Nas últimas décadas, a implementação de programas e políticas florestais tem-se intensificado nos diferentes países da América Latina, especialmente como resposta às mudanças ambientais que as regiões ricas em biodiversidade vêm apresentando. Tais mudanças estão frequentemente relacionadas à sobre-exploração dos recursos florestais e ao histórico de ocupação destes territórios, movidos principalmente por transformações causadas pela implantação de grandes obras de infraestrutura (hidrelétricas, rodovias, ferrovias, etc.) e pela conversão do uso do solo para a agropecuária e mineração, os quais são fatores que contribuem para significativas transformações locais e regionais. Como consequência, a perda da cobertura florestal na América Latina continua em ritmo preocupante contribuindo com a persistência da pobreza nos países da região. Neste cenário, a regulamentação do uso dos recursos florestais e da ocupação do solo têm sido um desafio tanto para conter os altos índices de desmatamento, quanto para a implementação de novas práticas de manejo das florestas a partir de diferentes modelos de governança florestal. À luz deste problema, os mecanismos de governança florestal assumem destaque entre as políticas públicas, revelando especial oportunidade para que os seus possíveis desenhos sejam adequadamente estudados. Diversas experiências de governança florestal vêm ocorrendo, como a descentralização na gestão de florestas, o uso e manejo sustentável de produtos florestais (madeireiros e não madeireiros), os pagamentos por serviços ambientais e certificações. Estas estratégias permitem reconhecer um novo modo de governança, onde não é mais o Estado o principal regulador das ações e decisões, mas sim outros atores públicos e privados, em diversos níveis (globais e locais), o que apresenta uma combinação híbrida na forma de regular o uso das florestas. No entanto, a forma como a governança florestal se estabelece é ainda um tema em construção na literatura, o que demonstra a necessidade de compreender melhor as suas origens, influências e perspectivas que venham contribuir com o desenvolvimento sustentável de um território em transformação. Neste contexto, este trabalho objetiva analisar os modos como a governança florestal vem se estabelecendo para promover o desenvolvimento local em regiões que tem como desafio o uso e manejo sustentável dos recursos florestais. A metodologia utilizada inclui análise de documentos secundários, análise de projetos em desenvolvimento, entrevistas com múltiplos atores, visita de campo aos projetos. Uma correlação entre dados qualitativos e quantitativos orienta a discussão sobre indicadores de desenvolvimento humano. As experiências analisadas correspondem a duas regiões da América Latina: em municípios da região ocidental da Amazônia Brasileira e municípios dos Bosques Sempre Verdes do sul do Chile, a partir do ano de 2000. As evidências deste estudo apontam que a governança florestal que induz o desenvolvimento local está relacionada, geralmente, com a presença de uma rede de interações entre agências e organizações com base na pluralidade, institucionalidade, descentralização de ações e cooperação entre atores sociais privados, públicos e governamentais. No entanto, os modos como esta governança se estabelece se apresentam de distintas formas, as quais foram identificadas e categorizadas com base nas experiências analisadas. 639

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Palavras-chave: Política Florestal, Governança Florestal, Manejo Florestal Sustentável, Desenvolvimento Local.

640

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

GOVERNANÇA TERRITORIAL: um caminho para a sustentabilidade das comunidades Lucinda Caetano1 1

CIAUD/ FCT SFRH/BD/110008/2015 – Faculdade de Arquitetura/ Universidade de Lisboa R. Sá Nogueira, 1349-055 Lisboa, [email protected] Resumo A promoção da sustentabilidade dos territórios e das comunidades está na ordem do dia, em linha com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável a nível mundial, cujos objetivos e ações serão discutidos na Conferência das Nações Unidas HABITAT III. A literatura sobre o tema e os diplomas entretanto publicados inclusive a nível nacional, como por exemplo, o documento da DGT (2015) Cidades Sustentáveis 2020 para Portugal, referem a governança como um dos princípios basilares da sustentabilidade. Contudo, se como afirmam Pasquier et al (2007), a construção dos conceitos de governança e governança territorial, já levantam questões referentes às imprecisões que os cercam e que importam analisar, mais importante ainda será entender como os discursos sobre governança territorial se traduzem na prática. Nesse sentido, julga-se que o estudo dos resultados dos instrumentos de política pública com lógicas de governança será um importante contributo para o desenvolvimento de modelos e práticas de sustentabilidade. A presente investigação pretendeu avaliar a pertinência da utilização da grelha de enquadramento da governança territorial (Caetano, 2015), através da sua aplicação a estruturas de gestão focadas em resultados, tendo sido selecionada a contribuição das Sociedades de Reabilitação Urbana, como projectos participados de reabilitação urbana, no quadro das diferentes dimensões da governança, em especial na utilização de instrumentos financeiros de suporte. Como estudos de caso foram selecionadas as Sociedades de Reabilitação Urbana de Coimbra e do Porto, e os Fundos de Investimento Imobiliário Coimbra Viva I e o Fundo Oporto. A metodologia de investigação baseou-se na comparação entre o desempenho dos estudos de caso, através da interpretação de dados recolhidos e em inquéritos. Os métodos adotados foram a análise comparativa/ interpretativa de dados recolhidos nos sites das instituições, nos relatórios de gestão e na observação das transformações territoriais, bem como, em entrevistas não estruturadas, cujos métodos de amostragem selecionados foram os de “conveniência” (aos gestores de topo das empresas públicas). Os resultados demonstraram que numa primeira abordagem a grelha de enquadramento poderá ser útil para diagnosticar os pontos críticos, que nos casos de estudo situam-se ao nível da vinculação às comunidades locais e ao planeamento on-going. No entanto, a avaliação de cada tipologia de instrumento de governança territorial deverá ser alvo de métodos de avaliação específicos, que tornem possível a definição dos fatores críticos de sucesso para cada instrumento adotado. Palavras-chave: Governança Territorial, Sustentabilidade, Sociedades de Reabilitação Urbana, Parcerias Público Privadas, Fundos de Investimento Imobiliário. 1. Introdução O presente trabalho constitui-se como uma reflexão sobre Governança Territorial, articulando-se com as políticas públicas e a gestão pública, em especial do poder local e respetiva administração pública. O argumento pretende evidenciar algumas pistas que conduzem à ideia de que na construção de “novos modelos de governança” para a reabilitação urbana, devem ser tidos em consideração alguns aspetos, para que possam vir a constituir-se como um possível caminho para a sustentabilidade das comunidades. 641

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O novo paradigma global de desenvolvimento sustentável encontra-se presente nas políticas públicas portuguesas, apesar de algum atraso nesse transplante devido a dificuldades de operacionalização (Portas et al, 2007). O problema reporta-se à desarticulação existente entre as políticas territoriais e os vários setores da administração pública, aliado à ineficiência da Administração Pública, à falta de transparência na concepção das parcerias público-privadas e à pouca participação da comunidade na formulação das políticas públicas e nos processos de planeamento (Bilhim, 2004; Ferrão, 2011; DGT, 2014; Portas et al, 2007, Farquharson et al, 2011). Saliente-se a estratégia para Portugal Cidades Sustentáveis 2020 que pretende constituir-se como um quadro de referência orientador, apontando um caminho para o desenvolvimento territorial integrado, nas suas dimensões económica, social, ambiental, cultural e de governança. O estado da arte referente ao tema da governança territorial induz a que a revisão literária se debruçe sobre vários temas. Contudo, o presente artigo restringir-se-á à concetualização de governança territorial e sustentabilidade. 1.1. Governança A definição de governança contém em si um espectro tão abrangente que pode-se partir da definição genérica, e de certo modo simplista, de Dente et al (2005), apud Crespo (2013), que define governança como a “atividade destinada ao fim de governar”. Esta definição surge na sequência de uma análise interpretativa que relaciona os significados de “governabilidade”, “governança” e “governo”, onde “governabilidade” corresponderia à aptidão de determinado “governo” para definir coerentemente objetivos a alcançar e correspondente tomada de decisões, para a implementação de ações conducentes à sua materialização, no seu processo e percurso de “governança”. Crespo (2013) ao debruçar-se sobre o pluralismo concetual recorre a Dente et al (2005) que define «governança» enquanto “conjunto de ações, práticas e processos que conotam o exercício do governo”, enquanto o «governo» se refere ao “campo das instituições políticas e das estruturas organizativas”. No outro lado do espectro estaria Kooiman (2003), apud Hall (2011), que assume “governança” como a "totalidade das conceções teóricas sobre governar". Noutras palavras, verifica-se que “governança” passa a significar a totalidade das conceções teóricas sobre as várias “ maneiras de governar”, ou seja, preocupa-se mais com as ideologias subjacentes do que com as ações, práticas e processos que serão utilizados na atividade da governação, sendo portanto o universo oposto da definição anterior de Dente et al (2005). No seu estudo Hall (2011) analisa governança enquanto conceito-chave nas políticas públicas, em especial, nas políticas de turismo, categorizando as tipologias e os elementos fundamentais, usando como estudo de caso a implementação pelos Estados (governos nacionais e territoriais) aderentes à Convenção sobre Diversidade Biológica (criada na ECO 92). No referido estudo, Hall (2011) define as estruturas de governança em quatro categorias distintas: Hierarquia; Comunidades; Redes e Mercados. Na sua ótica, usando como referencial essa grelha de análise parte de uma situação de controlo absoluto (hierarquias) para uma situação de autorregulação (comunidades) ou “não governo”.

642

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 1. Grelha tipológica de Governança de Hall HIERARQUIA

MERCADOS

> Controlo do Estado

REDES

COMUNIDADES < Controlo do Esstado

Na visão de Hall (2011) essas tipologias funcionam de modo estanque, no entanto, conforme parece indiciar a investigação coordenada pela autora (Caetano et al, in press), as tipologias atuam em conjunto e são interdependentes, com escalas de graduação. Crespo (2013), analisou o processo de surgimento, características e causas da emergência de mecanismos e de instrumentos de governança urbana e os desafios à gestão territorial. O tema central da sua investigação foram os processos de governança urbana relacionados com as políticas públicas e com a gestão municipal, através de uma análise comparativa de municípios, inseridos no mesmo contexto territorial, neste caso a área metropolitana de Lisboa. Em termos teóricos percebe-se que Crespo (2013) opõe a ideia de governança “assumida como nova governação” ao modelo tradicional de governar, procurando encontrar influências e a utilização de instrumentos de gestão inovadores (relacionados com parcerias e participação pública) nas políticas públicas. A sua metodologia de investigação parte de análises empíricas para aferir em que medida Poder Político e Comunidades interagem para criar as políticas públicas. Na sua ótica, em Portugal a “governança” possui um impacto territorial ainda diminuto, apesar de se constituir como um instrumento útil na tomada de decisões pelo poder político, sendo um utensílio inclusivo de desenvolvimento urbano. Na revisão literária realizada relativamente ao conteúdo de “governança” verificou-se que pode ser classificada em quatro “dimensões de abordagem”: Política e Políticas Públicas (Alford e Friedland, 1985; Bevir, 2011; Compans, 2004); Políticas de Base Local (Evans et al, 2013; Boschi, 1999; Cavaco, 2014); Planeamento Estratégico e Urbanístico (Alves, 2010; Baptista, 2008; DGOTDU, 2011; DGT, 2014; Brito, 2006; Healey, 1997); e Governança enquanto nova Gestão Pública (Carvalho, 2011; Aguilar, 2007; Andrade, 2012; Bilhim, 2004). 1.1.1. Dimensões da Governança Neste quadro referencial as quatro dimensões da governança partem da visão macro para a operacionalização no território das políticas públicas. Noutras palavras, governança é o conjunto de políticas, instrumentos e processos. Partindo da dimensão supra – Política e Políticas Públicas – selecionou-se alguns autores que vinculam Governança à legitimação política, desde Alford e Friedland (1985) que consideram que intrínseco ao poder encontram-se as contradições entre as instituições políticas e burocráticas, passando por Bevir (2011) que a justifica como “remédio” para os males da democracia contemporânea, que se ressente tanto com os limites difusos da accountability, quanto com a legitimidade declinante e termina-se com a “mensagem” provocatória de Compans (2004), quando avalia os “modelos de gestão urbana” no âmbito dos “modelos de empreendedorismo competitivo”, onde deixariam de ser um instrumento “técnico”, para constituírem uma estratégia político-argumentativa, destinada a viabilizar um “novo” projeto de modernização capitalista. Para clarificar a dimensão das Políticas de base local selecionou-se três autores que parecem suficientemente representativos. Evans et al (2013), que consideram que o localismo representa a “devolução do poder a estruturas democráticas, instituições e comunidades locais”. Por sua vez, Boschi (1999), na sua análise comparativa de 643

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

governança urbana entre Belo Horizonte e Salvador, considera que a integração governativa ao local promove a gestão descentralizada fundada na cooperação público-privada e na utilização de mecanismos de accountability. Relativamente à governança enquanto política territorial de base local, encontra-se definida por Cavaco (2014), no seu artigo sobre “política para cidades compactas”, como abordagem territorial integrada, ou parafraseando Barca (2009) como abordagem baseada no local, em multi-escala, multinível, multissetorial e multiagentes. A dimensão do planeamento estratégico e urbanístico é a que apresenta mais adeptos, principalmente em Portugal. No discurso pressente-se que a argumentação dos seus defensores inspira-se nos resultados obtidos pelo planeamento participativo em contextos europeus, estando na base dos mais recentes diplomas e documentos estratégicos, “inovadores” em termos de gestão. Alves (2010), ao debruçar-se sobre a regeneração urbana de duas zonas da cidade do Porto, concluiu que governança equivale ao planeamento estratégico aliado ao comprometimento político. Por sua vez, Baptista (2008), ao analisar a implementação do Programa POLIS, vincula a governança urbana ao planeamento, salientando que a forma como está sistematizada quer as legitimidades de participação, quer as práticas vigentes só poderá ser inteligível se visto à luz da perceção de que Portugal é um “país desordenado”. Cabral et al (DGOTDU, 2011) ao elaborarem o Guia para os Programas de Ação Territorial propõem alguns mecanismos que asseguram processos democráticos de participação e tomada de decisão permitindo a governação multinível. Aliás, na elaboração do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) esteve presente essa governança ou “estratégia governativa”, conforme se verifica na Avaliação ao PNPOT (DGT, 2014), no entanto, essa “governança” não teve continuidade, uma vez que não foram concretizados os Planos de Ação preconizados. Finaliza-se a ilustração desta dimensão com Healey (1997) que ao explorar a natureza do planeamento estratégico o vê como um planeamento associado a um estilo de governação com orientação política. Para ilustrar a dimensão da gestão pública referencia-se quatro autores, com formações diversas, de contextos distintos, que se reportam à governança como melhoria na organização administrativa pública, sem ligação direta ao território, ou seja, o conteúdo remete-nos para a adoção de valores e boas práticas “empresariais” na administração pública, garantindo deste modo a prestação de um melhor serviço público, ou no dizer de Compans (2004) para modelos de empreendedorismo competitivo. Os autores Carvalho (Portugal, 2011), Aguilar (México, 2007) e Bilhim (Portugal, 2004) vinculam governança à nova gestão da administração pública, definida por Carvalho como governação interna e externa na administração local, e que nas palavras de Aguilar assume-se como uma nova relação diretiva entre governo e sociedade, onde a administração pública aporta “questões relativas à capacidade e eficácia diretiva do governo”, enquanto Bilhim a vê como a gestão eficiente e eficaz da estrutura do Estado que permite um serviço público de maior qualidade e a custos mais baixos. Contudo o brasileiro Andrade (2012) ao debruçar-se sobre o estabelecimento de sistemas universais de saúde acrescenta uma outra característica à governança - a de “processo” -, ou seja, constitui-se como o processo contínuo de gestão, avaliação e tomada de decisão. 1.2. Território A definição de Território no contexto deste artigo contém vários atributos, enquanto conceito e como “lugar” onde se materializam as políticas públicas. O território “essa entidade física e mental” é simultaneamente um processo, um produto e um projeto. Como tal, adiciona o artefato físico aos processos e aos projetos que o moldam. (Corboz, 2004 apud Cavaco, 2014).

644

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Sendo o macro objetivo da comunidade europeia a territorialização das políticas públicas (Major, 2014), as políticas de base local, uma das “dimensões da governança” terão necessariamente que estar implicadas com o território enquanto processo, produto e projeto.

645

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1.3. Governança Territorial A abordagem integrada no desenvolvimento urbano, de base local e com o foco no território defendida por Fabrizio Barca (2009), no seu relatório A place-based approach to meeting European Union challenges and expectations, poderá ser uma boa definição para Governança territorial. Outra definição sobre governança urbana encontra-se em UN-HABITAT que a define como um processo contínuo que informa o sucesso de um sistema de cidade. Acredita-se que Governança territorial poderá ser concetualizada como uma metodologia para governar um território específico, numa visão integrada e articulada, através da coordenação em rede e em parceria com as comunidades e os mercados. Para exemplificar apresenta-se a Tabela 2 referente às políticas públicas, instrumentos e processos usuais em Portugal, no âmbito da reabilitação urbana. Tabela 2. Quadro referencial da Governança territorial para reabilitação urbana Dimensões Políticas Públicas

Exemplos Polis XXI Cidades Sustentáveis 2020

Políticas Políticas de base local

Planeamento Instrumentos

Estratégico/ Urbanístico

Área Crítica Urbanística

de

Recuperação

e

Reconversão

Área de Reabilitação Urbana Parcerias Públicas Privadas (Fundos de Investimento Imobiliário; Contratos de Reabilitação Urbana; Orçamento Participativo; Empreitadas e Concessão de serviços) Planeamento Territoria)

Participado

(Programas

de

Ação

Governança Multinível (Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território; Comunidades Intermunicipais; Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional)

Processos

Nova Gestão Pública/ Modelos de Gestão

Câmaras Municipais com certiifcação de qualidade (gestão baseada em resultados) Sociedades de Reabilitação Urbana Sociedades mistas

1.4. Sustentabilidade urbana Por princípio, qualquer governo democrático, e em especial, num contexto de “governança territorial” baseia a sua atuação numa visão que oriente a estratégia de intervenção. Na atual sociedade do conhecimento a visão vincula-se ao conceito de sustentabilidade. Os documentos estratégicos referentes às intervenções de âmbito territorial e à coesão social a nível mundial, europeu e nacional há alguns anos a esta parte vêm apelando para a urgência de serem promovidas mudanças estruturais, considerando as profundas 646

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

transformações que a nossa sociedade do conhecimento e as alterações ambientais produziram. Em rigor a consciencialização das assimetrias sociais entre países, dos problemas dos assentamentos humanos e da finitude dos recursos naturais vem sendo levada a cabo pela Organização das Nações Unidas (ONU), tendo sido iniciada na década de 70 do século XX e culminou com a Cimeira da Terra ou ECO 92. Na Conferência das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro, em 1992, foram produzidos praticamente todos os documentos base e iniciativas para os temas que posteriormente foram sendo aprofundados, a nível mundial, como por exemplo, a Agenda 21 e a criação dos Conselhos Nacionais de Desenvolvimento Sustentável (CNADS). Em Portugal o CNADS foi criado em 1997, embora tenha iniciado o seu exercício em 1998.130, integrando a rede de Conselhos Consultivos Europeus de Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável/ EEAC. De salientar o parecer inconclusivo do CNADS sobre a eficácia da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável 2015, no âmbito da versão provisória do 1.º relatório bienal de execução da ENDS 2015131, enquanto “estratégia das estratégias”, cuja implementação tinha como instrumentos-chave o QREN132, o PNACE133, o PNPOT e o PNAC134, para além de outras Estratégias e Programas relevantes, devido à dificuldade de articulação entre os vários instrumentos. Noutro âmbito relativamente à reflexão do CNADS sobre o livro verde sobre coesão territorial europeia, é reconhecida a deficiente capacidade de articulação e integração de estratégias e de práticas, reflexo da ausência de um quadro de governança ativo e integrador. As conclusões da ECO 92 e as iniciativas seguintes partiram de um diagnóstico global feito ao planeta, que em termos genéricos, como avaliado pelo grupo de peritos sobre o ambiente urbano (Fudge et al, 1996) reportavam-se à “crescente urbanização do mundo, associada a questões globais de alterações climáticas, escassez de água, degradação do ambiente, reestruturação económica e exclusão social”. Do diagnóstico realizado e expresso no Relatório sobre “Cidades Europeias Sustentáveis” (Fudge et al, 1996) faltaria acrescentar apenas (porque é posterior à redação do documento) as mudanças estruturais decorrentes da disseminação das Tecnologias da Informação e Comunicação, que alteraram significativamente o modo de viver das comunidades humanas agora ligadas em rede. As questões urbanas afloradas neste relatório transformaram-se noutras iniciativas, das quais destacam-se o “espaço europeu de reflexão” intitulado "cities of tomorrow"135, bem como, o programa URBACT136. Saliente-se que o relatório de Fudge et al (1996) apresentou um quadro de ação para os governos locais e identificou quatro princípios a usar no estabelecimento de metas e na 130 In: http://www.cnads.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=46&Itemid=54 (accessed 13.04.2016) 131 ENDS 2015 (Resolução do Conselho de Ministros nº.109/2007) 132 Quadro de Referência Estratégico Nacional. http://www.qren.pt/np4/qren (accessed 13.04.2016) 133 Programa Nacional de Ação para o Crescimento e o Emprego. http://www.ifdr.pt/content.aspx?menuid=202&eid=942 (accessed 13.04.2016) 134Programa Nacional para as Alterações Climáticas. http://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=81&sub2ref=117&sub3ref=299 (accessed 13.04.2016) 135 http://ec.europa.eu/regional_policy/archive/conferences/citiesoftomorrow/index_en.cfm (accessed 13.04.2016) 136 http://urbact.eu/who-we-are (accessed 13.04.2016)

647

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

medição e acompanhamento dos progressos em direção à sustentabilidade nas zonas urbanas, nomeadamente: • •

• •

Princípio de integração política: A coordenação e integração seriam realizadas pela articulação do princípio de subsidiariedade com o conceito mais vasto da responsabilidade partilhada. Princípio de reflexão ecossistémica: A reflexão ecossistémica vê a cidade como um sistema complexo, caracterizado por processos contínuos de transformação e desenvolvimento. /…/. Esta inclui também uma dimensão social, que considera cada cidade como um ecossistema social. Princípio de gestão urbana: O processo de gestão urbana sustentável requer uma série de instrumentos orientados para as dimensões ecológica, social e económica, com vista a proporcionar a base necessária para a integração. Princípio de cooperação e parceria: A sustentabilidade é uma responsabilidade partilhada. A cooperação e parceria entre diferentes níveis, organizações e interesses são elementos essenciais da ação em prol da sustentabilidade.

Tabela 3. Correlação entre os princípios da sustentabilidade e as dimensões da governança Cidades Europeias Sustentáveis Dimensão da governança

Política

Ecossistema

Gestão

Cooperação

Conteúdo

Princípio de subsidiariedade com responsabilidade partilhada e articulação horizontal e vertical

Cidade como ecossistema social, caracterizado por processos contínuos de transformação e desenvolvimento Planeamento prévio com atuação integrada das dimensões ecológica, social e económica “Gestão sustentável”, enquanto processo de aprendizagem, cujos “padrões organizativos e sistemas administrativos dos

Princípio

Integração política

Reflexão ecossistémica

Governança Teerritorial Dimensão/ Indicador

Política & Políticas públicas

Políticas de base local & associativismo

Planeamento estratégico & urbanístico Gestão urbana

Cooperação e

Nova gestão pública

Objectivos Estratégia políticoargumentativa onde se encontram presentes os elementos constituintes do Estado ocidental contemporâneo – democracia, burocracia e capitalismo Vinculação à comunidade e aos agentes económicos, através de uma abordagem baseada no local, em multi-escala, multinível e multissetorial Planeamento com orientação e compromisso político e participado Melhoria na gestão pública administrativa, através da adoção de valores e boas práticas “empresariais” na 648

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

municípios” devem ser mais flexíveis e eficazes

parceria

& Governança empresarial

administração pública, prestando um melhor serviço público

O documento da DGT (2015) Cidades Sustentáveis 2020 para Portugal (Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2015, de 16 de julho) aponta “um caminho de médio e longo prazo para o desenvolvimento territorial integrado, nas suas dimensões económica, social, ambiental, cultural e de governança.” Na Agenda 2030 cujos objetivos e ações serão discutidos na Conferência das Nações Unidas HABITAT III, a realizar-se em outubro, mantém-se o foco no desenvolvimento urbano sustentável, conforme referiu o Secretário-Geral da ONU: “nossa luta pela sustentabilidade global será vencida ou perdida nas cidades” (HABITAT III, 2015). Do referido sublinha-se a importância da correlação entre os quatro princípios da Sustentabilidade Urbana e as quatro dimensões da governança. Como se verifica na Tabela 3 esta correlação de conteúdo parece sustentar a possibilidade de considerar-se como indicador de qualidade a incidência nas dimensões da governança territorial. Essa premissa determinou a criação de uma grelha de enquadramento articulando as dimensões da governança com os vetores estratégicos da sustentabilidade, para aferir/ mensurar a qualidade dos instrumentos de governança, tendo sido utilizados como caso de estudo as parcerias público-privadas mais comuns em Portugal (Caetano, 2015). Esta tentativa de análise ou avaliação não é pioneira. No contexto luso-brasileiro DALLABRIDA (2015) destacou aqueles que poderiam ser considerados os princípios-chave de práticas qualificadas de governança territorial, analisando 19 experiências de associativismo, cuja análise baseou-se em entrevistas de conveniência a dirigentes; representantes da sociedade civil, do setor empresarial e do setor público; assessores e/ou técnicos.sobre questões relacionadas com estrutura organizacional e de funcionamento e principais desafios e resultados alcançados. 1.5. Sociedades de Reabilitação Urbana Importa neste momento encontrar novas provas que corroborem ou refutem a pertinência da grelha de enquadramento da governança territorial, através da sua aplicação a estruturas de gestão focadas em resultados, tendo sido selecionada a contribuição das Sociedades de Reabilitação Urbana - SRU (criadas pelo DL 104/ 2004), como projectos participados de reabilitação urbana, no quadro das diferentes dimensões da governança. Costa (2010) no seu estudo abordou o ciclo das SRU’s, desde a sua criação em 2004 até 2010, focando as incongruências entre a teoria e a prática do quadro legal de 2004, pois apesar de terem sido criadas para reabilitarem o edificado tornaram-se na prática “verdadeiros” instrumentos de reabilitação urbana. Posteriormente, em 2009, com a alteração do quadro legal, surgiram novas orientações e procedimentos, dando novas valências às SRU’s, eventualmente fruto da experiência de cinco anos no terreno. O regime jurídico de 2004 previa dois modelos distintos de SRU’s: Companhias municipais de reabilitação urbana detidas a 100% pelas autarquias; e em caso de excecional de interesse público, sociedades anónimas com capital 100% público, partilhadas entre as Autarquias e o Estado. Estava previsto que essas organizações públicas cumprisssem os objetivos das Autarquias, no que concerne à reabilitação, num âmbito de intervenção, desde que os documentos estratégicos de suporte tivessem sido aprovados pelo Município, havendo um claro incentivo à criação de parcerias público privadas, mediante a celebração de contratos de reabilitação urbana. A análise que Costa (Ibid) realizou relativamente à 649

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

atuação e aos resultados de dez SRU’s permitiu verificar que em sua maioria foram além das competências para as quais haviam sido criadas, assumindo um papel articulador e integrador na gestão urbanística das suas áreas de intervenção, com base em Masterplan’s e documentos estratégicos. O regime jurídico de 2009 criou novas figuras de planeamento tais como Área de Reabilitação Urbana – ARU e Operação de Reabilitação Urbana - ORU, mas acima de tudo tornou-as entidades gestoras de ORU’s sistemáticas e promoveu a simplificação procedimental para a sua constituição, bastando que o Município aprovasse a ARU e respetiva estratégia, deixando de estar dependente da delimitação de centro histórico em PDM ou da publicação em decreto governamental de ACRRU. Como suporte à intervenção criou a figura de Programa Estratégico de Reabilitação Urbana, mas à margem dos instrumentos previstos em Regime Jurídico de Instrumentos de Gestão Territorial. Em termos de gestão passaram a contar com competências delegadas pelos municípios, havendo a contratação direta através de Contratos-programas. À guisa de conclusões o autor avaliava que as SRU’s na prática tornaram-se um exemplo inovador da gestão urbanística e administrativa nas suas áreas de atuação, assumindo as competências delegadas numa ótica integrada, em parceria com a comunidade e com os agentes económicos, através de uma conceção de planeamento e gestão num processo contínuo. 1.6. Parcerias Público-Privadas As Parcerias Público-Privadas (PPP’s) são instrumentos cada vez mais utilizados pelos governos, em especial no fornecimento de serviços de infra-estruturas urbanas, numa conjuntura económica cada vez mais deficiente em termos de capital público. O World Bank Group considera-as uma forma de contratação de serviços públicos inovadora que recorre à experiência e ao suporte financeiro do sector privado, e que se implementadas corretamente poderão melhorar a prestação de serviços e facilitar o crescimento económico. Da literatura consultada sobre este tema, tomando como base os exemplos materializados em alguns países, a avaliação da sua eficácia não é concordante. Contudo, levantam questões interessantes relativamente aos critérios qualitativos a ter em atenção aquando da feitura e da gestão dessas parcerias, que podem dar pistas acerca da forma e do contéudo, garantindo a equidade e a repartição justa de ganhos nas parcerias. (Azevedo, 2008; Brito, 2006; Jamali, 2004; World Bank et al, 2014; Farquharson et al, 2011; Major, 2014; Van Der Veen, 2009; Crespo, 2013). Em termos jurídicos portugueses (Azevedo, 2008) as tipologias das PPP’s dividem-se em Contratuais (p.Ex. Concessões) e Institucionais (p. Ex. empresas mistas e Fundos de Investimento Imobiliário - FII) e a incidência orçamental em “Financeiramente viáveis” ou “Autossustentáveis” (pagas diretamente pelos contribuintes). Os formatos base (Brito, 2006) dividem-se em: • • • • • •

Delegação de execução de serviços públicos (concessão e permissão) Fomento à iniciativa privada de interesse público (convênio ou contrato de gestão) Cooperação do particular na execução de atividades próprias da Administração Pública (Organizações Não Governamentais - ONG, associações) Instrumento de terceirização (contratos de obras e serviços por meio de empreitada) Instrumento de desburocratização e de instauração da chamada Administração Pública Gerencial (contratos de gestão com empresas públicas) Consórcios (Contrato de parcerias, FII, empresas mistas)

650

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Antes de se avançar para a análise dos estudos de caso, proceder-se-á à verificação do enquadramento relacional entre o conteúdo das PPP’s portuguesas mais utilizadas na reabilitação urbana e os indicadores da grelha de enquadramento da governança. O método delineado para esta verificação é similar ao método utilizado na Avaliação Ambiental Estratégica (Partidário, 2012), ou seja, considera-se melhor, quanto maior for o número de incidências, cujo máximo será a incidência na totalidade dos indicadores. Como verificado na Tabela 4 relativa à caracterização das PPP’s há incidência em praticamente todos os indicadores/ dimensões da governança territorial, excetuando a Concessão de serviços e infraestruturas nas Políticas de base local & Associativismo (por norma as empresas concessionadas não estão vinculadas ao território onde laboram) e o Orçamento Participativo no Planeamento estratégico & Urbanístico (usualmente as sugestões da comunidade não integram os Planos Municipais de Ordenamento do Território). As demais tipologias referentes a Empreitadas, Contratação de serviços de âmbito público, Fundos de Investimento Imobiliário e empresas de capital misto são as que logram maior número de incidências, neste caso a sua totalidade. Os resultados decorrentes da análise das PPP’s demonstram que as tipologias que incidem nas quatro dimensões da governança (onde se incluem os Fundos de Investimento Imobiliário) apontam para a hipótese de serem bons instrumentos de governança. A literatura sobre o tema corrobora tal fato (Crespo, 2013; Major, 2014). Tabela 4. Conteúdo das tipologias de PPP’s nas dimensões da governança territorial Dimensões Governança Territorial

Política & Políticas públicas

Contexto

Definição estratégica alinhada com as Nações Unidas e a Europa, integrada no sistema jurídico, com reflexos territoriais

Tipologias PPP’s Reabilitação Urbana Orçamento Participativo

Valores da democracia participativa, constantes do artigo 2º e 48.º da Constituição da República Portuguesa

Empreitadas ou terceirização

Código da Contratação pública (DL 18/2008, com as alterações posteriores)

Contratos de planeamento e reabilitação

RJIGT (DL 80/2015) e RJRU (DL 307/2009,com as alterações posteriores)

Concessão de serviços e infraestruturas

Diplomas próprios (RCM, DL, Leis ou Contratos de Concessão)

FIIs e empresas de capital misto

Orçamento de Estado 2008 e 2009, RJRU e Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio

Orçamento Participativo

Políticas de base local & Associativismo

Abordagem integrada de base local, focada no território, em parceria com a comunidade e com os

Características

Participação da sociedade civil

Empreitadas ou terceirização

Por norma são as empresas locais que concorrem

Contratos de planeamento e reabilitação

Participação imobiliários, investidores

Concessão de

Somente se vier a ser determinado no âmbito legislativo ou nas posturas

de promotores proprietários e

651

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

agentes económicos

serviços e infraestruturas FIIs e empresas de capital misto

Planeamento estratégico & Urbanístico

Nova gestão pública & Governança empresarial

Regulação territorial objetivando a regulação do solo harmoniosa e integrada, com participação pública

Modelo organizativo baseado em resultados, diferenciado da administração pública tradicional

municipais como condição da concessão o recurso a entidades locais Participação imobiliários, investidores

de promotores proprietários e

Orçamento Participativo

Somente se vier a haver a inclusão das ideias das comunidades no quadro referencial dos IGT’s

Empreitadas ou terceirização

Publicitação exigível no CCP, podendo integrar os encargos nos PMOT’s

Contratos de planeamento e reabilitação

Publicitação exigível no art.º 79.º do RJIGT e negociação nos termos do art.º 43 do RJRU

Concessão de serviços e infraestruturas

Publicitação nos termos do CCP e do art.º 42 do RJRU

FIIs e empresas de capital misto

Permite operacionalizar mecanismos minimizadores de riscos associados às finanças públicas

Orçamento Participativo

Gestão pelas Sociedade Civil

associações

da

Empreitadas ou terceirização

Gestão pelas empresas empreiteiras

Contratos de planeamento e reabilitação

Gestão pelas entidades gestoras

Concessão de serviços e infraestruturas

Gestão pelas concessionárias

FIIs e empresas de capital misto

entidades

Gestão pelas entidades gestoras

652

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Contudo, para tornar-se mais robusta tal premissa julga-se conveniente avaliá-la à luz de evidências empíricas, ou seja, através da análise de instrumentos de governança territorial específicos. 1.7. Fundos de Investimento Imobiliário Os Fundos de Investimento Imobiliário (FII’s) têm vindo a ser utilizados no âmbito da reabilitação urbana em Portugal. De acordo com a definição constante no site SQUARE Asset Management - um Fundo de Investimento Imobiliário é um património autónomo que resulta da agregação de capital de Entidades públicas ou privadas, individuais ou coletivas, cujas aplicações são fundamentalmente em bens imóveis, sendo simultaneamente um produto financeiro. Estes podem ser abertos, fechados ou mistos, cujas diferenças de acordo com a FundBox, são definidos conforme a variabilidade ou não, do número de Unidades de Participação (UP). Refira-se que a constituição de Fundos de Investimento Imobiliário integrava a política pública de reabilitação urbana, materializada no Orçamento de Estado de 2008 e 2009, bem como, no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana de 2009, que concedia benefícios fiscais aos FII’s para reabilitação urbana, portanto, havia um ambiente de negócio favorável para a utilização deste recurso. 2. Métodos Os métodos adotados foram a análise comparativa/ interpretativa do desempenho dos casos de estudo, com base nos dados recolhidos nos sites institucionais e nos relatórios de gestão, na observação das transformações territoriais, bem como, em entrevistas não estruturadas, cujos métodos de amostragem selecionados foram os de “conveniência” (aos gestores de topo das empresas públicas). 2.1. Casos de estudo Como casos de estudo foram selecionadas as Sociedades de Reabilitação Urbana de Coimbra e do Porto, em duas operações de reabilitação urbana, com viabilização financeira baseada em Fundos de Investimento Imobiliário, mais especificamente o FII Fechado para Reabilitação Urbana Coimbra Viva I e o Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado em Reabilitação Urbana First Oporto Urban Regeneration Fund (“4F”). Os nossos casos de estudo reportam-se a duas parcerias com duas SRU’s, ambas com capital público misto (Câmara Municipal e Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) SRU COIMBRA VIVA e SRU PORTO VIVO. No caso do Porto a Câmara delegou à SRU todas as competências inerentes à reabilitação urbana previstas no regime jurídico, ou seja, para além do cumprimento das orientações estratégicas dos acionistas era responsável pela coordenação e articulação de todas as fases da sua área de atuação – planeamento estratégico/ urbanístico, licenciamento, ações de tutela urbanística, gestão urbana, atendimento e relação de proximidade às comunidades. No caso de Coimbra, apesar da Câmara ter delegado à SRU as competências inerentes à reabilitação urbana, não incluiu o licenciamento, e os documentos estratégicos seguiram uma estratégia prévia delineada pela Câmara em parceria com a Universidade de Coimbra. Neste caso, a empresa cumpria as orientações estratégicas dos acionistas, mas trabalhava em parceria com a Câmara. Apesar das SRU’s em causa terem uma estrutura acionista parecida e a entidade gestora do FII ser a mesma - FundBox SGFII -, o modelo de gestão e a configuração dos respetivos FII’s para Reabilitação Urbana eram distintos. 653

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O FFI Coimbra Viva I foi criado como um consórcio que integrava a SRU Coimbra, a própria Entidade gestora do Fundo, o Empreiteiro e os proprietários privados e institucionais que quisessem participar, enquanto o FFI Oporto era subscrito na sua totalidade pela empresa privada Lúcios, vencedora do concurso para a reabilitação urbana do Quarteirão das Cardosas, lançado pela SRU PORTO VIVO, tendo a empresa Lúcios cedido ao FFI Oporto a posição que detinha no contrato de reabilitação urbana que havia celebrado com a SRU. Tabela 5. Diferenças na composição dos Fundos de Investimento Imobiliário Parceria Público-Privada Características PPP’s

SRU COIMBRA VIVA + FUNDBOX + Empreitteiro + Privados

SRU PORTO VIVO & FII First Oporto

Tipologia

Institucional

Contratual (contrato de reabilitação urbana entre empresa pública e o FII)

Formato

Consórcio

Fomento à iniciativa privada de interesse público

Âmbito de aplicação

Reabilitação Urbana

Reabilitação Urbana

A Tabela 5 sintetiza as principais diferenças entre as PPP’s, tendo as informações principais sido recolhidas nos sites das instituições.137 Os relatórios de gestão dos Fundos138 revelam que nos anos 2011 e 2012 ambos os Fundos tiveram prejuízo, enquanto nos anos 2013 e 2014 o FFI Coimbra Viva I manteve o prejuízo, enquanto o FFI Oporto passou a ter lucro. 2.2. Avaliação da implementação territorial das Operações de Reabilitação Urbana dos Casos de Estudos 2.2.1. Baixa de Coimbra, designada Unidade de Intervenção I Em 2005, a Coimbra Viva SRU mandou elaborar, mediante concurso público, o Documento Estratégico da 1ª Unidade de Intervenção da Cidade de Coimbra, cuja proposta de intervenção territorial partiu do traçado da linha de metro do Hospital, apesar da empresa Metro Mondego não ter integrado a parceria constituída pelo Fundo.

http://www.coimbravivasru.pt/unidade_intervencao.php. (accessed 20.06.2015) http://www.portovivosru.pt/pt/area-de-atuacao/enquadramento (accessed 19.06.2015) 137 138

http://www.fundbox.pt/xms/files/Quem_Somos/A_Fundbox/Apresentacao_FUNDBOX_SGFIM__0514. pdf- (accessed 19.06.2015) 654

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 1. Fotomontagem com a área de intervenção - projeto e atual

Em 2012, o projeto de reabilitação dividiu a intervenção em três fases, correspondentes a três quarteirões, definidos pelas Ruas da Nogueira, da Moeda e da Sofia, tendo sido considerado como prioritário o Quarteirão da Nogueira, cujo estudo prévio, previa a edificação de uma residência universitária, cofinanciado pelo Fundo Jessica. Atualmente não está prevista a implementação da linha de metro e a residência universitária ainda não foi inaugurada. Para além disso, o FII apresentou sempre prejuízos.

655

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 2. Faseamento da Unidade de Intervenção

2.2.1.2. Quarteirão das Cardosas - Porto

Figura 3. Fotomontagem com a área de intervenção – antes, projeto e atual

Em 2005, foi constituída pela SRU a Unidade de Intervenção do Quarteirão das Cardosas, cujo projeto dava ênfase à localização nevrálgica no contexto do centro da cidade. O programa propunha um conjunto habitacional (50 fogos), uma unidade hoteleira, um estacionamento automóvel subterrâneo e a criação de um atravessamento pedonal 656

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

associado a uma zona de estadia e comércio. Conforme o diagnóstico então realizado cerca de 75% da área útil edificada estava subaproveitada – 60% devoluta e cerca de 15% utilizada como armazenamento – e a ocupação habitacional restringia-se a 6 fogos. De acordo com a estratégia do FII First Oporto de ser rentável ao máximo, para além da aquisição dos 40 imóveis inseridos neste Quarteirão, adquiriu outros imóveis para arrendamento, como fonte de rendimento para o Fundo, e angariou financiamento do Fundo JESSICA destinado ao Passeio das Cardosas. De ressaltar que no ciclo de vida do Fundo verifica-se que os prémios de reabilitação 2013 e 2014 promoveram a inversão da tendência económica, tendo alavancado as vendas e proporcionado a alteração de resultados de prejuízo para lucro. Outro fator relevante foram as alterações promovidas ao projeto urbano para assegurar a permanência do promotor hoteleiro, âncora de todo o empreendimento. Tabela 6. Avaliação quantitativa dos Casos de Estudo Dimensões Governança

Política e Políticas públicas

Política de Base Local

Planeamento Estratégico e Urbanístico

Conteúdo

Definição estratégica em termos das Nações Unidas, europeia e portuguesa, integrada no sistema jurídico, com reflexos territoriais

Abordagem integrada de base local, focada no território e em parceria com a comunidade

Regulação territorial objetivando o desenvolvimento urbano harmonioso e integrado, com participação pública

PPP Coimbra

incide

PPP Porto

incide

Justificação do Resultado

A política pública da regeneração/ reabilitação urbana prevê e incentiva estas parcerias.

No caso da PPP Coimbra a comunidade (proprietários) foi convidada a participar. incide

Não incide

Não incide

incide

No caso da PPP Porto a relação era bilateral entre o parceiro público e o privado, através do contrato de reabilitação urbana. No caso da PPP Porto o contrato de reabilitação urbana seguia o plano estratégico com a participação ativa do parceiro público que foi ao mercado procurar a unidade hoteleira que melhor servisse aos propósitos territoriais. No caso da PPP Coimbra percebe-se que não houve planeamento estratégico interligando território e FII, garantindo a margem de lucro dos parceiros privados e garantindo a resolução da integração do Metro Mondego.

657

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Governança enquanto nova Gestão Pública

Modelo organizativo baseado em resultados, diferenciado da administração pública tradicional

incide

incide

Ambas as PPP’s ocorreram em modelos organizativos empresarias

3. Resultados Os resultados da análise destes Fundos de Investimento Imobiliário específicos parecem corroborar os resultados já aferidos na avaliação genérica das Parcerias Público Privadas (Caetano, 2015), portanto, considera-se que a grelha de enquadramento apresenta alguma robustez que a poderá tornar um método de análise a ter em conta na avaliação da operacionalização da governança territorial, à semelhança de outras ferramentas que veem sendo criadas. (Dallabrida, 2015). 4. Discussão Os resultados parecem evidenciar que as Parcerias Públicas Privadas poderão ser utilizadas como instrumentos de governança territorial, contudo há questões que precisam ser melhoradas, nomeadamente, o planeamento estratégico vinculando território, comunidade e agentes económicos. 4.1. Parceria de Coimbra Em termos concetuais percebe-se a matriz “democrática e de boa governança” que o FII propunha, integrando na parceria todos os interessados – administração pública, investidores, promotores e proprietários – contudo, parecem terem faltado aspetos relacionados com o planeamento na sua vertente de sustentabilidade económica. Na conceção/ gestão do plano territorial e da parceria podem ser levantadas algumas questões importantes para a viabilização do projeto, nomeadamente: •

• •

Será pertinente a conceção um projeto cujo elemento estrutural de composição (infraestrutura de transporte) dependia de outra Entidade sem a garantia da sua inclusão na parceria e de estudo económico de suporte que comprovasse a sua sustentabilidade? A previsão da residência universitária foi baseada num estudo de mercado, demonstrando a sua viabilidade económica? Havia algum promotor interessado? Caso as premissas de base se revelassem desajustadas da realidade quais poderiam ter sido os mecanismos para reverter a situação e garantir o sucesso da Parceria?

4.2. Parceria do Porto No caso da PPP do Porto, verifica-se que os interesses de ambos os parceiros foram acautelados tanto na conceção quanto na gestão da parceria configurados no contrato de reabilitação urbana, porque apesar do risco financeiro ser “maioritariamente” do privado (FII de investidor único), o parceiro público foi ao “mercado” procurar a “marca hoteleira” que viabilizasse o empreendimento, tendo inclusive adaptado o projeto para garantir a concertação de interesses. No entanto, apesar de ser certo que no planeamento urbano existe uma profusão de variáveis tangíveis e intangíveis (e que muitas vezes a “reabilitação” passa pela alteração radical da situação existente, incluindo mudança de utilizadores), numa lógica de governança os valores democráticos da inclusão e da participação das comunidades não

658

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

devem ser descurados. Em síntese, julga-se que até nessas ruturas deve haver espaço para a participação das comunidades e a adoção de compromissos sociais. 5. Conclusões Apesar das possibilidades que a grelha de enquadramento da “governança territorial” permite, a avaliação de cada tipologia de instrumento deverá ser alvo de métodos de avaliação específicos, que tornem possível a definição dos fatores críticos de sucesso para cada um. Este estudo empírico procurou demonstrar que existe fiabilidade na utilização dos FIII’s para a reabilitação, desde que estejam asseguradas as três vertentes em causa: território, parceria e comunidades. Para tal deverá haver uma visão estratégica que articule o planeamento urbanístico com a Parceria Publica-Privada, concebida com as características que a definam como instrumento de governança territorial, e tratada enquanto processo, ou seja, com planeamento e monitorização constantes, tanto na sua conceção, quanto na gestão da própria parceria. Em síntese, a qualidade dos Contratos de parcerias no âmbito da reabilitação urbana deverão conter alguns requisitos (Van Der Veen, 2009) dos quais destaca-se a garantia efetiva de que haverá equidade na parceria, a flexibilidade necessária e a ênfase no planeamento. Referências Aguilar, L.F., 2007. El aporte de la política pública y la Nueva Gestión Pública a la gobernanza, in: XII Congreso Internacional Del CLAD Sobre La Reforma Del Estado Y de La Administración Pública Santo Domingo, República Dominicana. São Domingo. Alford, R., R., Friedland, R., 1985. Powers of theory: Capitalism, the State, and democracy. Cambridge University Press, Cambridge. Alves, S.C.N., 2010. O social, o espacial e o político na pobreza e na exclusão: avaliação de iniciativas de regeneração de áreas urbanas “em risco” na cidade do Porto. https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/4412 (accessed 16.10.2014). Andrade, L.O.M. de, 2012. Inteligência de Governança para apoio à Tomada de Decisão. Ciência & Saúde Coletiva, 17, páginas 829 – 832. Azevedo, M.E., 2008. As parcerias público privadas: Instrumento de uma nova governação pública (Tese de Doutoramento). Universidade de Lisboa, Lisboa. Baptista, I., 2008. O Programa POLIS e o “País Desordenado”: percepções sobre governância e planeamento urbano em Portugal, in: Cidade e Cidadania: Governança urbana e participação cidadã em perspectiva comparada. Imprensa de Ciências Sociais ICS -UL, Lisboa, páginas 131 – 176. Barca, F., 2009. An agenda for a reformed cohesion policy. A place-based approach to meeting European Union challenges and expectations. Bevir, M., 2011. Governança democrática: uma genealogia. Revista Sociologia e Política. ISSN 0104-4478, v 19, 39, páginas 103–114. Bilhim, J., 2004. A governação nas autarquias locais. Inovação e governação nas autarquias I, 96 páginas. Boschi, R., R., 1999. Descentralização, clientelismo e capital social na governança urbana: comparando Belo Horizonte e Salvador. Dados, 42, páginas 655 – 690. Brito, M., F., 2006. A cantiga das parcerias público-privadas na gestão urbana local. Observanordeste - Textos Especiais, 27 páginas. 659

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Caetano, L., O., 2015. Governança territorial: um caminho para a sustentabilidade das comunidades. Definição de um método de medição qualitativa de instrumentos de governança. Estudo de caso: Parcerias público-privadas em Portugal, in: I Simpósio Brasileiro sobre Governança e Desenvolvimento Sustentável 2015. São Paulo. Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, ISSN Eletrônico: 2318-8472, 22, v. 03, páginas 7895. Caetano L., O., Correia, R., L., C., CASIMIRO, J., P., IN PRESS. A cidade feita de sonhos A outra face do Algarve. O cluster dos festivais nos cascos urbanos antigos. Estudos de caso: Faro, Loulé, Portimão e Lagos, in: Seminário Internacional A Cidade Não Adormece 2015. Lisboa. Anais do Seminário Internacional A Cidade Não Adormece http://acidadenaoadormece.branded.me/ Carvalho, M., F., 2011. Gestão Pública: Um novo paradigma para a governação da Administração Local em Portugal, in: 8 Congresso Nacional da Administração Pública. Torre d´Aguilha. Cavaco, C., S., 2014. From urban sprawl to a compact city policy: The primacy of process over forma, in: ISUF - International Seminar on Urban Form 2014, Porto, 15 páginas. Compans, R., 2004. Empreendedorismo urbano: entre o discurso e a prática. Unesp ANPUR, São Paulo. Corboz, A., 2004. El território como palimpsesto, in: Lo Urbano En 20 Autores Contemporáneos. Edicions UPS, Barcelona. Costa, J., P., T., A., 2010. Sociedades de Reabilitação Urbana, evolução de um modelo de gestão. In Uma Utopia Sustentável – Arquitetura e Urbanismo no Espaço Lusófono: Que Futuro? Lisboa. FA - UTL, páginas 362–377 Crespo, J., L., 2013. Governança e território. Instrumentos, métodos e técnicas de gestão na Área Metropolitana de Lisboa (Tese de Doutoramento). FTL - UTL, Lisboa. Dallabrida, V. R., 2015. Governança territorial: do debate teórico à avaliação da sua prática. Análise Social, 215, l (2.º) DGOTDU, 2011. Guia dos Programas de Ação Territorial, Documentos de Orientação. Lisboa - Portugal. DGT, 2014. Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território Avaliação do Programa de Ação 2007 - 2013 - Relatório. Lisboa – Portugal. Evans, M., Marsh, D., Soker, G., 2013. Understanding localism. Policy Studies. v 34, 4, páginas 401 - 407. Farquharson, E., Mastle, C. T., Yescombe, E.R., Encinas, J., 2011. How to Engage with the Private Sector in Public-Private Partnerships in Emerging Markets. The International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank. Washington DC. Ferrão, J., 2011. O Ordenamento do Território como Política Pública, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa. Fudge, C., Smook, R., Sougareva, N., 1996. Relatório Cidades Europeias Sustentáveis Grupo de Peritos sobre o Ambiente Urbano - DG XI — Ambiente, Segurança Nuclear e Protecção Civil, Bruxelas. HABITAT III, G. de T. das N.U., 2015. ISSUE Paper on Urban Governance. Hall, C., M., 2011. A typology of governance and its implications for tourism policy analysis. Journal of Sustainable Tourism 19, páginas 437 – 457. Healey, P., 1997. Collaborative Planning. Mac Millan Press Ltd. Kjaer, A., 2004. Governance: Key Concepts. Policy Press. 660

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Kooiman, J., 2003. Governing as governance. Sage, Los Angeles. Jamali, D., 2004. A public-private partnership in the Lebanese telecommunications industry: Critical success factors and policy Lessons. Public Works Management Policy 9, 2, páginas 103–119. Major, A. R. T., 2014. A contratualização enquanto instrumento de governação multinível: uma aplicação aos acordos celebrados em Portugal no âmbito do QREN e no Acordo de Parceria (Mestrado). ISEG, Lisboa. Partidário, M. do R., 2012. Guia de melhores práticas para Avaliação Ambiental Estratégica orientações metodológicas para um pensamento estratégico em AAE. APA. Lisboa. Pasquier, R., Simoulin, V., Weisbein, J., 2007. La gouvernance territoriale. Pratiques, Discours et Théories. Collection "Droit & Société". LGDJ, Paris. Pierre, J., 2000. Debating governance: authority; steering, and democracy. Oxford University Press, Oxford. Pierre, J., Peters, B., 2005. Governing. Complex Societies: trajectories and scenarios. Palgrave Macmillan, New York. Portas, N. Domingues, Á., Cabral, J., 2007. Políticas Urbanas – Tendências, estratégias e oportunidades, Ed. CEFA/ FCG, Lisboa. Van Der Veen, M., 2009. Contracting for better places: A relational analysis of development agreements in urban development projects, Sustainable Urban Areas. Delft University of Techonology, Netherlands. World Bank, Asian Development Bank, Inter-American Development Bank (Eds.), 2014. Public-Private Partnerships: Reference Guide. Washington

661

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

GOVERNÂNCIA AMBIENTAL: para uma Sociedade Sustentável Lia Vasconcelos1, Filipa Ferro 2, Ursula Caser 3, Flávia Silva4, José Carlos Ferreira5 1

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 2

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 3

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre) - [email protected]

4

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 5

CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected]

Resumo Contextos complexos e de grande incerteza, como sejam a sustentabilidade, exigem cada vez mais diálogo entre as várias especialidades e entre estas e o cidadão, na construção de soluções colaborativas convergentes. O envolvimento efetivo e participação pública ativa dos cidadãos tem-se tornado uma exigência crescente, tendo já conquistado um número substancial de especialistas. Simultaneamente, a literatura evidencia que o valor das relações sociais traz à sustentabilidade ambiental dividendos acrescidos. Os formatos mais tradicionais apoiados na comunicação “one way” tem vindo a dar lugar a “fóruns dialógicos e discursivos que visam “empower” (capacitar) as pessoas no que se refere a assuntos que as afetam ou às suas comunidades”. Sendo o envolvimento dos stakeholders, no processo, um elemento crucial para assegurar uma gestão ambiental sustentável a longo prazo, é da maior relevância formatos mais interativos de participação, que nos apoiem no terreno, uma vez que: o capital social é crucial para ajustar atitudes e comportamentos; a participação interativa constitui uma mais-valia para a sustentabilidade ambiental; para gerar o capital social precisamos de participação ativa. Esta comunicação debate os fatores fundamentais para a capacitação e transformação social na procura de uma gestão mais sustentável. Para tal, e com base numa metodologia assente numa grelha de avaliação, apoiada e estruturada em elementos processuais, os autores comparam três casos de estudo de desenvolvimento sustentável costeiro visando a construção de modelos de governância colaborativos MARGov, VoW - Value of the Wave and Ocean Culture e MARLISCO. Partindo da ideia que a sensibilização e consciencialização do valor dos recursos costeiros pelos cidadãos pode encorajar

as

comunidades

locais

a

tornarem-se

elas

mesmas

promotoras

da

sustentabilidade através do uso e disseminação de boas práticas, os casos de estudo através de metodologias participativas emancipatórias envolveram os cidadãos diretamente 662

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

em Fóruns de Diálogo. Em qualquer um dos projetos referidos recorreu-se à criação de espaços abertos de diálogo para envolver uma diversidade de stakeholders sociais. Estes espaços públicos de interação demonstraram responder de forma mais adequada às necessidades de articulação de um número diversificado de stakeholders, defendendo interesses variados e potenciando e fundindo vários tipos de conhecimento. Por um lado estes formatos têm sido bem-sucedidos ao responderem de forma mais adequada às exigências de um envolvimento mais direto do cidadão, e por outro a troca de ideias e experiências têm contribuído para soluções colaborativas mais fundamentadas (esclarecidas e informadas) e portanto menos contestadas. Esta comunicação apresenta os três casos de estudo, explora as metodologias interativas desenvolvidas para cada contexto e os resultados atingidos e, finalmente, as lições aprendidas. Estas são de importância capital para sustentar e reforçar decisões e estratégias para a zona costeira e fornecer linhas orientadoras de gestão costeira a serem replicadas noutros locais. Palavras-chave: Governância, Dialogo, Participação, Empowerment, Capital Social

663

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Fronteira Brasil/Uruguai fatores favoráveis e desfavoráveis para a integração e sustentabilidade regional Edson Struminski, Mestrado em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas do Centro Universitário Tiradentes, Alagoas, Brasil. e-mail: [email protected] Resumo A imagem produzida pela literatura da fronteira sul do Brasil com o Uruguai é a de uma região de campos despovoados, onde é mais fácil encontrar gado do que pessoas e que regularmente foi assolada por conflitos bélicos dramáticos, que tingiram de sangue o chamado “Pampa” gaúcho. Esta imagem, embora historicamente consistente, convive hoje com plantações florestais para produção de celulose, torres de energia eólica, êxodo rural e com turistas buscando novidades importadas nos free shops, das “Mercocidades”, agitadas concentrações urbanas binacionais do Mercosul, tratado mercantil entre o Brasil e seus vizinhos. Muitas destas cidades são conurbadas, bilíngues, com pessoas de duas nacionalidades, onde várias moedas, circulam nas ruas, em transações comerciais diárias. Tendo em vista esta palpitante realidade, neste trabalho, é realizada uma análise da região fronteiriça entre Brasil e Uruguai, considerando tanto documentos de planejamento binacionais como locais, no caso, de duas destas cidades conurbadas, que possuem culturas iguais, mas são regidas por sistemas formais diferentes: Santana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai. Conclui-se que apesar da cultura local ser toda voltada para uma integração fronteiriça sustentável, existem grandes diferenças na cultura de planejamento de cada cidade/país, o que afeta os moradores das duas cidades. O trabalho final resultou na produção de um livro sobre a fronteira entre Brasil e Uruguai, recentemente publicado. Palavras-chave: Brasil, Uruguai, fronteiras, sustentabilidade. 1. Introdução Esta pesquisa surgiu pela compreensão de que existe a necessidade de se estabelecerem práticas e condições adequadas para o fluxo de pessoas e capitais entre os países, a chamada integração fronteiriça, mas que favoreça principalmente as populações que já convivem e promovam práticas sustentáveis nestas regiões. Como estudo de caso foi avaliada a região fronteiriça entre Brasil e Uruguai, com duas cidades conurbadas (com um tecido urbano comum), que possuem culturas iguais, mas são regidas por sistemas formais diferentes: Santana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai. Como metodologia utilizada, foi feita uma análise histórica e ambiental regional, bem como uma confrontação dos planos diretores destas cidades e de documentos de planejamento binacionais com os processos globais da economia e com elementos identificáveis da própria integração binacional que ocorre espontaneamente na região, bem como com o Estatuto da Fronteira, documento oficial dos dois países. O objetivo do trabalho foi verificar como estes documentos de planejamento facilitam, ou ao contrário dificultam a integração nesta região fronteiriça, quando confrontados com a realidade local. Esta investigação, que teve a duração de dois anos, identificou tanto fatores evidentes de uma integração fronteiriça sustentável, na natureza, na cultura e nas sociedades locais, como entraves a esta integração.

664

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2. Métodos Neste trabalho, é realizada uma análise da região fronteiriça entre Brasil e Uruguai a partir de documentos de planejamento de duas cidades conurbadas, que possuem culturas iguais, mas são regidas por sistemas formais diferentes: Santana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai. Os planos diretores destas cidades serão confrontados com o Estatuto da Fronteira, documento oficial dos dois países e também com temas da integração binacional, que ocorre espontaneamente, bem como com os processos globais da economia. 3. Resultados e Discussão 3.1. Limites e fronteiras Do ponto de vista territorial, limites e fronteiras, termos que podem parecer sinônimos, tem significados diferentes. Para Pucci (2010), limite é a linha que separa dois estados, subentendendo marcos, divisas, restrições, formalidades e exigências a serem seguidas pelos cidadãos comuns. Já fronteira é a região ao redor do limite, área à frente ou a redor dos limites, instável, de transição entre dois poderes políticos, mas sem a presença marcante de nenhum dos dois poderes. Para Rolim (2004) nesses locais, se estabelecem condições para o fluxo de pessoas e capitais, a chamada integração fronteiriça, mas também restrições para que isso aconteça, os limites formais. Ao mesmo tempo em que se desenvolve uma cultura comum também podem se acirrar diferenças culturais. Cria-se assim um espaço econômico comum, mas também barreiras à sua integração. Assim, o ponto de partida para a análise de uma região fronteiriça está na resposta a duas grandes questões bem colocadas por este autor e relacionadas à sua integração: • •

Como funciona internamente a região? Como ela se relaciona com o resto do mundo?

Mesmo assim, este autor reconhece que no Brasil estudos sobre fronteiras ainda não tem procedimentos plenamente estabelecidos, tanto que considera como principais esquemas interpretativos os baseados em estruturas econômicas, como a avaliação de recursos humanos e materiais de uma região, ou a análise de estratégias de desenvolvimento. Também existem estudos baseados em dados demográficos elaborados por instituições como o Instituto Nacional de Estatística uruguaio (INE) ou pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Brasil (IBGE). Como foi comentado, outra metodologia está sendo aqui proposta. Para entender como esta região se relaciona com o mundo e como ocorre sua integração, serão confrontados documentos oficiais que tratam do assunto “fronteira” com estudos recentes de planejamento produzidos em duas cidades da fronteira Brasil-Uruguai que tem uma situação peculiar, são “conurbadas” ou seja, tem o tecido urbano comum. Assim, o objetivo final deste trabalho é verificar se o conceito de fronteira é assimilado por estes documentos de modo a permitir a integração fronteiriça nesta região, ou não. 3.2. A fronteira Brasil-Uruguai De modo geral, é pouco produtivo comparar o Brasil com o Uruguai. Mazzei e Souza (2013) lembram que o Uruguai corresponde a pouco mais de 2% do território e a 1,7% da população brasileira, o que gera uma desproporção, geralmente favorável ao Brasil, o gigante norteño, em vários sentidos, sejam ambientais, econômicos ou sociais. Por isto, estes autores sugerem uma comparação entre os municípios fronteiriços brasileiros com os departamentos (estados) uruguaios. Surge então um território onde encontram-se 11 665

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

municípios brasileiros e 4 departamentos uruguaios (Figura 1), com 800 mil habitantes e 1.069 km de limites em comum, sendo 320 km de “fronteira seca”.

Figura 1: imagem orbital delimitando Brasil e Uruguai, com departamentos uruguaios (abaixo na imagem) e municípios brasileiros (acima na imagem) Fonte: Google Earth, 2016

No entanto, o ambiente natural (clima, geologia, relevo, vegetação, fauna) em comum, sugere que não existem divisões entre os dois países e sim, uma continuidade ou, no máximo, uma transição suave na divisa internacional. A cobertura vegetal é a dos campos (Estepe ou Pampa), que se encontra no sul do Brasil, Uruguai e em parte da Argentina (Figura 2).

Figura 2: imagem orbital entre Brasil e Uruguai, mostrando o ambiente natural comum sem as delimitações territoriais Fonte: Google Earth, 2012

Dentro deste território surgem relações binacionais peculiares entre cidades pares. Uma delas é a ligação entre Santana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai, o maior aglomerado urbano bilíngue desta fronteira, que é uma fronteira seca, ou seja, não possui barreiras no tecido urbano. 666

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Santana do Livramento é um município que faz parte da região da Fronteira Sudoeste do Estado do Rio Grande do Sul. Sua sede está a 210 m de altitude e suas coordenadas geográficas são 30°53'33 de latitude sul e 55°31'36 de longitude oeste. Limita-se ao norte com outros municípios deste estado brasileiro e ao sul com o Departamento de Rivera, Uruguai. Santana do Livramento é acessada por rodovias estaduais e federais e por uma ruta uruguaia. Possui área de 6.950,35 km², sendo o segundo maior município gaúcho (INCRAMDA, 2006). Distancia-se 498 km de Porto Alegre, 500 km de Montevidéu e 2.434 quilômetros de Brasília. Situa-se entre os rios Uruguai e Ibicuí, as coxilhas Pau Fincado e Santa Catarina. Na divisão fisiográfica do Estado (Fortes, 1956), enquadra-se na região da Campanha e na microrregião Campanha Central. O departamento de Rivera está situado ao Norte do Uruguai, limitando-se ao norte com o Brasil, ao sul e sudoeste com o Departamento de Tacuarembó, ao leste com o Departamento de Cerro Largo e ao oeste com os Departamentos de Artigas e Salto. Na hierarquia urbana uruguaia, Rivera é uma das principais cidades deste país, capital do departamento de mesmo nome (cuja superfície total é de 9.370 km²). No último censo realizado, Livramento apresentou um dos maiores índices de evasão populacional em todo o Rio Grande do Sul (-9,18 por cento). Em números absolutos, perdeu mais de 8 000 habitantes entre 2000 e 2010, caindo de 90.849 para 82.464 habitantes. Na área urbana esta perda foi maior, passando de 84.455 para 74.410 (-11,9%). Parte da população que abandonou a cidade migrou para a área rural, que passou de 6.934 para 8.054 habitantes. Por comparação, o número de cabeças de gado bovino no município ultrapassa os 584 mil. Porém, dos demais municípios da microrregião Campanha Central (Rosário do Sul, Santa Margarida do Sul e São Gabriel), Santana do Livramento é o que ainda possui maior população urbana (IBGE, 2013). Segundo o instituto de estatística uruguaio, (INE, 2012), este país continua apresentando crescimento populacional modesto. Entre 2004 e 2011 o índice nacional foi de apenas 0,19%. Já o Departamento de Rivera apresenta pequena inversão negativa na curva de crescimento da população. No censo de 2004 foram registrados 104.921 habitantes no Departamento e 95.093 habitantes nas áreas urbanas. Em 2011 este Departamento apresentou 103.493 habitantes, sendo nas áreas urbanas, 95.891 habitantes. Na cidade de Rivera eram 64.485 pessoas vivendo na área urbana. Pequenos êxodos rurais e migrações internas são os principais componentes da dinâmica demográfica observados neste departamento do Uruguai. De acordo com o IPEA et al (2000) Santana do Livramento faz parte da mesorregião sudoeste do estado do Rio Grande do Sul, cuja rede urbana é constituída de médias e pequenas cidades, geograficamente equidistantes, não configurando nenhuma centralidade notável. Conforme esta fonte, a localização de centros urbanos ao longo da fronteira sugere a estratégia de assegurar a guarda do território em épocas passadas, nas quais não havia segurança com relação à fronteira já demarcada. Atualmente o município de Livramento registra mais de 100 quilômetros de linha de divisa seca com o Uruguai, em particular com o Departamento de Rivera. Ao se comparar os sistemas de cidades de ambos os países, constata-se nesta região fronteiriça uma leve assimetria a favor do Brasil, com cidades de maior tamanho e mais diversificadas. Mesmo assim, a paisagem que se observa, comprova os dados demográficos e mostra um território extenso com população dispersa, ausência de centros expressivos e a presença de áreas rurais com poucos habitantes. Dentro desta paisagem, Santana do Livramento constitui com a cidade vizinha Rivera, singular aglomerado urbano binacional, com cerca de 140.000 habitantes. Hoje, segundo o IPEA et al (2000) esses dois centros representam a mais bem sucedida integração entre cidades de países distintos que se conhece. São duas sociedades que, ao longo da história, 667

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

procederam a um grau elevado de mesclagem entre famílias e atividades, constituindo uma só formação econômica, sob legislações, instituições e línguas distintas. As duas cidades são conhecidas como La Más Hermana de Todas Las Fronteras del Mundo, ou “Fronteira da Paz”. Em 2009, Livramento foi declarada oficialmente pelo governo brasileiro como a cidade-símbolo da integração brasileira com os países membros do Mercosul. Mazzei e Souza (2013) são menos otimistas. Para eles, apesar do discurso oficial, o caráter flutuante e harmonioso desta fronteira contrasta com a rigidez dos limites formais entre os países e costuma ser mal visto pelos orgãos estatais, constituindo na vida das pessoas que habitam a região condicionamento a ser vencido para estreitar afinidades pessoais, familiares e sociais. Conforme será visto no presente trabalho, os documentos de planejamento produzidos para estas duas cidades de fronteira refletem ainda condicionamentos históricos e apresentam discursos que tendem a separar e não a integrar, contrastando com o ambiente natural, social e cultural comum aos dois países.

3.3. O Estatuto da Fronteira e outros acordos em comum entre Brasil e Uruguai Por conta da proximidade, em 1933 a fronteira entre Brasil e Uruguai, que vinha sendo demarcada desde 1909, exibia uma situação peculiar que lembrava mais situações comuns a vizinhos de rua, do que uma divisa internacional, assim, os chefes dos governos dos dois Estados tentaram, através de um convênio, fixar um estatuto jurídico para regular a fronteira entre os dois países (Brasil, 1937). Embora o discurso fosse favorecer o quanto possível as relações de vizinhança, o documento refletia o desconforto da proximidade, ao afirmar que o desejo do estatuto era o de “evitar quaisquer causas de desinteligência na fronteira comum”. Com isto o estatuto regulava assuntos corriqueiros como o direito de pesca nos rios e lagoas da fronteira, ou a conservação de estradas na fronteira comum. Ao mesmo tempo tentava impedir meios de passagem espontâneos, produzidos pelos cidadãos. O estatuto entrava em minúcias, como definir o uso e a regulamentação de uma chapa internacional para automóveis e de uma carteira internacional de automobilismo, o que não aconteceu, levando à adoção das chapas dos dois países em um mesmo automóvel, quando, por exemplo, condutores dos dois países usavam o mesmo veículo. Como herança do período ficou a expressão “doble chapa” ainda usada na região e que define os casais onde um dos cônjuges é brasileiro e o outro uruguaio. Tentando controlar os doble chapas que tinham propriedades no Brasil e Uruguai, o estatuto definia um corredor internacional, com 44 metros de largura, sendo que os proprietários deveriam levantar aramados em frente às propriedades para demarcar a divisa e não poderia ser elevada nenhuma construção. Nas áreas urbanas não seriam permitidas construções a menos de dez metros da linha divisória, tentando fazer com que as cidades fronteiriças não se aproximassem, umas das outras. O estatuto tampouco resolveu a melindrosa situação dos agentes de segurança de ambos os países, que não poderiam entrar no país vizinho para prender cidadãos evadidos ou que tinham que atender a situações envolvendo fronteiriços. Quando muito, recomendava-se que eles deveriam proceder, tanto quanto possível, de acordo com as autoridades do país vizinho ou prestar-se auxílios mútuos. Para tentar minimizar o desconforto que o estatuto da fronteira gerou, Brasil e Uruguai celebraram, um convênio para fomentar o turismo, visando suprimir taxas para os turistas procedentes dos seus países, algo que não chegou a acontecer completamente. Também previam-se facilidades na apresentação de documentos para circulação de turistas e de suas bagagens.

668

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Outros convênios deste período tinham valor simbólico, como um relativo a exposições de amostras e venda de produtos nacionais recíprocas, ou outro visando aumentar o parco conhecimento entre as duas nações. Porém, apesar dos dois países terem uma relação econômica antiga em comum, baseada no comércio espontâneo entre os cidadãos, que tanto podia ser formal como contrabando e que remonta a antes mesmo do surgimento das duas nações independentes, um tratado de comércio amplo, que envolvesse um esforço comum visando criar condições equivalentes e leais de comércio e que, na região da fronteira, promovesse a integração, só foi possível com a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), na metade dos anos 1990.

4. O planejamento territorial na fronteira comum, estudo de caso A ausência de barreiras naturais entre os dois países (fronteira seca), fez com que laços de amizade ou de parentesco dos moradores de cidades da região, contribuíssem para que os tecidos urbanos se aproximassem (Figura 3) e, contrariando os acordos binacionais de fronteira, criassem aglomerados únicos, sem uma separação, caso de Santana do Livramento no Brasil e Rivera no Uruguai, representando assim um caso emblemático para estudo de uma situação de fronteira a ser analisado.

Figura 3: divisa internacional diluída entre Brasil e Uruguai, com a cidade de Santana do Livramento (Brasil) acima na imagem conurbada com Rivera (Uruguai) abaixo na imagem Fonte: Google Earth, 2012

Em 1994, um Comitê de Fronteira Livramento-Rivera foi criado visando o desenvolvimento integrado das duas cidades. Foi elaborado um Plano Diretor Urbano Conjunto, contemplando o planejamento territorial, problemas do meio ambiente e demais elementos que permitissem a criação de melhores condições de vida para as populações de ambas as cidades (Del Campo et al, 1998). Em 1997 o plano concluiu um diagnóstico territorial integrado desta aglomeração urbana. Apesar das diferentes normas jurídicas das duas cidades, uma cultura comum fazia com que a integração fosse reconhecida como valor fundamental. Também constatou-se que os processos globais da economia traziam mais percalços que benefícios para as cidades. A atividade comercial e empresarial variava entre crescimento e recessão, conforme conjunturas econômicas favoráveis a um ou outro lado da fronteira. Finalmente, enquanto o 669

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

plano acenava com a valorização do conceito de fronteira, no mundo real esbarrava-se no formalismo dos limites, caso do próprio Estatuto da Fronteira. Em 2006 a cidade brasileira de Santana do Livramento elaborou um Plano Diretor a partir de legislações brasileiras modernas, como o Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257 de 2001) que estabeleceu requisitos como a participação popular e diretrizes da política urbana, que incluiu a zona rural, além de mostrar influências também do Tratado do Mercosul, em funcionamento desde 1995. Desta forma, este plano incorpora de forma inovadora ambientes naturais e culturais como elementos estruturais da integração regional, sendo eles: o bioma campestre do Pampa, as bacias hidrográficas, as unidades de conservação, a estrutura de ocupação fundiária e o modo de produção, bem como as povoações e a cultura local, além da extensa linha de fronteira binacional que cruza o município. No plano, a implantação de projetos, públicos ou privados deverá considerar estes elementos estruturais e integradores para não descaracterizá-los (Prefeitura Municipal de Santana do Livramento, 2006). As questões internacionais neste plano estão mais relacionadas com a interdependência entre as duas cidades vizinhas do que com temas amplos como a globalização. Desta forma há uma ênfase para questões urbanísticas, com recomendações para que os programas e projetos devam ser coordenados binacionalmente, ainda que respeitando-se as peculiaridades de cada cidade. De qualquer modo, percebe-se que a democracia e a diversidade representam o valor fundamental do Plano Diretor de Santana do Livramento. São incorporadas a diversidade cultural, social e natural, além da própria fronteira binacional que existe no município. Em comparação, em 2010, o Plan de Desarollo y Ordenamiento Territorial de la Microrregión de Rivera (IDR, 2010) foi formatado com um caráter mais técnico e formal, focando no traçado de um perímetro para ordenamento, fazendo uma categorização de usos do solo, uma zonificação e definindo os atributos urbanísticos e o sistema de redes de infra estrutura desta cidade. O plano procura posicionar Rivera em uma estratégia regional e internacional ampla, buscando ganhos em atratividade e ajudando-a a encontrar sua identidade na região, através de um viés urbanístico e de seus perfis potenciais: cidade de comércio, de cultura, de gastronomia, de logística, capital de uma região florestal, de qualidade ambiental e de prestígio paisagístico, estimulando o uso de uma arquitetura moderna a partir de componentes tradicionais (madera, piedra, ladrillo). No entanto, não chega a ser um objetivo essencial deste plano promover a integração com a cidade de Livramento. Esta integração, ou o discurso “Rivera sin fronteras”, viria a ocorrer pela continuidade das redes de comunicação. Por outro lado, a intenção dos planejadores uruguaios é coordenar os sistemas funcionais e elementos simbólicos entre Rivera e Santana do Livramento, ou liderar projetos fronteiriços de desenvolvimento urbano, onde há contato direto com porções urbanas de Livramento, na Zona Especial de Faixa de Fronteira. Com isto, a intenção é que a cidade promova ante as autoridades brasileiras, por procedimentos diplomáticos, acordos para que a concepção e instrumentação dos programas e projetos sejam coordenadas de maneira binacional. Porém, o plano deixa claro que enquanto isto não ocorrer, a Intendencia desenvolverá ações para solucionar os problemas mais urgentes sozinha e a formular propostas que alimentem a posterior reflexão estratégica conjunta. Além da internacionalização da cidade, a visão técnica e tecnocrática representa o valor fundamental do plano da cidade de Rivera. É um plano que parte da constatação de que, do ponto de vista formal, seguem persistindo as restrições para a integração binacional, sendo mais vantajoso para a cidade tentar avançar sozinha do que esperar pelo entendimento entre os orgãos superiores dos dois países. 670

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

5. Conclusões O Brasil possui milhares de quilômetros de limites com países vizinhos, gerando fronteiras, com as situações mais diversas. A fronteira é um tema amplo e fascinante que, ao mesmo tempo, atrai e repele, tanto provoca entusiasmo, quanto apatia nos gestores públicos, pois a fronteira tanto desperta lembranças pela insegurança histórica e invoca políticas públicas instáveis, como oportunidades somente encontradas nestas regiões. Historicamente, para os moradores de um país, a fronteira costumava ser vista como espaço de disputa com países vizinhos, onde a nacionalidade devia, mais que tudo, ser lembrada e exaltada com marcos e bandeiras. Atualmente, com a necessidade de integração comercial entre os países, as fronteiras, são vistas, não como o fim, mas como a porta de entrada para os países, um espaço comum de convívio. Superados os conflitos da era colonial, a fronteira entre Brasil e Uruguai, possui limites no terreno, é tranquila na maior parte e plenamente integrada, sendo hoje importante rota do Mercosul. Porém, existem aspectos ligados ao uso comum desta fronteira ainda pouco estudados, incluindo tanto processos de integração potenciais como conflitos latentes, sejam sociais, econômicos ou ambientais. Pôde-se constatar que posturas defensivas são mantidas em documentos, por conta, possivelmente, dos conflitos passados. É o caso analisado dos planos diretores de duas cidades desta fronteira, onde a população já se integrou, há muito tempo, mas persiste uma situação defensiva no planejamento. Constatou-se assim que para reforçar a possibilidade de integração, os tratados binacionais, as lideranças e técnicos locais, que ainda dificultam as ações populares espontâneas, cada vez mais deverão acompanhar as iniciativas da população fronteiriça, principal beneficiária e tributária dos acertos e erros desta integração. Referências Brasil, 1937. Decreto no 1846, de 3 de agosto de 1937. Promulga o convênio para a fixação do Estatuto Jurídico da Fronteira entre o Brasil e o Uruguai, de 20 de dezembro de 1933: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1846.htm. (acessado em: 02/02/2015). Del Campo, J., Lorenzo, N., Salengue, G. (1998). Plan de desarrollo urbano conjunto Rivera/ Sant´Ana do Livramento; Plano de desenvolvimento urbano conjunto Rivera/Sant´Ana do Livramento. METROPLAN (volume 5). Porto Alegre. IBGE, 2013. Painel das cidades: http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?codmun=431710. (acessado em: 20/05/2013). IDR (2010). Plan de desarrollo y ordenamiento territorial de la microrregión de Rivera, Uruguay. Intendencia Municipal. Rivera. INCRA/MDA (2006). Relatório Ambiental do Projeto de Assentamento Santo Ângelo. Porto Alegre. INE (2012). Resultados del Censo de Población 2011: población, crecimiento y estructura por sexo y edad. Montevideo. IPEA-IBGE-NESUR-IPARDES (2000). Caracterização e tendências da Rede Urbana do Brasil: redes urbanas regionais: Sul. V. 6. Brasília. Mazzei, E., Souza, M., 2013. La frontera em cifras. UDELAR. Melo. Pucci, A.S., 2010. O Estatuto da Fronteira Brasil-Uruguai. Fundação Alexandre Gusmão. Brasília.

671

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Rolim, C., 2004. Como analisar as regiões transfronteiriças? Esboço de um enquadramento teórico-metodológico a partir do caso de Foz do Iguaçu. Revista Nereus. Volume 5, páginas1-20. Prefeitura Municipal de Santana do Livramento (2006). Lei Municipal Complementar número 45 de 10 de outubro. Institui o Plano Diretor Participativo e dá outras providências. Prefeitura Municipal. Santana do Livramento.

672

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Viver na Sociedade de Risco: Aprendizagens Para a Sustentabilidade Isabel Abreu dos Santos*, Lia Vasconcelos*, Iva Pires** *MARE - Faculdade de Ciências e Tecnologia- Universidade Nova de Lisboa Portugal **CICS.NOVA -Faculdade de Ciências Sociais e Humanas- Universidade Nova de Lisboa Portugal

Desde a 2ª metade do século XX a crescente tomada de consciência dos problemas ambientais, em grande parte resultado da ocorrência de eventos catastróficos com impactos transfronteiriços, colocou novos desafios às comunidades e aos governos. Os acidentes naturais ou de origem humana têm revelado características de difícil racionalização, controlo e gestão apresentando os riscos uma natureza global, complexa, incerta e com características de ambiguidade. Compreender o risco na sociedade atual torna-se imprescindível para construir sociedades sustentáveis e resilientes, em contextos complexos e incertos. O objetivo da investigação é o de analisar dois casos de estudo paradigmáticos, e proceder a uma análise comparativa sistemática para caracterizar, identificar as falhas e extrair lições para futuras situações de desastre. A metodologia de estudos comparativos, desenvolve-se num trabalho analítico, qualitativo e quantitativo, de síntese de informação, com suporte do software Nvivo10, sobre os eventos do sismo de L’Aquila (2009) e do triplo acidente (sismo, tsunami, nuclear) do Japão (2011), recorrendo-se à análise de literatura científica, relatórios oficiais, comunicação social, discursos políticos, entrevistas e visualização de filmes e vídeos. Foi desenvolvida uma grelha de avaliação ao nível da descrição das principais características do evento, consequências significativas, comunicação de risco e governância de risco. A análise de resultados revela similaridades nas falhas da comunicação de risco e na ausência de uma eficaz governância: comunicação omissa, incompleta, tardia, pouco clara, contraditória, levando as populações a tomarem medidas que foram fatais em Itália e que no Japão causaram uma perda de confiança generalizada nas autoridades, cientistas e empresários. Ao nível da governância os resultados revelam conflito de interesses entre entidades oficiais, ciência e empresas: em L’Aquila, devido à “proximidade” entre empresas de construção e governantes, e no Japão as relações de poder entre autoridades governamentais, dirigentes de empresas de produção de energia e cientistas. As principais conclusões indicam que a não preparação para o inesperado e falhas de comunicação ao nível da estrutura hierárquica de resposta à emergência são uma revelação de que, face a uma catástrofe, os cidadãos são os primeiros agentes de proteção civil e que a informação, preparação e treino são as verdadeiras salvaguardas e medidas de primeira intervenção que se revelam decisivas na conservação da vida humana, e portanto na sustentabilidade da sociedade a longo prazo. Urge desenvolver uma metodologia de comunicação e governância de risco, baseada na partilha de informação entre cientistas, legisladores, responsáveis/ decisores e cidadão, que permita e promova uma construção do conhecimento coletivo e postura ativa na decisão, contribuindo simultaneamente para a construção de sociedades mais democráticas, sustentáveis e resilientes. O conhecimento e a capacitação dos cidadãos e das estruturas de decisão potencia a redução de efeitos negativos na estrutura social, nos danos económicos e financeiros, no ambiente afetado, e potencia uma mais eficaz retoma da situação pré-catástrofe. Esta ferramenta poderá constituir um instrumento imprescindível de apoio para lidar responsavelmente com o risco facilitando a sua gestão.

Palavras-chave: risco; comunicação de risco; governância de risco; sustentabilidade

673

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A emergência de movimentos de justiça ambiental em países desenvolvidos: Uma análise sobre o Brasil Autor: Marcia Fajardo Cavalcanti de Albuquerque Afiliação: doutoranda pela Université Paris 1, Panthéon-Sorbonne e pela Universidade Mackenzie de São Paulo E-mail: [email protected]

Ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, a distribuição espacial da poluição não é democrática. Quem sofre as consequências ambientais das « más » práticas sociais? A ligação entre a degradação ambiental e a injustiça social tornou-se clara por volta dos anos 80. O chamado Movimento de Justiça Ambiental ou « Environmental Justice Movement" surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, possuindo dois objetivos principais: 1-) interromper a propagação de elementos tóxicos na natureza, com base no conceito de equidade geográfica, uma vez que as empresas de resíduos tóxicos estão baseadas principalmente perto de comunidades mais pobres e 2-) impedir a distribuição desigual da poluição com base na raça da população, o chamado « racismo ambiental. O movimento questiona o próprio modelo de desenvolvimento que orienta a distribuição espacial das atividades, transferindo os riscos e impactos ambientais negativos para os países menos prósperos e menos desenvolvidos. A natureza dos conflitos ambientais pode variar dependendo de fatores tais como o nível de desenvolvimento de cada país, uma vez que a desigualdade ambiental é muitas vezes um reflexo da desigualdade social. O movimento de justiça ambiental no Brasil é ligeiramente diferente do movimento americano. No Brasil, país em desenvolvimento, a injustiça ambiental está essencialmente relacionada aos efeitos adversos da sociedade de mercado. A construção de grandes barragens hidrelétricas, o modelo de produção agrícola baseado na monocultura, a cultura transgênica, a criação de grandes parques industriais e os grandes projetos de infraestrutura estão dentre as principais atividades que causam impactos socioambientais. As comunidades mais pobres são as mais afetadas pelos custos ambientais gerados pelo desenvolvimento econômico. O movimento brasileiro milita pelos direitos das comunidades tradicionais, pelo direito de distribuição sócio-territorial equitativa, pela defesa dos direitos de igualdade de acesso aos recursos ambientais e pela luta contra a concentração de terras férteis, água e solo nas mãos de poderosos interesses econômicos de mercado. Embora ainda muito tímido, o movimento de justiça ambiental no país evoluiu consideravelmente desde o seu surgimento por volta dos anos 2000. Este trabalho tem por objetivo analisar o desenvolvimento do movimento de justiça ambiental brasileiro, procurando identificar os principais conflitos atuais, suas origens e as soluções apresentadas pelo país. Dentre os resultados, ressalta-se a histórica concentração de conflitos na região sudeste do pais, ligada à intensa ocupação territorial, entretanto, a maior parte dos conflitos ambientais se localiza nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, atuais fronteiras da expansão capitalista. Dentre as populações mais atingidas, encontramse os povos indígenas, agricultores familiares, quilombolas e comunidades monetariamente desfavorecidas. A origem de casos de injustiça ambiental está principalmente ligada à 1-) mudança do uso do solo gerada por atividades econômicas, em especial atividades do setor produtivo voltadas para exportação, como a agricultura; e à própria 2-) deficiência do poder público e à morosidade do judiciário. Muitos são os atores envolvidos na defesa e apoio às vitimas, como Organismos não Governamentais, movimentos sociais organizados, organizações sindicais e o próprio governo. Finalmente, algumas soluções para a minimização dos conflitos são propostas como a transição ecológica de setores em expansão, como a agricultura e a industria siderúrgica e a implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável.

674

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A fim de alcançar tais conclusões, primeiramente, uma pesquisa exploratória foi elaborada, através da caracterização inicial do problema e de sua definição. Uma pesquisa teórica e descritiva foi realizada, baseada em documentos, doutrina e em uma vasta bibliografia. Finalmente, uma pesquisa aplicada foi direcionada à averiguação de soluções que contribuam para a minimização dos casos de injustiça ambiental no Brasil. Palavras chave: Brasil, justiça ambiental, igualdade, distribuição da poluição, racismo ambiental

675

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Regimes e Princípios da Boa Governança – potencialidades e fragilidades em processos de consolidação da participação social na Reserva Extrativista de Canavieiras, Bahia, Brasil Leriane Cardozo1, Sofia Campiolo2, Alexandre Schiavetti2 1

Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Rua Professor José Seabra de Lemos, 316. Recanto dos Pássaros. Barreiras-Bahia. CEP: 47808-021, [email protected] 2

Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Campus Soane Nazaré de Andrade, Rodovia Jorge Amado, km 16, Salobrinho. Ilhéus-Bahia. CEP: 45662-900, [email protected] , [email protected] Resumo Estabelecimento de áreas protegidas é considerado uma das principais estratégias de conservação global, entretanto apenas atinge esse objetivo se for gerido de forma eficaz e, invariavelmente, esta não pode acontecer sem alguma forma de governança, que influencia positiva ou negativamente a consecução de seus objetivos. Governança é o elemento central para efetividade e equidade no sistema de áreas protegidas terrestres e marinhas e atualmente o desafio está em fortalecer os regimes de governança (instituições) para ampliar os espaços participativos no alcance de objetivos econômicos, sociais e ambientais, de forma equilibrada e integrada. No Brasil, o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas define a governança como estratégia e reconhece a necessidade de incorporar formas inovadoras de governança, o que justifica estudos sobre regimes de governança e Princípios da Boa Governança - Legitimidade e Voz, Direção, Execução, Responsabilização e Justiça. Tais princípios contribuem para comparar formas de governança e auxiliar na resolução de problemas e desafios, com identificação de pontos fracos em regimes de governança. O objetivo deste estudo é avaliar as potencialidades e as fragilidades dos regimes de governança através dos Princípios da Boa Governança. A área de estudo é a Reserva Extrativista de Canavieiras, situada no sul do estado da Bahia, Brasil. Trata-se de uma unidade de conservação de uso sustentável, criada em 2006, com área de 100.726,36 hectares, inserida no bioma Marinho Costeiro brasileiro e na Zona de Amortecimento e Conectividade da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. A pesquisa é um estudo de caso, de caráter qualitativo e exploratório, com uso do método Análise de Conteúdo e ferramenta de suporte metodológico ATLAS.ti 7.0, seguida de técnica de estruturação de informações com uso da Análise SWOT. Foram entrevistados 88% dos conselheiros do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista de Canavieiras. Resultados indicam que os Princípios da Boa Governança estão presentes nas descrições formais e nas práticas de participação social, com maior incidência para o princípio Legitimidade e Voz. Constatou-se ampla participação social nas ações da Reserva Extrativista de Canavieiras, caracterizando aspectos da governança horizontal. Há participação dos extrativistas, cujos fatores históricos de luta para criação da área viabilizaram um pertencimento que, consequentemente, ampliou o interesse na participação dos processos decisórios. Registra-se presença de instituições formais e informais que compõem o Regime de Governança e que influenciaram o comportamento dos atores envolvidos no Conselho Deliberativo no que se refere ao exercício do poder. Contudo, apenas as instituições formais foram consideradas determinantes para o processo decisório, com destaque especial para a Associação Mãe dos Extrativistas da Reserva. Há reconhecimento e o exercício de poder, principalmente poderes de planejamento e execução. Estudo aponta que a área apresenta qualidade normativa característica de boa governança com critérios a serem desenvolvidos e melhorados, principalmente em relação aos Princípio Direção e Execução. Análise por princípio permite concluir que todos foram atendidos embora haja fragilidades: ausência da prestação de contas das ações do conselho ao público, de plano de trabalho do Conselho e 676

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

de avaliação do Conselho. Área de estudo apresenta características de Governança Participativa. Palavras-chave: Conselho, Extrativista, Gestão, Instituições, Sustentável. 1. Introdução As discussões sobre Governança em Áreas Protegidas (AP) têm sido frequentes e foram intensificadas a partir da década de 1980. Atualmente, é considerada o elemento central para efetividade e equidade no sistema de AP, definido pela International Union for Conservation of Nature (IUCN) (Borrini-Feyerabend et al., 2004, 2008) por envolver processos, mecanismos reguladores e organizações através das quais os atores políticos influenciam as ações ambientais e os resultados (Lemos e Agrawal, 2006), sendo esses atores, o governo, as empresas, as organizações não-governamentais e sociedade civil (Graham et al., 2003; Duffy, 2006; Lemos e Agrawal, 2006; Yamamoto, 2008; Sheng, 2010; Kapaciauskaite, 2011). Governança também está vinculada ao desenvolvimento sustentável (Fonseca e Bursztyn, 2009) e às formas de ingresso da base comunitária para a gestão (Dearden et al., 2005; Kothari, 2008) O tema está presente em acordos e convenções internacionais (Graham et al., 2003; Ivanova et al., 2007), fortalecidas e/ou influenciadas pelas decisões e recomendações prioritariamente, da IUCN, Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e, mais recentemente, reiteradas pela Organização das Nações Unidas (ONU) através dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Brasil instituiu o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP) em 2006 com base no Programa de Trabalho para Áreas Protegidas (PoWPA) da CBD e nas deliberações da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e das Conferências Nacionais do Meio Ambiente, ocorridas no período de 2003-2005. Este Plano considerou a governança como um dos seus quatro eixos temáticos – Governança, Participação, Equidade e Repartição de custos e Benefícios -, e previu, dentre outras ações, o estabelecimento de sistemas de governança. Para tal, um dos seus três objetivos incorporou a promoção de uma governança diversificada, participativa, democrática, e transparente do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (Ministério do Meio Ambiente, 2006). Neste aspecto, questiona-se o que compreende formas inovadoras de governança em AP e como estas podem contribuir para a gestão de AP, visto que são interdependentes. A gestão não acontece sem alguma forma de governança (Lockwood, 2010) já que esta influencia a realização dos objetivos da AP, consequentemente, a eficácia da gestão. Assim, reconhecer os elementos - atores sociais, escalas, níveis, regimes de governança (instituições formais e informais que influenciam os atores) - e estruturas da governança podem contribuir para alcance dos objetivos da AP (Borrini-Feyerabend, 2003). Princípios da Boa Governança são elementos estratégicos para subsidiar a efetividade da gestão em AP que, através da atuação dos seus conselhos gestores visam ampliar a participação social envolvendo as comunidades locais e o empoderamento dos cidadãos, se conduzidos de modo a viabilizar suas participações. Objetivo deste estudo é avaliar as potencialidades e as fragilidades dos regimes de governança através dos Princípios da Boa Governança. Insere-se na questão abordada no PNAP que julga pertinente formas inovadoras de governança em AP as quais, a partir de experiências bem-sucedidas, podem ser incorporadas às práticas de avaliação de AP. O artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução e seguida de subseções destinadas à apresentação do embasamento teórico. Na seção dois, os procedimentos metodológicos são apresentados, com descrição dos processos de coleta e análise de dados. Na seção três, são apresentados os resultados da análise de dados, 677

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

seguida da seção quatro, com as discussões e, por fim, seção cinco, com as conclusões e limitações do referido trabalho. 1.1.

Governança em Áreas Protegidas: Regimes e Princípios

O termo governança é complexo e se distingue do conceito de governo. Embora não seja novo, implica em nova forma de governar, com nova disposição de ordenar regras ou em novo método pelo qual a sociedade é governada (Rhodes, 1996). Seu entendimento estrutura-se nas mudanças ocorridas com o processo de globalização (Gonçalves, 2005), desenvolvimento econômico (Grindle, 2007) e consequentemente, no enfraquecimento do Estado-Nação ocorrido a partir da década de 1980. Eventos que provocaram mudanças na forma da sociedade lidar com as questões públicas (Rhodes, 1996; Graham et al., 2003; Grindle, 2007, 2010) e que somados aos graves problemas ambientais e as dificuldades do Estado em geri-los, foram determinantes para o surgimento de novos modos de governança, inclusive em âmbito ambiental (Backstrand, 2006; Lemos e Agrawal, 2006; Newig et al., 2010; Buizer et al., 2011), caracterizando a governança horizontal, com a participação das organizações públicas, privadas, públicas-privadas, sociedade civil (Kapaciauskaite, 2011). Governança refere-se ao poder, relacionamentos e prestação de contas, de quem tem influência, decide e como esses tomadores de decisão são responsabilizados enquanto governo, pela sua habilidade de tomar decisões e pela sua capacidade de aplicá-las (Abrams et al., 2003). A governança atua como uma forma justa e eficaz de governar (Abrams et al., 2003), exercendo de forma responsável os poderes (meios), a fim de atender aos objetivos (fins) da AP (Abrams et al., 2003; Graham et al, 2003) e está alicerçada na capacidade e a confiabilidade de instituições governamentais (regimes de governança) para responder eficazmente aos problemas por meio de acordos de consulta e negociação (Abrams et al., 2003). Assim, a governança influencia positiva ou negativamente a efetividade da gestão e também determina a partilha de custos e benefícios relevantes (equidade da gestão). Newig e Fritsch (2009), em análise sobre Governança Multinível, acrescentam a relevância da governança participativa por incorporar o conhecimento local aos processos de debates e tomada de decisões, a fim de viabilizar uma melhoria da qualidade dessas decisões. Para os autores, a inclusão das partes interessadas facilita a aceitação das decisões permitindo o cumprimento e aplicação na base. Em relação ao termo boa governança, foi introduzido como dimensão normativa para avaliar a qualidade da governança (Santiso, 2001) que pode ser boa ou má ao incorporar juízo de valor ou critérios normativos (Lee, 2003), bem como seus impactos, bons ou maus, porém nunca neutros (Simoncini et al., 2008). Quando é considerada boa, convencionou-se denominar boa governança (Sheng, 2010). Suas influências remontam à governança corporativa, decisivas para a definição de códigos de boa governança (Aguilera e CuervoCazurra, 2004), à gestão de negócios privados a partir das boas práticas da governança, adequando-as a realidade do domínio público (Van Kersbergen e Van Waarden, 2004) e a Nova Gestão Pública, centrada no uso dos métodos utilizados pela sociedade para distribuir poder, gerir recursos públicos e problemas comuns (Gomides e Silva, 2009). Borrini-Feyerabend (2003) esclarece que boa governança é geralmente reconhecida como uma coisa boa, no entanto, alerta que está se tornando um jargão aceito em todos os tipos de documentos e declarações oficiais, contudo seu significado ainda não é universalmente claro. Fonseca e Bursztyn (2009) destacam que quando a boa governança apresenta falhas estruturais e é desviada de seus fins originais, é preciso alertar para a denominação governança viciosa, que pode ser encontrada em condições de que vários de seus atributos são formalmente inscritos em ações de interesse público, mas sua prática revela desvirtuamento. Grindle (2003 apud Fonseca e Bursztyn, 2009) defende a Governança Suficientemente Boa, contrapondo-se às mazelas da governança viciosa cujas 678

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

características principais são a percepção do processo histórico e o foco nas relações de poder. Princípio Legitimidade Legitimidade é uma qualidade específica atribuída ao governo ou sistemas de governança que gera conformidade com as normas, regras e decisões políticas, portanto, refere-se as instituições que trabalham em conjunto (Steffek, 2009). Seu conceito remete ao reconhecimento da existência de uma estrutura de poder, que não se sustenta nem na eficácia e nem na força, mas que precisa ser legítimo. Refere-se a aceitação e a justificativa da regra compartilhada por uma comunidade, entendendo como aceitação uma regra ou instituição como autoridade e as razões que justifiquem, se a autoridade possui legitimidade (Bernstein, 2005). Acrescenta que a legitimidade está intimamente relacionada ao poder e à comunidade política e, em termos de comunidade, legitimidade está pautada na aceitação compartilhada de normas e regras por parte das comunidades afetadas e em normas reconhecidas por estas. A compreensão sobre o conceito de legitimidade refere-se à qualidade do poder, diferentemente de legalidade que se refere ao exercício do mesmo. Graham et al. (2003) afirmam que os responsáveis por AP podem exercer um dos cinco tipos de poderes: 1) poderes de planejamento, com planos de gestão para o sistema de AP, como AP individuais; 2) poderes de regulação, com competências para conservação uso dos recursos e da terra, incluindo a aplicação da lei; 3) poderes de gastos, para gestão de recursos para manutenção da infraestrutura da AP, segurança pública, programas de educação e programas de apoio cientifico; 4) poderes de geração de receita, a partir de taxas, sistemas de licenciamento e autorização, inclusive sob forma de tributação; e 5) poderes de celebrar acordos, relacionado a compartilhar ou delegar alguns dos quatro poderes ou para cooperar com outros responsáveis pelo uso da terra ou similar. Lockwood et al. (2010) após análise dos códigos da boa governança e dos Princípios, afirmam que a legitimidade se refere: a) validade da autoridade de uma organização para governar que pode ser conferida por mandato democrático, através da aceitação pelos stakeholders para governar; b) ao poder que está sendo transferido ao nível mais baixo em que pode ser efetivamente exercido; e c) a integridade com que esta autoridade é exercida. Contudo, a legitimidade também exige que os atores saibam exercer sua autoridade com integridade, à medida que há conflito de interesses, que não manipulem os resultados em proveito próprio e ajam honestamente (Lockwood et al., 2010). Princípio Legitimidade e Voz envolve, além dos tipos de poderes (Graham et al., 2003), a identificação dos tipos de governança em AP (Borrini-Feyerabend, 2003, Borrini-Feyerabend et al. 2013) e análise dos regimes da governança (Paavola et al, 2009). Princípio Direção Direção está associada à visão estratégica, indispensável aos líderes e ao público, numa perspectiva ampla e de longo prazo, para a boa governança e desenvolvimento humano (Graham et al., 2003). No escopo do Princípio Direção, que depende das funções planejar e organizar, faz-se necessário: Alinhamento com as direções internacional e nacional relevante para AP, e guia de melhores práticas; Existência de direção legislativa, com propósitos e objetivos para AP, autoridades claras relativas aos instrumentos de governança; prevê organizações para gerir AP; requisitos de participação cidadã na tomada de decisões; e declarações políticas por escrito; Existência de planos nacionais de AP, quantificáveis, com prioridades e a participação dos cidadãos; Planos de gestão que reflitam participação dos cidadãos, pessoas locais e indígenas. Aprovação formal das autoridades competentes; objetivos claros consistentes com a legislação; resultados mensuráveis e prazos específicos, com revisão e atualização em ciclo regular, e implementação de planos 679

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

de trabalhos anuais; e Demonstração de liderança eficaz, inclusive os líderes políticos e gestores responsáveis pelo sistema, bem como AP individuais, com visão para o desenvolvimento a longo prazo do sistema de AP; mobiliza apoio; acumula os recursos necessários para implementar os vários planos para o sistema de AP. Princípio Execução Associado ao conceito de eficácia e a avaliação no escopo de determinado prazo. A validação da eficácia pressupõe articulação clara de objetivos e uma compreensão de como os objetivos conflitantes são, na prática. (Graham et al., 2003). O Princípio Execução compõe-se de: Eficácia, eficiência na consecução dos objetivos; Capacidade para realizar as funções necessárias ao mandato, autoridade para gerenciar, capacidade política e adequação e segurança do financiamento; Coordenação dos principais atores, dentro e fora do governo; Prestação de contas ao público; Capacidade de resposta em lidar com reclamações e críticas públicas; Monitoramento e avaliação, de modo regular, incluindo monitoramento de longo prazo de valores culturais e ecológicos; Gestão adaptativa, valorizando aprendizado baseado na experiência operacional; e Gestão de Riscos, a fim de identificar os principais riscos e gerenciá-los. Princípio Responsabilização Destinada à gestão da AP para as comunidades locais, os parceiros públicos e outros principais, incluindo a transparência dos processos de decisão. De acordo com Schedler (apud Graham et al., 2003), a dinâmica da Responsibilização envolve os cidadãos que concedem amplos poderes ao executivo político para aplicar as políticas e leis e, em troca, exigem a prestação de contas. Os cidadãos esperam que o governo explique e justifique publicamente a forma como utiliza o seu poder, e que tome as medidas corretivas imediatas quando os erros ocorrem. Nesse sentido, a prestação de contas destina-se a cumprir dois propósitos: (1) Político, em verificar o poder do executivo como forma de minimizar o abuso de poder, e (2) Operacional, a fim de garantir que os governos operem de forma eficaz e eficiente. Contudo, de forma implícita, está a necessidade de controle e avaliação. O propósito desse Princípio está em assegurar a prestação de contas eficaz, a fim de auxiliar o poder do executivo para o bem público, em combate à corrupção. Ressalta-se a preocupação acerca da corrupção, tendo sido determinante para o surgimento dos códigos da boa governança por parte do Banco Mundial. A prestação de contas dos gestores deve se estender à comunidade global, às gerações futuras e a própria natureza (Graham et al., 2003), assim uma questão a considerar seja como conciliar prestação de contas com os limites de responsabilidade política, e convenções internacionais que prevê mecanismos de prestação de contas específicos para os governos nacionais. Há dois tipos de prestação de contas: vertical, para os cidadãos, direta ou indiretamente através de organizações civis ou mídia versus horizontal, para instituições públicas de prestação de contas impostas pelo governo sobre si mesmo, incluindo o legislativo, o judiciário, agências de auditoria, ouvidoria, comissões de direitos humanos (Graham et al., 2003). O desempenho de qualquer uma das instituições públicas de prestação de contas recai sobre as informações que a instituição pode obter sobre as atividades do governo, capacidade de analisar as informações e desenvolver conclusões orientadas para a ação e, qual tipo de resposta (resultado) é capaz de gerar. Considera-se que a sociedade civil e os meios de comunicação são importantes na avaliação da qualidade do regime de prestação de contas, pela articulação e mobilização por um governo responsável, reforçando inclusive as instituições de prestação de contas em relação ao executivo. O Princípio Responsabilização envolve: Clareza na atribuição de responsabilidades e autoridade para agir. Definição de quem é o responsável e para quê; Coerência e amplitude; Papel dos líderes políticos, adequação das responsabilidades atribuídas e ausência de corrupção; Instituições públicas de prestação de contas incluindo o 680

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

acesso à informação, a capacidade de analisar e informar, a capacidade de entrar em ação, a abrangência dos mandatos; Sociedade civil e os meios de comunicação, na mobilização da demanda de prestação de contas; Capacidade dos cidadãos, da sociedade civil e da mídia para acessar as informações relevantes para o desempenho da gestão de AP. Princípio Justiça Vinculado ao processo de tomada de decisão na gestão de AP, incluindo benefícios equitativos compartilhados entre os principais interessados e aplicação do Estado de Direito (Graham et al., 2003). Este princípio estende-se além do domínio da lei, por contemplar tratamento de grupos que enfrentam práticas discriminatórias, como mulheres, crianças, minorias étnicas e religiosas. No contexto das AP, significou reconhecimento a importância do papel que as populações locais, indígenas e quilombolas devem desempenhar no desenvolvimento e gestão de AP, valorizando o conhecimento tradicional. Também se destaca pela atenção aos benefícios e as formas de distribuição de poder, deslocando do papel central do governo para as áreas a partir do envolvimento das bases comunitárias Paavola (2003) ao abordar a governança em AP, especificamente os Princípios justiça e legitimidade, utilizou como exemplo de investigação o Programa European Union´s Habitats Directive, na tentativa de identificar as dificuldades de implementação. Destaca que houve dificuldades de reconhecimento e participação de partes interessadas no que se refere aos regimes de governança multiníveis e que a existência de conflitos entre aqueles os que desejam a conservação e/ou preservação dos recursos e aqueles que querem fazer uso econômico desses recursos. Nesse sentido, defende que as considerações sobre justiça são importantes para a resolução desses conflitos porque influenciam a legitimidade e a eficácia das soluções de governança. No contexto que se propõe a análise deste estudo, são priorizados os Princípios da Boa Governança descritos por Graham et al. (2003), porém como enfatizado por Grindle (2007) ao abordar a Governança Suficientemente Boa, cada localidade possui suas limitações e oportunidades, cabendo uma análise dos contextos particulares e a análise de pontos fortes e fracos. Dessa forma, como proposto por Khan e Bhagwat (2010) e Stoll-Klemman et al. (2006), com base na análise das forças (Strenghts), fraquezas (Weaknesses), oportunidades (Opportunities) e ameaças (Threats), conhecida como Análise SWOT, será útil para destacar os Princípios e as características da área de estudo. 1.2.

Conselhos Gestores como instâncias de poder e participação social

O ordenamento jurídico brasileiro assegura a conservação e uso sustentável dos seus recursos biológicos (Ministério do Meio Ambiente, 2010), fator determinante para alcance das metas assumidas em acordos internacionais. O País elevou o meio ambiente à categoria de direito fundamental reconhecido pela Constituição Federal de 1988, artigo 225 (Antunes, 2010), incumbindo ao poder público assegurar a obrigação de definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, dentre os quais as UC. Com finalidade de regular esses espaços, instituiu o SNUC (Brasil, 2000) definindo tipologias e categorias das UC e regulamentando-as em âmbito federal, estadual e municipal, sendo: I) UC de Proteção Integral - visa a preservação da natureza, admitindo o uso indireto dos seus recursos naturais; e II) UC de Uso Sustentável - uso direto de uma parcela de seus recursos naturais, compatibilizando a conservação da natureza com o uso sustentável Para alinhamento do termo, esclarece que conceitualmente as AP englobam as UC. UC possuem conselhos consultivos ou deliberativos e devem ter representações dos órgãos públicos, sociedade civil e setor privado, atuante na região (Brasil, 2000). Conselhos representam arranjos institucionais inovadores enquanto gestores de políticas públicas e devem dispor de capacidades necessárias para tornar suas ações também inovadoras (Jacobi, 2005). Cunha e Loureiro (2009) alertam que a forma com que o conselho é constituído é mais relevante do que meramente a sua existência. Conselho pode variar em 681

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

relação ao grau de participação dos envolvidos, a depender de como é viabilizada a participação dos comunitários e que a gestão deve atentar para as razões de sua existência, visto que há categoria de UC que está alicerçada no saber das populações tradicionais ao lidar com seu território, sendo estes os protagonistas nas ações de gestão, incluindo, a construção do conselho. Embora atuem como instâncias de participação e democracia, os conselhos, por si só, não devem ser vistos como garantia destes, uma vez que dependerão da condução e dos interesses partilhados (Loureiro e Cunha, 2008). Faz-se necessário repensar o conceito de conselhos como uma instituição caracterizada pela participação ampliada, a fim de evitar o aumento das assimetrias sociais, alertam Fonseca e Bursztyn (2009). Novos arranjos institucionais constituídos em função da gestão participativa têm requeridos maior preparação por parte da sociedade para uma atuação mais inclusiva. Esta mobilização social se concretiza por meio da participação das instituições formais e informais, desenvolvimento de lideranças e ampla participação da sociedade. 2. Métodos A pesquisa adotou ênfase exploratória de cunho qualitativo por meio de estudo de caso com uso do método Análise de Conteúdo e ferramenta de suporte metodológico ATLAS.ti 7.0, seguida de técnica de estruturação de informações da Análise SWOT para análise dos Princípios da Boa Governança. A área de estudo foi a Reserva Extrativista (RESEX) de Canavieiras, de competência do poder federal e criada por Decreto s/n° de 05/6/2006. Situada ao sul do Estado da Bahia, inserida no Bioma Marinho costeiro e Zona de Amortecimento e Conectividade da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, tem área total de 100.726,36 hectares e abrange três municípios: Belmonte, Canavieiras e Una. RESEX é UC de uso sustentável, categoria VI (IUCN), cuja área deve ser utilizada por populações extrativistas tradicionais que têm suas subsistências baseadas no extrativismo, prioritariamente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Esta modalidade de UC definida por Lei Federal 9.985/2000 visa proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (Brasil, 2000). Deve ser regida por um conselho deliberativo cuja presidência compete ao órgão ambiental do governo federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Inicialmente, foram coletados os dados secundários. Adotou-se como recorte temporal o período que o conselho deliberativo foi constituído (Portaria nº 71 de 03/9/2009). Pesquisa baseou-se em documentos oficiais do Conselho Deliberativo da RESEX de Canavieiras (CDRC) desde a sua criação em 12/11/2009 até 11/09/2014. Deste período, apenas duas atas do CDRC não foram localizadas. Em relação aos documentos, foram avaliados: Atas de reuniões do CDRC; Regimento Interno de 16/7/2012; Atas de Comissões e Grupos de Trabalhos do CDRC; Atos do CDRC – Ofícios e Resoluções; Plano de Capacitação dos conselheiros (10/9 e 11/9/2012). Foram incorporadas à análise o arcabouço jurídico que versa sobre os temas correlatos em questão. A escolha dos atores sociais baseou-se na composição do Conselho Deliberativo. Definiu-se como respondentes os conselheiros titulares ou suplentes do CDRC, totalizando vinte e cinco representações (N=25) entre Poder Público (PP) e Sociedade Civil (SC). O corpus da análise foi realizado com base nas entrevistas e documentos. As entrevistas ocorreram de Dez./2013 a Ago./2014, realizadas individualmente com base no roteiro semiestruturado, divididas em: 1) Perfil do entrevistado; 2) Princípios da boa governança e 3) Questões livres. Foram entrevistados 88% (n=22) dos conselheiros, sendo que 80% (n=20) eram conselheiros titulares e 8% (n=2), suplentes.

682

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Em relação às questões associadas aos Princípios da Boa Governança, com base em Graham et al. (2003), foram estruturadas a partir dos princípios e seus critérios, totalizando vinte e sete critérios. Pesquisa utilizou-se do método Análise de Conteúdo (Bardin, 2009) organizada em fases de pré-análise, exploração do material, a partir da codificação e decomposição, e tratamento dos resultados, a partir da inferência e a interpretação. Como recurso tecnológico, fez-se uso do software ATLAS.ti, versão 7.0, sendo criada a Unidade Hermenêutica, inserção dos documentos, definição dos códigos, identificação das ocorrências e memórias, e a preparação de dados para análise. Os resultados encontrados são apresentados e discutidos no próximo tópico. 3. Resultados Em relação ao perfil socioeconômico dos entrevistados (n=22), 86,4% são do gênero masculino e 13,6%, feminino. Quanto à faixa etária, 50% dos conselheiros têm idade de trinta e um a cinquenta anos, e outros 50%, acima de cinquenta anos. Acerca do nível de escolaridade, identifica-se maior percentual de conselheiros com escolaridade em nível fundamental incompleto no ensino formal (31,8%), em seguida Ensino Médio completo, Ensino Superior, e Pós-Graduação, com 13,6% cada, Ensino Fundamental e Ensino Técnico, com 9,1% cada, e Ensino Médio Incompleto e Educação Básica Incompleto, com 4,5% cada. Acerca da profissão, foi identificada maior incidência da atividade de pescador (54,5%), seguido de biólogo (13,6%), comerciante (9,1%), além de Economista, Engenheiro agrônomo, Militar, Técnico em Carcinicultura e Técnico em Contabilidade, sendo 4,5% para cada um. Dada à abrangência dos Princípios da Boa Governança e o propósito descrito aqui, com ênfase em regimes de governança (objeto deste estudo), serão priorizados os resultados e discussão das potencialidades e as fragilidades que envolvem os regimes de governança (instituições formais e informais), como recorte da pesquisa. Princípio Legitimidade e Voz A instalação do conselho configura-se como a data de posse dos conselheiros registrada em ata (IN ICMBio 02/1997, Art.16, § 1º). Constatou-se o cumprimento da exigência jurídica e a execução por parte do órgão gestor ICMBio na condução do CDRC. Através da análise documental, verificou que: em reuniões do conselho todos têm direito a se manifestar, inclusive convidados e sociedade civil, há participação regular do Gestor, conselheiros, lideranças comunitárias porém baixa representatividade da sociedade civil, e não há registro de discriminação. Os planos de capacitação dos conselheiros são realizados após processo de posse. Como instrumentos de gestão, são utilizadas atas, atos e grupos de trabalhos e comissões, além das reuniões do CDRC. Verificou-se registro de poderes exercidos - Poderes de Planejamento, Regulação e Celebração de Acordos e gastos. Nesse aspecto, em entrevista, 100% dos conselheiros reconhecem que o CDRC exerce poder. Constatou-se indícios de gestão participativa, com envolvimento dos conselheiros nas discussões. As divergências são tratadas em reunião, com direito a voto. Identificou-se participação do cidadão em níveis decisórios, com destaque especial para a Associação Mãe dos Extrativistas da RESEX de Canavieiras (AMEX) e conhecimento tradicional. Em relação a partilha nas decisões com representantes locais, não há mecanismos estabelecidos, embora a maioria dos entrevistados (54,5%) afirme que sempre há partilha das decisões com representantes locais. Em documentos, constatou-se pouca participação nas reuniões do CDRC, salvo em interesses específicos, e ausência de mídia e meios de comunicação. Em contrapartida, os entrevistados afirmaram (77,3%) que a SC participa das 683

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

reuniões, se convidados, o que reforça a necessidade de ampliar os espaços de veiculação e qualidade das informações do conselho. Princípio Direção Em documentos, não há explicitamente referência às diretrizes internacionais e nacionais tampouco definição de metas, porém verificou-se alinhamento às diretrizes nacionais através de Acordo de Pesca (vigente) e Plano de Gestão (em elaboração) e, por meio do Plano Nacional, verificou contribuições ao desenvolvimento da RESEX. Em entrevistas, 45,5% dos conselheiros afirmaram que os Planos Nacionais contribuem para acessar as políticas públicas. Verificou-se amplo conhecimento sobre as legislações federais que sustentam a RESEX. Nesse item, cabe o destaque que 100% dos entrevistados afirmaram que o CDRC possui conhecimentos sobre o ordenamento jurídico que versa sobre as atividades da RESEX e quando questionados sobre quais legislações, 81,8% exemplificaram, sendo as principais: Acordo de Pesca, Defeso de Espécies, Lei de Crimes Ambientais e SNUC. A RESEX de Canavieiras não possui Plano de Manejo e se encontra em fase de elaboração do Plano de Gestão, com participação do CDRC. Verificou-se pouca clareza sobre planos de gestão, especificamente sobre objetivos e prazos. Contudo, 59,1% afirmaram que existe plano de gestão na UC, pois compreendem como o Acordo de Pesca existente. Análise documental e entrevistas permitem afirmar o exercício da liderança por parte da gestão da UC, sendo que 86,4% a percebem como uma liderança participativa. Princípio Execução Através da análise documental, não há evidência de plano de trabalho do CDRC de médio e longo prazos. Há registro de plano de trabalho da AMEX como subsídio às ações do CDRC, sendo inclusive indicado por 81,8% dos entrevistados. Não foram identificados mecanismos de mensuração da avaliação de resultados e desempenho do CDRC (eficácia da gestão). Em entrevistas, contudo, 90,9% dos conselheiros afirmaram que os resultados estão sendo alcançados. Acerca das condições necessárias ao exercício do papel do conselheiro, constatou-se que há capacidade de executar as tarefas, aspecto endossado pela entrevista (90,9% concordaram). Em relação à capacidade de coordenar atividades com representantes do governo e sociedade civil, não foi identificado nenhum registro em desacordo, sendo ratificado pelos entrevistados (77,3% concordaram). Não há registros de prestação de contas ao público, embora 45,5% dos entrevistados afirmem que há prestação de contas. Princípio Responsabilização Análise documental permite afirmar que há descrição das responsabilidades do CDRC descritas em Regimento Interno, devidamente aprovado. Tal documento foi amplamente discutido e avaliado pelos pares antes de sua formalização. Em relação à responsabilização no que compete à autoridade para agir, verificou-se a existência das deliberações do conselho, sendo confirmadas por entrevista com 86,4% dos conselheiros. Não há registros formais de prestação de contas das ações do CDRC, embora 59,1% dos entrevistados tenham afirmado que o CDRC realiza a prestação de contas. Acerca de qual instituição se destina a prestação de contas, verificou-se que ocorre do órgão gestor em nível local à instancia federal, como prestação de contas institucional. Disponibilização de informações e meios de comunicação ocorrem apenas por consulta física à sede do ICMBio e AMEX. Não há referência a outros recursos de acesso à informação. Neste aspecto, 86,4% dos entrevistados informaram que as informações estão acessíveis e que são divulgadas, mas que são restritas ao conselheiro. Entretanto, registra-se que há transparência das informações disponíveis in loco, o que endossa a entrevista, visto que 86,4% dos conselheiros afirmaram haver transparência no acesso as informações. Princípio Justiça

684

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Através de documentos, constatou-se a existência de apoio judicial, com envolvimento de outras instituições de apoio, a exemplo, Ministério Público Estadual. Ao serem questionados, 100% dos entrevistados reconheceram a existência de apoio judicial, que fazem uso sempre que julgam pertinentes e não registraram nenhum obstáculo ao seu direito assegurado. Em relação à aplicação equitativa, imparcial e efetiva das regras, verificou-se ampla discussão no conselho e aceitação aos critérios definidos pelo grupo. Em documentos, não há registros de atos que desabonem este critério. Contudo, embora se reconheça a necessidade e existência de regras que conduzem as ações do conselho, 27,3% dos entrevistados não souberam informar qual documento descreve as regras, o que não diminui em importância, mas ressalta a necessidade de orientações. Acerca de usos e saberes das comunidades tradicionais, há registros de respeito aos conhecimentos tradicionais, inclusive que auxiliem as ações e deliberações do CDRC. Em entrevista, 90,9% afirmaram que existe o respeito às práticas das comunidades tradicionais e quando questionados se tais usos e saberes contribuem nas decisões do CDRC, 100% afirmaram que estas são incorporadas as atividades, o que corrobora com os registros em documentos. De modo sistematizado, são elencados as potencialidades e fragilidades, sendo: Potencialidades: Troca de experiência e saberes entre as RESEX; existência de instituições parceiras, que viabilizam capacitações e formação de conselheiros e lideranças comunitárias, Participação social em outras instância de processos decisórios, caracterizando ampla mobilização social dos atores sociais, especificamente, dos extrativistas; RESEX com potencial de intervir no segmento econômico do município de Canavieiras, não sendo possível constatar tal evidência nos municípios de Una e Belmonte; Apoio de órgãos financiadores e organizações nacionais e internacionais, em especial, pela atuação da organização AMEX; Acesso a políticas públicas; Realização de parceira e convênios; Resgate dos valores culturais e costumes das comunidades locais; Integração e participação em outras UCs, em especial, RESEX; Existência de apoio judicial, de fácil acesso. Fragilidades: Baixa representatividade da SC e em nível de participação nas atividades da RESEX e do CDRC; Morosidade dos processos de gestão, em instancia nacional; Meios de comunicação não participam das reuniões do CDRC; Ausência de Mídia para divulgação; Falta de recursos – humanos, infraestrutura e matérias – para elaboração do Acordo de Gestão; Pouca discussão sobre Planos e metas nacionais; Mudanças constantes na legislação ambiental exigem atualização constante dos conselheiros, dificultando o acompanhamento; Dificuldades de fiscalização ambiental na área de abrangência da RESEX; Pesca predatória com práticas inadequadas para explotação dos recursos; Pesca Amadora; Dificuldades na regularização fundiária; SC e meios de comunicação não possuem informações do CDRC; Há resistências à RESEX pela comunidade local; 4. Discussão Inicialmente, esclarece-se que os Princípios da Boa Governança apresentam ressalva sobre a questão nominativa, pois para os conselheiros do CDRC os Princípios são entendidos como práticas de gestão, numa linguagem adequada à realidade local, o que não diminui a importância de sua aplicabilidade. O estudo não objetivou uma valoração dos Princípios, mas sim compreender como se comportam e influenciam os regimes de governança. Foi identificado a governança pautada na multiplicidade de atores (Phillips, 2004), confirmando a existência da governança horizontal (Kapaciauskaite, 2011). Direitos legítimos, como liberdade de expressão e equidade a todos os atores são formalmente assegurados. Na RESEX de Canavieiras, as bases comunitárias são consultadas para subsidiar processos decisórios, de modo regular. Constatou-se que as comunidades participam das reuniões do conselho, embora de forma tímida. Em relação aos demais atores, como parceiros, governo em diferentes níveis e setores privados, 685

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

organizações não governamentais, verificou-se que há participação, contudo considera-se preocupante a ausência do PP Municipal, especificamente a Prefeitura do Município de Canavieiras. Verificou-se existência de poderes necessários e capacidade de executar suas funções. No contexto da RESEX, o ordenamento jurídico por meio da IN ICMBio 02/97 assegura poderes, explicitados através da garantia aos direitos e a participação das populações tradicionais na gestão da Unidade (Art.15) e, especificamente sobre as competências do conselho deliberativo (Art.17), dentre outras, de deliberar acerca de processo decisorial. Como legitimidade do poder conferido aos extrativistas, a composição do conselho assegura a maioria de representantes das populações tradicionais (IN ICMBio 02/97, Art.9º, parágrafo III) o que se traduz pelo Regimento Interno em condições de voto, sendo no mínimo 51% dos votos dos conselheiros reservados aos extrativistas representantes das comunidades tradicionais inseridas na RESEX (Art.2º). Nesta configuração está implícita a importância da participação dos extrativistas no processo de gestão da unidade e, com destaque para o poder atribuído aos mesmos. Essa questão é compreendida pelos extrativistas, como exemplificado pelo trecho “todo mundo numa boca só” (SC), e a fim de usar esse poder em favor de interesses coletivos, os mesmos buscam um alinhamento das opiniões com antecedência à reunião do CDRC a fim de assegurar as decisões. Com base na literatura e a partir da análise de documentos e entrevistas, depreende-se que há exercício dos poderes de Planejamento e Execução (Graham et al., 2003) pelo CDRC e, há percepção de membros do conselho sobre a existência desses, pois 100% dos conselheiros afirmam que o conselho exerce poder, enfatizado pelos instrumentos de gestão exercidos, tais como Grupos de Trabalhos e Comissões. Há presença de instituições formais e informais que influenciam o comportamento dos atores envolvidos no CDRC, no que se refere ao exercício do poder, corroborando os estudos de Paavola et al. (2009). Contudo, ressalta-se que, em termos práticos, apenas as instituições formais foram consideradas determinantes para o processo decisório, com destaque especial para AMEX. Em relação ao Princípio Direção, depreende-se que os resultados alertam para necessidades de melhorias em especial relacionados ao Plano de Gestão da RESEX, com definição de objetivos e metas de médio e longo prazos, que devem estar alinhados aos Planos Nacionais, a fim de atender ao PNAP. No entanto, verificou-se que há participação dos conselheiros na elaboração de planos específicos, o que comprova o envolvimento dos mesmos na gestão, como destacado em entrevistas. Nesse aspecto, sobressai o planejamento da AMEX, que contribui para direcionar os debates no CDRC, através de reuniões prévias de planejamento e ação, instruindo-os sobre as pautas de debate. Em especial, registra-se a falta de recursos para gerir a unidade, reiteradamente destacado em documentos e entrevistas, o que endossa a necessidade de um planejamento federal para criar e gerir as UC, na mesma forma e intensidade que se cobra a gestão das AP. Ressaltase a necessidade de captação de recursos para apoio a projetos, através de órgãos financiadores e organizações nacionais e internacionais, a fim de viabilizar a existência e continuidade de ações. Destaca-se a atuação das lideranças comunitárias, principalmente, se avaliado as amplas dimensões geográficas da RESEX de Canavieiras e as diferentes comunidades existentes. Princípio Execução, diretamente relacionado a prática da gestão, aponta para as dificuldades de acompanhamento e controle das ações da RESEX, o que endossa a necessidade de melhorias no Princípio Direção. Outra consideração envolve a prestação de contas ao público e registros de críticas e reclamações públicas. Esses itens demonstraram que há pouco interação com sociedade civil, no sentido de expor as informações, bem como registrar suas críticas, o que pode ser inferido dos conflitos no processo de criação da RESEX persistem até dias atuais.

686

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Como ponto forte, destaca-se a gestão de riscos com envolvimento do órgão Gestor, conselheiros e comunidades, embora ocorra de forma empírica, sem os recursos necessários e definição de procedimentos, no entanto, contribuem para minorar os riscos ambientais e, principalmente, torna-os envolvidos na gestão vigilantes da área que representam. Princípio Responsabilização apresenta mais fragilidades e carece de maior atenção por parte do CDRC. Requer que sejam definidos mecanismos para assegurar que processos de prestação de contas e responsabilização sejam praticados de modo rotineiro e normalizado. Essa fragilidade decorre, em grande parte, dos Princípios anteriores – Direção e Execução -, que a medida que apresenta pontos fracos em planejamento e execução, certamente apresentarão no Princípio Responsabilização. Essa fragilidade citada pode ser percebida pela percepção dos conselheiros, pois apenas 31,8% dos entrevistados consideraram que a prestação de contas se destina a todos. Como explicitam Graham et al. (2003), o Princípio Responsabilização envolve controle e avaliação das ações, de forma vertical e horizontal. Não se verificou prestação de contas em nenhum dos dois sentidos. O Princípio Justiça, vinculado ao processo de tomada de decisão com inclusão de benefícios equitativos compartilhados, atende às necessidades, visto que há desempenho que comprove sua existência, tais como respeito e uso dos conhecimentos tradicionais, deslocamento do poder central para as bases comunitárias, aplicação de regras, que no caso foram discutidas e acordadas pelas partes interessadas, e equidade na aplicação das regras. Em relação aos pontos fracos, destaca-se a forma que as injustiças ocorridas vêm sendo tratadas, ainda com pendências em relação as áreas desapropriadas. Destaca-se que em entrevistas, a maioria absoluta (90,9%) afirmou que houve justiça com a criação da RESEX. Apresenta características de Governança Participativa, corroborando com Newig e Fritsch (2009), por incorporar o conhecimento local aos processos de debates e tomada de decisões. Pode se afirmar que os mecanismos estabelecidos pelo CDRC asseguram as condições para que os conhecimentos tradicionais sejam considerados nos processos de gestão, o que atende o objetivo explícito da RESEX. 5. Conclusões Em relação aos Princípios da Boa Governança, conclui-se que a RESEX apresenta qualidade normativa característica de boa governança com critérios a serem desenvolvidos e melhorados, principalmente em relação aos Princípios Direção e Execução. A análise em nível de princípio permite concluir que todos estão contemplados, variando suas intensidades, o que é comum se considerados aspectos históricos, culturais, porém no detalhamento em critérios, percebe-se que há lacunas ainda que carecem de melhorias, como exemplo, a prestação de contas ao público, o que endossa a necessidade de uma análise com base nos princípios e critérios. Reconhece-se como relevante a importância das instituições formais, em especial a AMEX, por contribuir como agregadora dos extrativistas e desenvolver lideranças locais, permitindo a continuidade das ações e a mobilização social em favor de maior participação da sociedade. Entretanto, como limitações, destaca-se o não envolvimento da Prefeitura Municipal de Canavieiras, não tenho sido identificado registro de sua atuação nos processos deliberativos do CDRC. Recomenda-se a realização de trabalhos futuros, em continuidade ao presente, a fim de verificar como os princípios da boa governança estão sendo fortalecidos e como podem auxiliar na efetividade da gestão, de modo regular e sistêmico.

687

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Referências Abrams, P., Borrini-Feyerabend, G., Gardner, J., Hevlings, P. 2003. Evaluating Governance - a Handbook to Accompany a Participatory Process for a Protected Area, Parks Canada and TILCEPA, draft. Aguilera, R.V., Cuervo-Cazurra, A. 2004. Codes of Good Governance Worldwide: What is the Trigger? Organization Studies 25(3): 417-446. Antunes, P. B., 2010. Direito ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. Backstrand. K. 2006. Democratizing Global Environmental Governance? Stakeholder Democracy after the World Summit on Sustainable Development. European Journal of International Relations. Vol. 12(4), 467- 498. Bardin, L. 2009. Análise de Conteúdo. 5.ed. Lisboa, Portugal: Edições 70. Borrini-Feyerabend, G. 2003. Governance of Protected Areas – Innovation in the Air… IUCN/CEESP Journal Policy Matters, Issue 12, Community Empowerment for Conservation, September. Borrini-Feyerabend, G. et al. 2004. Governance of protected areas, participation and equity. In.: Biodiversity Issues for Consideration in the Planning, Establishment and Management of Protected Areas sites and Networks, Technical Series no. 15. Montreal: Convention on Biological Diversity. Borrini-Feyerabend, G. et al. 2008. Governance as key for effective and equitable protected are systems.IUCN, Briefing note 8, February. Borrini-Feyerabend, G., Dudley, N., Jaeger, T., Lasses, B., Pathak, N., Philips, B.A., Sandwith, T. 2013. Governance of Protected Areas: From understanding to action. Best Practice Protected Area Guidelines Series N. 20, Gland, Switzerland:IUCN. xvi ,124pp BRASIL. Decreto n°. 4.340, de 22 de Agosto de 2002, Regulamenta artigos da Lei n° 9.985 de 18 de Julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Brasília 2002. BRASIL. Decreto s/n°, de 05 de junho de 2006. Dispõe sobre a criação da RESEX Canavieiras. 2006. Disponível em . Acesso em: 01 jun. 2012. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente – MMA. Lei No. 9.985, de 18 de Julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Diário Oficial de 19/07/2000, p.1. Brasilia, DF.

688

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Buizer, M., Arts, B., Kok, K. 2011. Governance, scale, and the environment: the importance of recognizing knowledge claims in transdisciplinary arenas. Ecology and Society XX(YY): ZZ. [online], 2011. Cunha, C.C., Loureiro, C.F.B. 2009. Reservas Extrativistas: limites e contradições de uma territorialidade seringueira. XIX Encontro Nacional de Geografia Agrária, São Paulo, 2009, p 1-25. Dearden, P. et al. 2005. Trends in Global Protected Area Governance, 1992 -2002. Environmental Management, v. 36, n.1, p. 89–100. Duffy, R. 2006. The potential and pitfalls of global environmental governance: The politics of transfrontier conservation areas in Southern Africa. Political Geography. V. 25. p. 89-112. Fonseca, I.F., Bursztyn, M. 2009. A Banalização da Sustentabilidade: reflexões sobre governança ambiental em escala local. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 1, p. 17-46. Gomides, J.E., Silva, A.C. 2009. O Surgimento da expressão “Governance”, Governança e Governança Ambiental. Revista de Ciências Gerenciais. Vol. XIII, N° 18, p. 177-194. Gonçalves, A. 2005. O conceito de governança. In: XIV Congresso Nacional do Conpedi. Anais…Fortaleza, 3, 4 e 5 de novembro de 2005. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Alcindo%20Goncalves.pdf . Acesso em: 06 out 2012 Graham, J., Amos, B., Plumptre, T. 2003. Governance Principles for protected areas in the 21st century. Vth IUCN Worls Parks Congress, Durban, South África. Otawwa: Institute of governance. Grindle, M. 2007. S. Good Enough Governance Revisited. Development Policy Review. v.25. 2007. p.553-574. Grindle, M. 2010. Good Governance: The inflation of an Idea. Harvard University. Center for International Development. Working Paper No. 202, October. Ivanova, M., Gordon, D., Roy, J. 2007. Towards Institutional Symbiosis: Business and the United Nations in Environmental Governance. RECIEL, 16 (2). Jacobi, P. R.2005. Governança institucional de problemas ambientais. Política & Sociedade (ISSNe 2175-7984), 4(7):119-137, Florianópolis, SC, Brasil. 2005. Disponível em http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/1969 Kapaciauskaite, I. 2011. Environmental governance in the Baltic Sea Region and the role of non-governmental actors. Procedia Social and Behavioral Sciences. Vol. 14. p. 90-100. Khan, M.S., Bhagwat, S.A. 2010. Protected Areas: A Resource or Constraint for Local People? Mountain Research and Development. Vol 30. N° 1. p. 14–24.

689

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Kothari, A. 2008. Diversifying Protected Area Governance: Ecological, Social and Economic Benefits. In.: Protected Areas in Today’s World: Their Values and Benefits for the Welfare of the Planet. Montreal, Secretariat of the Convention on Biological Diversity. Technical Series no. 36, i-vii + 96 pages. Lee. T. 2003. A Framework for Protected Area Governance For the Twenty-first Century. Paper for the Fifth World Parks Congress, “Benefits Beyond Boundaries,” held in Durban, South Africa, p. 8-17. Lemos, M.C., Agrawal, A. 2006. Environmental Governance. Annu. Rev. Environ. Resourc. 31. p. 297-325. Lockwood, M. 2010. Good governance for terrestrial protected areas: A framework, principles and performance outcomes. Journal of Environmental Management 91. P.754766. Lockwood, M., Davidson, J., Curtis, A., Stratford, E., Griffith, R. 2010 Governance Principles for Natural Resource Management, Society & Natural Resources, (iFirst). DOI: 10.1080/08941920802178214 Loureiro, C.F.B., Cunha,C.C. 2008. Educação ambiental e gestão participativa de unidades de conservação: elementos para se pensar a sustentabilidade democrática. Ambiente & Sociedade, Campinas v.XI, n.2, jul./dez. p. 237-253. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA). 2006. Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP). Decreto n° 5.758 de 13/04/2006. Brasília: MMA. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA). 2010. Gerência de Biodiversidade Aquática e Recursos Pesqueiros. Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil. Brasília: MMA/SBF/GBA. 148 p. Newig, J., Fritsch, O. 2009. Environmental Governance: Participatory, Multi-Level – and Effective? Enviromenal Policy and Governance, 19, p.197-214. Newig, J., Gunther, D., Pahl-Wostl, C. 2010. Synapses in the network: learning in governance networks in the context of environmental management. Ecology and Society 15(4): 24. [online] URL: http://www.ecologyandsociety.org/vol15/iss4/art24/ Paavola, J. 2003. Environmental Justice and Governance: Theory and Lessons from the implementation of the European Union´s Habitats Directive. Centre for Social and Economic Research on the Global Environment University of East Anglia Norwich. Paavola, J., Gouldson, A., Kluvánková-Oravská, T. 2009. Interplay of Actors, Scales, Frameworks and Regimes in the Governance of Biodiversity. Environmental Policy and Governance . 19, p. 148-158.

690

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Rhodes, R.A.W. 1996. The New Governance: Governing without government. Political Studies. XLIV, p.652-667, 1996. Santiso, C. 2001. Good Governance and Aid Effectiveness: The World Bank and Conditionality. The Georgetown Public Policy Review. Vol. 7. N° 1. p.1-22. Sheng, Y.K. 2010. Good Urban Governance in Southeast Asia. Environment and Urbanization Asia. p. 131-147. Simoncini, R., Borrini-Feyerabend, G., Lassen, B. 2008. Policy Guidelines on Governance and Ecosystem Management for Biodiversity Conservation. GEM-CON-BIO – Governance and Ecosystem Management for the Conservation of Biodiversity. Steffek, J., 2009. Discursive legitimation in environmental governance. Forest Policy and Economics 11, P. 313-318.. Van Kersbergen, K., Van Waarden, F. 2004. ‘Governance’ as a bridge between disciplines: cross-disciplinary inspiration regarding shifts in governance and problems of governability, accountability and legitimacy. European Journal of Political Research 43:143–171. Yamamoto, H. 2008. Governance including Government: Multiple Actors in Global Governance. Interdisciplinary Information Sciences, Vol. 14, N°. 2. p. 117–131

691

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Crescimento ou Desenvolvimento Azul no “Mar Português”? Maria Adelaide Ferreira1, Francisco Andrade2, David Johnson3, Carlos Pereira da Silva4 1

CICS.NOVA, Interdisciplinary Center of Social Sciences, FCSH-Universidade Nova de Lisboa, [email protected] 2

MARE – Marine and Environmental Sciences Centre, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, [email protected] 3

Seascape Consultants Ltd., [email protected].

4

CICS.NOVA, Interdisciplinary Center of Social Sciences, FCSH-Universidade Nova de Lisboa, [email protected] Resumo Com uma área marítima de quase 4 milhões de km2 (incluindo 1 700 000 km2 de mar territorial e zona económica exclusiva e 2 150 000 km2 de plataforma continental estendida), Portugal tem soberania ou jurisdição sobre cerca de metade das águas marinhas da União Europeia (UE), 4% da área do Atlântico e c. de 1% do Oceano global. O Espaço Marítimo Nacional (EMN), incluindo o leito marinho, é potencialmente rico em recursos vivos e não vivos. Desde 2014, Portugal tem vindo a definir todo um novo quadro legal para o “Mar Português” (97% do território nacional), que tem, como objectivo inscrito na Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do EMN, “contribuir para o desenvolvimento sustentável do país”. O actual quadro legal, encimado pela Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, espelha as orientações das políticas marítimas desenvolvidas a nível da UE durante a última década, onde se destaca a “Estratégia de Crescimento Azul”, o braço marítimo da Estratégia EUROPA 2020 “para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”. No momento em que a Europa e, destacadamente Portugal, olham para o Oceano como fonte de soluções para a crise económica, importa reflectir sobre o teor das políticas marítimas europeias e nacionais para este espaço vital, para assegurar a real sustentabilidade e equidade das opções tomadas. Quais as implicações da opção pelo crescimento ao invés do desenvolvimento azul? Haverá uma diferença real de abordagem? Para procurar responder a estas questões foi efectuada uma revisão do quadro legal nacional relativo ao ordenamento e gestão do Espaço Marítimo Português, procurando avaliar se, e de que forma, os opções adoptadas promovem a equidade e protecção ambiental essenciais a um desenvolvimento sustentável. Os resultados sugerem que o quadro legal Português, promove/favorece os novos usos face aos usos existentes, com potencial para gerar, ao invés de evitar, conflitos na gestão do EMN, gorando assim a consecução dos objectivos de sustentabilidade. A avaliação ambiental estratégica, a realizar no âmbito da elaboração do futuro plano de ordenamento do EMN, poderá contribuir para uma visão integrada, holística e sustentável do Mar Português e, por arrastamento, do Mar Europeu. Palavras-chave: crescimento azul, desenvolvimento azul, indicadores, sustentabilidade, avaliação ambiental estratégica 1. Introdução A opção por “desenvolvimento” na expressão “desenvolvimento sustentável”, contida no famoso Relatório Brundtland (WCED, 1987), em detrimento de “crescimento”, representou uma escolha deliberada, um reconhecimento, em 1987, de existência de limites ao crescimento num planeta finito. Trata-se de uma opção que privilegia “qualidade” em vez de 692

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

“quantidade”, é baseada em maior eficiência e equidade na utilização dos recursos e resulta numa “ordem social superior”, isto é, “tão preocupada com as gerações futuras como com a nossa, e mais focada na saúde do planeta e dos pobres do que em aquisições materiais e em poderio militar” (Brown et al., 1991, p. 97). Estes autores salientavam a distinção clara entre “crescimento” e “sustentabilidade”, afirmando que “não é possível alcançar uma economia global ambientalmente sustentável sem que os mais afortunados limitem o seu consumo de forma a permitirem aos pobres aumentar o seu” (p. 97). A adopção universal, pelo menos em papel, deste novo paradigma, ocorreu na Cimeira do Rio de Janeiro, em 1992. A primeira estratégia de desenvolvimento sustentável da União Europeia foi lançada em 2001, com base numa proposta da Comissão Europeia, e tinha como objectivo global “identificar e desenvolver acções para permitir à UE alcançar uma melhoria contínua e a longo prazo da qualidade de vida, através da criação de comunidades sustentáveis capazes de gerir e utilizar os recursos eficientemente, de tirar proveito do potencial de inovação ecológico e social da economia e, em última instância, de assegurar prosperidade, protecção ambiental e coesão social” (Comissão Europeia, 2015). A estratégia, entretanto já sujeita a várias revisões, apelava a uma nova abordagem na elaboração de políticas, que “assegurassem que as políticas económicas, sociais e ambientais da UE se reforçassem mutuamente” (ibid.). Nesta linha, o 7º programa de acção da UE em matéria de ambiente, lançado em 2013 com um horizonte temporal até 2020, contém a seguinte visão ou “perspectiva relativa a 2050 [que] pretende ajudar a orientar a acção até 2020 e para além desse horizonte”: “Em 2050, vivemos bem, dentro dos limites ecológicos do planeta. A nossa prosperidade e a sanidade do nosso ambiente resultam de uma economia circular inovadora em que nada se desperdiça e em que os recursos naturais são geridos de forma sustentável e a biodiversidade é protegida, valorizada e recuperada de modo a reforçar a resiliência da nossa sociedade. O nosso crescimento hipocarbónico foi há muito dissociado da utilização dos recursos, marcando o ritmo para uma sociedade global segura e sustentável” (JOUE, 2013). Em síntese, o desenvolvimento sustentável baseia-se e depende da consecução de objectivos sociais de coesão e equidade social – solidariedade, como refere Andrade (1998) – onde a qualidade de vida e a prosperidade decorrem de um ambiente saudável, promovido por uma protecção ambiental eficaz. Neste quadro, a economia é uma ferramenta (e não um fim em si) de prosperidade e sanidade ambiental e é baseada na eficiência na (re)utilização dos recursos. Em paralelo, em resposta à crise económica e financeira do final da primeira década deste século, o Conselho Europeu adoptou, em 2010, a Estratégia Europa 2020, uma estratégia a 10 anos para um “crescimento inteligente, sustentável e inclusivo” (Comissão Europeia, 2010). Dois anos depois, adoptou a Estratégia de Crescimento Azul, a “dimensão marítima” da Estratégia Europa 2020, que vê “o crescimento da economia azul” como oferecendo “meios novos e inovadores” para ajudar a UE “a sair da actual crise económica” (Comissão Europeia, 2012, p. 3). De acordo com esta Estratégia, “a economia azul pode contribuir para a competitividade internacional da UE, para a eficiência dos recursos, para a criação de emprego e para a emergência de novas fontes de crescimento, ao mesmo tempo que preserva a biodiversidade, protege o meio marinho e, assim, salvaguarda os serviços oferecidos por ecossistemas marinhos e costeiros saudáveis e resilientes” (ibid.). A Estratégia de Crescimento Azul pretende promover o crescimento de cinco novos sectoreschave da economia azul, nomeadamente as energias renováveis, aquacultura, turismo costeiro, biotecnologia marinha e recursos minerais marinhos, mantendo a aposta noutros quatro sectores “cruciais para o valor e empregos”, a saber, construção e reparação naval, transporte marítimo, pescas, exploração de petróleo e gás (Comissão Europeia, 2014). A Estratégia de Crescimento Azul elenca ainda um conjunto de políticas da UE “concebidas de forma a apoiar os esforços dos Estados-Membros e das regiões e a fornecer bases comuns que garantam o êxito da economia azul” (Comissão Europeia, 2012, p. 5), incluindo o 693

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ordenamento do espaço marítimo (entretanto alvo de uma directiva em 2014) e a DirectivaQuadro Estratégia Marinha (DQEM), “que introduz uma abordagem baseada nos ecossistemas [e] visa assegurar que a pressão colectiva das actividades humanas no ambiente seja mantida a níveis compatíveis com a consecução de um bom estado ambiental até 2020.” (ibid., p. 6). Pode uma renovada aposta em crescimento, ainda que azul, contribuir para o desenvolvimento sustentável? Para Jones (2015), através do crescimento azul, a Comissão Europeia parece mais focada na promoção do crescimento da economia marítima europeia do que em restaurar a biodiversidade marinha e em proteger o ambiente marinho. A este propósito, o autor salienta que mesmo a DQEM inclui provisões que permitem aos EstadosMembros identificar casos que permitam a realização de acções “por razões imperiosas de interesse público que prevaleçam sobre o impacto negativo no ambiente” (ibid., p.15). Para Agardy (2016), parece acreditar-se que o bem estar económico surgirá com “a expansão dos usos existentes, o encorajar de novos usos e a maximização do lucro” e que “poderemos preocupar-nos com a biodiversidade e a função dos ecossistemas depois de a economia estar recuperada”. A mesma autora questiona-se sobre a forma como as externalidades negativas do crescimento económico são consideradas neste processo e como é que o público é compensado pelos custos decorrentes da expansão dos usos privados (poluição, deplecção de recursos, degradação de valores estéticos, etc.), algo que sintetiza como “privatização dos benefícios, enquanto se tornam públicos os custos”. De facto, num relatório de 2015, a Agência Ambiental Europeia concluiu que o estado dos mares europeus é pobre e que há um conjunto crescente de pressões antropogénicas que o afectam directamente (EEA, 2015). De acordo com este relatório, “todos os serviços dos ecossistemas que podem potencialmente ser fornecidos pelos ecossistemas marinhos nos mares europeus estão ameaçados” e “o efeito cumulativo das pressões e dos impactos estão a reduzir a resiliência do ecossistema, tornando-o mais vulnerável” (ibid., p. 189). Esta degradação “ameaça a auto-renovação do capital dos ecossistemas marinhos nos mares europeus” e “afecta a sua capacidade futura de suportar a crescente economia azul” (ibid.). No momento em que a Europa olha para o Oceano como fonte de soluções para a crise económica, importa reflectir sobre o teor das políticas marítimas para este espaço vital, nomeadamente no quadro do ordenamento e gestão do espaço marítimo, para assegurar a real sustentabilidade e equidade das opções tomadas. Quais as implicações de uma opção por crescimento ao invés de desenvolvimento azul? Haverá uma diferença real de abordagem ou serão conciliáveis e poderão contribuir de igual forma para um desenvolvimento sustentável? Portugal configura-se como um caso de estudo particularmente relevante para uma tentativa de resposta a esta questão. Portugal é uma das maiores nações marítimas da União Europeia (UE), tendo soberania ou jurisdição sobre quase metade (48%) das suas águas marinhas (Governo de Portugal, 2014). Com uma área marítima de quase 4 milhões de km2 (incluindo 1 700 000 km2 de mar territorial e zona económica exclusiva e 2 150 000 km2 de plataforma continental estendida), Portugal abarca cerca de 4% da área do Atlântico e 1% do Oceano global (Bessa Pacheco, 2013). O Espaço Marítimo Nacional (EMN), incluindo o leito marinho, é potencialmente rico em recursos vivos e não vivos e há um interesse crescente na sua exploração, principalmente no que diz respeito nos sectores das energias renováveis, includindo energia das ondas e energia eólica, extracção de petróleo, exploração de nódulos polimetálicos e sulfuretos maciços nos fundos marinhos e aquacultura offshore (Ferreira et al., 2015). Desde 2014, Portugal tem vindo a definir todo um novo quadro legal para o “Mar Português” (97% do território nacional), que tem, como objectivo inscrito na Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do EMN, “contribuir para o desenvolvimento sustentável do país” (Diário da República, 2014b, p. 2358). O actual quadro legal, encimado pela Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, espelha as orientações das políticas marítimas desenvolvidas a nível da UE durante a última década, “assenta[ndo] num novo paradigma para o desenvolvimento sustentado, orientado 694

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

pela visão da Comissão Europeia para o sector marítimo: o “Crescimento Azul” (Diário da República, 2014a, p. 1317). Nesta análise pretende-se avaliar em que medida é que as opções adoptadas no quadro legal nacional relativo ao ordenamento e gestão do Espaço Marítimo em Portugal, moldadas pelo modelo do “Crescimento Azul” contribuem para que o Mar Português seja abordado de uma forma socialmente justa e verdadeiramente sustentável. 2. Métodos O quadro legal nacional relevante para o ordenamento e gestão do espaço marítimo português inclui três elementos principais: a Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 (ENM 2013-2020); a Lei de Bases da Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (LBOGEM) e o Decreto-Lei 38/2015, que desenvolve vários aspectos da LBOGEM e transpõe também para o quadro jurídico nacional a Directiva Europeia para o OEM publicada em 2014 (Diário da República, 2015). Foi efectuada uma análise mais aprofundada do Decreto-Lei, por ser o instrumento que contém os elementos mais concretos referentes à implementação do ordenamento e gestão do Espaço Marítimo Português. Procuraram-se os aspectos potencialmente mais relevantes em termos de equidade social e protecção do meio marinho, para analisar o seu contributo potencial para um desenvolvimento sustentável do mar português. 3. Resultados e discussão Nesta secção, apresentam-se aspectos contidos no Decreto-Lei 38/2015, de 18 de Março, que desenvolve a Política de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional, pertinentes para uma análise da abordagem legal a questões de equidade social e protecção ambiental. Definição de usos existentes (Art.º 9.º): Embora a LBOGEM articule, expressamente, o objectivo de compatibilidade dos diversos usos e actividades desenvolvidos no EMN, o Decreto-Lei que a desenvolve define “usos e actividades existentes” como “aqueles que estão a ser desenvolvidos ao abrigo de um título de utilização privativa” do EMN (Diário da República, 2015, p. 1527). Com este articulado, o Decreto-Lei exclui do exercício de OEM todas as outras actividades que não requeiram um título de utilização privativa do EMN, como o lazer, nas suas várias vertentes, a navegação ou a pesca. Além de contrariar orientações da Directiva Europeia para o OEM (p. ex., no caso da pesca), esta exclusão não protege a maior parte dos usos existentes não-extractivos, podendo efectivamente contribuir para complicar/dificultar a prossecução do objectivo de compatibilização de actividades e levantando questões de equidade. Critérios de preferência em caso de conflito de usos ou actividades (Art.º 27.º): O Decreto-Lei define dois critérios de preferência a utilizar em caso de conflito potencial entre usos ou actividades, desde que assegurada a protecção dos valores ambientais: i) maior vantagem social e económica para o país; e ii) máxima coexistência de usos ou actividades. Este último critério só se aplica quando o primeiro não for aplicável ou quando, da avaliação do primeiro, resultar igualdade à luz dos seguintes parâmetros de avaliação: a) nº de postos de trabalho criados; b) qualificação de recursos humanos, c) volume do investimento; d) viabilidade económica do projecto; e) previsão de resultados; f) contributo para o desenvolvimento sustentável; g) criação de valor; h) sinergias esperadas nas actividades conexas; e i) responsabilidade social dos interessados no desenvolvimento do uso ou actividade (Diário da República, 2015, p. 1531). Ao contabilizar postos de trabalho criados, qualificação de recursos humanos e volumes de investimento (parâmetros a a c), esta ponderação privilegia actividades novas em relação às actividades existentes que, tipicamente, asseguram a manutenção de empregos e têm baixos valores de investimento (porque já realizados). Tal como acontece com os parâmetros d) e e), respectivamente, 695

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

viabilidade económica do projecto e previsão de resultados, trata-se, de qualquer das formas, de previsões de resultados. A experiência internacional sugere que raramente existe uma verificação independente da fiabilidade destas expectativas, que, frequentemente, acabam por ser sobrestimadas, sobretudo em ambientes tão hostis como o ambiente marinho (Ferreira et al., 2015). Os últimos parâmetros são francamente mais subjectivos, dificultando a sua quantificação e comparação efectiva. Taxa de utilização privativa do EMN (TUEM) (Art.º 75.º e 76.º): O Decreto-Lei cria uma taxa de utilização privativa do EMN (TUEM) que “visa compensar: a) o benefício resultante daquela utilização privativa (...); b) o custo ambiental inerente às actividades susceptíveis de causar impacte significativo no EMN; iii) os custos administrativos resultantes do ordenamento e gestão, da segurança marítima, da manutenção e da fiscalização (Diário da República, 2015, p. 1541). De acordo com o nº. 1 do artigo 76.º que define a “Incidência objectiva” desta taxa, “A TUEM incide sobre todas as utilizações privativas do EMN”. Porém, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, “A TUEM não se aplica à utilização do EMN para a revelação e aproveitamento de recursos geológicos e energéticos” (ibid.). Incluem-se nestas actividades a prospecção e exploração de petróleo e gás e a exploração de minérios no leito marinho, ambas “com enorme potencial de crescimento económico e na criação de emprego, sendo, por isso, consideradas como estratégicas” (Diário da República, 2014a, p. 1320). Tal isenção concedida às actividades potencialmente com maior retorno económico mas, igualmente, com impactes ambientais potencialmente mais significativos, desvirtua o princípio da criação e objectivos da aplicação da TUEM, e reflecte uma desigualdade na abordagem aos diferentes usos e actividades que ocorrem no EMN. Instrumentos relativos à protecção e preservação do ambiente marinho (Art.º 104.º): Neste artigo, o Decreto-Lei refere-se às Áreas Marinhas Protegidas (AMP) já aprovadas pelos órgãos de governo das Regiões Autónomas, explicitando que serão tidas em consideração no instrumento de planeamento nacional (o Plano de Situação) mas salvaguardando que, “em caso de necessidade, actual ou futura, devidamente fundamentada de salvaguarda do interesse nacional, o Governo pode (...) determinar a não integração, total ou parcial, ou a exclusão [desses] instrumentos” (Diário da República, 2015, p. 1546). Embora aquilo que constitui “interesse nacional” não esteja definido neste DecretoLei, a expectativa de retornos económicos da ordem de 60 mil milhões de € anuais resultantes da actividade de mineração marinha no mar dos Açores (Ferreira et al., 2015), uma das actividades consideradas estratégicas na ENM2013-2020, pode condicionar o devir destas AMP. Os resultados desta análise sugerem que aspectos como a equidade social e uma protecção adequada do ecossistema marinho não estão devidamente salvaguardados no actual quadro legal para o ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional, podendo fazer perigar a adequada consecução dos objectivos de sustentabilidade do OEM em Portugal. O quadro legal vigente para o OEM português privilegia o crescimento económico, através da promoção dos novos usos, em detrimento dos usos existentes (que contribuem para a manutenção das comunidades locais e são um factor de resiliência social) e da protecção do meio marinho. De facto, se, para parte dos países europeus, nomeadamente em torno do Báltico e Mar do Norte, a exploração de petróleo e gás não é já novidade, o mesmo não acontece em Portugal, onde esta actividade se encontra nas primeiras fases de desenvolvimento (Camargo, 2016). O mesmo se passa com as perspectivas de exploração de minérios marinhos no fundo do mar. A este respeito, o relatório da Agência Ambiental Europeia sobre o estado dos mares europeus salienta que “as actividades que usam capital natural marinho não-vivo estão a exercer um conjunto maior de pressões sobre o capital natural vivo do que as actividades que usam este último” e que este facto “gera questões de equidade, uma vez que as actividades que dependem de mares saudáveis, como a pesca, a aquacultura, o turismo e a biotecnologia, podem ter as suas oportunidades de desenvolvimento prejudicadas por aquelas que não dependem directamente de um ecossistema saudável” 696

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

(EEA, 2105, p. 189). Especificamente em relação à extracção de recursos minerais marinhos, a UNEP (2012) salienta que se trata de “uma actividade económica finita, frequentemente de curta duração, mas que um desenvolvimento mal conduzido, que não tome em conta impactos sociais e ambientais, pode deixar um legado de problemas e de oportunidades perdidas que se prolonga muito para além do horizonte de consumo dos ganhos desse desenvolvimento” (p. 19). Outro aspecto fundamental a integrar nesta análise é o facto de o meio marinho profundo, dos serviços ecossistémicos que suporta e das suas interrelações ecológicas, serem dos menos conhecidos no planeta (UN, 2016), o que torna fundamental a utilização do princípio da precaução na gestão das actividades que afectam estes sistemas. Em suma, parece haver uma diferença clara de abordagem entre crescimento e desenvolvimento, nomeadamente no espaço marítimo, sendo que as opções tomadas no quadro do primeiro podem fazer perigar a resiliência social e ambiental necessárias a um desenvolvimento sustentável. Já em 1991, Brown et al. salientavam que “(...) para a maioria dos economistas e políticos, a expansão ilimitada da economia não apenas parece possível como desejável. Os líderes políticos “vendem” o crescimento como a resposta para o desemprego, pobreza, indústrias em dificuldades, crises fiscais e uma miríade de outras doenças societais. Questionar a sabedoria do crescimento quase soa a blasfémia, de tal forma está impregnada no pensamento popular sobre a forma como o mundo funciona” (ibid., p.94-95). Apesar do reconhecimento de que as acções antropogénicas estão a empurrar o clima global para fora daquilo que se considera ser um ambiente operacional seguro para a humanidade, tendo sido já ultrapassadas várias “fronteiras” planetárias (e.g., Steffen et al., 2015), a constatação de Brown et al (1991) mantém-se hoje tão válida como há 25 anos, provavelmente porque, segundo estes autores, uma mudança real implica ir “ao fulcro dos padrões de consumo individuais” (ibid. p. 96). No mesmo ano em que a Europa avançava com a Estratégia de Crescimento Azul, um relatório conjunto de organizações não governamentais de ambiente europeias (ESEC, 2012) propôs vias de desenvolvimento alternativas ao crescimento azul. Um dos aspectos propostos foi uma aposta na eficiência na utilização dos recursos e na reciclagem, nomeadamente de minérios, evitando a necessidade de nova mineração, no mar ou em terra, e dos impactos associados, quer na extracção quer na deposição dos resíduos resultantes (cf., a este respeito, Ramirez-Llodra et al., 2015). O mesmo documento salientava também o potencial de criação de emprego nas actividades relacionadas com a economia circular, nomeadamente a reciclagem (ESEC, 2012). Defende-se assim uma aposta no “desenvolvimento azul”, assente numa gestão baseada no ecossistema e nos princípios da precaução e da eficiência na gestão dos recursos e na efectiva participação dos agentes, como meio de promover a equidade social das opções tomadas. Um dos obstáculos a esta participação é a falta de consciencialização dos próprios agentes, nomeadamente daqueles que fazem um uso não-extractivo dos serviços ambientais marinhos (p. ex., em actividades de turismo, fruição e lazer), do seu papel legítimo como actores no processo (Ferreira, 2016). A avaliação ambiental estratégica (AAE), associada ao ordenamento do espaço marítimo, configura-se como uma ferramenta privilegiada para avaliar e comparar de forma estratégica o leque de opções disponíveis (ESEC, 2012; Ferreira et al., submetido). Para permitir uma visão verdadeiramente estratégica e conducente a um desenvolvimento sustentável, tal AAE requer o desenvolvimento concomitante de uma nova praxis metodológica, um desafio que se coloca à comunidade científica (Noble e Nwanekezie, 2016). Neste quadro, a AAE a realizar, por exemplo, no âmbito da elaboração do futuro plano de ordenamento do espaço marítimo nacional, poderá contribuir para uma visão integrada, holística e sustentável do Mar Português e, por arrastamento, do Mar Europeu.

697

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

5. Conclusões Os resultados da análise de aspectos concretos da política de ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional português, apontam para uma opção clara pela via do “crescimento azul”, podendo fazer perigar a adequada consecução dos objectivos de resiliência social e ambiental necessárias a um desenvolvimento sustentável do OEM português e de Portugal. Defende-se, em alternativa, uma aposta no “desenvolvimento azul”, assente numa gestão baseada no ecossistema e nos princípios da precaução e da eficiência na gestão dos recursos e na efectiva participação dos agentes, como meio de promover a equidade social das opções tomadas. A avaliação ambiental estratégica a realizar, por exemplo, no âmbito da elaboração do futuro plano de ordenamento do espaço marítimo nacional, poderá contribuir para uma visão integrada, holística e sustentável do Mar Português e, por inerência, do Mar Europeu. Agradecimentos A primeira autora tem uma bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ref. SFRH/BD/88549/2012). Este trabalho foi parcialmente financiado por fundos nacionais através da FCT no quadro do projecto PEst-UID/SOC/04647/2013. Todas as traduções do inglês são da responsabilidade da primeira autora. Referências Agardy, T., 2016. Dispatches from the Field: When MSP enables Blue Growth, who benefits? MEAM newsletter, 9:5, March 2016. https://meam.openchannels.org/news/meam/dispatches-field-when-msp-enables-bluegrowth-who-benefits. (acedido 08.04.2016) Andrade, F., 1998. Coastal management research and sustainability. In: Costanza, R., Andrade, F. (eds.) A Economia ecológica e a governação sustentável dos oceanos. FLAD, IMAR, LPN, Lisboa, 99-106. Bessa Pacheco, M., 2013. Medidas da Terra e do Mar. Lisboa: Instituto Hidrográfico Brown, L.R., Postel, S., Flavin, C., 1991. From growth to sustainable development, in: Goodland, R., Daly, H., El Serafy, S., von Droste, B. (Eds.), Environmentally Sustainable Economic Development: Building on Brundtland. UNESCO, Paris, pp. 93-98. Camargo, J., 2016. Petróleo em Portugal: quem vem pra jantar? http://www.sabado.pt/opiniao/detalhe/petroleo_em_portugal_quem_vem_pra_jantar.html (acedido em 14.04.2016). Comissão Europeia, 2010. EUROPA 2020: Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. COM(2010) 2020 final. Comissão Europeia, 2012. Crescimento azul: oportunidades para um crescimento marinho e marítimo sustentável. COM(2012) 494 final. Comissão Europeia, 2014. Blue Growth: Infographics. http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/policy/blue_growth/infographics/ (acedido 11.04.2016) Diário da República, 2014a. Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/2014, de 12 de Fevereiro, que adopta a Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020. DR 1ª série, 30, 13101336. Diário da República, 2014b. Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril, que estabelece as bases da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional. DR 1ª série, 71, 23582362. 698

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Diário da República, 2015. Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de Março, que desenvolve a Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril. Diário da República, 1ª série, 50, 1523-1549. ESEC, 2012. Limits to Blue Growth. Joint NGO position paper. http://reclaimthesea.org/limits-to-blue-growth-joint-ngo-position-paper/ (acedido 13.04.2016). European Commission, 2015. Sustainable Development. http://ec.europa.eu/environment/eussd/ (acedido 11.04.2016). Ferreira, M.A., 2016. Existing users often lack awareness of their role as stakeholders and their power to protect the ocean. In: New uses versus traditional uses in MSP: Who wins? Marine Ecosystems and Management (MEAM) newsletter, April 2016 (9:6). https://meam.openchannels.org/news/meam/new-uses-versus-traditional-uses-msp-whowins (acedido 11.04.2016). Ferreira, M.A., Andrade, F., Johnson, D., Pereira da Silva, C., submetido. How strategic is the Strategic Environmental Assessment of future Portuguese marine spatial plans in the European context? Submetido à 22nd International Sustainable Development Research Society Conference. Ferreira, M.A., Pereira da Silva, C., Campbell, H.V., Conway, F., Andrade, F., Johnson, D., 2015. Gold Rush or Pandora’s Box? Toward a transparent and measured approach to MSP in Portugal. The International Journal of Marine and Coastal Law, 30: 418-444. Governo de Portugal, 2014. Programa de monitorização e programa de medidas da Directiva-Quadro Estratégia Marinha: Subdivisões Continente, Açores, Madeira e Plataforma Continental Estendida. Governo de Portugal, Lisboa. Jones, P., 2015. Emerging tensions between blue growth and good environmental status. http://www.homepages.ucl.ac.uk/~ucfwpej/pdf/BGORGESCFPJ.pdf (acedido 11.04.2016) JOUE, 2013. DECISÃO Nº. 1386/2013/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 20 de novembro de 2013 relativa a um programa geral de acção da União para 2020 em matéria de ambiente «Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta». Jornal Oficial da União Europeia, L 354/171-200. Noble, B., Nwanekezie, K., 2016. Conceptualizing strategic environmental assessment: Principles, approaches and research directions. Environmental Impact Assessment Review, http://dx.doi.org/10.1016/j.eiar.2016.03.005. Ramirez-Llodra, E., Trannum, H.C., Evenset, A., Levin, L.A., Andersson, M., Finee, T.E., Hilário, A., Christensen, G., Schaanning, M., Vanreusel, A., 2015. Submarine and deep-sea mine tailing placements: a review of current practices, environmental issues, natural analogs and knowledge gaps in Norway and internationally. Marine Pollution Bulletin, 97, 13-35. Steffen, W., Richardson, K., Rockström, J., Cornell, S.E., Fetzer, I., Bennett, E.M. , Biggs, R., Carpenter, S.R., Vries, W. de, Wit, C.A. de, Folke, C., Gerten, D. , Heinke, J., Mace, G.M., Persson, L.M., Ramanathan, V., Reyers, B., Sörlin, S. 2015. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science, 347:6219. UN, 2016. A Regular process for global reporting and assessment of the state of the marine environment, including socio-economic aspects (Regular process). First global integrated marine assessment (First World Ocean Assessment). http://www.un.org/depts/los/global_reporting/WOA_RegProcess.htm (acedido 02.03.2016). UNEP, FAO, IMO, UNDP, IUCN, World Fish Center, GRIDArendal, 2012, Green Economy in a Blue World. www.unep.org/greeneconomy and www.unep.org/regionalseas. World Commission on Environment and Development, 1987. Our common future. Oxford ; New York : Oxford University Press.

699

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

700

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Saneamento básico: uma análise da política governamental implementada no estado do Piauí-Brasil - 2005-2015 João Soares da Silva Filho1, Jaíra Maria Alcobaça Gomes2 1

Economista, mestre e doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo Prodema/UFPI/Université Sorbonne Nouvelle, professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí e Bolsista da CAPES/PDSE– Processo nº 99999.006584/2015-02. [email protected] 2

Economista, doutora em Economia Aplicada pela Esalq/USP, professora do Prodema/UFPI e do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí. [email protected] Resumo O saneamento básico configura-se uma condição elementar para o desenvolvimento humano que as sociedades atuais têm buscado, dado o seu caráter multisetorial, que engloba questões diversas, tais como a saúde, os recursos hídricos, a organização social, a política. Essa última questão é tratado no artigo que apresenta um retrato da engenharia e implementação dos consórcios públicos do setor de saneamento, tomando, por estudo de caso, uma experiência de associação interfederativa no estado do Piauí, no nordeste do Brasil, em que se busca realizar uma análise de política que compreenda o seu processo de elaboração, os atores envolvidos e as suas motivações. O objetivo é analisar a capacidade de articulação, planejamento e execução dos governos federal, estadual e municipal, através da implantação de um consórcio público – o Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí (CORESA Sul do PI). Realizou-se levantamento bibliográfico sobre o setor de saneamento à luz dos instrumentos de associação interfederativa e da sustentabilidade, bem como os elementos da metodologia de análise de política. A pesquisa documental incluiu o portal da Presidência da República e do Ministério das Cidades (MCidades), e os Estatutos e Regimentos do Coresa Sul do PI. Os dados secundários sobre demografia e condições socioeconômicas foram obtidos em bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); os dados financeiros foram disponibilizados pela Caixa Econômica Federal, responsável pelo desembolso de recursos. O Coresa Sul do PI foi implementado sob a égide da Lei de Consórcios Públicos (Lei Federal nº 11.107/2005), com o objetivo declarado de prestar serviços de saneamento ambiental com qualidade e transparência. Constatou-se poucos avanços práticos no cumprimento dos objetivos propostos. Com execução parcial das obras e dos recursos financeiros. Percebeu-se, ainda, a sujeição da iniciativa a vieses políticos e uma estrutura administrativa que limita as condições de gerenciamento. Tais condições podem desacreditar a experiência tanto pelos gestores municipais, quanto pela população local, o que fragiliza o modelo solidário que se busca instituir e a melhoria das suas condições de vida. Palavras-chave: Política pública, Análise de política, Cooperação Consórcios Públicos, Intermunicipalidades, Coresa Sul do PI.

interfederativa,

701

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1. Introdução A partir da segunda metade do século XX intensifica-se a preocupação com questões relacionadas ao saneamento ambiental. Avançadas as discursões conceituais, já no ano de 1980, a Organização Mundial de Saúde (OMS), propunha como aceitáveis percentuais de cobertura em nível mundial, de 90% de abastecimento de água e 70% de esgotamento sanitário, para o meio urbano (Justo, 2004). Desde então, diferentes organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e os governos centrais têm estabelecido protocolos na busca de alcançar níveis desejáveis de atendimento das populações por tais serviços. É o caso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, pactuados no ano 2000, que definiram metas específicas de reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso permanente e sustentável à água potável e ao esgotamento sanitário (Brasil, 2014). Esse direcionamento não foi suficiente para se alcançar plenamente as metas propostas. Por saneamento ambiental, o Governo brasileiro entende o conjunto de ações socioeconômicas que têm como objetivo alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, por intermédio de: abastecimento de água potável; coleta e disposição sanitária de resíduos líquidos, sólidos e gasosos; promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo; drenagem; controle de vetores e reservatórios de doenças transmissíveis, melhorias sanitárias domiciliares, educação sanitária e ambiental e demais serviços especializados com a finalidade de proteger e melhorar a condição de vida, tanto nos centros urbanos quanto nas comunidades rurais. (Brasil, 202, p. 6).

A forma como as políticas de saneamento fora desenhada e executada pelo poder público explica a situação de déficit de cobertura e consequências diretas sobre as condições de saúde da população e a qualidade do ambiente. As condições de saneamento são reconhecidas pelo Ministério da Saúde (MS) brasileiro como um dos determinantes sociais de saúde. Por determinantes entende-se “fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos, comportamentais e ambientais que influenciam o processo saúde-doença. Por exemplo: habitação, saneamento, condições de trabalho, serviços de saúde e educação, incluindo também a trama de redes sociais e comunitárias.” (Brasil, 2012. p. 21). Tais condições repercutem nas dimensões econômica, institucional e ambiental, fazendo com que o seu alcance, na quantidade e qualidade adequados, sejam essenciais para a promoção do desenvolvimento sustentável tão destacados no escopo das políticas públicas. O histórico das ações do Estado na implementação dos diversos planos de saneamento nacionais mostra uma tendência à centralização até o final do século XX. Segundo Justo (2004), no final dos anos de 1960, a maioria dos sistemas de saneamento básico eram geridas pelas prefeituras municipais. Com a implementação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), em 1968, iniciou-se o processo de concentração de recursos e de gestão pela União, sob o argumento de viabilização de grandes investimentos no setor. O PLANASA estimulou a criação das companhas estaduais, instituídas juridicamente como sociedades de economia mistas, forçando os munícipios a fazer concessão à estas para a operacionalização dos serviços. Dessa forma, segundo Sousa e Costa (2013, p. 591), Apesar de os municípios deterem a titularidade para a exploração dos serviços, as companhias assumiram os investimentos e custos fixos pertinentes à instalação e operação dos sistemas urbanos de 702

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

abastecimento de água e esgotamento sanitário, assim como recrutaram e formaram a força de trabalho do setor.

Na primeira década dos anos 2000, observa-se uma retomada das políticas de saneamento a partir da reorganização de um aparato institucional orquestrado pela criação do Ministério das Cidades (MCidades) e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Daí deriva um novo marco legal, que que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico a partir da lei nº 11.445/2007, de 5 de janeiro de 2007. O novo arcabouço para o setor, vai visar o planejamento, a regulação e a fiscalização dos serviços, indicando o protagonismo do controle social (Brasil, 2007). No entanto, segundo Borba (2014, p. 433-434), Os esforços tanto do âmbito federal como estadual estão longe de garantir o direito ao saneamento básico no Brasil e os desafios se colocam em diversas dimensões, principalmente a política-ideológica, como também institucional, de financiamento, de gestão, da matriz tecnológica, da participação e controle social, dentre outras. Também a tradição tecnoburocrática da formulação e implementação de políticas públicas no Brasil, o patrimonialismo, as fragilidades do aparato estatal, a corrupção e o recuo dos movimentos sociais contestatórios ocorridos na última década vêm influenciando no avanço de um projeto político-social vinculado aos princípios da universalidade e da igualdade.

Os consórcios públicos de saneamento revelam-se um importante mecanismo utilizado pelos municípios que, agregados, potencializam as suas capacidades de prestação desse serviço público, através de ganhos de escala. Em todo o território nacional, no ano de 2011, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir da pesquisa “Perfil dos municípios brasileiros 2011”, aponta que 2.903 municípios integram algum tipo de consórcio intermunicipal, o que corresponde a 52,17% do total de entes municipais federados. A pesquisa detectou as principais áreas: saúde (2.288); meio ambiente (704); turismo (456); saneamento básico (426); desenvolvimento urbano (402); educação (280); cultura (248); habitação (241); assistência e desenvolvimento social (232); transporte (211); emprego e trabalho (143) (IBGE, 2012). O Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí (Coresa Sul do PI) começou a ser estruturado no ano de 2005, induzido pelo Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS) da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), do Ministério das Cidades. Concebido a partir da recém-criada Lei de Consórcios Públicos, Lei Federal nº 11.107/2005 (Brasil, 2005), buscou a efetivação de uma política de compartilhamento de responsabilidades nos três níveis federados para a superação de um problema secular de restrição hídrica e de esgotamento sanitário no sul do estado do Piauí.

1.1. A análise de Política A política é um instrumento utilizado pelo Estado com o fim de organizar a sociedade – complexa em seus componentes e no seu ambiente – e alcançar uma situação de ordem. Segundo Rua (1998), para a organização dessa sociedade, o Estado pode se utilizar de dois meios: a coerção pura e simples e a política. A primeira não seria a mais desejável uma vez que, com a sua maior aplicação, menores resultados são obtidos, reduzindo os seus impactos e elevando os seus custos. Já a política – que também se utiliza da coerção – tende a obter melhores resultados, diminuindo conflitos. A materialização da política (politics) se efetiva através de políticas públicas (policy). A análise de política é um modelo investigativo desse processo, que incorpora a formulação 703

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

da agenda e da política. Trata-se de um arcabouço relativamente novo e que tem avançado no meio acadêmico, ampliando o interesse de pesquisadores no fortalecimento dessa ferramenta. (Serafim e Dias, 2012). A semântica da frase, por vezes, faz com que a análise de política seja confundida com a avaliação de políticas públicas. Nesse sentido, Serafim e Dias (2012) reafirmam as diferenças significativas das duas abordagens. A avaliação de políticas interessa-se em quali-quantificar os resultados de uma política, através de elementos como a eficiência, a efetividade e a efetividade de programas e ações, por exemplo. Essas aferições se dizem neutras, no sentido positivista de uma análise ex-ante e ex-post. Já a análise de política busca uma reflexão sobre os atores envolvidos na política e quais os valores e interesses envolvidos. Serafim e Dias (2012, p. 127) afirmam que A Análise de Política pode ser entendida como um conjunto de observações, de caráter descritivo, explicativo e normativo, acerca das políticas públicas, que corresponde, respectivamente, às perguntas a respeito de “o que/como é?”, “por que é assim?” e “como deveria ser?”. Ainda segundo os autores, a análise de políticas carrega uma dimensão ideológica acentuada e não nega tal situação. Ao contrário, considera esse exercício de especulação deveras importante num momento de que a aparente neutralidade promove uma “assepsia ideológica” nas reflexões teóricas (Serafim e Dias, 2012). Dagnino et al. (2002), ao apresentar metodologia de análise de políticas públicas, defendem um distanciamento que permita ao analista de políticas detectar o que está por trás da sua implementação. O analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política (politics) de maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões relacionadas à função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder entre diferentes grupos sociais. A análise deve explorar: a) funcionamento da estrutura administrativa (institucional); b) do processo de decisão; e c) das relações entre Estado e sociedade. Tais elementos explicariam as reais relações políticas (policy e politics). (Dagnino et al., 2002). Como instrumental, cabe identificar o processo de materialização da política, da concepção à maturação, que pode ser analisada como o ciclo da política, ou “policy cycle”, composto de etapas sucessivas, interligadas e dinâmicas: 1. Identificação de problemas; 2. Conformação da agenda; 3. Formulação; 4. Implementação; e 5. Avaliação da política. (Serafim e Dias, 2012). É importante reconhecer o foco no papel dos atores sociais, cujos valores, visões e interesses darão a tônica da escolha da política, numa sociedade marcada pela desigualdade, e, nesse caso particular, fortemente díspar em força e representatividade. Dessa forma, pretende-se contribuir com o entendimento dessa recente estratégia de prestação de serviços públicos de saneamento ainda carente de estudos aprofundados e reveladores das suas reais possibilidades de êxito particularmente no estado do Piauí. 2. Métodos 2.1. A região de estudo O Coresa Sul do PI é um consórcio verticalizado que integra o Estado do Piauí e 34 dos 36 municípios dos territórios de desenvolvimento Tabuleiros do Alto Parnaíba (Figura 1) e 704

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Chapada das Mangabeiras (Figura 2)139, localizados no sul do Estado, na macrorregião do Cerrado piauiense (SEPLAN, 2013).

139

São municípios membros: Alvorada do Gurguéia, Antônio Almeida, Avelino Lopes, Baixa Grande do Ribeiro, Barreiras do Piauí, Bertolínia, Bom Jesus, Canavieira, Colônia do Gurguéia, Corrente, Cristalândia do Piauí, Cristino Castro, Curimatá, Currais, Gilbués, Guadalupe, Júlio Borges, Jerumenha, Landri Sales, Manoel Emídio, Marcos Parente, Monte Alegre do Piauí, Morro Cabeça no Tempo, Palmeira do Piauí, Parnaguá, Porto Alegre do Piauí, Redenção do Gurguéia, Riacho Frio, Ribeiro Gonçalves, Santa Filomena, Santa Luz, Sebastião Barros, Sebastião Leal, Uruçuí. 705

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 1. Territórios de desenvolvimento dos Tabuleiros do Alto Parnaíba. Piauí. 2015 Fonte: MDA/Sistema de Informações Territoriais, 2015.

Figura 2. Territórios de desenvolvimento Chapada das Mangabeiras. 2007 Fonte: MDA/Sistema de Informações Territoriais, 2015.

706

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2.2. Técnicas da pesquisa Nesta análise realizou-se levantamento bibliográfico sobre o setor de saneamento à luz dos instrumentos de associação interfederativa e da sustentabilidade, bem como os elementos da metodologia de análise de política. A caracterização espacial se fez através de informações da Secretaria do Planejamento do Estado do Piauí (SEPLAN-PI) e do Ministério do desenvolvimento agrário (MDS). A pesquisa bibliográfica contemplou autores como Borba (2014), Justo (2004), Rua (1998), Sousa e Costa (2013), além de literatura dos Ministérios da Saúde (Brasil 2012) e das Cidades (Brasil 2006a e 2006b). A pesquisa documental levantou a legislação pertinente à política de Saneamento e à lei de Consórcios públicos, a partir do portal da Presidência da República e do Ministério das Cidades (MCidades). Foram observados o Estatuto e Regimento do Coresa Sul do PI, obtido à Superintendência do Consórcio. Os dados secundários sobre demografia e condições socioeconômicas foram obtidos em bases de dados censitários e de estimativa da população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Atlas de desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); as informações contratuais e dados financeiros foram disponibilizados pela Caixa Econômica Federal, responsável pelo desembolso de recursos. 3. Resultados e Discussão 3.1 Caracterização socioeconômica dos municípios do Coresa Sul do PI Segundo estimativas do IBGE para o ano de 2015 (Tabela 1), os municípios que integram o Coresa Sul do PI têm uma população de 273.626 pessoas, o que representa 8,54% dos habitantes piauiense, que somam 3.204.028 pessoas. (IBGE, 2015).

707

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 1. Área e População residente do estado do Piauí e dos municípios do Coresa Sul do PI, por situação do domicílio em 2010 e estimativa total em 2015

População residente Unidade geográfica

2010

Área

Urbano Nº

Piauí

2015 Rural

%



%

Total

Estimativa Total

251.611,93

2.050.959

65,77%

1.067.401

34,23%

3.118.360

3.204.028

2.131,92

1.849

36,60%

3.201

63,40%

5.050

5.278

645,75

2.224

73,20%

815

26,80%

3.039

3.103

Avelino Lopes

1.305,52

6.714

60,70%

4.353

39,30%

11.067

11.433

Barreiras do Piauí

2.028,29

1.875

58,00%

1.359

42,00%

3.234

3.287

Bom Jesus

5.469,18

17.623

77,90%

5.006

22,10%

22.629

24.327

Canavieira

2.162,87

1.738

44,30%

2.183

55,70%

3.921

3.904

430,62

4.850

80,40%

1.186

19,60%

6.036

6.314

Corrente

3.048,45

15.693

61,80%

9.714

38,20%

25.407

26.084

Cristalândia do Piauí

1.202,90

2.945

37,60%

4.886

62,40%

7.831

8.102

Cristino Castro

1.846,34

7262

72,80%

2.719

27,20%

9.981

10.214

Curimatá

2.337,54

7.084

65,80%

3.677

34,20%

10.761

11.121

Currais

3.156,66

924

19,60%

3.780

80,40%

4.704

4.845

Gilbués

3.494,96

5.991

57,60%

4.411

42,40%

10.402

10.514

Guadalupe

1.023,59

9.842

95,90%

426

4,10%

10.268

10.338

Júlio Borges

1.297,11

1.618

30,10%

3.755

69,90%

5.373

5.510

Landri Sales

1.088,58

3.957

74,90%

1.324

25,10%

5.281

5.238

Manoel Emídio

1.618,98

3.315

63,60%

1.898

36,40%

5.213

5.263

677,41

3.845

86,30%

611

13,70%

4.456

4.481

Monte Alegre do Piauí

2.417,93

2.981

28,80%

7.364

71,20%

10.345

10.444

Morro Cabeça no Tempo

2.116,94

1.404

34,50%

2.664

65,50%

4.068

4.073

Palmeira do Piauí

2.023,51

1.764

35,30%

3.229

64,70%

4.993

4.980

Parnaguá

3.429,28

5.339

52,00%

4.937

48,00%

10.276

10.561

Porto Alegre do Piauí

1.169,44

1.802

70,40%

757

29,60%

2.559

2.647

Redenção do Gurguéia

2.468,01

5.335

63,50%

3.065

36,50%

8.400

8.600

Riacho Frio

2.222,10

2.222

52,40%

2.019

47,60%

4.241

4.252

Santa Filomena

5.285,44

3.544

58,10%

2.552

41,90%

6.096

6.153

Santa Luz

1.186,84

3.109

56,40%

2.404

43,60%

5.513

5.719

893,72

1.112

31,20%

2.448

68,80%

3.560

3.455

Sebastião Leal

3.151,59

1.922

46,70%

2.194

53,30%

4.116

4.209

Uruçuí

8.411,91

15.505

77,00%

4.644

23,00%

20.149

21.011

Baixa Grande do Ribeiro

7.808,91

6.487

61,70%

4.029

38,30%

10.516

11.218

Bertolínia

1.225,34

3.894

73,20%

1.425

26,80%

5.319

5.402

Jerumenha

1.867,31

2.469

56,20%

1.921

43,80%

4.390

4.392

Ribeiro Gonçalves

3.978,96

4.449

65,00%

2.396

35,00%

6.845

7.151

Alvorada do Gurguéia Antônio Almeida

Colônia do Gurguéia

Marcos Parente

Sebastião Barros

708

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016 TOTAL

84.623,90

162.687

61,15%

103.352

38,85%

266.039

273.623

Fontes: IBGE/ Censo Demográfico 2010; Estimativa da população-data de referência em 1º de julho de 2015.

Do conjunto dos 34 municípios, 23 deles têm populações inferiores a 10.000 habitantes. As maiores populações estão nos municípios de Corrente (26.084), Bom Jesus (24.327) e Uruçuí (21.011). (IBGE, 2015). Os municípios do Coresa Sul do PI circunscrevem uma área de 84.623,90km2, que corresponde a 34,6% da área do Estado (IBGE, 2014). Os dois territórios situam-se numa região economicamente dinâmica do Estado, o Cerrado piauiense, que responde por parte significativa da composição do Produto Interno Bruto (PIB) piauiense, em virtude do crescimento do conjunto de atividades ligadas ao agronegócio nas últimas décadas. Nessas localidades ainda se verifica a existência da agricultura e da pecuária tradicionais de subsistência. Considerando esse cenário, percebe-se um forte contraste social e econômico, em que as rendas são baixas e os níveis de desigualdade são consideráveis, como demonstra a Tabela 2. Tabela 2. Índice de desenvolvimento humano municipal, renda per capita, índice de Gini e percentual de pobres, segundo os municípios do Coresa Sul do PI. 2010 Renda Município

IDH-M

per capita

Índice de Gini

Percentual de pobres (%)

(R$) Alvorada do Gurgueia

0,578

203,23

0,607

56,77

Antônio Almeida

0,620

293,53

0,523

33,76

Avelino Lopes

0,554

218,97

0,573

50,65

Baixa Grande do Ribeiro

0,564

225,94

0,588

47,37

Barreiras do Piauí

0,557

260,79

0,528

42,95

Bertolínia

0,612

325,94

0,528

32,82

Bom Jesus

0,668

501,14

0,629

31,29

Canavieira

0,583

209,47

0,520

46,03

Colônia do Gurguéia

0,628

291,37

0,496

33,09

Corrente

0,642

378,39

0,606

40,16

Cristalândia do Piauí

0,573

204,49

0,615

58,48

Cristino Castro

0,566

307,32

0,596

40,60

Curimatá

0,607

285,52

0,554

40,77

Currais

0,542

168,68

0,519

54,66

Gilbués

0,548

285,45

0,688

53,13

Guadalupe

0,650

426,79

0,506

20,89

Jerumenha

0,591

275,19

0,499

34,55

Júlio Borges

0,582

179,61

0,533

54,96

Landri Sales

0,584

266,01

0,573

41,99

Manoel Emídio

0,573

222,62

0,559

50,16

Marcos Parente

0,590

295,66

0,495

35,32

Monte Alegre do Piauí

0,578

217,23

0,573

53,45

709

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016 Morro Cabeça no Tempo

0,542

150,52

0,596

60,65

Palmeira do Piauí

0,557

278,54

0,597

45,73

Parnaguá

0,575

211,44

0,566

53,38

Porto Alegre do Piauí

0,563

228,65

0,487

39,30

Redenção do Gurguéia

0,589

255,92

0,579

48,55

Riacho Frio

0,541

161,99

0,606

62,65

Ribeiro Gonçalves

0,601

274,79

0,598

42,23

Santa Filomena

0,544

216,61

0,593

53,49

Santa Luz

0,588

228,71

0,516

48,31

Sebastião Barros

0,536

189,25

0,596

60,70

Sebastião Leal

0,562

198,01

0,596

52,02

0,631

364,39

0,553

29,70

Uruçuí Fontes: PNUD, 2013; IBGE, 2013.

Estima-se que os municípios do Consórcio teriam uma renda média per capita da ordem de R$ 258,89 no ano censitário de 2010. Esse valor representa 50,76% do salário mínimo que vigorava naquele ano, que era de R$ 510,00. Em 14 municípios, o percentual da população pobre é superior a 50%. A discrepância torna-se mais visível quando se observa que quatro desses municípios figuram dentre as vinte maiores economias do Estado naquele ano: Bom Jesus (R$ 501,14 [4ª]), Guadalupe (R$ 426,79 [6ª]), Corrente (R$ 378,39 [13ª]) e Uruçuí (R$ 364,39 [18ª]). Porém, mesmo esses municípios possuem rendas mensais per capita inferiores ao salário mínimo à época. (PNUD, 2013)

710

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3.2 A Institucionalização do Consórcio No âmbito do Ministério das Cidades (MCidades), o Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), surge com o objetivo de estimular a reestruturação institucional e a melhoria da eficiência dos serviços públicos de saneamento, aperfeiçoando a gestão e buscando a ampliação da cobertura, com sustentabilidade financeira e qualidade dos serviços (Brasil, 2006a). No caso do Piauí, houve a imposição do MCidades em que a concessão de novos investimentos aos municípios teria que incorporar o Governo do Estado, então responsável pelo serviço, tornando-se co-patrocinador do investimento, através de contrapartidas. O estado do Piauí firma Acordo de Cooperação Técnica com o MCidades para assistência técnica do PMSS à reestruturação dos serviços de saneamento ambiental do Estado. Dele surge a proposição de um novo modelo de gestão dos serviços de água e esgotos, que iniciaria com a elaboração do estudo de cenários e de viabilidade técnica, logística e financeira de modelos alternativos de gestão dos serviços, a partir de dados dos sistemas de água de todas as sedes municipais piauienses (Brasil, 2006a), Foram sugeridos a limitação da área de atuação da companhia Águas e Esgotos do Piauí S/A (Agespisa) à Capital, aos municípios maiores e circunvizinhos; a divisão do restante do território estadual em 4 macrorregiões, com a criação de 4 consórcios regionais de saneamento (norte, leste, sul e sudeste), possibilitando a cooperação dos municípios de cada região entre si e com o estado; e a prestação dos serviços no nível local realizada diretamente pelas prefeituras municipais. A partir dos estudos de viabilidade, propôs-se a criação do Coresa Sul do PI, que viria a ser o primeiro consórcio público de saneamento do Brasil, implementado sob a Lei de Consórcios Públicos nº 11.107/2005. O seu Protocolo de Intenções foi assinado pelo chefe do poder executivo estadual e pelos 36 chefes do poder executivo municipal da macrorregião Sul, que corresponde aos territórios de desenvolvimento Tabuleiros do Alto Parnaíba e Chapada das Mangabeiras (SEPLAN, 2013). Aprovadas as leis de ratificação do Protocolo de Intenções tanto nas instâncias legislativas estadual (Lei Ordinária nº 5.501/2005) e dos 30 municípios, com a sanção pelos respectivos chefes do Poder Executivo, o Coresa Sul do PI foi instalado em 17 de fevereiro de 2006, na cidade de Bom Jesus, com a realização da Assembleia Estatuinte, em que compareceram o governador do Estado e os prefeitos dos 30 municípios consorciados. No ano de 2008, outros quatro municípios signatários (Baixa Grande do Ribeiro, Bertolínia, Jerumenha e Ribeiro Gonçalves) incorporam-se ao Coresa Sul do PI, após a ratificação pelas suas câmaras legislativas. Assim, o Consórcio passou a ter o número de 35 membros. Os municípios de Eliseu Martins e São Gonçalo do Gurguéia não ratificaram o Protocolo de Intenções e, portanto, não se tornaram associados (Brasil, 2006b). 3.3 Os resultados Econômicos e Financeiros O Coresa Sul do PI estabeleceu-se com a expectativa de um aporte inicial da ordem de R$ 33.653.514,67. Desse montante, R$ 31.573.160,35 seriam de recursos federais oriundos do orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e do MCidades e a contrapartida de R$ 2.080.354,32 pelos consorciados; tais recursos serviriam para implantação de sistemas de abastecimento de água, construção da sede do Consórcio e aquisição de laboratório móvel (Nunes, 2007).

711

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Os recursos para intervenções nos sistemas de abastecimento de água nos municípios estão sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF) / Gerência de Filial Desenvolvimento Urbano e Rural-Teresina/PI (GIDUR/TE). Segundo Diniz e Melo (2013; 2014; 2016), as operações gerenciadas pela GIDUR/TE estão definidas em dois contratos. O primeiro deles – Contrato nº 0218090-94 – é o mais amplo e foi assinado em 10 de setembro de 2007, em que seriam beneficiados 27 municípios. Os valores previstos para repasse pela União eram de R$ 28.179.000,00, ao que se agregaria R$ 1.674.000,00 de contrapartida do Governo do Estado. Por força da Portaria MCidades nº 656/2010, esses valores foram reduzidos para R$ 26.770.050,00 de repasse e R$ 1.408.950,00 de contrapartida. A vigência desse Contrato expirará em 30 de novembro de 2016, tendo sido prorrogada por três vezes, sendo a última no ano de 2014. Oito anos após a contratação, foram liberados apenas R$ 11.809.751,33 e, segundo a GIDUR/TE, a execução física das obras alcançou apenas 41,91%, estando paralisadas desde 2014. Para os municípios de Barreiras do Piauí, Corrente, Gilbués, Parnaguá, Porto Alegre do Piauí e Santa Filomena não houve liberações, logo, nenhuma obra foi iniciada. O segundo contrato – Contrato nº 0320640-08 – foi firmado em 31 de dezembro de 2010 e deveria atender aos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Bertolínia, Jerumenha, Ribeiro Gonçalves e Cristalândia do Piauí. O valor do investimento previsto foi de R$ 6.000.000,00, dos quais R$ 5.700.000,00 seriam oriundos de repasse federal e R$ 300.000,00 deveriam ser aportados pelo Governo do Estado. Por não ter havido qualquer execução, o contrato foi cancelado. Segundo a superintendência do Coresa Sul do PI das obras previstas para os 34 municípios consorciados, apenas nos municípios de Júlio Borges e Morro Cabeça no Tempo tiveram suas ações concluídas, porém com recursos oriundos do Orçamento Geral da União, por meio de emenda parlamentar, repassada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Um balanço de 2012, revela que apenas nos municípios de Alvorada do Gurgueia, Sebastião Barros e Cristalândia do Piauí haviam obras em andamento (Nunes, [2013?]). As causas econômicas foram destacadamente as grandes motivadoras do insucesso, particularmente visível em relação ao Governo do estado e municípios. A falta de recursos de contrapartida e da transferência dos sistemas de saneamento administrados pela companhia estadual na região, bem como a falta de recursos dos municípios para arcar com despesas mínimas de manutenção da estrutura do Consórcio, inviabilizaram seriamente as ações. A sede do Consórcio chegou a ser construída, mas jamais equipada e ocupada. O quadro de pessoal que deveria ser de 31 servidores jamais chegou a se constituir de fato, embora o Consórcio tenha realizado concurso público e aprovado 17 pessoas. (Nunes, [2013?]). Para Nunes ([2013?]), uma das grandes dificuldades de implementação dos projetos é a análise da CEF. A superintendência do Consórcio considera que os constantes questionamentos do agente financeiro quanto a licitação e medições fazem paralisar os processos e liberação de recursos, exigindo reformulação dos projetos, com alterações de preços, gerando desentendimentos entre o agente repassador, o Governo, as prefeituras e as empresas contratadas. Todo o Projeto do Coresa Sul do Piauí foi sendo abandonado paulatinamente, com o descumprimento de prazos, revisão de Contratos e desarticulação entre os entes federados. A própria engenharia do Consórcio é considerada inapropriada, uma vez que foram verificados vários erros de projeto, com a necessidade de intensas intervenções e revisões para aprovação dos projetos junto aos repassadores de recurso, em particular à CEF. Os processos licitatórios de parte significativa dos projetos não foram atrativos para o setor privado, com algumas licitações foram dadas como vazias (Nunes, [2013?]).

712

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Pode-se destacar ainda as questões políticas locais, uma vez que os recursos não chegavam diretamente aos municípios. Os seus gestores foram se desestimulando ao longo do processo, uma vez que não seriam eles próprios os executores das obras, o que certamente se converteria em capital político. Esse desestímulo alimentou o desgaste do Consórcio. 4. Conclusões O Coresa Sul do PI foi apresentado, no ano de 2005, como um instrumento capaz de resolver o problema secular de restrição hídrica e de esgotamento sanitário. Uma década depois, O Consórcio é um arranjo institucional que não cumpriu os seus objetivos declarados de prestar serviços de saneamento ambiental com qualidade e transparência, uma vez que foi se fragilizando por um conjunto de situações e falta de ações efetivas para a sua consolidação. A gênese do Coresa Sul do PI nega um dos pilares dos ideais do consorciamento, o voluntarismo. A sua formatação e implementação foi fruto de uma política federal de modernização do setor de saneamento que, apresentada ao Governo do Estado do Piauí e aos municípios da região, parecia ser a alternativa mais viável para a solução da dupla problemática: a ineficiência da agência de água e esgotos estadual e a universalização dos serviços ao conjunto dos municípios. Assim, a legitimação e apropriação do Consórcio foi facilmente renegada, uma vez que os executivos municipais se reconheciam nas suas carências e necessidades, mas não criaram um ambiente de cooperação, elementar ao êxito do empreendimento. Na execução das ações, os municípios tinham papéis menores, com agregação de pouco ou nenhum capital político, elemento relevante no contexto das municipalidades. Considerando a arena da política, não se pode ignorar que o papel secundário dos executivos municipais fora determinante para o desestímulo e desgaste do Coresa Sul do PI. O Coresa Sul do PI caminha para o fim, uma vez que o contrato vincendo é uma mera formalidade para a devolução de recursos à União. Longe de cumprir as metas planejadas, a história do Consórcio apresenta um conjunto de incoerências que limitaram o seu avanço, trazendo consigo desperdício de recursos públicos e o descrédito tanto das Instituições municipais como das populações locais que, mais uma vez têm suas expectativas frustradas pela maneira equivocada de se planejar e implementar as políticas públicas, em modelos e cenários que são apresentados como viáveis mas que, em sendo aplicados, revelam-se insuficientes e equivocados, sendo danosos aos cofres públicos e à população.

Referências BORJA, P. C. Política pública de saneamento básico: uma análise da recente experiência brasileira1- Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.2, 2014, p.433-434. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm. BRASIL. Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do 713

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Brasil, Brasília, DF, 7 abr. 2005. p. 1, c. 1. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/Lei/L11107.htm . (accessed 29.06.2013). BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Saneamento Básico. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saneamento.pdf . (acessed 08.12.2015). BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Glossário temático: promoção da saúde / Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2012 BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Reestruturação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Estado do Piauí: o primeiro Consórcio Público de saneamento. Saneamento para todos. Brasília: Ministério das Cidades, 2006a. v. 2, 1. par. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Reestruturação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Estado do Piauí: o primeiro Consórcio Público de saneamento. Saneamento para todos. Brasília: Ministério das Cidades, 2006b. v. 2, 2. par. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria do Desenvolvimento Territorial. Perfil Territorial: Tabuleiros do Alto Parnaíba-PI. Brasília: do Desenvolvimento Agrário, 2015. http://sit.mda.gov.br/download/caderno/caderno_territorial_093_Tabuleiros%20do%20Alto% 20Parnaiba%20-%20PI.pdf . (acessed 12.12.2015). BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria do Desenvolvimento Territorial. Perfil Territorial: Chapada das Mangabeiras-PI. Brasília: do Desenvolvimento Agrário, 2015. http://sit.mda.gov.br/download/caderno/caderno_territorial_206_Chapa%20das%20Mangabe iras%20-%20PI.pdf . (acessed 12.12.2015). BRASIL. Presidência da República. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Relatório Nacional de Acompanhamento. Brasília: Ipea/MP-SPI, 2014. http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf . (acessed 23.11.2015). CORESA SUL DO PIAUÍ. O Consórcio. http://www.coresa.pi.gov.br/consorcio.htm. (acessed 30.06.2013. DAGNINO, R. Metodologia de Análise de Políticas Públicas. In: DAGNINO, Renato. et al. Gestão Estratégica da Inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté, Editora Cabral Universitária. 2002. http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm . (acessed 11.06.2014). DINIZ, M. M.; MELO, J. A. L. [Ofício] n. 2696/2014/GIDUR/TE (CEF). Teresina, 03 set. 2014. [para] SILVA FILHO, J. S. Teresina, 2014. Situação dos contratos do CORESA Sul do PI em vigor ou concluídos. DINIZ, M. M.; MELO, J. A. L. [Ofício] n. 3759/2013/GIDUR/TE (CEF). Teresina, 22 ago. 2013. [para] SILVA FILHO, J. S. Teresina, 2013. 3f. Situação dos contratos do CORESA Sul do PI em vigor ou concluídos. DINIZ, M. M.; MELO, J. A. L. [Ofício] n. 675/2016/GIDUR/TE (CEF). Teresina, 22 mar. 2016. [para] SILVA FILHO, J. S. Teresina, 2016. 1f. Contrato de Abastecimento de Água com o CORESA. IBGE. Censo Demográfico 2000: Resultados do universo. http://www.ibge.gov.br . (acessed 08.12.2015). IBGE. Estimativas populacionais para os municípios e para as Unidades da Federação brasileiros em 01.07.2015. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2015/ . (acessed 08.12.2015). IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: gestão pública 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. 714

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

JUSTO, M. C. D. de M. Financiamento do saneamento básico no Brasil: uma análise comparativa da gestão pública e privada. Dissertação. Campinas, SP. 2004. NUNES, R. E. A. Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí-CORESA Sul do PI. Arquivo pessoal. CORESA SUL DO PI_DOC EX SUPERINTENDENTE.doc. [2013?]. 1 CDROM. NUNES, R. E. A. Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí. In: CONGRESSO DE CONSÓRCIOS PÚBLICOS DO NORTE E NORDESTE. x. [2007], Fortaleza. Anais... Fortaleza, [2007]. 1 CD-ROM. RUA, M. G. Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos In: O Estudo da Política: Tópicos Selecionados ed. Brasília: Paralelo 15, 1998. http://projetos.dieese.org.br/projetos/SUPROF/Analisepoliticaspublicas.PDF . (acessed 11.06.2014). SECRETARIA DO PLANEJAMENTO DO ESTADO DO PIAUÍ-SEPLAN-PI. Planejamento participativo: mapa dos territórios. http://www.seplan.pi.gov.br/planejamento.php . (acessed 30.06.2013). SOUSA, A. C. A. de; COSTA, N. do R. Incerteza e dissenso: os limites institucionais da política de saneamento brasileira. Rev. Adm. Pública. Rio de Janeiro 47(3):587-599, maio/jun. 2013.

715

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Posters

716

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O extermínio das carnaubeiras e a degradação ambiental no Vale do Açu/RN Raimundo Inácio da Silva Filho Doutorando em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/DINTER/UERN Gilciane Kariny da Costa Frutuoso Discente da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN/CAWSL/DGE



RESUMO Introdução: a exploração dos recursos naturais sempre foi uma atividade de destaque na vida econômica do Brasil. Ao se referir sobre esse processo Gilberto Freyre (2004) destaca que esse método devastador se aprofunda e se alastra sobre as matas, as águas, os animais e os homens do território nordestino. No estado do Rio Grande do Norte (RN) a cultura exploratória e devastadora da natureza também seguiu esse modelo. Atualmente é possível observar in loco a extração indiscriminada da vegetação e do solo. A derrubada das carnaúbas na microrregião do Vale do Açu/RN, por exemplo, é cada vez mais intensa, apesar da vasta legislação ambiental vigente no país. Justificativa: a partir de 1980, com a construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, surgiram novas atividades econômicas na região. Isso fez acelerar a devastação das carnaubeiras e o uso dos solos férteis para a agricultura irrigada e a produção de tijolos e telhas. Depois de derrubadas e queimadas, os troncos das árvores são destinados para a queima dos fornos. Já a argila, quando não utilizada na agricultura irrigada, é usada na indústria cerâmica. Essa atividade é bastante prejudicial ao ecossistema regional, uma vez que causa impacto na paisagem, erosão do solo e alteração do regime de escoamento das águas superficiais. Pesquisa realizada por Oliveira (2010) mostra que a argila é extraída em baixadas de vales e nas proximidades dos rios e lagoas, causando a degradação do solo, dos rios, da flora e da fauna. Essa prática faz o ecossistema do bioma Caatinga tornar-se mais vulnerável. Objetivo: o presente trabalho tem o objetivo de mostrar a redução das áreas com ocorrências de carnaubeiras no período de 1966 a 2010. Método: o procedimento consistiu em mostrar as áreas de carnaubeiras que foram exterminadas no Vale do Açu/RN, no período de 1966 a 2010. Para tanto, a amostra limitou-se aos municípios de Assú, Carnaubais e Ipanguaçu. Nessas áreas existiam as maiores ocorrências dessas árvores na região. Os dados foram coletados em fontes bibliográficas e pesquisas de campo, a partir de amostras das árvores existentes por hectare (ha) em cada município. Para tanto o trabalho trilhou as orientações das pesquisas realizadas por Aranha (1995), Cruz (1995), Albano (2009) e Moura (2011). Resultado: durante o período de 1966 a 2010 a área devastada e a derrubada das árvores foram da ordem de 70%. Em 1966 a área com ocorrência de carnaubeiras era de 447 km² e o número estimado de árvores era 6.000.000. Em 1988, período em que se iniciam os projetos de irrigação, a área com carnaubeiras diminuiu para 194 km², enquanto que o número estimado de arvores caiu para 2.600.000 (ARANHA, 1995). Por ultimo, em 2010 a área de carnaubeiras é drasticamente reduzida para 130 km², enquanto que o número estimado de arvores diminuiu para 1.800.000 (MOURA, 2011). Conclusão: as áreas com carnaubeiras foram reduzidas acentuadamente nos últimos cinquenta anos. Apesar de sua importância para o ecossistema regional, as carnaubeiras continuam sendo derrubadas e queimadas sem proteção ambiental nenhuma. Palavras-chave: Vale do Açu; Carnaubeiras; Degradação Ambiental. The extermination of “Carnaubeiras” and environmental degradation in the Açu Valley in RN 717

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ABSTRACT Introduction: the exploration of natural resources has always been a prominent activity in the economic life in Brazil. When referring to this process Gilberto Freyre (2004) points out that this devastating method deepens and spreads over the woods, the water, the animals and the men of the northeastern territory. In Rio Grande do Norte State (RN) exploratory and devastating culture of nature also followed this model. Currently it is possible to observe in loco the indiscriminate extraction of vegetation and soil. The overthrow of carnaubas in Açu Valley/ RN, for example, it is increasingly intense, despite the extensive environmental regulations in the country. Justification: since 1980, with the construction of Armando Ribeiro Gonçalves dam, there were new economic activities in the region. It accelerated the devastation of Carnaubeiras and the use of the fertile land for irrigated agriculture and the production of bricks and tiles. After logging and burning, the trunks of the trees are destined to burn the ovens. Since the clay when not used in irrigated agriculture, it is used in the ceramics industry. This activity is very harmful to regional ecosystem as it impacts on the landscape, soil erosion and changing the flow regime of surface water. Research conducted by Oliveira (2010) shows that the clay is extracted in downloaded valleys and nearby rivers and lakes, causing the degradation of the soil, rivers, flora and fauna. This practice makes the biome ecosystem Caatinga become more vulnerable. Objective: This study aims to show the reduction in areas with Carnaubeiras occurrences from 1966 to 2010. Method: The procedure was to show the areas of Carnaubeiras who were exterminated in the Açu Valley/RN, in the period from 1966 to 2010. for this purpose, the sample was limited to the Assu, Carnaubais and Ipanguaçu municipalities. In these areas there were major events of these trees in the region. Data were collected from literature sources and field research, from samples of existing trees per hectare (ha) in each municipality. For both work trod the guidelines of research conducted by Spider (1995), Cruz (1995), Albano (2009) and Moura (2011). Results: During the period 1966-2010 the devastated area and the felling of trees were of the order of 70%. In 1966 the area with occurrence of Carnaubeiras was 447 km² and the estimated number of trees was 6,000,000. In 1988, period that starts irrigation projects, the area with Carnaubeiras decreased to 194 sq km, while the estimated number of trees fell to 2,600,000 (SPIDER, 1995). Finally, in 2010 Carnaubeiras area is drastically reduced to 130 sq km, while the estimated number of trees decreased to 1,800,000 (Moura, 2011). Conclusion: areas with Carnaubeiras were reduced sharply in the last fifty years. Despite its importance to the regional ecosystem, Carnaubeiras continue to be slashed and burned without any enviromental protection. Keywords: Açu Valley; Carnaubeiras; Ambiental Degradation. 1. INTRODUÇÃO

A extração dos recursos naturais esteve sempre presente na vida econômica brasileira.

Desde o processo de ocupação e de formação do seu espaço geográfico, a exploração foi sempre um acontecimento presente. Inicialmente isso se deu com a exploração da madeira ao longo da costa do território nordestino para o plantio da cana-de-açucar. Para Freyre (2004, p. 79) “o canavial desvirginou todo esse mato grosso do modo mais cru: pelo fogo”. Ainda, segundo Freyre (2004) esse 718

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

processo devastador se aprofunda e se alastra sobre as matas, as águas, os animais e os homens do Nordeste. Da mesma forma, Prado Júnior (1992) afirma que o caráter inicial do processo de formação e de ocupação do território brasileiro, por parte dos colonizadores portugueses, foi o de “exploração por exploração”.

Após o ciclo da madeira, vieram os ciclos e subciclos extrativistas da mineração, do cacau,

do babaçu, da borracha, etc. É importante destacar que o Brasil é um país cujo território é repleto de riquezas naturais que propicia à atividade extrativista. No entanto, a maioria dessas riquezas é explorada sem manejo sustentável e fiscalização eficaz. Para tanto, Raffesttin (2011) diz ser preciso que o homem tenha uma gestão regulada para o solo e a água.

No estado do Rio Grande do Norte essa prática exploratória não tem sido diferente. Ainda

hoje é possível constatar a exploração indiscriminada dos recursos naturais sem, contudo, apesar de uma vasta legislação ambiental, haver monitoramento oficial. A exploração extrativa da carnaúba, mais especificamente no Vale do Açu/RN, é resultado desse processo histórico. Pelo fato da mesma representar elevada importância, tanto para o ecossistema regional, quanto para a formação de riqueza, é que pretendemos brevemente mostrar que muitas carnaubeiras no vale açuense foram queimadas e derrubadas, e suas áreas degradadas, em função do surgimento de novas atividades econômicas na região, a partir da década de 1980. 2. A MICRORREGIÃO DO VALE DO AÇU (RN)

A microrregião do Vale do Açu está localizada no estado do Rio Grande do Norte (RN) e faz parte, de acordo com a classificação atual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da mesorregião Oeste Potiguar. Em termos naturais, a mesma é cortada e banhada pela Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu, integra o bioma caatinga e está inserida em plenos domínios do clima semiárido (AQUINO, SILVA FILHO & MIRANDA, 2013).

O espaço geográfico açuense, conforme pode ser visualizado na Figura 1, é

composto administrativamente por nove municípios: Alto do Rodrigues, Assú, Carnaubais, Ipanguaçu, Itajá, Jucurutu, Pendências, Porto do Mangue e São Rafael. Esses municípios ocupam uma área de 4.756,1 km2, o que a 9,06% do território potiguar (AQUINO, SILVA FILHO & MIRANDA, 2013). 719

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 1 - Localização geográfica da microrregião do Vale do Açu (RN)

Fonte: Francisco Fransualdo de Azevedo (2006)

Do ponto de vista geoeconômico o Vale do Açu se destaca como uma das regiões do semiárido nordestino mais bem privilegiada. De fato, devido à fertilidade das suas várzeas (ALBANO & SÁ, 2009), a região é reconhecidamente como uma das áreas mais ricas em recursos naturais do estado do Rio Grande do Norte (RN) e do Nordeste brasileiro. Nela, nos últimos 30 anos, se instalaram atividades econômicas de grande expressão na economia potiguar. Isso porque no entendimento de Gomes (2011), o processo de reestruturação produtiva no campo fez surgir uma ‘nova região produtiva agrícola’. A partir de meados da década de 1980 a região açuense passa a ser cobiçada como “uma nova região produtiva agrícola” (GOMES, 2011). Tal alteração na lógica produtiva, a partir da agricultura irrigada voltada para a exportação, faz com que a região passe por um rápido processo de reestruturação como forma de atender a lógica capitalista. Isso possibilitou uma reterritorialização do campo, tanto na produção agrícola quanto nas relações do trabalho. Há uma nova realidade regional, a partir da produção intensiva de frutas tropicais irrigadas para o agronegócio globalizado.

720

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Dentre essas atividades, a extração de petróleo e gás natural, a fruticultura irrigada, a carcinicultura e a indústria ceramista, são, sem dúvida, as mais importantes na geração de empregos e de riquezas. Por outro lado, é importante salientar que essas atividades são altamente intensivas no uso de recursos naturais. Nesse modelo exploratório, Carvalho, Gariglio e Barcellos (2000), ao descrever a “Caracterização das áreas de ocorrência de desertificação no Rio Grande do Norte”, comprovam que o Vale do Açu se encontra em estágio grave de desertificação. As áreas de carnaubeiras têm sido as mais impactadas. Figura 2 – Ocorrência de desertificação no Rio Grande do Norte (RN)

Fonte: CARVALHO; GARIGLIO; BARCELLOS, 2000.

A representação cartográfica da desertificação no estado do Rio Grande do Norte revela o avanço do processo em diversas regiões, em diversos estágios. Na microrregião do Seridó Oriental se destaca o Núcleo de Desertificação do Seridó, e situação muito grave no Seridó Ocidental. Por sua vez, o processo de desertificação se apresenta de forma grave na maior parte do estado, com destaque para as microrregiões do Vale do Açu, Salineira e Mossoró.

721

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2.1. CONHECENDO A CARNAÚBA A carnaúba (Copernícia cerífera) é uma palmeira nativa da região semiárida do Nordeste brasileiro. Para Gico (1995, p. 43) “a carnaúba é planta típica do sertão”. Componente das matas ciliares nordestinas, esta espécie cumpre funções fundamentais ao equilíbrio ecológico regional, em especial, a conservação dos solos e proteção dos rios contra a formação de processos de erosão e assoreamento. A sua maior ocorrência encontra-se nos vales dos rios Jaguaribe e Acaraú (no estado do Ceará), Parnaíba (no estado do Piauí), Piranhas-Açu e Apodi (no estado do Rio Grande do Norte).

Ao estudar a carnaúba, Cascudo (1964, p. 21) descreve a sua importância: Essa palmeira é das plantas mais úteis dos sertões. Cresce na altura de 30 pés e mais. As várzeas ou terras baixas, sobre as margens dos rios e dos riachos de Pernambuco, Paraíba Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, e principalmente nas bordas dos rios Jaguaribe, Apodi, Mossoró, e Açu, são cobertas por essas árvores.

No Rio Grande do Norte os municípios com maiores ocorrência de carnaubeiras são: Alto do Rodrigues, Apodi, Assú, Carnaubais, Campo Grande, Ceará Mirim, Felipe Guerra, Governador Dix-Sep Rosado, Ipanguaçu, Pau dos Ferros, Pendências, Macau, Martins, Mossoró, Santana de Matos, Touros e Upanema (CALDAS, 2008). Os municípios com maiores ocorrências de carnaubeiras no Vale do Açu são: Assú, Carnaubais e Ipanguaçu.

Albuquerque e Cestaro (1995) mostram que o vale do rio Piancó-Piranhas-Açu

sobreviveu da produção e comercialização da cera da carnaúba, tendo o seu apogeu no período de 1940 a 1960. Por sua vez, relatos descritos por Albano e Sá (2009) mostram que a floresta de carnaubeiras ocupava grande extensão às margens do rio piranhas, na várzea do Vale do Açu, e que, por certo período, teve destaque no comércio internacional com a extração da cera.

Ainda, segundo Albano e Sá (2009) a produção de cera de carnaúba no Vale do Açu

atinge o seu auge no período de 1920 a 1980. Neste período a exportação de cera chega a se destacar na formação do PIB estadual. A partir da década de 1970 as transformações ocorridas na região interferem ferozmente nessa atividade. A atividade ceramista e a agricultura irrigada, principalmente, a monocultura da banana, impactam a paisagem e a economia regional açuense. Com a inserção dessas novas atividades a produção de cera

722

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

quase que desapareceu. Atualmente é inexpressiva a sua participação na economia estadual.

Diversos revelam que a devastação da floresta de carnaubeiras tem se acentuado

ao longo das últimas cinco décadas. A prova disso é que no período de 1966 a 2010 a redução da área física e da quantidade de árvores desta espécie foi muito acentuada. Corroborando com isso, o “Panorama da Desertificação no Estado do Rio Grande do Norte” (2005, p. 37) aponta que “as Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASD) no Rio Grande do Norte correspondem a 97,6% do território e abrigam 95,6% da população. Este elevado índice de inclusão dentre as áreas susceptíveis à desertificação decorre da inter-relação entre o

meio natural e o

homem, ao longo de séculos de ocupação e exploração do espaço”. (ver Figura 3).

Figura 3 – Municípios produtores de cerâmica do Rio Grande do Norte

Fonte: SEDEC, 2004.



Esse processo tem atingido as terras férteis e as matas de carnaubeiras no Vale do

Açu. A indústria ceramista, a agricultura irrigada e a extração do petróleo têm sido as atividades econômicas que tem contribuído para o agravamento da devastação das áreas com ocorrências de carnaubeiras e retiradas dos solos férteis. Sobre os possíveis danos ao meio ambiente, Costa et all (2009, p. 5) se expressa dizendo que “apesar da fruticultura irrigada ser uma das atividades fontes de emprego da região, é importante ressaltar,

723

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

segundo a população local, essa atividade vem trazendo muitos prejuízos ao meio ambiente”. Um dos danos ao meio ambiente local foi o desmatamento das carnaubeiras. 2.2. REDUÇÃO DA ÁREA FÍSICA E EXTERMÍNIO DE CARNAUBEIRAS NO VALE DO AÇU



A Tabela 1 mostra a redução da área física com ocorrências de carnaubeiras e o número de

árvores existente. Estudos realizados por Aranha (1995), Cruz (1995) e Moura (2011) mostram que durante o período de 1966 a 2010 a área devastada e o extermínio das árvores foram de 70%. Tabela 1: Área física e número estimado de carnaubeiras existentes nos principais municípios do Vale do Açu.

ÁREA COM CARNAUBEIRAS (km²)

Nº DE ÁRVORES EXISTENTE (estimativa)

1966

447

6.000.000

1988

194

2.600.000

130

1.800.000

ANO

2010

Fonte: Moura, 2011.

Com base nos dados levantados pelos autores é possível afirmar que a área devastada foi de 317 km². Por sua vez, o número de carnaubeiras desmatadas chegou a 4.200.000 unidades. Até o final da década de 1970, as principais economias do Vale do Açu baseavam-se no extrativismo da cera de carnaúba, além da cotonicultura e da pecuária como economias secundárias, respectivamente (CASCUDO, 1964; ALBANO & SÁ, 2009). A partir da década de 1980 os carnaubais perdem espaço e surgem novas economias baseadas na exploração do petróleo, agricultura irrigada, carcinicultura e cerâmica.

Sobre a gravidade desse processo Costa et all (2009, p. 5) revela que “de acordo com o

IDEMA, mais de seis mil hectares de matas nativas e três lagoas foram literalmente riscadas do mapa e com ela todo o bioma. Tudo isso em nome do desenvolvimento que estava só iniciando”. Visualmente, outro problema ambiental é a disposição inadequada do lixo produzido no Vale do Açu. Depois de realizada a coleta, o lixo é jogado em lixões a céu aberto. Estes por sua vez, ficam próximos aos afluentes do Rio Piancó-Piranhas-Açu. Dessa forma, a exemplo dos esgotos, os lixões acabam agravando todo ecossistema local ao poluir o solo e a água.

Asseverando sobre essa problemática, Sousa et al (2014, p. 89), ao fazer uma análise da

“Qualidade ambiental da bacia do Rio Piancó Piranhas Açu”, revela:

724

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016



A cobertura vegetal da bacia em sua maior parte se encontra bastante alterada em decorrência, principalmente, da abertura de áreas para exploração agrícola e pela exploração de lenha como fonte energética para olarias, panificadoras e uso doméstico. Além da perda da biodiversidade, a remoção da vegetação sem critérios de manejo, expõe o solo à ação erosiva das chuvas provocando o transporte de partículas para os corpos hídricos, alterando assim as características naturais destes.



Ainda, de acordo com os referidos autores, a pressão antrópica sobre a bacia, a qualidade da

água, associada aos períodos chuvosos e a agricultura de irrigação, é comprometida.



Figura 4 - Degradação ambiental e indústria ceramista no Vale do Açu

Fonte: Elisângelo Fernandes da Silva, 2012





Com efeito, conforme mostra as figuras acima, o resultado disso foi à substituição da

carnaubeira por outras culturas que engendrou uma redução drástica da atividade extrativista. Com isso, as carnaubeiras do Vale do Açu passaram a ser utilizada em ramos menos nobre. O espaço passou a ser ocupado por novas economias. Para Raffestin (2011, p. 206) “as relações de produção e de propriedade interagem e constituem um sistema de relações de poder”. Nessa disputa, por espaço e poder, a degradação ambiental passou a se destacar na paisagem regional. Sobre esse rebatimento, Sánchez (2008) relata que a degradação ambiental caracteriza-se como um impacto ambiental negativo, conforme pode ser visualizada na Figura 3, que mostra a degradação ambiental com a derrubada das carnaubeiras e retirada da argila para a atividade ceramista. Outras atividades econômicas também moldam a paisagem açuense. Figura 5 – Novas atividades econômicas no Vale do Açu

725

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Fonte: Elisângelo Fernandes da Silva, 2012



Tratando do intenso processo de reestruturação produtiva no Vale do Açu, Costa et all

(2009, p. 5) enfatiza: Nos meados de 1980 quando tudo começou foi realizado desmatamento sem medir as consequências que poderiam trazer ao meio ambiente. Surgiu a pulverização aérea, contaminação por inseticidas e herbicidas impactando as águas dos rios e lagoas, a flora e a fauna e, principalmente causando problemas a saúde da população local. Tudo isso, em prol do desenvolvimento capitalista baseado numa economia voltada para exportação, onde a população seria a menos beneficiada.





Para agravar a problemática ambiental, a construção da barragem Armando Ribeiro

Gonçalves, no início da década de 1980, tornou o rio Piancó-Piranhas-Açu perene, propiciando o surgimento e a aceleração da agricultura irrigada e da indústria ceramista na região açuense.

No entendimento de Sousa; Lopes; Silva (2012), a construção da Barragem Engenheiro

Armando Ribeiro Gonçalves passa a ser “o divisor de águas” do processo de reestruturação do Vale do Açu. Sobre esse processo os mesmos argumentam:



A construção da barragem marca um momento histórico na modernização da agricultura no Vale do Açu – RN, sendo viabilizada a partir da implantação do Projeto Baixo-Açu o qual tinha como principal objetivo implantar nessa região uma agricultura de mercado nos moldes capitalistas, em base empresarial para atender o mercado externo (SOUSA; LOPES; SILVA, 2012, p. 7).



Grosso modo, é importante ressaltar que tal fato contribuiu significativamente para que os

carnaubais pudessem minguar rapidamente para dar lugar às empresas fruticultoras e ceramistas



que passaram a se instalar na região (CRUZ, 1995). Asseverando que as áreas com ocorrências de 726

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

carnaubeiras foram, de fato, reduzidas, principalmente, em função do desmatamento, Lopes Junior et all (?, p. 1804) assim se refere: “como na microrregião do Vale do Açu/RN encontram-se disseminadas as cerâmicas, as padarias e outras atividades que utilizam de forno a lenha, a extração desse produto realizou-se em todos os municípios do Vale [...], com um total de 33991 metros cúbicos em 2010”.



No caso específico da atividade ceramista, Oliveira (2010, p. 31) é enfática em afirmar que:

“Tal atividade causa impactos ambientais significativos, pois para se desenvolver ela precisa consumir muitos recursos naturais, tanto na fase de extração da matéria-prima como na fase de fabricação dos produtos” (OLIVEIRA, 2010, p. 31). Segundo a autora, a argila usada como matéria prima para a confecção dos produtos cerâmicos é extraída em baixadas de vales e nas proximidades dos rios e lagoas, causando, portanto, a degradação do solo, dos rios, da flora e da fauna. Essa extração, portanto, provoca impacto na paisagem, erosão do solo e alteração do regime de escoamento das águas superficiais (OLIVEIRA, 2010). 3. MÉTODO DE PRODECIMENTO



O procedimento metodológico consistiu em mostrar, estimativamente, as áreas de

carnaubeiras que foram derrubadas no Vale do Açu/RN, no período de 1966 a 2010. Para tanto, a amostra limitou-se aos municípios de Assú, Carnaubais e Ipanguaçu. Nessas áreas existiam as maiores ocorrências dessas árvores na região. Os dados foram coletados em fontes bibliográficas e pesquisas de campo, a partir de amostras das arvores existentes por hectare (ha) em cada município. Para tanto o trabalho trilhou as orientações das pesquisas realizadas por Aranha (1995), Cruz (1995), Albano (2009) e Moura (2011) para que fossem quantificadas as áreas físicas de carnaubeiras devastadas. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES





A ocupação desordenada do território açuense e o uso predatório dos recursos naturais

foram práticas resultantes das ações antrópica que vem culminando, ao longo de anos, num processo avançado de degradação ambiental. A partir da década de 1980 o surgimento de novas atividades econômicas, principalmente, a agricultura irrigada (banana, manga e melão) para a exportação, o petróleo e gás natural, a cerâmica vermelha (tijolos e telhas) fez acelerar a devastação

727

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

das áreas de carnaubeiras. Isso, no entanto, já é bastante perceptível na paisagem regional açuense, conforme pode ser visualizada na Figura 3.



Áreas imensas de carnaubais e de matas nativas foram, e ainda continuam, sendo cortadas.

Depois de derrubadas e queimadas, as toras de carnaubeiras são destinadas para os fornos cerâmicos e padarias da região para ser usada como matriz energética; já a argila é utilizada como matéria-prima para a produção de telhas, tijolos e lajotas,

O avanço na derrubada das áreas com ocorrências de carnaubeiras e a retirada do solo

compromete significativamente o ecossistema do bioma caatinga regional. 5. CONCLUSÃO

As transformações ocorridas na microrregião do Vale do Açu, a partir da década de 1980,

principalmente pelo fim do complexo agrícola algodão, pecuária e lavouras alimentares (GOMES, 211), e sua transformação em região produtiva agrícola, com o advento da agricultura irrigada, têm causado significativo impacto no ecossistema regional. As áreas com ocorrências de carnaubeiras têm sido reduzidas drasticamente nos últimos cinquenta anos. O espaço natural tem sido explorado sem nenhum tipo de regulação oficial. A área devastada e o extermínio das árvores foram da ordem de 70%. Com isso é possível quantificar que o número de carnaubeiras destruídas, no período de 1966 a 2010, chegou a 4.200.000 unidades. Conclui-se, portanto, que a área com ocorrência de carnaubeiras está em declínio e em avançado processo de degradação ambiental. As áreas rurais dos municípios de Assú, Carnaubais e Ipanguaçu são as mais impactadas negativamente. Nesses municípios as áreas com carnaubeiras foram reduzidas acentuadamente nos últimos cinquenta anos. Apesar de sua importância para o ecossistema regional, as carnaubeiras continuam sendo derrubadas e queimadas, sem proteção ambiental nenhuma.

REFERÊNCIAS ALBANO, G. P.; SÁ, A. J. de. Vale do Açu-RN: a passagem do extrativismo da carnaúba para a monocultura de banana. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 26, n. 3, set/dez. 2009. ALBUQUERQUE, Francisca Mirza; CESTARO, Luiz Antônio. Estudo comparativo das áreas de carnaubais no Baixo-Açu nos anos de 1966 a 1988. In: Aranha, Terezinha de Queiros. Sesquicentenário da Cidade do Assu: 1845-1995, Natal(RN): Departamento Estadual de Imprensa, 1995.(Coleção Vale do Assu, 12), p.119-127. 728

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

AQUINO, Joacir Rufino; SILVA FILHO, Raimundo Inácio; MIRANDA, Maurício. A socioeconomia e o meio ambiente do Vale do Açu no limiar do século XXI. OESTE – Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar: ICOP. Mossoró, n. 17, pp. 29-43, jul. 2013. ARANHA, Terezinha de Queiroz. Sesquicentenário da Cidade do Assu: 1845-1995, Natal(RN), Departamento Estadual de Imprensa, 1995 (Coleção Vale do Assu, 12), pp.119-127. CARVALHO, Adaílton Epaminondas de; GARIGLIO, Maria Auxiliadora; BARCELLOS, Newton Duque Estrada. Caracterização das áreas de ocorrência de desertificação no Rio Grande do Norte. Natal: [s.n.], 2000. CASCUDO, L. da C. Nomes da terra: geografia, história e toponímia do Rio Grande do Norte. Fundação José Augusto, Natal/RN, 1964. COSTA, Luzimar Pereira da et all. O desenvolvimento econômico e as implicações socioambientais em Ipanguaçu e Alto do Rodrigues (RN). IV Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte e Nordeste de Educação Tecnológica. Belém (PA), pp. 1-9, 2009. CRUZ, Rogério. Processo de produção de cera de carnaúba: um exercício teórico. In: Aranha, Terezinha de Queiros. Sesquicentenário da Cidade do Assu: 1845-1995, Natal(RN); Departamento Estadual de Imprensa, 1995.(Coleção Vale do Assu, 12), pp.119-127.

FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem no Nordeste do Brasil. 7 ed. São Paulo: Global, 2004. GICO, Vânia. A carnaúba: resumo comentado. In: Aranha, Terezinha de Queiros. Sesquicentenário da Cidade do Assu: 1845-1995, Natal(RN); Departamento Estadual de Imprensa, 1995.(Coleção Vale do Assu, 12), pp.43-46. GOMES, Iara Rafaela. Olhar geográfico sobre uma nova região produtiva agrícola. Revista da Casa da Geografia de Sobral. Sobral (CE), v. 13. n. 13. pp. 56-69, 2011.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Cidades. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2011. LOPES Junior et all. Espacialização socioeconômica da microrregião do Vale do Açu/RN por geoprocessamento. IX Congresso de Iniciação Científica do IFRN – CONGIC. Tecnologia e Inovação para o Semiárido. Currais Novos (RN), pp. 1796-1805, 2013.

Microrregião do Vale do Açu. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2015. 729

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

MOURA, Fábio Araújo de. Análise econômica da atividade extrativista da carnaúba no município de Carnaubais/RN. Monografia (Bacharel). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. (2011), 59p. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Khedyr, 2011. RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria de Recursos Hídricos. Panorama da desertificação no Estado do Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2005. 78p. SANCHEZ, L. E. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. 2. ed., São Paulo: Oficina de Textos, 2008. SEDEC. Avaliação preliminar do setor mineral do Rio Grande do Norte. Natal, 2004. SOUSA, Josélia Gouveia de; LOPES, José Edvaldo; SILVA, Anieres Barbosa da. Modernização da agricultura no Vale do Açu – RN: um processo mediatizado pelas políticas públicas. XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária. Territórios em disputas: os desafios da Geografia Agrária nas condições do desenvolvimento brasileiro. Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Uberlândia (MG), pp. 1-16, 2012. SOUSA, Thâmara Ismael de; et al. Qualidade ambiental da bacia do Rio Piancó Piranhas Açu. Revista Verde. Pombal (PB), v. 9, n. 4, pp. 84-94, out/dez, 2014.

730

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO DO VALE DO AÇU/RN: PERSPECTIVAS NA IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS) E GOVERNANÇA COMPARTILHADA DO LIXO. Raimundo Inácio da Silva Filho E-mail: [email protected] Doutorando em Geografia da UFPE/UERN/DINTER. Antônio Carlos de Barros Corrêa Docente da Universidade Federal de Pernambuco E-mail: [email protected]

RESUMO Introdução: o despertar, a preocupação e o interesse pelo lixo e pela reciclagem de materiais não são de agora. Karl Kautsky (1998), por exemplo, em fins do século XIX, já recomendava a utilização dos dejetos das cidades para a recomposição do solo. No Brasil diversos pesquisadores têm se debruçado sobre o tema (PEREIRA NETO, 2007; PHILIPPI Jr, 2005; CALDERONI, 1999; EIGENHEER, 1998). Justificativa: visando avançar nessa matéria, mesmo que tardiamente, em agosto de 2010, o governo federal sancionou a lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que dispõe sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, assim como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluindo os perigosos, às responsabilidades dos agentes geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis (BRASIL, 2010). Apesar dos avanços na legislação, a realidade brasileira ainda requer ações mais eficazes. Segundo a Associação Brasileira de Empresa de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE (2014), 59,8% dos municípios brasileiros destinam seus resíduos para locais impróprios, causando problemas ambientais à saúde pública e desperdício de recursos em locais impróprios. Nessa mesma linha, a Pesquisa Ciclosoft 2014, realizada pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem – CEMPRE (2014) identificou que apenas 17% dos municípios brasileiros operam programas de coleta seletiva. Estes, por sua vez, estão distribuídos geograficamente no país da seguinte forma: Sudeste (45%), Sul (36%), Nordeste (10%), Centro-Oeste (7%) e Norte (2%). Objetivo: mostrar a importância do instituto de criação do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu, por parte do governo estadual, na perspectiva de implantação da PNRS e da governança compartilhada do lixo em 25 municípios do RN. Método: os dados foram obtidos através de coleta documental, pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo e entrevista com os atores diretamente envolvidos na gestão dos municípios que integram o Consórcio de Saneamento Básico do Vale do Açu. A amostra pesquisada consistiu nos nove municípios que compõem administrativamente a microrregião do Vale do Açu/RN, cuja representatividade é de 36%. Resultado: com o intuito de avançar na operacionalização da PNRS, o governo do estado do Rio Grande do Norte (RN) criou em 2010, baseado nas leis 11.107/2005 e 12.305/2010, o Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu/RN, formado por 25 municípios. Nesse mesmo ano foi elaborado pelo governo do Estado o Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Norte – PEGIRS/RN. Conclusão: apesar dos aspectos inovadores da PNRS – principalmente no que diz respeito à disposição final e a reciclagem e da iniciativa de 731

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

intenção de engendrar uma gestão compartilhada do lixo com a criação do referido consórcio, o estado do Rio Grande do Norte (RN) e os municípios integrantes da microrregião do Vale do Açu/RN não conseguiram avançar na prática de reaproveitamento de materiais e na destinação final ambientalmente adequada do lixo. A quase totalidade dos resíduos continua sendo destinada para depósitos a céu aberto (lixões), causando graves impactos ambientais. Palavras-chaves: Consórcio de Saneamento Básico; Lixo; Vale do Açu/RN. INTERMUNICIPAL CONSORTIUM BASIC SANITATION OF AÇU VALLEY/ RN: PERSPECTIVES ON THE IMPLEMENTATION OF THE NATIONAL SOLID WASTE POLICY (PNRS) AND SHARED GOVERNANCE OF GARBAGE

ABSTRACT Introduction: the awakening, the concern and interest in the waste and recycling materials are not new. Karl Kautsky (1998), for example, in the late nineteenth century, already recommended the use of waste from the cities to the restoration of soil. In Brazil, many researchers have been working on this subject (PEREIRA NETO, 2007; PHILIPPI Jr, 2005; CALDERONI, 1999; Eigenheer, 1998). Justification: in order to advance this matter, even if late, in August 2010, the federal government enacted the Law 12,305, which established the National Policy on Solid Waste (PNRS), which provides for its principles, objectives and instruments as well as on guidelines on integrated management and the management of solid waste, including hazardous, the responsibilities of generating agents and the public authorities and the applicable economic instruments (BRAZIL, 2010). Despite advances in legislation, the Brazilian reality requires even more effective action. According to the Brazilian Public Cleaning Company Association and Special Waste ABRELPE (2014), 59.8% of Brazilian municipalities aimed their waste to inappropriate places, causing environmental problems to public health and waste of resources inappropriate places. Along to the same lines, the search Ciclosoft 2014 conducted by the Business Commitment to Recycling - CEMPRE (2014) found that only 17% of Brazilian municipalities operate selective collection programs. These, in turn, are distributed geographically in the country as follows: Southeast (45%), South (36%), Northeast (10%), Midwest (7%) and North (2%). Objective: To show the importance of the institute creation of the Basic Sanitation Regional Consortium of Açu Valley, by the state government in the implementation of perspective PNRS and shared garbage governance in 25 municipalities in RN. Method: The data were obtained through documentary collection, bibliographic research, field research and interviews with the actors directly involved in the management of municipalities that comprise the Basic Sanitation Consortium Açu Valley. The study sample consisted of nine municipalities that make administrative the Açu Valley/RN microregion, whose representativeness is 36%. Result: in order to advance the implementation of PNRS, the government of Rio Grande do Norte (RN) state created in 2010, based on the laws 11,107 / 2005 and 12,305 / 2010, the Basic Sanitation Regional Consortium of c Açu Valley / RN, consists of 25 municipalities. The state government the State Plan 732

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

for Integrated Waste Management Solid of Rio Grande do Norte - PEGIRS / RN, prepared that same year. Conclusion: Despite the innovative aspects of PNRS especially with regard to the final disposal and recycling and the intention to engender initiative shared management of garbage with the establishment of this consortium, the Rio Grande do Norte (RN) State and the micro-region's municipalities members of the Açu Valley / RN failed to advance the practice of reusing materials and environmentally sound disposal of waste. Almost all the waste remains destined for deposits in the open (dumps), causing serious environmental impacts. Keywords: Basic Sanitation Consortium; Garbage; Açu Valley/ RN.

1– INTRODUÇÃO

O despertar, a preocupação e o interesse pelo lixo e pela reciclagem de materiais não são de agora. Não se trata de algo que está nos noticiários do cotidiano em função da problemática ambiental; tampouco se trata de preocupações isoladas de profissionais ambientalistas. Kautsky (1998), por exemplo, em fins do século XIX, já comentava sobre a agricultura moderna e recomendava a utilização dos dejetos das cidades para a recomposição do solo. Em meados da década de 1970, o físico Fritjof Capra também havia demonstrado a sua preocupação sobre o assunto. Para ele “a opinião pública pode vir a exercer uma pressão cada vez maior sobre a indústria para que se desenvolva uma tecnologia adequada de tratamento e reciclagem de produtos residuais, como já está sendo feito em vários países europeus” (CAPRA, 2002, p. 228). A disposição ambientalmente adequada do lixo e a atividade da reciclagem de materiais possibilitam enormes ganhos para a sociedade. Estudos realizados pelo economista Sabetai Calderoni atestam a importância dos materiais e os possíveis ganhos com a reciclagem no Brasil. Sobre isso Calderoni (2003, p. 319) destaca que “não reciclar significa deixar de auferir rendimentos da ordem de bilhões de reais todos os anos”. Da mesma forma, ao referir-se “a problemática do lixo”, Lutzenberger (2006, p.34) enfatiza que “lixo não é outra coisa senão material bom 733

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

no lugar errado”. Corroborando com isso, Sachs (2007, p. 163), no início deste século, foi enfático ao afirmar que “afinal, o lixo nada mais é do que uma mistura de matérias-primas”. Além destes, outros destacados pesquisadores tem realizados estudos sobre o tema (PEREIRA NETO, 2007; PHILIPPI Jr, 2005; JUNCÁ, GONÇALVES & AZEVEDO, 2000; EIGENHEER, 1998). No Brasil, visando avançar nessa matéria, mesmo que tardiamente, em agosto de 2010, o governo federal sancionou a lei 12.305140, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que dispõe sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, assim como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluindo os perigosos, às responsabilidades dos agentes geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis (BRASIL, 2010). Entretanto,

apesar

dos

muitos

aspectos

inovadores

da

PNRS



principalmente no que diz respeito à disposição final e a reciclagem – o país não tem conseguido avançar nessa matéria. Prova disso é que segundo a Associação Brasileira de Empresa de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE (2014), 59,8% dos municípios brasileiros encaminham seus resíduos para locais impróprios, causando problemas ambientais à saúde pública e desperdício de recursos, ou seja, dos 5.570 municípios, 3.334 destinam os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) para locais impróprios. Nessa mesma linha, a Pesquisa Ciclosoft 2014, realizada pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem – CEMPRE (2014) identificou que apenas 927 dos 5.570 municípios brasileiros, 17% operam programas de coleta seletiva. Estes, por sua vez, estão distribuídos geograficamente nas regiões do país da seguinte forma: Sudeste (45%), Sul (36%), Nordeste (10%), Centro-Oeste (7%) e Norte (2%). No estado do Rio Grande do Norte (RN), por exemplo, a reciclagem de materiais tem sido fomentada muito mais pela ação de voluntários e catadores (muitos deles informais) do que pelo interesse das prefeituras. Logo, o quantitativo dos materiais recicláveis, bem como a gestão eficiente dos resíduos sólidos, pode 140 Fruto de 20 anos de debates, a lei sancionada em agosto traz avanços como o foco na

prevenção e na precaução, estimulando padrões sustentáveis de produção e consumo (GRIMBERG, 2010, p. 16). 734

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ser visto como casos pontuais e sem representatividade. Grosso modo, não existem registros quantitativos oficiais sobre essa atividade no estado. Nos municípios da microrregião do Vale do Açu/RN, de forma particular, a prática de reaproveitamento de materiais e a destinação final do lixo ambientalmente adequada são quase que inexistentes, assim como ocorre em quase todo o estado potiguar e maioria dos municípios brasileiros. Contudo, apesar dos baixos resultados de reaproveitamento de materiais e de destinação inadequada do lixo em todo o Brasil, mesmo assim, alguns autores têm expressado otimismo sobre a viabilidade de fomento à reciclagem e ao tratamento do lixo em espaço ambientalmente adequado (PHILIPPI Jr; AGUIAR, 2005). Visando buscar solução para essa problemática, em agosto de 2010, o governo federal sancionou a lei 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que dispõe sobre os princípios, objetivos e instrumentos, assim como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada de resíduos sólidos, às responsabilidades dos agentes geradores e do poder público. Do mesmo modo, com o intuito de avançar na operacionalização da PNRS regionalmente, mesmo considerando ser do gestor municipal a responsabilidade pela gestão integrada do lixo, o governo do estado do Rio Grande do Norte (RN) instituiu, baseado também na lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, o ordenamento territorial do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu141 (2010) e o Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Norte – PEGIRS/RN142 (2012). Apesar disso, cinco anos após a publicação da lei 12.305/2010 e da criação do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu, as determinações da

141

Com a finalidade de assegurar a adequada representatividade, a constituição do Consórcio exige a ratificação deste Protocolo de Intenções pelo Estado e por um número de municípios subscritores cujas populações totalizem pelo menos 100 mil habitantes, requisito mínimo para assegurar economia de escala na atuação do órgão. (GOVERNO..., 2010). 142

O Plano de Regionalização da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Estado do Rio Grande do Norte (PEGIRS/RN) buscará contribuir na melhoria na gestão da limpeza urbana, implementação de mecanismos financeiramente compensatórios, compartilhamento de ações entre municípios, construção de consórcios intermunicipais, inserção social dos atuais catadores, a proposição de incentivos tributários em atividades voltadas para reciclagem nos municípios (SEMARH, 2012). 735

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

PNRS, cujo prazo final para se ajustar às normas nela contidas terminou em agosto de 2014, continuam sem operacionalização. Pouco se avançou nessa temática, tanto a PNRS quanto o consórcio continuam estacionários. Dessa forma, o manejo ambientalmente adequado do lixo e a reciclagem de materiais continuam em estado precário, ou melhor, sem êxito. Na mediada em que se amplia o olhar para o interior do estado potiguar percebe-se claramente o não cumprimento da PNRS. Nos municípios do Vale do Açu, ou melhor, no território açuense - recorte espacial escolhido para a presente pesquisa - também não têm conseguido ir adiante nesse tema. Pelo contrário, têm surgido conflitos, divergências. Para que se tenha uma ideia da realidade, não há entendimento sobre a localização do aterro sanitário a ser construído, da definição do domicilio da sede do consórcio recém-criado, dentre outros. Para este caso a hipótese é a de que as relações de poder existentes em cada município do vale açuense, mediante, principalmente, a sua pluralidade política 143 partidária regional e diversos interesses individuais, provocam entraves na operacionalização do ordenamento territorial do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu e na aplicação da PNRS.

Entretanto, é pertinente destacar que a criação do referido consórcio, além de ser indispensável para a região açuense, o mesmo vem ao encontro propositivo da determinação das leis 11.107/ 2005, que dispõe sobre as “normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum” e 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Neste sentido, o presente artigo se faz pertinente, haja vista que na região açuense os resíduos sólidos produzidos por seus habitantes, por não possuir disposição ambientalmente adequada, bem como, uma política de reaproveitamento de materiais, que além de contrariar a orientação da política nacional, provoca grandes impactos ambientais, já que os mesmos são dispostos em lixões a céu aberto. Trata-se, portanto, de uma prática não mais aceitável144 nos dias atuais. Já não se concebe convivência com o lixo, considerando os avanços do Brasil obtidos 143

Foram vinte e cinco municípios que assinaram o Protocolo de Intenções de Consórcio Público Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu, são eles: Afonso Bezerra, Alto do Rodrigues, Angicos, Areia Branca, Assú, Baraúna, Carnaubais, Fernando Pedrosa, Grossos, Guamaré, Ipanguaçu, Itajá, Lajes, Macau, Mossoró, Paraú, Pedra Preta, Pedro Avelino, Pendências, Porto do Mangue, Santana do Matos, São Rafael, Serra do Mel, Tibau e Upanema. Esses municípios são administrados por prefeitos de diferentes legendas partidárias. (GOVERNO..., 2010).

144 É necessário que ações efetivas sejam concretizadas para equacionar o problema do

lixo, sob pena de um número cada vez maior de pessoas sofrer as conseqüências dessa prática condenável, tanto do ponto de vista da saúde pública quanto do ponto de vista ambiental (PEREIRA NETO, 2007, p. 25). 736

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

em experiências

eficientes de reaproveitamento de materiais, bem como na

legislação ambiental e na saúde pública. Um exemplo disso é o que mostra os estudos realizados em 90 municípios do estado da Paraíba, por Tavares & Athayde Júnior (2014), em que eles afirmam que essa prática acaba por colocar em risco a saúde pública e a qualidade de recursos naturais. Corroborando com essa preocupação, numa escala mais ampla, Boff (2012, p. 118) se posiciona dizendo que “a poluição está afetando a saúde de toda a Terra, dos humanos, das florestas, das águas e da biodiversidade”. Portanto, a ausência de um manejo eficiente, ou melhor, de uma disposição ambientalmente adequada e de uma política de reaproveitamento de materiais, torna-se ainda mais prejudicial no espaço em tela pelo fato do mesmo está geograficamente inserido no espaço do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio PiancóPiranhas-Açu145. Com a finalidade de compreender a gestão do lixo, ou melhor, dos resíduos sólidos e as razões que entravam a criação do Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico do Vale do Açu/RN e a aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) nesse espaço territorial, o presente trabalho tem por objetivo identificar os entraves, os conflitos existentes na operacionalização do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu, no âmbito da PNRS e a situação atual do lixo nos municípios do Vale do Açu. Desse modo, considerando os objetivos propostos, o texto apresentase estruturada da seguinte forma: o segundo capítulo, a partir desta introdução, farse-á uma breve caracterização da microrregião do Vale do Açu/RN. No terceiro

145

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu (CBH-PPA) é resultado do interesse manifesto pelos estados do RN e PB, gerando sua criação através de Decreto Presidencial de 29 de novembro de 2006. O CBH-PPA é composto por 147 municípios de dois estados da região Nordeste, sendo 102 do estado da Paraíba (PB) e 45 do Rio Grande do Norte (RN). A bacia hidrográfica do rio Piranhas – Açu abrange um território de 42.900 km² distribuído entre esses estados onde vivem aproximadamente 1.552.000 mil habitantes. A bacia está totalmente inserida em território semi-árido, com precipitações médias variando entre 400 e 800 mm anuais concentradas entre os meses de fevereiro a maio. A concentração das chuvas em poucos meses do ano é responsável pelo caráter intermitente dos rios da região. Ao ser aprovado pelos 2 estados como Comitê Único, o Comitê passou a ter atribuições para a gestão das águas em toda a Bacia, inclusive, deliberar sobre águas de domínio dos Estados e não apenas nos corpos d’água de domínio da União. (http://www.cbhpiancopiranhasacu.org.br/site/o-comite/).

737

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

capítulo descrever-se-á a metodologia, considerando a escolha e a apropriação do método dialético como método de abordagem, o método histórico e o estudo de caso como método de procedimentos. Apresentar-se-á, ainda, a população e a amostra da pesquisa. Neste caso, o nosso recorte espacial é constituído pelos nove municípios que integram administrativamente a microrregião do Vale do Açu/RN. No quarto capítulo apresentar-se-á a realidade atual do lixo nos municípios do Vale do Açu, considerando os resultados obtidos. Por fim, no quinto capítulo elencar-se-á a conclusão.

2 – APRESENTANDO O VALE DO AÇU Geograficamente (Figura 1) a microrregião do Vale do Açu está geograficamente situada no estado do Rio Grande do Norte (RN) e faz parte, de acordo com a classificação atual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da mesorregião Oeste Potiguar. Figura 1: Localização geográfica do Vale do Açu/RN

Fonte: Francisco F. de Azevedo (2006).

Em termos físicos, a região é cortada e banhada pelo Rio Piancó-PiranhasAçu, integra o bioma caatinga e está inserida em plenos domínios do clima

738

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

semiárido, apresentando temperaturas médias de 28 graus e precipitações anuais normais girando em torno de 700 mm (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). O território açuense, termo que utilizaremos como recorte espacial na presente pesquisa, é formado geograficamente por nove municípios: Alto do Rodrigues, Assú, Carnaubais, Ipanguaçu, Itajá, Jucurutu, Pendências, Porto do Mangue e São Rafael. Esses municípios ocupam uma área de 4.756,11 km2, o que corresponde a 9,06% do território do RN. Segundo os dados do último Censo do IBGE, o Vale do Açu é habitado atualmente por 152.003 pessoas. Desse total, 67% moram no espaço urbano, enquanto que 33,% vivem no meio rural (AQUINO; SILVA FILHO, 2011).

Tabela 1: Estimativa da população dos municípios do Vale do Açu/RN em 2015 Municípios

População Total

Área Territorial (km²)

Densidade Populacional (hab/km²)

Alto do Rodrigues

13.915

191.334

64,31

Assú

57.292

1.303.442

40,84

Carnaubais

10.760

542.530

17,99

Ipanguaçu

15.147

374.247

37,02

7.457

203.622

34,04

Jucurutu

18.450

933.729

18,95

Pendências

14.751

419.137

32,05

Porto do Mangue

5.884

318.968

16,36

São Rafael

8.347

469.102

17,29

152.003

4.756.111

30,98

Itajá

Vale do Açu Fonte: IBGE (2015).

Do ponto de vista geográfico e econômico, o mesmo se apresenta por ser uma das áreas do semiárido brasileiro mais bem privilegiadas em recursos naturais. O vale açuense possui enorme manancial de água doce, solo fértil, petróleo, gás natural, minerais, ventos e outras riquezas da biodiversidade da Caatinga. É importante ressaltar que essa região, ou melhor, que esse território situa-se próximo dos principais centros consumidores do RN e dos estados vizinhos (CE e PB), o que

739

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

lhe garante vantagens competitivas possibilitando atrair investidores e pessoas de várias partes do Brasil e do mundo (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). No que diz respeito aos municípios, Assú se destaca como um dos mais importantes centros regionais do estado, tanto pela geração de bens e serviços, quanto em termos populacionais, figurando entre os 10 principais centros produtores de riqueza do RN. Por sua vez, o município do Alto do Rodrigues, por apresentar forte atuação econômica da Petrobrás, se destaca por ter a maior densidade demográfica na região açuense. Já as demais localidades do Vale do Açu apresentam populações inferiores a 20 mil habitantes. De maneira espacializada, a população de mais de 152.003 habitantes do Vale do Açu/RN constitui-se, em sua maioria, de atores secundários no modelo de desenvolvimento baseado na grande empresa exportadora de recursos naturais que se edificou regionalmente. É importante salientar que o referido modelo foi erguido originariamente amparado na concepção de ‘progresso’ utilizada “abertamente” e popularizada no período militar para justificar a ‘modernização conservadora’ de diversos espaços geográficos do Nordeste do Brasil. Uma melhor compreensão desse processo pode ser visto nos trabalhos de Vargas (1987), Fernandes (1992), Gomes da Silva (1992), Aranha (1995), Valêncio (1995), Santana (1997), Boneti (1998), Albano & Sá (2009), Nunes (2009) e Gomes (2011).

2.1 – A NOVA MODERNIZAÇÃO PRODUTIVA E O CRESCIMENTO ECONÔMICO NO VALE DO AÇU Ao longo das últimas três décadas a economia do Vale do Açu passou por grandes transformações produtivas que mudaram sua paisagem natural e cultural. Pode se constatar isso a partir dos anos 1980 com a construção e inauguração da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves. Tal política possibilitou os projetos de agricultura irrigada, notadamente a fruticultura voltada para a exportação, e de carcinicultura (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). Salientando, ainda, que foi a partir desse período que deu inicio a exploração de petróleo e, em seguida, do gás natural, alterando significativamente o espaço regional. Paralelamente a essas “novas” economias, o setor ceramista se

740

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

desenvolveu e se expandiu extensivamente impulsionado pelo crescimento das cidades. Grosso modo, com as novas atividades instaladas na região o cenário econômico sofreu profundas e rápidas modificações. O ritmo da mudança ganhou velocidade na medida em que os setores produtivos pautados em padrões tecnológicos complexos, aos poucos, vão se consolidando. Segundo Aquino, Silva Filho e Miranda (2013) a economia tradicional pré-existente, baseada no extrativismo da carnaúba, na pequena agricultura familiar e na pesca artesanal, perdeu espaço para outros empreendimentos com produção em larga escala baseados no trabalho assalariado. A alteração e a diversificação da base produtiva regional, engendrada por segmentos voltados para o mercado exportador, ampliou substancialmente a capacidade de geração de riqueza na região. Alguns estudos mostram que a economia do Vale do Açu foi a que mais cresceu no interior do RN a partir da segunda metade do século XX até recentemente (FEITOSA, 2008). Esse dinamismo pode ser constado no Gráfico 1, que mostra que o PIB microrregional também manteve um ritmo de crescimento elevado na primeira década do século XXI, saltando de R$ 428 milhões, em 2001, para mais de RS 1,8 bilhão, em 2012.

Gráfico 1: Evolução do PIB do Vale do Açu – 2001 a 2010 (R$ 1000,00) VALE AÇÚ, 2012, 1,837,841 VALE AÇÚ, 2011, 1,574,475 VALE AÇÚ, 2010, VALE AÇÚ, 2008, 1,242,169 VALE AÇÚ, 2007, VALE AÇÚ, 2009, 1,099,408 VALE AÇÚ, 2006, 975,190 957,817 994,015 VALE AÇÚ, 2005, 815,054 VALE AÇÚ, 2004, VALE AÇÚ, 2003, VALE AÇÚ, 2002, 653,488 VALE AÇÚ, 2001, 541,067 557,484 428,513

Fonte: IBGE (2015).

741

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Por conseguinte, comparando as informações do gráfico em destaque com os números da produção de riqueza no território açuense percebe-se que há um significativo descompasso. Enquanto o PIB cresceu significativamente, aumentando praticamente 4,4 vezes de 2001 a 2012, os índices de desenvolvimento social não tiveram o mesmo desempenho. Em outros termos, isso reflete a fragilidade da capacidade da economia local em ofertar empregos, saúde e educação de qualidade para a população. Apesar do avanço progressivo da quantidade de riqueza produzida, o Gráfico 2 evidencia que a participação da região na formação do PIB potiguar ainda é baixa, girando em torno de 4,4% ao ano durante a série de tempo apresentada pelo IBGE. Constata-se, assim, que foi edificada na região açuense uma economia moderna e diversificada, ancorada principalmente na exploração de recursos naturais para exportação. Isso porque nenhuma microrregião no interior do estado do Rio Grande do Norte é tão bem privilegiada de recursos naturais e que tenha passado por um processo de modernização tão intenso em um curto espaço de tempo como o Vale do Açu.

Gráfico 2: Participação do Vale do Açu no PIB Total do RN – 2001 a 2012 (Em %)

VALE AÇÚ, 2006, VALE AÇÚ, 2012, VALE AÇÚ, 2005, VALE AÇÚ, 2002, VALE AÇÚ, 2011, VALE AÇÚ, 2007, VALE AÇÚ, 2008, VALE AÇÚ, 2004, VALE AÇÚ, 2001, VALE AÇÚ, 2003, VALE AÇÚ, 2010, VALE AÇÚ, 2009, 4.14 4.44 4.12 4.19 4.56 4.66 4.34 4.31 3.49 3.84 4.36 4.65

Fonte: IBGE (2015).

742

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Contudo, apesar da sua pujança, a região apresenta enormes e diversos problemas em sua estrutura. Os indicadores sociais locais, por exemplo, mantêm-se em níveis inferiores à média estadual, que, por sua vez, também está a léguas de distância dos índices verificados nas áreas de melhor qualidade de vida do país.

2.2



ASPECTOS

CONTRADITÓRIOS

DO

(SUB)DESENVOLVIMENTO

MUNICIPAL NO TERRITÓRIO AÇUENSE Conforme dito anteriormente, o Vale do Açu é um território marcado por profundos contrastes socioeconômicos. Uma observação ampla revela que o modelo de desenvolvimento adotado historicamente no espaço regional, baseado em grandes empreendimentos intensivos no uso de recursos naturais, não tem conseguido oportunizar melhorias sociais. Essa realidade permitiu ficar mais visível a partir da publicação dos primeiros relatórios do Programa Brasil Sem Miséria, lançado recentemente pelo Governo Federal (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). No que diz respeito à incidência de pobreza extrema, os dados apresentados na Tabela 2 evidenciam que, em 2010, nada menos do que 4.397 habitantes do Vale do Açu viviam sem qualquer tipo de renda fixa por mês e 16.280 tentavam sobreviver com uma renda mensal que variava de R$ 1,00 a R$ 70,00, ou seja, algo em torno de 14,70% da população da região era constituída por pessoas miseráveis. Tabela 2: Indicadores de incidência de pobreza extrema nos municípios do Vale do Açu – 2010 Sem rendimento

Com rendimento de R$ 1,00 a 70,00

Em extrema pobreza

Populaçã o total

Incidência de pobreza extrema

(R)

(B)

(A + B)

(C)

(A + B)/C

460

807

1.267

12.305

10,30%

1.278

4.830

6.108

53.227

11,48%

Carnaubais

393

1.567

1.960

9.762

20,08%

Ipanguaçu

576

2.100

2.676

13.856

19,31%

Itajá

200

601

801

6.932

11,56%

Jucurutu

322

2.391

2.713

17.692

15,33%

Municípios/ População

Alto do Rodrigues Assú

743

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Pendências

750

1.307

2.057

13.432

15,31%

Porto do Mangue

145

1.222

1.367

5.217

26,20%

São Rafael

273

1.455

1.728

8.111

21,30%

4.397

16.280

20.677

140.534

14,70%

Vale do Açu

Fonte: IBGE/MDS (2013).

Entre os municípios açuenses, se sobressaiam Porto do Mangue, São Rafael, Carnaubais e Ipanguaçu, este último tido como a capital nordestina da monocultura da banana, onde a incidência de pobreza extrema atingia uma parcela significativa de seus habitantes, situação que só não era mais grave graças aos programas de transferência de renda (especialmente as aposentadorias rurais e o bolsa família), como mostra o trabalho de Oliveira (2012). A precariedade do quadro social do Vale do Açu também pode ser visualizada quando variáveis como renda, educação e saúde são analisadas conjuntamente em um mesmo indicador (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). Conforme apresentado na primeira década do século XXI o Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM)146 da região, sintetizado no Gráfico 3, indicou uma melhoria no seu desempenho, passando de 0,47 para 0,60 entre os anos de 2000 e 2010. Tal resultado foi importante e passível de comemoração e de ânimo. Gráfico 3: Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) do Vale do Açu e do RN – 2000 a 2010

146

O Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) é um estudo anual da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) que acompanha o desenvolvimento de todos os municípios brasileiros em três áreas: Emprego & Renda, Educação e Saúde. Ele é feito, exclusivamente, com base em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde. De leitura simples, o índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o grau de desenvolvimento da localidade, que é dividido em escalas: considera-se “alto” desenvolvimento quando o índice é superior a 0,8 pontos; quando o índice fica entre 0,6 e 0,8 pontos o desenvolvimento é tido como “moderado”; se o índice se situar entre 0,4 e 0,6 classificase o desenvolvimento como “regular”; e se o índice for inferior a 0,4 pontos, considerase o município como de “baixo” desenvolvimento (FIRJAN, 2013). 744

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

RN, 2010, 0.69 RN, 2008, 0.67 RN, 2009, 0.66 RN, 2007, 0.65 Vale do Açu, 2010, Vale do Açu, 2009, RN, 2006, 0.64 Vale do Açu, 2008, RN, 2005, 0.63 Vale do Açu, 2007, Vale do Açu, 2006, Vale do Açu, 2005, 0.60 0.59 0.58 0.57 0.56 0.56 RN, 2000, 0.54 Vale do Açu, 2000, 0.47

Vale do Açu

RN

Fonte: Aquino; Silva Filho; Miranda (2013).

Entretanto, a realidade anunciada tanto pela FIRJAN quanto pelo PNUD é extremamente preocupante, principalmente no caso dos municípios açuenses que sediam as atividades oriundas da exploração do petróleo e que recebem mensalmente consideráveis recursos na forma de royalties: Alto do Rodrigues, Assú, Carnaubais, Pendências e Porto do Mangue. Apesar do crescimento da riqueza registrado nesses lugares, praticamente não se observa a concretude de ganho na área social em relação àqueles que não produzem uma única gota de petróleo em seus territórios (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). Entretanto deve-se destacar que os municípios açuenses evoluíram bem menos do que a média do RN, algo que termina sendo desalentador, tendo em vista o desempenho modesto do nosso estado nessa área. Isso pode ser visualizado também nos dados referentes ao IDH-M147 dos municípios do Vale do Açu nos anos de 1995, 2000 e 2010, conforme expõe o Gráfico 4.

147

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. A metodologia de cálculo do IDH-M ocorre da seguinte forma: i) Vida longa e saudável: é medida pela expectativa de vida ao nascer. Esse indicador mostra o número médio de anos que as pessoas viveriam a partir do nascimento, mantidos os mesmos padrões de mortalidade observados no ano de referência; ii) Educação: o acesso ao conhecimento é medido pela composição de indicadores de escolaridade da população adulta e do fluxo escolar da população jovem; iii) Renda: o padrão de vida é medido pela renda municipal per capita. É a soma da renda de todos os residentes, dividida pelo número 745

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Gráfico 4: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do Vale do Açu e do RN – 1991, 2000 e 2010

Rio Grande do Norte, 1995, 0.428 Vale do Açu, 1995, 0.329

Rio Grande do Norte, 2000, 0.552 Vale do Açu, 2000, 0.471

Vale do Açu

Rio Grande do Norte, 2010, 0.684 Vale do Açu, 2010, 0.620

Rio Grande do Norte

Fonte: PNUD (2015).

Tal acontecimento representa um grande prejuízo para a geração atual e compromete futuro das próximas gerações, tendo em vista que a extração desse valioso recurso natural já mostra sinais claros de esgotamento depois de três décadas de exploração intensiva (PEREIRA, 2012). Em linhas gerais, as informações elencadas até aqui retratam o hiato do desenvolvimento que coloca em questão a eficiência na aplicação dos recursos obtidos, uma vez que o Vale do Açu tem sido batizado pela alcunha de “vale rico de povo pobre”. Entretanto, se o cenário atual é desfavorável, tenebroso pode ser o destino das próximas gerações, que vão ter que conviver com a escassez de recursos e o risco de herdar um passivo ambiental de grandes proporções, fruto das externalidades negativas do atual modelo de desenvolvimento intensivo no uso de recursos naturais em voga na região.

de pessoas que moram no município - inclusive crianças e pessoas sem registro de renda. (http://www.pnud.org.br/idh/IDHM).

746

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2.3 – IMPACTOS SOBRE A PAISAGEM E O MEIO AMBIENTE REGIONAL A microrregião do Vale do Açu é reconhecidamente uma das áreas mais ricas em recursos naturais do Rio Grande do Norte (RN) e do Nordeste brasileiro. Nela, principalmente a partir dos anos 1980, como foi discutido nas seções anteriores, se instalou e se expandiram atividades econômicas de grande representação na economia do estado potiguar. Dentre essas atividades destacamos: a extração e processamento de petróleo e gás natural, a fruticultura irrigada (banana, manga, melão, goiaba, etc.), a indústria ceramista (lajotas, telhas e tijolos) e a carcinicultura são, sem dúvida, as mais importantes na geração de empregos formais e receitas financeiras. Entretanto, não se deve esquecer, porém, que essas atividades são altamente intensivas no uso de recursos naturais, sendo, portanto, as maiores responsáveis pela degradação ambiental. Nesse

cenário,

uma

das

vítimas

tem

sido

o

Rio

Piranhas-Açu.

Paradoxalmente, desprovido de proteção dos órgãos de meio ambiente e órfão de uma política de revitalização e de tratamentos adequado dos esgotos e dos resíduos sólidos provenientes dos municípios ribeirinhos, o rio carrega as marcas e feridas oriundas do desmatamento de sua mata ciliar, do assoreamento do seu leito e da poluição das suas escassas águas (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). O sentimento que se tem ao observar a paisagem regional, seja por imagens aéreas ou caminhar em determinadas áreas do território açuense, é de extrema gravidade socioambiental. A sensação é que a atual geração está utilizando em demasia os recursos naturais e deixando para as gerações futuras um passivo ambiental sem precedentes. Em 2008 e 2009, as grandes enchentes que alagaram vastas áreas dos municípios do Vale do Açu mostraram claramente as consequências danosas da ocupação desordenada do meio ambiente, abalando duramente as bases da economia regional. Já em 2012, a terrível seca que atingiu o semiárido brasileiro também se revelou inclemente na região, evidenciando que mesmo contando com as maiores reservas de água do RN, nem de longe uma parcela significativa da população açuense está preparada para conviver com fenômenos climáticos extremos (AQUINO; SILVA FILHO; MIRANDA, 2013). 747

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Todas essas evidências revelam as incompatibilidades ambientais do atual modelo de desenvolvimento adotado na microrregião açuense, e, ao mesmo tempo, norteiam a busca urgente de revisão das práticas adotadas. Decerto, muitos desafios precisam ser vencidos, como, por exemplo: usar bem os recursos do petróleo para investimento em educação, estimular a agroecologia, utilizar outras fontes de energia, manter a carnaúba viva, conservar e preservar o bioma Caatinga do desmatamento e da caça predatória, proteger a mata ciliar do Rio Piranhas-Açu, cuidar dos corpos d’água dos açudes e lagoas e dar um tratamento ambientalmente adequado ao lixo, conforme determina a PNRS. 3 – MÉTODO

Conceitualmente, Andrade (2007) descreve o método de abordagem como sendo o conjunto de procedimentos utilizados na investigação de fenômenos ou no caminho para chegar-se à verdade. Por sua vez, Moraes & Costa (1984) esclarecem a diferença entre método de interpretação e método de pesquisa. O primeiro se refere à visão de mundo, a postura filosófica e ideológica do pesquisador, enquanto que o segundo diz respeito às técnicas utilizadas. Apropriar-nos-emos deste método dialético por entender que ele seja suficientemente capaz de atender aos nossos objetivos. A escolha por esse método se justifica uma vez que “o método dialético não envolve apenas questões ideológicas, geradoras de polêmicas. Trata-se de um método de investigação da realidade pelo estudo de sua ação recíproca” (ANDRADE, 2007, p. 122). Assim, seguramente reafirmamos a utilização do método dialético como método de procedimentos neste trabalho. A partir dele buscaremos respostas para as indagações pertinentes às dificuldades na operacionalização do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu e da Política Nacional de Resíduos Sólidos, no território açuense. Por sua vez, como método de procedimentos, utilizaremos o método histórico. Este método, segundo Andrade (2007, p. 123) “consiste em investigar os acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje”. O processo histórico em si é imbricado tanto pela objetividade quanto pela subjetividade (SAUERBRONN; FARIA, 2009). 748

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Grosso modo, o método histórico, ao lidar com o passado, possibilita realizar pesquisas históricas sobre acontecimentos contemporâneos. Para isso, uma das estratégias é o estudo de caso. A vantagem deste tipo de método possibilita estudar o fenômeno em sua unidade concreta, respeitando a totalidade, não permitindo a sua dissociação. Por último, com a finalidade de obter generalizações, grupos de indivíduos ou comunidades, instituições, condições sociais e econômicas nos embasarão no estudo de caso. Sobre a importância dessa modalidade de estudo, Neves (1996, p. 3) reforça que “o objeto do estudo de caso é uma analise profunda de uma unidade de estudo”. A prova disso é que esse tipo de procedimento tem evoluído nas academias e empresas.

4.5 – TÉCNICA DE PESQUISA, POPULAÇÃO E AMOSTRA A população compreendeu os vinte e cinco municípios que assinaram o protocolo de criação do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu/RN, a saber: Afonso Bezerra, Alto do Rodrigues, Angicos, Areia Branca, Assú, Baraúna, Carnaubais, Fernando Pedrosa, Grossos, Guamaré, Ipanguaçu, Itajá, Lajes, Macau, Mossoró, Paraú, Pedra Preta, Pedro Avelino, Pendências, Porto do Mangue, Santana do Matos, São Rafael, Serra do Mel, Tibau e Upanema. Contudo, devido à impossibilidade de fazer um levantamento de toda a população nos dedicamos à seleção de uma amostra representativa. A amostra pesquisada consistiu nos nove municípios que compõem administrativamente a microrregião do Vale do Açu, cuja representatividade é de 36%. É importante destacar que a escolha não se deu tão somente através da amostragem, ou do aspecto geográfico, mas também, pelo fato de que o vale açuense apresenta particularidades que o diferencia daqueles municípios que não serão observados como amostra. Além do mais, o nosso interesse foi o de buscar identificar os entraves e os conflitos existentes na operacionalização do referido consórcio, no âmbito da PNRS e na gestão do lixo no Vale do Açu. Quanto à classificação de obtenção dos dados, fizemos pela modalidade de coleta documental, pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, diretamente com os atores envolvidos na gestão dos municípios que integram o Consórcio de 749

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Saneamento Básico do Vale do Açu. A partir disso foi possível conhecer a gestão dos resíduos nos municípios membros do Consórcio de Saneamento Básico do Vale do Açu, considerando o processo de coleta, de transporte e destinação final dos resíduos sólidos produzidos pelos municípios do Vale do Açu. Assim como, identificar as razões que inviabilizaram a operacionalização do Consórcio Regional de Saneamento Básico do Vale do Açu e a concretização das orientações da PNRS. 4 – RESULTADOS Mesmo com a interveniência governamental os gestores municipais, que assinaram o protocolo de criação do referido consórcio, e que na oportunidade se comprometeram em viabilizar a sua implantação, não atenderam a nenhum dos compromissos. A alegação dos mesmos, para que essa “obediência” não tenha sido viabilizada, foi a de que as prefeituras não possuem recursos financeiros e nem pessoas técnicas suficientes. Além destas alegações, percebeu-se a falta de sintonia entre as prefeituras de cada município, em função da pluralidade política partidária regional e dos interesses particulares de cada um. Logo, a falta de cooperação entre os gestores municipais faz agravar a crise ambiental provocada pelo descaso para com o tratamento ambientalmente adequado do lixo, conforme pode ser constatado a seguir. Em cada município do Vale do Açu a pesquisa manteve contatos com representantes dos órgãos de limpeza pública, técnicos das empresas terceirizadas no processo de coleta, transporte e destinação final. Em seguida, aplicaram-se questionários de modo a identificar a quantidade e a composição gravimétrica dos resíduos sólidos produzidos, o espaço físico, a forma de destinação, os principais materiais recicláveis e a disposição final. Quadro 01: Produção per capita de resíduos sólidos no Vale do Açu em 2012. População Municípios

Assú Alto

do

Produção per capita Produção per Produção mensal capita anual per capita em kg em kg diária em kg

Produção anual de resíduos em ton.

(2010)

30.912,0

51.262

603,0

50,2

1,675

5.547,6

11.443

484,7

40,4

1,346 750

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Rodrigues Carnaubais

3.990,6

9.284

429,8

35,8

1,194

Ipanguaçu

5.244,00

13.444

390,0

32,5

1,083

Itajá

2.680,0

6.410

418,0

34,8

1,161

Jucurutu

6.891,8

17.501

393,8

32,8

1,094

Pendências

4.000,00

12.505

319,8

26,7

0,890

1.578,5

4.792

329,4

27,4

O,915

São Rafael

2.975,0

8.116

366,5

30,5

1,018

Total

63.819,5

134.757

415,0

34,5

1.153

Porto Mangue

do

Fonte: Pesquisa de campo realizada no período de setembro de 2010 a setembro de 2012.

O Quadro 3 mostra que a produção per capita média de resíduos sólidos na região estudada é de 1.153 kg. Os habitantes de Assú são os maiores geradores desses materiais. Cada habitante deste município produz uma média diária de 1.675 kg de lixo.

Quadro 02 - Composição média dos materiais recicláveis nos

municípios do Vale do Açu. TIPOS DE MATERIAIS

COMPOSIÇÃO (%)

TON/ANO

Papel/Papelão

5,7

3.638

Metal

2,2

1.404

Vidro

1,7

1.085

Plástico

5,5

3.510

Alumínio

0,6

383

Matéria Orgânica

39,5

25.209

TOTAIS

55,2

35.229

Fonte: Pesquisa de campo realizada no período de setembro de 2010 a setembro de 2012.

A pesquisa identificou que não há programa de coleta seletiva oficial nos municípios analisados (ver fotografias). Entretanto, o estudo constatou que em todos os municípios pesquisados existem catadores de materiais recicláveis. A maioria deles recolhem os materiais nos próprios lixões. Os materiais coletados, depois de separados e pesados, são vendidos aos comerciantes locais e de outras cidades, que por sua vez revendem para outros comerciantes e atravessadores de outros estados brasileiros. Quadro 03: Locais de destinação e disposição final do lixo no Vale do Açu 751

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

MUNICÍPIOS

DISTÂNCIA DA SEDE

LOCAL DE DESTINAÇÃO

(Km) ALTO DO RODRIGUES Distrito de Tabatinga

5,00

ASSÚ

Comunidade de Lagoa do Ferreiro de Fora

2,00

CARNAUBAIS

Conj. João Francisco

IPANGUAÇU

Serra da Capivara - Comunidade de Língua de Vaca

ITAJÁ

Cabeço/Margem da BR 304 - sentido Natal

3,00

JUCURUTU

BR 226 - sentido Florânia/Sítio Aroeira II

3,00

PENDÊNCIAS

Rodovia RN - sentido Macau

2,50

PORTO DO ANGUE

Sítio Porto Pilão - estrada da Serra do Mel

9,00

SÃO RAFAEL

Sítio Soledade II - sentido Barragem Armando Ribeiro

2,00

Teixeira

Filho/Assentamento

São 2,50 10,00

Fonte: Dados obtidos com a pesquisa de campo no período de setembro de 2010 a setembro de 2012.

A microrregião do Vale do Açu apresenta aspecto de dualidade. A primeira vista trata-se de um espaço geográfico regional com enormes potencialidades econômicas, tendo nos recursos naturais as suas maiores riquezas. Por outro lado, toda a riqueza natural disponível apresenta sinal de extrema vulnerabilidade ambiental. Isso porque as principais atividades econômicas desenvolvidas na região são causadoras de graus elevados de impactos ambientais. As atividades econômicas mais exploradas na região são: petróleo e gás natural, minério de ferro, cerâmica vermelha (tijolos e telhas), fruticultura irrigada (banana e manga) e carcinicultura. Foto 01: Paisagens dos lixões dos municípios do Vale do Açu (RN).

752

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Fonte: Arquivo do autor

Após a coleta domiciliar, o lixo produzido é transportado para os espaços conhecidos por lixões. Trata-se de uma prática antiga em toda a região açuense. Além do despejo a céu aberto, é comum queima do lixo. Em alguns lixões constatouse a presença de catadores, animais, urubus e outros bichos. Além dessas atividades econômicas constata-se, ainda, a disposição indiscriminada de resíduos sólidos em espaços inadequados e o lançamento dos esgotos para o Rio PiranhasAçu, que terminam comprometendo o ecossistema local e provocando a poluição do solo e da água. 5- CONCLUSÃO A pesquisa identificou elevado descaso com a destinação e a destinação ambientalmente adequada do lixo. Não há aterro sanitário e nem programas de coleta seletiva e de reciclagem de materiais. Nenhuma prefeitura cumpriu as determinações e orientação da PNRS. A justificativa dos gestores para o não cumprimento se baseia na crise financeira por que passam os municípios. Daí a impossibilidade

de

contratar

técnicos

especializados

e

manutenção

dos

equipamentos e da logística diária. Além destas alegações, percebe-se a falta de sintonia entre os prefeitos em função da diversidade política partidária regional e dos interesses de cada um. Logo, a falta de cooperação entre os gestores municipais faz agravar a crise ambiental em função do tratamento ambientalmente inadequado do lixo.

753

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Além do mais, há de se considerar a fragilidade cultural na região açuense no que tange à iniciativa e participação dos atores sociais em grupos organizados da sociedade açuense. Prova disso é que algumas associações, cooperativa e consórcios já fracassaram por falta de envolvimento e participação social. Atualmente, o consórcio continua estacionário. Não houve evolução desde a sua criação em 2010. Portanto, a ausência dessa participação coletiva se constitui num dos grandes entraves à operacionalização do referido consórcio. Tal fragilidade compromete a perspectiva

de uma governança compartilhada na gestão lixo.

Enquanto isso o lixo continua sendo despejado a céu aberto sem nenhum controle ambiental. Além do mais, dezenas de pessoas catam materiais recicláveis nesses lixões. Por fim, é recomendável a atuação do consórcio como forma de mitigar todos esses problemas. A construção de um aterro sanitário se faz urgente e indispensável para atender as recomendações da PNRS.

6 – REFERÊNCIAS

ALBANO, G. P.; SÁ, A. J. de. Vale do Açu-RN: a passagem do extrativismo da carnaúba para a monocultura de banana. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 26, n. 3, set/dez. 2009. ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007. AQUINO, Joacir Rufino; SILVA FILHO, Raimundo Inácio; MIRANDA, Maurício. A socioeconomia e o meio ambiente do Vale do Açu no limiar do século XXI. OESTE – Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar: ICOP. Mossoró, n. 17, p. 29-43, jul. 2013. AQUINO, J. R.; SILVA FILHO, R. I. 30 anos de economia do Vale do Açu. Princesa em Revista – Revista comemorativa pelos 30 anos da Rádio Princesa do Vale, Assú/RN, v. 1, p. 42-45, 12 nov. 2011.

754

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ARANHA, T. Q. (Org.). Sesquicentenário da cidade do Assú: 1845-1995. Natal/RN: Departamento Estadual de Imprensa, 1995. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS – ABRELPE. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2014. Disponível em . Acesso em 11 de out. 2015. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópolis/RJ: Vozes, 2012. BONETI, L. W. O silêncio das águas: políticas públicas, meio ambiente e exclusão social. Ijuí/RS: Ed. UNIJUÍ, 1998. BRASIL. Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010: Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.6055, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em Acesso em 21 de mar. 2014. _____. Lei 11.107, de 6 de abril de 2005: Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Disponível em Acesso em 21 de mar. 2014. CALDERONI, Sabetai. Os bilhões perdidos no lixo. São Paulo: Humanitas, 2003. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2002. COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PIANCÓ-PIRANHAS-AÇU – CBH-PPA. O COMITÊ: trajetória, desafios e avanços do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio PiancóPiranhas-Açu. Disponível em: < http://www.cbhpiancopiranhasacu.org.br/site/o-comite/> Acesso em 19 de mar/2014. COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA RECICLAGEM – CEMPRE. Pesquisa ciclosoft 2014. Disponível em: < http://cempre.org.br/ciclosoft/id/2>. Acesso em 30 de nov/2014.

EIGENHEER, Emílio Maciel (Org.). Coleta seletiva de lixo. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense - UFF/Centro de Informação Sobre Resíduos Sólidos - CIRS. 1998. (Experiências Brasileiras 2). FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO RIO DE JANEIRO – FIRJAN. Índice FIRJAN de desenvolvimento municipal. Disponível em: < http://www.firjan.org.br>. Acesso em: 10 fev. 2013. FEITOSA, C. C. Os ciclos produtivos e a redistribuição espacial da riqueza no Rio Grande do Norte. 2008. 133f. Monografia (Graduação em Economia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2008.

755

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

FERNANDES, A. A. Autoritarismo e resistência no Baixo Açu. Natal: UFRN/CCHLA, 1992. GOMES, Iara Rafaela. Olhar geográfico sobre uma nova região produtiva agrícola. Revista da Casa da Geografia de Sobral. Sobral (CE), v. 13. n. 13. pp. 56-69, 2011. GOMES DA SILVA, A. A parceria na agricultura irrigada do Baixo Açu. Natal: UFRN/CCHLA, 1992. GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Protocolo de intenções de consórcio público regional de saneamento básico do Vale do Açu. Natal: 2010. 78p. Impresso. GRIMBERG, Elisabeth. O futuro da política de resíduos sólidos. Le monde diplomatique Brasil.. São Paulo: 2010. Ano 4, n. 38, p. 16, set. 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Cidades. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2015. JUNCÁ, Denise; GONÇALVES, Marilene; AZEVEDO, Verônica Gonçalves. A mão que obra no lixo. Niterói: Eduff, 2000. KAUTSKY, Karl. A questão agrária. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998. LUTZENBERGER, José. Manual de ecologia: do jardim ao poder. Porto Alegre: L & M POCKET, 2004. (Volume 1). MORAES, Antônio Carlos Robert de; COSTA, Wanderley Messias da. Geografia crítica: a valorização do espaço. São Paulo: Hucitec, 1984. NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v.1, nº 3, p. 1-5, 2º semestre/1996. NUNES, E. M. Reestruturação agrícola, instituições e desenvolvimento rural no Nordeste: as dinâmicas regionais e a diversificação da agricultura familiar no Polo AssúMossoró (RN). 2009. 351f. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, 2009. PEREIRA, G. A. C. Petróleo, royalties e subdesenvolvimento econômico no Vale do Açu na primeira década do século XXI (2001 a 2010). 2012. 72f. Monografia (Graduação em Economia) – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/CAPWSL, Assú-RN, 2012. PEREIRA NETO, João Tinôco. Gerenciamento do lixo urbano: aspectos técnicos e operacionais. Viçosa (MG): Editora FGV, 2007. 756

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo (Ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desenvolvimento sustentável. Barueri (SP): Manole, 2005. (Coleção Ambiental 2). PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo; AGUIAR, Alexandre de Oliveira. Resíduos sólidos: características e gerenciamento. In: PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo (Ed.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desenvolvimento sustentável. Barueri (SP): Manole, 2005. (Coleção Ambiental 2). p. 267-321. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Khedir, 2011. RAMPAZZO, Lino. Metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009. SACHS, Ignacy. Em busca de novas estratégias de desenvolvimento: In: SACHS, Ignacy. Rumo a ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007. Cap. X. p. 247-284. SAUERBRONN, Fernanda Filgueiras; FARIA, Alexandre. A utilização do método histórico em pesquisa acadêmica de marketing. Revista Eletrônica de Estratégias e Negócios (REEN), Florianópolis, v. 2, nº 2, p. 77-95, jul./dez. 2009. Disponível em: . Acesso em 11 de out. 2015. SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO RIO GRANDE DO NORTE – SEMARH. Relatório síntese: plano estadual de gestão integrada de resíduos sólidos do Rio Grande do Norte – PEGIRS/RN. Natal (RN): SEMARH, 2012. 158p. Impresso. SPOSITO, Eliseu Savério. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: Unesp, 2004. TAVARES, Priscilla Torquato; ATHAYDE JUNIOR, Gilson Barbosa. Disposição final dos resíduos sólidos em 90 municípios paraibanos: análise da condição atual frente às exigências da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Salvador: UFBA – Escola Politécnica. Revista Eletrônica de Gestão e Tecnologias Ambientais (GESTA). v. 2, n. 1, p.38-52, 2014. VALÊNCIO, N. F. L. S. Grandes projetos hídricos no Nordeste: suas implicações para a agricultura do semi-árido. Natal/RN: Ed. Universitária da UFRN, 1995. VARGAS, N. A. O. A história que o povo conta: opressão e sobrevivência. Recife/PE: FJN/Editora Mansangana, 1987. 757

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Dodiscência na Educação Profissional e Tecnológica e Desenvolvimento Local Sustentável – um estudo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Campus Ipojuca. Willyane Freire da Silva (Universidade de Pernambuco) [email protected] Andrea Karla Pereira da Silva (Universidade de Pernambuco) [email protected] Sociedade e Sustentabilidade: A globalização e o avanço técnico e científico imprimiram uma nova perspectiva para a formação de profissionais, requerendo habilidades e competências multidimensionais que se adequem aos novos cenários globais; neste contexto, a educação profissional e tecnológica assume o papel de se consolidar na formação de agentes de desenvolvimento local sustentável, pautada na “pedagogia libertadora” e na “dodiscência”, pilares relevantes apresentados por Paulo Freire para o processo de ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva, buscou-se compreender as contribuições dos docentes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Local Sustentável, analisando as estratégias adotados para a consolidação de uma profissionalização sustentável capaz de formar agentes de desenvolvimento, cuja formação profissional é precedida de formação integral do sujeito em busca da construção de uma sociedade reflexiva, consciente e cidadã a partir da práxis dos sujeitos instrumentalizados pela contínua (re)construção do saber. Esse paradigma de educação profissional converge para o locus da presente pesquisa, o Campus Ipojuca do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), que está localizado em uma das regiões que mais cresce no Brasil, em virtude da Expansão do Complexo Industrial e Portuário de Suape, com seus grandes empreendimentos e sua estratégica localização para a logística nacional e internacional. Neste cenário de crescimento econômico no qual o Campus Ipojuca está inserido, é fundamental promover uma educação profissional pautada nos princípios da sustentabilidade, e este é um dos grandes desafios enfrentados pelos docentes dos cursos técnicos e tecnológicos do IFPE. O estudo abordou aspectos qualitativos e quantitativos do processo educativo na prática docente, com pesquisa direta através da coleta de dados por entrevistas e questionários; e coleta indireta de dados através da pesquisa bibliográfica e documental. A análise quantitativa foi realizada por estatística descritiva e, qualitativamente, utilizou-se da análise de conteúdo. Os resultados mostraram que os docentes adotam a “dodiscência” como parte do processo educativo, de modo que o educando ora ensina ora aprende por meio da vivência com o mundo e com as pessoas. Nas aulas, os docentes buscam adequar o conteúdo programático à realidade do educando e junto com ele, estimulando a autonomia do sujeito por uma aprendizagem dialógica. Observou-se a adoção de uma educação problematizadora e dialógica capaz de estimular a atitude crítica, cidadã e reflexiva dos discentes. Foi observado que essas estratégias influenciam na profissionalização sustentável, pois buscam a construção de um sujeito parte da civilização planetária, ou seja, que se preocupa com as questões locais e globais a um só tempo, de modo que ele se forma para ser um cidadão, um profissional, um autônomo. Finalmente, no discurso dos docentes foi explicitado a inter-relação e o impacto da profissionalização sustentável na construção do desenvolvimento local sustentável, uma vez que os agentes de desenvolvimento estarão aptos a atuar nas oportunidades da região, a fortalecer a cultura local, a criar espaços de desenvolvimento e de interação com a sociedade, a ter um olhar sustentável e a ser responsável por melhorias para a sociedade e o meio ambiente. Educação Profissional e Tecnológica. Desenvolvimento Local Sustentável. Dodiscência. Profissionalização Sustentável

758

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

COMUNICAÇÃO SOCIAL E SUSTENTABILIDADE Leticia Feche de Arruda Juliano 1 1

Universidade Presbiteriana Mackenzie. Brasil.

Resumo Os objetivos para o desenvolvimento sustentável são importantes, pois estão diretamente relacionados ao desenvolvimento econômico e social, e ao equilíbrio ecológico das cidades. A provisão de mecanismos para atingimento dos objetivos nos países em desenvolvimento é um grande desafio, principalmente nas áreas urbanas. A relevância do artigo está no entendimento de que o alcance da consciência ambiental também depende da estratégia de comunicação para convencimento dos habitantes das metrópoles a um novo estilo de vida. Em documento sobre os aprendizados relacionados ao cumprimento dos ODMs, a Organização das Nações Unidas - ONU (2012) criou uma Força Tarefa com sugestões de formulação e cumprimento da agenda de desenvolvimento pós-2015. Os três princípios norteadores foram os do respeito aos direitos humanos, à igualdade e à sustentabilidade. Na resolução “Nossa Visão Comum” do documento The future we want (ONU, 2012) o desenvolvimento sustentável tem o reconhecimento de que a erradicação da pobreza, a promoção de padrões sustentáveis de consumo e produção, a proteção e gestão dos recursos naturais do desenvolvimento econômico e social são objetivos primordiais e requisitos para o desenvolvimento sustentável. A dificuldade está no fato de que as necessidades da sustentabilidade e as opções sempre dependem fortemente das circunstâncias particulares envolvidas. Assim, após algumas décadas de deliberação e de experimentação, há um amplo consenso sobre os requisitos essenciais gerais para o progresso rumo à sustentabilidade (GIBSON, 2006 b): a integridade do sistema sócio ecológico significa construir relações sociedade-ambiente para estabelecer e manter a integridade dos sistemas socioambientais em longo prazo, e proteção das funções ecológicas que são insubstituíveis e das quais dependem a vida humana e a qualidade ambiental. James J. Kay (1999) afirma que para manter a integridade é preciso mitigar mudanças contextuais que promovem estados indesejáveis do sistema físico, promover influências e monitorar o ecossistema. Para tanto, é preciso entender melhor as complexas implicações sistêmicas de nosso modo de vida e reduzir as ameaças humanas para a integridade dos sistemas e a viabilidade de suporte da vida (GIBSON, 2006 b). O objetivo é responder se as estratégias de comunicação garantem a integridade dos projetos de cidades sustentáveis, se afetam a capacidade de resiliência das comunidades e ecossistemas e permitem a continuidade das atividades tradicionais das comunidades nas localidades que passam por transformações urbanas. Por meio de metodologia qualitativa o artigo de levantamento em sites os programas de comunicação para cidades sustentáveis, realizadas entrevistas presenciais ou por Skype com profissionais da comunicação social e jornalismo, empresas de projetos de arquitetura sustentável, Organizações Não Governamentais - ONGs e cidadãos. Nos resultados identificou-se como a comunicação contribuiu com as estratégias para convencimento e manutenção dos cidadãos nos projetos para criação das cidades sustentáveis por seus planos de mídia. A conclusão é que a comunicação é uma ciência que contribui para o sucesso dos projetos e atingimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável convencendo à adesão e manutenção dos cidadãos em comportamentos inovadores devendo ser incluída nos projetos de cidades sustentáveis de maneira mais ampla. Palavras-chave: comunicação social, sustentabilidade, campanhas de comunicação, cidades. 759

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1. Introdução Os objetivos para o desenvolvimento sustentável são importantes, pois estão diretamente relacionados ao desenvolvimento econômico e social, e ao equilíbrio ecológico das sociedades. A provisão de mecanismos para atingimento dos objetivos nos países em desenvolvimento é um grande desafio, principalmente nas áreas urbanas. Por essa razão, a relevância do projeto está no entendimento de que o alcance da consciência ambiental também depende da estratégia de comunicação adequada ao convencimento dos habitantes das metrópoles à um novo modelo de vida. Em documento sobre os aprendizados relacionados ao cumprimento dos ODMs, a Organização das Nações Unidas - ONU (2012) criou uma Força Tarefa com uma série de sugestões de formulação e cumprimento da agenda de desenvolvimento pós-2015. Os três princípios norteadores, na opinião do grupo, deveriam ser os do respeito aos direitos humanos, à igualdade e à sustentabilidade. Na resolução “Nossa Visão Comum” do documento The future we want (ONU, 2012) o desenvolvimento sustentável tem o reconhecimento de que a erradicação da pobreza, a promoção de padrões sustentáveis de consumo e produção, a proteção e gestão dos recursos naturais do desenvolvimento econômico e social são objetivos primordiais e requisitos para o desenvolvimento sustentável. As bases de avaliação da sustentabilidade têm sido introduzidas de varias formas e em muitos setores ao redor do mundo. A dificuldade está no fato de que as necessidades da sustentabilidade e as opções sempre dependem fortemente das circunstâncias particulares envolvidas. Assim, após algumas décadas de deliberação e de experimentação, há um amplo consenso sobre os requisitos essenciais gerais para o progresso rumo à sustentabilidade (GIBSON, 2006 b): a integridade do sistema sócio ecológico significa construir relações sociedade-ambiente para estabelecer e manter a integridade dos sistemas socioambientais em longo prazo, e proteção das funções ecológicas que são insubstituíveis e das quais dependem a vida humana e a qualidade ambiental. James J. Kay (1999) afirma que para manter a integridade é preciso mitigar mudanças contextuais que promovem estados indesejáveis do sistema físico, promover influências e monitorar o ecossistema. Para tanto, é preciso entender melhor as complexas implicações sistêmicas de nosso modo de vida e reduzir as ameaças humanas para a integridade dos sistemas e a viabilidade de suporte da vida (GIBSON, 2006 b). Há perguntas a serem respondidas. As estratégias de comunicação garantem a integridade dos projetos de arquitetura sustentável, afetam a capacidade de resiliência das comunidades e ecossistemas e permitem a continuidade das atividades tradicionais das comunidades nas localidades que passam por transformações urbanas? Conseguem conscientizar sobre o fato das contínuas mudanças climáticas poderem afetar as atividades e efeitos sobre a ecologia e comunidades da região? Nesse sentido, os objetivos são pesquisar as melhores práticas de comunicação, estratégias, planos de mídia e sistematizar os resultados obtidos nos meios urbanos. Por meio de metodologia qualitativa será pesquisado em sites os programas de comunicação para cidades sustentáveis, realizadas entrevistas presenciais ou por Skype com urbanistas, empresas de projetos de arquitetura sustentável, publicitários dos projetos de cidades sustentáveis, Organizações Não Governamentais - ONGs e cidadãos. Pretende-se identificar como a comunicação está priorizada para garantir o convencimento e manutenção dos cidadãos nos projetos para criação das cidades sustentáveis. Essa pesquisa tem a intenção de contribuir para uma referência nos cursos de graduação em comunicação social e publicidade, quanto às experiências da comunicação a favor dos objetivos do desenvolvimento sustentável. 760

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Visto que o meio ambiente não pode sucumbir sob o pretexto de desenvolvimento porque os recursos ambientais não são inesgotáveis, deve-se buscar a coexistência harmônica entre a economia e o meio ambiente para que se permita o desenvolvimento de forma sustentável, planejada e onde os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos (FIORILLO, 2002). Exercer a cidadania sócio-ecológica é crucial para que haja governança democrática e para que se consiga preservar os ganhos da sustentabilidade. Nesse sentido, as bases da educação e empoderamento sugerem uma consequente necessidade de fortalecer individual e coletivamente o conhecimento sobre a promoção da cidadania e responsabilidade ecológica, e assim, construir capacidade civil para um envolvimento efetivo e integrado nas tomadas de decisão (GIBSON, 2001). Portanto, este princípio está diretamente relacionado a capacidade da comunicação, por meio das melhores estratégias e ferramentas, promover a conscientização para atingimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido o objetivo desse artigo é promover a discussão a respeito da efetividade das campanhas publicitarias para mudança de habito dos cidadãos para cidades sustentáveis Identificou se campanhas do governo de estado e da empresa privada banco Itaú por esse motivo pesquisou se cidadãos expostos as campanhas e que não mudaram seus hábitos de mobilidade urbana. 2. Métodos A metodologia desse estudo pode ser classificada como exploratória e descritiva. Segundo Lakatos (1992) e Marconi e Lakatos (2002), a pesquisa exploratória não busca testar ou confirmar hipóteses, mas principalmente, formular questões sobre determinado problema ou questão. Sua finalidade é, a priori, proporcionar maior intimidade do pesquisador com o objeto pesquisado, modificar ou esclarecer conceitos e, num último caso, desenvolver hipóteses (MARCONI e LAKATOS, 2002). Assim, a pesquisa buscou as melhores práticas públicas e privadas nos projetos de substituição do veiculo por bicicletas para atendimento de uma cidade, tomada como exemplo o município de São Paulo no Brasil. As etapas metodológicas foram: revisão de literatura, levantamento de projetos de cidades sustentáveis pela internet, coleta fotográfica de campo e entrevistas e aplicação de questionário em mídias sociais. Trinta e sete pessoas responderam o questionário de oito questões fechadas e uma aberta, perguntando o que deveria mudar nas campanhas de comunicação. Tomou-se por base da investigação grupos de cidadãos em São Paulo que poderiam escolher substituir transportes tradicionais por bicicletas se e quando expostos a campanhas publicitárias. 3. Resultados Os entrevistados permitiram identificar diversos desafios da comunicação para a sustentabilidade: o alcance desse tipo de publicidade é muito pequeno e em baixa escala; as campanhas de empresas privadas tem maior efetividade que as campanhas públicas; o número de pessoas que não viram campanhas e não aderiram a bicicleta como meio de transporte no seu dia-a-dia é muito próximo ao do numero de pessoas que afirmaram que nunca usariam bicicleta; o comportamento da população que aderiu a campanha foi por motivos de bem-estar pessoal como forma física, saúde e lazer e não pelo desenvolvimento sustentável; baixo impacto das campanhas sobre os cidadãos. A primeira pergunta tinha por objetivo investigar se o não usuário da bicicleta tinha conhecimento de alguma campanha e se tinha sido alvo de campanha publicitária para substituir veículo por bicicleta (gráfico 1).

761

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

. Percebe- se que as pessoas tiveram pouco contato com campanhas publicitárias que incentivam o uso da ciclofaixa, apenas 8,1% das pessoas entrevistadas viram campanhas constantemente. 45,9% viu apenas alguma vezes. Na pergunta 2 o objetivo foi investigar se as campanhas deixavam uma lembrança e marca sobre o tema (gráfico 2).

67,6% das pessoas afirmarem ter visto só campanhas do Banco Itaú e 32,4% da prefeitura, mostrando diferenças de resultados das campanhas públicas e privadas. 762

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Na pergunta 3 teve por objetivo investigar a mudança de comportamento do consumidor promovida pelas campanhas de forma regular ou eventual (Gráfico 3).

48,6% afirmaram que nunca substituiriam seu meio de transporte, ao cruzar com a resposta #1 esse numero se aproxima das que nunca viram campanhas publicitárias. Na Pergunta 4 teve por objetivo que os cidadãos dessem notas para as campanhas publicitárias considerando so objetivos da campanha (Gráfico 4).

Observa-se que a avaliação da media para baixa, demonstrando que as campanhas não atingem o cidadão no sentido da motivação. A Pergunta 5 buscou quais sentimentos estão ligados a motivação de uso da bicicleta em substituição ao veículo (Gráfico 5).

763

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Percebe-se que sentir-se saudável e usar a bicicleta como pratica esportiva somam 51,3% dos entrevistados, portanto as pessoas associam a pratica do usa da bicicleta no dia a dia muito em benefícios próprios de saúde e qualidade de vida, mas também 43% associaram a benefícios ao meio ambiente e ODS. Esses podem ser efetivos drivers direcionadores de campanhas. Na Pergunta 6 o objetivo é identificar qual a impressão da infraestrutura construída para esta política pública?

764

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Nessa questão as opiniões se dividem, mas as impressões positivas. Percebe-se que a população ainda não sabe dizer se realmente as ciclovias trazem benefícios em uma cidade como São Paulo e talvez a infraestrutura também influencie. Na Pergunta 7 tem por objetivo explicitar a opinião quanto ao tipo de campanhas veiculadas e o sentimento que geram no cidadão.

71% das pessoas consideram as campanhas indiferentes ou chatas. Na Pergunta 8 tem por objetivo levar a comparação entre campanhas de objetivos desconectados dos ODS do dia-a-dia dos cidadãos com campanhas para o ODS.

765

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Para os entrevistados, pouco diferencial de qualidade percebe-se nas campanhas publicitárias para a sustentabilidade. 56,7% acham que as campanhas são iguais ou piores que as campanhas para outras finalidades. Também nas respostas abertas foram trazidas sugestões da ampliação da frequência, exposição e continuidade de campanhas publicitárias, demanda de estudos de redução de custos para o cidadão no orçamento com a sustentabilidade associada a economia pessoal sem perder o viés ambiental. Sugestões de usar o marketing ecológico em todas as classes sociais, associando a prática socioambiental na ampliação de status, como fazem com produtos de mercado para engajamento social também foi apresentado. 4. Discussão A agenda 2030 traz uma grande preocupação com a sustentabilidade, onde são estabelecidos objetivos que devem ser atingidos até 2030. No ODS#11.3 deve-se aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países. A tendência mundial é buscar meios para desenvolvimento sustentável de suas nações, buscando a projeção de cidade sustentável. O ODS# 11.6 até 2030, objetiva reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, inclusive prestando especial atenção à qualidade do ar e gestão de resíduos municipais (ONU,2015). Percebe-se que no Brasil, as Políticas Públicas estão construindo alternativas para a mobilidade urbana visando a redução de gases de efeito estufa e diminuição do trafego de carros nas ruas evitando congestionamentos. O Plano Diretor do Município de São Paulo, em conformidade com a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012) adotou uma série de ações para implementar a bicicleta como meio de transporte sustentável para os cidadãos. Além de ser uma alternativa de locomoção mais econômica e saudável ainda garante o engajamento da sustentabilidade no dia-a-dia do paulistano. O aumento do número de viagens de bicicleta no Município de São Paulo foi confirmado pelos resultados das últimas pesquisas, cujo número de ciclistas cresceu 50% em um ano. A Política Pública com vistas à mudança da matriz energética incentiva esse transporte alternativo e define recursos orçamentários para investimentos na implantação e ampliação da infraestrutura cicloviária (Estadão, 2014). Se por um lado há uma atenção grande para esse assunto muito falado percebemos que por outro lado, as ciclovias ainda são muito deficientes, descontínuas e desconectadas. Segundo a Organização Vá de Bike há um longo caminho para termos um sistema cicloviário mais completo. Ainda assim, estima-se uma grande escala de viagens nos dias uteis da ordem de 333 mil viagens por dia. Ainda mostra que 65% das pessoas aceitariam deixar o carro em casa se outras opções, como transporte público e bicicleta, fossem viáveis. Esse índice sobe para 81% entre as pessoas com nível superior de escolaridade. (Vá de Bike ORG, 2014). Por tanto se levanta questões importantes. O que falta para as pessoas aderirem a hábitos sustentáveis? Como a publicidade pode ser uma potente ferramenta de disseminação de informações e convencimento, uma vez que nas palavras, Stig Carlson, “Ela não muda valores nem cria valores, mas tem grande habilidade para detectar novos valores entre os consumidores e refleti-los na forma de soluções de criações”? Quais as falhas do Marketing verde, quanto a estratégias de criação para convencimento e influência no desafio de comunicar princípios fundamentais da sustentabilidade aos cidadãos? Pensando o ponto de vista da publicidade no setor privado empresarial, Giles Gibbons, da Good Business, uma das consultorias líderes em responsabilidade empresarial, afirmou que 766

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

é necessária uma comunicação mais sofisticada, que converse com as necessidades do consumidor. As empresas têm o poder de gerar mudanças sociais positivas pela forma como comunicam, mostrando como o uso de ferramentas sociais e ambientais ajudam. Segundo Giles, a sustentabilidade deve ser vista como uma forma de gerenciar o negócio e não como uma área ou ação isolada na empresa. Sendo que, marketing deve comunicar a ação verde da companhia de um ponto vista que interessasse ao consumidor (Exame. 2015). Uma mente sustentável nos dias de hoje passa a ser cada vez mais indispensável para um cidadão e para uma sociedade que tem comportamentos com consumo acelerado, desnecessário, predatório de matérias primas e poluindo o nosso ecossistema. Apesar de muitos não estarem preocupados com o futuro, a cada dia mais entra em pauta assuntos como a sustentabilidade e discussões que tentam trazer soluções para os problemas ambientais que estamos vivenciando nas ultimas décadas com consequências para presentes gerações. A Sustentabilidade tem sido muito abordada em reuniões mundiais e muitos países estão colocando metas e programas para fiscalizarem e terem controle maior dos danos ambientais. A dificuldade aparece na hora de transmitir essa consciência para pessoas comuns, que muitas vezes não tem o conhecimento da proporção de cada ato não sustentável. Analisando as estratégias de comunicação voltadas para a sustentabilidade, o uso da ciclofaixa em São Paulo e a sua eficiência, Em minha pesquisa pude perceber que as campanhas publicitárias para o uso da bicicleta no Dia a dia da população são muito mais forte pela empresa privada do banco Itaú. O Itaú tem um programa de aluguel de bikes espalhados pelos pontos de sp, do que da própria prefeitura por um lado é compreensível, no Brasil. Verba pública para a comunicação é bem mais restrita. O mesmo número de pessoas que não viram a campanha se igual ao número de pessoas que não mudaram seus hábitos aderindo a bicicleta como meio de transporte no seu dia-adia, leva a uma pergunta: o fato dessas campanhas não terem alcançado esses cidadãos mostrando que é uma proposta que visa a melhora na questão de sustentabilidade para São Paulo, influenciou a decisão dessas pessoas? Chegamos ao ponto crucial aonde se percebe que no Brasil, as campanhas publicitarias não convencem e não conseguem atingir as pessoas como deveriam. As campanhas que abordam a ciclofaixas no Brasil não são eficazes o suficiente para serem tidas como algo que surpreenda e seja inesquecível, campanhas publicitarias do Poder Público são diretamente ligadas a falta de criação e inovação, e como a maioria das áreas publicas faltam verbas bem direcionadas para que realmente seja investido na comunicação, aqueles que estão habituados a usarem a bicicleta como meio de transporte são os formadores de opinião, estudantes, de classe média, e pessoas que teve a oportunidade de entrar em contato com os benefícios que esse meio de locomoção traz tanto para a sociedade, quanto para o indivíduo e principalmente para o meio ambiente. A estrutura da ciclovias ainda são falhas, existem muitas delas que não se conectam, falta investimento publico tanto na ambliação de ciclofaixas como a melhora nas condições das que existem e principalmente falta educação ambienta mostrando ao cidadão paulistano como um ser individual fazendo a sua parte colabora com a sociedade envolta dele e contribuem com os objetivos do desenvolvimento sustentáveis. Nesse sentido, as campanhas deveriam mostrar e evidenciar o projeto de infraestrutura quanto a importância da qualidade de pisos, uso de materiais adequados e com a mesma pegada ecológica, uso de traçados com critérios, sendo que a aplicação de tintas sobre 767

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

qualquer piso pode tirar credibilidade de projetos. Criar cultura e educação permanente por campanhas deveria ser a tônica e criar métricas como indicadores de controle da efetividade da ação deveria ser o crescimento de usuários das pistas/Km de ciclovias, ausência de acidentes e outros considerando qualidade versus quantidade e demonstração efetiva de sustentabilidade. 5. Conclusões Há uma longa jornada para transformação de meios urbanos em cidades sustentáveis. A largada foi dada. Políticas públicas brasileiras e dos estados e cidades deram diretrizes para os ODS. Os diversos planos, programas e projetos dos setores públicos e privados começaram a considerar modificações e definições de metas. Pode-se concluir que organizações devem ter a sustentabilidade como centro de toda a estratégia do negócio público ou privado, e não como apêndice ou objeto de projeção. Como resultados da pesquisa identificou-se que, no contexto da infraestrutura urbana devese evidenciar a qualidade de projetos e materiais adequados. No contexto da política pública criação de indicadores e métricas de controle que demonstrem resultados efetivos do desenvolvimento sustentável. As campanhas privadas mostraram melhores resultados e identidade do cidadão, do que com as campanhas públicas. Segundo os pesquisados as campanhas devem ser: mais constantes, com maior ênfase sobre o tema, permanentes, para todas as classes sociais, associando a prática socioambiental com ampliação de status, para maior engajamento social. No contexto do cidadão deve-se pelas campanhas publicitárias garantir a mudança cultural e a educação permanente que traga como foco alguns dos drivers identificados como: saúde, bem-estar, qualidade de vida, drivers de convencimento para mudança do comportamento do consumidor. A Agenda 21, reforçada pela Agenda 2030, a promoção da conscientização e educação tem como objetivo mudar permanentemente o comportamento, hábitos e consciência da população sobre meio ambiente e desenvolvimento a todos os grupos da população. Para que o aumento desgovernado da produção industrial somado, ao desenvolvimento urbano com comportamentos sedentários e consumistas seja iluminado pelas campanhas publicitárias de como está claramente fragilizando o ecossistema global. Diante de tantas incertezas quanto ao futuro do nosso planeta, uma coisa é certa: se nada fizermos estamos destruindo-o rapidamente sem comunicarmos as consequências aos principais responsáveis e afetados por esses atos: Todos nós. 7. Referências FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. Galiani S, Rozada M, Schargrodsky E (2006) Water Expansion in Shantytowns: Health and Savings GIBSON, R. B. Specification of sustainability-based environmental assessment decision criteria and implications for determining “significance” in environmental assessment. Canadian Environmental Assessment Agency Research and Development Programme. Canada, 2001. ____________. Beyond the pillars: Sustainability assessment as a framework for effective integration of social, economic and ecological considerations in significant decision-marking. Journal of Environmental Assessment Policy and Management. Waterloo. Vol. 8, No. 3 pp. 259–280. September 2006a

768

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

____________ Sustainability assessment: basic components of a practical approach. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 24, n. 3, 2006b. KAY, J.J. et al. An ecosystem approach for sustainability: addressing the challenge of complexity. Futures. 31, 721–742. 1999. LAKATOS, E. M. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. Eva Maria Lakatos, Marina de Andrade Marconi. – 4. ed. – São Paulo: Atlas, 1992. MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amotragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 5ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2002. ONU – Organização das Nações Unidas. SUBSTANTIVE ISSUES ARISING IN THE IMPLEMENTATION OF THE INTERNATIONAL COVENANT ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS, General Comment No. 15 (2002), The right to water (arts. 11 and 12 of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights) http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/a5458d1d1bbd713fc1256cc400389e94/$FILE/G0340229. pdf . Página visitada em 24/10/2010. ______________________________________, Relatório dos Objetivos do Milênio http://www.un.org/millenniumgoals/pdf/MDG%20Report%202010%20En%20r15%20low%20res%2020100615%20-.pdf Página visitada em 05/08/2010. _______________________________________. Comentário Geral N.º 15. Comité da ONU sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CESCR). http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/a5458d1d1bbd713fc1256cc400389e94/$FILE/G0340229. pdf . Pagina visitada 20/10/2012. _________________________________, Human Development Report 2006 – Beyond Scarcity, Powerty and Global Water Crisis (N.Y., Palgrave Macmillan,2006). SÃO PAULO. Campanhas Ciclofaixa na cidade de São Paulo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ag90Uc0fWmQ – camapanha, https://www.youtube.com/watch?v=bBKfXMZLH_Y – campanha, https://www.youtube.com/watch?v=98NjTfgAk_M – campanha, https://www.youtube.com/watch?v=UywxyNPchcc – campanha, https://www.youtube.com/watch?v=tfBkhZcFPLQ – reportagem, https://www.youtube.com/watch?v=EwptiCfwXkI –reportagem, https://www.youtube.com/watch?v=sMvSDvHj5yc –depoimento, https://www.youtube.com/watch?v=NAPmyqQkaHc – depoimento, https://www.youtube.com/watch?v=06fuIjWEywo – depoimento, https://www.youtube.com/watch?v=ElVhb8mnF2k – depoimento. Acessados em 01/03/2016. TENDÊNCIAS, Movimento com vida. Disponível em. http://movimentoconviva.com.br/bicicleta-para-todos/ . Acessado em:05/03/2016 19:47. AGENDA 21. - O capítulo 36 da Agenda 21, PROMOÇÃO DO ENSINO, DA CONSCIENTIZAÇÃO E DO TREINAMENTO. VADEBIKE. Pesquisas e levantamentos tornam clara a demanda por ciclovias em São Paulo. Disponível em: http://vadebike.org/2014/07/demanda-por-ciclovias-em-sao-paulo/. Acessado em:05/03/2016 19:47.

769

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Projeto de habitação de interesse social aplicado à cidades de pequeno porte: O caso da Vila Mocó na cidade de Itaporanga, Paraíba, Brasil. MEDEIROS, Mariana1; MANGUEIRA, Filipe²; SILVA, Geovany²; SILVEIRA, José². 1

Universidade Federal [email protected]

da

Paraíba



Faculdade

de

Arquitetura

e

Urbanismo,

2

Universidade Federal da Paraíba – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Lisboa – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Paraíba – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, [email protected], [email protected], [email protected] Resumo O trabalho apresenta processos de pesquisa urbana e desenvolvimento projetual no campo da Arquitetura e Urbanismo para a comunidade da Vila Mocó, situada no município de Itaporanga, no Estado da Paraíba, região Nordeste do Brasil, elaborado através de um projeto de extensão , vinculado à UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e à Prefeitura de Itaporanga. Considerando que o déficit habitacional do Estado da Paraíba em 2012 se situa entre 88,4% nas famílias de baixa renda, o projeto visa atender a essa demanda inserindo novos procedimentos analíticos da problemática urbana associados aos processos de projeto de habitação social sustentável. Os fenômenos de periferização e segregação socioespacial de muitas cidades despertam a necessidade de se repensar o ambiente urbano também em escala global e do impacto ambiental sobre os “sistemas-entorno”. Desse modo, os objetivos se situam na aplicação de pesquisas avançadas na área de tecnologias em projetos habitacionais, buscando colaborar com a realização de arquiteturas e cidades mais sustentáveis para o cenário brasileiro. Assim, a partir do processo de levantamento de dados; realização de mapeamentos em base SIG; questionários; visitas de campo; diagnóstico de demandas e necessidades; elaboração do programa arquitetônico e urbanístico; desenvolvimento de processo projetual e estimativa de custos foi possível alcançar resultados positivos, visto que a participação da comunidade fora realizada por meio das reuniões, questionários e diálogos informais, catalisando os anseios da população, estabelecendo processos projetuais alternativos aos modelos de habitação social generalistas e excludentes da década de 1980 até hoje, bastante recorrentes no Brasil. Reforça-se ainda que este trabalho busca compreender problemáticas sociais e urbanas, além de contribuir academicamente com o desenvolvimento de estratégias no âmbito da urbanidade e da sustentabilidade, capazes de amenizar fenômenos de segregação socioespacial e periferização, no panorama de cidades de pequeno porte. Assim, ressaltase a importância de se enxergar o potencial humano, não de maneira quantitativa, mas por meio de sua dimensão imaterial, tendo na valorização de sua identidade, do cotidiano comunitário, na integração e na diversidade os seus principais direcionamentos. Palavras-chave: Habitação Social; Segregação Socioespacial e Periferização; Sustentabilidade e Urbanidade Aplicadas; Urbanismo em Pequenas Cidades. 1. Introdução Segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o déficit habitacional brasileiro em 2012, totalizava 5.581.968 residências, dentre as quais 124.435 no Estado da Paraíba, situado na região Nordeste do Brasil. Esse dado se agrava quando se verifica que 88,4% do déficit é referente a famílias cuja renda mensal não ultrapassa três salários mínimos. Em função disso, este trabalho legitima sua relevância não somente 770

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

acadêmica mas sobretudo social, ao propor soluções que visem minimizar o quadro apresentado. Em paralelo, a constatação dos fenômenos de periferização e segregação socioespacial em cidades de grande, médio e pequeno porte, desperta a necessidade cada vez mais constante de se repensar o ambiente urbano em escala global. Diante da demanda apresentada, a Prefeitura Municipal de Itaporanga – PB solicita ao corpo docente do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, na pessoa do professor Geovany Jessé A. da Silva, um projeto de intervenção para a parcela da cidade denominada Vila Mocó. Estabeleceu-se esta, pois, como o campo de análises e experimentações para um projeto de arquitetura habitacional e urbanismo. Para tanto, o trabalho assenta seu objetivo principal na aplicação de pesquisas avançadas na área de tecnologias relacionadas à sustentabilidade em projetos de arquitetura habitacional, buscando colaborar com a realização de arquiteturas mais sustentáveis para o cenário brasileiro, que enfrenta desde a segunda metade do século XX o aumento de sua população urbana e por consequência uma demanda crescente de moradias, recursos e energias. A partir de tal resolução, definiram-se como objetivos específicos: atender as demandas e necessidades específicas para o referido projeto de Arquitetura e Urbanismo; elaborar estratégias de projeto e execução em parceria com a comunidade; e promover a interação entre estudantes, pesquisadores, universidade e prefeitura junto ao projeto comunitário participativo. A elaboração deste projeto de Arquitetura e Urbanismo a partir de uma rotina de trabalho englobou o seguinte processo: levantamento de dados primários e secundários (legislação, dados estatísticos, informações complementares); realização de mapeamentos; concepção e aplicação de questionários; visitas de campo e coleta de dados quantitativos e qualitativos; diagnóstico de demandas e necessidades; elaboração do programa arquitetônico e urbanístico; desenvolvimento de processo projetual; elaboração de estudo preliminar e estimativa de custos; e aplicações tecnológicas no campo da permacultura e da urbanidade em Arquitetura e Urbanismo. Além disso, periódicas avaliações foram realizadas, tanto pelo público quanto pela equipe. Assim, por meio de uma rotina de apresentações sistemáticas à comunidade da Vila Mocó e à Prefeitura de Itaporanga, foi possível estabelecer um diálogo entre usuários e promotores do projeto, testando proposições junto ao público-alvo e reajustando-as conforme as novas demandas e necessidades identificadas e mensuradas. Dessa maneira, o presente artigo divide-se em duas partes, sendo a primeira uma revisão teórica dos conceitos de periferização, segregação socioespacial e políticas habitacionais, e consequente aplicação destes ao contexto das cidades de pequeno porte, mais especificamente no caso de Itaporanga; a segunda, por sua vez, fala sobre urbanidade e permacultura no âmbito da reurbanização e regularização fundiária, mostrando como estas se encontram inseridas no projeto de Arquitetura e Urbanismo, o qual é tratado em seguida, sob duas diferentes escalas, a arquitetônica e a urbana. 1.1 Periferização e segregação socioespacial: a necessidade de reverter esse quadro A expansão das cidades sem planejamento adequado é muitas vezes a causa da periferização148, segundo Silva (2007). Tal fato pode ser relacionado às desigualdades 148

A periferização representa, a priori, um resultado do processo de expansão do tecido urbano, incorporando à cidade porções de glebas que antes tinham o uso rural. No entanto, os espaços periféricos atuais dos centros de grande e médio porte têm se diferenciado da noção clássica da periferia, sendo pautada no preceito da segregação da pobreza e da insalubridade em conjunto com a deficiência em infraestrutura urbana. ( Tessari, 2008, p.217) 771

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

sociais, decorrentes do sistema capitalista, onde aquele com maior poder aquisitivo, graças a interesses políticos e econômicos, detém maiores possibilidades de atuação no cenário urbano. Diante disso, Silveira (2014) destaca: O padrão de urbanização produziu aglomerações urbanas que experimentam uma expansão extensiva, fragmentada, descontinua e desestruturada, pautada principalmente pelos interesses do mercado – e também pelos interesses políticos do estado – e pontuada pelo transbordamento dos assentamentos precários e pela distribuição desigual dos bens e serviços públicos, em um quadro dicotômico de formalidade e informalidade/ilegalidade urbana. (Silveira, 2014,p.19) Desse modo, ocorre nas cidades, em sua maioria, um deslocamento da mancha urbana, muitas vezes para áreas rurais ou para o ambiente natural. Esse deslocamento pode não ser agradável, pois à medida em que se distancia do centro urbano local aumenta, em grande parte dos casos, a falta de infraestrutura. “Sendo assim, a periferização representa, não somente uma porção do espaço localizado na porção urbanorural da cidade, mas também “localizada” na periferia das políticas públicas. (Tessari, 2008, p.216). Esses fatores de segregação e desigualdades socioespaciais são muito comuns em países subdesenvolvidos, despertando a necessidade de uma melhor integração com a busca da identidade entre o homem e a cidade. Com o passar dos anos, sobretudo nas últimas duas décadas, a busca pela humanização dos espaços urbanos pautada em decisões participativas e democráticas foi se tornando uma realidade cada vez mais necessária, enquanto ferramenta capaz de incrementar a qualidade de vida e proporcionar uma real definição de lugar para todos os usuários do espaço urbano. A respeito, Milano-Lab (2005) apresenta o seguinte manifesto: Precisamos habituar-nos a projetar antes de tudo os espaços das relações humanas e não prioritariamente os espaços físicos. O projeto dos espaços físicos representa a consequência ou a condição, pode influir ou valorizar um projeto, mas, antes de tudo, é necessário projetar para o modo, o sentido e o objetivo com que as pessoas vivem, individualmente ou em sociedade. [sic] (Milano-Lab, 2005 apud Silva, 2014, p.24). Assim, aliar questões relacionadas ao avanço econômico, social e ecológico à arquitetura e urbanismo pode se tornar a origem para espaços mais integrados, principalmente quando procura-se humanizar e conferir identidade a programas e projetos sociais para a parte segregada do ambiente urbano. Este projeto busca contribuir com futuro da região, atenuando o avanço da periferização e da segregação socioespacial na referida cidade, através de estratégias projetuais integradoras, que fomentem a sustentabilidade e que possam ser replicadas em cidades de pequeno porte, de uma maneira geral. Assim, almeja-se não apenas construir um conjunto habitacional de interesse social, mas sobretudo acentuar o potencial de urbanidade por meio da priorização do pedestre, da preservação das relações sociais e da cultura regional, não os distanciando de suas marcas identitárias, na tentativa de intensificar o vínculo de reciprocidade entre homem e natureza.

1.2 Países subdesenvolvidos: Problemas socioespaciais evidentes O processo de urbanização dos países subdesenvolvidos se deu a partir da segunda metade do século XX e gerou diversos problemas. Assim, evidencia-se na América Latina, o aumento do êxodo rural e a carência de dignidade à essa população crescente, trouxe como 772

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

consequência a formação e expansão de habitações em áreas de risco e/ou segregadas e ao mesmo tempo excluídas da urbe civilis. Segundo Santos (2011) esse processo gerou grandes problemáticas em escala mundial, mas apresentou-se sob diferentes aspectos em várias partes do mundo. Atualmente, as possíveis causas da periferização e segregação socioespacial são a má distribuição de renda, baixos índices de escolaridade e problemas com a moradia. Diante do exposto, o estudo “Pobreza e precariedade do habitat na América Latina” divulgado pelo site da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) em 2004, quatro em cada dez latino-americanos viviam em favelas e apontam que a pobreza e a desigualdade social são responsáveis por essa periferização. O distanciamento do centro urbano, traz consigo uma série de problemas de necessidades básicas como, por exemplo, saneamento básico e iluminação que, ainda segundo o estudo, 76% das edificações nos bairros precários enfrentam a falta desses serviços. Tal problemática mostra-se como uma realidade a ser enfrentada não apenas no cenário das grandes cidades. Resguardadas as devidas proporções, ela pode ser constatada também em cidades de pequeno porte, como é o caso da cidade de Itaporanga, cuja população gira em torno dos 23 mil habitantes, segundo o Senso 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – figura 1.

Figura 01. Localização da cidade de Itaporanga – PB, Brasil e da Comunidade da Vila Mocó em Itaporanga. Fonte: Elaborado pelos autores.

O retrato delineado pela segregação socioespacial torna-se ainda mais evidente ao avaliarse a capacidade de integração entre seus espaços intraurbanos. Em conformidade com boa 773

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

parte dos casos tratados pela literatura vigente, a área em que se circunscreve a Vila Mocó apresenta um baixo potencial de integração com a porção central da cidade, em outras palavras, a justaposição do seu traçado urbano ao do núcleo central da cidade é dificultada em função das poucas conexões entre um e outro, bem como da grande quantidade de passos topológicos149 que estas apresentam. A cidade de Itaporanga possui um grande percentual de pessoas com baixo poder aquisitivo, verificando uma incidência da pobreza em 55,86% segundo dados do IBGE. No entanto, o ponto crítico da cidade vem a ser casos como o da Comunidade da Vila Mocó (figura 01), situada a leste da região da cidade citada, com uma área de 3,5ha, com cerca de 140 habitações e aproximadamente 500 moradores. Dessa forma, assim como muitas cidades de países emergentes, a população da Vila Mocó se encontra, atualmente, em grande pobreza, desprovidos de saneamento básico.

1.3 Políticas habitacionais no Brasil: a necessidade de regularização fundiária As cidades brasileiras se circunscrevem dentro de um panorama comum em que atrelado ao seu processo de periferização, afigura-se o da informalidade urbana, cujo cenário atual se distingue enquanto culminância de um quadro de consolidação de capitalismos nacionais no contexto latino-americano de subdesenvolvimento, intensificado a partir dos anos de 1960 e 1970 (Oliveira, 2014). O rápido processo de industrialização dessas economias acentuou uma série de heterogeneidades culturais que se consubstanciaram no espaço urbano. A despeito disso, Oliveira, 2014 pontua a desigualdade de classes, as disparidades setoriais e a concentração social de renda. A autora evidencia a necessidade de compreender essas questões sob uma ótica mais profunda, onde: [...] o subdesenvolvimento passou, cada vez mais, a ser entendido como um problema de estrutura, cuja superação não está restrita somente ao processo de industrialização, mas à superação de outros entraves estruturais, de natureza social, política e cultural. (Oliveira, 2014. p.168) A partir do momento em que se constatam essas transformações no organismo citadino, emergem as primeiras políticas habitacionais de interesse social. Essas respostas ao crescimento da população urbana e às pressões dos movimentos sociais urbanos ligados às questões de habitação se desdobraram através de diversos programas habitacionais instituídos tanto a nível estadual quanto federal150. 149

O conceito de “passos topológicos” advém da Teoria da Sintaxe Espacial, cunhada por Hillier, 1984. 150

Os princípios norteadores de tais políticas habitacionais e seu consequente modus operandi começaram a ganhar uma estruturação consistente partir de 1979, quando há a aprovação da Lei Federal nº 6.766, que trata do parcelamento do solo. Entretanto, é somente a partir de 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, que se acentuaram os incrementos aos direitos comunitários sobre os assentamentos informais urbanos. Destaca-se, mais recentemente, a 150 Lei Federal nº 11.977, de 07 de julho de 2009 . Em seu capítulo III a Lei Federal nº 11.977, de 07 de julho de 2009 trata, dentre outros temas, da definição de: I - área urbana (área urbana: parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica”. BRASIL. Lei Federal nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Capítulo III. Seção 1. Art. 47 – I), II - área urbana consolidada, III 774

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Ao adentrar esse campo, o projeto buscou respaldo, sobretudo na Lei Federal de nº 11.977, de 07 de julho de 2009, em vista do quadro de irregularidade fundiária identificado na Vila Mocó, aonde nenhum dos moradores tem a posse legal da propriedade em que vive. Chegou-se à resolução de que todas as ações de projeto decorreriam de um inicial estudo de possibilidades de regularização fundiária. De maneira breve, este é um processo que envolve diversos atores, dentre os quais os principais são: o Estado – nas esferas municipal, estadual, federal e da União; e a comunidade – representada, tanto individualmente, quanto em grupo por meio das cooperativas habitacionais, associações de moradores, organizações sociais da sociedade civil e de interesse público (Brasil. Ministério das Cidades, 2010, p.13). A Lei Federal nº. 11.977/2009, define dois tipos de regularização fundiária: a de interesse específico, e a de interesse social, que se destina a ocupações irregulares com população de baixa renda em que seja necessária a aplicação de instrumentos técnicos para assegurar o seu direito à moradia, como é o caso da Vila Mocó. Como parte fundamental do processo, as atuais resoluções legislativas pressupõem uma regularização urbanística atrelada à regularização patrimonial. “[...] o que implica a execução de obras de urbanização e implantação de serviços públicos e equipamentos comunitários. Além disso, a regularização fundiária deve propiciar a compatibilização do direito à moradia com a recuperação de áreas degradadas e com a preservação ambiental.” (Brasil. Ministério das Cidades, 2010, p.6). Por meio dos questionários realizados, bem como das contínuas reuniões com a comunidade, a proposta de regularização fundiária e urbanização da Vila Mocó foi aceita por 85,54% da população entrevistada. 2. Métodos: Identificação das características da Vila Mocó Através de análises realizadas durante os anos de 2014 e 2015 pode-se obter diversas informações acerca da área da Vila Mocó e dos seus habitantes. Assim, seguindo a abordagem metodológica de Del Rio,1990151, aderiu-se às seguintes etapas: análise morfológica e visual, percepção ambiental e análise de comportamento ambiental para gerar um produto final - o Projeto de arquitetura e urbanismo para a Vila Mocó em Itaporanga, PB. 2.1 Análise Visual Através de aerofotogrametria (Google Earth Pro 2014/2015) e observações in loco, a comunidade apresenta morfologicamente vias estreitas distribuídas de forma ortogonal.

demarcação urbanística, IV - legitimação de posse, V - Zona Especial de Interesse Social – ZEIS, VI – Assentamentos Irregulares (“assentamentos irregulares: ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia”. BRASIL. Lei Federal nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Capítulo III. Seção 1. Art. 47 – VI.) e VII – Regularização Fundiária de Interesse Social.



151

A abordagem metodológica proposta por Del Rio, 1990, é produto da síntese de diversas teorias, dentre as quais destaca-se a Análise Visual, Cullen, 1961; Análise Morfológica (Rossi, 1966, Castex & Panerai 1971, Gebauer 1980, Del Rio 1981); Percepção ambiental (Bailly, 1979, Oliveira, 1983, Lynch, 1960); e Análise Comportamental, Steinitz (1968), Lang (1987), Whyte (1980). 775

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As edificações são relativamente contíguas e possuem um padrão construtivo com alvenaria autoportante. Algumas se utilizam de materiais regionais como a taipa, devido ao baixo custo. Pode-se observar os tipos de edificações na figura 2.

Figura 2. Imagens destacando o padrão construtivo das edificações, materiais e configuração das edificações no espaço, bem como o esgoto a céu aberto e a presença de animais. Fonte: Francisco Gustavo C. de L. Moura.

Constata-se ainda a forte influência do meio rural no cotidiano da Vila, por meio da presença constante de animais como cavalos, porcos e galinhas nas suas ruas ruas, cuja pavimentação inexiste, assim como saneamento básico. Em relação a isso, todo o esgoto é lançado nas ruas, aumentando riscos de contaminação como também é notória na figura 2. Ademais, um número considerável de residências é contemplada por sistema de abastecimento de água, obrigando a população a estar permanentemente à mercê de caminhões de abastecimento. Acresce-se a isso, a ausência de coleta de lixo e educação da população quanto ao seu descarte. Identificou-se como principais equipamentos de uso comum um centro comunitário, aonde são realizadas reuniões entre os moradores e uma igreja evangélica para encontros religiosos de parte da população da Vila.

2.2 Análise Morfológica As primeiras visitas foram de análise do terreno, das edificações e de como estas se configuram no espaço urbano. Dessa maneira, como resultado final desta etapa, a fim de facilitar posteriores estudos sobre o espaço urbano, desenvolveu-se mapas de uso do solo, gabarito e área do lote, podendo ser identificado também como se configuravam as ruas e os lotes no espaço. Pode-se então constatar que a maioria das edificações são residenciais e apresenta apenas 1 (um) pavimento com pouca área construída. A priori, pode-se observar que estas construções se deram de maneira espontânea, resultando em diversos espaços vazios entre as edificações. Alguns mapeamentos de dados e seus resultados podem ser observados na figura 3.

776

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 3. Mapa de área construída identificando também a configuração dos lotes e ruas. Fonte: elaborado pelos autores.

2.3 Percepção Ambiental Com o intuito de assimilar melhor as características da Vila Mocó para além de suas implicações físicas, foi necessário um contato constante com os moradores do bairro. Isso possibilitou uma melhor compreensão do lugar em função das principais necessidades dos moradores. Dessa forma, através da aplicação de questionários e conversas informais buscou-se conceber um projeto que fosse capaz de minimizar as carências da sociedade frente a um contexto de precariedade. Assim, por meio dos questionários aplicados obtevese informações quanto à faixa etária da população, às relações de vizinhança, se estavam satisfeitos com a moradia e os anseios da comunidade quanto a infraestrutura. A partir dos dados levantados pelos questionários pode-se constatar que 50,7% possuem casa própria, no entanto, apenas no que se refere a questão da autoconstrução, pois todas as residências se encontram sem posse em termos legais. Além disso, notou um grande número de pessoas morando em casas com áreas inferiores a 50m² e 63% dos moradores recebem até um salário mínimo, sendo em sua maioria famílias bastante carentes, como pode-se constatar na figura 4.

777

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 4. Mapas de estudo da Comunidade da Vila Mocó. Fonte: Elaborado pelos autores.

2.4 Análise Comportamental Essa análise foi de suma importância para a maioria das decisões projetuais. Assim, observou-se que os indivíduos da comunidade possuem características interioranas e prezam por um contato com a vizinhança. Este se dá através de encontros nas calçadas, janelas frontais para avistar a rua e se relacionar com os transeuntes. Ademais, a todo momento a grande maioria das pessoas circulavam pelas ruas a pé, não havendo muito espaço para carros principalmente nas ruas estreitas, ortogonais às vias principais da Vila. Existiam também alguns espaços vazios em meio ás residências e outros semi-utilizados, nos quais, os pedestres se utilizam como caminhos alternativos ou para depósito de lixo. A ideia do quintal também permanece. A maior parte dos moradores possuía espaços internos na casa como “quintais”, os quais utilizavam para estender roupa, criar animais, guardar materiais, entre outros. Destarte, idealizou-se um projeto que não desviassem tanto as marcas comportamentais, um tanto quanto identitárias da sociedade local. Esses fatores podem ser notados nas imagens da figura 5.

778

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 5. Apropriação da rua e da calçada pelos moradores. Fonte: Francisco Gustavo C. de L. Moura.

3. Resultados e Discussão Apoiada nas análises desenvolvidas, a concepção do projeto evidencia algumas questões que se centram na retomada de certas características inerentes à “cidade tradicional”. A partir da década de 1960, a crítica ao padrão moderno de habitar, trabalhar, recrear-se e circular, sintetizado na Carta de Atenas, despertou, como evidencia Pereira (2003), um interesse pela “busca da urbanidade perdida”, fazendo alusão a um termo oriundo da Era Medieval, no qual, a urbanidade correspondia ao padrão de conduta dos cidadãos. Para compreender melhor o que vem a ser urbanidade, necessário se faz distingui-la do termo urbano que de acordo com Pereira (2003) “assumiu uma conotação mais próxima do concreto, do real, do físico”, embora com o mesmo radical. Desse modo, pode-se dizer que o termo urbanidade assume uma dimensão imaterial, na medida em que se refere: [...] ao espaço como uma dimensão social, bem como a emoções, casualidade e oportunidade, complexidade e diferença, irresolvibilidade existencial de importantes contradições, e pensamento em cadeia versus pensamento linear e hierárquico. (PEREIRA, 2003, p.03).

É importante destacar, que mesmo a Vila Mocó estando fisicamente atrelada ao tecido urbano, a maior parte do sustento e trabalho dos moradores advém da agricultura, enquadrando-se assim no que se pode chamar de urbanidade rural. Para Ramos e Pessoa (2012) esse “novo” rural é característico da globalização, pois é um fator preponderante na articulação entre cidade e campo, facilitado pela expansão da malha rodoviária e o acesso aos meios de comunicação. “...chama de urbanidade rural, ou seja, a transposição aos espaços rurais das práticas de planejamento urbano, onde por meio de novos modos de organização busca-se a construção de uma identidade territorial própria. Essa aproximação do meio rural e do urbano permite aos poucos um alinhamento progressivo dos modos de vida entre os habitantes desses dois tipos de espaços, bem como constatar até que ponto as dinâmicas urbanas são absorvidas pelo meio rural. ” (TOLEDO,GIATTI, PELICIONI, 2008) À vista do exposto, buscou-se atender às necessidades dos moradores evidenciando os valores éticos e condutas de sociabilidade urbana, característicos desse urbanismo rural, a serem

779

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

sintetizados na configuração do projeto. Torna-se oportuno aderir a alguns ensinamentos da 152 permacultura .

O projeto permacultural requer planejamento, utilização e manutenção de ecossistemas de modo consciente, resultando uma integração harmoniosa entre as pessoas e a passagem, provendo alimentação, energia e habitação, entre outras necessidade materiais e nãomateriais, de forma sustentável. (PNFC, 1998). Os conceitos de permacultura e a urbanidade rural assumem um caráter fundamental para as decisões de projeto, na medida em que ambos conformam diferentes caminhos para a promoção da integração socioambiental almejada. A partir desses princípios e do diagnóstico realizado com a comunidade, delimitou-se duas escalas de atuação – urbanística e arquitetônica. Embora reconheça-se que essas escalas ou níveis estejam intimamente vinculados entre si, eles são tratados no presente trabalho meramente como convenções, para uma abordagem facilitada das proposições projetuais.

3.1 Escala Urbanística Para JACOBS 2000, a cidade é um território de relações no qual cada cidadão/cidadã busca satisfazer suas necessidades e realizar seus quereres. É uma realidade viva, pulsante. Ela é composta por uma rede de pessoas, mercadorias, matérias, energias em constante movimento. Assim, buscou-se, em grande parte, atrelar suas teorias ao projeto urbanístico da Vila Mocó. Apoiada urbanidade é tratada no projeto como um de seus princípios norteadores. E para tanto, adotou-se como critérios de atuação, alguns dos indicadores utilizados por Pereira (2003) a partir da elaboração dos conceitos de urbanidade à priori e posteriori, por Lèvy (1997). São eles: 1. Diversidade de usos do solo urbano; 2. Existência contínua de esquinas; 3. Flexibilidade no uso das edificações; 4. Densidade mínima necessária de pessoas; 5. Continuidade nos caminhos de pedestres e proximidade das construções. Como forma de preservar as relações de identidade e de pertencimento dos moradores em relação ao espaço em que habitam, buscou-se manter as principais características do traçado viário. Na tentativa de potencializar a integração da área em questão, e favorecer os futuros deslocamentos exercidos quando da consolidação de seu entorno, a malha viária precisou entrar em concordância com o seu derredor. Este fato, acabou alterando ligeiramente o formato e a direção das ruas, sem, entretanto, alterar o seu aspecto global. Um outro fator determinante para essa alteração na configuração morfológica das vias foi a padronização dos lotes. Estes assumem um formato retangular, tendo sete metros em largura e quinze como comprimento. A justaposição desses lotes retangulares gera quadras igualmente ortogonais, com trinta metros de comprimento e larguras variáveis. Como terceiro e talvez mais importante condicionante, tem-se a preservação das relações de vizinhança. Isso significa dizer que o máximo de moradores permanecerá na mesma rua em que anteriormente morava, diminuindo ainda mais o impacto que teria essa intervenção. Pode-se comparar a atual situação das vias com as novas disposições para estas através da figura 6.

152

Entende-se como permacultura a síntese das práticas agrícolas tradicionais com ideias inovadoras, proporcionando o desenvolvimento integrado da propriedade rural de forma viável e segura para o agricultor familiar.

780

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 6 – Comparação entre a situação atual e a situação futura, pós projeto. Fonte: Imagens de satélite Google Earth Pro, editada por Filipe Gonzales e Mariana Daltro. Fonte: Elaborado pelos autores.

Constatou-se também que organização dos espaços que atualmente conformam Vila Mocó resulta na predominância de áreas vazias e subutilizadas, em detrimento das áreas construídas, distribuindo-se estas últimas de maneira esparsa em oito das onze quadras que compõem a área abordada. Apesar desses vazios acabarem favorecendo o acúmulo de lixo, tais espaços contribuem para dinamizar os fluxos de pedestres que se distribuem ao longo da comunidade. Chegou-se à conclusão de que essa característica, caso fosse bem direcionada, poderia corroborar para a criação de um espaço público mais propício a encontros, favorecer a interação entre moradores de diferentes ruas e proporcionar mais liberdade de escolha para os seus percursos – pontos fundamentais para a vitalidade urbana, como assinala Jacobs (2000). Desse modo, optou-se por gerar quadras mais curtas e permeáveis ao pedestre, por meio da subtração de um ou mais lotes em pontos estratégicos, gerando “nós” favoráveis à 781

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

disposição de pontos de comércio. Esse ato, teve como efeito a criação não somente de espaços de passagem, mas também de encontro e permanência, materializados nas praças de caráter local. Segundo Del Rio (1990), o ambiente ele é capaz de sugerir, falicitar, inibir ou definir comportamentos. É importante ressaltar, que buscou-se gerar um ambiente sociopetal, ou seja, um lugar que congrega, direciona a um lugar central, assim como Lang (1987) atribui aos espaços com qualidade de interação e integração social. Além de ser pouco integrada com o centro da cidade, a região que se encontra a Leste do Rio Piancó não dispõe de nenhum espaço público destinado encontro e ao lazer. Ao mesmo tempo que intensifica a dependência dessa área em relação ao Centro, esse fato reafirma a necessidade de implantação de espaços que preencham a atual lacuna. Propõe-se, assim, um espaço bem delimitado capaz de receber equipamentos voltados à comunidade, permeável e acessível sobretudo à escala humana. Dessa forma, os espaços públicos destinados ao encontro dividem-se em dois: praças locais e praças de bairro. Ambas podem ser observadas na figura 7.

782

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 7. Vias, praças e pontos de comércio. Fonte: Elaborado pelos autores. 783

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A maioria dos moradores realiza seus percursos intraurbanos à pé, de bicicleta ou por meio de veículos de tração animal. Tais formas de deslocamento mostram-se perfeitamente viáveis e, como maneira de estimular esse tipo de prática, a largura das vias varia de sete a dez metros, de modo que a disposição destas no sítio encontra-se intimamente ligada à priorização do pedestre. Criou-se, como mostra a figura 6, um anel ao longo do qual estão situadas quatro ruas com largura entre oito e dez metros, por onde se distribuem os fluxos mais intensos. Dentro desse anel, as vias assumem largura de sete metros e recebem pavimentação diferenciada, gerando, assim, um calçadão que permeia sete quadras, conferindo-as unidade. As vias que compõem este calçadão são dotadas de um sistema de “biovaletas”, que promove a coleta das águas pluviais e as conduz para a porção mais baixa do sítio por meio dos desníveis do próprio terreno. O uso do solo urbano varia entre residencial, comercial, institucional, áreas verdes e áreas de plantio. Contudo, as edificações residenciais foram pensadas para, a partir de sua configuração espacial, assumirem um caráter misto, com o passar dos anos, legitimando assim o potencial de urbanidade que se almeja para o bairro. No que diz respeito à programação dos espaços públicos, ressalta-se que esta vem a atender a toda a população da região leste da cidade. Sendo assim, a partir do contato estabelecido com a comunidade, identificou-se a necessidade desta por um espaço aonde pudessem exercer suas práticas religiosas, bem como um local que abrigasse a sede comunitária e ainda pudesse abrigar possíveis reuniões e eventos, como podem ser vistos em paralelo na figura 8.

Figura 8. Proposição do Centro Comunitário e Centro Ecumênico respectivamente. Fonte: Elaborado pelos autores.

Ao contrário do que se vê em muitos projetos de habitação de interesse social desenvolvidos, sobretudo, por estâncias estatais, a implantação dos equipamentos públicos, ao invés de concentrar-se em um único ponto, distribui-se ao longo de todo o bairro, intensificando os fluxos pelas vias. A partir dessas exposições, a elaboração de bons espaços públicos e melhoria de vida, passará a influenciar, consequentemente, os fluxos da cidade, visto que a Vila Mocó possuirá elementos atrativos, gerando uma integração com as pessoas de outras localidades. Assim, durante as pesquisas na área, percebeu-se uma via em potencial que poderia facilitar os deslocamentos entre as duas porções da cidade. Por meio da diminuição de passos topológicos, a Estrada do Caiçara – que liga parte da zona rural da cidade à sua porção urbana – passa a conectar-se diretamente com a rua Caetano Rodrigues Pita. Figura 9. 784

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 9. Localização do possível percurso no mapa de Itaporanga, Paraíba- Brasil. Fonte: Google Earth Pro, editado por Filipe Gonzales e Mariana Daltro.

Para a concretização das intervenções urbanísticas, o projeto prevê que os moradores sejam gradualmente realocados para residências temporárias, que terão servido, ao término do projeto, a toda a comunidade. Um importante aspecto, diretamente ligado às discussões acerca de sustentabilidade é o fato de que somente melhorias urbanísticas e arquitetônicas não são suficientes para assegurar o avanço das condições da comunidade. Torna-se mister a criação de redes sustentáveis de colaboração. E para que isso venha a ocorrer, após as discussões com a comunidade, chegou-se à proposta de criação de um espaço para o plantio a ser utilizado pelos próprios moradores, visto que boa parte deles é de origem rural e já detém conhecimentos na área de agricultura. Sendo assim, propõe-se a criação tanto de uma horta comunitária, quanto de um espaço de capacitação, a fim de incentivar e aprimorar o potencial da comunidade. 3.2 Escala Arquitetônica A próxima parte do trabalho trata especificamente do padrão residencial desenvolvido para a Vila Mocó e de como os princípios de Urbanidade e Sustentabilidade refletem-se no objeto edificado, tornando-o um modelo possível de ser adaptado e/ou aprimorado para diferentes contextos urbanos, sobretudo o de cidades de pequeno porte. Os moradores da Vila Mocó estabelecem fortes relações entre os ambientes públicos e privados, no qual, essas relações são de extrema importância e deve-se fazer o possível para que estas se mantenham próximas, segundo Hans (2015). Dessa maneira, tomou-se como um dos primeiros condicionantes para a elaboração da unidade habitacional, o vínculo que esta teria tanto com a rua, quanto com as demais habitações. Assim, o recuo frontal se limitaria a 1,5m, o posterior a 2,75 e os laterais inexistiriam. Caso existissem, os recuos laterais resultariam em espaços difíceis de se aproveitar, ficando, assim, subutilizados. Otimizou-se, pois, a relação entre as áreas livres e a área construída dentro do lote, gerando um pátio com dimensões de 3,15m por 5,30m que, integrado à área do recuo frontal, totaliza 27m². A partir dessa configuração morfológica, explorou-se diferentes possibilidades de 785

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

combinação mediante a justaposição das residências, como se encontra em destaque na figura 10.

Figura 10. Diagrama de combinações entre as edificações e as áreas livres. Fonte: Elaborado pelos autores.

Além de contribuir para a permeabilidade e para as consequentes relações de troca entre os espaços público e privado, o pátio também é responsável pela criação de um microclima, minimizando a temperatura dos ambientes internos e regular a umidade relativa do ar. O fato de os moradores não concordarem em serem realocados para moradias verticalizadas reduziu, em um primeiro momento, as possibilidades de adensamento para a área. Todavia, enxergou-se na própria edificação um meio para uma impulsão gradual desse adensamento. Desse modo, necessário se fez desenvolver estratégias de expansão tanto horizontal quanto vertical. Para isso, dividiu-se planta da casa em duas alas: uma destinada ao convívio social (em vermelho) e outra aos dormitórios (em azul). Uma trama de pilares intercepta essas duas zonas. A técnica do concreto armado é amplamente difundida na cultura da construção civil brasileira e não demanda mão-de-obra especializada como estruturas em aço ou madeira. Além disso, o seu custo-benefício possibilita que os próprios moradores realizem futuramente a expansão de suas residências, complementando a estrutura pré-existente com as vigas e a laje do pavimento superior. Apoiando-se na trama de pilares, a estrutura da coberta consiste em seis vigas treliçadas metálicas, que sustentam transversalmente perfis do tipo “U” e estes, por sua vez, as telhas cuja matéria-prima é o Tetra Pak. Além de serem fabricadas a partir de processos de reciclagem, elas chegam a ser 25% mais baratas que as telhas convencionais, e diminuem a dispersão de calor no ambiente. De modo geral, o peso reduzido da coberta, se comparada a estruturas de madeira ou concreto, permite um fácil manuseio, em caso de expansões verticais – figura 11.

786

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 11. Diagrama Construtivo e espacial. Fonte: Elaborado pelos autores.

A modulação dos espaços obtida a partir da disposição prévia dos elementos estruturais possibilitou, desde já, que se elaborassem uma série de estudos de expansão capazes de atender as necessidades futuras dos moradores. Partindo de uma residência padrão com dois quartos e um banheiro, os esquemas de evolução dos espaços possibilitariam a criação de até seis combinações diferentes de plantas. Isso tornou possível a inserção de até três quartos a mais em seu adensamento máximo, além de um pequeno ponto comercial – figura 12.

787

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 12. Diagrama de expansões. Fonte: Elaborado pelos autores.

788

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Ademais, no esquema que apresenta acessos independentes aos diferentes pavimentos, os moradores teriam, inclusive, a oportunidade de incrementar sua renda, alugando o pavimento superior para uma outra família. Essa flexibilidade no que diz respeito a futuras expansões da residência corroboram não apenas para o adensamento populacional do bairro, mas também para acentuar a individualidade de cada família, gerando, com o passar dos anos, diversidade ao ambiente construído e aumentando o seu potencial de imageabilidade. Nas estratégias de adaptação bioclimática, além do pátio, o projeto conta com elementos de proteção solar, como beirais, pergolados e paredes vazadas obtidas a partir da combinação dos próprios tijolos. Ao mesmo tempo em que protegem da insolação direta, essa porção vazada da parede favorece a circulação do ar, dando vazão ao ar quente do interior para o exterior. Ainda no que diz respeito à proteção solar, foram desenvolvidos uma série de estudos de insolação que atestam o bom desempenho da residência, em três horários distintos de quatros épocas diferentes do ano, em quatro diferentes implantações. Por se fazerem presentes no imaginário da população local, deu-se prioridade a materiais utilizados regionalmente, como ripas de madeira para o pergolado frontal e o tijolo de solocimento que, além de diminuir consideravelmente a quantidade de argamassa em seu assentamento torna desnecessário o uso de reboco ou pintura, como se vê na figura 13.

Figura 13. Perspectiva das habitações propostas para a Vila Mocó. Fonte: Elaborado pelos autores.

4. Conclusões Observou-se que os processos de periferização e segregação socioespacial constituem algumas das problemáticas que caracterizam a contemporaneidade. Todavia, é no cenário dos países emergentes, desde as suas metrópoles até as cidades de pequeno porte, que podem ser constatados mais profundamente os impactos de tais fenômenos. O estudo abrangente dessa problemática permitiu aplica-la à realidade enfrentada pelos moradores da Vila Mocó, no interior do Estado da Paraíba. Ademais, o contato com a comunidade realizado por meio das reuniões de participação pública, questionários e ainda por diálogos informais, serviu como um importante instrumento capaz de catalisar os anseios da população, consubstanciando-os de maneira um pouco mais sensível, ao 789

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

comparar-se a certos modelos de habitação social generalistas e excludentes, reproduzidos desde a década de 1980 até os dias atuais. O projeto aplicado à Vila Mocó permitiu tanto a compreensão de problemáticas sociais e urbanas, quanto a contribuição por meio do desenvolvimento de estratégias no âmbito da urbanidade e da sustentabilidade, capazes de reverter os fatores de segregação socioespacial e periferização, no panorama de cidades de pequeno porte. Assim, ressaltase a importância de se enxergar o potencial humano, não de maneira quantitativa, mas por meio de sua dimensão imaterial, tendo na valorização de sua identidade, na integração e na diversidade os seus principais direcionamentos. Agradecimentos Cabe agradecer a todos os envolvidos nesse trabalho de pesquisa e projeto, a começar pela PRAC-UFPB em decorrência do apoio financeiro e logístico concedido, bem como à Prefeitura de Itaporanga, que viabilizaram apoio de visitas e logística à cidade e à comunidade de Itaporanga-PB, Brasil. Também reforçamos o agradecimento aos professores e estudantes envolvidos, bem como ao Departamento e Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da UFPB, Centro de Tecnologia. Em especial, gostaríamos de agradecer à comunidade da Vila Mocó, moradores e agentes sociais, que nos receberam nas visitas, questionários e apresentações públicas. Este artigo é resultante do Projeto de Extensão intitulado “Projeto de Arquitetura e Urbanismo para a Comunidade da Vila Mocó em Itaporanga-PB”, coordenado pelos Prof. Dr. Geovany Jessé A. Silva e Prof. Dr. José Augusto R. da Silveira, e financiado pela Programa de Bolsas de Extensão – Probex-UFPB 2014 e 2015. Cabe destacar os integrantes e colaboradores do Projeto: Profa. Dra. Milena Dutra da Silva, Prof. Dr. Carlos A. Nome, Bernardina Silva de Carvalho (PRAC-UFPB); Estudantes colaboradores do PPGAU: Arthur Lacerda Cavalcante, Ézio Simões, Rafael Eduardo López Guerrero; Estudantes colaboradores ou bolsistas da Graduação: Katherine de Vargas Nery (Bolsista PRAC 2014), Lara Feitosa Martins (Bolsista PRAC 2014), Rickson Anderson Couras de Carvalho (Colaborador), Vivianne Lisbethe Bezerra Maropo (Bolsista PRAC 2014), Filipe Gonzales Nobre Mangueira (Bolsista PRAC 2015) e Mariana Daltro Leite de Medeiros (Bolsista PRAC 2015). Todos integrantes ou colaboradores do LAURBE-UFPB. Vigência do Projeto: de maio de 2014 a janeiro de 2016. Local: LAURBE-UFPB, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Centro de Tecnologia, Universidade Federal da Paraíba – UFPB, João Pessoa-PB, Brasil. Referências Acselrad, H. Discursos da sustentabilidade urbana.R. B. Estudos Urbanos e Regionais, nº1, maio de 1999. http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/rbeur/article/viewFile/27/15 (accessed 08.24.2015). CBIC – Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Déficit Habitacional do Brasil. http://www.cbicdados.com.br/menu/deficit-habitacional/deficit-habitacional-no-brasil. (accessed 08.22.2015). Del Rio, Vicente. 1990. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. Pini, São Paulo. pp. 67 – 106. Donald, Joan. 2004. Pobreza y precariedade del hábitat em ciudades de Améria Latina y el Caribe. CEPAL, Santiago de Chile. http://www.cepal.org/pobrezaurbana/docs/PEID/MacDonald.pdf (accessed 08.24.2015). 790

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Hillier, B., Hanson, J. 1984. The social logic of space. Cambridge: Cambridge University Press. Hillier, B., Penn, A., Hanson, J., Grajewski, T. Xu, J. 1993. Natural movement: or, configuration and attraction in urban pedestrian movement. Environment and Planning B. Hillier, B. 1996. Space is the machine. Cambridge: Cambridge University Press. Holmgren, D.2002. Permaculture: Principles & Pathways Beyond Sustainability. Austrália, 2002. www.holmgren.com.au ( accessed 03.28.2016 ) IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultado do Censo de 2010.http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=32456 (accessed 08.23.2015). Jacobs, Jane.2000. Morte e vida de grandes cidades. Martins Fontes,São Paulo. Karssenberg, H. 2015. A cidade ao nível dos olhos: lições para os plinths. EDIPUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Lang, J. 1987. Creating Architectural Theory. New York: Van Nostrand Reinhold Company Inc., pp. 157-166. Lynch, Kevin. 1960. The Image of the City. MIT Press, Cambridge,Massachusetts. Moquay, P. 2001. L’ invention dês nouveaux territoires: uneurbanité rurale. In: DEFFONTAINES, J. P.; PROD’HOME, J. P. (Orgs.). Territories et acteurs du développemente local: de nouveaux liex de démocratie. Éditions de I’aube, Paris. Pereira, E. M. Urbanidade e sustentabilidade de espaços públicos. X Encontro Nacional da Ampur, 2009. http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/viewFile/2049/2009((acce ssed 08.24.2015). Ramos, H.; PESSOA, V. 2012. Urbanidades no rural: consumo e valorização da cultura urbana na comunidade macaúba/catalão (GO). Universidade Federal de Goiás, Brasil. Salíngaros, N., Brain, D., Duany, A., Mehaffy, M., Petit, E.P. 2010. Habitação socialmente organizada, uma nova abordagem à estrutura urbana I:design capaz de estabelecer posse emocional. Revista Brasileira de Gestão Urbana, Florianopólis, v. 2, n. 2, p. 191-211. Silva, K. O. A periferização causada pela desigual urbanização brasileira. Revista Urutágua, Maringá, n.11, jan. 2007.http://www.urutagua.uem.br/011/11silva.htm ( accessed 08.24.2015). Silveira, J., Cotrim, M. 2014. Lugares e suas interfaces intraurbanas. João Pessoa: F & A Gráfica e Editora LTDA, pp. 182.

791

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Silveira, J., Dutra, M., Castro, A. 2014. Dinâmica da Cidade Bordas Urbanas. João Pessoa: F & A Gráfica e Editora LTDA, pp. 188. Soares, A. 1998. Conceitos básicos sobre Permacultura. MA/ SDR/ PNFC, Brasília, DF, Brasil. Tassara, E. 2007. Urbanidade e periurbanidade(s). Reflexões sobre psicossociais das dinâmicas históricas. Série Documental (UFRJ), Brasil.

dimensões

Tessari, L., Braga, R.2008. Segregação e periferização urbana em cidades pequenas: O caso de Gavião Peixoto – SP. Geoambiente On-line, Jantaí, n.10, pp.214 – 231. Toledo, R.; GIATTI, L.; PELICIONI, M. 2008. Urbanidade rural, território e sustentabilidade: relações de contato em uma comunidade indígena no noroeste amazônico. Ambiente & Sociedade, Campinas,Brasil, v.12, p.173-188.

792

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

LEGISLAÇÃO AMBIENTAL, MARKETING VERDE E CONSUMO SUSTENTÁVEL

Carlos Rafael Bogdezivicius153, Luzivaldo Félix Fonseca Filho154, Luiza Lucchi155, Célia Regina Ferrari Faganello156

Um grupo crescente de organizações tem percebido que a massa crítica anseia por produtos/serviços ecologicamente corretos e socialmente justos, o que fomentou o surgimento do Mercado Verde, cuja ampliação e massificação dependem fundamentalmente de atingir outros públicos que mostram-se menos preocupados com as questões ambientais. Havendo equilíbrio entre normatização e conscientização existe maior possibilidade de solidificar e potencializar esse mercado. São os objetivos deste trabalho: elencar o rol de leis ambientais, tratados e protocolos que embasam o mercado verde; demonstrar que o marketing verde associado à legislação ambiental e à maciça ampliação do acesso às informações referentes à totalidade dos ciclos produtivos, informações essas provenientes da gestão pública e da iniciativa privada, podem induzir o consumo sustentável e consequente necessidade de alteração comportamental ambiental, social e econômica do Estado e das organizações privadas. Realizou-se pesquisa exploratória de delineamento bibliográfico e documental, com análise e discussão de livros, artigos científicos, doutrinadores e arcabouço jurídico ligados ao tema pesquisado. Partindo-se do pressuposto de que o respeito ao meio ambiente é dever de toda a sociedade e não só do Estado, conforme dispõe o artigo 255 da Constituição Federal do Brasil de 1988, o consumidor deve compreender que antes de ser um elemento do contexto mercadológico, é um elemento que compõe um contexto social, devendo consumir de forma consciente. O consumo nas sociedades ocidentais é fruto de um paradigma social dominante que tem como base a obtenção da qualidade de vida através da ideologia do consumismo de materialidade, ou seja, o “ter algo” ou invés do “ser alguém melhor”. Dentre as normas que fundamentam o consumo sustentável, destacam-se: Constituição Federal; Política Nacional do Meio Ambiente; Política Nacional de Resíduos Sólidos; Lei de Crimes Ambientais; Projeto de Política Nacional de Estímulo à Produção e ao Consumo Sustentáveis; Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária; Princípio do Poluidor-Pagador; PNUMA; normas da série ISO 14.000. Quanto ao marketing ambiental, o mesmo não deve ter foco em apenas ser utilizado como mais uma ferramenta mercadológica com vistas à maximização de lucros em detrimento a um panorama socioambiental negativo que está amplamente percebido e em 153

Bacharel em Administração com habilitação em Marketing; Mestrando em Gestão Ambiental; Professor no curso de Administração da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes – FNSL e da Universidade Salvador - UNIFACS. E-mail: [email protected] 154 Graduando em Administração – FNSL. E-mail: [email protected] 155

Bacharela em Administração; Servidora técnica federal da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB. E-mail: [email protected] 156

Pós-doutora em Direito Ambiental; Doutora em Ecologia Aplicada; Mestre em Ciências; Especialista em Direito Ambiental; Bacharela em Direito; Engenheira Agrônoma; Professora adjunta, nível IV, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Sosígenes Costa, da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB, Campus de Porto Seguro. E-mail: [email protected] 793

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

crescimento constante. Deve haver, por parte do Estado e das organizações privadas, comprometimento em desenvolver e aplicar o marketing ambiental que fundamente-se na quebra do paradigma social dominante onde o consumismo exacerbado é o grande propulsor da economia. Esse movimento poderá ocorrer caso o redesenho dos modelos produtivos atuais sejam idealizados a partir de valores ambientalmente corretos, socialmente justos e economicamente viáveis respeitando a legislação vigente. Conclui-se que a legislação ambiental associada ao marketing verde formam a base da resposta de caráter proativo que as organizações podem oferecer à sociedade, ao mercado e ao próprio meio ambiente, demonstrando que para permanecerem competitivas devem adotar a gestão ambiental na busca pela ecoeficiência. Finalmente, educação ambiental e acesso à informação formam a espinha dorsal que pode transformar o comportamento das pessoas, exigindo do Estado e da iniciativa privada políticas e ações ambientais necessárias ao desenvolvimento e consumo sustentáveis.

Palavras-chave: Marketing Ambiental, Desenvolvimento Sustentável.

Legislação

Ambiental,

Mercado

Verde,

794

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A questão da Sustentabilidade e do Direito a Cidade em Fortaleza: um diálogo necessário

Luan Sousa Universidade Federal do Ceará Brasil, Ceará, Fortaleza E-mail: [email protected]

Ana Sousa Universidade Federal do Ceará Brasil, Ceará, Fortaleza E-mail: [email protected]

Resumo

O presente trabalho tem o objetivo de mostrar como as fortes discrepâncias socioambientais que as cidades brasileiras, em especial Fortaleza, sofrem internamente dificultam a implementação do conceito de sustentabilidade. Sendo assim, se traz à baila como a ascensão e a consolidação de um modelo prevalecente de sustentabilidade, em que poucas pessoas são beneficiadas, podem contribuir para a criação de mais um espécime de segregação em que apenas determinada parcela da população tem acesso a equipamentos urbanos e moradias sustentáveis. Por meio de uma leitura crítica de elementos do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor Participativo de Fortaleza e de outros instrumentos legais, além de leituras diversas, chegou-se a noção de que a sustentabilidade, para ser efetiva no Brasil, necessita urgentemente mudar de ótica. Uma alternativa para que isso aconteça seria aliar efetivamente o conceito da sustentabilidade com o do Direito à cidade compreendido, em linhas gerais, como o direito de ter um ambiente urbano igualitário, acessível e justo para todos. A pesquisa realizou uma avaliação da opinião pública, por intermédio de questionário realizado com pessoas de diferentes faixas etárias no intuito de averiguar como elas percebiam as ações sustentáveis no município fortalezense, a exemplo dos bicicletários promovidos pelo Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito. Procurou-se com esta avaliação focar em como essas ações impactavam a realidade dos munícipes em direção a um sentimento de inclusão num ambiente urbano sustentável. O sistema Bicicletar é composto por estações inteligentes, conectadas a uma central de operações via wireless, alimentadas por energia solar, distribuídas em pontos estratégicos da cidade, onde os clientes cadastrados podem retirar uma bicicleta, utilizá-la em seus trajetos e devolvê-la na mesma, ou em outra estação. Prosseguindo nesta linha, o presente estudo também realizou um comparativo, por meio de pesquisa qualitativa em formato de entrevista, entre a realidade dos munícipes de áreas vulneráveis com os outros que vivem em áreas nobres no intuito de analisar como as realidades distintas enxergam a sustentabilidade em seu meio. Dessarte, após tais averiguações voltou-se aos documentos 795

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

formais utilizados neste trabalho e ao ler as garantias e princípios elencados neles se constatou que os mesmos estão longe de serem cumpridos. Evidenciou-se, assim, que as funções socioambientais da cidade bem como a de justiça social, respaldadas no Plano Diretor Participativo de Fortaleza, são inúmeras vezes ignoradas tornando, assim, dificílimo alcançar um modelo de sustentabilidade democrático tendo em vista que o já atual modelo de anatomia urbana apresenta-se não tão favorável. Visto que o modelo de sustentabilidade vigente demonstra ser mais excludente do que includente, lançam-se luzes com este estudo para compreender a razão da sustentabilidade ainda precisar ser aperfeiçoada em sua prática, uma vez que para a otimização sustentável dos recursos naturais é preciso sobretudo uma consciência e inclusão coletiva no assunto. Palavras-chave: Sustentabilidade. Fortaleza. Cidade. Discrepâncias Socioambientais. 1. Introdução 1.1 Abordagem inicial da temática do trabalho A questão da sustentabilidade vem crescendo de forma surpreendente nos últimos anos. Diversos setores da sociedade, como o mercado e a mídia, aderiram a este termo em seu vocabulário, tendo conceituado a sua maneira. A sustentabilidade, portanto, mostra-se multifacetada, pois não há um conceito único ou uma sentença que consiga reunir todas as nuances possíveis que este termo guarda e traz em si. Sendo assim, pode-se constatar que tal conceito se encontra em fase de evolução. Partindo dessa realidade, tem-se outro termo que ganha cada vez mais espaço e notoriedade no cotidiano cuja ligação com a sustentabilidade é intrínseca, o do Direito a Cidade - infelizmente muito preso ainda a Academia. Este Direito engloba vários direitos já assegurados constitucionalmente, além de outros conquistados em documentos internacionais, que reunidos sob uma nova ótica se transformam em mais um direito considerado de suma importância, em especial numa era em que se vê um crescimento econômico dos países contrastando com a evolução do seu quadro de pobreza. O Direito a Cidade, por assim dizer, constitui uma garantia de que todas as pessoas, independentemente de sua renda ou posição social, possam ter assegurados seus direitos de viver dignamente e de ter acesso a equipamentos urbanos, tais como áreas de lazer e redes de transporte de qualidade, sem que para isso seja ferido seu também direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tendo por bases essas premissas, se vê que um diálogo entre a sustentabilidade e o Direito a Cidade na atualidade se faz necessário já que a pauta por cidades sustentáveis é uma demanda que a humanidade tem lutado no presente século. Assim sendo, o atual trabalho, na sua parte introdutória, tem como objetivo trazer a tona o histórico de como essa segregação socioespacial se deu no território brasileiro e as ferramentas que foram criadas para tentar minimizá-la. Em seguida abordar-se-á um breve panorama do Direito a Cidade e da sustentabilidade entremeados por uma breve análise, sempre tendo como foco a cidade de Fortaleza.

796

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1.2 Breve histórico da formação das cidades brasileiras

As cidades brasileiras com seus grandes centros urbanos emergiram com uma configuração não própria, não autêntica, mas antes fruto de uma cópia acrítica dos modelos portugueses de urbanização. Tal fator explica em parte o porquê das cidades do Brasil, em especial as grandes metrópoles, muitas vezes não refletirem o espírito do povo que lá habita ou o porquê destas apresentarem certa apatia pelos moradores que lá chegam para fixar residência. Este modelo urbanístico, que teve em sua gênese a concepção europeia de cidade, foi levado à risca através dos séculos no país o que acabou por desaguar numa estrutura que desconfigura – se não por completo, ao menos em boa parte – a rica diversidade que o povo brasileiro assume. Outro fator que impactou – e ainda se encontra reverberando no atual desenho urbano do Brasil – é o fato de o país ter sido por vários séculos um “país essencialmente agrário”, conforme salienta o conde Afonso Celso, e que, portanto, a se ver transformado repentinamente num espaço de intensas transformações espaciais acabou por gerar um forte atrito entre estas perspectivas distintas que levaram a um foco de desigualdades descomunal. Ou nas palavras de Oliveira Viana (1956):

[...] O urbanismo é condição moderníssima da nossa evolução social. Toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores. É no campo que se forma a nossa raça e se elaboram as forças íntimas de nossa civilização. O dinamismo da nossa história, no período colonial, vem do campo. Do campo, as bases em que se assenta a estabilidade admirável da nossa sociedade no período imperial.

Dentro desta atmosfera, as cidades brasileiras, seguindo o modelo das principais cidades coloniais portuguesas que se assemelhavam a forma europeia de cidade, começam a ganhar corporeidade com as igrejas, as praças centrais e a concentração de prédios, habitações e fortalezas nas partes mais altas, além de caminhos retos e largos que levam até o porto. Um exemplo clássico é a cidade de Salvador onde a elite se aglomerava na parte alta que era considerava a melhor, enquanto que na baixa ficava o resto da população. Dando um salto temporal, tem-se no século XIX cidades que começam a crescer de forma exponencial, sobretudo as litorâneas. Tal crescimento se deu a diversos fatores que influíram na concepção urbana do Brasil, como a ideia de que o litoral deveria ser um entreposto comercial, tendo como consequência se tornado um reduto populacional. Ou como afirma Maricato (1995):

Com os objetivos de eliminar os resquícios da sociedade escravista, erguer um cenário modernizante e consolidar o mercado imobiliário, as reformas urbanísticas expulsaram a “massa sobrante” (negros, pedintes, pessoas sem documentos, desempregados de um modo geral) dos locais

797

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

urbanos mais transformação.

centrais

ou

mais

valorizados

pelo

mercado

em

Estas defasagens históricas do modelo urbano brasileiro iniciaram seu processo de modificação a partir do período redemocratizante do país, quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada elencando diversos direitos fundamentais, além de direitos relativos ao espaço urbano. Outro fator preponderante nesta virada na ótica de se ver e compreender o espaço urbano se deu com o Estatuto da Cidade e os documentos formais que dele se derivaram.

1.3 Instrumentos legais: Constituição Federal e Estatuto da Cidade

A primeira Carta Política brasileira, a Constituição Federal de 1988, produto de uma demanda popular por uma sociedade mais democrática e igualitária trouxe em seu corpo um capítulo exclusivamente dedicado à política urbana, representando um marco jurídicourbanístico intensamente marcado por uma mudança de paradigmas. Esta mudança está atrelada ao fato de que o direito a propriedade passa a ser de interesse público e não mais privado inaugurando, assim, um novo momento em que a propriedade dialoga com a sua função socioambiental. O foco da política de desenvolvimento urbano sai da exclusiva proteção ao direito de propriedade e se redireciona para uma proteção aos direitos fundamentais que moldam e dão substrato para a consolidação do direito a cidade. Este momento é ao mesmo tempo extremamente singular e revolucionário, pois a Carta Constitucional de 1988 trouxe em seu âmago, no capítulo referente a política urbana, uma ruptura de paradigmas trazendo a tona a demanda da participação popular na construção de direitos e o reconhecimento das injustiças sociais produzidas anteriormente num confronto claro com a visão já obsoleta do planejamento urbano altamente tecnicista, autoritário e excludente. Foi nesta atmosfera de mudanças que o Estatuto da Cidade, lei n.10257, de 10 de julho de 2001, também nasceu. O Estatuto da Cidade é a lei que regulamenta o capítulo referente à política urbana da Constituição brasileira e traz em sua estrutura os princípios básicos do planejamento participativo e da função social da propriedade fazendo, assim, com que ocorresse uma relação direta com o momento democratizador que o país passava. O referido Estatuto emergiu como resultado do encontro do país com sua face urbana e com um futuro que se esperava apartado de uma lógica espacial segregacionista, herança de um passado em que se visava apenas uma política pública urbana voltada as benesses da elite. Sendo assim, elencam-se os princípios fundamentais desta lei que são a gestão democrática; a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização; a recuperação dos investimentos do poder público que tenham resultado em valorização de imóveis urbanos e o direito a cidades sustentáveis, à moradia, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, conferindo aos municípios novas possibilidades e oportunidades de gestão e financiamento de seu desenvolvimento. As cidades sustentáveis serão o alvo deste trabalho, como se verá a seguir.

798

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

1.3.1 Direito a Cidade

Os problemas ambientais decorrentes da urbanização tardia e desordenada ocorrida no Brasil são inúmeros e se intensificam na medida em que as diferentes opções políticas e econômicas se engendram neste espaço. O cenário urbano, então, é o produtor e fomentador de duas realidades distintas representadas pelos conceitos de cidade formal e cidade informal. Na cidade formal tem-se um complexo infraestrutural que garante os parâmetros mínimos para se viver dignamente, como redes de esgoto, acesso a equipamentos urbanos de lazer e de rede de transportes coletivos, dentre outros elementos. Em contraponto, a cidade informal, denominada por muitos também como cidade ilegal, é escassa em investimentos públicos de infraestrutura e, portanto, é dotada sistematicamente de uma péssima qualidade de vida já que elementos mínimos para a garantia da mesma são solapados ou esquecidos. Exemplo disto são os diversos bolsões de pobreza – produtos do processo conhecido como favelização – decorrentes principalmente de políticas higienistas ocorridas no século XX e da marginalização de pessoas com um reduzido poder aquisitivo. É nesta contextualização que se pode observar e constatar que os mais diversos aspectos negativos da urbanização, como os desastres provocados pela erosão, a destruição indistinta das florestas e das áreas protegidas e as epidemias e doenças provocadas pela umidade excessiva, além da falta de ventilação, favorecem a estagnação rumo ao desenvolvimento de uma cidade verdadeiramente sustentável. Na Carta Mundial pelo Direito a Cidade, um documento sem força de lei, mas considerado um grande referencial na área do direito urbanístico, tendo sido adotado pelo Brasil em 2009, há a definição do que seria o Direito a Cidade:

o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade, democracia, equidade e justiça ambiental. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos […] O Direito a Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos [...].

Em seu preâmbulo se diz também que “as cidades estão distantes de oferecerem condições e oportunidades equitativas aos seus habitantes” e que a maioria de sua população está privada ou limitada de crescer em virtude de características, como a econômica e a de gênero, e que políticas públicas deficitárias contribuem para a privação da construção de cidadania. Segundo Raquel Rolnik (2002a), a característica que se apresenta comum a todas as cidades brasileiras, independentemente da sua região, história, dentre outras particularidades, é o fato delas possuírem uma parte claramente dotada de alguma condição de urbanidade – como uma porção pavimentada, ajardinada – e outra que é diversas vezes maior que esta primeira, mas cuja infraestrutura é incompleta e o urbanismo inexistente. Nas palavras de Rolnik: 799

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Essa estrutura se apresenta no território sob várias morfologias: nas imensas diferenças entre as áreas centrais e as periféricas das regiões metropolita nas de São Paulo ou Belo Horizonte; na ocupação precária do mangue em contraposição à alta qualidade dos bairros da orla, em muitas cidades de beira mar; na eterna linha divisória entre o morro e no asfalto no Rio, e em muitas outras variantes dessa cisão das nossas cidades, que se repete permanentemente em nossa história e geografia urbana.

E continua a urbanista, dizendo que “dificilmente uma política” vai pensar “só no investimento direto na periferia, no mangue, na favela”, pois os mesmos, separadamente, não conseguirão incidir sobre a máquina de produção de exclusão territorial. Nas palavras dela (2002b):

Quando urbanizamos uma favela, atendemos uma população em situação precária, estendemos infraestrutura à periferia, percebemos que dois anos depois a demanda já está mais adiante, e precisamos então atender aquela outra demanda, depois está mais adiante ainda. O que precisamos fazer é construir uma política urbana que consiga parar a máquina de produção da exclusão territorial.

Raquel traz o exemplo da cidade de São Paulo onde o que “provoca a produção da exclusão territorial não é a falta de um plano, não é a falta de uma política urbana, mas entre outros fatores a presença de planos, políticas, estratégias de ocupação [...]” que não são elaboradas para gerar qualidade de vida e o bem-estar, mas antes para manter os escassos espaços de qualidade nas mãos de poucos. É nesse quadro que o município de Fortaleza se encontra atualmente, principalmente ao que diz respeito às políticas de sustentabilidade implementadas pela prefeitura, com seu foco voltado para as regiões centrais e nobres da capital numa demonstração clara da prioridade que aquela tem para com a população que habita o território fortalezense. Neste âmbito faz-se imprescindível, portanto, realizar uma leitura panorâmica de alguns dos princípios que regem o Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDP-For) e verificar se o mesmo está atendendo a eles para a efetivação de um local verdadeiramente integralizador e democrático. Logo em seu capítulo I, intitulado Dos Princípios Fundamentais da Política Urbana, mostra-se no seu art.3° os princípios que devem reger essa política urbana, os quais são as funções socioambientais da cidade, a função social da propriedade, a gestão democrática da cidade e a equidade. Falar-se-á brevemente deles, que se acredita serem essenciais para se entender o diálogo necessário entre a sustentabilidade e o direito a cidade, nas linhas a seguir. Por função socioambiental da cidade se compreende, em linhas gerais, o fato de a cidade dever proporcionar a seus habitantes uma moradia digna sem que para isto 800

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

necessite impactar fortemente o meio ambiente. Já a função social da propriedade, sinteticamente, se liga a ideia de que a propriedade tem algum fim útil, como uma destinação a moradia ou ao comércio, dentro da sociedade ao qual ela está inserida. A gestão democrática da cidade alude ao fato de que as cidades, durante a sua formulação e em tomada de decisões que afetem a coletividade, devam ter a participação popular como item de suma importância. Por último, a equidade terá sua concretização quando a diferença entre pessoas e grupos sociais for respeitada e, na implementação da política urbana, todas as disposições legais forem interpretadas e aplicadas de forma a reduzir as desigualdades socioeconômicas no uso e na ocupação do solo. Ainda no PDP-For tem-se em seu art. 4°, inciso I, que um dos objetivos do Plano Diretor será considerar, no planejamento e execução das políticas públicas, a integração social, econômica, ambiental e territorial do Município e da Região Metropolitana. Destacase aqui o fator da integração social, ente de suma importância para o desenvolvimento de uma cidade mais justa para todos além de elemento primordial para a constituição de cidades sustentáveis como prediz o art. 2°, inciso I do Estatuto da Cidade. Cabe merecida atenção no Plano Diretor Participativo de Fortaleza, o instituto das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), que tenta arduamente validar esses princípios em zonas específicas das áreas centrais da cidade que enfrentam uma forte falta de infraestrutura. As ZEIS são consideradas um instrumento jurídico-político cujo objetivo é facilitar a regularização fundiária e a urbanização de assentamentos da população de baixa renda, mediante normas urbanísticas especiais capazes de integrar os territórios da cidade, o qual teve seu momento de surgimento em Fortaleza juntamente com o Plano Diretor Participativo de Fortaleza de 2009, pela Lei Complementar nº 062, de 2/2/2009. O instrumento supracitado foi uma conquista de intensas lutas que se iniciaram sobretudo na década de 1980, num momento em que os movimentos sociais queriam garantir seus direitos a terra urbanizada. Os locais das ZEIS, infelizmente, são ambientes em que muitas vezes não há espaços públicos disponíveis para a população nem as mínimas condições de infraestrutura e salubridade, como rede de esgotos e coleta de lixo. Dentro desta perspectiva o trabalho procurou trazer os aspectos constitutivos de algumas ZEIS fortalezenses para melhor visualização de como os princípios diretivos do PDP-For ainda estão longe de serem alcançados. Estes aspectos estruturais foram disponibilizados por intermédio do Relatório das ZEIS, documento elaborado entre a Prefeitura Municipal de Fortaleza e a Sociedade Civil. Segundo o Relatório das ZEIS tem-se que o Comitê Intersetorial e Comunitário das ZEIS, responsável pela elaboração do documento, é:

uma ferramenta de gestão participativa, foi instituído pelo Decreto nº 13.241, de 21 de outubro de 2013 com a finalidade de gerar um relatório contendo informações suficientes para subsidiar o prefeito Roberto Cláudio (2013-2016) na tomada de decisão quanto às ações prioritárias, no tocante à regulamentação e à efetiva implantação das ZEIS no município de Fortaleza.

801

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Evidencia-se aqui, portanto, a importância que esse documento afere à política urbana de Fortaleza. É dentro desta perspectiva que o trabalho exporá alguns dados infraestruturais de algumas ZEIS do município no intuito de demonstrar o cenário vivenciado por uma significativa parcela da população fortalezense. A primeira ZEIS a ser exposta é a ZEIS Pirambu, formada por vinte e nove assentamentos precários onde elementos infraestruturais, tais como rede de esgoto, abastecimento de água, drenagem, coleta de lixo e iluminação pública se dão de forma parcial em toda a extensão de seu território. Além disso, tem-se que dentre seus moradores a faixa salarial compreende o valor de 1 a 2 salários-mínimos, evidenciando uma precarização das condições de subsistência. E piora a situação o fato de que nesse espaço convivem 23.074 famílias num total de 92.292 pessoas. Outra ZEIS que também se procurou mostrar é a ZEIS Aldeota, que apesar de se localizar no meio de um território nobre da capital sofre com problemas semelhantes ao do Pirambu, localizado numa área mais afastada do espaço central da cidade. Na ZEIS Aldeota temos por um lado uma rede de esgoto eficaz, que abrange todo o território desta zona especial e por outro uma rede de drenagem ineficaz, que se apresenta superficialmente aos seus moradores. Neste local a coleta de lixo também se dá de forma parcial. Esses dois indicadores, drenagem superficial e coleta de lixo parcial, dão uma boa explicação para o motivo dessa parte da cidade sofrer com enchentes durante a quadra chuvosa. A terceira ZEIS analisada foi a ZEIS Poço da Draga onde, através do relatório supracitado, há constatado que a mesma não possui rede de esgoto e que se localiza numa área de risco próximo ao mar. Pode-se notar pelo breve exposto acima que vários pontos da cidade não possuem o mínimo quadro de elementos oponíveis para a efetivação da sustentabilidade, assunto tratado no próximo tópico.

1.4 A questão da Sustentabilidade

Os diversos acontecimentos que abalaram as estruturas sociais, políticas e econômicas ao decorrer dos séculos XVIII e XIX, com destaque para a Revolução Industrial e suas fases, acabaram por desaguar no florescimento de um sentimento de que o meio ambiente precisava ser colocado no centro das discussões mundiais. Dentro desta perspectiva, foi iniciada uma série de eventos que se propunham a deliberar sobre as questões ambientais e como elas afetavam outras esferas, como a política e a econômica. A publicação do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, que abordava a questão dos pesticidas nos EUA e seus efeitos nocivos, e a fundação do Clube de Roma, em 1966, foram marcos de suma importância para o surgimento do sentimento de que o meio ambiente necessitava ser colocado na mesa de debates. Entretanto, foi com a Conferência de Estocolmo, em 1972, e a publicação do Relatório Brundtland, em 1987, que a questão do desenvolvimento sustentável começava a se desenhar no cenário internacional. Este Relatório teve seu esboço iniciado em 1983, quando a ONU indicou a então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, para chefiar a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que deveria aprofundar propostas mundiais na 802

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

área ambiental. O que resultou quatro anos depois, em 1987, na comissão que apresentou o documento Nosso Futuro Comum, mais conhecido como Relatório Brundtland. O Relatório Brundtland traz em seu corpo a definição do que seria esse desenvolvimento sustentável: "o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades". Tal definição tornou se a pedra angular das discussões sobre desenvolvimento sustentável que dali tiveram seu nascedouro. Ela faz referência a noção de que o desenvolvimento para ser sustentável deve ter seu crescimento dentro de limites razoáveis, que não firam as condições de sobrevivência e/ou necessidade de gerações vindouras. Assim, tem-se nas próximas Cimeiras Mundiais, como a Eco92, a Conferência de Johannesburgo e a Rio+20 o retorno às discussões da questão da sustentabilidade. Nesta atmosfera de mudanças sobre o modo de ver o meio ambiente, merece relevância também as mudanças perceptíveis que ocorreram entre a conferência de Vancouver de 1976 (Habitat I) e a de Istambul de 1996 (Habitat II) onde se destacou a importância reservada às cidades e metrópoles no contexto das nações e na aplicação do conceito de sustentabilidade, bem como a revisão da crença de que o Estado, através da produção em grande escala de moradias em conjuntos habitacionais, poderia produzir domicílios para os pobres nas cidades na quantidade necessária. A conferência do Rio de Janeiro, em 1992, ECO/92 (United Nations Conference on Environment and Development ⎯ UNCED ⎯ Rio 92), centrada nos problemas do meio ambiente e desenvolvimento, veio a corroborar com a temática das cidades ao concluir que ¾ do crescimento da população urbana mundial, na última década do século XX, será absorvido por cidades do Terceiro Mundo, e colocou em evidência as questões da pobreza urbana e do custo econômico e social da degradação ambiental urbana. O desafio da sustentabilidade, portanto, acomete as mais diferentes cidades e em especial as chamadas megacidades, sejam elas localizadas nos países desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. O grande imbróglio se centra no fato de tentar reduzir os níveis de desigualdade e pobreza e aprofundar a agenda de reformas necessárias rumo a uma democratização do acesso a bens, serviços e infraestruturas que garantam o mínimo de dignidade aos indivíduos que habitam o ambiente das cidades. Essa democratização se dará no momento em que os setores públicos, privado e a sociedade civil dialoguem propondo estratégias que a curto, médio e longo prazo resolvam os problemas que acometem o espaço urbano. Portanto, a forte discrepância socioambiental dentro das cidades é foco principal a ser combatido pela sustentabilidade no atual século.

1.5 O Diálogo necessário entre a sustentabilidade e o Direito a Cidade

Satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer as futuras. Este é o grande desafio da sustentabilidade, desafio este que se torna maior ainda ao ser colocado de encontro com o Direito a Cidade. Como se viu anteriormente, o Direito a Cidade diz respeito ao direito que todos os habitantes têm de ter acesso a uma moradia digna e ao usufruto dos equipamentos urbanos. Então como aliar esse conceito com o da sustentabilidade?

803

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

No município de Fortaleza, as fortes discrepâncias socioambientais, exemplificadas pelo advento das ZEIS em territórios de áreas centrais, mostram como a sustentabilidade ainda apresenta desafios para que possa ser concretizada na prática. Tal desafio se dá, principalmente, pelo que já foi dito no inicio do trabalho, quando se abordou um breve histórico de como as cidades brasileiras se constituíram. Soma-se a isso o fato de as políticas públicas brasileiras ainda serem focos de exclusão social. Sendo assim, se vê aqui uma necessidade latente em que a sustentabilidade necessita ser pensada em consonância com o Direito a Cidade. As discrepâncias constatadas nestes territórios afrontam o direito a função socioambiental da propriedade. Tal função, como já foi abordado, refere-se a característica de que a propriedade deve fornecer as condições mínimas de habitabilidade sem que para isso provoque impactos graves ao ambiente que a circunda. Isto, infelizmente, não é vivido por inúmeras famílias em Fortaleza o que agrava os problemas que a cidade enfrenta todos os anos, como enchentes e doenças sazonais que lotam os postos de saúde. Tais famílias, não raras vezes, têm suas casas erguidas de forma espontânea sem nenhum planejamento não respeitando, portanto, índices urbanísticos como as taxas de ocupação e as taxas de permeabilidade. Estes contrastes tem sido alvo de ações recentes da prefeitura de Fortaleza que visam efetivar de fato os princípios reguladores do Plano Diretor Participativo de Fortaleza no intuito de minimizar os impactos negativos decorrentes de políticas públicas excludentes. Exemplo deste esforço foi a reativação recente do Conselho de Habitação Popular (COHAP), desativado desde 2009, durante a realização da II Conferência de Habitação Popular realizada na Universidade do Parlamento Cearense a qual tirou propostas prioritárias referentes a implementação do instrumento das ZEIS. Outras medidas também foram tomadas com o intuito de aproximar a população da sustentabilidade, como a implementação do sistema Bicicletar, baseado no compartilhamento de bicicletas; e dos Ecopontos, um serviço gratuito de recebimento de entulho e móvel velhos em pequenas proporções. Assim, o trabalho se propôs a analisar como essas ações são recebidas e percebidas pela população rumo a construção de uma cidade verdadeiramente sustentável.

2. Metodologia

2.1 Pesquisas de opinião

A pesquisa de opinião foi realizada durante o mês de novembro de 2015 no município de Fortaleza, nos bairros São João do Tauape e Joaquim Távora. Foram entrevistadas 100 pessoas, de ambos os sexos e pertencentes a diferentes faixas etárias, dentre as quais cerca de 50% compunham a idade de 18 a 24 anos. O intuito de se fazer tal pesquisa com esta variedade de agentes foi a de ter o máximo, dentro das condições possíveis, de visões distintas sobre a temática central do trabalho, que é o diálogo necessário entre a sustentabilidade e o direito a cidade. Assim, a pesquisa teve como alvo avaliar, sob a ótica dos indivíduos entrevistados, algumas ações sustentáveis que a Prefeitura de Fortaleza realizou nos últimos tempos. O objetivo, assim, foi de depreender 804

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

como as pessoas estavam recepcionando tais ações no seu cotidiano e se elas produziam alguma mudança significativa em sua rotina. A escolha destes bairros se deu por alguns motivos, a saber: no bairro São João do Tauape, bairro da parte central da capital, ter ainda uma infraestrutura precária em que as ações sustentáveis ainda estão chegando; em contraponto ao bairro Joaquim Távora, que faz parte de um dos principais corredores da capital sendo um local em que ações sustentáveis da Prefeitura já chegaram faz certo tempo. Apesar de a pesquisa ter tido uma preocupação em englobar o máximo possível de indivíduos distintos nos bairros mencionados, o espaço amostral foi pequeno para que uma conclusão mais precisa pudesse ser feita. Soma-se a isso o fato de também ter sido apenas dois bairros averiguados numa capital em que existem outros diversos bairros. Entretanto, salienta-se que apesar dessas limitações metodológicas, a pesquisa cumpriu com seu objetivo de trazer um vislumbre de como as pessoas se sentem e se percebem dentro do quadro da sustentabilidade no município de Fortaleza. Tendo sido posto isto, partir-se-á para a pesquisa de fato. Percebeu-se com esta pesquisa que a maioria dos pesquisados nem sabiam ao menos o que era sustentabilidade, pois ao serem indagados sobre esta questão 60% responderam “não” dos quais 70% eram do São João do Tauape e 30% do Joaquim Távora. Continuando, teve-se que dentre os pesquisados que responderam “sim” ao serem questionados sobre o que era sustentabilidade, 10% ligaram a ideia de meio ambiente, 15% ao desenvolvimento econômico, 20% ao desenvolvimento social e o restante a integração social. No quesito inserção da questão da sustentabilidade no quadro de desenvolvimento da cidade, constatou-se que entre os pesquisados, que sabiam o que era sustentabilidade, 50% responderam achar essa inserção fraca, 30% a classificaram como média e apenas 20% como forte. Outra questão também abordada pela pesquisa diz respeito a sensação que as pessoas tinham quanto a alguma medida proposta pela Prefeitura que despertasse um sentimento de integração no espaço urbano. Dos pesquisados 40% respondeu “raras vezes”, 30% poucas vezes, 15% às vezes e o restante frequentemente. Quanto a avaliação da relação do sistema Bicletar com a sustentabilidade, dos pesquisados que tinham alguma noção do que era esse conceito, 15% responderam que era fraca, 25% média e o restante disse que era forte. Na avaliação do Ecoponto os resultados mantiveram-se semelhantes: 10% responderam fraco, 50% médio e o restante forte.

2.2 Pesquisa qualitativa

A pesquisa qualitativa baseou-se em duas entrevistas realizadas durante o mês de novembro em dois locais distintos de Fortaleza: na ZEIS do Lagamar e na Aldeota. Foram ouvidos dois moradores, um de cada local, sobre como eles viam seu meio na perspectiva do ambiente urbano. O morador da ZEIS Lagamar era um morador que vivia na região há algum tempo e o da Aldeota tinha pouco tempo que residia lá. Foram escolhidos esses locais por eles apresentarem uma realidade plenamente contrastante, apesar de estarem muito próximos um do outro. 805

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tanto na entrevista na ZEIS Lagamar quanto na entrevista realizada na Aldeota foram colocadas questões a respeito das condições de habitabilidade do entorno, do respeito ao meio ambiente, da sensação de integralização com o espaço urbano, da incidência pessoal dentro da cidade e da efetividade da justiça social dentro do meio em que viviam. Na questão da habitabilidade nas ZEIS do Lagamar, o morador entrevistado disse que em seu entorno “não há muitas casas com acesso privilegiado a redes de esgoto” e que “o governo deveria melhorar suas políticas nesses lugares, pois não tem como ter dignidade num espaço repleto de desigualdades”. Na Aldeota a percepção foi que “na habitabilidade, apesar de se possuir algumas regiões ainda com falta de infraestrutura digna, na maior parte pode-se dizer que as condições das habitações são dignas”. No quesito referente ao respeito ao meio ambiente, na ZEIS do Lagamar foi relatado pelo morador que “várias pessoas tentam cuidar do meio ambiente, mas tem outras que não. E, infelizmente, são por essas poucas que as demais sofrem com a poluição ocasionada pelos ‘lixões’ a céu aberto”. Na Aldeota, a posição é semelhante já que, segundo o morador, lá “tanto as pessoas quanto as empresas, de uma forma geral, se preocupam com a destinação do lixo, mas que, infelizmente, muitas vezes não há locais adequados para se depositar o lixo”. Quanto a pergunta sobre a sensação de integralização com o espaço urbano, na ZEIS Lagamar a sensação descrita pelo entrevistado é de “um certo abandono” (sic) e “falta de vontade” já que os “políticos só aparecem em épocas de eleição”. Na Aldeota, a visão colocada pelo morador é um tanto contrastiva já que ele coloca que ele consegue “sentir a integralização” de uma forma “bem harmoniosa e dinâmica” com os bairros no seu entorno. A próxima questão exposta foi quanto à incidência que esses moradores tinham dentro do espaço urbano. O morador da ZEIS do Lagamar não tinha uma percepção bem delineada quanto a essa temática, mas disse que tentava “fazer tudo que estava ao seu alcance” para melhorar o lugar onde vivia. Seguindo essa linha, na Aldeota, o entrevistado relatou que não se engajava muito nessas questões, mas que as via como de “suma importância” para a melhoria do quadro da cidade. Por último, indagou-se sobre a percepção da questão da justiça social dentro de seus territórios. Na ZEIS do Lagamar, impactada pelas obras do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), foi relatado pelo morador que as obras trouxeram mais pontos negativos do que positivos e que moradores mais antigos estavam transtornados pelo fato de que teriam que sair de suas casas. Na Aldeota, o entrevistado colocou que a justiça social é percebida por ele como algo “crucial”, mas que em Fortaleza ainda é raro se ver posto em prática. 3. Resultados e Discussões Após as análises dos resultados produzidos pela pesquisa de opinião referentes ao modo de percepção e recepção das ações sustentáveis promovidos pela Prefeitura de Fortaleza, viu-se que as pessoas recebiam bem estas ações. Entretanto, cabe-se salientar que estas pessoas que responderam afirmativamente quanto a estas ações eram uma minoria das pesquisadas, pois como se mostrou anteriormente a maioria não fazia ideia do que poderia ser sustentabilidade. Outro fato que merece ser destacado é a questão de que os indivíduos pesquisados, apesar de afirmarem positivamente que o Bicicletar e o 806

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Ecoponto trazem uma relação com a sustentabilidade, estas ações produziam uma fraca sensação de inserção na questão da sustentabilidade dentro do quadro de desenvolvimento da cidade, pensado de forma democrática e integralizadora. Quanto as análises obtidas através das entrevistas, pode-se constatar que os moradores tem uma visão de que a atuação deles no espaço urbano é limitada. Outro resultado significante observado através da entrevista diz respeito ao sentimento de integralização com os espaços circundantes já que na ZEIS do Lagamar tal sentimento existe de forma bem frágil enquanto que na Aldeota essa visão já é vista de forma consolidada. Destaca-se também o fato da percepção da justiça social, que na entrevista da Aldeota, foi relatado como importante, mas raro de se ver em Fortaleza como bem se pode constatar pela resposta dada a essa questão pelo morador da ZEIS do Lagamar ao falar sobre as obras do VLT. Essas múltiplas percepções constatadas quando se aborda a temática da sustentabilidade e suas dimensões já tinham sido verificadas por Alcserald (1999) quando o mesmo diz que “A suposta imprecisão do conceito de sustentabilidade sugere que não há ainda hegemonia estabelecida entre os diferentes discursos”. Sendo assim, tem-se que o conceito de sustentabilidade passa por um processo de evolução em que as pessoas ainda estão tentando se apropriar de suas implicações. Tal evolução, portanto, deve andar lado a lado com a noção de democracia para que assim as pessoas possam incidir em sua matéria equitativamente.

4. Conclusão

A urbanização desordenada trouxe diversos problemas para o ambiente das cidades, inclusive a dificuldade em se preservar o meio ambiente que existe em tais espaços. Dentro desta ótica, a sustentabilidade surgiu como uma possível resposta aos anseios desenvolvimentistas dos países. Infelizmente, com o tempo percebeu-se que apenas a ideia da sustentabilidade não seria suficiente para que o desenvolvimento dos países se desse de forma democrática, seguindo parâmetros como o de justiça social e equidade. Assim, podese afirmar que o direito a cidade veio a complementar esse pensamento, pois ao se apropriar de bases para a construção de um ambiente urbano em que todos tenham acesso a moradias dignas e equipamentos urbanos de qualidade essa afirmação se enrijece. Construir cidade verdes, que disponham de espaços integralizantes e democráticos, atendendo a demanda populacional sem priorizar determinada parcela em detrimento de outra, é um verdadeiro desafio. Tal desafio se torna ainda maior quando estes dois conceitos tentam ser aplicados num espaço que historicamente é marcado pela segregação socioespacial provocada por políticas que visavam - lê-se visam - apenas a interesses próprios. As cidades brasileiras possuem muito potencial para se desenvolverem. Entretanto, tal potencial é muitas vezes diminuído consideravelmente quando se analisa a conjuntura que os atuais centros urbanos apresentam. O desenho urbanístico brasileiro ainda é muito precário. Vários espaços da cidade, mesmo depois de regularizações fundiárias, continuam sendo locais em que bolsões de pobreza ainda se fazem presentes.

807

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Sendo assim, pode-se verificar que o instrumento das ZEIS é um passo importante para se diminuir as discrepâncias socioespaciais e socioambientais nas urbes brasileiras. Todavia, a sua existência precisa transpassar o papel e se incidir na realidade. Ainda é necessário muita luta para que esse instrumental se efetive de fato e incida intensamente para a melhoria das condições de vida dos munícipes. Dessa forma, é necessário que as prefeituras, no caso a de Fortaleza, invistam em políticas que venham a consolidar instrumentais como as ZEIS aliando a estes o conceito de sustentabilidade. O estudo se propôs a mostrar como as desigualdades existentes dentro do espaço urbano de Fortaleza são graves e que, portanto, precisam ser mais bem analisadas para a construção de uma cidade verdadeiramente sustentável. Pelo olhar dos moradores dessa cidade, pode-se constatar que algumas das ações sustentáveis da prefeitura visam essa construção da sustentabilidade, entretanto, ao se analisar como elas promovem uma integralização entre as partes da cidade essa visão positiva decai. Assim, se faz necessário, nitidamente, que a prefeitura de Fortaleza reveja como está aplicando suas políticas e se os objetivos pretendidos por ela visam realmente a construção de cidades sustentáveis. O diálogo entre a sustentabilidade e o direito a cidade se dará, portanto, no momento em que os governos vejam que não há como crescer democraticamente sem que todas as pessoas possuam acessos igualitários e justos aos meios disponíveis para uma vida digna na qual o meio ambiente seja a pauta principal a ser trabalhada.

5. Referências

Acserald, Henri, 1999. Discursos da sustentabilidade urbana. (Acessado em 20 de nov. de 2015)

Brasil, 2001. LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. (Acessado em 18 de nov. de 2015)

Câmara Municipal de Fortaleza, 2009. Lei Complementar n.009/2008. (Acesso em 20 de dez. de 2015)

Fórum Social Mundial Policêntrico, 2006. Carta Mundial pelo Direito a Cidade. (Acessado em 18 de nov. de 2015) IMPLANFOR, 2016. Conselho de Habitação será reativado pela Prefeitura durante Conferência. (Acessado em 28 de jan. de 2016)

808

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Maricato, E., 1996. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência, Editora Hucitec, São Paulo, p.18.

Oliveira, Isabel Cristina Eiras de Oliveira., 2001. Estatuto da Cidade para compreender… (Acesso em 10 de dez. de 2015)

Plataforma dhesca Brasil, 2008. Direito Humano a Cidade. (Acessado em 24 de fev. de 2016)

Prefeitura Municipal de Fortaleza. Relatório ZEIS. Fortaleza, IPLANFOR, 2016. CD-ROM.

Rounilk, R., 2002a. É possível uma política urbana contra a exclusão? (Acessado em 20 de dez. de 2015)

Rounilk, R., 2002b. É possível uma política urbana contra a exclusão? (Acessado em 20 de dez. de 2015)

Santos, Milton. 2008. A urbanização brasileira. 5. ed., 1. reimpr. Editora da Universidade de São Paulo, SãoPaulo, p.19.

Santo Val, Silvio Dos. A metrópole brasileira: origens e perspectivas. (Acessado em 05 de mar. de 2016) Senado, 2012. Do ecodesenvolvimento ao conceito de desenvolvimento sustentável no Relatório Brundtland, da ONU, documento que coloca temas como necessidades humanas e de crescimento econômico dos países, pobreza, consumo de energia, recursos ambientais e poluição. (Acesso em 04 de mar. de 2016)

809

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Gestão Ambiental nas Instituições de Ensino Superior: Uma Análise das Universidades Européias e Brasileiras Luíza Luchi1, Celia Regina Ferrari Faganello2, Carlos Rafael Bogdezivicius3, Luzivaldo Felix Fonseca Filho4 1

Universidade Federal do Sul da Bahia, [email protected]

2

Universidade Federal do Sul da Bahia, [email protected]

3

Faculdade Nossa Senhora de Lourdes/Cintep, [email protected]

4

Faculdade Nossa Senhora de Lourdes/Cintep, [email protected]

O debate sobre desenvolvimento sustentável se estendeu para as instituições de ensino universitárias (IES), as quais, enquanto agentes formadores e educadores sociais, não podem se isentar das responsabilidades ambientais por isso têm aderido ao movimento em prol do uso responsável dos recursos naturais. O papel de destaque a ser assumido pelas IES no processo de desenvolvimento tecnológico deve ser de agentes multiplicadores de práticas sustentáveis, na preparação de estudantes e fornecimento de informações e conhecimento, e deve ser orientado para construir o desenvolvimento de uma sociedade sustentável e justa. Muitos documentos oficiais foram assinados por universidades em todo o mundo firmando compromissos em prol da sustentabilidade. Existem no mundo cerca de 140 IES que incorporam políticas ambientais na administração e gestão acadêmica, inclusive por meio da implantação de pró-reitorias de sustentabilidade em seus campis. No Brasil, embora várias IES já apresentem compromissos com a gestão ambiental, poucas possuem órgãos específicos destinados ao gerenciamento das questões ambientais. A única que possui oficialmente em sua estrutura organizacional uma Pró-Reitoria de Sustentabilidade e Integração Social (PROSIS) específica para assuntos relacionados à questão ambiental e impacto social é a neonata Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). A responsabilidade deste órgão é ampliada uma vez que a UFSB ter a maior parte do seu campi situado na Mata Atlântica, uma das florestas tropicais mais ameaçadas do planeta, considerada “Sítio do Patrimônio Mundial Natural”. Dada a beleza natural tão notória da região em que está situada e a riquíssima diversidade socioambiental local desse bioma tão frágil, a UFSB se torna o laboratório ideal para práticas sustentáveis. Este projeto teve por objetivos fazer o levantamento das pró-reitorias de sustentabilidade de universidades europeias, analisar as atividades por elas executadas e apresentar um modelo de estrutura organizacional para a gestão ambiental universitária nas IES brasileiras. A metodologia utilizada foi a pesquisa de delineamento bibliográfico e documental, com consulta de sites institucionais das universidades europeias, documentos disponíveis nos sites bem como literatura sobre o tema. Foi feito um levantamento, na internet, das universidades elencadas que possuem estruturas específicas para a gestão ambiental 810

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

acadêmica denominadas Pró-Reitorias de Sustentabilidade. Verificou-se que isso já ocorre na maior parte das universidades europeias, as quais, além de apresentarem os Greencampi, apresentam em sua estrutura organizacional órgãos específicos como Green Office. Em seguida, foram verificadas as estruturas organizacionais dessas pró-reitorias, bem como as ações que elas executam. Com base no levantamento, foi proposto um modelo de pró-reitoria de sustentabilidade que poderá ser implantado por IES brasileiras. Os resultados demonstram que, devido ao conceito de sustentabilidade complexo, as ações sustentáveis das IES devem integrar não só ações ambientais, mas também sociais e econômicas. A implementação de uma pró-reitoria de sustentabilidade demanda corpo técnico qualificado para planejamento, monitoramento, implementação e execução do plano político ambiental institucional e suas diversas ações tais como gestão da água, dos resíduos, ordenação dos espaços, acessibilidade, uso racional de equipamentos, edificações sustentáveis, compras públicas sustentáveis, dentre outros. Palavras-chave: Sustentabilidade; Gestão pública; Gestão pública sustentável; Instituições de ensino superior; Estrutura organizacional.

811

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Metodologias para promover a Literacia dos Oceanos:o projeto “Pesca Ó Peixe” Flávia Silva1, Lia Vasconcelos2, José Carlos Ferreira3, Filipa Ferro4 1

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 2

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 3

CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 4

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected]

Resumo Sendo o Oceano uma das componentes mais importantes da Terra é compreensível a necessidade de Literacia do Oceano. Compreender o Oceano, é compreender o planeta que habitamos, e entender o nosso bem-estar. Contudo, durante anos os curricula das escolas viveram alheados deste tema. Um dos grandes desafios é a incorporação nos curricula do tema “Oceanos”, nomeadamente considerando os 7 princípios essenciais e os 44 conceitos fundamentais reconhecidos como um passo em frente para o empowering dos educadores, cientistas e políticos. Admitindo esta convergência, no que deve ser ensinado e aprendido no que se refere ao Oceano, devemos focar-nos em como levar esta informação aos estudantes, e grupos de interesse que incluam professores, administradores escolares, educadores, especialistas, escritores e editores, designers e educadores informais. Estudos realizados no concelho de Sesimbra identificaram uma baixa literacia do mar ao nível da comunidade local que se tem vindo a afastar das tradições pesqueiras e do conhecimento costeiro. Os mais novos perderam o contato direto com o mar e a literacia do Oceano foi-se perdendo. Com o alargamento da plataforma continental as questões do oceano voltaram a ganhar momentum, o valor da pesca artesanal voltou às agendas politicas (também reconhecida ao nível da UE) e a sua importância para a biodiversidade local voltou a ser debatida, reavivando a necessidade de articular os stakeholders locais para o uso articulado e consensual das zonas costeiras e do mar. Aumentar a baixa literacia do mar identificada na comunidade local e recuperar o conhecimento costeiro tornou-se imprescindível para a convivência sustentável com o oceano. Neste contexto, medidas de promoção da literacia dos oceanos e sensibilização para a importância do meio marinho e dos seus recursos é uma das formas de contribuir para a obtenção e manutenção do Bom Estado Ambiental no meio marinho. Neste sentido, o projeto que aqui se apresenta, visa colmatar esta lacuna 812

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

promovendo atividades multigeracionais através da capacitação de jovens repórteres pela literacia do mar. O projeto tira partido dos jovens como veículos de comunicação, com uma aposta na multigeracionalidade, e capacita-os através de um funcionamento em rede com a comunidade piscatória e comunicação social, de forma a chegar ao público mais alargado promovendo a sensibilização/conhecimento destes sobre a pesca e o mar, e criando uma rede com efeitos de continuidade na divulgação dos trabalhos, saberes e tradições. Isto será feito em forma de artigos jornalísticos sobre a Aiola como valor cultural, a biodiversidade, o lixo marinho, o futuro da pesca e a sustentabilidade das artes de pesca. Três comunidades escolar,

piscatória

e

comunicação

social

-

estarão

envolvidas

potenciando

complementaridades e conhecimento e promovendo um fluxo contínuo de funcionamento e partilha. Além da avaliação dos resultados do projeto, sua qualidade e impacte na comunidade será também apresentado no simpósio o produto central: um jornal impresso, de tirada única – Pesca Ó Peixe – com a compilação de todos os artigos realizados pelos alunos. Palavras-chave: Oceano, Literacia, Sustentabilidade, Comunicação, Multigeracionalidade.

813

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A Pesca por um Mar Sem Lixo, o caso de Peniche Fernando Rijo1, Yorgos Stratoudakis2, Lia Vasconcelos3, Flávia Silva4 1

Mestrando do Curso de Gestão e Politicas Ambientais, FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal – [email protected] 2

IPMA, Instituto Português do Mar e da Atmosfera, Portugal – [email protected]

3

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected] 4

MARE-NOVA (Marine and Environmental Sciences Centre), FCT-NOVA (Faculty of Science and Technology - New University of Lisbon), Portugal - [email protected]

Resumo Embora, nos últimos anos, se tenha assistido a uma preocupação gradual com as questões de lixo marinho, parece claro para todos que este é um problema global que exigirá redobrada atenção nos próximos tempos. Portugal, pela sua posição geográfica e pela sua vasta área marítima tem, nesta área uma responsabilidade obviamente acrescida (Neves et al, 2015). Á semelhança de outros países Europeus, está neste momento a decorrer um projeto-piloto num dos mais importantes portos de pesca em Portugal, o porto de Peniche. Este projeto, da responsabilidade da DOCAPESCA em colaboração com a Associação Portuguesa do Lixo Marinho, está a implementar um sistema de separação de resíduos a bordo de cerca de uma centena de embarcações de pesca. Este projeto-piloto está a ser monitorizado para avaliar quais os fatores que melhor contribuem para o envolvimento e mobilização destes “utilizadores do mar”, para se validar o modelo a ser replicado noutros locais. Deste modo está a ser monitorizado o grau de envolvimento e mobilização, e quais os efeitos das ações de sensibilização em desenvolvimento. Compreender o que motiva um pescador para as boas práticas e quais as barreiras ou fatores limitantes a uma atitude de acordo com as boas práticas de defesa do meio marinho constituem uma parte do cerne da questão. Para a elaboração deste trabalho, está em andamento a recolha e análise contínua e detalhada de informação junto dos pescadores através de vários inquéritos, da observação direta a bordo das embarcações durante a faina e da evolução do nº de participantes e do quantitativo de resíduos recolhidos ao longo da implementação do projeto. Os resultados do projeto, incluindo os dos inquéritos efetuados no antes, durante e depois, serão apresentados na presente comunicação, assim como as conclusões deste estudo que passam por perceber quais as dinâmicas que estão na base dos comportamentos dos utilizadores do mar, quais os melhores métodos para os despertar, consciencializar e 814

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

mobilizar referindo também quais as maiores barreiras ou fatores limitantes a um comportamento que defenda a sustentabilidade de um meio que é o seu. Deste modo serão também explicitadas as dinâmicas subjacentes aos comportamentos dos pescadores que aderiram a esta ação, qual o contributo destas dinâmicas para o fortalecimento do capital social, do capital intelectual e do capital político, numa perspetiva de avaliação da sustentabilidade deste tipo de ações a longo prazo. Palavras-chave: Lixo-marinho, Pesca, Separação de Resíduos, Sustentabilidade Referências: •

Neves, D., et al. Marine litter in bottom trawls off the Portuguese coast. Mar. Pollut. Bull. (2015), http://dx.doi.org/10.1016/j.marpolbul.2015.07.044



Stratoudakis,Y., et al. Situação ecológica, socioeconómica e de governança após a implementação do primeiro plano de ordenamento no Parque Marinho Professor Luiz Saldanha (Arrábida, Portugal) (2015).

815

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Utilização de diferentes fontes de carbono para otimização da biomassa do gênero de cianobactéria Anabaena sp. 1448 com fins de produção biológica de hidrogênio Carolina Andrade (EESC-USP) Dr. Maria do Carmo Calijuri (EESC-USP) Dr. Sarah Vargas (EESC-USP) Dr. Paulo dos Santos (EESC-USP) Os setores de indústria e transportes em geral são responsabilizados por grande parte das emissões de gases poluentes à atmosfera, pois ainda utilizam como fonte principal de energia, em grande parte dos seus processos, os combustíveis fósseis. No decorrer dos anos, o crescimento das exigências ambientais fez com que surgissem fontes alternativas de energia, no intuito de garantir a eficiência energética e a melhoria nos padrões de qualidade do ar das cidades, alinhando-se ao conceito de sustentabilidade. Pesquisas recentes apontam a capacidade de microrganismos, como bactérias, algas e microalgas, produzirem hidrogênio. Dentre esses microrganismos, as cianobactérias (microrganismos procariotos) são reconhecidas como candidatas em potencial para a produção biológica de hidrogênio e são consideradas uma opção para suprir a demanda por energia em um futuro próximo. Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo atuar no melhoramento da biomassa da cepa Anabaena sp. 1448, isto é, alcançar altos rendimentos em biomassa, a partir do cultivo mixotrófico, sendo para isso necessário escolher nutrientes e parâmetros físico-químicos adequados. O cultivo de Anabaena sp. 1448 foi realizado utilizando-se 60 tubos de 50,0 mL, cada tubo contendo 18,0 mL de meio de cultura BG-11 e 2,0 mL de cultura. Foram testadas cinco fontes de carbono orgânicas, em quadruplicata, por um período de 10 dias, cultivados por mixotrofia, ou seja, utilizando-se luz e fonte de carbono orgânica. As cinco fontes escolhidas foram: glicerol, ácido lático, frutose, sacarose e glicose e as concentrações definidas a partir de resultados obtidos na literatura (0,5 g.L-¹; 1,3 g.L-¹ e 2,1 g.L-¹). De acordo com trabalhos anteriores foram fixados os parâmetros de pH (10,2), temperatura (32 °C) e controle de radiação de 32,0 (µE.m-².s-¹). Avaliou-se o desempenho do crescimento em diferentes fontes de carbono com a realização de análises no espectrofotômetro (12 em 12 horas), sólidos suspensos totais e clorofila-a. Como resultado do teste, observou-se que dentre as fontes de carbono orgânicas testadas, a frutose obteve melhores resultados nas análises espectrofotométricas, de sólidos e de clorofila-a. Para o teste de sólidos suspensos totais foram encontrados os seguintes resultados: 357,35 mg.L-¹ (concentração de 0,5g.L-¹);897,5 mg.L-¹ (concentração de 1,3 g.L-¹) e, 1379,15 mg.L-1 (concentração de 2,1g.L-¹). Para a clorofila, 4958 µg.L-¹ (concentração de 0,5g.L-¹); 10.199,1 µg.L-¹ (concentração de 1,3 g.L-¹) e de 11613,07 µg.L-¹ (concentração de 2,1 g.L¹). Neste estudo foi possível concluir que há uma relação benéfica entre a frutose e o crescimento desta cepa de cianobactéria Anabaena sp. 1448. A frutose pode ser encontrada em efluentes de indústrias de alimentos e, futuramente podem ser testados cultivos nesse tipo de efluentes, podendo-se tornar uma oportunidade na geração de hidrogênio pelas cianobactérias e na redução do volume de tratamento desse efluente pela indústria. Ademais, o uso de fontes alternativas de energia corrobora com a redução na emissão de gases de efeito estufa e aumento da sustentabilidade local. Reconhece-se a capacidade dessa cepa em estudo na produção de hidrogênio por mixotrofia e heterotrofia, porém, neste projeto, não foi possível avaliar esta habilidade desses microrganismos. Keywords: Anabaena sp., produção biológica de hidrogênio, energia limpa, mudanças climáticas.

816

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Valorização de águas residuais tratadas por leitos de macrófitas através da produção integrada de microalgas Dina M. R. Mateus1, Henrique J. O. Pinho2 1

Instituto Politécnico de Tomar, Unidade Departamental de Engenharias, Campus da Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, e GEOBIOTEC – Geobiociências, Geoengenharias e Geotecnologias (Universidade de Aveiro), [email protected] 2

Instituto Politécnico de Tomar, Unidade Departamental de Engenharias, Campus da Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, e CERENA – Centro de Recursos Naturais e Ambiente (Universidade de Lisboa), [email protected] Resumo O recurso a zonas húmidas construídas, usualmente designados por leitos de macrófitas, é uma alternativa ecoeficiente para a depuração de águas residuais de pequenos aglomerados populacionais ou para o tratamento terciário em Estações de Tratamento de Águas Residuais municipais ou industriais. A integração de processos de produção de biomassa algal a jusante dos leitos de macrófitas pode permitir melhorar a eficiência global de tratamento das águas residuais, e valorizar ambientalmente e economicamente o sistema de tratamento, visto que as microalgas podem servir como fonte de diversos produtos com interesse comercial, ou de matérias-primas, particularmente para produção sustentável de biocombustíveis. No presente trabalho avaliou-se a produção de diferentes espécies de microalgas, utilizando apenas como meio de crescimento águas residuais depois de tratadas em leitos de macrófitas. Para o efeito estudou-se experimentalmente a produção de quatro microalgas diferentes: Anabaena sp., Chlorella minutissima, Chlorella sp. e Spirogyra sp.. Os crescimentos foram realizados em fotobioreatores circulares com 7 cm de diâmetro e cerca de 1,4 L de capacidade, com arejamento por coluna de bolhas, um fotoperíodo de 12 h com iluminação artificial e com controlo de temperatura a 25 °C. Para comparar a produtividade obtida em águas residuais foram realizados crescimentos similares em meio de crescimento sintético. Na sua generalidade, a produtividade e a taxa específica de crescimento são superiores quando se utilizou água residual como único meio de crescimento. A melhor produtividade é de 45 mg L-1 dia-1, para a Anabena sp., e a taxa de crescimento mais elevada de 0,50 d-1 foi obtida para a Chlorella sp.. Conclui-se que a utilização de efluentes de leitos de macrófitas para a produção de microalgas é tecnicamente viável, e pode representar uma forma de criar sinergias para aumentar a sustentabilidade destas duas tecnologias biológicas. Palavras-chave: Águas residuais, Microalgas, Tratamento biológico, Zonas húmidas construídas. 1. Introdução A produção de biomassa de algas, particularmente de microalgas, representa uma via com elevada potencialidade para a obtenção de matérias-primas e aditivos para as indústrias química, alimentar, de rações para animais, farmacêutica, cosmética e de produção de biocombustíveis (Demirbas, 2011; Harun et al., 2010; Rosenberg et al., 2008). Além de fonte de produtos com elevado valor acrescentado, as microalgas podem ser usadas diretamente como complementos alimentares e para rações, mas também para aplicações específicas como é o caso de uso como bio-adsorventes no tratamento de águas residuais contaminadas com metais pesados (El-Bestawy, 2008; Siao et al., 2007; Zou et al., 2008). A generalização da produção das microalgas tem sido difícil devido a dificuldades de ordem técnica, mas principalmente de ordem económica, resultado dos custos de cultivo, de 817

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

recuperação e de processamento da biomassa. Na tentativa de superar as dificuldades têm sido investigadas várias estratégias alternativas, destacando-se estudos de otimização e intensificação da produção e o uso de águas residuais como meio de cultivo. São exemplos de estudos de otimização ou intensificação da produção de microalgas a maximização da captura da radiação solar (Jain et al., 2015), a otimização do percurso ótico (Lee et al., 2014), a melhoria dos processos de recuperação da biomassa celular (Grognard et al., 2014), a otimização da conceção de fotobiorreatores (Singh e Sharma, 2012; Yadala e Cremaschi, 2014), e a melhoria da produtividade através de engenharia genética (Tabatabaei et al., 2011). A possibilidade de diminuir custos de operação recorrendo ao uso de águas residuais como meio de crescimento das microalgas tem vindo a ser explorado por um número significativo de investigadores, cujos resultados tem sido objeto de um também elevado número de artigos de revisão (por exemplo, Bhatt et al.; 2014, Bohutskyi et al., 2015; Chen et al., 2015; Zeng et al., 2015; Zhou et al., 2014). Porém, ainda não existem registos na literatura relativos à possibilidade de usar águas residuais tratadas por zonas húmidas construídas (ZHC) como meio de crescimento de microalgas. As ZHC, também designadas por Zonas Alagadas Construídas, ETAR de Macrófitas ou Fito ETAR, partilham com a produção de microalgas a característica de serem uma tecnologia “mais verde” e ecoeficiente (Kadlec e Wallace, 2008, Mateus et al., 2016). As ZHC têm, porém, um aspeto menos positivo: requerem áreas muito elevadas de implementação no solo (Kadlec e Wallace, 2008). Mas, tal como se verifica na produção de microalgas, os terrenos usados para a construção de ZHC não necessitam de ser aráveis, podendo ser construídas em solos que não tenham condições para a produção de culturas alimentares, e por tal não competem com os recursos destinados à alimentação humana ou animal (Wu et al., 2015; Pate et al., 2011). O presente trabalho pretende avaliar a potencialidade de integrar a produção de microalgas em sistemas de tratamento de águas residuais por ZHC, usando-se o efluente tratado das ZHC como meio de cultura das microalgas. 2. Métodos 2.1. Métodos analíticos Procedeu-se à caracterização da água usada como meio de crescimento pelos métodos de referência (APHA, 2005): o teor de azoto total (TN) foi determinado pelo método espetrofotométrico do 2,6-dimetilfenol após digestão alcalina com persulfato a 121 °C durante 30 minutos, procedendo-se à determinação da absorvância a 324 nm; o teor de fósforo total (TP) foi determinado pelo método do ácido ascórbico, após digestão ácida com persulfato a 121 °C durante 30 minutos, e posterior determinação da absorvância a 880 nm; a carência química de oxigénio (CQO) foi determinada pelo método do refluxo. As absorvâncias foram registadas com um espetrofotómetro CADAS 100 (Hach, Alemanha). A biomassa foi quantificada através da leitura da densidade ótica a 570 nm, usando o espetrofotómetro CADAS 100, e recorrendo a uma curva de calibração. Para cada microalga estudada procedeu-se previamente à elaboração da curva de calibração respetiva, relacionando a biomassa em termos de peso seco com a densidade ótica. Os padrões foram preparados usando-se biomassa cultivada no meio sintético BG11 (Stanier et al., 1971). 2.2. Microalgas Estudou-se o crescimento de três microalgas verdes: Chlorella sp., Chlorella minutissima e Spirogyra sp., e uma cianobactéria, usualmente referenciada como microalga azul-verde, Anabaena sp.. Todas as microalgas foram adquiridas ao repositório de algas da Universidade de Coimbra, Portugal (ALGOI). 818

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

As microalgas do Género Chlorella são reconhecidas pelo número de produtos que podem originar, e em particular por produzirem óleos transformáveis em biodiesel; a Spirogyra sp. e a Anabaena sp. produzem, além de constituintes de valor comercial, reservas de carbohidratos, que podem ser usados na produção de bioetanol (Harun et al., 2010). 2.3. Água residual e meio de crescimento O crescimento das microalgas foi testado na água residual tratada por um sistema piloto de ZHC, que depura um efluente do tipo secundário, e que está descrito em detalhe na literatura (Mateus et al., 2012). A composição média da água residual usada para crescimento das microalgas é caracteriza por um teor em TN de 10,3 ± 1,4 mgN/L, um teor em TP de 3,6 ± 0,8 mgP/L, um valor de CQO de 30,0 ± 7,5 mgO2/L, e um pH de 7,8 ± 0,1. Para efeitos de comparação, foram realizadas réplicas dos crescimentos em que se usou o meio de crescimento sintético BG11 (Stanier et al., 1971). 2.4. Fotobiorreatores Os ensaios de produção das microalgas foram realizados em reatores cilíndricos, construídos em material acrílico incolor e translúcido (Figura 1). Cada reator consiste num tubo com 495 mm de altura, 70 mm de diâmetro e 3 mm de espessura da parede, com um volume útil de 1,4 L. Um tubo exterior concêntrico e constituído pelo mesmo material acrílico é usado como camisa onde circula água termostatizada para controlo da temperatura. Os reatores são fechados nos dois extremos através de duas placas acrílicas presas com tirantes, e dotadas de vedantes.

Figura 1. Fotografia de dois dos fotobiorreatores usados nos ensaios de crescimento das microalgas em água residual.

2.5. Ensaios de produção de microalgas Para cada microalga estudada procedeu-se a ensaios preliminares em balão, usando-se o meio BG11. Os crescimentos foram efetuados em balões de Erlenmeyer de 250 mL, inoculados de 1:10 em meio BG11, perfazendo o volume de 100 mL, e incubados a 25,0 ± 819

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

0,5 °C e 150 rpm numa incubadora orbital. Os crescimentos foram realizados sem arejamento e com iluminação artificial por recurso a duas lâmpadas fluorescentes. Nos testes em fotobiorreator usou-se a água residual como único meio de crescimento, e para efeitos de comparação, procedeu-se também a ensaios em que se usou o meio sintético BG11. Para cada ensaio, os pré-inóculos foram cultivados em balões de Erlenmeyer com 250 mL de capacidade, contendo 140 mL de meio BG11 previamente esterilizado em autoclave. Os pré-inóculos foram incubados durante sete dias em incubador orbital a 150 rpm e a 25,0 ± 0,5 °C. Os ensaios em fotobiorretor foram realizados a temperatura controlada de 25 ± 2 °C, sob iluminação artificial e fotoperíodo de 12 h, e arejados com ar atmosférico a 0,14 ± 0,02 vvm. 3. Resultados e Discussão A tabela 1 contém os parâmetros de crescimento das quatro microalgas estudadas, referentes aos crescimentos preliminares realizados em balão e meio BG11. Nas condições experimentais usadas a Anabaena sp. e a Chlorella sp. apresentaram os resultados mais favoráveis, pelo que se escolheu estas duas algas para realizar os ensaios em fotobiorreator. Tabela 1. Parâmetros de crescimento das quatro microalgas estudadas, em balão de Erlenmeyer e meio BG11. Microalga

Taxa de crescimento -1

Tempo de duplicação

(dia )

(dias)

Chlorella sp.

0,075

9,2

Chlorella m.

0,054

12,9

Spirogyra sp.

0,054

12,9

Anabaena sp.

0,095

7,3

A tabela 2 contém os parâmetros de crescimento das microalgas Anabaena sp. e Chlorella sp. conduzidos em fotobiorreator na água residual efluente das ZHC piloto, e para efeitos de comparação, no meio sintético BG11. Para ambas as microalgas os resultados obtidos com água residual são melhores que os obtidos com o meio sintético. Comparando diretamente as duas microalgas, a Chlorella sp. teve parâmetros de crescimento melhores que os da Anabaena sp., mas foi a cianobactéria que apresentou a produtividade superior. Tabela 2. Parâmetros de crescimento das Chlorella sp. e Anabaena sp. em fotobiorreator. Microalga

Meio de crescimento

Taxa de crescimento

Tempo de duplicação

Produtividade máxima

(dia )

(dias)

(mg L dia )

Sintético

0,38±0,05

1,8±0,2

33,1±0,4

Água residual

0,50±0,06

1,4±0,2

41,2±0,5

Sintético

0,18±0.02

3,8±0,4

37±1

Água residual

0,34±0,03

2,0±0,2

45±3

-1

Chlorella sp.

Anabaena sp.

-1

-1

820

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Na figura 2 apresentam-se exemplos de registos do crescimento das microalgas Chlorella sp. e Anabaena sp. em meio sintético e em água residual.

Figura 2. Crescimento das microalgas Chlorella sp. (R) e Anabaena sp (b) em meio sintético (!) e em água residual (").

A Chlorella sp. evidenciou uma fase de adaptação à água residual mais longa que no meio sintético, mas após atingir a fase de crescimento exponencial este é mais rápido na água residual. A Anabaena sp. demonstrou uma rápida adaptação à agua residual, com uma fase lag ainda mais curta do que no meio sintético. Não se encontra na literatura resultados relativos à produção da Anabaena sp. em águas residuais. El-Sheek et al. (2005) estudaram o crescimento da Anabaena subcylindrica em águas residuais urbanos e industriais tendo obtido uma produtividade de 45 mg L-1 dia-1. Mendez et al. (2015) estudaram o crescimento da Anabaena plactonica em meio BG11 tendo obtido uma produtividade máxima de 120 mg L-1 dia-1. A produtividade obtida no presente trabalho é igual à obtida por El-Sheek et al. (2005). O melhor resultado obtido por Mendez et al. (2015) permite supor que será possível melhorar a produtividade através da otimização das condições de cultivo. Relativamente a estudos anteriores com a Chlorella sp., Cho et al. (2011) obtiveram produtividades entre 74 e 240 mg L-1 dia-1 em águas residuais após tratamento secundário e esterilização, Chen et al. (2011) obtiveram produtividades entre 920 e 1175 mg L-1 dia-1 em água residual urbana esterilizada, e Lu et al. (2015) obtiveram produtividades entre 48 e 339 mg L-1 dia-1 em água residual de atividades agropecuárias. Henrard et al. (2014) obtiveram produtividades entre 31 e 91 mg L-1 dia-1 em meio BG11, mas suplementado com bicarbonato de sódio como fonte de carbono. Os resultados obtidos no presente trabalho são comparáveis com os resultados de Henrard et al. (2014) com o meio BG11, mas são inferiores aos obtidos pelos outros autores que estudaram o crescimento em águas residuais. Porém, a água residual usada neste trabalho possui um teor de nutrientes inferior ao verificado nas águas residuais usadas nos trabalhos referidos, o que deve justificar a diferença observada. Os resultados obtidos não deixam de ser promissores, havendo certamente margem para no futuro se otimizar as condições de operação e melhorar a produtividade. 5. Conclusões Os resultados obtidos permitem concluir que é possível produzir microalgas com interesse comercial usando-se a água residual após tratamento terciário por Zonas Húmidas 821

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Construídas. A integração da produção de microalgas em sistemas de ZHC representa uma solução com sinergias que poderá resultar no aumento da sustentabilidade destas duas tecnologias biológicas. Como trabalho futuro pretende-se estudar também o crescimento em fotobiorreator da Chlorella minutissima e da Spirogyra sp, avaliar os efeitos das condições operacionais tais como o caudal de arejamento, a temperatura e a intensidade luminosa, e implementar a produção em contínuo. Referências American Public Health Association, American Water Works Association, Water Environment Federation, 2005. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 21th ed., APHA, AAWA, WEF, Washington, USA. Bhatt, N. C., Panwar, A., Bisht, T. S., Tamta, S., 2014. Coupling of algal biofuel production with wastewater. The Scientific World Journal, 2014, 1-10. Bohutskyi, P., Liu, K., Nasr, L. K., Byers, N., Rosenberg, J. N., Oyler, G. A., Betenbaugh, M. J., Bouwer, E. J., 2015. Bioprospecting of microalgae for integrated biomass production and phytoremediation of unsterilized wastewater and anaerobic digestion centrate. Applied Microbiology and Biotechnology, 99, 6139-6154. Chen, G., Zhao, L., Qi, Y., 2015. Enhancing the productivity of microalgae cultivated in wastewater toward biofuel production: A critical review. Applied Energy, 137, 282-291. Chen, Y. Li, Y.-F., Chen, Min, P., M., Zhou, W., Martinez, B., Zhu, J., Ruan, R., 2011. Characterization of a microalga Chlorella sp. well adapted to highly concentrated municipal wastewater for nutrient removal and biodiesel production. Bioresource Technology, 102, 5138-5144. Cho, S., Luong, T. T., Lee, D., Oh, Y.-K., Lee, T., 2011. Reuse of effluent water from a municipal wastewater treatment plant in microalgae cultivation for biofuel production. Bioresource Technology, 102, 8639-8645. Demirbas, M. F., 2011. Biodiesel from oilgae, biofixation of carbon dioxide by microalgae: A solution to pollution problems. Applied Energy, 88, 3473-3480. El-Bestawy, E., 2008. Treatment of mixed domestic–industrial wastewater cyanobacteria. Journal of Industrial Microbiology and Biotechnology, 35, 1503-1516.

using

El-Sheekh, M. M., El-Shouny, W. A., Osman, M. E. H., El-Gammal, E. W., 2005. Growth and heavy metals removal efficiency of Nostoc muscorum and Anabaena subcylindrica in sewage and industrial wastewater effluents. Environmental Toxicology and Pharmacology, 19, 357-365. Grognard, F., Akhmetzhanov, A. R., Bernard, O., 2014. Optimal strategies for biomass productivity maximization in a photobioreactor using natural light. Automatica, 50, 359-368. Harun, R., Singh, M., Forde, G. M., Danquah, M. K., 2010. Bioprocess engineering of microalgae to produce a variety of consumer products. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 14, 1037–1047. Henrard, A. A., da Rosa, G. M., Moraes, L., de Morais, M. G., Costa, J. A. V., 2014. Effect of the carbon concentration, blend concentration, and renewal rate in the growth kinetic of Chlorella sp. The Scientific World Journal, 2014, 1-9. Jain, A., Voulis, N., Jung, E. E., Doud, D. F. R., Miller, W. B., Angenent, L. T., Erickson, D., 2015. Optimal intensity and biomass density for biofuel production in a thin-light-path photobioreactor. Environmental Science and Technology, 49, 6327–6334.

822

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Kadlec, R. H., Wallace, S. D., 2008, Treatment Wetlands, 2ª. Ed., CRC Press, Boca Raton, USA. Lee, E., Pruvost, J., He, X., Munipalli, R., Pilon, L., 2014. Design tool and guidelines for outdoor photobioreactors. Chemical Engineering Science, 106, 18-29. Lu, W., Wang, Z., Wang, X., Yuan, Z., 2015. Cultivation of Chlorella sp. using raw dairy wastewater for nutrient removal and biodiesel production: Characteristics comparison of indoor bench-scale and outdoor pilot-scale cultures. Bioresource Technology, 192, 382-388. Mateus, D. M. R., Vaz, M.M.N., Pinho, H.J.O., 2012. Fragmented limestone wastes as a constructed wetland substrate for phosphorus removal. Ecological Engineering, 41, 65-69. Mateus, D. M. R., Vaz, M.M.N., Capela, I., Pinho, H.J.O., 2016. The Potential Growth of Sugarcane in Constructed Wetlands Designed for Tertiary Treatment of Wastewater. Water, 8, 1-14. Mendez, L., Mahdy, A., Ballesteros, M., González-Fernández, C., 2015. Chlorella vulgaris vs cyanobacterial biomasses: Comparison in terms of biomass productivity and biogas yield. Energy Conversion and Management, 92, 137-142. Pate, R., Klise, G., Wu, B., 2011. Resource demand implications for US algae biofuels production scale-up. Applied Energy, 88, 3377-3388. Rosenberg, J. N., Oyler G. A., Wilkinson, L., Betenbaugh, M. J., 2008. A green light for engineered algae: redirecting metabolism to fuel a biotechnology revolution. Current Opinion in Biotechnology, 19, 430-436. Singh, R. N., Sharma S., 2012. Development of suitable photobioreactor for algae production – A review. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 16, 2347-2353. Siao, P. C., Li, G. C., Engle, H. L., Ilao, L. V., Trinidad, L. C., 2007. Biosorption of Cu(II) ions from synthetic and actual wastewater using three algal species. Journal of Applied Phycology, 19, 733-743. Stanier, R. Y., Kunisawa, R., Mandel, M., Cohen-Bazire, G., 1971. Purification and properties of unicellular blue-green algae (order Chroococcales). Bacteriological reviews, 35, 171–205. Tabatabaei, M., Tohidfar, M., Jouzani, G. S., Safarnejad, M., Pazouki, M., 2011. Biodiesel production from genetically engineered microalgae: Future of bioenergy in Iran. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 15, 1918-1927. Wu, H., Zhang, J., Ngo. H. H., Guo, W., Hu, Z., Liang, S., Fan, J., Liu, H., 2015. A review on the sustainability of constructed wetlands for wastewater treatment: Design and operation. Bioresource Technology, 175, 594-601. Yadala, S., Cremaschi S., 2014. Design and optimization of artificial cultivation units for algae production. Energy, 78, 23-39. Zeng, X., Guo, X., Su, G., Danquah, M. K., Zhang, S., Lu, Y., Sun, Y., Lin, L., 2015. Bioprocess considerations for microalgal-based wastewater treatment and biomass production. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 42, 1385-1392. Zhou, W., Chen, P., Min, M., Ma, X., Wang, J., Griffith, R., Hussain, F., Peng, P., Xie, Q., Li, Y., Shi, J., Meng, J., Ruan, R., 2014. Environment-enhancing algal biofuel production using wastewaters. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 36, 256-269. Zou, N., Zong, R., Pan, Y., Sun, D., Liang Y., Lv J., 2008. Study of immobilization and removal efficiency of Zn2+ from wastewater by Anabaena sp.. Proceedings of 2nd International Conference on Bioinformatics and Biomedical Engineering, ICBBE 2008, 28852887.

823

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

824

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa em Moçambique: o papel da comunicação social e a perceção de risco sísmico pelas populações Elton Laissone1; Pedro Dzucule2; Alexandre Tocoloa3; Filomena Camurai4; Luís Bofana5; Filomena Amador6; Jorge Trindade7; Teresa Firmino8 1

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

2

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

3

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

4

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

5

Universidade Católica de Moçambique, [email protected]

6

Universidade Aberta, Instituto de Ciências da Terra (Polo Universidade do Porto) [email protected] 7

Universidade Aberta e Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, [email protected] 8

Jornal Público, [email protected]

Resumo Neste trabalho analisa-se, numa perspetiva de sustentabilidade, a polémica gerada com o projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa no rio Zambeze, em Moçambique. Considerado como um dos rios mais importantes do continente africano, possui já várias barragens no seu curso, entre elas a barragem de Cahora Bassa. A região onde a nova barragem será construída enquadra-se no sistema de falhas associado ao rifte da África Oriental, o qual atravessa o lago Niassa e se prolonga pelo vale do rio Shire, que por sua vez se liga ao rio Zambeze. A ocorrência, em 2006, de um sismo de magnitude 7 com epicentro em Chipungabera (Manica), chamou a atenção para o facto de existirem em Moçambique regiões onde o risco sísmico é mais elevado, entre elas a zona onde está prevista a construção da barragem. No debate que este projeto tem vindo a gerar os argumentos relativos à sismologia têm sido particularmente valorizados, não só com referência à atividade sísmica natural como também a uma possível atividade sísmica induzida pelo enchimento do reservatório. Assim, no presente estudo pretende-se conhecer a perceção de risco sísmico de uma amostra de indivíduos que habitam nesta região e, ao mesmo tempo, analisar o modo como este debate tem vindo a público nos órgãos de comunicação social, nomeadamente em jornais públicos e privados, assim como newsletters de organizações não governamentais ou outros documentos com circulação na Internet. Para o efeito foi definido um grupo de categorias prévias que serviram de base à construção do guião de uma entrevista aplicada a uma amostra de 7 indivíduos. Os resultados evidenciaram a necessidade de ter em consideração o enquadramento cultural na análise a que procedemos. A existência de alguns tremores de terra de maior magnitude, durante o 825

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

período de análise (2000 a 2015), assim como a discussão relativa ao próprio cálculo do risco sísmico, expresso nos estudos de impacto ambiental, é um dos aspetos mais centrais e condicionares do debate. Palavras-chave: perceção do risco sísmico, Moçambique, populações, comunicação social, comunicação em Ciência. 1. Introdução Neste trabalho, pretende-se refletir sobre a perceção do risco sísmico e a sua relação com o projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa na província de Tete (Moçambique). Esta reflexão baseia-se em entrevistas realizadas a uma amostra de indivíduos que vive em zonas próximas ao local onde vai ser construída a barragem e em informação disponibilizada pela comunicação social e outras fontes informativas. É sabido que um grande empreendimento como este, possui elevados impactos económicos, sociais, políticos, culturais e sobretudo ambientais e, por isso, tem suscitado debate não só entre a população diretamente visada, mas também a nível nacional. A região em causa encontra-se exposta à ocorrência de sismos devido ao seu enquadramento geológico. Esta faz parte de um sistema mais vasto de formação de um rifte na zona este do continente africano, com expressão visível desde o Mar Vermelho, a norte, até ao Zambeze a sul (Debelmas e Mascle, 2002). Do sistema de riftes, instalados no Miocénico, tem particular importância para Moçambique a atividade sísmica que ocorre no eixo Lago Niassa-Shire-Urema-Sofala, onde nos últimos anos se têm vindo a registar maior número de epicentros. Esta situação, gera maior vulnerabilidade sísmica nas populações de todo o vale do Shire, sobretudo na região abrangida pelo projeto Mphanda Nkuwa, devido à proximidade dos epicentros (fig. 1).

826

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 1 – Localização de epicentros registados entre 1950 e 2016, com magnitude ≥ 4. (Fonte: USGS).

De acordo com a International Rivers Network (IRN) o rio Zambeze é um dos cursos de água mais importantes de África (Convenção de Ramsar - Convention on Wetlands of International Importance especially as Waterfowl Habitat, 1971), embora a construção de diversas barragens ao longo do seu curso esteja a provocar perdas de escoamento que afetam pessoas e os vários serviços associados à biodiversidade. Entre estas barragens destaca-se no território moçambicano a de Cahora Bassa e no território do Zimbabué a barragem de Kariba. Num estudo recente de Isaacman e Isaacman (2013) é apresentada uma perspetiva histórica e crítica sobre a construção da barragem de Cahora Bassa, durante o período colonial. Neste trabalho são destacados os inúmeros impactos sociais, económicos e ambientais que teve nas populações que viviam a jusante. Os dados são suportados em trabalhos de campo realizados na região. Em paralelo, estes autores usam esta informação para analisar e tecer comparações sobre a forma como está a decorrer a discussão do projeto da barragem de Mphanda Nkuwa, realçando a necessidade de se retirarem lições da experiência anterior. Tendo em conta que a atividade sísmica deve representar um dos pilares na avaliação das condições ambientais associadas a um projeto desta natureza, o problema que se coloca neste trabalho é o seguinte: qual é a perceção do risco sísmico que possui a comunidade de Chirodzi-Msanangwe (fig. 1), uma das atingidas diretamente pela construção da barragem, e qual tem sido o papel ou a contribuição dos meios de comunicação social e outras fontes informativas para o debate público do projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa? Com base nesta questão procurou-se: i) Caraterizar a região de ChirodziMsanangwe, identificando hábitos e costumes, a cultura, a vida económica ou as crenças, caracterizando-se também de forma sumária o local onde vai ser construída a barragem e o próprio projeto; ii) Identificar, por meio de entrevistas semiestruturadas, as perceções de uma amostra de indivíduos residentes em Chirodzi-Msanangwe sobre a ocorrência e as consequências dos riscos sísmicos que poderão estar envolvidos no projeto da construção da barragem de Mphanda Nkuwa e sobre o papel da comunicação social ou de outras fontes informativas em relação ao mesmo projeto; iii) Identificar, por meio da análise de diversos documentos a existência de diferentes perspetivas sobre o assunto, incluindo em particular as preocupações relativas à sismicidade, que têm prevalecido no debate sobre a construção da barragem de Mphanda Nkuwa, colocando ênfase na relação entre a ocorrência de determinados eventos sísmicos e a controvérsia que a construção da barragem tem gerado. Durante o período de análise (2000 -2016) vários investigadores chamaram a atenção para as questões de risco sísmico envolvidas no projeto. Por exemplo, Morrisey (2006) num estudo de campo realizado em duas povoações localizadas próximo da região onde está projetada a obra, destaca como efeitos negativos a jusante: a redução da fertilidade dos solos, a exacerbação das inundações em períodos críticos, a perda da biodiversidade, o aumento de erosão nas margens do rio ou a redução das espécies piscícolas. No âmbito do risco sísmico, o autor sublinha a falta de registos sísmicos contínuos e de longo prazo, nomeadamente de eventos de grande magnitude, o que, naturalmente, limita uma análise de suscetibilidade sísmica e, consequentemente, subestima a avaliação da exposição da obra e das populações a este tipo de risco, tal como antes já tinha sido referido para Cahora Bassa. 827

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A fig. 1 repesenta a distribuição dos epicentros sísmicos, relativos a magnitudes superiores a 4, na região centro de Moçambique e durante um período de 66 anos (1950-2016), colocando em evidência a existência de alinhamentos tectónicos em rejogo, sendo que o principal atravessa de norte para sul o Malawi. O trabalho de Stamps et al. (2008) que contou com a colaboração de Chris Hartnady também chama a atenção para a necessidade de esta região passar a ser considerada de instabilidade tectónica e dever merecer uma maior atenção por parte de geólogos e geofísicos. À instabilidade tectónica natural pode acrescentar-se a sismicidade induzida pelo homem. Deste tipo de fenómeno é exemplo o evento de 12 de maio de 2008, associado a um terramoto de magnitude 8. Este evento teve origem no enchimento da barragem de Zipingpu, na China, o qual provocou 80 000 vítimas (Xiao, 2012). Em paralelo, Wieland e Brenner (2008) também chamam a atenção para a necessidade de serem incorporados design sísmicos na construção de grandes barragens. 2. Métodos A presente investigação assumiu um caráter marcadamente qualitativo e com caráter exploratório (Coutinho, 2015), pois nela busca-se compreender a perceção do risco sísmico por parte das populações e compreender ao mesmo tempo o papel dos meios de comunicação social e de outras fontes informativas no debate público. Quanto aos procedimentos técnicos, trata-se de um estudo de caso, pois toda a pesquisa está centrada no caso do projeto de construção da Central Hidroelétrica de Mphanda Nkuwa. O método de abordagem que foi seguido é o método fenomenológico, uma vez que se tratou de estudar o mesmo fenómeno (projeto de construção da Barragem de Mphanda Nkuwa) em duas vertentes: no papel da comunicação social e na perceção do risco sísmico pela população local. O universo do nosso estudo é composto por todos os residentes da comunidade de Chirodzi-Msanangwe, tratando-se, portanto, de um universo indeterminado. A amostra é composta por sete membros residentes ou com ligação direta ao local. A amostra foi de conveniência, destacando-se, porém o facto de se ter conseguido entrevistar o segundo chefe do Bairro 1 de Chirodzi-Msanangwe. As principais técnicas que foram usadas para a recolha de dados, tratando-se duma abordagem qualitativa, são as entrevistas semiestruturadas e a análise de conteúdo por meio da seleção de jornais, newsletters, relatórios, memórias descritivas, blogs, transcrições de programas de televisão ou rádio, e outras fontes onde estivesse presente o debate em torno da barragem de Mphanda Nkuwa. Ao longo da pesquisa, tivemos o cuidado de garantir a veracidade dos factos que íamos recolhendo, procurando uma interpretação que não fosse fruto das nossas elucubrações ou especulações, desenquadradas da realidade, tentando primar pela fidelidade. Nas entrevistas, cuidamos também de não identificar os entrevistados pelos seus nomes como forma de não expormos a sua identidade. 3. Resultados Neste tópico procede-se à apresentação e análise dos dados recolhidos, subdividindo-o para esse efeito em três partes: i) caraterização do local e dos entrevistados, ii) análise dos dados obtidos na parte II das entrevistas aos moradores da localidade de ChirodziMsanangwe, iii) análise da comunicação social e dados obtidos na parte III das entrevistas.

828

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

i)

Caraterização do local e dos entrevistados

O povoado de Chirodzi-Msanangwe (fig. 1) pertence à localidade de Chacocoma, e o respetivo nome provém da confluência de dois rios, o Chirodzi e o Msanangwe. Para além desta povoação ser a que se encontrará mais perto do local onde se construirá a barragem, também merece maior atenção porque, segundo dados recolhidos poderá ser diretamente afetada pelo plano de água resultado do enchimento da nova barragem. A população vive da agricultura, pesca, pecuária e pequenos negócios. Os laços de familiaridade na comunidade são muito fortes até ao oitavo grau. O curandeirismo, o alcoolismo, as crenças e cerimónias tradicionais são práticas muito frequentes neste povoado. O nível de desenvolvimento é muito baixo, ditando níveis de pobreza muito elevados.

Figura 2 - Região de Enquadramento da Barragem de Mphanda Nkuwa, entre a Albufeira de Cahora Bassa e Tete. Fonte: hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, estudo de pré-viabilidade ambiental e definição do âmbito, Relatório de EPDA (2009, julho), p. 60.

De acordo com o Central Hidroelétrica de descritiva do projeto localizada a cerca de barragem de Cahora montante de Tete (fig. na margem esquerda Marara na margem prevê a formação de que obrigará ao população de Chirodzi-

documento, Projeto para a Mphanda Nkuwa: memória (2013), a barragem ficará 60 km a jusante da Bassa e a 70 km a 2), com o distrito de Chiuta (Norte) e o distrito de direita (Sul). O projeto um reservatório de 100 km2 reassentamento da Msanangwe (fig. 3).

829

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 2 - Ilustração da área da futura albufeira (o perfil vermelho) e os distritos que serão diretamente abrangidos. Fonte: Hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, estudo de pré-viabilidade ambiental e definição do âmbito, Relatório de EPDA (2009, julho), p. 62.

A Central Hidroelétrica de Mphanda Nkuwa terá uma capacidade instalada de 1500 MW (quatro unidades geradoras do tipo Francis, de 375 MW cada uma). O muro da barragem terá 90 metros de altura e 700 metros de comprimento, embora relativamente à altura já tenha sido debatido um valor superior. A Central Hidroelétrica terá a capacidade de produção de 8600 GW por ano. Os 7 indivíduos entrevistados têm idades compreendidas entre os 20 e os 51 anos, residindo a maior parte deles em Chirodzi-Msanangwe e um deles em Tete embora sendo natural da referida localidade (tabela 1). Tabela 1. Caraterização da população entrevistada. Género

Nível de escolaridade

Masculino Feminino

5

2

Básico

Médio

6

1

Local de residência Chirodzi-Msanangwe Tete

6

1

830

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

ii) Análise dos dados obtidos na parte II das entrevistas aos moradores da localidade de Chirodzi-Msanangwe A entrevista dirigida aos moradores de Chirodzi-Msanangwe foi estruturada em três partes: a primeira parte procurava saber alguns dados relacionados com a identidade do entrevistado (género, idade, nível educacional e local de residência); a segunda parte levantava a questão do conhecimento que as populações têm em relação ao risco sísmico e à construção da barragem de Mphanda Nkuwa; e a terceira parte estava dedicada ao papel da comunicação social, embora posteriormente tivéssemos verificado que seria necessário alargar este âmbito. Na segunda parte da entrevista foram colocadas seis perguntas. As primeiras três diziam respeito ao nível de conhecimento relativo ao risco sísmico, e as últimas três referiam-se ao conhecimento relativo à construção da barragem. Todos os entrevistados afirmaram já ter ouvido falar em tremores de terra e que já tinham percecionado um sismo. Dois afirmaram ter sido em 2008 e um 2006. Os restantes não fizeram referência ao ano da ocorrência. Quatro dos entrevistados referem que os sismos não são frequentes, os restantes foram omissos sobre este aspeto. A terceira pergunta procurava saber se os entrevistados conheciam as causas deste fenómeno. As respostas que foram dadas mostram que a população não conhece as reais causas dos tremores de terra. Dos entrevistados, apenas dois deram respostas que revelam alguns conhecimentos de Geologia. O aspeto que mais destacamos é o facto de maior parte dos entrevistados associarem os tremores de terra ao efeito e não à causa. Estes dados evidenciam que o debate tem vindo a estar muito centrado nas consequências da construção da barragem e na possibilidade de vir a existir sismicidade induzida, havendo um desconhecimento das causas primárias e naturais que nesta região também podem estar na origem de atividade sísmica. Embora, os próprios entrevistados tivessem manifestado conhecimentos reduzidos sobre sismicidade, verificou-se uma tendência para atribuírem os tremores de terra sentidos às barragens já construídas. A quarta e a quinta perguntas, respetivamente, procuravam saber se os entrevistados já teriam ouvido falar da construção da barragem de Mphanda Nkuwa e se acompanhavam os debates sobre a sua construção. Todos os entrevistados responderam afirmativamente a ambas as questões. Na sexta pergunta, solicitou-se a opinião de cada entrevistado sobre eventuais problemas provocados pela construção da barragem no local onde residem ou são originários. Apenas um, aquele que tem residência em Tete, é que negou a possibilidade de poderem vir a existir problemas. De entre os problemas apresentados pelos outros entrevistados, destacam-se os seguintes: “dilatação” da terra, inundações, desabamento das casas e perda das machambas por causa das inundações, consequente perda de convivência com os familiares e amigos e escassez de comida para os animais. Um dos entrevistados refere ainda que o maior problema estará relacionado com o reassentamento, uma vez que a região indicada para o efeito (Nyamatuwa) já foi ocupada pela mineradora indiana Jindal. Será necessário definir um outro lugar. E isto faz com que população de Chirodzi-Msanangwe esteja indecisa quanto a este aspeto.

iii) Análise da comunicação social e dados obtidos na parte III das entrevistas

831

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A terceira parte da entrevista abordou o papel da comunicação social como transmissora de informação e promotora do debate público sobre a construção da barragem. Para o efeito, foram elaboradas três perguntas simples. Na primeira pergunta, procurou-se identificar o modo como este assunto chegava até aos entrevistados e quais eram os meios que serviam de canal da informação. A maior parte dos entrevistados indicou as autoridades locais (chefes do posto, chefe da localidade, líderes comunitários e chefes dos bairros) como as principais fontes de informação. Um dos entrevistados também destacou o facto de um representante do projeto de construção da barragem morar no local há quase sete anos. Ele representa os interesses do projeto e é o seu porta-voz. Muitas informações da parte do projeto chegam aos locais por seu intermédio. Para além disso muitos dos entrevistados referiram ainda a rádio e os jornais e, três deles, indicaram também a televisão. Através da segunda pergunta, procurou-se conhecer quais os entrevistados têm lido notícias sobre o assunto. Dois responderam informação é através da rádio. Mas os principais jornais que são lidos estas informações, mesmo que esporádicas, são, de acordo com jornais Savana e Notícias.

jornais em que os que o seu acesso à e onde se encontram os entrevistados, os

Na terceira pergunta, a pesquisa procurava conhecer a perceção dos entrevistados sobre a confiabilidade e a veracidade das informações veiculadas pelos meios de comunicação acessíveis à população. Dois dos entrevistados manifestaram dúvidas, enquanto os restantes não colocaram objeções. A análise da tabela 2 revela, por um lado, que no debate público têm-se registado períodos de maior intensidade, alguns dos quais admitimos poderem ter ocorrido como resposta a determinados eventos sismológicos, uma vez que o aspeto do risco sísmico tem vindo a ser um dos mais questionados no decurso do debate. Por exemplo, a ocorrência em Moçambique, em fevereiro de 2006, de um sismo com magnitude 7, chamou a atenção para aspetos tectónicos que até esse momento não eram muito valorizados. Aliás, um dos problemas na realização de estudos de risco sísmico prende-se também com falta de registos para períodos mais antigos. Também o desastre na barragem de Zipingpu (China), associado a um terramoto originado pelo próprio enchimento da barragem, o qual provocou 80 000 vítimas, veio reacender a discussão sobre a sismicidade induzida por grandes massas de água. Por último, já em 2011 a ocorrência de um sismo na Zâmbia que afetou a barragem de Itezhi-Tezhi (magnitude 5,2) também contribuiu, a nosso ver, para o reacender do debate.

Tabela 2. Tabela cronológica de eventos em função de vários posicionamentos.

ACONTECIMENTOS/POSIÇÕES A FAVOR . Anunciada a intenção de construir a barragem.

. Anunciado o plano de construção da barragem.

ANO

POSIÇÕES CRÍTICAS

Período colonial

1990 (década)

832

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

2000 . Relatório da UTIP (Technical Unit for Implementation of Hydropower Project)

2001/02

. Estudo de Impacto Ambiental (Grupo BHP Billiton) 2002 . Conferência de Investidores (Maputo). . Reuniões em Chirodzi-Msanangwe e Chococoma para recolha de opiniões.

. Abalo sísmico de 7 (escala de Ritcher) com epicentro 21.259° S., 33.480° E.

2006

. Conferência “Promovendo a Transparência e o Diálogo sobre as Barragens e o Desenvolvimento em Moçambique: aprendendo com os acontecimentos do passado em relação a Grandes Barragens em África”

2007

. Desastre na barragem de Zipingpu associado a terramoto (80 000 vítimas).

. J. Morrisey, “Community Risck Assessement for the Proposed Mphand Nkwua Hydroelectric Dam” - Justiça Ambiental! (JA) – avaliação de risco . Justiça Ambiental (suportada por organizações como World Wild Life Fund, World Commision on Dams e International River Network, Environmental Defense Fund-EDF).

(China), 2008

. The Scoping Study . Mia Couto participa no EIA (Coba/Impacto) e vai a Tete.

2009

. Críticas do geofísico sul-africano Chris Hartnady (“Carte Blanche” em M-net, programa televiso, África do Sul).

. Assinado acordo para a construção com a empresa brasileira Camargo Correia.

. Aprovado contrato de concessão empreendimento à Camargo Correia.

do

. Divulgação (draft) do Estudo de Impacto Ambiental

2010

. Sismo na Zâmbia que afeta a barragem de ItezhiTezhi (magnitude 5,2).

. Justiça Ambiental 2011

. Coloca-se a questão: Qual o sismo máximo admitido no projeto? Quais são os dados sismológicos?

. Publicação do relatório de Richard Beilfuss. . Projeto para a central hidroelétrica de Mphanda Nkuwa. Memória descritiva do projeto. 2012

.Publicação do livro de Isaacman, e Isaacman.

2013 . Notícias em sites de organizações estrangeiras que revelam estar a decorrer um processo de angariação de fundos. 2016

. Discursos oficiais.

833

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

5. Conclusões O estudo agora apresentado permitiu esclarecer os objetivos inicialmente propostos. No seguimento do projeto de construção da barragem de Mphanda Nkuwa, foi possível identificar uma relação estreita de proximidade de focos sísmicos de magnitude superior a 4M e o local de construção. A distribuição espacial e a magnitude destes epicentros apontam para a necessidade de determinação e zonamento do risco sísmico a nível regional e local, ferramenta essencial no estudo dos impactos da construção e no ordenamento territorial da área de influência desta infraestrutura. Verificou-se que a atividade tectónica com expressão na ocorrência de sismos, embora pouco frequente, é parte do quotidiano dos habitantes de Chirodzi-Msanangwe, no entanto, estes não identificam os seus fatores desencadeantes e, consequentemente, não atribuem qualquer importância à relação entre risco de colapso da barragem e a sismicidade. Entre os impactos negativos que a construção da barragem de Mphanda Nkuwa pode originar, existe a perceção clara que a inundação de espaços ocupados pelos seus bens e atividades, como resultado do enchimento do setor a montante do paredão, será o mais importante. Não são considerados pelos entrevistados efeitos sobre a biodiversidade e sobre os serviços do ecossistema, sobre a erosão hídrica nas margens e leito do rio, sobre a sismicidade induzida pelo referido enchimento ou ainda sobre o risco de cheia rápida associada ao colapso do paredão da barragem. Estas constatações reforçam o fraco entendimento que as populações locais possuem dos possíveis impactos da instalação desta infraestrutura. Concluiu-se ainda que existe uma forte concentração da divulgação de informação relativa a este projeto nos lideres locais, o que, naturalmente, limita em grande medida a qualidade, a pluralidade e a diversidade de informação que chega às populações, recomendando-se que sejam garantidos processos que assegurem uma sensibilização e consulta participativa dos habitantes. Por último, considerou-se ser necessário aumentar o número de entrevistados, de forma a aprofundar mais alguns aspetos em que se registou maior diversidade de opiniões.

Referências Beillfuss, R., 2012. A Risky Climate for Southern African Hydro. Assessing hydrological risks and consequences for Zambezi river basin dams, Berkeley, International Rivers. Coutinho, C.P. (2015). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e Prática. Coimbra; Almedina. Debelmas, J. e Mascle, G., 2002. As Grandes Estruturas Geológicas. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Isaacman, A.F. e Isaacman, B.S., 2013. Dams, Displacement, and the Delusion of Development: Cahora Bassa and Its Legacies in Mozambique, 1965–2007. Ohio, Ohio University Press. Morrisey, J., 2006. “Community Risck Assessement for the Proposed Mphand Nkwua Hydroelectric Dam”, Maputo, Justiça Ambiental.

834

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Stamps, D. S., Calais, E., Saria, E., Hartnady, C., Nocquet, J. M., Ebinger, C. J., & Fernandes, R. M., 2008. A kinematic model for the East African Rift. Geophysical Research Letters, 35(5). Xiao, F., 2012. Did the Zipingpu Dam Trigger China's 2008 Earthquake? The Scientific Case. Probe International Editor. Consultado em 13 de abril de 2016, http://probeinternational.org/library/wp-content/uploads/2012/12/Fan-Xiao12-12.pdf Wieland, M., & Brenner, R. P., 2008. Current seismic safety requirements for large dams and their implication on existing dams. In Proc. Int. Symposium on Operation, Rehabilitation and Upgrading of Dams, 76th Annual ICOLD Meeting, Sofia, Bulgaria.

835

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Sustentabilidade em Campi Universitários: análise em universidades do Rio Grande do Sul – Brasil

Carolina Sampaio Marques (1), Marcelo Trevisan(2), João Filipe Torres Soares(3) (1) Universidade Federal de Santa Maria e Universidade Federal do Pampa, Campus Caçapava do Sul – RS-Brasil. e-mail: [email protected] (2) Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Ciências Administrativas – RS – Brasil. e-mail: [email protected] (3) Universidade Aberta, Rua da Escola Politécnica 141-147 1269-001 Lisboa, Portugal. e-mail:[email protected]

Resumo As instituições de ensino superior possuem um papel relevante no processo de desenvolvimento tecnológico, na preparação dos alunos e na geração de informação e conhecimento e este papel deve ser utilizado também para conduzir ao desenvolvimento de uma sociedade preocupada com os princípios da sustentabilidade. Porém, para que o processo seja realizado, faz-se necessário que as universidades incorporem princípios e práticas sustentáveis, seja para iniciar um processo de sensibilização em todos os seus níveis, atingindo toda a comunidade universitária ou para tomar decisões fundamentais sobre planejamento, treinamento, operações ou atividades comuns em suas áreas físicas. Assim conhecer como as instituições de ensino superior trabalham a sua gestão ambiental e suas práticas de sustentabilidade se tornam de interesse de professores, corpo técnicoadministrativo, alunos, gestores das universidades e toda a sociedade a fim de poder corrigir problemas e propor soluções para esta gestão sustentável. Este artigo tem como objetivo analisar e produzir um panorama de como as maiores universidades do estado do Rio Grande do Sul – Brasil expõem espontaneamente em seus web sites oficiais suas iniciativas e boas práticas sustentáveis, tanto em seu planejamento estratégico, quanto em suas operações e comunicações via internet. Para tanto, uma revisão de literatura foi realizada sobre gestão ambiental nas instituições de ensino superior visando elaborar construtos que foram analisados por meio do instrumento elaborado por Tauchen e Brandli (2006). Após a revisão de literatura, realizou-se um estudo documental a partir das informações dos web sites das seis maiores universidades em número de alunos, tanto públicas quanto privadas, do estado do Rio Grande do Sul – Brasil. Os resultados atestam que nos web sites estão disponíveis poucas informações sobre as boas práticas de sustentabilidade presentes nas instituições de ensino superior existindo assim um déficit entre as informações disponíveis na internet e o efetivo desempenho ambiental de cada instituição. Os dados indicam que a comunicação das universidades públicas em geral elas estão mais amadurecidas na gestão ambiental de seus campi do que as universidades privadas. Efetivamente quando se analisa as ações das universidades públicas comparativamente com as universidades privadas percebe-se que aquelas possuem efetivamente um desempenho ambiental superior em média. Como limitações desta pesquisa destaca-se que a natureza da investigação não permite generalizações em relação a outras universidades. Como conclusão e implicação prática está a deficiência de comunicação das ações sustentáveis existentes nas instituições. Esta defasagem prejudica a disseminação dos conceitos e da importância da sustentabilidade que são fundamentais para a sensibilização das instituições de ensino superior e da sociedade como um todo. 836

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Palavras chave: Campus Sustentável; Instituições de Ensino Superior; Sustentabilidade; Gestão Ambiental, Rio Grande do Sul – Brasil. 1. Introdução O século XX trouxe consigo o crescimento de uma coletividade que começa a se preocupar com a degradação do meio ambiente decorrente do desenvolvimento atual. O aprofundamento da problemática ambiental, atrelado à reflexão da influência da sociedade nesse processo, conduziu a um novo conceito chamado sustentabilidade. Esse conceito se espalhou e se enraizou nos últimos 20 anos causando um estranhamento inicial e posteriormente gerou impacto e legitimidade, moldando o universo das decisões públicas (Bursztyn e Drummond, 2009). Com isso, o momento atual exige que a sociedade esteja motivada e mobilizada para assumir um caráter propositivo e para tanto, é importante o fortalecimento das organizações e instituições públicas, como as universidades, para a construção de instituições pautadas por uma lógica de sustentabilidade. Diversas instituições de ensino têm começado a entender a necessidade de serem mais sustentáveis, servindo de modelo na adoção de práticas verdes (Clugston, 2004). Estas adoções são tanto em gestão universitária, pensando na infraestrutura e treinamento como por meio de inclusões em currículos de cursos e projetos. Assim, a gestão ambiental vem ganhando um espaço em diferentes camadas e setores da sociedade mundial e envolve também o setor educacional, a exemplo das Instituições de Ensino Superior (IES). No entanto, ainda são poucas as práticas observadas nas IES, as quais têm o papel de qualificar e conscientizar os cidadãos formadores de opinião de amanhã. Na visão de Careto e Vendeirinho (2003), as universidades precisam praticar aquilo que ensinam. Enquanto algumas instituições de ensino superior são frequentemente vistas como locais de estagnação e burocracia, outras demonstraram ser capazes de, pelo menos, iniciar o caminho da sustentabilidade. O papel de destaque assumido pelas IES no processo de desenvolvimento tecnológico, na preparação de estudantes e fornecimento de informações e conhecimento, pode e deve ser utilizado também para construir o desenvolvimento de uma sociedade sustentável e justa. Para que isso aconteça, entretanto, torna-se indispensável que essas organizações comecem a incorporar os princípios e práticas da sustentabilidade, seja para iniciar um processo de conscientização em todos os seus níveis, atingindo professores, funcionários e alunos, seja para tomar decisões fundamentais sobre planejamento, treinamento, operações ou atividades comuns em suas áreas físicas. Para a UNESCO (1999) existe a necessidade de um processo de sensibilização e conscientização da comunidade acadêmica sobre a importância da sustentabilidade ambiental – uma temática que permeia a diversidade de disciplinas e práticas acadêmicas – acompanhado de uma gestão adequada, com plena cooperação entre as diversas instâncias e órgãos institucionais, entre decisores e funcionários, docentes e discentes. Porém, não somente no Brasil, mas também em sociedades tidas como referência, docentes, pesquisadores e gestores acadêmicos voltados para a sustentabilidade vêm constatando a lentidão da inserção das preocupações ambientais na universidade, conforme afirmam Ciurana e Leal Filho (2006). O relatório “Mapeamento da Educação Ambiental em instituições brasileiras de Educação Superior” (RUPEA, 2005; BRASIL, 2007), em uma amostra de 22 universidades brasileiras, públicas e privadas, de 11 estados, revela que as iniciativas realizadas se devem mais a grupos de docentes e pesquisadores do que à existência de políticas institucionais e ao incentivo de seus órgãos de gestão. Das 64 universidades convidadas para participar nesse mapeamento em âmbito nacional, apenas 22 aderiram efetivamente, o que não deixa 837

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

de constituir mais um indício de um tênue envolvimento e comprometimento dos gestores e decisores universitários brasileiros relativamente à inserção dos temas ambientais em suas instituições. No cenário mundial, Wrigth (2004) afirma que diversas universidades do mundo já assinaram declarações de compromisso com a sustentabilidade e, além disso, é notória a importância que as universidades possuem para gerar a mudança de que se necessita. Para Clugston (2004) estas instituições têm como responsabilidade ensinar sobre problemas sociais, além de liderar debates sobre o tema no intuito de propor soluções. O ensino superior deve questionar a realidade, estimulando o desenvolvimento de novos conhecimentos, habilidades e valores gerando cidadãos mais conscientes que contribuem para um mundo melhor. Assim, é possível a identificação de variada literatura internacional sobre gestão sustentável nos campi universitários e também a existência de diversos “hankings” sustentabilidade avaliando universidades estrangeiras, tais como: i) o Princeton Review Green Rating; ii) o Sustainable Endowment Institutes College Sustainability Report Card; iii) o Sustainability Tracking, Assessment & Raiting System – STARS; iv) o Campus Sustainability Data Collector nos Estados Unidos; v) o PRME – Principles for Responsible Management Education da ONU. Porém esta realidade contrasta com a ausência de parâmetros comparativos da sustentabilidade ambiental na gestão dos campi universitários brasileiros, tanto em relação ao seu planejamento estratégico, quanto à suas operações e, consequentemente, quanto ao que as universidades nacionais comunicam sobre sua sustentabilidade ambiental. Tais silêncios, de acordo com Coffani-Nunes (2012) sugerem que as nossas universidades ainda não aprofundaram, ou nem adotaram – efetivamente – estas práticas na gestão ambiental em seus próprios campi. Nesse contexto, têm-se o objetivo deste artigo que é analisar e produzir um panorama de como as maiores universidades do estado do Rio Grande do Sul – Brasil expõem espontaneamente em seus web sites oficiais suas iniciativas e boas práticas sustentáveis, tanto em seu planejamento estratégico, quanto em suas operações e comunicações via internet. A relevância deste estudo está no fato de que, conforme apontam Kanan e Zanelli (2011) o compromisso social das universidades é a transformação por meio da construção de formas democráticas do convívio humano, é significativo per si começar a avaliar seus próprios processos. Na mesma linha de pensamento, Delakowitz e Hoffman (2000) ressaltam que instrumentos de gestão ambiental, são importantes na medida em que apoiam o processo contínuo de auto avaliação por meio de seus requerimentos por transparência interna e externa, por seu sistema periódico de avaliação e adaptação e ainda, para Ozdem (2009), as universidades existem há muito tempo como instituições educacionais que conduzem a pesquisa científica, produzem soluções para problemas que os países enfrentam, treinam força de trabalho qualificada em para setores onde há demanda e exercem posição de liderança no desenvolvimento dos princípios democráticos e da liberdade de pensamento. O papel das universidades, neste contexto, é importante não só porque suas pesquisas e ensino geram transferências de conhecimento sobre sustentabilidade, mas porque educam futuros profissionais com potencial para contribuir para um futuro sustentável (Barth e Rieckmann, 2012). Assim, instigar debates e gerar informações consistentes acerca dos problemas existentes e relacioná-los com a formação de profissionais pode colaborar com a construção de uma sociedade mais justa e sustentável. Neste sentido, pensar em como a gestão sustentável das universidades ocorre se faz necessário, sendo um dos maiores desafios das universidades do século XXI (Van Weenen, 2000). Mesmo identificando a necessidade de se pensar a Gestão Ambiental nas universidades de forma mais compromissada, no contexto brasileiro este compromisso não é tão presente. De acordo com Vaz et al (2010) as universidades são pouco aproveitadas e 838

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

restritas em relação ao seu gerenciamento ambiental. Na prática, o que se observa no Brasil, é que iniciativas sobre sustentabilidade nas universidades estão sendo realizadas e fomentadas por diversos atores como engenheiros, economistas, administradores. Porém, estas ações são isoladas e pontuais, sem visão sistêmica. 2. Métodos Em função dos objetivos propostos o tipo de pesquisa a ser realizada será a exploratória. Conforme Gil (1999), as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias com o intuito de formular problemas mais precisos para estudos posteriores. A opção metodológica do estudo foi a abordagem qualitativa de natureza teórico-empírica. De acordo com Deslandes e Minayo (2010, p. 17), “a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, pois trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. Os sujeitos da análise são as seis maiores universidades do estado do Rio Grande do Sul – Brasil em relação ao número de alunos matriculados em cursos presenciais de graduação. As universidades estão especificadas na Tabela 1. Tabela 1. Universidades analisadas na pesquisa

Universidades

Nº de alunos matriculados em cursos de graduação presenciais

Tipo de instituição

Ano de fundação

A

30785

Pública

1895

B

23134

Privada

1969

C

22000

Privada

1968

D

25281

Privada

1948

E

19623

Pública

1960

F

13276

Pública

1969

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos web sites das universidades

A coleta de dados foi realizada mediante análise de conteúdo dos web sites considerando a comunicação destas instituições com a sociedade civil. Para análise dos dados dos web sites, optou-se por verificar se há ou não em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) a menção sobre estratégias relacionadas a gestão ambiental nas universidades pesquisadas. O PDI é um documento obrigatório a todas as universidades brasileiras e nele é apresentado o planejamento estratégico da instituição para 5 anos. Além dessa verificação, também foi analisada a presença de relatórios de sustentabilidade nos web sites das 6 maiores universidades gaúchas e quais as principais ações divulgadas por elas na gestão de suas estruturas, operações e pessoas. Para verificar as ações desenvolvidas pelas universidades optou-se por utilizar o construto desenvolvido por Tauchen e Brandli (2006). Este instrumento contém 30 ações e aspectos relacionados a boas práticas de gestão ambiental nos campi, que estão apresentados na Tabela 2. 839

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

840

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 2. Boas práticas de gestão ambiental em universidades 1

Guia com boas práticas sustentáveis

2

Auditoria ambiental para indicar melhorias onde for necessário

3

Diagnóstico dos impactos diretos ou significativos para o ambiente

4

Soluções baseadas no padrão de gerência ambiental da ISO 14001

5

Treinamento e sensibilização da equipe de funcionários

6

Treinamento e sensibilização dos alunos

7

Inclusão nos currículos de conteúdos sobre sustentabilidade ambiental

8

Controle do uso da energia - eficiência energética

9

Programas voltados à população de conscientização ambiental

10

Desenvolvimento de projetos de pesquisa

11

Controle do consumo e reuso da água

12

Alimentação orgânica

13

Sistemas de saúde e a segurança

14

Coleta de indicadores ambientais

15

Controle de efluentes

16

Racionalização do uso de combustíveis alternativos

17

Parceria com outras universidades

18

Disseminação dos projetos desenvolvidos dentro das instituições

19

Criação de ferramenta para análise da sustentabilidade

20

Programa de reciclagem - gestão de resíduos

21

Organização de eventos na área ambiental

22

Criação de departamento para gestão ambiental

23

Desenvolvidos e editados materiais de avaliação ambiental

24

Cursos de formação de gestores ambientais

25

Construções e reformas na instituição seguindo padrões sustentáveis

26

Promoção da biodiversidade dos ecossistemas do campus

27

Plano de ação para melhoria contínua

28

Critérios ambientais com fornecedores de materiais de consumo 841

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

29

Espaços verdes - controle da vegetação

30

Utilização de papel reciclado

Fonte: Tauchen e Brandli (2006)

A coleta de dados foi realizada entre os meses de dezembro de 2015 e março de 2016. 3. Resultados Neste capítulo são apresentados os resultados da análise dos 6 web sites das universidades pesquisadas. Para tanto, esta seção foi dividida em dois construtos: análise de documentos de planejamento estratégico disponibilizados e análise das práticas de gestão ambiental nas operações cotidianas das universidades. 3.1 Análise dos documentos de planejamento estratégico Abaixo está apresentada a Tabela 3 que relaciona a existência dos documentos de gestão disponibilizados online nos sites das universidades. Tabela 3. Documentos de gestão disponíveis nos Web Sites Universidades

Tipo de instituição

Possui o PDI no Web Site?

O PDI possui estratégias de Sustentabilidade?

Possui o relatório de sustentabilidade no Web Site?

A

Pública

SIM

NÃO

NÃO

B

Privada

NÃO

NÃO

NÃO

C

Privada

SIM

NÃO

NÃO

D

Privada

SIM

SIM

NÃO

E

Pública

SIM

SIM

NÃO

F

Pública

SIM

SIM

NÃO

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos web sites das universidades

A análise da informação disponibilizada nos web sites identificou que apenas uma das universidades pesquisadas não possui o Plano de Desenvolvimento Institucional devidamente presente. Como o PDI é um documento obrigatório, infere-se que a universidade em que o plano não foi encontrado deve ser pela falta de publicização na internet e não por este documento não existir. Quando há uma análise sobre o conteúdo do Plano de Desenvolvimento Institucional, percebe-se que apenas metade das universidades investigadas possuem estratégias voltadas para a gestão sustentável de forma explícita no seu planejamento estratégico oficial, o que confirma algumas descobertas do “Mapeamento da Educação Ambiental em instituições brasileiras de Educação Superior” (RUPEA, 2005; BRASIL, 2007), de que as ações sobre sustentabilidade em universidades ocorrem muitas vezes sem um 842

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

planejamento de gestão, sendo realizada por professores ou um grupo de pesquisa que tem interesse na temática. Complementando os achados, observou-se que nenhuma das 6 universidades pesquisadas possui relatório de sustentabilidade disponibilizado para consulta online o que evidencia a necessidade de pensar as instituições de ensino superior brasileiras como Kanan e Zanelli (2011) apontam: locais onde ocorrerá a construção do ser humano compromissado com o social, sendo capaz de entender a si mesmo e modificar os processos. ldentificou-se que em apenas três universidades, sistematizam a gestão ambiental em seus Planos de Desenvolvimento Institucional, sendo duas públicas e uma privada. Importante frisar que a Universidade B foi a primeira universidade da América Latina a receber a certificação internacional ISO 14001. Já ao investigar-se quais as ações voltadas para a gestão ambiental que estão presentes nos PDI das universidades, identificou-se os itens relacionados na Tabela 4. Ressalta-se que nos outros Planos de Desenvolvimento Institucional a palavra sustentabilidade foi encontrada, porém sempre no sentido econômico-financeiro. Os autores entenderam que os casos relacionados a questões puramente econômicas deveriam ser desconsiderados da análise. Tabela 4. Estratégias de gestão ambiental disponíveis nos PDI’s Universidades

Estratégias - Aprimorar a gestão visando atender a requisitos de agilidade, flexibilidade e sustentabilidade; - Incrementar boas práticas de preservação do meio ambiente em novas obras, em melhorias e em serviços;

D

- No que tange às edificações, a Universidade incorpora a sustentabilidade tanto no seu projeto como na sua execução. - Tornar-se referência pela qualidade do ensino e pela relevância das pesquisas, com a marca da inovação e da gestão sustentável; - Que o egresso seja educado para a cidadania: preocupado com a inclusão social e a sustentabilidade do meio ambiente - Missão da Universidade: Construir e difundir conhecimento, comprometida com a formação de pessoas capazes de inovar e contribuir com o desenvolvimento da sociedade, de modo sustentável; - Foco na inovação e sustentabilidade;

E

- Desenvolvimento de ações e projetos na área de sustentabilidade, de produções sociais, ambientais e culturais permanentes, de desenvolvimento tecnológico e de gestão; - Permitir a transferência de conhecimentos necessários ao estabelecimento do desenvolvimento sustentável que respeite e estimule os sistemas produtivos locais; - Promover ações com vistas a sustentabilidade (reuso de água, economia de energia elétrica, redução de consumo de papel; - Criar programa de redução de resíduos sólidos;

F

- Elaborar plano de desenvolvimento sustentável; - Articular os princípios da sustentabilidade, da igualdade de gênero e da diversidade cultural, étnica e social, com a inclusão dessas temáticas nos currículos de forma concreta; 843

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

- Fomentar ações que objetivem a equidade, a sustentabilidade, a inclusão e a cidadania Fonte: Elaborado pelos autores com base nos web sites das universidades

A Tabela 4 demonstra as estratégias identificadas em seus PDI’s relacionadas a Sustentabilidade. Percebe-se que estas estratégias focam questões que podem causar impacto positivo na gestão ambiental, gerando sensibilização entre toda a comunidade acadêmica. Importante informar que, dentre os PDI’s pesquisados, o da universidade E possui as ações relacionadas a cada estratégia de forma bem estruturada e planejada, sendo provavelmente mais factível de serem realizados e mensurados os resultados.

3.2 Análise das práticas de gestão ambiental nas operações cotidianas das universidades Nesta seção são analisados os itens especificados no construto elaborado por Tauchen e Brandli (2006). Cada um dos 30 itens analisados foram buscados nos web sites das 6 maiores universidades do Rio Grande do Sul – Brasil. A Tabela 5 compila as informações de todas as instituições. Os itens que cada universidade possui foram identificados com um X. Tabela 5. Boas práticas de gestão ambiental nas universidades Boas Práticas

Universidades A

B

1 - Guia com boas práticas sustentáveis

X

2 - Auditoria ambiental para indicar melhorias onde necessário

X

C

D

E

F

3 - Diagnóstico dos impactos diretos ou significativos para o ambiente 4 - Soluções baseadas no padrão de gerência ambiental da ISO 14001

X

5 - Treinamento e sensibilização da equipe de funcionários

X

X

6 - Treinamento e sensibilização dos alunos 7 - Inclusão nos currículos de conteúdos sustentabilidade ambiental

X

8 - Controle do uso da energia - eficiência energética

X

X

X

X

X

X X

9 - Programas voltados a população de conscientização ambiental 10 - Desenvolvimento de projetos de pesquisa 11 - Controle do consumo e reuso da água

X

X

X

X

X

X

X X

12 - Alimentação orgânica 13 - Sistemas de saúde e a segurança 14 - Coleta de indicadores ambientais 15 - Controle de efluentes 16 - Racionalização do uso de combustíveis alternativos

X

17 - Parceria com outras universidades 844

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

18 - Disseminação dos projetos desenvolvidos dentro das instituições

X

X

19 - Criação de ferramenta para análise da sustentabilidade

X

20 - Programa de reciclagem - gestão de resíduos

X

21 - Organização de eventos na área ambiental.

X

22 - Criação de departamento para gestão ambiental

X

X

X

X

X

X

X X

X

X

X

X

X X

23 - Desenvolvidos e editados materiais de avaliação ambiental 24 - Cursos de formação de gestores ambientais 25 - Construções e reformas na instituição seguindo padrões sustentáveis

X

X

26 - Promoção da biodiversidade dos ecossistemas do campus 27 - Plano de ação para melhoria contínua 28 - Critérios ambientais com fornecedores de materiais de consumo 29 - Espaços verdes - controle da vegetação

X

X X

X

X

X

30 - Utilização de papel reciclado Fonte: Elaborado pelos autores com base nos web sites das universidades

Identificou-se que todas as universidades realizam as ações que se relacionam com as atividades de ensino pesquisa e extensão, ou seja: os currículos possuem a inserção da sustentabilidade, há a organização de eventos na área ambiental e o desenvolvimento de projetos de pesquisa. Ressalta-se que a inclusão da sustentabilidade nos currículos dos cursos de graduação é uma obrigatoriedade da legislação brasileira. Outro item que é realizado por todas as universidades é a disseminação de projetos desenvolvidos dentro das instituições, o que confirma a intenção das universidades em estimular comportamentos sustentáveis entre os alunos e a comunidade em geral. Infelizmente em apenas a universidade B foi encontrado em seu site algum guia de boas práticas sustentáveis, a promoção de auditoria para indicar melhorias onde for necessário e soluções ambientais baseadas na ISO14001. Todos estes itens são oriundos da única universidade entre as pesquisadas que possui a certificação ISO 14001. Outro item encontrado apenas na universidade E também foi a racionalização do uso de combustíveis. Constatou-se que as universidades públicas (A, E, F) possuem critérios ambientais para os fornecedores. Acredita-se que isso se deve por imposição legal da lei de licitações que exige que os princípios de sustentabilidade e eficiência sejam respeitados pelas instituições públicas. Já entre as universidades privadas (B, C, D) apenas uma possui critérios ambientais a fornecedores, o que sugere que em alguns quesitos se faz necessário a pressão legal para iniciar alguns processos e procedimentos que levam em consideração a sustentabilidade. O que desperta a atenção é a constatação de que das 30 Boas práticas de gestão ambiental em universidades que foram consideradas, 13 não são consideradas pelas universidades pesquisadas. Se compararmos este estudo com o estudo realizado por Coffani-Nunes (2012) no estado de São Paulo também no Brasil, percebem-se duas possibilidades: ou que as universidades do estado do Rio Grande do Sul estão defasadas com relação a sua gestão ambiental ou não existe a divulgação adequada das atividades de gestão ambiental realizadas pelas universidades. No estado de São Paulo, foi identificado um maior número de boas práticas nas universidades analisadas. Os autores acreditam que ambas as situações acontecem: ou seja, existe a falta de divulgação de algumas atividades realizadas nas gestões universitárias e também há alguns itens que ainda não foram planejados/implementador no âmbito da gestão universitária. 845

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Neste sentido, a Tabela 6 compila quantitativamente o número de boas práticas que cada universidade disponibilizava em seu web site. Tabela 6. Compilação das boas práticas de Gestão Ambiental Compilação das boas práticas Número de boas práticas identificadas em cada web site % dos quesitos atendidos pela universidade

Universidades A

B

C

D

E

F

5

15

5

5

9

10

16,6%

50%

16,6%

16,6%

30%

33%

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos web sites das universidades

A compilação dos quesitos de gestão ambiental disponibilizados na Tabela 6 demonstra a dificuldade que as universidades do Rio Grande do Sul possuem para implantar estratégias sustentáveis como rotinas em suas atividades de gestão. Apesar de existir a preocupação sobre as variáveis ambientais, elas ficam reduzidas as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Percebeu-se também que o maior número de quesitos está naturalmente na universidade que implantou a ISO 14001, porém nas duas outras universidades privadas (C, D) há o menor número de quesitos identificados da pesquisa. Com isso infere-se que o motivo para a implementação de uma gestão ambiental efetiva dentro de instituições públicas pode estar relacionada com legislações específicas para as instituições públicas de ensino superior que determinam procedimentos a serem seguidos visando a gestão ambiental como procedimentos de compras sustentáveis. Para Biderman et. al.(2008) a opinião pública possui papel importante dentro do serviço público na medida em que podem fiscalizar a aplicação de recursos que privilegiem o compromisso com a sustentabilidade. 4. Discussão A sustentabilidade ambiental na gestão dos campi e uma prática pouco trabalhada no planejamento estratégico dessas universidades, pois apenas metade das instituições pesquisadas possui em seus planos institucionais estratégias que fomentam a gestão ambiental. Essa constatação vai ao encontro dos achados de Coffani-Nunes (2012) e de Ciurana e Leal Filho (2006), onde estes autores tratam da dificuldade de inserção da temática ambiental na gestão universitária. Provavelmente, se as mesmas tivessem um depertamento ou diretoria que tratasse especificamente sobre a gestão ambiental, algumas boas práticas seriam realizadas de forma mais efetiva. Além disso, a falta de um diagnóstico dos impactos diretos que a universidade gera no meio ambiente pode ser um dos motivos para que não haja a sensibilização e ações no nível da gestão universitária. Outra questão importante de ser levantada é que apenas uma universidade possui um sistema de gestão ambiental, sendo esta a que teve um maior número de quesitos vinculados às boas práticas de gestão ambiental atendidos. Neste sentido, pensar na universidade como uma promotora de conhecimento e de novas formas de gestão se faz necessária. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) - ao buscar cumprir sua missão de desenvolver a melhoria da qualidade do ensino superior - apesar de contemplar a responsabilidade social e a defesa do meio ambiente das IES, não contempla a responsabilidade ambiental na gestão da estrutura física e das operações das IES, nem propõe metas ou indicadores relativos a mitigar os impactos ambientais das mesmas. E 846

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

quando trata da sustentabilidade, restringe-se a sustentabilidade financeira, tendo em vista a continuidade dos compromissos assumidos pela instituição, perante a sociedade, na oferta da educação superior. Assim, quando as instituições divulgam o seu PDI ou recebem as comissões de avaliadores designados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), não se preocupam em apresentar indicadores de sustentabilidade ambiental, posto que estes não são oficialmente avaliados. A literatura fundamenta que, para que se possa avançar e implantar práticas de gestão ambiental nas organizações, a educação e o treinamento da força de trabalho são ingredientes essenciais (Madson e Ulhoi, 2001), porém os resultados indicam que apesar das universidades realizarem pesquisas e eventos, bem como ministrarem aulas sobre temas ligados à gestão ambiental, as informações presentes nos web sites destas instituições sugerem dificuldades em implantar a realização de treinamentos e capacitação de seus professores, funcionários, alunos e fornecedores em relação a sustentabilidade aplicada na gestão ambiental de seus campi sendo esta prática pontual, eventual — e até desconhecida - na maiorias dessas universidades. Além disso, para Rodrigues, Oliveira e Pilatti (2007), as universidades brasileiras ainda encontram inúmeros obstáculos para incorporar a dimensão ambiental à formação de recursos humanos, devido a fatores, como: abordagem da questão ambiental de forma setorial e multidisciplinar e estudos de caráter técnico, em detrimento dos aspectos epistemológicos e metodológicos. 5. Conclusões O objetivo deste artigo foi analisar e produzir um panorama de como as 6 maiores universidades do estado do Rio Grande do Sul expõem espontaneamente em seus web sites oficiais suas iniciativas e boas práticas sustentáveis na gestão ambiental. A partir desta análise, pode-se concluir os web sites disponibilizam poucas informações sobre as boas práticas de sustentabilidade presentes nas instituições de ensino superior existindo assim um déficit entre as informações disponíveis na internet e o efetivo desempenho ambiental de cada instituição o que sugere a necessidade de haver uma maior disseminação dos conhecimentos gerados pelas instituições de ensino superior. Os dados indicam que a comunicação sobre gestão ambiental das universidades públicas em geral está mais amadurecida do que nas universidades privadas. Efetivamente quando se analisa as ações das universidades públicas comparativamente com as universidades privadas percebe-se que aquelas possuem efetivamente um desempenho ambiental superior em média. Além disso, percebe-se que existe a necessidade de uma maior produção e disseminação de conhecimentos — desenvolvendo programas consistentes de treinamento de seu próprio corpo docente técnico e discente para que comecem a aplicar na prática uma gestão sustentável a qual prega a todos e que a legislação determina o seu cumprimento para que assim atinjam o compromisso social na visão de Kanan e Zanelli (2011). Para Delakowitz e Hoffman (2000) os instrumentos de gestão ambiental são essenciais para a melhoria da gestão universitária e confirmam a necessidade encontrada de que as administrações das universidades do estado do Rio Grande do Sul avaliem e deliberem maneiras mais efetivas para ações de fomento da sustentabilidade aplicada. Além disso, há a necessidade latente de definição de indicadores de desempenho múltiplos para aprimorar, disseminar para a sociedade a sensibilização que se faz necessária para que assumam a liderança social que a comunidade necessita. Este estudo contribui para um diagnóstico das boas práticas de gestão ambiental disponibilizadas para consulta nos web sites e desenha um panorama de pouca utilização deste canal para a sensibilização da comunidade universitária da importância de ações sustentáveis para o contexto universitario. Percebe-se aí um grande nicho a ser explorado

847

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

pelas universidades seja com divulgação de projetos, ações, capacitações sobre sustentabilidade ou como o fomento de políticas de gestão universitária sustentável. Como limitações da pesquisa, está o fato da mesma ter sido realizada utilizando apenas as informações disponibilizadas espontaneamente na internet pelas universidades. Porém ressalta-se que atualmente a internet é um canal de fácil comunicação com a comunidade em geral e que as informações deveriam estar disponibilizadas para todos. Como sugestões de novas pesquisas, sugere-se ampliar o escopo pesquisado, pois o número de universidades pesquisadas não permite que os resultados sejam generalizados em face ao complexo, heterogêneo e dinâmico universo das IES do Brasil. Outra sugestão de novas pesquisas é analisar a relação efetiva entre o que se comunica e o desempenho ambiental.

6. Referências Barth, M.; Rieckmann, M.(2012). Academic staff development as a catalyst for curriculum change towards education for sustainable development: an output perspective. Journal of Cleaner Production, v. 26, p. 28-36. Biderman, R (Org.); Betiol, L. (Org.); Macedo, L. S. V. (Org.); Monzoni, M (Org.); Mazon, R (Org.).(2008) Guia de Compras Públicas Sustentáveis - Uso do Poder de Compra do Governo para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, v. único. 151 p. Brasil. MMA/MEC (2007) Mapeamento da educação ambiental em instituições brasileiras de educação superior. Série Documentos Técnicos, nº 12. Brasília: Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental. Bursztyn, M.; Drummond, J. A (2009). Desenvolvimento sustentável: uma ideia com linhagem e legado. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 1, p. 11-15, jan.-abr. Careto, H.; Vendeirinho, R (2003). Sistemas de Gestão Ambiental em Universidades: Caso do Instituto Superior Técnico de Portugal. Relatório Final de Curso, 2003. Título da Web Page: http://meteo.ist.utl.pt/~jjdd/LEAMB/LEAmb%20TFC%20site%20v1/2002-2003/HCa reto_RVendeirinho%20artigo.pdf (Accessed: 10.03.2016). Ciurana, A. M. G. de; Leal Filho, W (2006). Education for sustainability in university studies: Experiences from a project involving European and Latin American universities. In: International Journal of Sustainability in Higher Education, ULSF / Emerald Group Publishing Limited. Vol. 7 Nº 1. P. 81-93. Clugston, R. Forewoord. In: Corcoran, P. B.; Wals, A. E. J (2004). Higher Educations and the Challenge of Sustainability: Problematics, Promice am Practice. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers. Coffani-Nunes (2012) Avaliação de seis universidades sediadas no estado de São Paulo à partir da análise das informações dos seus websites. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia, Bauru – SP. Delakowitz, B; Hoffmann, A. (2000) "The Hochschule Zittau/Görlitz: Germany’s first registered environmental management (EMAS) at an institution of higher education", International Journal of Sustainability in Higher Education, Vol. 1 Iss: 1, pp.35 – 47. Deslandes, Suely Ferreira, Minayo, Maria Cecília de Souza (2010). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.29 ed. Petrópolis: Vozes, Rio de Janeiro. 848

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Gil, A. C (1999). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas. Kanan, L.A; Zanelli, J. C (2011). Envolvimento de docentes-Gestores com o trabalho no contexto universitário. Psicologia & Sociedade, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 56-65. Madson, H.; Ulhoi, J.P (2001). Greening of human resources: environmental awareness and training interests within the workforce. Industrial Management and Data Systen, v.101, n.2, p.57-63. Ozdem, G (2009). Na Analysis of the Mission and Vision Statements on the Strategic Plans of Higher Education Institutions. Educational Sciences: Theory & Practice, v. 11-4 p.18871894. Rodrigues, C. R. B.; Oliveira, I. L.; Pilatti, L. A (2007). Abordagem dos resíduos sólidos de serviços de saúde na formação acadêmica em cursos da área da saúde. In: Congresso Internacional de Administra- ção, Gestão Estratégica para o desenvolvimento sustentável, 17 a 21 de setembro, Ponta Grossa. RUPEA (2005) Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis. Relatório do projeto “Mapeamento da Educação Ambiental em instituições brasileiras de Educação Superior: elementos para discussão sobre políticas públicas”. 2a. versão Setembro/2005. São Carlos (SP) / Brasília: RUPEA / MEC, 134 p. Tauchen, J.; Brandli, L. L. (2006) A Gestão Ambiental em Instituições de Ensino Superior: modelo para implantação em Câmpus universitário. Revista Gestão e Produção, vol. 13, nº. 3, pp. 503-515, setembro – dezembro. UNESCO (1999). Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para uma ação compartilhada. Brasília: Ed. IBAMA. Van Weenen, (2000) "Towards a vision of a sustainable university", International Journal of Sustainability in Higher Education, Vol. 1 Iss: 1, pp.20 - 34 Vaz et al.(2010) Sistema de Gestão Ambiental em Instituições de Ensino Superior: uma revisão. GEPROS – Gestão da Produção, Operações e Sistemas. V-5-3.p.45-48. Wrigth, T. S. A.(2004). The evolution of sustainability declarations in higher educations. In: Corcoran, P. B.; Wals A. E. J. (editore, Higher Educations and the Challenge of Sustainability: problematics, promice and practice. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.

849

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

No caminho da sustentabilidade: à descoberta da univer(c)idade Miranda, A.I.1, Martins, F.1, Pinho, R.2, Dias, N.3, Vicente, R.4, Bernardes, C.5, Mota, J.6, Isidoro, C.6, Ivónio, J.7, Moreira, G.8, Borrego, C.1 1

CESAM, Departamento de Ambiente e Ordenamento, Universidade de Aveiro

2

Departamento de Biologia, Universidade de Aveiro

3

Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro

4

Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Aveiro

5

Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro

6

Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território, Plataforma Tecnológica para a Bicicleta e Mobilidade Suave, Universidade de Aveiro 7

CiclAveiro

8

Departamento de Línguas e Culturas, Universidade de Aveiro

O programa de acolhimento dirigido aos estudantes que ingressam anualmente na Universidade de Aveiro (UA), em 2015-2016, foi dedicado ao tema da sustentabilidade, uma preocupação da UA desde a sua criação em 1973. Cerca de 1200 novos estudantes da UA foram desafiados a integrar um peddy paper intitulado No caminho de sustentabilidade - à descoberta do campus, Acompanhados por 200 voluntários (estudantes da UA), que assumem o papel de embaixadores, de grande relevância no acolhimento e integração dos seus novos colegas na academia, foram desafiados a identificar aspetos relacionados com a sustentabilidade no campus. O peddy-paper teve um caráter interdisciplinar, cobrindo, ao longo de um dia, vários aspetos do desenvolvimento sustentável, tais como eficiência energética, situações de desperdícios, nomeadamente alimentares, biodiversidade e arquitetura. Os novos estudantes foram ainda convidados a conhecer a cidade de Aveiro em todas as suas valências, patrimonial, arquitetónica, serviços, lazer, paisagem, território e biodiversidade, através de um conjunto de percursos pedonais e de bicicleta. A realização destes percursos visou também assinalar a 14ª edição da Semana Europeia da Mobilidade (16 a 22 de Setembro) e a 16ª do Dia Europeu Sem Carros, chamando a atenção para formas de vida mais ativas, de mobilidade mais sustentável e “amiga do ambiente”, valores e interesses que o Grupo de Missão para a Sustentabilidade da Universidade de Aveiro (GMSUA) pretende incentivar, bem como a sua Plataforma Tecnológica para a Bicicleta e Mobilidade Suave. A realização dos denominados “Percursos para a Sustentabilidade” implicou uma colaboração estreita entre o GMSUA, o Conselho Pedagógico, a Associação Académica da UA, a Plataforma Tecnológica da Bicicleta e Mobilidade Suave e a CiclAveiro, sendo o envolvimento da academia muito participado e interessado. Esta comunicação tem como objetivo apresentar a atividade “percursos de sustentabilidade”, descrevendo os seus principais resultados. Palavras – chave: campus universitário, univer(c)idade sustentável, mobilidade sustentável, acolhimento estudantes, peddy paper,

850

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Identificação dos potenciais efeitos ambientais da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Brasil): uma aplicação dos critérios de triagem a partir da Diretiva Europeia 2001/42/EC Joyce Elanne Mateus Celestino,1,2, Marcelo Montaño 1,3 1

Núcleo de Estudos em Política Ambiental – NEPA – Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP, 2

[email protected]

3

Departamento de Hidráulica e Saneamento – EESC/USP, [email protected]

Resumo A Diretiva Europeia 2001/42/EC relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas (PP) no ambiente ampliou a discussão nos países europeus acerca da potencialidade desses PPs provocarem efeitos significativos no meio, os quais são verificados por uma investigação caso a caso, conforme os tipos de PPs, ou por uma combinação de ambas as metodologias. Como estabelecidos no Anexo II da Diretiva, os critérios para triagem de ações estratégicas com potenciais efeitos significativos sobre o meio relacionam-se às características dos PPs e às características dos impactos e da área suscetível de ser afetada. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), cujos objetivos primários são a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental, incumbe os municípios pela gestão integrada dos resíduos sólidos (RS) gerados em seus territórios, além de configurar aos Estados responsabilidades de dar suporte para a gestão compartilhada dos RS. Nesse sentido, a PNRS se configura um importante instrumento de política ambiental ao qual se pode adaptar e aplicar os referidos critérios, com o intuito de investigar os impactos ambientais potenciais oriundos das diretrizes estabelecidas na Política. Além disso, foram identificados dois relatórios de triagem no contexto de países do Reino Unido, os quais favoreceram reconhecer a aplicação dos critérios a uma política e a um plano do setor de resíduos sólidos, para posteriormente fazer a adequação dos critérios à realidade brasileira. Como principais resultados ressaltam-se insatisfatória capacidade institucional associada ao quadro de implementação da PNRS; questões estruturais do sistema de planejamento que desencadeiam efeitos ambientais negativos; conflitos com a hierarquia estabelecida para a cadeia de tratamento de resíduos; ausência de estratégias/alternativas para minimizar os efeitos da poluição associados ao tratamento e à disposição de RS; exacerbação dos aterros sanitários e, a persistência de disposição ilegal de resíduos. Pode-se inferir que embora a PNRS tenha sido elaborada para proporcionar efeitos ambientais positivos e o bem-estar da população, possui potencial para causar efeitos ambientais indesejados decorrentes de sua implementação, os quais necessitam ser considerados ao longo dos diferentes níveis estratégicos de planejamento e pelos diferentes instrumentos que o compõem.

Palavras-chave: Avaliação Ambiental Estratégica, triagem, efeitos ambientais significativos, gestão de resíduos, Diretiva Europeia 2001/42/EC 1. Introdução A Avaliação Ambiental (AA) constitui um instrumento importante de integração das considerações ambientais no processo de preparação e aprovação de planos e programas, uma vez que garante (ou propõe) que os efeitos ambientais da aplicação desses PPs sejam considerados durante sua preparação antes da aprovação (Diretiva Europeia 2001/42/EC).

851

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O processo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) inclui oito elementos, de acordo com os artigos 4 ao 10 da Diretiva de AAE. A triagem (screening) consiste no primeiro estágio – usado para decidir se uma AAE é ou não necessária. Nesse sentido, a primeira questão a ser colocada é se existe algum requisito legal para a AAE e se aqueles PPPs para os quais a AAE é necessária estão especificados (Fischer, 2007; Koornneef et al. 2008; Stoeglehner, 2010). Em segundo lugar, se uma PPP, não foi anteriormente especificada para exigir AAE, esta ainda pode ser necessária ao considerar o cruzamento de certos aspectos ambientais. Os aspectos podem incluir, por exemplo, a área coberta (tamanho), a sensibilidade da natureza afetada (espécies protegidas) ou à ação estratégica (PPP) (FISCHER, 2007). Finalmente, na ausência de exigência para as PPP e dos limites especificados, a triagem da AAE pode ser feita caso-a-caso. Neste contexto, a significância do impacto potencial pode ser avaliada individualmente com uma decisão subsequente de realizar ou não realizar AAE (FISCHER, 2007; STOEGLEHNER, 2010). Autores como Sheate et al. (2004) e Stoeglehner & Wegerer (2006) ressaltam que a natureza incerta do processo de planejamento e a falta de AAE adequada às políticas e planos podem resultar em longos atrasos e conflitos entre os governos central, regional e o local. Um exemplo disso foi o estudo de Sheate et al. (2004) que entre outros setores analisou os setores de planejamento de recursos hídricos, energia e uso do solo. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010 a, b), que estabelece dentre seus objetivos a gestão integrada dos RS e a articulação entre as diferentes esferas do poder público, apresentando diretrizes para a definição e caracterização de estratégias (planos e programas) nos níveis nacional, estaduais e municipais, tendo o plano de RS como um de seus principais instrumentos. No entanto, o Brasil ainda não conta com instrumentos voltados para a análise de políticas, planos e programas. É neste contexto que o presente trabalho propôs a adaptação e a aplicação dos critérios de triagem de impactos de ações estratégicas aplicados no contexto europeu, a fim de identificar os potenciais efeitos ambientais associados às estratégias estabelecidas pela PNRS, a fim de contribuir para discussões sobre a utilização da AAE no planejamento de resíduos sólidos no Brasil. 2. Procedimentos Metodológicos O método utilizado nesta pesquisa consistiu na aplicação dos critérios de triagem do anexo II da Diretiva Europeia 2001/42/EC (Stoeglehner 2010; Sheate et al. 2004; Stoeglehner & Wegerer 2006) à Política Nacional de Resíduos Sólidos, a fim de identificar se a implementação desta provocaria/provocará eventuais efeitos significativos sobre o ambiente. Conforme a Diretiva de AAE, esta deve ser aplicada a planos e programas, bem como, às suas modificações. Esta abordagem justificou-se devido à falta de instrumentos aplicados no país voltado para esta finalidade (MONTAÑO et al. 2014). Assim como pelos apontamentos relacionados à implantação da PNRS e consequentes efeitos ambientais indesejados destacados por Nascimento et al. (2014); Cardoso Gomes et al. (2014); Ferri et al. (2015); Souza et al. (2016); Chaves et al. (2014); Deus et al. (2015). Nesse âmbito é relevante identificar quais informações devem ser consideradas pelos planejadores de ações estratégicas e órgãos administrativos em relação aos elementos processuais e a definição da abrangência dos diferentes efeitos ambientais, a serem identificados a partir do elemento triagem, proposto pela AAE. Tal investigação baseou-se nos métodos usados por Fischer (2006) para definir os impactos e Koornneef et al. (2008) no que concerne ao enfoque nos aspectos procedimentais da fase de triagem da AAE e AIA. Realizaram-se pesquisas documentais nos sites dos governos de Países do Reino Unido, nos quais foram identificados relatórios de triagem e escopo de AAEs aplicados ao setor de resíduos sólidos, para ilustrar a aplicação dos critérios da Diretiva nos níveis de política e

852

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

plano. A maioria dos relatórios enquadrou-se no nível de plano regional ou de county157 e apresentou principalmente os efeitos ambientais significativos dos planos, conforme a estrutura de preparação da linha de base. Por esta razão, foram selecionados dois relatórios que continham a estrutura de aplicação dos critérios de triagem do anexo II da Diretiva. O primeiro selecionado (Nicholls et al., 2012) investigou se as modificações propostas na revisão da política de planejamento nacional de resíduos da Inglaterra teriam efeitos ambientais significativos e, portanto, se exigiria uma AAE. O outro relatório (RPS, 2014) analisado foi o de Planos de gestão de Resíduos Regional de três county/regiões da Irlanda. Com base também nos resultados apresentados nos referidos relatórios, realizou-se a adequação e aplicação dos critérios preconizados no anexo II da Diretiva Europeia à PNRS. O desenvolvimento dessa investigação, teve enfoque para além da aplicabilidade destes à realidade brasileira, buscou-se principalmente vislumbrar a possibilidade de usos futuros dessas informações na elaboração das políticas estaduais e municipais, bem como nas PPs estaduais e municipais que ainda serão formuladas e que precisarão ser revisadas. 3. Avaliação Ambiental Estratégica aplicada aos sistemas de planejamento A AAE pode apoiar as autoridades de planejamento público e privado para conduzirem processos de avaliação de planos e programas baseados na Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) de projetos e processos de caráter flexível para orientar a formulação de políticas e estratégias (FISCHER, 2007; THERIVEL, 2010). Sugere-se que a AAE será efetiva na inserção da sustentabilidade ambiental no planejamento de um setor quando aplicada de maneira normativa e sistemática (Fischer 2006). Além disso, produzida e adaptada para o sistema de planejamento no qual será utilizada, o que requer uma análise inicial desse sistema (FISCHER, 2006). Para a estruturação da AAE e sua integração a um determinado setor, alguns elementos são necessários para formar um arcabouço (ou uma base) genérico (FISCHER, 2006): → A definição da abrangência espacial dos diferentes impactos; → O estabelecimento do contexto institucional associado aos processos de tomada de decisão na formulação de Políticas, Planos e Programas (PPPs); → A definição dos níveis sistemáticos de tomada de decisão, que são a espinha dorsal da estrutura, composta pelas PPPs e projetos; A AAE possui uma relação intrínseca ao planejamento de PPPs e quando utilizada nos níveis mais altos pretende reduzir a sobrecarga de decisões para os níveis posteriores na hierarquia de planejamento. Fischer (2002) reforça que das PPPs por ele analisadas, as que utilizaram AAE alcançaram altos índices em todas as variáveis de contexto (como relevância da PPP: se é mandatória e relevante para o planejamento subsequente; envolvimento e participação das partes interessadas; e, as inter-relações que as PPPs estabelecem com outros setores) em comparação àquelas que não implicaram seu uso. 3.1 A Diretiva Europeia 2001/42/EC e a sua aplicação para PPs A AAE é em grande parte processual por sua natureza e estabelece uma série de passos que devem ser realizados como parte de uma avaliação ambiental (por ex., triagem, escopo, estabelecer a linha de base, considerar alternativas, além da mitigação e acompanhamento das medidas). A metodologia para a realização de cada etapa processual é deixada a cada Estado membro determinar (conforme o princípio da subsidiariedade) (SHEATE et al. 2004).

157

County são divisões subnacionais do Reino Unido, utilizados para demarcação administrativa, geográfica e política, cujo conceito foi estabelecido desde a Idade Média. 853

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

O desafio para o Reino Unido e outros estados membros da UE na implementação da Diretiva é primeiramente estabelecer as iniciativas estratégicas que constituem um plano ou um programa mediante as propostas da Diretiva de AAE. Um exemplo disso, consiste na definição de orientações e listas de verificação para realizar a triagem dos PPPs na Irlanda, elaboradas, respeitando as instruções da Diretiva. Inclusive a figura 1, de acordo com Sheate et al. (2004) provê uma abordagem sistemática para determinar se a Diretiva de AAE é aplicável a um plano ou programa particular. A AAE segundo a diretiva 2001/42/EC deve ser efetuada nos casos dos planos e programas suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, em especial deve ser efetuada uma AAE de todos os planos e programas preparados para agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos (UE, 2001/42/EC). Além de outros requisitos preconizados no artigo 3º que estabelece o âmbito de aplicação. Sheate et al. (2004) ressaltam que a Diretiva de AAE não parece restringir a avaliação aos planos e programas que estabeleçam o quadro aos seus respectivos projetos (ou seja, em uma hierarquia vertical). Eles destacam que um plano de recursos hídricos ou de transportes, em algumas circunstâncias, pode ser considerado para definir a estrutura de um projeto de desenvolvimento, como habitação. Os Estados-Membros levarão em consideração os critérios de determinação da probabilidade de efeitos significativos definidos no Anexo II, a fim de garantir que os planos e programas com eventuais efeitos significativos sobre o ambiente sejam abrangidos pela diretiva 2001/42/EC. Além desta, é relevante destacar o Protocolo de AAE (UNECE, 2003) o qual aborda não só os planos e programas, mas também políticas e legislação. No que diz respeito à estas, o protocolo não é tão rigoroso como no caso da AAE para os planos e programas (STOEGLEHNER & WEGERER 2006). Enquanto que para as políticas e legislação, os estados "devem esforçar-se para assegurar que" (Art. 13, parte. 1, UNECE, 2003) uma AAE seja realizada, os regulamentos para planos e programas são estreitamente relacionados com a AAE incluindo o escopo obrigatório e o não-obrigatório. Já existem práticas em alguns países da União Europeia (UE), como é o caso da Escócia, destacado por Mclauchlan & João (2012), que iniciou a aplicação da AAE em nível de política, antes de constar a obrigatoriedade na legislação escocesa. Na tabela I verifica-se a descrição das características oriundas da aplicação dos critérios constantes no anexo II da Diretiva de AAE para a revisão da Política Nacional de Planejamento de Resíduos da Inglaterra (Nicholls et al, 2012) e de um Plano Regional de Gestão de Resíduos em três county da Irlanda (RPS, 2014). Os julgamentos sobre se as alterações propostas na política nacional de planejamento de resíduos são suscetíveis de ter efeitos significativos levaram em consideração os critérios mencionados no anexo II (ver tabela 1). Porém, em particular, o primeiro conjunto de critérios, ou seja, aqueles que se relacionam com as características dos PP a serem avaliados, apresentou maior suscetibilidade, do que o segundo conjunto, relacionados com as características da área suscetível de ser afetada (evidenciando a dificuldade de determinar os efeitos para a política de nível nacional). No caso do Plano Regional de Gestão de Resíduos da Irlanda foi possível perceber maior direcionamento sobre os prováveis efeitos do referido Plano, ao mesmo tempo, houve apresentação de incertezas, pois em alguns critérios menciona-se apenas a previsão de que os planos provocarão impactos positivos e negativos, em virtude das ações a serem implementadas por cada região ainda não estarem determinadas em seus respectivos planos.

854

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Figura 1: Planos e Programas (PPs) para os quais a Diretiva de AAE se aplica [adaptado de ODPM, (2003) e Sheate et al. (2004)]. Traduzido pelos autores.

855

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 1: Aplicação dos critérios do anexo 2 da Diretiva Europeia 2001/42/EC à política nacional da Inglaterra e a um plano regional da Irlanda, ambos de resíduos sólidos CARACTERÍSTÍCAS DOS PLANOS E PROGRAMAS, CONSIDERANDO EM PARTICULAR:

Política Nacional de Planejamento de Resíduos Revisada (PNPR) - INGLATERRA - 2012

Plano Regional de Gestão de Resíduos PRGR IRLANDA - 2014

o grau em que o plano ou programa estabelece um quadro para os projetos e outras atividades, no que diz respeito às condições de localização, natureza, dimensão e funcionamento, quer através da alocação de recursos.

A revisão da PNPR contribui para a definição de um quadro voltado aos projetos (ao lado do Quadro de Política Nacional de Planejamento – NPPF e dos planos de resíduos de níveis inferiores preparados pelas autoridades de planejamento de resíduos locais). O apêndice B da PNPR inclui critérios locacionais, que devem ser considerados pelas autoridades de planejamento de resíduos ao testar a adequação dos locais e das áreas para uso de gestão de resíduos. No entanto, os efeitos potenciais de desenvolvimento de locais individuais para usos de gestão de resíduos não pode ser determinado a nível nacional.

O objetivo do PRGR é colocar em prática um quadro de implementação de modo a prever os fluxos de resíduos ao longo do período do plano, além de serem geridos de forma sustentável. O plano deve ainda definir os papeis e as responsabilidades das autoridades e partes interessadas na região e estabelecer um programa de monitoramento para assegurar o progresso e o cumprimento de metas que possam ser medidas e declaradas.

O grau em que o plano ou programa influencia outros planos e programas, incluindo aqueles inseridos numa hierarquia,

A revisão da PNPR (ao lado do NPPF) influencia a elaboração de planos de resíduos de camada/níveis inferiores preparados pelas autoridades de planejamento de resíduos. Ela não influencia o plano nacional de gestão de resíduos, mas é complementar a ele. No entanto, a política não mudou as intenções políticas com respeito às responsabilidades das autoridades de planejamento de resíduos.

Os planos afetarão as políticas e objetivos do município e planos de uso da terra locais relevantes para a gestão dos resíduos e o ordenamento do território. Os planos também afetarão os planos de gestão de lodos preparados pela Agência de Água irlandesa.

A relevância do plano ou programa para a integração de considerações ambientais considerações, em particular, com vistas à promoção do desenvolvimento sustentável

A revisão da PNPR (ao lado do NPPF) e o Plano de Gestão de Resíduos de Defra são muito relevantes para a integração das considerações ambientais (contidos no mais amplo legislação comunitária e nacional) e também a promoção do desenvolvimento da gestão sustentável dos resíduos em particular.

O principal objetivo do PRGR é estabelecer um quadro que proteja a saúde do meio ambiente e dos seus cidadãos através da gestão sustentável dos resíduos gerados na região.

856

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Problemas ambientais relevantes para o plano ou programa

Os principais problemas ambientais são os relativos aos níveis de resíduos produzidos na Inglaterra e as formas em que os resíduos serão geridos. Embora tenha havido uma tendência positiva em termos de redução da dependência da deposição em aterro e aumentar a reciclagem e o tratamento de resíduos, e as reduções nos resíduos domiciliares, em particular, as instalações adicionais de gestão de resíduos ainda precisam ser desenvolvidas em todo o país para atender as Estruturas das Diretivas de Resíduos e a de Aterros. A PNPR visa assegurar que o sistema de planejamento ajudará a alcançar os objetivos e metas para gerenciá-lo através de métodos mais elevados na hierarquia de resíduos através da sua influência sobre o uso e desenvolvimento do solo.

Insuficiente e/ou excesso de capacidade em determinadas áreas e dentro de certas categorias de tratamento; a qualidade dos resíduos produzidos; inconsistências na aplicação da hierarquia dos resíduos; as pressões/riscos para a biodiversidade decorrentes de infraestrutura de resíduos, poluição de ar / água / solos / águas subterrâneas de atividades de eliminação de resíduos; falta de consciência de coleta de resíduos / problemas de descarte entre as partes interessadas/ impactos não controlados associados à queima indiscriminada e de disposição ilegal.

a pertinência do plano ou programa para a implementação da legislação comunitária em matéria de ambiente (p.ex. planos e programas associados à gestão de resíduos ou água)

A PNPR revisada juntamente com o NPPF e o WMP Defra são muito relevantes para a aplicação da legislação da UE em matéria de ambiente, em particular por reunir os objetivos previstos na diretiva relativa aos resíduos e a Diretiva de Aterros.

Os planos serão considerados no contexto dos requisitos da seguinte legislação comunitária: As Diretivas: relativa à AAE; de Avaliação de Impacto Ambiental; de Inundações; de Habitats; e de Aves. Além da estrutura da Diretiva da Água. Foi tomada a decisão de realizar Avaliação do plano no âmbito da Diretiva Habitats.

Política Nacional de Planejamento de Resíduos Revisada (PNPR) - INGLATERRA - 2012

Plano Regional de Gestão de Resíduos PRGR IRLANDA - 2014

CARACTERÍSTICAS DOS EFEITOS E DA ÁREA PROVÁVEL DE SER AFETADA, CONSIDERANDO EM PARTICULAR:

857

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

a probabilidade, duração, frequência e reversibilidade dos efeitos

Enquanto a PNPR cobre a Inglaterra, a implementação das suas políticas ocorrerá através da elaboração de planos de resíduos locais, e posterior determinação dos pedidos de planejamento por parte das autoridades a nível local. Portanto, a probabilidade, duração, frequência e reversibilidade dos efeitos só pode ser determinado à escala local durante a preparação de planos e / ou determinação dos pedidos de planejamento de resíduos.

Prevê-se que a elaboração dos planos darão origem a ambos os impactos positivos e negativos sobre o ambiente ao longo do período do plano. Os novos planos vigorarão durante 6 anos (período de 2015 – 2021). Informações sobre a localização específica não são antecipadas nos planos para futuras instalações, no entanto os requisitos de capacidade serão apresentados e irão informar entrega da infraestrutura na região.

a natureza cumulativa dos efeitos

Onde uma série de instalações de resíduos são desenvolvidas em estreita proximidade pode haver potencial de efeitos cumulativos. No entanto, estes não podem ser determinados a nível nacional. Portanto, os efeitos cumulativos devem ser considerados através das AAEs e seleção do local de trabalho na preparação de planos locais, e durante a determinação dos pedidos de planejamento. A PNPR inclui ainda a exigência das autoridades de planejamento de resíduos considerarem o impacto cumulativo das instalações anteriores de eliminação de resíduos sobre o bem-estar da comunidade local, incluindo eventuais impactos adversos significativos sobre a qualidade do ambiente, a coesão social e a inclusão ou potencial econômico da identificação de locais e áreas para instalações novas/melhoradas de GR.

Os planos irão melhorar o quadro geral para a gestão de resíduos a nível regional e nacional. Cada região dos resíduos engloba uma série de autoridades locais, áreas administrativas que permitem requisitos de infraestrutura serem coordenados e entregues levando em conta primeiramente as necessidades regionais, mas também considerando as necessidades nacionais. Um papel coordenado de infraestruturas de resíduos em última análise, reduz o potencial de impactos negativos cumulativos de excesso de oferta.

a natureza dos efeitos

A PNPR abrange fornecimento de instalações de gestão de resíduos na Inglaterra. As transferências de resíduos são abordados no plano nacional de gestão dos resíduos (no âmbito do Plano do Reino Unido para transferências de resíduos, que implementa a política do Reino Unido de auto-suficiência na eliminação de resíduos por limite estrito, os resíduos podem ser enviados para eliminação de ou para o Reino Unido). Portanto, não deve haver efeitos transfronteiriços decorrentes da execução PNPR.

A Irlanda transporta resíduos para o processamento e disposição, incluindo exportação para a Europa continental. O transporte de resíduos entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, em particular, é uma consideração para os projetos de planos e, portanto, consulta transfronteiriça ocorrerá com a Irlanda do Norte.

transfronteiriça

858

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Os riscos para a saúde humana ou o meio ambiente

Os efeitos potenciais do desenvolvimento de locais individuais para o uso de gestão de resíduos na saúde humana não pode ser determinado a nível nacional, como a implementação de políticas nacionais de planejamento dos resíduos ocorrerá através da elaboração de planos de resíduos locais, e posterior determinação dos pedidos de planejamento de resíduos de autoridades a nível local. No entanto, os critérios estabelecidos no Anexo B da PNPR, juntamente com as exigências do regime de Licenciamento Ambiental são suscetíveis de garantir que a saúde humana não seja negativamente afetada pelo desenvolvimento de gestão de resíduos.

Práticas existentes têm o potencial impacto negativo sobre a saúde humana e o ambiente, nomeadamente com referência ao despejo ilegal, queima e etc. Além disso, há potencial para impactos negativos das instalações existentes através de ruído, emissões de ar e de águas superficiais e subterrâneas. Não é provável de ter efeitos ambientais significativos.

a magnitude e a extensão espacial dos efeitos (área geográfica e o tamanho da população provável de ser afetada)

Os efeitos potenciais do desenvolvimento de instalações de gestão de resíduos tendem a ser local em escala e somente podem afetar diretamente a residentes ou usos adjacentes em estreita proximidade com o local (por exemplo, cerca de 250 m). Efeitos sobre locais de conservação da natureza ou paisagens podem ocorrer a distâncias maiores, dependendo da conectividade entre locais de tratamento e sítios receptores, ou visibilidade do local de resíduos dentro da paisagem. No entanto, esses efeitos só podem ser determinados à escala local durante a preparação de planos e / ou determinação dos pedidos de planejamento de resíduos.

Os planos estão no nível das áreas de gestão de resíduos regionais, especificamente: !Oriental - Região Resíduos Midlands. !Região sul de Resíduos. !Connacht - Região Resíduos Ulster. Cada uma dessas áreas, em seguida, engloba uma série de áreas administrativas das autoridades locais. Vale notar que as três regiões estão a realizar uma abordagem integrada (os planos consideram as necessidades nacionais e as suas regionais).

O valor e a vulnerabilidade da área suscetível de ser afetada devido a: * características naturais específicas ou ao patrimônio cultural; * excedeu normas de qualidade ambiental ou valores-limite; * utilização intensiva do solo

Os efeitos potenciais do desenvolvimento de locais individuais para o uso de gestão de resíduos só pode ocorrer através da elaboração de planos de resíduos locais, e posterior determinação dos pedidos de planejamento por parte das autoridades de planejamento de resíduos no nível local. No entanto, os critérios estabelecidos no Anexo B da PNPR são suscetíveis de garantir que as zonas de características naturais especiais do patrimônio cultural não serão prejudicados pelo desenvolvimento da gestão de resíduos.

Usos da terra dentro de cada uma das três regiões incluem áreas significativas de valor da biodiversidade [por exemplo, SAC, SPA, NHA] e importância do patrimônio cultural. Enquanto informações específicas de localização para futuras instalações não estão prevista nos três planos, os objetivos sugerem um potencial de impacto sobre os usos do solo que podem, direta ou indiretamente impactar nos recursos do valor do patrimônio natural ou cultural.

859

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

os efeitos sobre as áreas ou paisagens que têm um nível nacional, comunitário ou de proteção internacional reconhecidas.

Os efeitos potenciais do desenvolvimento de locais individuais para o uso de gestão de resíduos só pode ocorrer através da elaboração de planos de resíduos locais, e posterior determinação dos pedidos de planejamento por parte das autoridades de planeamento de resíduos no nível local. No entanto, os critérios estabelecidos no Anexo B da PNPR revisada são suscetíveis de garantir que as zonas de características naturais especiais do patrimônio cultural não serão prejudicados pelo desenvolvimento da gestão de resíduos

As práticas existentes têm o potencial de impactar negativamente na paisagem e as áreas protegidas, em particular referente a descargas ilegais de resíduos, não recolhido, etc. Não se prevê que haverá informações específicas de localização nos planos, porém, note-se que um dos principais objetivos do PRGR é proteger a saúde do meio ambiente através da prevenção e da gestão sustentável dos resíduos gerados na região.

Fonte: Relatório de Triagem e Escopo da Política de planejamento de resíduos nacional da Inglaterra (revisada) (Nicholls et al, 2012) e Relatório de triagem do Plano de Gestão de Resíduos Regional da Irlanda (Regiões Eastern-Midlands; Connacht-Ulster; Southern) (RPS, 2014). Traduzido pelos autores.

860

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3.2 Aplicações da AAE ao planejamento do setor de Resíduos Sólidos e potencial para o Brasil Conceitualmente, os processos de planejamento do setor de RS e de AAE envolvem procedimentos semelhantes: estabelecimento do contexto, descrição das linhas de base, desenvolvimento de alternativas, avaliação, decisão/implementação e acompanhamento (DESMOND, 2009). Entretanto, a integração da AAE ao contexto do planejamento de RS deve levar em conta as diferenças procedimentais de modo a potencializar as condições para a sua contribuição à tomada de decisão (DESMOND 2009; VICTOR & AGAMUTHU 2013; SALHOFER et al. 2007; JOSIMOVIĆ et al. 2014). Sendo assim, considera-se necessário compreender o quadro geral de implementação da política de RS no Brasil. A PNRS, cujos objetivos primários são a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental, incumbe os municípios pela gestão integrada dos resíduos sólidos (RS) gerados em seus territórios, indicando aos estados a necessidade de identificação dos principais fluxos de resíduos e seus impactos socioeconômicos e ambientais, além de medidas para viabilizar a gestão consorciada/compartilhada dos RS. Ademais, requer a previsão de zonas favoráveis à localização de unidades de tratamento de RS ou de disposição final de rejeitos, bem como, lixões a serem recuperados. A promoção da gestão compartilhada (aspecto central na estratégia delimitada pela PNRS), e a legitimação do modelo proposto reforça a importância da dimensão político-institucional no processo de implementação da PNRS, que tem se mostrado complexa (HEBER & MOURA 2014). A título de exemplificação, são mencionadas por Cardoso Gomes et al. (2014); Chaves et al. (2014); Heber & Moura (2014); Nascimento et al. (2014); Ferri et al. (2015); Souza et al. (2016); Deus et al. (2015) as dificuldades encontradas pelos municípios em elaborar seus planos municipais de gestão integrada de RS e em realizar a disposição final ambientalmente adequada (DFAA) dos rejeitos, como estabelecido pela PNRS em seu artigo 54. Uma eventual AAE que se propusesse adaptar ao âmbito da PNRS deve, invariavelmente, considerar uma abordagem voltada para a promoção da integração do quadro institucional estabelecido, do qual dependem a efetividade da implementação da PNRS sob o enfoque da gestão de resíduos e, de modo vinculado, seus efeitos ambientais. 4. Resultados e Discussões A partir da aplicação dos critérios constantes no anexo II da Diretiva de AAE à PNRS, elaborou-se uma tabela (ver tab. 02) com os referidos critérios e as informações relacionadas ao quadro de implementação da política, apontando os aspectos especificados sobre a realidade brasileira. Dentre os principais aspectos identificados, verifica-se que a PNRS induz a uma exacerbação dos aterros sanitários na cadeia de gestão de RS, fato conflitante com a hierarquia estabelecida para a cadeia de tratamento de resíduos. Verificam-se, também, efeitos potenciais sobre a biodiversidade oriundos do desenvolvimento da infraestrutura de gestão de resíduos, e ausência de estratégias/alternativas para minimizar os efeitos da poluição associados ao tratamento e à disposição de RS. Ainda, a persistência de descarte ilegal de resíduos, apesar da determinação para disposição final ambientalmente adequada (DFAA), indica uma baixa capacidade institucional associada ao quadro de implementação da PNRS.

861

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Tabela 02: Aplicação dos critérios do anexo II da Diretiva Europeia 2001/42/EC à Política Nacional de Resíduos Sólidos AS CARACTERÍSTICAS DOS PLANOS E PROGRAMAS, CONSIDERANDO EM PARTICULAR:

Política Nacional de Resíduos Sólidos - BRASIL- 2010

o grau em que o plano ou programa (P/P) estabelece um quadro para os projetos e outras atividades, quer no que diz respeito às condições de localização, natureza, dimensão e funcionamento, quer através da alocação de recursos.

A PNRS contribui com diretrizes para a definição e a caracterização de estratégias (PPs) nacional, estaduais, municipais de resíduos sólidos a serem preparadas pelos responsáveis do setor nessas respectivas instâncias. Incumbe ao Distrito Federal e aos municípios a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios. Sugere aos Estados identificar os principais fluxos de resíduos nessa instância e seus impactos socioeconomicos e ambientais, além de medidas para viabilizar a gestão consorciada/compartilhada dos RS. O estabelecimento dos consórcios entre os municípios visa o compartilhamento de ações voltadas à gestão dos RS, principalmente no tocante ao tratamento e à DFAA, bem como favorece o acesso à alocação de recursos do Governo Federal. Solicita previsão em conformidade com os demais instrumentos de planejamento territorial (ZEE e Zoneamento Costeiro), de zonas favoráveis à localização de unidades de tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos, lixões a serem recuperados ambientalmente.

O grau em que o P/P influencia outros planos e programas, incluindo aqueles inseridos numa hierarquia.

A PNRS direciona a elaboração de planos de resíduos sólidos de níveis inferiores, pois define os requisitos necessários que devem estar contidos nos planos estadual, municipal e dos planos de Gerenciamento de RS (setor privado). A política ainda influencia o plano nacional de gestão de resíduos, quando define o conteúdo mínimo para este (pode-se afirmar que o plano nacional é complementar à PNRS). É importante destacar a influência que a PNRS exerce e sofre sobre os Planos de Saneamento Básico, principalmente em virtude de estes contemplarem os planos municipais de resíduos sólidos, contudo não podem se restringir ao que está preconizado na PNSB (Lei 14.405/2007), mas devem atender ao mínimo requerido na PNRS para a esfera de planejamento considerada.

A relevância do P/P para a integração de considerações ambientais, em particular, com vistas à promoção do desenvolvimento sustentável

O primeiro objetivo da PNRS é a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental, portanto há relevância da política para integrar considerações ambientais e ampliar as proposições existentes na legislação ambiental brasileira que não eram específicas para o setor (Constituição Federal, Lei de crimes ambientais 9.605/1998, PNSB). Além disso, atualmente tem-se uma descrição/diretriz para promover a gestão sustentável dos resíduos no país em suas instâncias/entes federativos.

862

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Problemas ambientais relevantes para o plano ou programa

No caso da PNRS, os principais problemas ambientais são relacionados às demandas de gerenciamento dos resíduos e as responsabilidades para cada esfera. Ainda há uma dependência clara sobre os aterros sanitários, apesar do objetivo da hierarquia dos resíduos e da solicitação do envio apenas de rejeitos para os aterros sanitários (Nascimento et al, 2014). Assim, percebem-se inconsistências na aplicação da hierarquia dos resíduos (Chaves et al., 2014; Ferri et al., 2015). Pode haver riscos para a biodiversidade decorrentes de infra-estrutura de tratamento de resíduos. Ainda persistem locais de disposição inadequada dos resíduos, apesar da solicitação para DFAA (Ferri et al. 2015 e ABRELPE, 2014). Instalações adicionais de gestão de resíduos precisam ser desenvolvidas em todo o país, a fim de atender o preconizado na PNRS. Com a baixa probabilidade de cumprimento das exigências da PNRS no prazo estabelecido (Gomes et al., 2014), por exemplo, não ocorreu a eliminação dos lixões e aterros controlados no prazo previsto (agosto de 2014), fator que contribui para a contaminação do solo/ águas subterrâneas/atmosfera e intensifica os danos ambientais decorrentes da não implantação de um modelo adequado de GRS (Nascimento et al., 2015). E ainda realiza emissões de gases de efeito estufa (8 a 12%).

a pertinência do P/P para a implementação da legislação comunitária em matéria ambiental (p.ex. PPs associados à gestão de resíduos ou água, saneamento)

A PNRS possui relação com várias legislações ambientais brasileiras (como a PNMA- 6938/81, a PNRH - 9433/97, a lei de crimes ambientais 9.605/1998, a PNSB). Os planos de resíduos sólidos podem estar associados aos planos de saneamento básico, às deliberações de comitês de bacia hidrográfica, etc. Apesar disso, necessitam respeitar às diretrizes mínimas exigidas na PNRS.

CARACTERÍSTICAS DOS EFEITOS E DA PROVÁVEL ÁREA A SER AFETADA, CONSIDERANDO EM PARTICULAR:

Política Nacional de Resíduos Sólidos - BRASIL- 2010

a probabilidade, duração, frequência e reversibilidade dos efeitos

A PNRS cobre todo o território brasileiro, mas a implantação das suas diretrizes ocorrerá a partir da elaboração de planos de resíduos nos distintos níveis federativos. Logo, determinar a probabilidade, duração, frequência e reversibilidade dos efeitos só poderá ocorrer em escalas menores de planejamento durante a preparação dos planos microrregionais e municipais. O Plano Nacional de RS, está elaborado desde 2011, contudo necessita aprovação de alguns ministérios, fato que o inviabilizou de ser colocado em prática, podendo intensificar a duração e a frequência de determinados efeitos.

a natureza cumulativa dos efeitos

Como há exigência de DFAA e da implantação da hierarquia de resíduos, uma série de instalações para tratar os resíduos serão necessárias e se forem implantadas em estreita proximidade podem contribuir para potenciais efeitos cumulativos. Contudo, esses efeitos não podem ser determinados a nível nacional, uma vez que a implantação da PNRS ocorrerá através da elaboração de planos em esferas inferiores (principalmente em nível local). Desse modo, os efeitos cumulativos podem ser 863

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

considerados através de AAEs e da seleção dos locais a serem implantadas as instalações de tratamento de resíduos durante o planejamento. A PNRS ainda solicita que sejam identificadas áreas degradadas pela disposição inadequada de RS que necessitem de recuperação ambiental, e considere os efeitos cumulativos das instalações anteriores sobre a saúde da população e o meio ambiente. a natureza efeitos

transfronteiriça

dos

Não menciona efeitos transfronteiriços decorrentes da execução da PNRS na própria lei e/ou no Plano Nacional de RS. Contudo já foi identificado o recebimento de resíduos de outros países (não está previsto na lei) e dependendo das ações de GRS implantadas em municípios limítrofes há a possibilidade de surgir algum efeito transfronteiriço.

Os riscos para a saúde humana ou o meio ambiente

As diretrizes da PNRS são voltadas para minimizar os riscos à saúde humana ou ao meio ambiente. Contudo ao propor o desenvolvimento/implantação de novas tecnologias de gestão de resíduos, os efeitos potenciais decorrentes destas precisam ser identificados/previstos antecipadamente, devido aos riscos oriundos dos tipos de tratamentos, bem como, das localizações de DFAA.

a magnitude e a extensão espacial dos efeitos (área geográfica e tamanho da população provável de ser afetada)

A área e o tamanho da população a ser afetada estão diretamente relacionados à escala do local no qual serão implantadas às estruturas de tratamento e DFAA dos resíduos, bem como à disponibilidade de recursos naturais e biodiversidade presentes na área a ser utilizada para tal.

O valor e a vulnerabilidade da área suscetível de ser afetada devido a: *características naturais específicas ou ao patrimônio cultural; *excedeu normas de qualidade ambiental ou valoreslimite; * utilização intensiva do solo

Os efeitos potenciais do desenvolvimento de locais individuais para o uso de GRS não pode ser determinado a nível nacional, como a implementação de políticas nacionais de planejamento dos resíduos ocorrerá através da elaboração de planos de resíduos locais, e posterior determinação dos pedidos de planejamento por parte das autoridades de resíduos na esfera municipal. Porém, com a exigência da DFAA, os municípios (individualmente ou por soluções consorciadas) necessitam dispor os seus rejeitos em aterros sanitários. E com o número atual destes não é possível atender a todas as demandas dos municípios exigindo a construção de novos aterros, fato que demanda maior uso (intensivo) do solo. Além disso, há necessidade de atender a hierarquia de resíduos, a fim de minimizar os danos do uso exacerbado do solo.

os efeitos sobre as áreas ou paisagens que têm um nível nacional, comunitário ou de proteção internacional reconhecidas.

Não se pode determinar a nível nacional os efeitos potenciais do desenvolvimento de áreas individuais destinadas ao uso de gestão de resíduos. É importante destacar que não há previsão de informações específicas de localização dos planos, razão pela qual se deve atentar para as práticas de disposição ilegal de resíduos, as quais podem afetar negativamente a paisagem e as regiões de proteção ambiental que porventura venham a situar-se próximas aos locais de despejo.

Fonte: Informações oriundas de artigos publicados e da interpretação da Lei 12.305/2010.

864

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Os resultados obtidos na tabela possibilitam verificar que os aspectos ambientais estão intrinsecamente relacionados à estruturação do sistema de planejamento e as decisões tomadas pelas autoridades, com maior enfoque para os governos da esfera local, uma vez que são os principais executores da GRS. Essas observações também ocorreram nos relatórios de triagem aqui discutidos (Nicholls et al, 2012; RPS, 2014), bem como nas discussões da Desmond (2009). Contudo, as diretrizes necessitam ser elaboradas respeitando as demandas, a realidade e as prioridades de atuação daqueles que serão os principais executores. Nesse sentido, percebe-se a importância do planejamento antecipado em níveis mais estratégicos das diretrizes preconizadas na PNRS mediante o quadro da gestão de resíduos no país. As disparidades regionais e a expressiva dimensão do país faz com que essas diretrizes apresentem dificuldades no tocante à sua implementação e à melhoria contínua da gestão, uma vez que ao se verificar as informações constantes na tabela e os dados do Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil ABRELPE (2014), evidencia-se, por exemplo, maior dificuldade de preparação e implantação de ações de GRS, bem como dos Planos Estaduais e Municipais por parte das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste. É relevante atentar para os efeitos ambientais que surgirão da não entrega dos PMRS, o qual apresenta relação direta com os Planos Municipais de Saneamento Básico; também das diferentes conexões que as PPs estabelecem entre si e da congruência com o setor de RS. Fato que poderia facilitar a integração e a implementação de PPs de planejamento de RS. Nas discussões de Besen et al, (2014) verificou-se o não cumprimento do prazo de apresentação dos planos de saneamento por todos os municípios brasileiros e da não inserção do tema resíduos sólidos nos planos apresentados por alguns municípios. Faltou ainda considerar a necessidade de prever os riscos transfronteiriços nos casos de municípios que tenham opções de tratamento muito próximas ou que possam afetar países vizinhos. Apesar disso, foi considerada na Política a proibição sobre a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos (art.49), porém conforme dados da ANVISA (2011), ocorreu um caso de recebimento de resíduos hospitalares no Porto de Suape (BA) importados dos EUA, com uma falsa designação de que o material seria tecido de algodão com defeito. Entre os problemas ambientais relevantes para a PNRS destacam-se questões estruturais do sistema que podem gerar efeitos ambientais negativos: a variação pouco significativa da universalização da coleta seletiva após a implantação da política, mesmo com a existência de algumas políticas que anteciparam o desenvolvimento dessa meta como a PERS de São Paulo (12.300/2006) (BESEN et al., 2014). Complexidade em quantificar os RSU gerados per capita (em áreas urbanas e rurais), pois a disposição irregular, a coleta informal e insuficiência do sistema de coleta pública impedem que parcela dos resíduos sólidos gerados seja coletada e contabilizada (Nascimento et al., 2015). Falta uma base de dados adequada, a fim de avaliar os impactos potenciais para as alternativas do sistema e tomar decisões na gestão brasileira de resíduos eletroeletronicos (REE) (Souza et al., 2016). Dificuldade na tomada de decisão pelos gestores públicos devido à limitada capacidade técnica e administrativa para a GRS (Ferri et al., 2015). Ademais, segundo este autor, há municípios que dispõem seus resíduos de maneira inadequada e ainda após a lei 12.305 pagam para enviar os resíduos a centenas de quilometros de distância. Cabe ressaltar as dificuldades em considerar a cumulatividade dos impactos, em especial se tratando de níveis mais elevados de planejamento como é o caso da Política, contudo as possibilidades de implantação de sistemas de tratamento de GRS só poderão ser identificadas nos níveis regionais e municipais. A aplicação dos critérios da Diretiva de AAE à PNRS permitiu observar que os efeitos ambientais não podem ser completamente determinados em nível nacional, uma vez que as diretrizes são elaboradas de maneira abrangente e não se tem na política um grau de detalhamento como no nível dos planos e programas. Desse modo, exigindo conhecer o planejamento das autoridades 865

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

do setor em nível municipal. Sobretudo, reconhecer que a AAE pode ser correlacionada ao planejamento proposto pela PNRS. No caso do Brasil, como a PNRS já está implantada não há mais a viabilidade de considerar os possíveis efeitos ambientais do processo de preparação da lei (política e sua aprovação). Contudo, há a possibilidade de utilização da AAE antes da aprovação dos planos ou programas estaduais, regionais ou municipais nos casos dos PPPs que estão em elaboração e dos que não foram iniciados, ou seja, antes de serem submetidos ao processo legislativo. Ainda pode ser utilizada nos processos de revisão da Política Nacional e de todos os PPPs decorrentes dela. Para que os efeitos ambientais possam ser analisados antes de se iniciarem novos ciclos de aplicação/planejamento de ações no setor de RS. 5. Conclusões O desenvolvimento deste estudo favoreceu reconhecer a relevância da aplicação dos critérios do anexo II da Diretiva de AAE, para investigar o potencial das PPs causarem efeitos ambientais significativos e antecipar a avaliação sobre estes aos planejadores do setor, a fim de contribuir para um melhor processo de tomada de decisão. Sobretudo, se há necessidade de realizar uma avaliação ambiental estratégica. Tornou-se evidente também a importância de planejar antecipadamente em níveis mais elevados, a fim de encontrar as diretrizes adequadas às esferas de planejamento e minimizar os efeitos ambientais negativos, a partir da utilização das informações fornecidas pelas AAEs. E, principalmente de melhor orientar os níveis estratégicos posteriores, visto que no caso do planejamento de resíduos sólidos, os principais executores estarão nos níveis locais, nos quais serão visualizados os primeiros impactos. Ao final, conclui-se que a PNRS, embora tenha sido elaborada para proporcionar efeitos ambientais positivos e o bem-estar da população, tem potencial para causar efeitos ambientais indesejados decorrentes de sua implementação, que devem ser considerados ao longo dos diferentes níveis estratégicos de planejamento (nacional, estadual e municipal) e pelos diferentes instrumentos (planos e programas) que a integram. Desse modo, aplicando-se os critérios de triagem apresentados pela Diretiva Europeia, aPlNRS e os instrumentos de planejamento por ela definidos seriam objetos de Avaliação Ambiental Estratégica. Isso aponta, portanto, a necessidade de se implementar um instrumento desse tipo no contexto Brasileiro. As informações apresentadas poderão iluminar o processo de elaboração de ações estratégicas, dar oportunidades para promoção de efeitos positivos, facilitará a identificação de elementos para a compatibilização de objetivos estratégicos ao longo dos diferentes níveis de planejamento. Assim como deverão oferecer aos tomadores de decisão elementos relevantes para a implementação da PNRS. Referências Abrelpe (2014). Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2014. Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. São Paulo. Anvisa (2011). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa e Receita apreendem mais uma carga de lixo hospitalar em Pernambuco. http://s.anvisa.gov.br/wps/s/r/sqR (acessado: 05.04.2016) Brasil (2010a). Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei no 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, e dá outras providências. Disponível em: 866

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ato2007-2010/2010/Decreto/ D7404.htm Acessado: 20 out. 2013. Brasil (2010b). Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm Acessado: 20 out. 2013. Besen, G. R.; Ribeiro, H.; Günther, W. M. R.; Jacobi, P. R, 2014. Coleta seletiva na Região Metropolitana de São Paulo: impactos da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ambiente & Sociedade, v. 17, n. 3, p. 259–278. Cardoso Gomes, M.H.S. et al., 2014. Política Nacional de Resíduos Sólidos: Perspectivas de Cumprimento da Lei 12.305/2010 pelos municipios brasileiros, paulistas e da região do ABC. Revista de Administração da UFSM, 7(0), pp.93–110. Chaves, G.D.L.D., dos Santos, J.L. & Rocha, S.M.S., 2014. The challenges for solid waste management in accordance with Agenda 21: a Brazilian case review. Waste management & research : the journal of the International Solid Wastes and Public Cleansing Association, ISWA, 32(9 Suppl), pp.19–31. Desmond, M., 2009. Identification and development of waste management alternatives for Strategic Environmental Assessment (SEA). Environmental Impact Assessment Review, 29, pp.51–59. Deus, R.M., Battistelle, R.A.G. & Silva, G.H.R., 2015. Resíduos sólidos no Brasil: contexto, lacunas e tendências. Engenharia Sanitaria e Ambiental, 20(4), pp.685–698. Ferri, G.L., Diniz Chaves, G. de L. & Ribeiro, G.M., 2015. Reverse logistics network for municipal solid waste management: The inclusion of waste pickers as a Brazilian legal requirement. Waste Management, 40, pp.173–191. Fischer, T.B., 2007. Theory and practice of strategic environmental assessment: towards a more systematic approach. Earthscan: USA. Fischer, T.B., 2006. Strategic environmental assessment and transport planning: towards a generic framework for evaluating practice and developing guidance. Impact Assessment and Project Appraisal, 24(3), pp.183–197. Heber, F. & Moura, E., 2014. Institucionalização da Política Nacional de Resíduos Sólidos : dilemas e constrangimentos na Região Metropolitana de Aracaju ( SE ). Administração Pública, 48(4), pp.913–937. Josimović, B., Marić, I. & Milijić, S., 2014. Multi-criteria evaluation in strategic environmental assessment for waste management plan, a case study: The city of Belgrade. Waste Management. Koornneef, J., Faaij, A. & Turkenburg, W., 2008. The screening and scoping of Environmental Impact Assessment and Strategic Environmental Assessment of Carbon Capture and Storage in the Netherlands. Environmental Impact Assessment Review, 28(6), pp.392–414. McLauchlan, A. & João, E., 2012. The inherent tensions arising from attempting to carry out strategic environmental assessments on all policies, plans and programmes. Environmental Impact Assessment Review, 36, pp.23–33. Montaño, M., Oppermann, P., Malvestio, A. C., Souza, P.M., 2014. Current State Of The Sea System In Brazil: A Comparative Study. Journal of Environmental Assessment Policy and Management, 16(2), p.1450022.

867

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Nascimento, V. F; Sobral, A. C; Andrade, P. R. de; Ometto, J.P.H.B., 2014. Evolução e desafios no gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos no Brasil. Revista Ambiente e Agua, 9(3), pp.445–458. Nicholls, K., Livingston, T., Owen, J. (2012). Strategic Environmental Assessment of the revised national waste planning policy. Screening/Scoping Report. Department for Communities and Local Government. Land Use Consultants (LUC), London. RPS, (2014). Regional Waste Management Plans (Baile Àtha Cliath – Dublin City; Limerick City e County; Comhairle Contae Thiobraid Árann – Tipperary County Council). Strategic Environmental Assessment. Screening Statement. Ireland. Salhofer, S., Wassermann, G. & Binner, E., 2007. Strategic environmental assessment as an approach to assess waste management systems. Experiences from an Austrian case study. Environmental Modelling & Software, 22(5), pp.610–618. Sheate, W.R., Byron, H.J. & Smith, S.P., 2004. Implementing the SEA Directive: sectoral challenges and opportunities for the UK and EU. European Environment, 14(2), pp.73–93. Souza, R.G. de et al., 2016. Sustainability assessment and prioritisation of e-waste management options in Brazil. Waste Management. Stoeglehner, G., 2010. Enhancing SEA effectiveness: lessons learnt from Austrian experiences in spatial planning. Impact Assessment and Project Appraisal, 28(3), pp.217–231. Stoeglehner, G. & Wegerer, G., 2006. The SEA-Directive and the SEA-Protocol adopted to spatial planning-similarities and differences. Environmental Impact Assessment Review, 26(6), pp.586– 599. Therivel, R. Strategic Environmental Assessment in action. 3nd Edition. London: Earthscan, 2010. UNECE, 2003. Protocolo relativo à avaliação ambiental estratégica. Reunião das Partes na Convenção sobre a Avaliação dos Impactos Ambientais em um Contexto Transfronteiras. Comissão Econômica para a Europa, Nações Unidas, Kiev. União Europeia (UE), 2001. Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente. 27 de junho de 2001. Victor, D. & Agamuthu, P., 2013. Strategic environmental assessment policy integration model for solid waste management in Malaysia. Environmental Science & Policy, 33, pp.233–245.

868

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

LEVANTAMENTO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE RESÍDUOS NA ALIMENTAÇÃO DE VACAS DE LEITE NO SUL DO BRASIL

Márcia Aparecida Andreazzi (Professora orientadora PPGTL/ UNICESUMAR), Maria de Los Angeles Perez Lizama (Pós-doutoranda PPGTL), Fábio Luiz Bim Cavalieri (Docente PPGTL/ UNICESUMAR), Adriano Rogério Mendes (Mestrando PPGTL/ Unicesumar), Antonio Hugo Bezerra Colombo (Mestrando PPGTL/ Unicesumar) Karina Volpe de Oliveira (graduanda Med. Vet., orientada de IC/ UNICESUMAR), Rafaela Herrera (graduanda Med. Vet., orientada de IC/ UNICESUMAR) Victor Hugo Cortez Dias (graduando Med. Vet., orientado de IC/ UNICESUMAR).

Abstract: A demanda da população mundial por leite vem crescendo progressivamente nos últimos anos. Bovinocultores devem aumentar a produção para atender esta demanda, porém, esse aumento resulta em maiores investimentos. Considerando que os gastos com a alimentação alcançam até 70% dos custos totais da produção de leite, o emprego de resíduos e/ou subprodutos agroindustriais na alimentação das vacas é pertinente. Ressaltamos duas principais vantagens com a adoção desta prática: a destinação destes resíduos e/ou subprodutos, os quais, muitas vezes, representam sérios problemas ambientais e a redução dos gastos com a alimentação animal, em função da substituição de alimentos convencionais, geralmente mais onerosos, pelo resíduo. Portanto, esta prática fomenta a sustentabilidade econômica e ambiental desta cadeia produtiva. O objetivo deste trabalho foi caracterizar os principais resíduos e/ou subprodutos agroindustriais ofertados na alimentação de vacas de leite em 50 propriedades, com rebanho entre 40 a 100 vacas em lactação, cada uma, no sul do Brasil e verificar as consequências desta prática. Como resultado, foi possível constatar que os principais resíduos utilizados são a polpa cítrica, o bagaço de cana-de açúcar, a casca de soja, destacando-se, principalmente, os resíduos das indústrias de mandioca. A mandioca é uma planta nativa do Brasil que possui boas características nutritivas e uma ampla variedade de utilização. Os resíduos do seu processamento podem conter até 60% de amido, por isso, podem ser empregados como substitutos dos alimentos energéticos tradicionalmente utilizados na alimentação de vacas de leite, como o milho por exemplo. Na região estudada este resíduo se destaca em função do grande número de fecularias, resultantes da grande produção, que abrange mais de 50% da produção nacional. Contudo, apesar das vantagens econômicas relacionadas à oferta de resíduo de mandioca para as vacas de leite, observou-se que, nas propriedades com menor número de animais (40 a 50) o fornecimento ocorre sem controle, resultando em consumo excessivo pelos animais, fato que levou a ocorrência de vários distúrbios, principalmente acidose ruminal, tanto aguda como subaguda, em 50% destas propriedades. A acidose ruminal é uma grave doença que acomete animais ruminantes e ocorre em função da grande ingestão de alimentos ricos em carboidratos, como é o caso do resíduo de fecularia. As vacas acometidas com a forma aguda frequentemente vão a óbito, em função de graves complicações, como desidratação severa, infecção fúngica e problemas neurológicos. Algumas vacas desenvolvem a forma subguda da doença, que pode provocar problemas digestivos, locomotores e reprodutivos. Constatou-se que as propriedades que possuem um número maior de animais ofertam este resíduo de forma controlada, empregando o canzil ou monitorando o tempo de acesso das vacas ao alimento, resultando em melhores resultados. Como o resíduo de mandioca apresenta fácil digestão, seu fornecimento sem controle pode acelerar a fermentação ruminal e acarretar problemas, sendo 869

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

assim, conclui-se que a viabilidade da oferta deste resíduo merece atenção, pois apesar do benefício ambiental e econômico de sua utilização, deve-se considerar o manejo correto visando evitar problemas nutricionais e fisiológicos aos animais.

Palavras-chave: alimentação animal, gado de leite, sub-produtos, resíduos, sustentabilidade.

870

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Determinação da Evapotranspiração através do modelo SEBAL - METRIC para a região centro - sul da bacia do Rio Pajeú, Pernambuco, Brasil. Felipe Alcântara de Albuquerque1, Suzana Maria Gico Lima Montenegro2, Bernardo Barbosa da Silva3, Helder de Barros Guimarães4 1

Instituto Federal de Pernambuco - IFPE, [email protected]

2

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, [email protected]

3

Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, [email protected]

4

Ministério da Defesa - Cmdo da 7 RM - 7 DE Brasil, [email protected]

Resumo O modelo SEBAL vem sendo aprimorado para se reutilizado com diferentes finalidades desde a sua criação. A determinação da evapotranspiração em escala regional pode desempenhar um papel central na avaliação ambiental das características hídricas da paisagem. Neste estudo que segue, o modelo SEBAL foi utilizado juntamente com as considerações do já conhecido modelo METRIC para mapeamento da evapotranspiração em áreas semi áridas do nordeste do Brasil. Foi utilizada uma imagem do satélite Landsat 5 TM datando de 20/10/2009, período este que representa final de estação seca, sem chuvas antecedentes. A região é conhecida como Pajeú, por conta da abrangência hidrográfica, sendo, que, o recorte utilizado para estudo foi da formação centro - sul da bacia hidrográfica do rio Pajeú, com base na estrutura do banco de dados do projeto Ottobacias do Brasil da Agencia Nacional de Águas (ANA). O fluxo de calor no solo em média foi de 124,44 W/m². O fluxo de calor sensível apresentou valor médio de 281,32 W/m². O valor médio observado para o fluxo de calor latente foi de 315,94 W/m², apresentando características inversamente proporcionais em relação ao calor sensível. Portanto, a evapotranspiração 24 horas para a região centro-sul da bacia hidrográfica do Pajeú foi em média 4,14 mm/dia¹. Os maiores valores se concentraram nas áreas de reservatório, produção irrigada e vegetação nativa densa, valorando 11,04 mm/dia¹. O valor mínimo foi encontrado em regiões de solo exposto em topos de morro e áreas urbanas, sendo possível observar valores muito próximos a 0 mm/dia¹. A partir destes dados é possível realizar diversos outros estudos, direcionando a construção de novos panoramas para a tomada de decisão nessa região de difícil manejo hídrico. Assim a contribuição deste tipo de tecnologia remota, pode sim de fato ajudar à gestão e manejo dos recursos hídricos regionais. Palavras-chave: Geoprocessamento; Sensoriamento remoto; Hidrologia; Semiárido. 1. Introdução A evapotranspiração (ET) é um fenômeno de grande relevância no ciclo hidrológico, uma vez que alimenta a atmosfera com vapor d’água oriundo dos processos de evaporação das superfícies livres e transpiração dos vegetais. Em micro bacias, escalas intermediárias, a evapotranspiração e a precipitação compõem parâmetros fundamentais no balanço hídrico. O balanço dessas duas componentes resulta na vazão do sistema de drenagem (Sentelhas & Angelocci, 2009). O conhecimento da evapotranspiração real - ETr das culturas e da vegetação em geral é de fundamental importância em atividades ligadas a gestão de bacias hidrográficas, em modelagens meteorológica e hidrológica e, sobretudo, no manejo hídrico da agricultura irrigada (Bezerra et al., 2008). Para quantificação da ET são utilizados diversas metodologias e métodos, os quais podem ser agrupados em três categorias: método do balanço hídrico, métodos micrometeorológicos e 871

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

métodos empíricos. Os métodos supracitados apresentam uma limitação para o cômputo da ET por serem pontuais e para condições específicas, não representando uma escala regional. A determinação da ET em escala regional é fundamental para resolver alguns problemas de ordem ambientais, como por exemplo, planejamento de áreas agrícolas, previsão de cheias, construção e operação de reservatórios entre outros (Ferreira e Meirelles, 2011). Atualmente o sensoriamento remoto se apresenta como uma ferramenta para determinação da ET em áreas heterogenias e de grandes dimensões. O grande atrativo do uso desse tipo de técnica é a possibilidade da determinação da ET precisamente com facilidade, agilidade e a custos relativamente baixos. Imagens orbitais obtidas por diversos tipos de satélite podem ser ferramentas úteis para avaliação da distribuição espacial e do status de componentes ambientais. Por sua vez, os corpos hídricos são elementos que apresentam potencial para aplicações práticas de sensoriamento remoto orbital, tanto pelas suas facilidades em interagir com a energia eletromagnética como pela sua importância estratégica. Apesar de todo avanço em técnicas de sensoriamento termal para investigação de climas urbanos e rurais, deve-se progredir em três vastas áreas, sendo estas: determinação adequada da radiação, melhor compreensão das relações entre as temperaturas de superfície, do ar e do balanço energético, e por fim obter melhor validação dos parâmetros dos sensores termais. Atualmente, técnicas de sensoriamento remoto que se utilizam de imagens de satélites também estão sendo aplicadas na obtenção do balanço de energia e, como consequência, na estimativa da evapotranspiração (Bezerra et al, 2008; Amiri et al, 2009). Assim, este artigo propõe a determinação da evapotranspiração diária para escalas regionais, através de técnicas e modelos que utilizam sensoriamento remoto como base para desenvolvimento e análise via geoprocessamento de dados geográficos. 2. Materiais e Métodos 2.1 Descrição da área de estudo A bacia hidrográfica do rio Pajeú está inserida no contexto de bacias experimentais e representativas da SUDENE (Cirilo et al., 2007), localizando-se entre as coordenadas geográficas de 07° 16' 20" e 08° 56' 01" de latitude sul e 36° 59' 00" e 38° 57' 45" de longitude a oeste de Greenwich. Está inserida na região fisiográfica do Sertão de Pernambuco, nas microrregiões do Pajeú, do Sertão do Moxotó, do Salgueiro e de Itaparica. A bacia hidrográfica do rio Pajeú limita-se ao norte com os estados do Ceará e Paraíba, ao sul com o terceiro grupo de bacias de pequenos rios interiores GI3 (UP22) e com a bacia hidrográfica do Moxotó, a leste com a bacia hidrográfica do Moxotó e o estado da Paraíba e a oeste com a bacia hidrográfica do rio Terra Nova (UP10) e o quarto grupo de pequenos rios interiores GI4 (UP23). É uma das bacias pernambucanas da vertente do Rio São Francisco e a mais extensa dentre as bacias hidrográficas do estado, com uma área de 16.685,65 km2, que corresponde a 17,02% da superfície estadual (SRH-PE, 2013). A área possui médias pluviométricas anuais inferiores a 800 mm, concentradas nos meses de fevereiro, março e abril, período no qual as precipitações representam até 70% do total anual (SECTMA-PE, 2006) e onde estão localizadas as nascentes dos primeiros formadores da rede hidrográfica. Na bacia do rio Pajeú, como em toda a Mesorregião do Sertão Pernambucano, a agricultura de sequeiro e a pecuária constituem a principal base econômica da região, e a exploração ultra extensiva da pecuária, constituem fatores determinantes da fragilidade da economia. A irrigação está presente com pequena influência, devido ao potencial hídrico gerado na própria região. 872

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

A escolha dos limites da área para realização da modelagem obedeceu o recorte do mosaico das microbacias integradas brasileiras referente ao projeto ottobacias da Agência Nacional de Águas ANA, formando assim, um fragmento paisagístico fracionado a partir da região central do estado de Pernambuco, correspondendo por grande parte da bacia hidrográfica do Pajeú.

Figura 1. Determinação da área de recorte, neste caso, a porção centro sul da bacia hidrográfica do rio Pajeú.

2.2 Método 2.2.1 Aplicação do modelo SEBAL - METRIC na obtenção da evapotranspiração regional. O SEBAL é um dos mais destacados algoritmos do sensoriamento remoto, muito utilizado em estudos dos fluxos de calor latente e sensível à superfície (Bastiaanssen et al., 1998a,b; Bastiaanssen, 2000; Morse et al., 2000; Allen et al., 2002a) fazendo uso de imagens de satélite e poucos dados de superfície, o que torna o processo efetivo e econômico, com a vantagem de proporcionar resultados com grande cobertura espacial. O algoritmo METRIC (Allen et al., 2007a) também foi desenvolvido para o cômputo dos componentes do balanço de energia. A determinação do saldo de radiação por este modelo é baseado em estimativas e medidas a superfície e por imagens de satélite, computado pela soma entre o balanço de radiação de onda curta e de onda longa, pixel a pixel. A partir de imagem do satélite Landsat 5 TM, precisamente da orbita 216 ponto 66, na data 20/11/2009 foram realizados os procedimentos para aplicação dos modelos combinados. As imagens foram corrigidas geometricamente e posteriormente foi possível realizar com segurança a etapa de exclusão das áreas nebulosas, ou seja, áreas com cobertura de nuvens, para realização do geoprocessamento. 873

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

3. Resultados e Discussões A etapa inicial para modelagem constituiu o cômputo da radiância espectral de cada banda ( L λi ), esta, obtida através da transformação do Número Digital (ND, ou DN do inglês: Digital Number) de cada pixel da imagem em radiância espectral monocromática, processo este, que, também é conhecido por ser a efetivação da calibração radiométrica. As radiâncias, que, representam a energia solar refletida por cada pixel, por unidade de área, de tempo, de ângulo sólido e de comprimento de onda, medida ao nível do satélite Landsat 5 TM, para as bandas espectrais, representa a energia emitida por cada pixel segundo a equação de Markham & Baker (1987):

L!! = a! +

!! !!! !"#

ND − 1

(1)

Sendo que: “a” e “b” são as radiâncias espectrais mínimas e máximas (Wm-2 sr-1µm-1) relatados por Chander e Markham (2007), ND é a intensidade do pixel (número inteiro entre 0 e 255) e “i” cada banda do satélite Landsat 5 TM. Na segunda etapa obteve-se o cômputo da reflectância monocromática de cada banda (ρ λi ) , esta, definida como sendo a razão entre o fluxo de radiação refletida e o fluxo de radiação incidente. De posse dos mapas de radiância espectral de cada banda, informações sobre cosseno do ângulo zenital solar e irradiância espectral no topo da atmosfera seguindo Chander e Markham (2007), estimou-se a refletância espectral planetária em cada banda, através da equação de Allen et al., (2002), com base na primeira concepção descrita em Bastiaanssen, (1995):

ρ!! =

!∙!!! !!! ∙!"# !∙!!

(2)

Sendo que, L λi é a radiância espectral de cada banda, k λi é a irradiância solar espectral de cada −2

−1

banda no topo da atmosfera (Wm µm , Tabela 2), Z é o ângulo zenital solar e d r é a razão entre a distância média Terra-Sol (ro) e a distância Terra-Sol (r) em dado dia Juliano do ano (DJ), de acordo com Iqbal (1983). Com o uso do METRIC, foi possível fazer a correção angular para cômputo da reflectância planetária, corrigindo dessa forma, a falha do modelo SEBAL original em considerar o cosseno do ângulo de incidência da radiação solar constante para toda imagem, assim, usando as correções do METRIC nessa etapa podemos observar um ajuste acerca da inclinação da superfície e consequentemente o valor final da reflectância e de outras variáveis relacionadas. Assim sendo, para tornar o modelo mais sensível às variantes superficiais, utilizou-se a proposta de cálculo para o ângulo zenital solar para cada pixel. Nas áreas que apresentam inclinações acentuadas o ângulo de incidência da radiação solar depende da inclinação da superfície e do seu aspecto, isto é, do azimute da normal da superfície, necessitando nesse caso, do Modelo de Elevação Digital do terreno – DEM, e obtido pela equação proposta por Duffie e Beckman (1991): cosθ!"# = sin δ sin ɸ cos s − sin δ cos ɸ sin s cos γ

(3)

+cos δ cos ɸ cos s cos ω 874

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

+cos δ sin ɸ sin s cos γ cos ω +cos δ sin γ sin s sin ω onde δ é a declinação do sol (positiva no verão do hemisfério norte); φ é a latitude do pixel (positivo para o hemisfério norte e negativa para o hemisfério sul); s é a inclinação da superfície, onde s=0 para horizontal e s=π/2 radianos para uma inclinação decrescente na vertical (s é sempre positivo e representa o decréscimo da inclinação em alguma direção); ϒ é o ângulo do aspecto da superfície, onde ϒ=0 para inclinações orientadas para sul, ϒ=-π/2 radianos para inclinações orientadas para leste, ϒ=+π/2 radianos para inclinações orientadas para oeste, e ϒ=±π radianos para inclinações orientadas para norte. O parâmetro ω é o ângulo horário, onde ω=0 ao meio dia, ω é negativo no período da manhã e positivo no período da tarde. Todas as funções trigonométricas estão em radianos. Para uma superfície plana, no qual o aspecto e a inclinação são ignorados, a Equação 3 é reduzida para Eq. (4), que é o ângulo solar usado na Eq. (4). cosθ!"# = sin δ cos ɸ + cos δ cos ɸ cos ω

(4)

De posse do ângulo de elevação do sol (E), o ângulo zenital solar para uma superfície plana e horizontal pode ser calculado como diferença entre o ângulo de culminação solar e o ângulo da elevação, para uma superfície plana, como se segue: Cos θ = cos(90° − E)

(5)

Uma outra característica importante é que através da correção do cosZ para o cosθhor é a possibilidade de reorganizar o albedo não ajustado à transmissividade atmosférica que agora utilizará o valor do cosθhor para cada pixel. A etapa seguinte à calibração radiométrica e à reflectância é o cômputo do albedo planetário

(α toa ) , este, que é o albedo não ajustado a transmissividade atmosférica, obtido pela combinação linear das reflectâncias monocromáticas: α!"# = 0,293ρ! + 0,274ρ! + 0,233ρ! + 0,157ρ! + 0,033ρ! + 0,011ρ! (4)

Sendo que,

ρ1 , ρ 2 , ρ 3 , ρ 4 , ρ 5 e ρ 7

são os albedos planetários das bandas 1, 2, 3, 4, 5 e 7.

O albedo à superfície ou também conhecido como albedo corrigido às variantes atmosféricas, pôde ser calculado com base na expressão:

α=

!!"# !!! !!!"

(5)

875

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

em que αtoa é o albedo planetário, αp é a radiação solar refletida pela atmosfera, que varia entre 0,025 e 0,04. No SEBAL, este valor geralmente é considerado igual a 0,03 (BASTIAANSSEN, 2000; SILVA et al., 2005) e τsw é a transmissividade atmosférica, obtida para condições de céu claro em função da altitude de cada pixel, por equação proposta por ASCE-EWRI (2005). O procedimento utilizado de calculo da τsw é descrito como método de maior refinamento por Allen et al, (2007) na proposição do modelo METRIC, sendo:

τ!" = 0.35 + 0.627 exp[−

P = 101.3

!.!!"#$% !! !"#!!"#

− 0.075

!"#!!.!!"#$ !.!" !"#

! !"#!!"#

!.!

] (6)

...(7)

W = 0.14e! P!"# + 2.1 (8) onde P é a pressão atmosférica (kPa) – Eq. (7); W é a água precipitável (mm) – Eq. (8); θhor é o ângulo zenital solar com a superfície horizontal - Eq. (4); Kt é o coeficiente de turbidez da atmosfera - Kt=1 para céu claro e Kt=0,5 para turbidez extrema, com muitas partículas ou para o ar poluído (ALLEN 1996; ALLEN et al., 1998). A fase inicial do modelo segue ainda com a determinação dos índices de vegetação (NDVI, SAVI e IAF), emissividades (ε! e ε!" ), temperatura de superfície (TST), radiações de ondas longas e curtas (R !",!"# e R !"#,!"# ), para cômputo final do balanço de radiação pela proposta do METRIC, concretizado no saldo de radiação corrigido: R ! = R !"#,!"# 1 − α!"# − R !",!"#$ + R !",!"# − 1 − ε! R !",!"# ... (9) em que Rsol,inc (W m-2) é a radiação solar global instantânea; αsup (adimensional) é o albedo da superfície; Rol,atm (W m-2) é a radiação de onda longa emitida pela atmosfera na direção da superfície; Rol,emi (W m-2) é a radiação de onda longa emitida pela superfície; e ε0 (adimensional) é a emissividade da superfície. Todos os detalhes relativos ao cômputo de cada uma das componentes do balanço de radiação se encontram em Silva et al. (2005). O método SEBAL em particular se focaliza na determinação do balanço energético e consequentemente no cômputo da evapotranspiração real diária. Segundo Silva et al, 2012, no SEBAL, a evapotranspiração real diária (ETr) é obtida a partir do fluxo de calor latente (LE), que é calculado como resíduo do balanço de energia à superfície: LE = R ! − G − H

(10)

em que Rn (W m-2) é o saldo de radiação; G (W m-2) é o fluxo de calor no solo; e H (W m-2) é o de fluxo de calor sensível.

876

1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre Modelos e Práticas de Sustentabilidade, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, 11-12 de julho de 2016

Determinou-se o Rn em cada pixel da área de estudo, conforme a equação Eq. (9) descrita acima, observada em Allen et al., (2007). Já o fluxo de calor no solo (G), foi obtido por meio de modelo proposto por Bastiaanssen (2000):

G=

!! !

0,0038α + 0,0074α! 1 − 0,98NVDI !

R ! (10)

em que: Tsup (°C) é a temperatura da superfície; α (adimensional) é o albedo; IVDN (NDVI) (adimensional) é o índice de vegetação da diferença normalizada; e Rn (W m-2) é o saldo de radiação em cada pixel da imagem. Para efeito de cálculo, assumiu-se G = 0,3 Rn em corpos de água (IVDN
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.